Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
655/20.0T8FAF.G1
Relator: JORGE SANTOS
Descritores: PROCESSO DE PROMOÇÃO E PROTECÇÃO
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
MEDIDAS DE PROMOÇÃO E PROTECÇÃO
MEDIDA DE CONFIANÇA A INSTITUIÇÃO COM VISTA A FUTURA ADOPÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 06/15/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÕES
Decisão: IMPROCEDENTES
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
- A aplicação das medidas de promoção e proteção enunciadas no artigo 35.º da LPCJP visa afastar o perigo para a segurança, saúde, formação educação ou desenvolvimento da criança, gerado pelos pais, pelo representante legal ou por quem tenha a sua guarda de facto.
- A aplicação de qualquer medida de promoção e protecção encontra-se sujeita aos princípios orientadores constantes do art.º 4.º da LPCJP, devendo-se em primeiro lugar atentar na defesa do superior interesse da criança.
- A aplicação da medida de confiança com vista à adoção – art. 35º, alínea g) da LPCJP - pressupõe que se encontrem seriamente comprometidos os vínculos próprios da filiação, mercê da verificação objetiva de qualquer das situações previstas no n.º 1 do artigo 1978.º do CC.
- Essas situações são, nomeadamente, se os pais, por ação ou omissão, mesmo que por manifesta incapacidade devida a razões de doença mental, puserem em perigo grave a segurança, a saúde, a formação, a educação ou o desenvolvimento da criança(alínea d), ou se os pais da criança acolhida por um particular, por uma instituição ou por família de acolhimento tiverem revelado manifesto desinteresse pelo filho, em termos de comprometer seriamente a qualidade e a continuidade daqueles vínculos, durante, pelo menos, os três meses que precederam o pedido de confiança (alínea e).
Decisão Texto Integral:
Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães

I – RELATÓRIO

O Ministério Público intentou o presente processo de promoção e proteção da criança J. S., nascida em ..-11-2019 (2 anos), filha de A. C. e de E. V., devidamente identificada nos autos, alegando, em síntese, que na sequência de os progenitores não terem condições para lhe prestarem os necessários cuidados básicos foi a criança acolhida na instituição Associação de Apoio à Criança (ffAC), em Guimarães, logo após o seu nascimento, onde ainda permanece. Sucede que ao longo deste período, os progenitores não se esforçaram por reunir condições para poder acolher a criança. A progenitora continua sem rendimentos, sem residência estável, envolvendo-se em relacionamentos amorosos de curta duração e marcados por maus tratos e violência. A sua relação com a criança foi-se deteriorando, passando largos períodos sem a visitar. Por sua vez, o progenitor esteve sempre detido ou em cumprimento de pena de prisão e a criança não o conhece'.

O processo prosseguiu com vista a encontrar-se alternativa à medida aplicada de acolhimento residencial, sem sucesso.

O Ministério Público promoveu a aplicação da medida de confiança a instituição com vista à adoção, requerendo, para o efeito, a realização de uma conferência com vista à obtenção de acordo.

Em 25-11-2021foi realizada conferência com vista à obtenção de acordo de promoção e proteção para a aplicação da medida de confiança a instituição com vista à adoção, sendo que os progenitores não deram o seu acordo.

Foi dado cumprimento ao disposto no artigo 114º LPCJP.

O Ministério Público apresentou alegações por escrito e indicou prova, pugnando pela aplicação da medida de confiança judicial com vista à adoção (conforme requerimento de 8- 12-2021).

A ilustre patrona da menor apresentou alegações por escrito, pugnando pela aplicaçâo da medida de confiança judicial com vista à adoção (conforme requerimento de 15-12- 20219.

O ilustre patrono do progenitor apresentou alegações por escrito e indicou prova, pugnando pela aplicação de medida em meio natural de vida, opondo-se à medida sugerida de confiança judicial com vista à adoção (conforme requerimento de i6-12-2021).

A ilustre patrona da progenitora apresentou alegações por escrito e indicou prova, pugnando pela aplicação de medida em meio natural de vida, opondo-se à medida sugerida de confiança judicial com vista à adoção (conforme requerimento de 14-01 -2022).

Foi efetuado o debate judicial.

Foi proferida sentença que decidiu nos seguintes termos:

“- Assim, decide, por unanimidade, este Tribunal ser suficiente, proporcional e adequado ao caso em apreço, e com o fim de proporcionar e promover a formação, educação e bem estar, da criança J. S., nascida em ..-11-2019, filha de A. C. e de E. V.:
a) aplicar-lhe a medida de promoção e proteção de confiança à Associação de Apoio à Criança (44C), em Guimarães, com vista à sua futura adoção, e até que seja decretada, em substituição da medida de promoção e proteção de acolhimento residencial, nos termos previstos nos artigos 40, alíneas c) e e), 35o, n.o 1, alínea g), 38o, 38o-A, 62o, n,o 3, alínea b) e 620-A da LPCJP, na última redação da Lei no 2612018, de 05-07.
b) declarar a inibição do exercício das responsabilidades parentais por parte de A. C. e de E. V., em relação à criança J. S., nascida em ..-11-2019 - artigo 1978o-A do Código Civil.
c) nomear curador provisório da menor o Diretor técnico da Associação de Apoio à criança (AAC), em Guimarães, onde a menor se encontra (artigo 620-A, no3, da LPCJP).
Comunique ao Serviço de Adoção da Segurança Social e à Associação de Apoio à Criança (AAC).”

Inconformados com a sentença dela vieram recorrer a progenitora e o progenitor, este limitando-se a subscrever as alegações daquela, formulando as seguintes conclusões:

1. Nos termos do disposto nos artigos 662.º e 640.º do Código de Processo Civil, o Tribunal da Relação pode alterar a decisão sobre a matéria de facto, no caso vertente, uma vez que a Apelante a impugnou, os depoimentos estão gravados e constam dos autos todos os elementos e documentos com base nos quais foi proferida.
2. A Recorrente entende que se mostram incorretamente julgados os pontos 9, 12 e 18 dos factos provados, sendo que, em seu entender, os mesmos deveriam ter sido dados como não provados, na parte prejudicial, por erro de interpretação do Tribunal a quo sobre os mesmos.
3. Durante o período compreendido entre a admissão da J. S., que ocorreu dias após o seu nascimento, e meados de março de 2020, a D. E. V., mãe da criança, e aqui, Recorrente, visitou a filha de forma, relativamente assídua e pontual, contactando a instituição para informar a impossibilidade de comparecer ou para solicitar alterações de horários.
4. A situação pandémica e o decorrente confinamento geral ditaram a suspensão de todas as visitas de familiares, entre 11 de março e 18 de maio de 2020.
5. A 28 de maio de 2020, a Recorrente contactou telefonicamente a AAC (Associação Apoio à Criança) para informar que se encontrava a residir no Algarve e que agendaria visita quando se deslocasse ao norte, sendo que a partir desse momento, foram agendadas videochamadas semanais, à quarta-feira, que se mantiveram e que foram cumpridas pela Recorrente.
6. A Recorrente retomou as visitas à filha no dia 09 de junho de 2020 e, desde esse dia, foi visitando a filha com regularidade.
7. Assim, desde que as visitas foram retomadas após o confinamento, a Recorrente teve apenas um período inferior a 3 semanas sem ver a filha, por se encontrar no Algarve, mas tendo realizado videochamadas semanais.
8. Após a retoma das visitas, a 09 de junho de 2020, verificaram-se algumas ausências, relacionadas com questões de saúde e que foram, atempadamente, justificadas.
9. O histórico da Recorrente, nomeadamente, o facto de não ter mantido a guarda e o exercício das responsabilidades parentais dos seus filhos mais velhos, não podem relevar para a verificação objetiva dos pressupostos exigíveis para a aplicação da medida de confiança com vista a futura adoção, prevista no artigo 1978.º do Código Civil.
10. A Recorrente demonstrou ter condições para providenciar o seu sustento, sendo-lhe reconhecida boa capacidade profissional.
11. A matéria de facto dada como provada no ponto 12, nomeadamente, a condenação da Recorrente pela prática de um crime de ofensa à integridade física qualificada, não deve relevar para os presentes autos, na medida em que a prática do crime ocorreu mais de 3 anos antes ao nascimento da sua filha.
12. A Recorrente evidenciou esforços notórios para, ao longo do tempo, melhorar a sua condição de vida e em manter vínculos afetivos com a sua filha J. S., visitando-a presencialmente e convivendo em vídeo chamada com regularidade.
13. À Recorrente é reconhecida capacidades e competências como mãe, bem como uma relação afetiva com a filha J. S., muito mais sólida do que aquela que existe entre esta e o seu progenitor.
14. Não se encontram preenchidos os pressupostos para a aplicação da medida de confiança com vista a futura adoção, prevista no artigo 1978.º do Código Civil e no artigo 35.º, n.º 1, al. g) da LPCJP, por inexistência de uma situação de perigo, na medida em que a criança se encontra salvaguardada na instituição onde se encontra a residir desde os primeiros dias de vida, reconfigurada à situação de perigo definida no n.º 2 do artigo 3.º da LPCJP, e que é pressuposto necessário para a aplicação do artigo 1978.º do Código Civil, encontrando-se assim, a douta sentença recorrida, ferida de ilegalidade.
Termos em que,
Concedendo provimento ao presente recurso, revogando a douta sentença recorrida em conformidade com o exposto, V. Exas. farão, como sempre, INTEIRA E SÃ JUSTIÇA!

Houve resposta aos recursos por parte do Ministério Público e pela menor, nelas se pugnando pela total improcedência dos mesmos.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

II – OBJECTO DO RECURSO

A – Sendo o objecto do recurso definido pelas conclusões das alegações, impõe-se conhecer das questões colocadas pelos recorrentes, bem como das que forem do conhecimento oficioso, sem prejuízo daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras, importando notar que, em todo o caso, o tribunal não está vinculado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, atenta a liberdade do julgador na interpretação e aplicação do direito – arts. 635º e 636º do C.P.Civil.

B – Deste modo, considerando a delimitação que decorre das conclusões formuladas pelos recorrentes, cumpre apreciar:
- Da impugnação da matéria de facto;
- Se, em consequência e em todo o caso, deve ser revogada a sentença recorrida.

III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

- Factos considerados provados na sentença:

1. No dia .. de novembro de 2019, nasceu J. S. tendo sido registado na Conservatória do Registo Civil de ... como sendo natural da freguesia de ..., concelho de Fafe, e filha de A. C. e de E. V. (ver certidão do Assento de Nascimento no … do ano de 2019, junta com o requerimento inicial).
2. A menor J. S. nasceu na maternidade do Hospital da … - … (onde se manteve em internamento social até ser acolhida na Associação de Apoio à Criança, em ..-11-2019), tendo a respetiva Coordenadora do Serviço Social sinalizado a mesma à CPCJ, por haver informação de que a mesma, durante a gravidez, faltou às consultas no Centro de Saúde e de Obstetrícia Alto Risco/Diabetes, além de que a mesma tem revelado uma fragilidade emocional constante, com relações amorosas marcadas por violência e de curta duraçâo, a sua residência não tem condições de habitabilidade e não existe retaguarda familiar'
3. A CPCJ efetuou visita domiciliária à casa onde a mãe e a filha iriam habitar, tendo constatado: o(...) um quarto muito frio e húmido. Para a bebé havia somente uma cama, com uma cobertura suja, sem lençóis, sem cobertor, nem colchão. Em cima da cobertura havia "cocó de rato", o que fez com que tirássemos tudo da cama (...). Ao lado tinha uma banheira cheia de teias de aranha. Não havia nenhuma peça de roupa para a criança, Não havia fraldas, nem produtos de higiene para a recém-nascida (...).> (cfr. relatório de 28-11' 2019).
4. Em 2-11-2019, por acordo de promoção e proteção celebrado na CPCJ com a progenitora, foi aplicada à menor a medida de acolhimento residencial, tendo a mesma sido acolhida na Associação de Apoio à Criança (AAC), em Guimarães, em ..-11-2019, onde ainda permanece.
5. A progenitora da menor, E. V., nasceu em ..-02-1986 (36 anos), possui o 6º de escolaridade, tem trabalhado de forma inconstante, o que a coloca na dependência económica de terceiros, revela instabilidade emocional e relacional, não conseguindo controlar os impulsos, nem encetar compromissos de longa duração e sempre priorizou os seus relacionamentos amorosos em detrimento dos filhos.
6. A progenitora da menor, E. V., aquando da sua infância, juntamente com os seus 7 irmãos, fora acolhida em instituição, por decisão judicial, sendo que a progenitora da menor ali permaneceu desde os 7 anos até aos 16 anos.
7. A progenitora da menor, E. V., não tem retaguarda familiar, tem sete filhos. sendo que nenhum está aos seus cuidados, concretamente:
7.1. O A. R., que a progenitora teve aos 17 anos, fruto do relacionamento com L. A., ao qual foi aplicada a medida de adoção;
7.2' O D. V., ao qual foi aplicada a medida de adoção [supostamente filho de A. C. (progenitor da menor J. S.)l;
7.3. O L. D., fruto do relacionamento com S. M., encontra-se aos cuidados de uma tia paterna, residente em Coimbra;
7.4. A S. S., fruto do relacionamento com A. C. (progenitor da menor J. S.), à qual foi aplicada a medida de adoção;
7.5. A M. M., fruto do relacionamento com A. C. (progenitor da menor J. S.), à qual foi aplicada a medida de adoção;
7.6. A J. S. (a menor em causa nos autos);
7.7. A J. M., nascida em ..-01-2022 (3 meses), à qual foi aplicada a medida de acolhimento residencial (supostamente filha de A. C. (progenitor da menor J. S.).
8. A progenitora da menor, E. V., aquando da sua gravidez, faltou às respetivas consultas de acompanhamento, sem justificação, concretamente às consultas de Obstetrícia Alto Risco/diabetes, negligenciando a sua saúde e a vida do feto.
9. A progenitora da menor tem efetuado visitas irregulares à menor, faltando a algumas visitas sem aviso prévio, sendo que nos meses de março de 2021 a agosto de 2021 (em 6 meses), efetuou 9 (nove visitas), além de que em maio de 2021, decidiu ir com o então seu companheiro, L. A., para o Algarve, onde pretendia fixar residência, desinteressando-se pelo destino da menor, o que só não sucedeu porque se desentendeu com esse companheiro.
10. A progenitora não compareceu à conferência realizada em 25-11-2021, tendo apenas sido contactada pelo telefone, este fornecido pelo pai da menor (recluso e conduzido à diligência pelos Serviços Prisionais), nem compareceu em julgamento.
11. A progenitora da menor, E. V., esteve casada com o progenitor da menor, A. C., desde ..-05-2010 ate ..-09- 2020, data em que foi proferida a respetiva sentença de divórcio, sendo que a separação de facto ocorreu em abril de 2019 e durante o período do casamento ocorreram várias separações, envoltas em violência, e reconciliações, demonstrando a progenitora uma dependência afetiva em relação ao mesmo, o que se manteve após o divórcio, de modo que quando aquele sai da prisão, ela regressa para junto dele.
12. A progenitora da menor, E. V., foi condenada:
12.1. No processo no 545/16.0GAFAF, por sentença de 10-04-2018, transitada em julgado em 10-05-2018, pela prática em 07-08-2016, de um crime de ofensa à integridade física qualificada, a pena de 1 ano e 3 meses de prisão, suspensa por 1 ano, na condição de pagar à ofendida, durante o período de suspensão, € 250,00;
13. O progenitor da menor, A. C., nasceu em ..-02- 1978 (44 anos), possui o 6º de escolaridade, tem trabalhado em vários ramos de atividade, designadamente no setor têxtil, no calçado e na construção civil, e para diferentes entidades patronais, registando um longo historial de consumo abusivos de álcool.
14. O progenitor da menor, A. C., após a maioridade, contraiu matrimónio com M. F., de quem se divorciou em 2008 e com quem teve 4 (quatro) filhos: M. R. (maior), J. D. (maior), B. M. (menor a residir com a mãe) e L. S. (menor a residir com a mãe), sendo que após o divórcio o progenitor ficou impedido de contactar com os filhos por suspeitas de comportamentos desadequados com os mesmos.
15. O progenitor da menor, A. C., teve o primeiro contacto com o sistema penal em 1999 (com 21 anos), registando várias condenações por crimes de natureza rodoviárías (sem habilitação legal e em estado de embriaguez), tendo cumprido prisão efetiva em alguns desses processos, sendo que do CRC do mesmo junto aos autos, emitido em 17-09-2021, constam as seguintes condenações aí melhor descritas:
15.1. No processo no 105/99, do 1º Juízo de Fafe, por sentença de 30.09.1999, transitada em julgado em 18.10.1999, pela prática em 28.02.2009, de um crime de condução sem habilitação legal, p.e p.pelo art.3.o, n.o2 do DL2198 de 03-01, na pena de 60 dias de multa, à taxa diária de 3OO$OO, perfazendo o montante global total de 18.000$00;
15.2. No processo no 7/O3.6TAPVL do Tribunal da Póvoa de Lanhoso, por sentença de 27.05.2003, transitada em julgado em 20.06.2003, pela prática em 30.12,2002, de um crime de condução sem habilitação legal, p.e p.pelo art.3.o, n.o2 do DL 2/98 de 03-01, na pena de 180 dias de multa, à taxa diária de €2, perfazendo o montante global total de €360,00, pena esta já declarada extinta;
15.3. No processo no 22\O2.7GBPVL, por sentença de 12.11.2003, transitada em julgado em 27-11-2003, pela prática em 30,12.2002, de três crimes de falsificação de documento, p, e p. pelo art.256.o, n.o1, al.a) e b) e n.o3 do C' Penal, em cúmulo jurídico, na pena única de 1 ano e 6 meses de prisão, suspensa pelo período de 2 anos, pena esta já declarada extinta;
15.4. No processo no 1445104.2GAFAF, por sentença de 30.11.2005, transitada em julgado em 15-12-2005, pela prática em 06.12.2004, de um crime de furto qualificado, um crime de condução em estado de embriaguez e um crime de condução sem habilitação legal, praticados em 06-12-200, na pena de prisão efetiva de 3 anos e 6 meses de prisão, pena esta cumulada no P.268/04.3PBGMR da 2ª Vara Mista de Guimarães, pelo que perdeu autonomia;
15.5. No processo no 268/04.3PBGMR, por sentença de 25.05.2006, transitada em julgado em 0g-06-2006, pela prática em 07.02.2004, de um crime de furto qualificado, na pena de prisão efetiva de 2 anos e 2 meses de prisão; no âmbito do dito processo foi realizado cúmulo jurídico com a pena aplicada no P.1445104.2GAFAF, acima mencionado, tendo sido aplicada ao arguido a pena de prisão efetiva por 4 anos, por decisão de 16-11- 2006, tendo ainda nos ditos autos, reaberta a audiência ao abrigo do disposto no art.371-A.o do CPP, por decisão de 24-04-2008, transitada em julgado em 14-05-2008, se decidido suspender os ditos 4 anos de prisão anteriormente aplicados, por igual período, suspensão esta que viria a ser revogada por decisão transitada em julgado em 1 8-10-2012; por decisão de 04-03-2014 do Tribunal de Execução de Penas viria a ser concedida ao arguido liberdade condicional nos autos de P.268|04.3PBGMR pelo período que lhe faltava cumprir até 18-05- 2015.
15.6. No processo no 1251110.5GAFAF, por sentença de 14.10.2010, transitada em julgado em 07-11-2011, pela prática em 31.08.2010, de um crime de condução sem habilitação legal e de um crime de condução em estado de embriaguez, em cúmulo jurídico, na pena de 10 meses de prisão, pena esta que viria a perder autonomia por ter sido englobada posteriormente em cúmulo;
15.7. No Processo no 388/í0.5GDGMR, por sentença de 06.09.2010, transitada em julgado em 08-11-2010, pela prática em 18.08.2010, de um crime de condução sem habilitação legal e de um crime de condução em estado de embriaguez, em cúmulo jurídico, na pena de 22 meses de prisão, suspensa por igual período, pena esta já declarada extinta;
15.8. No processo no 1078111.7GAFAF, por sentença de 06.10.2011, transitada em julgado em 18-11-2011, pela prática em 05.10.2011, de um crime de condução em estado de embriaguez, na pena de 8 meses de prisão, pena esta que viria a perder autonomia por ter sido englobada posteriormente em cúmulo;
15.9. No processo no í025I09.6GAFAF, por sentença de 08.02.2012, transitada em julgado em 1B-10-2012, pela prática em 27.08.2009, de um crime de resistência e coação sobre funcionário, na pena de 2 anos de prisão, suspensa por igual período, com sujeição a deveres; no âmbito do dito processo foi realizado cúmulo jurídico com as penas aplicadas no p.1251:1O.5GAFAF e P. 1078/11.7GAFAF, acima mencionados, tendo sido aplicada ao arguido a pena única de 2 anos e 1 meses de prisão efetiva, por decisão de 08-05-2013, transitada em julgado em 04-11-2013 e a pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 12 meses, pena acessória esta declarada extinta a 10-01-2015;
15.10. No processo no 296/15.3GAFAF, por sentença de 04-01-2016, transitada em julgado emOg-12-2016, pela prática em26.02.2015, de um crime de condução em estado de embriaguez, na pena de 7 meses de prisão e inibição de conduzir pot 12 meses;
15.11. No processo no 89/16.0GAFAF, por sentença de 14-03-2016, transitada em julgado emOg-12-2016, pela prática em 09.02.2016, de um crime de condução em estado de embriaguez, na pena de 7 meses de prisão e inibição de conduzir por 12 meses; neste processo foi efetuado cúmulo jurídico com o processo nº 296I15,3GAFAF, tendo sido aplicada por sentença não transitada em julgado a pena única de 9 meses de prisão e mantidas as penas acessórias aplicadas em ambos os processos-cfr. sentenças dos processos cumulados, respetivos Acórdãos da Relação de Guimarães proferidos em ambos e a própria sentença de cúmulo jurídico para cujo teor se remete e aqui se dá por integralmente reproduzido.
15.12. No processo no 319/16.9T9FAF, por sentença de 22-03'2017, transitada em julgado em 02-05-2017, pela prática em novembro de 2015, de um crime de desobediência, na pena de 80 dias de multa, à taxa diária de €5,00;
15.13. No processo nº 17I16.3PFGMR, por sentença de 12-06-2017, transitada em julgado em 21-12-2017, pela prática em 21.07.2016, de um crime de condução em estado de embriaguez e um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 1 ano e 11 meses de prisão efetiva e inibição de conduzir por 20 meses;
15.14. No processo no 433/16.0GAFAF, por sentença de 06-12-2017, transitada em julgado em 18-01-2018, pela prática em 26.06.2016, de um crime de condução sem habilitação legal e um crime de condução perigosa de veículo rodoviário, na pena de 14 meses de prisão em regime de permanência na habitação com vigilância eletrónica; neste processo foi efetuado cúmulo jurídico por Acórdão datado de 25-10-2018, transitado em julgado em 26-11-2018, abrangendo os processos elencados a f1s.228, tendo-lhe sido aplicada uma pena única de prisão em regime de permanência na habitação com vigilância eletrónica de 2 anos e I meses de prisão.
15.15. No processo no 285114.5GAFAF, por sentença de 02-06-2017, transitada em julgado em 19-02-2018, pela prática em 29,0642014, de um crime de condução sem habilitação legal, um crime de condução em estado de embriaguez e um crime de condução perigosa de veículo rodoviário, na pena única de 12 meses de prisão;
15.16. No processo no 2395/16.5T9ABRG, por sentença de 21-03-2018, transitada em julgado em 30-04-2018, pela prática em22-09-2016, de um crime de desobediência, na pena de 110 dias de multa, à taxa diária de €6,00;
15.17. No processo nº 545/16.0GAFAF, por sentença de 10-04-2018, transitada em julgado em 10-05-2018, pela prática em 07-08-2016, de um crime de ofensa á integridade física qualificada, a pena de 1 ano e 3 meses de prisão suspensa por 1 ano, na condição de pagar à ofendida, durante o período de suspensão, €250,00;
15.18. No processo no 79119.1 GAFAF, por sentença de 13-11-2020, transitada em julgado em 26-04-2021, pela prática em 17-01-2019, de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo art. 3º, nos 1 e 2, do DL 2/98 de 03-01, na pena de 12 meses de prisão efetiva.
16. O progenitor da menor, A. C., em 19-11-2021, registava 5 reclusões para cumprimento de pena, encontrando-se recluído no Estabelecimento Prisional de Viana do Castelo, cumprindo a pena do processo no 79/19.1 GAFAF, sendo que o mesmo. desde 22-02-2022 encontra-se em ausência ilegítima do Estabelecimento Prisional. desconhecendo-se o seu paradeiro.
17. O progenitor da menor não compareceu a julgamento e durante um período de 24 meses, efetuou 7 (sete) visitas à menor, sendo que essas visitas ocorreram em momentos em que o mesmo estava em cumprimento de pena, pois verificou-se que quando estava em liberdade não comparecia às visitas.
18. A criança J. S., nasceu no dia ..-11-2019 (tem 28 meses), encontra-se bem integrada na Associação de Apoio à Criança (MC), mantendo um relacionamento adequado com os pares, é saudável, sendo caracterizada por ser afável e por querer selecionar o seu cuidador, evidenciando-se nas visitas que não há qualquer angústia de separação e que nenhum dos seus progenitores lhe são figuras de vinculação afetiva

IV – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Da impugnação da matéria de facto

Considerando que os Recorrentes impugnaram a sentença quanto à matéria de facto, cumpre começar por analisar se os mesmos cumpriram os requisitos de ordem formal que permitam a este Tribunal apreciar a impugnação que faz da matéria de facto, nomeadamente se indicam os concretos pontos de facto que consideram incorretamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões; se especificam na motivação dos meios de prova constantes do processo ou que nele tenham sido registados que, no seu entender, impõem uma decisão diversa quanto a cada um dos factos; fundando-se a impugnação em parte na prova gravada, se indicam na motivação as passagens da gravação relevantes; apreciando criticamente os meios de prova, se expressam na motivação a decisão que no seu entender deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas; tudo conforme resulta do disposto no artº. 640º, nºs. 1 e 2, do Código Processo Civil (C.P.C.) e vem melhor mencionado na obra de Abrantes Geraldes “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina, 4ª Edição, págs. 155 e 156.
A apreciação de facto, em sede de recurso, tendo por base a gravação e/ou transcrição dos depoimentos prestados em audiência, não pode aniquilar a livre apreciação da prova do julgador, construída dialecticamente na base da imediação e da oralidade.
Com efeito, a garantia do duplo grau de jurisdição da matéria de facto não subverte o princípio da livre apreciação da prova que está deferido ao tribunal da 1ª instância, previsto no art. 607º, nº5, do CPC, sendo que, na formação da convicção do julgador não intervêm apenas elementos racionalmente demonstráveis, já que podem entrar também elementos que em caso algum podem ser importados para a gravação vídeo ou áudio, pois que a valoração de um depoimento é algo absolutamente imperceptível na gravação/transcrição (veja-se nestes sentido, Abrantes Geraldes in “Temas de Processo Civil”, II Vol., pg. 201).
Diversamente do que acontece no sistema da prova legal, em que a conclusão probatória é prévia e legalmente fixada, no sistema da livre apreciação da prova, o julgador detém a liberdade de formar a sua convicção sobre os factos, objecto do julgamento, com base apenas no juízo que fundamenta no mérito objectivamente concreto do caso, na sua individualidade histórica, adquirido representativamente no processo. O juiz, no seu livre exercício de convicção, tem de indicar os fundamentos que, segundo as regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa sindicar da razoabilidade da decisão sobre o julgamento do facto como provado ou não provado (neste sentido, Miguel Teixeira de Sousa, in Estudos Sobre o Novo Código de Processo Civil, Lex, 1997, pg. 348).
Na verdade, o art. 607º, nº 4, do C.P.Civil, prevê expressamente a exigência de objectivação, através da imposição da fundamentação da matéria de facto, devendo o tribunal analisar criticamente as provas e especificar os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador.
Tal como se sustenta no Ac. da Relação do Porto, de 22.05.2019, (…)”na reapreciação dos meios de prova, a Relação procede a novo julgamento da matéria de facto impugnada, em busca da sua própria convicção, desta forma assegurando o duplo grau de jurisdição sobre essa mesma matéria, com a mesma amplitude de poderes da 1.ª instância.[3]
Impõe-se-lhe, assim, que “analise criticamente as provas indicadas em fundamento da impugnação, quer a testemunhal, quer a documental, conjugando-as entre si, contextualizando-se, se necessário, no âmbito da demais prova disponível, de modo a formar a sua própria e autónoma convicção, que deve ser fundamentada”.[4]
Importa, porém, não esquecer que, como atrás se referiu, se mantêm vigorantes os princípios da imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova e guiando-se o julgamento humano por padrões de probabilidade e nunca de certeza absoluta, o uso, pela Relação, dos poderes de alteração da decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto deve restringir-se aos casos de flagrante desconformidade entre os elementos de prova disponíveis e aquela decisão, nos concretos pontos questionados.[5]
Revertendo para o caso vertente, verifica-se que os Recorrentes, nas suas alegações e motivação do recurso, consideram que foram incorrectamente julgados determinados factos aí discriminados, pugnando que os mesmos devem passar a ter uma redacção diferente. Ou seja, os Apelantes consideram incorrectamente julgados os factos dados como provados nos pontos 5, 9, 12 e 18 da sentença, alegando que a prova documental e testemunhal produzidas quanto aos pontos 12 e 18 implicavam decisão distinta da prolatada. Fundam essa impugnação em determinados depoimentos, cujos excertos da respectiva gravação mencionam e em determinados documentos dos autos, que indicam. Quanto ao ponto 5 os Recorrentes nada dizem e relativamente ao ponto 12 pugnam pela sua exclusão por entenderem que não têm relevância.
No entanto, os Recorrentes não especificam a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, nomeadamente quanto aos pontos 5, 9 e 18 questionados e, relativamente ao ponto 5, não indicam sequer os concretos meios probatórios que em relação ao mesmo impunham uma decisão diversa da recorrida.
Esta forma de impugnação não cumpre as exigências formais das alíneas b) e c), do nº 1, do art. 640º do CPC.

Neste sentido, o acórdão do STJ de 20.12.2017, no processo nº 299/13.2TTVRL.C1.S2, sustenta que:

“1 - A alínea b), do nº 1, do art. 640º do CPC, ao exigir que o recorrente especifique “[o]s concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida”, impõe que esta concretização seja feita relativamente a cada um daqueles factos e com indicação dos respectivos meios de prova, documental e/ou testemunhal e das passagens de cada um dos depoimentos.
2 - Não cumpre aquele ónus o apelante que, nas alegações e nas conclusões, divide a matéria de facto impugnada em três “blocos distintos de factos” e indica os meios de prova relativamente a cada um desses blocos, mas omitindo-os relativamente a cada um dos concretos factos cuja decisão impugna.”
Deste modo, não tendo os recorrentes observado o disposto no art. 640º, nº 1 e 2 do CPC, tal implica a rejeição do recurso, na parte relativa à impugnação da matéria de facto quanto aos pontos 5, 9 e 18.
No tocante ao ponto 12 dos factos provados, alega a Recorrente que não se vislumbra a relevância para os presentes autos, nem o motivo de o Tribunal a quo ter decidido julgar como provado, com relevância para a decisão da causa, a condenação da Recorrente pela prática de um crime de ofensas à integridade física qualificada, cuja prática dos factos ocorreu mais de 3 anos antes do nascimento da sua filha J. S. e conclui (conclusão 2): “A Recorrente entende que se mostram incorretamente julgados os pontos 9, 12 e 18 dos factos provados, sendo que, em seu entender, os mesmos deveriam ter sido dados como não provados, na parte prejudicial, por erro de interpretação do Tribunal a quo sobre os mesmos.” (sublinhado nosso)
Perante esta alegação, fica-se sem se saber, ao certo, o que pretende a recorrente sobre este facto: se pugna pela sua exclusão da sentença, por irrelevante, ou se almeja que o mesmo seja julgado não provado.
Em qualquer caso, sempre se dirá que tal facto tem alguma relevância nos autos, muito embora não seja essencial, e resulta cabalmente demonstrado nos autos, tendo por base o teor do CRC junto aos autos em 17-09-2021.
Assim sendo, deve manter-se tal facto como provado.
Deste modo, improcede totalmente a impugnação da matéria de facto.
*
Da medida de promoção e protecção aplicada

Conforme acima referimos, foi proferida sentença que decidiu nos seguintes termos:
“- Assim, decide, por unanimidade, este Tribunal ser suficiente, proporcional e adequado ao caso em apreço, e com o fim de proporcionar e promover a formação, educação e bem estar, da criança J. S., nascida em ..-11-2019, filha de A. C. e de E. V.:
a) aplicar-lhe a medida de promoção e proteção de confiança à Associação de Apoio à Criança (44C), em Guimarães, com vista à sua futura adoção, e até que seja decretada, em substituição da medida de promoção e proteção de acolhimento residencial, nos termos previstos nos artigos 40, alíneas c) e e), 35º, nº 1, alínea g), 38º, 38o-A, 62º, nº 3, alínea b) e 620-A da LPCJP, na última redação da Lei no 2612018, de 05-07.
b) declarar a inibição do exercício das responsabilidades parentais por parte de A. C. e de E. V., em relação à criança J. S., nascida em 1B-1 1-2019 - artigo 1978º-A do Código Civil.
c) nomear curador provisório da menor o Diretor técnico da Associação de Apoio à criança (AAC), em Guimarães, onde a menor se encontra (artigo 620-A, nº3, da LPCJP). (sublinhado nosso)
Discorda a Recorrente do assim decidido, alegando que evidenciou esforços notórios para, ao longo do tempo, melhorar a sua condição de vida e em manter vínculos afetivos com a sua filha J. S., visitando-a presencialmente e convivendo em vídeo chamada com regularidade; que à Recorrente é reconhecida capacidades e competências como mãe, bem como uma relação afetiva com a filha J. S., muito mais sólida do que aquela que existe entre esta e o seu progenitor; e que não se encontram preenchidos os pressupostos para a aplicação da medida de confiança com vista a futura adoção, prevista no artigo 1978.º do Código Civil e no artigo 35.º, n.º 1, al. g) da LPCJP, por inexistência de uma situação de perigo, na medida em que a criança se encontra salvaguardada na instituição onde se encontra a residir desde os primeiros dias de vida, reconfigurada à situação de perigo definida no n.º 2 do artigo 3.º da LPCJP, e que é pressuposto necessário para a aplicação do artigo 1978.º do Código Civil, encontrando-se assim, a douta sentença recorrida, ferida de ilegalidade.
Vejamos.
Podemos desde já adiantar que a realidade fáctica alegada pela Recorrente, a que o Recorrente/progenitor aderiu, para pretender sustentar na apelação a revogação da sentença relativamente à medida de promoção e protecção aplicada, não encontra suporte nos factos efectivamente provados constantes da sentença, como adiante explicaremos.
Previamente, cumpre tecer alguns considerandos jurídicos.
Nos termos do disposto no art.º 1.º da - Lei n.º 147/99 de 1 de Setembro e suas alterações, esta “tem por objecto a promoção dos direitos e protecção das crianças e dos jovens em perigo de forma a garantir o seu bem estar e o seu desenvolvimento integral”.
A intervenção para a promoção dos direitos e para protecção da criança deve ocorrer sempre que “os pais, (…) puserem em perigo a sua [da criança ou do jovem] segurança, saúde, formação educação ou desenvolvimento” (cfr. artigo 3.º da LPCJP).

De acordo com o n.º 2 do artigo 3.º da LPCJP considera-se que a criança ou o jovem está em perigo quando, designadamente, se encontra numa das seguintes situações:

a)-Está abandonada ou vive entregue a si própria;
b)-Sofre maus tratos físicos ou psíquicos ou é vítima de abusos sexuais;
c)-Não recebe os cuidados ou a afeição adequados à sua idade e situação pessoal;
d)-Está aos cuidados de terceiros, durante período de tempo em que se observou o estabelecimento com estes de forte relação de vinculação e em simultâneo com o não exercício pelos pais das suas funções parentais;
e)-É obrigada a atividades ou trabalhos excessivos ou inadequados à sua idade, dignidade e situação pessoal ou prejudiciais à sua formação ou desenvolvimento;
f)-Está sujeita, de forma direta ou indireta, a comportamentos que afetem gravemente a sua segurança ou o seu equilíbrio emocional;
g)-Assume comportamentos ou se entrega a atividades ou consumos que afetem gravemente a sua saúde, segurança, formação, educação ou desenvolvimento sem que os pais, o representante legal ou quem tenha a guarda de facto se lhes oponham de modo adequado a remover essa situação.
h)-Tem nacionalidade estrangeira e está acolhida em instituição pública, cooperativa, social ou privada com acordo de cooperação com o Estado, sem autorização de residência em território nacional.

Porém, a intervenção com vista a proteger a criança da referida situação de perigo está sujeita a vários princípios orientadores elencados no art.º 4.º da LPCJP.
Desde logo, em primeiro lugar desse elenco surge-nos “o interesse superior da criança”, como critério básico e fulcral a nortear qualquer decisão relativamente as crianças ou jovens. A intervenção deve, pois, “atender prioritariamente, aos interesses e direitos da criança, nomeadamente à continuidade de relações de afecto de qualidade e significativas, sem prejuízo da consideração que for devida a outros interesses legítimos no âmbito da pluralidade de interesses presentes no caso concreto.” (art.º 4.º alínea a) da LPCJP).
No mesmo sentido, a Convenção sobre os Direitos da Criança (Nova Iorque, 26-01-1990, ratificada pela Resolução da Assembleia da República nº 20/90) enuncia que: “Todas as decisões relativas a crianças, adotadas por instituições públicas ou privadas de proteção social, por tribunais, autoridades administrativas ou órgãos legislativos, terão primacialmente em conta o interesse superior da criança.” (cfr. art.º 3.º n.º1.)
Estabelece também a alínea e) do citado art.º 4.º que é igualmente critério orientador da intervenção a proporcionalidade, ou seja, “a intervenção deve ser necessária e a adequada à situação de perigo em que a criança se encontra, no momento em que a decisão é tomada e só pode interferir na sua vida e na da sua família na medida do que for estritamente necessário a essa finalidade.
O critério orientador da responsabilidade parental pressupõe que “a intervenção deve ser efectuada de modo que os pais assumam os seus deveres para com a criança” (alínea f).
Deve ser ainda respeitado o primado da continuidade das relações psicológicas profundas, ou seja, a intervenção deve respeitar o direito da criança à preservação das relações afectivas estruturantes de grande significado e de referência para o seu saudável e harmónico desenvolvimento, devendo prevalecer as medidas que garantam a continuidade de uma vinculação securizante (alínea g).
Outro princípio orientador da intervenção para a promoção dos direitos e protecção da criança, é o da prevalência da família, o que quer dizer que “na promoção dos direitos e na protecção da criança deve ser dada prevalência às medidas que os integrem em família, quer na sua família biológica, quer promovendo a sua adopção”.
Este princípio está em linha com o que superiormente dispõe a Constituição da República Portuguesa (CRP) nos artigos 36.º, 67.º e 68.º quanto à protecção da Família e dos valores da paternidade e da maternidade.
Conforme define o art.º 36.º n.º 5 da CRP “os pais têm o direito e o dever de educação e manutenção dos filhos”. Embora não se esqueça que “a adopção é regulada e protegida nos termos da lei”.
Porém, de acordo com o art.º 68.º da CRP “a maternidade e a paternidade constituem valores sociais eminentes” por isso “os pais e as mães têm direito à protecção da sociedade e do Estado na realização da sua insubstituível acção em relação aos filhos.”
Assim, a intervenção ao nível da promoção e protecção de vimos falando deve apontar para o equilíbrio entre todos estes princípios aplicados no contexto único da criança, de onde possa ser encontrada a medida adequada à mesma, de forma a cumprir o supra mencionado objectivo de garantir o seu bem estar e o seu desenvolvimento integral.
Nesta senda, se é certo que o critério prioritário é a defesa do superior interesse da criança, também é verdade, que de acordo com o apontado enquadramento constitucional vigente, a valorização do papel da maternidade e da paternidade conduz-nos à conclusão de que tal defesa passa também pela protecção e apoio das mães e dos pais biológicos, no sentido de exercerem a sua “insubstituível” acção em relação aos filhos.
Por outro lado, há que ter presente que a crianças têm direito “à protecção da sociedade e do Estado, com vista ao seu desenvolvimento integral, especialmente contra todas as formas de abandono, de discriminação e de opressão e contra o exercício abusivo da autoridade na família e nas demais instituições” – cfr. n.º 1 do art. 69.º da CRP -, cabendo ao Estado assegurar especial proteção às crianças órfãs, em estado de abandono ou que se encontrem, por qualquer forma, privadas de um ambiente familiar normal (cfr. artigo 69.º, n.º 2, da CRP).
Assim, a intervenção do Estado tem de observar e ponderar os todos os referidos critérios e princípios.
No caso vertente, impõe-se indagar se o tribunal a quo ao ter aplicado à menor a medida de confiança a instituição com vista à adopção, respeitou tais princípios.

Sobre essa medida, o artigo 1978.º do CC dispõe que:
“1- O tribunal, no âmbito de um processo de promoção e proteção, pode confiar a criança com vista a futura adoção quando não existam ou se encontrem seriamente comprometidos os vínculos afetivos próprios da filiação, pela verificação objetiva de qualquer das seguintes situações:

a)-Se a criança for filha de pais incógnitos ou falecidos;
b)-Se tiver havido consentimento prévio para a adopção;
c)-Se s pais tiverem abandonado a criança;
d)-Se os pais, por ação ou omissão, mesmo que por manifesta incapacidade devida a razões de doença mental, puserem em perigo grave a segurança, a saúde, a formação, a educação ou o desenvolvimento da criança;)
e)-Se os pais da criança acolhida por um particular, por uma instituição ou por família de acolhimento tiverem revelado manifesto desinteresse pelo filho, em termos de comprometer seriamente a qualidade e a continuidade daqueles vínculos, durante, pelo menos, os três meses que precederam o pedido de confiança.
2-Na verificação das situações previstas no número anterior, o tribunal deve atender prioritariamente aos direitos e interesses da criança.”

Por sua vez, o artigo 35º da Lei 147/99 de 1.09, prevê o elenco taxativo das medidas de promoção e protecção.

São elas:
a) Apoio junto dos pais;
b) Apoio junto de outro familiar;
c) Confiança a pessoa idónea;
d) Apoio para a autonomia de vida;
e) Acolhimento familiar;
f) Acolhimento residencial;
g) Confiança a pessoa selecionada para a adoção, a família de acolhimento ou a instituição com vista à adoção.

Nos termos do art. 38º-A da citada lei, a medida de confiança a pessoa selecionada para a adoção, a família de acolhimento ou a instituição com vista a futura adoção, aplicável quando se verifique alguma das situações previstas no artigo 1978.º do Código Civil, consiste:
a) Na colocação da criança ou do jovem sob a guarda de candidato selecionado para a adoção pelo competente organismo de segurança social;
b) Ou na colocação da criança ou do jovem sob a guarda de família de acolhimento ou de instituição com vista a futura adoção.

Podemos assim concluir que a aplicação das medidas de promoção e proteção enunciadas no artigo 35.º da LPCJP visa afastar o perigo para a segurança, saúde, formação educação ou desenvolvimento da criança, gerado pelos pais, pelo representante legal ou por quem tenha a sua guarda de facto.
Por sua vez, a aplicação de qualquer medida de promoção e protecção encontra-se sujeita aos princípios orientadores constantes do art.º 4.º da LPCJP, dos quais, em primeiro lugar, se encontra a defesa prioritária do superior interesse da criança.
Finalmente, há que ter presente que a aplicação da medida de confiança com vista à adoção – art. 35º, alínea g) da LPCJP - pressupõe que se encontrem seriamente comprometidos os vínculos próprios da filiação, mercê da verificação objetiva de qualquer das situações previstas no n.º 1 do artigo 1978.º do CC, nomeadamente, se os pais, por ação ou omissão, mesmo que por manifesta incapacidade devida a razões de doença mental, puserem em perigo grave a segurança, a saúde, a formação, a educação ou o desenvolvimento da criança (alínea d), ou se os pais da criança acolhida por um particular, por uma instituição ou por família de acolhimento tiverem revelado manifesto desinteresse pelo filho, em termos de comprometer seriamente a qualidade e a continuidade daqueles vínculos, durante, pelo menos, os três meses que precederam o pedido de confiança (alínea e).
Deste modo, a aplicação da medida de confiança a instituição com vista à adopção – art. 35º, alínea g) da LPCJP - pressupõe que se encontrem seriamente comprometidos os vínculos próprios da filiação, nos termos previstos no citado artigo 1978º do CC.
Feito este enquadramento jurídico, analisemos os factos provados.
Resulta apurado que no dia - de novembro de 2019, nasceu J. S. tendo sido registado na Conservatória do Registo Civil de ... como sendo natural da freguesia de ..., concelho de Fafe, e filha de A. C. e de E. V.; que a menor J. S. nasceu na maternidade do Hospital da … - … (onde se manteve em internamento social até ser acolhida na Associação de Apoio à Criança, em 29-11-2019), tendo a respetiva Coordenadora do Serviço Social sinalizado a mesma à CPCJ, por haver informação de que a mesma, durante a gravidez, faltou às consultas no Centro de Saúde e de Obstetrícia Alto Risco/Diabetes, além de que a mesma tem revelado uma fragilidade emocional constante, com relações amorosas marcadas por violência e de curta duração, a sua residência não tem condições de habitabilidade e não existe retaguarda familiar; que a CPCJ efetuou visita domiciliária à casa onde a mãe e a filha iriam habitar, tendo constatado: (...) um quarto muito frio e húmido. Para a bebé havia somente uma cama, com uma cobertura suja, sem lençóis, sem cobertor, nem colchão. Em cima da cobertura havia "cocó de rato", o que fez com que tirássemos tudo da cama (...). Ao lado tinha uma banheira cheia de teias de aranha. Não havia nenhuma peça de roupa para a criança, Não havia fraldas, nem produtos de higiene para a recém-nascida; que em 2-11-2019, por acordo de promoção e proteção celebrado na CPCJ com a progenitora, foi aplicada à menor a medida de acolhimento residencial, tendo a mesma sido acolhida na Associação de Apoio à Criança (AAC), em …, em 29-11-2019, onde ainda permanece; que a progenitora da menor, E. V., nasceu em ..-02-1986 (36 anos), possui o 6º de escolaridade, tem trabalhado de forma inconstante, o que a coloca na dependência económica de terceiros, revela instabilidade emocional e relacional, não conseguindo controlar os impulsos, nem encetar compromissos de longa duração e sempre priorizou os seus relacionamentos amorosos em detrimento dos filhos; que a progenitora da menor, E. V., aquando da sua infância, juntamente com os seus 7 irmãos, fora acolhida em instituição, por decisão judicial, sendo que a progenitora da menor ali permaneceu desde os 7 anos até aos 16 anos; que a progenitora da menor, E. V., não tem retaguarda familiar, tem sete filhos. sendo que nenhum está aos seus cuidados; que a progenitora da menor, E. V., aquando da sua gravidez, faltou às respetivas consultas de acompanhamento, sem justificação, concretamente às consultas de Obstetrícia Alto Risco/diabetes, negligenciando a sua saúde e a vida do feto; que a progenitora da menor tem efetuado visitas irregulares à menor, faltando a algumas visitas sem aviso prévio, sendo que nos meses de março de 2021 a agosto de 2021 (em 6 meses), efetuou 9 (nove visitas), além de que em maio de 2021, decidiu ir com o então seu companheiro, L. A., para o Algarve, onde pretendia fixar residência, desinteressando-se pelo destino da menor, o que só não sucedeu porque se desentendeu com esse companheiro; que a progenitora não compareceu à conferência realizada em 25-11-2021, tendo apenas sido contactada pelo telefone, este fornecido pelo pai da menor (recluso e conduzido à diligência pelos Serviços Prisionais), nem compareceu em julgamento; e que a progenitora da menor, E. V., esteve casada com o progenitor da menor, A. C., desde 17-05-2010 ate 16-09- 2020, data em que foi proferida a respetiva sentença de divórcio, sendo que a separação de facto ocorreu em abril de 2019 e durante o período do casamento ocorreram várias separações, envoltas em violência, e reconciliações, demonstrando a progenitora uma dependência afetiva em relação ao mesmo, o que se manteve após o divórcio, de modo que quando aquele sai da prisão, ela regressa para junto dele.
Relativamente ao progenitor, apurou-se que o mesmo, A. C., nasceu em ..-02- 1978 (44 anos), possui o 6º de escolaridade, tem trabalhado em vários ramos de atividade, designadamente no setor têxtil, no calçado e na construção civil, e para diferentes entidades patronais, registando um longo historial de consumo abusivos de álcool; que o mesmo, após a maioridade, contraiu matrimónio com M. F., de quem se divorciou em 2008 e com quem teve 4 (quatro) filhos: M. R. (maior), J. D. (maior), B. M. (menor a residir com a mãe) e L. S. (menor a residir com a mãe), sendo que após o divórcio o progenitor ficou impedido de contactar com os filhos por suspeitas de comportamentos desadequados com os mesmos; que o progenitor da menor teve o primeiro contacto com o sistema penal em 1999 (com 21 anos), registando várias condenações por crimes de natureza rodoviárias (sem habilitação legal e em estado de embriaguez), tendo cumprido prisão efetiva em alguns desses processos, sendo que do CRC do mesmo junto aos autos, emitido em 17-09-2021, constam as condenações melhor descritas no ponto 15 supra; que o mesmo, em 19-11-2021, registava 5 reclusões para cumprimento de pena, encontrando-se recluído no Estabelecimento Prisional de Viana do Castelo, cumprindo a pena do processo no 79/19.1 GAFAF, sendo que o mesmo. desde 22-02-2022 encontra-se em ausência ilegítima do Estabelecimento Prisional. desconhecendo-se o seu paradeiro; e que o progenitor não compareceu a julgamento e durante um período de 24 meses, efetuou 7 (sete) visitas à menor, sendo que essas visitas ocorreram em momentos em que o mesmo estava em cumprimento de pena, pois verificou-se que quando estava em liberdade não comparecia às visitas.
Por sua vez, relativamente à criança J. S., resulta provado que a mesma se encontra bem integrada na Associação de Apoio à Criança (MC), mantendo um relacionamento adequado com os pares, é saudável, sendo caracterizada por ser afável e por querer selecionar o seu cuidador, evidenciando-se nas visitas que não há qualquer angústia de separação e que nenhum dos seus progenitores lhe são figuras de vinculação afetiva.
Perante este quadro fáctico, há a concluir, claramente, não só que a menor necessita de uma medida de promoção e protecção mais adequada à sua situação de vida, já que a institucionalização da mesma não constitui um fim, mas também que a criança não dispõe de alternativa capaz no quadro da sua família biológica em que possa assentar o seu projecto de vida futuro.
Com efeito, os progenitores não conseguiram até hoje criar condições pessoais e materiais para poderem cuidar da menor, de modo a removerem as situações de perigo que motivaram a presente intervenção judicial ao nível da promoção e protecção, com aplicação da medida de acolhimento residencial.
Na verdade, os pais da menor não reúnem competências para exercer a parentalidade de forma funcional e ajustada às necessidades da criança, inexistindo vinculação afectiva entre eles e a menor, sendo evidente o desinteresse dos pais pelo filho, desde logo perante a irregularidade de visitas por parte da progenitora e perante a quase inexistência das mesmas por banda do progenitor, comprometendo seriamente a criação dos vínculos afectivos próprios da filiação, inexistindo também qualquer outra alternativa familiar que possa cuidar dignamente da mesma.
Importa, pois, definir um projecto de vida para a menor, sendo que esta tem direito a crescer e a desenvolver-se num ambiente afectivo envolvente e protector, ou seja, tem direito a uma família e aos afectos que uma família normal pode proporcionar a crianças da sua idade (cfr. art. 36º, 65º, 67º e 69º da Constituição da Republica Portuguesa, art. 20º e 21º da Convenção Sobre os Direitos da Criança, de 20.11.1989, art. 3º da L.P.P.).
Ora, o caso vertente enquadra-se na situação prevista no art. 1978º nº1 alíneas d) e e) do Código Civil, pelo que estão preenchidos os pressupostos legais para se poder decretar a medida de confiança a instituição com vista à futura adopção.
Assim sendo, ponderando todos os princípios orientadores acima mencionados e tendo em conta o superior interesse da criança, somos a entender que o projecto de vida que se nos afigura mais adequado é o da confiança a instituição com vista à futura adopção.
Pelo exposto, concluímos que a sentença recorrida não merece qualquer reparo, impondo-se a total improcedência das apelações.
*
DECISÃO

Face ao exposto, acordam os juízes desta relação em julgar totalmente improcedentes as apelações, confirmando-se a sentença recorrida.
Custas pelos Recorrentes.
Guimarães, 15.06.2022

Relator: Jorge Santos
Adjuntos: Margarida Gomes
Conceição Bucho