Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
363/16.6T9CHV.G1
Relator: FÁTIMA FURTADO
Descritores: DIFAMAÇÃO
DIRETORA DE IPSS
ENTES COLETIVOS
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 09/24/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO PENAL
Sumário:
A ofensa ao bem jurídico eminentemente pessoal que é a honra da diretora de uma IPSS, atributo exclusivo das pessoas individuais, não é suscetível de violar simultaneamente o bem jurídico diverso que é o crédito, o prestígio e a confiança de que só os entes coletivos (ou entidades equiparadas) podem ser titulares.
Decisão Texto Integral:
Acordam em conferência no Tribunal da Relação de Guimarães.
(Secção penal)

Relatora: Fátima Furtado; adjunta: Maria José Matos.

I. RELATÓRIO

No processo comum singular nº 363/16.6T9CHV, do juízo local criminal de Chaves, da comarca de Vila Real, foi submetido a julgamento o arguido Manuel, com os demais sinais dos autos.

A sentença, proferida a 15 de fevereiro de 2018 e depositada no mesmo dia, tem o seguinte dispositivo:

«a) Condeno o arguido Manuel pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de difamação, p. e p. pelo artigo 180º, nº 1 do Código Penal, agravado pelo disposto no artigo 183º, nº 1, al. a) do Código Penal na pessoa da assistente Z. A. na pena de 150 (cento e cinquenta) dias de multa;
b) Condeno o arguido Manuel pela prática em autoria material e na forma consumada de um crime de injúria, p. e p. pelo artigo 181º, nº 1 do Código Penal, agravado pelo disposto no artigo 183º, nº 1, al. a) do Código Penal, na pessoa da assistente Z. A., na pena de 60 (sessenta) dias de multa;
c) Condeno o arguido Manuel pela prática em autoria material e na forma consumada, de um crime de ofensa a pessoa coletiva, p. e p. pelo artigo 187º, nº 1 e 2 al. a) do Código Penal, agravado pelo disposto no artigo 183º, nº 1, al. a) do Código Penal, na pessoa da assistente Associação Social X, IPSS, na pena de 120 (cento e vinte) dias de multa;
d) em cúmulo jurídico das penas referidas em a) a c), condeno o arguido Manuel na pena única de pena de 200 (duzentos) dias de multa à razão diária de €5,50 (cinco euros e cinquenta cêntimos), no montante global de €1.100 (mil e cem euros);
d) Julgo parcialmente procedente, por provado, o pedido de indemnização civil deduzido pelos assistentes e, em consequência, condeno o arguido/demandado Manuel a pagar à assistente Z. A. a quanta de € de €750 (setecentos e cinquenta euros) e €500 (quinhentos euros) à Associação Social X, IPSS a que acrescem juros desde a notificação e até integral pagamento.
Mais se condena o arguido Manuel no pagamento das custas processuais criminais, fixando-se a taxa de justiça em 2 UC.
Custas do pedido de indemnização civil pelo decaimento.
Remeta, após trânsito em julgado, boletins ao registo criminal.
Notifique e deposite.»
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Inconformado, o arguido interpôs recurso, apresentando a competente motivação que remata com as seguintes conclusões:

«Da injúria

1 - Considerando a factualidade na qual se fez assentar a condenação pelo crime de injúria (pontos 1 a 3 dos factos provados), entende o recorrente que tais factos não são susceptíveis de reconduzir-se ao crime de injúria agravada ou outro qualquer crime.
2 - A injúria anda associada à noção de insulto e de ultraje.
3 - Isto posto, nenhuma das expressões que são atribuídas ao arguido na reunião da Direcção da Associação Social X no dia de 27 de Outubro de 2015 – pontos 1 a 3 dos factos provados, nos quais o Tribunal fez assentar a condenação pelo crime de injúria - teve a virtualidade de causar dano à honra da assistente Z. A. em qualquer das vertentes penalmente tuteladas.
4 - Nenhuma das expressões atribuídas ao arguido (ter dito à assistente Z. A. que ameaçou o seu filho M. L.; que havia proibido os funcionários da Instituição de falar com o filho e de os incentivar a tais comportamentos; de ter exercido assédio moral grosseiro sobre o filho; de ter dito ao filho que onde já trabalhou não gostavam dele; de perseguir o seu filho) alcança o limiar de dignidade penal a que se reconduz o crime de injúria: na verdade as palavras proferidas pelo arguido não constituem a imputação de quaisquer factos ofensivos da honra ou consideração da assistente Z. A. ou mesmo de palavras ofensivas da honra ou consideração.
5 - Tratou-se apenas da verbalização de um sentimento de injustiça perante a situação de “desespero” que o arguido entendia que vinha a ser vivenciada pelo seu filho, verbalização essa que não tem dignidade penal, deixando intocável a honra e consideração devida à assistente Z. A..
6 - Aliás, a assistente Z. A. já tinha conhecimento da insatisfação do arguido em relação à situação laboral do seu filho – até já teria ocorrido o episódio dos panfletos a que se alude no ponto 6 dos factos provados -, tendo sido nesse contexto, aliás, que ela própria convocou a reunião extraordinária de 27 de Outubro, para melhor “esclarecer o arguido sobre a situação laboral do seu filho”, como resulta dos pontos 1 e 2 dos factos provados.
7 - Ora, se a própria assistente convocou a reunião para “esclarecer” o arguido é porque achou que a insatisfação por este anteriormente veiculada – que na reunião se limitou a ser recalcada -, era passível de clarificação, não a concebendo, portanto, como sendo de molde a beliscar a sua honra e consideração,
8 - Note-se, ademais, que não ficou provado que o arguido soubesse que os factos em causa, descritos no ponto 3 dos factos provados, eram falsos – vd. ponto 34 da factualidade dada como não provada. Pelo contrário, como se refere a pags. 10 da douta sentença recorrida, “da prova produzida resulta que o arguido estava convencido que efectivamente tais acusações eram verdadeiras e que as fazia na defesa dos interesses do filho”.
9 - Mais, não ficou provado que ao veicular as expressões em causa, o arguido tivesse intenção de prejudicar a reputação, bom nome e prestígio da assistente – vd. ponto 33 da factualidade dada como não provada – como efectivamente não pôs, pelo que não estão provados quaisquer factos integrantes dos elementos do tipo subjectivo de ilícito.
10 - Assim, em conclusão, não só os factos nos quais se fez assentar a condenação pelo crime de injúria (pontos 1 a 3 dos factos provados) não são susceptíveis de constituírem a prática de um crime contra a honra, como não se encontram provados factos integrantes dos elementos do tipo subjectivo de ilícito, pelo que deve revogar-se a condenação nesta parte, por manifestamente infundada.

Da difamação

11 - Quanto à alegada publicação no Facebook em que o arguido “apelida a assistente de esquizofrénica” mais do que a narração de um facto – para o que o arguido não estava sequer habilitado cientificamente – a frase em questão contém um juízo de valor sobre a postura da assistente ao longo do diferendo de que esta e o seu filho eram protagonistas, relacionado com a situação laboral deste último.
12 - Enquanto juízo de valor qualificativo de uma actuação ou atitude, poderá considerar-se tal expressão como significativa, para o comum dos cidadãos, de atitude desequilibrada, inconstante, parcial.
13 - Nessa medida pode questionar-se se a expressão empregue é ou não lesiva dos sentimentos de auto-consideração que a todos assiste, bem como da sua reputação ou consideração social.
14 - Aliás, como supra se explanou, após essa alegada publicação no Facebook – cuja data concreta não consta dos factos provados, mas que se supõe ter sido contemporânea do episódio dos panfletos a que se alude no ponto 6 dos factos provados – a assistente Z. A. convocou a reunião extraordinária de 27 de Outubro, para melhor “esclarecer o arguido sobre a situação laboral do seu filho”, como resulta dos pontos 1 e 2 dos factos provados.
15 - Ora, se a própria assistente convocou a reunião para “esclarecer” o arguido é porque não concebeu a insatisfação por este veiculada anteriormente – em cujo contexto se insere a alegada publicação no Facebook na qual a apelida de “esquizofrénica” -, como sendo de molde a beliscar a sua honra e consideração.
16 - Por outro lado, da factualidade provada não resulta se a publicação do Facebook era pública, acessível ao público em geral, ou apenas restrita a um grupo de pessoas, donde não podemos concluir, sem mais, estarem verificados os requisitos da publicidade do artigo 183.º n.º 1 a) do C.P., como se concluiu na douta sentença.
17 - Quanto ao facto dado como provado de que “em 16 de Novembro de 2015 o Arguido dirige uma carta à Assistente com o assunto “pedido de exoneração”, onde acusa a Assistente Z. A. de ser mentirosa compulsiva e sofrer de Mitomania”, entende o recorrente que tal descrição factual não é suficiente para dar como provado o crime de difamação.
18 - Concretamente, ao dizer-se que o “Arguido dirige um carta à Assistente” (assistente que a sentença não especifica, mas que se supõe ser a Assistente “Social X”), não se retira daí que tal carta tenha sido expedida ou chegado efectivamente ao conhecimento de terceiro(s).
19 - Da factualidade provada não consta a concreta forma do eventual envio da carta (correio simples/registado, entrega em mão), nem a sua efectiva recepção, as circunstâncias do eventual recebimento e a eventual divulgação a terceiro(s), de modo a preencher-se o necessário enviesamento para o crime de difamação. 20 - Tampouco consta qualquer facto que permita concluir pelo agravamento da publicidade, previsto no supra referido artigo 183.º, n.º 1 al. a) do C.P.
21 - Poderia até ter-se dado o caso de a carta - na eventualidade de ter sido efectivamente expedida e recepcionada - ser lida apenas pela Assistente Z. A., que era a Presidente da Direcção. Nesta circunstância estaríamos a falar de uma hipotética injúria e não difamação.
22 - Assim, por tudo quanto se expôs, deve revogar-se a condenação pelo crime de difamação, por manifestamente infundada.

Da ofensa a pessoa colectiva

23 - A douta sentença não diz quais os concretos factos que põem em causa a credibilidade e o prestígio da associação Assistente.
24 - Poderemos dizer, que uma vez que apenas foram dados como provados elementos integrantes do tipo subjectivo reportados aos factos 10, 13 e 22 (vd. pontos 24, 25, 26, 27 dos factos provados), a eventual ofensa a pessoa colectiva reconduzir-se-á, por exclusão de partes, ao facto narrado no ponto 13 dos factos provados, onde se diz que o arguido “ alega que os €50.000 concedidos a título de subsídio foram consumidos na aquisição de câmaras de vigilância e para ajudar algumas pessoas a suportar despesas com serviço de internet”.
25 - No crime previsto no art. 187º do CP, considerando a qualidade do sujeito passivo (“entidade abstracta”, com determinadas características que a distinguem da pessoa singular) a “ofensa” terá que assumir relevo bastante para se poder concluir que tem aptidão para afectar o bem jurídico protegido, o que igualmente significa que terá de existir maior tolerância perante a crítica feita a uma entidade abstracta.
26 - Ora, não se alcança da referida factualidade (ponto 13 dos factos provados) que a mesma seja ofensiva do bom nome da Pessoa Colectiva.
27 - A ali invocada “aquisição de câmaras de vigilância” ou a “ajuda a pessoas a suportar despesas com serviço de internet”, pode até, em abstracto, caber dentro do âmbito de actuação da Associação (que na sentença não se aflorou) e ser uma alocação legítima dos subsídios concedidos, não se vislumbrando, pois, em que medida a alegada afirmação do arguido no período de intervenção pública da reunião de Câmara Municipal seja ofensiva do bom nome da instituição.
28 - Com tal afirmação o arguido poderá, eventualmente, estar a questionar implicitamente alguns critérios de gestão – que serão apenas critérios de gestão de uma Direcção -, mas não a idoneidade e o bom nome da Associação (“entidade abstracta”). Note-se, em favor deste entendimento, que no ponto 12 dos factos provados ficou a constar que na mesma intervenção pública o arguido terá dito que “ a Associação está a ser prejudicada pela acção arrogante desenvolvida pela directora e funcionária da autarquia”.
29 - Ou seja, o arguido em momento algum se insurgiu contra a Associação Assistente, que até disse que estava a ser prejudicada, não sendo as suas palavras de molde a beliscar a honra, bom nome e prestígio daquela.
30 - Por fim, importa frisar que não foi mencionado o elemento volitivo no ponto 27 dos factos provados.
31 - Assim, tudo conjugado, deverá ser revogada a condenação pelo crime de ofensa a pessoa colectiva, e, concomitantemente, deverão ser revogadas as condenação no pagamento de indemnização às Assistentes.»
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O recurso foi admitido para este Tribunal da Relação de Guimarães, com o regime e efeito próprios.

O Magistrado do Ministério Público junto do Tribunal a quo respondeu, pugnando pela manutenção da sentença recorrida.
Nesta Relação, o Exmo. Senhor Procurador-Geral adjunto emitiu douto parecer, igualmente no sentido de que o recurso não merece provimento.

Foi cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2 do Código de Processo Penal, sem resposta.

Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.
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II. FUNDAMENTAÇÃO

Conforme é jurisprudência assente, o âmbito do recurso delimita-se pelas conclusões extraídas pelo recorrente a partir da respetiva motivação, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer(1).
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1. Questões a decidir

Face às conclusões extraídas pelo recorrente da motivação apresentada, a questão a decidir são:

A. subsunção jurídica dos factos ao crime de injúria, previsto e punível pelo artigo 181.º, n.º 1, agravado pelo disposto no artigo 183.º, n.º 1, al. a), ambos do Código Penal, na pessoa da assistente Z. A.;
B. subsunção jurídica dos factos ao crime de difamação, previsto e punível pelo artigo 180.º, n.º 1, agravado pelo disposto no artigo 183.º, n.º 1, al. a), ambos do Código Penal, na pessoa da assistente Z. A.;
C. subsunção jurídica dos factos ao crime de ofensa a pessoa coletiva, previsto e punível pelo artigo 187.º, n.ºs 1 e 2 al. a), agravado pelo disposto no artigo 183.º, n.º 1, al. a), ambos do Código Penal, na pessoa da assistente Associação Social X, IPSS.
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2. Factos Provados

Segue-se a enumeração dos factos provados, não provados e respetiva motivação, constantes da sentença recorrida.

«Factos Provados

1. No dia 27 de Outubro de 2015, teve lugar uma reunião da Direção da Associação Social X com a presença, à data, da Presidente de tal instituição, Assistente Z. A., do Vice-presidente Dr. L. C., Tesoureiro Dr. M. M., do Secretário Drª. Maria, reunião essa convocada de forma extraordinária, a pedido da Presidente da Direção, e ora assistente Z. A., com a presença do Arguido e do seu filho M. L..
2. A Assistente Z. A. acedeu em convocar a dita reunião a fim de esclarecer o arguido, e por solicitação deste último, sobre a situação laboral do seu filho.
3. Nessa reunião a assistente Z. A. é acusada pelo arguido de:
a) ter ameaçado o seu filho M. L.,
b) de proibir os funcionários da Instituição de falar com o filho e de os incentivar a tais comportamentos,
c) de exercer assédio moral grosseiro sobre o seu filho,
d) de ter dito ao filho que onde já trabalhou não gostavam dele,
e) de perseguir o seu filho.
4. Nessa mesma reunião, declarou que para a distribuição de géneros alimentares do pograma PCAAC, em vez de ser enviado o filho, foram enviados outros funcionários, abandonando os idosos que frequentam o Centro de Convívio afeto à gestão da dita Associação.
5. O arguido dirigiu-se à assistente Z. A. dizendo ainda "deixa-te desse paleio porque se tu fizeres isso amanhã eu estou com um cartaz em frente à porta da Associação a dizer o que se passa aqui. Já contactei algumas televisões e comunicação social para expor publicamente as ilegalidades que são feitas aqui. Como já sabia que esta era a tua intenção tenho já uma carta preparada para enviar e fazer uma queixa contra ti por assédio moral no trabalho"
6. No dia 18 de Outubro, na Rua (…) em Chaves à porta da sede da Associação Assistente, o arguido distribuiu panfletos a quem por aí passasse, dizendo "é tempo de dizer BASTA" "assédio moral no local de trabalho é crime. Esta situação passa-se na Associação Social X"
7. Refere que "com o objetivo de afetar a dignidade da pessoa assediada foi criado um ambiente intimidativo, hostil, degradante, humilhante e desestabilizador no local de trabalho".
8. Diz aí que “os colegas de trabalho e demais funcionários da associação foram intimidados e coagidos com ameaças proibindo-os de falar ou conviver dentro das instalações com o funcionário (referindo-se ao seu filho) vítima do assédio moral pela diretora da instituição (referindo-se à Assistente Z. A.).”
9. Diz ainda que “a vítima foi proibida de sair do gabinete que ocupa. Os colegas que compartiam instalações com ele foram transferidos para outros escritórios. A vítima encontra-se incomunicável sem acesso a a outras áreas da Associação apenas com acesso a umas instalações sanitárias desativadas e sem água, tendo de urinar num "vide"". Não podendo sequer aceder a um copo de água, para tomar os medicamentos que necessita".
10. Já numa publicação de facebook, datada desse mesmo mês de Outubro de 2015, o Arguido apelida a Assistente Z. A. de “esquizofrénica”.
11. Em 29 de Outubro de 2015, em plena reunião ordinária da Câmara Municipal o arguido aproveitou o período de intervenção pública para publicamente, dizer:
12. “A associação está a ser prejudicada pela ação arrogante desenvolvida pela diretora e funcionária da autarquia”.
13. Alega que os €50.000,000 concedidos a título de subsídio foram consumidos na aquisição de câmaras de vigilância e para ajudar algumas pessoas a suportar despesas com o serviço de internet".
14. "Refere que o plano de atividades da associação não foi cumprido".
15. Em 30 de Outubro em novo comentário colocado no "facebook" o Arguido exibe-se vestindo uma T-Shirt dizendo “Basta!”, a mesma que sempre vestia quando imputava acusações às Assistentes.
16. No dia 3 de novembro de 2015 na sede da Assistente Associação o Assistente e já no decurso dos trabalhos da assembleia geral tomou da palavra dizendo que queria denunciar o assédio moral que, segundo este, vigora na Associação "Social X".
17. Explicou que esta situação decorria há cerca de dois meses e que tentou resolver o mesmo internamente.
18. O Manuel disse que um funcionário desta casa (referindo-se ao seu filho) era vítima de assédio moral.
19. Disse que este estava isolado dos restantes colegas, não tinha acesso a instalações sanitárias nem a água para poder tomar medicação.
20. Já em 16 de Novembro de 2015 o Arguido dirige uma carta à Assistente com o assunto “pedido de exoneração.”
21. Acusa os membros da direção da associação, a associação e a sua presidente de manipularem a ata da reunião de 27 de Outubro de 2012, de a forjarem, com falsidades, lacunas omissões claras, com inequívoca manipulação e utilizarão de acusações fora de contexto.
22. Acusa a Assistente Z. A. de ser mentirosa compulsiva e sofrer de Mitomania.
23. Apelida a secretária da Direção, Maria, de criatura de terceiro mundo, jihadistado estado islâmico.
23. Os factos supra descritos ofendem a honra e bom nome dos ora Assistentes.
24. Divulgando as informações referidas em 10., 13. e 22, como o fez, tem o Arguido clara intenção de prejudicar a reputação, bom nome e prestígio da Assistente Z. A. e da Assistente Associação Social X, IPSS, reputada na cidade de Chaves.
25. O Arguido sabia que os factos descritos em 10., 13. e 22. que imputava factos às Assistentes que não correspondiam à verdade.
26. Mesmo sabendo que as suas condutas eram proibidas por lei, este facto não coibiu o Arguido de, mesmo assim praticar os factos de forma intencional e reiterada.
27. O Arguido agiu livre e conscientemente bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.

Mais se provou:

28. O arguido não tem antecedentes criminais registados
29. O arguido é casado, é aposentado, vive com a esposa e um dos filhos, vivem da apensão de reforma do arguido, que se fixa em €400, vive e casa arrendada e paga €45 de renda mensal.

Provou-se ainda que:

30. A assistente Z. A. sentiu-se profundamente ofendida com as acusações de que foi alvo e dominada de um sentimento de justiça.
31.A assistente Z. A. sentiu-se triste, desgostosa e envergonhada com os factos que lhe eram imputados.
32. A assistente Social X foi afetada na sua credibilidade, prestígio e confiança enquanto Instituição Particular de Solidariedade Social.
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2. Factos não provados

30. Divulgando as informações referidas em 3., 6. 12., 14. 16. a 19., como o fez, tem o Arguido clara intenção de prejudicar a reputação, bom nome e prestígio da Assistente Z. A. e da Assistente Associação Social X, IPSS, reputada na cidade de Chaves.
31. O arguidos soubesse que os factos descritos em 3., 6. 12., 14. 16. a 19. eram falsos.
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3. Motivação dos factos provados e não provados

A convicção do Tribunal fundou-se no conjunto da prova documental junta aos autos e na produzida em audiência de julgamento, analisada e conjugada criticamente à luz das regras da experiência comum, valorada segundo o critério da livre apreciação da prova, consagrado no artigo 127º do Código de Processo Penal.

Assim, atendeu o Tribunal ao depoimento do arguido que manteve a sua posição defendendo que na associação era praticado “assédio moral sobre o seu filho” e que via o mesmo desesperado com a situação que vivenciava.

Asseverou que tentou resolver a situação “internamente”, falando com a assistente Z. A., com o Presidente da Câmara e com o Presidente da Assembleia Geral da Associação, mas que tal não surtiu efeito, pois que o seu filho continuava a ser vítima de assédio.

Afirmou ainda que na Associação em causa se passaram várias ilegalidades que quis denunciar.

Defendeu, no entanto, que nunca distribuiu os panfletos juntos aos autos, embora tenha admitido que o texto do panfleto foi ele que escreveu, assim, como defendeu que a página de facebook com o nome “Manuel” não é dele.

Perguntado sobre indagou junto de algum funcionário sobre o que se passava com o seu filho na Associação em causa, referiu que havia um informático, que se apurou ser a testemunha Jorge, que “estava do lado do seu filho” e que lhe forneceu “muita documentação sobre ilegalidades que se estavam a passar na associação”.

Atendeu ainda o Tribunal ao depoimento de Z. A., assistente, que explicou que era acusada permanentemente pelo arguido de exercer assédio moral contra o seu filho, o funcionário M. L., o que era falso.

Concretizou que houve problemas relacionados com esse funcionário, M. L., concretamente pelo facto de este ter mandado uma mensagem a ameaçar o contabilista da instituição, Daniel, e que depois de ter “chamado à atenção ao funcionário M. L.”, começou o pai do funcionário, o arguido, a intervir, acusando-a exercer assédio moral contra o filho, dizendo que a mesma ameaçava colegas, acusações que o arguido propalava várias vezes e em locais públicos, como na reunião pública da Câmara Municipal.

Negou, no entanto, e perentoriamente que tais factos fossem verdadeiros, defendendo que o funcionário em causa era até privilegiado face aos demais.

Relativamente ao facebook defendeu que conhecia do arguido pelo menos três páginas, com os nomes M. A., Manuel e Manuel A., asseverando não ter qualquer dúvida de que as mesmas são pertença do arguido e que as injúrias que lá foram escritas o forma pelo arguido.

Mais atendeu o Tribunal ao depoimento de L. C., atual Presidente da Associação Social X, à data dos factos vice-presidente, que asseverou que efetivamente na reunião tida em 27 de Outubro o arguido se apresentou afirmando que o filho era descriminado.

Asseverou que nunca constatou tal realidade e que nessa reunião “tentou apaziguar os ânimos”, mas que efetivamente o arguido estava exaltado e disse claramente que ia denegrir a imagem da associação.

Mais defendeu que lhe foi dito que foi o arguido quem distribuiu panfletos em causa, mas que não o viu fazê-lo, defendendo ainda que que viu as publicações do facebook mas porque a assistente Z. A. lhas mostrou, já que não é “amigo” do arguido no facebook.

Valorou-se ainda o depoimento de M. M., técnico superior, à data dos factos membro da Associação assistente e que explicou que esteve presente na reunião de 27 de Outubro, asseverando que aí o arguido expôs a situação do filho e acusou a assistente Z. A. de o perseguir, de não lhe dar água de não o deixar ir à casa de banho, e de a associação gastar os €50.000 do orçamento em câmaras de vigilância.

Asseverou que a assistente Z. A. se sentia ofendida com tais acusações, já que não eram verdadeiras.

Mais considerou o Tribunal o depoimento de Daniel, contabilista na Associação assistente, e que explicou que a “contenda” com o funcionário da Associação M. L. aconteceu quando este pretendeu marcar mais 2 dias de férias do que aqueles a que teria direito e a testemunha em causa, que substituía a Presidente da Associação quando ela não estivesse, não permitiu.

Asseverou que nessa sequência recebeu no seu telemóvel uma mensagem do referido M. L. a ameaça-lo de que “não se metesse entre ele e a direção” e transmitiu o teor da mensagem à assistente Z. A., que chamou à atenção do referido M. L..

Defende que após este episódio, começaram os problemas com o arguido.

Asseverou que viu o arguido a distribuir os panfletos em causa nos autos, assim como viu através do seu facebook as mensagem do arguido nas páginas em causa.

Finalmente, considerou ainda o Tribunal o depoimento de Jorge, técnico de emprego, funcionário da Associação assistente e que asseverou conhecer o referido M. L., com quem trabalhou na Associação assistente.

Asseverou a testemunha me causa que partilhou gabinete com o funcionário M. L. e que veio a sair de tal gabinete em virtude de ter passado a ocupar outras funções na instituição em causa enão porque tivesse sido obrigado.

Defendeu ainda que nunca presenciou M. L. a ser tratado de forma diferente dos demais funcionários.

Relativamente ao arguido, defendeu que o viu a distribuir os panfletos em causa mas na Feira dos Santos, onde envergava ainda a T-Shirt a dizer “basta”, mas não viu distribuir em frente à associação.

Asseverou ainda que viu as mensagens do facebook e que sabe, porque é “amigo” que o arguido tem dois ou três perfis distintos.
Conjugada a prova produzida, concretamente do depoimento do arguido confrontado com os demais prova, ficou o Tribunal com a convicção de que efetivamente o arguido estava convencido de que o filho era vítima de assédio no local de trabalho, embora da prova produzida não tenha resultado essa realidade.

Em concreto, dos depoimentos de Jorge, Daniel, M. M. e L. C. resulta que o arguido estava convencido que o filho estaria a ser discriminado e, no fundo, maltratado na referida associação e pela assistente Z. A., realidade que não correspondia à verdade.

Com efeito, nenhuma prova se fez que efetivamente corroborasse que a realidade descrita pelo arguido sobre as condições de trabalho do seu filho correspondia à verdade, pelo contrário, da prova produzida resulta que o filho do arguido, M. L., era tratado da mesma forma que os demais funcionários, tendo sido particularmente relevante para o Tribunal sobre este aspeto o depoimento de Jorge, já trabalhou diretamente com o filho do arguido M. L..

Quanto a este aspeto, há que salientar que considerou o Tribunal os depoimentos de Jorge, Daniel, M. M. e L. C. sinceros e honestos, não tendo visto nos mesmos qualquer intenção de prejudicar ou beneficiar quem quer que fosse mas relatando os factos tal qual dos mesmos se recordavam.

Da mesma forma, considerou igualmente sincero o Tribunal o depoimento de Z. A. que se apresentou constrangida com as acusações do arguido, tendo prestado um depoimento calmo e assertivo.

Assim, quanto à matéria dos artigos 1º a 5º, o Tribunal julga provada tal matéria com base nos depoimentos da assistente, de M. M. e L. C. e tendo em consideração ainda o teor da ata, junta aos autos, salientando-se ainda que o arguido não nega que tenha feito as acusações aí expressas e que se julgam provadas.

Por outro lado, quanto aos factos descritos no artigo 6º a 9º o Tribunal, no confronto entre os depoimentos do arguido, quando defende que não distribuiu os panfletos em causa, com os depoimentos de Daniel e Jorge, que em circunstâncias diferentes viram o arguido distribuir os panfletos em causa, entende o Tribunal ser de depositar a sua confiança nos depoimentos das testemunhas em causa, já que além de serem mais isentas e imparciais, uma vez que não têm qualquer interesse no desfecho da causa, foram depoimentos, como já se salientou, desinteressados, centrados em relatar o que viram e sem evidenciaram qualquer interesse em prejudicar o arguido.

Da mesma forma, não convenceu o Tribunal o depoimento do arguido quando defende que as publicações do facebook que lhe são imputadas não são suas, facto 10º e 15º.

Desde logo, salienta-se que dos depoimentos da assistente Z. A. e das testemunhas L. C., Daniel e Jorge resulta que eram conhecidas ao arguido vários “perfis” de facebook e não apenas um, como este defendeu.

Por outro lado e centrando-nos na mensagem exarada no perfil de “Manuel”, cuja publicação se mostra junta a fls. 18, atentando no seu conteúdo, dúvida não há de que a mesma foi exarada pelo arguido, já que aí se relata o conteúdo dos atos que o arguido veio a seguir e matéria que, de resto, defendeu igualmente em audiência de julgamento.

Veja-se, aí refere-se: “Amanhã na sessão pública da Câmara… Será dado o primeiro passo. Na sexta-feira na inauguração da Feira dos Santos será feita a denúncia pública à Comunicação Social. Lamento ter de tomar esta atitude, mas a presidente da associação sofre de Esquizofrenia e não me deixa outra alternativa. (…)Segundo a “diretora” da IPSS, em caso de denúncia, mais vale a sua “palavra” como “directora” do que a de um simples funcionário . (…)”
Ora, efetivamente o arguido na sessão pública da Câmara Municipal veio a denunciar a situação em crise, assim como veio a denuncia-la igualmente na Feira dos Santos, como esclareceu a testemunha Jorge.
Da mesma forma, relatou o arguido ao Tribunal que a assistente Z. A. lhe havia dito que “mais vale a sua “palavra” como diretora do que a de um simples funcionário .”

Assim sendo, salvo o devido respeito, não nos convenceu o depoimento do arguido quando afirma que não foi ele próprio quem fez tais publicações, certo ainda que não se vê quem pudesse ter interesse em fazê-las que não o arguido.
Relativamente aos artigos 16º a 19º teve em consideração o Tribunal o teor da ata dessa reunião, salientando-se o arguido admitiu genericamente ter feito tais denúncias.
Já quanto ao teor dos artigos 20º a 23º, teve o Tribunal em consideração o teor da carta em causa, junta aos autos a fls. 19 e seguintes.
Do que vem dito decorre, por um lado, que não se fez prova suficiente que o arguido soubesse que as afirmações que propaladas relativamente à questão do assédio moral no local de trabalho fossem mentira.

Com efeito, pelo contrário, da prova produzida a que já se aludiu resulta que o arguido estava convencido que efetivamente tais acusações eram verdadeiras e que as fazia na defesa dos interesses do seu filho.

Já quanto à circunstância de apodar a assistente Z. A. de “mentirosa compulsiva”, de sofrer de “Mitomania” e de ser “esquizofrénica” e, bem assim, de propalar que a Associação assistente gastava os €50.000 concedidos na aquisição de câmaras de vigilância” isso, dúvida não há de que o arguido sabia ser falso.

Com efeito, independentemente da contenda vivida com a Associação e com a assistente Z. A., salvo o devido respeito por opinião contrária, tal não justifica que o arguido falte ao respeito devido à assistente Z. A. apodando-a dos termos em causa que são objetivamente injuriosos, ou que propale que a assistente Associação investe todo o seu orçamento em Câmaras de vigilância e internet, quando sabe que tal não corresponde à verdade.

Assim sendo, nesta parte entendemos que efetivamente o arguido agiu pretendendo prejudicar o bom nome e reputação das assistentes, sabendo que taos factos não eram verdadeiros.

Ademais, julga-se como provado que o arguido agiu sabendo que a sua conduta era proibida e punida pela lei penal, já que é do conhecimento comum da população que não se pode apodar outros de “mentiroso compulsivo” ou “esquizofrénico” ou fazer passar imputações desonrosas.

Valorou-se quanto aos pedidos de indemnização civil, com especial destaque os depoimentos Eva, Daniel, M. M., L. C. e Jorge que atestaram as consequências que os factos em causa tiveram na vida das assistentes.

Finalmente, quanto aos antecedentes criminais, valorou-se o certificado de registo criminal do arguido junto aos autos e quanto à sua situação económica e social as suas próprias declarações.»
***
3. APRECIAÇÃO DO RECURSO

A. Subsunção jurídica dos factos ao crime de injúria, previsto e punível pelo artigo 181.º, n.º 1, agravado pelo disposto no artigo 183.º, n.º 1, al. a), ambos do Código Penal.

O arguido/recorrente insurge-se com a sua condenação pela prática de um crime de injúria agravado, sustentando que as expressões e palavras que constam da factualidade apurada como tendo sido por si dirigidas à assistente Z. A. na reunião da Direção da Associação Social X, no dia 27 de outubro de 2015, não alcançam o limiar da dignidade penal a que se reconduz aquele tipo de crime, deixando intocável a honra e consideração devida aquela assistente. Para além de não se encontrarem provados factos integrantes do elemento subjetivo do tipo.

Vejamos.

O tipo base do crime de injúria encontra-se no artigo 181.º, n.º 1 do Código Penal, onde se estabelece: «Quem injuriar outra pessoa, imputando-lhe factos, mesmo sob a forma de suspeita, ou dirigindo-lhe palavras, ofensivos da sua honra ou consideração, é punido …»

Protege-se assim – através de uma restrição da liberdade de expressão – a honra das pessoas, nas suas dimensões normativa e fática, a reputação ou consideração exterior do indivíduo e o seu valor pessoal ou interior (2) que sendo expressão da própria personalidade, radicam na própria garantia da proteção da dignidade humana.

O tipo objetivo reconduz-se à imputação direta ao visado (por palavras ou qualquer outro meio de expressão (3)) de factos ou juízos desonrosos, mesmo sob a forma de suspeita.

O tipo subjetivo traduz-se na vontade livre de praticar o ato com a consciência de que as expressões utilizadas ofendem a honra e consideração alheias ou de que, pelo menos, são aptas a causar aquela ofensa, e que tal ato é proibido por lei. Bastando por isso o dolo (genérico, que não específico), em qualquer das suas modalidades previstas no artigo 14.º do Código Penal).

No caso em apreço, consta do elenco dos factos apurados que:

. Durante reunião da Direção da Associação Social X, IPSS, ocorrida no dia 27.10.2015, o arguido acusou a arguida de:

«a) ter ameaçado o seu filho M. L.,
b) de proibir os funcionários da Instituição de falar com o filho e de os incentivar a tais comportamentos,
c) de exercer assédio moral grosseiro sobre o seu filho,
d) de ter dito ao filho que onde já trabalhou não gostavam dele,
e) de perseguir o seu filho.»

Tais imputações traduzem inequivocamente, para a generalidade das pessoas, um juízo negativo muito acentuado sobre a pessoa da assistente e sobre a sua reputação, como pessoa e profissional. Evidenciando o cometimento de condutas gravemente lesivas da relação laboral existente entre a IPSS por ela presidida e um trabalhador, algumas delas inclusive suscetíveis de integrar crimes dolosos.

Não se podendo sequer conjeturar que o arguido, homem então com 69 anos de idade, reformado, casado, com filhos, não estivesse ciente que os factos que imputou à assistente eram adequados a lesar os seus sentimentos de honra e consideração social, pois qualquer pessoa com o mínimo de integração social o sabe.

É certo que não se provou que o arguido tivesse agido com animusinjuriandi. Mas é hoje absolutamente pacífico na jurisprudência e na doutrina portuguesas que o animus injuriandi vel diffamandi não integra o tipo subjetivo dos crimes de difamação e injúria, que estão construídos como crimes de perigo.

Preenchendo-se o tipo incriminador com a idoneidade das expressões usadas para ofender a honra e consideração do visado, não sendo necessária a produção de dano (efetiva lesão da honra e consideração da vítima), bastando a suscetibilidade das expressões utilizadas para ofender.

Sendo suficiente para preencher o tipo subjetivo a consciência de que a atribuição do facto ou juízo ou a sua reprodução são de molde a produzir ofensa da honra e consideração da vítima (4).

Ora, no caso dos autos, provou-se que o arguido agiu livre e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei. Emanando igualmente do elenco dos factos provados, designadamente da descrição das suas condutas e situação pessoal, que aquele não podia deixar de saber que as expressões que utilizou eram aptas a ofender a honra e consideração da assistente.

Assim estando preenchidos todos os elementos típicos do crime de injúria previsto e punível pelo artigo 181.º, n.º 1 do Código Penal.
O mesmo já não podemos dizer quanto à verificação da previsão do artigo 183.º, n.º 1, al. a) (agravante da publicidade), igualmente do Código Penal, também imputada ao arguido.
Da factualidade apurada resulta que as injúrias foram proferidas oralmente, numa reunião que não era pública e onde, para além do arguido e da assistente Z. A., estavam apenas mais quatro pessoas, o vice presidente, o tesoureiro e o secretário da Associação Social X, e o filho do arguido.
Neste contexto, nem o meio utilizado nem as circunstâncias são suscetíveis de facilitar a divulgação da ofensa, não se verificando aquela agravante da publicidade.
Pelo que neste último ponto se revogará em conformidade a sentença recorrida, imputando-se ao arguido a prática de um crime de injúria previsto e punível apenas pelo artigo 181.º, n.º 1 do Código Penal.
*
B. Subsunção jurídica dos factos ao crime de difamação, previsto e punível pelo artigo 180.º, n.º 1, agravado pelo disposto no artigo 183.º, n.º 1, al. a), ambos do Código Penal, na pessoa da assistente Z. A..

O arguido insurge-se também com a sua condenação por um crime de difamação, previsto e punível pelo artigo 180.º, n.º 1, agravado pelo disposto no artigo 183.º, n.º 1, al. a), ambos do Código Penal, por entender que a factualidade apurada não é suficiente para preencher os respetivos elementos típicos.

Argumenta que relativamente à carta dirigida à assistente em 16 de outubro de 2015, com o assunto «pedido de exoneração», não consta como provado que ela tenha sido efetivamente expedida ou chegado ao conhecimento de terceiros.

Quanto à publicação no facebook em que o arguido «apelida a assistente de esquizofrénica», a posterior atitude da assistente Z. A., ao convocar uma reunião para «esclarecer» o arguido, é de molde a concluir que ela não se sentiu afetada na sua honra e consideração por aquelas palavras.

Mais alegando que não resultando da factualidade apurada se aquela publicação do facebook era pública e acessível ao público em geral ou apenas restrita a um grupo de pessoas, não se pode também concluir, sem mais, estarem verificados os requisitos da agravante da publicidade do artigo 183.º, n.º 1, al. a) do Código Penal.

Vejamos.

O tipo base do crime de difamação encontra-se no artigo 180.º, n.º 1 do Código Penal, onde se estabelece: «quem, dirigindo-se a terceiro, imputar a outra pessoa, mesmo sob a forma de suspeita, um facto, ou formular sobre ela um juízo, ofensivos da sua honra ou consideração, ou reproduzir uma tal imputação ou juízo, é punido…».
Também neste crime, tal como no de injúria, se protege – através de uma restrição da liberdade de expressão – a honra das pessoas, nas suas dimensões normativa e fática, a reputação ou consideração exterior do indivíduo e o seu valor pessoal ou interior (5), que sendo expressão da personalidade, radicam na própria garantia da proteção da dignidade humana.

O tipo objetivo reconduz-se à imputação (por palavras ou qualquer outro meio de expressão (6)), através de terceiros, de factos ou juízos desonrosos, mesmo sob a forma de suspeita.

O tipo subjetivo traduz-se na vontade livre de praticar o ato com a consciência de que as expressões utilizadas ofendem a honra e consideração alheias ou de que, pelo menos, são aptas a causar aquela ofensa, e que tal ato é proibido por lei. Bastando por isso o dolo (genérico, que não específico), em qualquer das suas modalidades previstas no artigo 14.º do Código Penal).

No caso em apreço, da sentença recorrida consta que foi considerada relevante para a subsunção jurídica dos factos ao tipo de crime de difamação – e entre outra factualidade que infra se analisará – também a factualidade descrita nos pontos 20 a 23, de onde consta que «em 16 de novembro de 2015 o arguido dirige uma carta à assistente com o assunto “pedido de exoneração”», reproduzindo-se em seguida partes dessa missiva.

Contudo, para além de tais factos não serem minimamente esclarecedores sobre a qual das assistentes é dirigida a carta, embora haja duas pessoas nos autos com essa qualidade, também neles não é em momento algum referido, direta ou indiretamente, se tal missiva foi rececionada, aberta e lida por quem quer que fosse, ou seja, se chegou ao conhecimento de alguém, nomeadamente de pessoa diversa da ofendida Z. A..

Ora, como se sabe, para o preenchimento do tipo de crime de difamação não basta a existência da ofensa, é necessário ainda «o segmento do rodeio ou do enviesamento», consumando-se o crime só quando «chegue ao conhecimento de uma pessoa diversa do ofendido, pessoa que tenha conhecimento da natureza ofensiva da expressão», já que este crime pressupõe uma relação tipicamente triangular (7).

Nesta medida, a factualidade apurada relativamente à carta dirigida pelo arguido à assistente, no dia 16 de novembro de 2015, com o assunto «pedido de exoneração» não é suficiente para integrar a prática do crime de difamação ou qualquer outro.
Não foi contudo só essa a factualidade considerada na sentença recorrida para a subsunção jurídica dos factos ao crime de difamação, já que dos factos provados consta também que:

- No dia 18 de outubro de 2015, na Rua (…), em Chaves, à porta da sede da Associação Social X, o arguido distribuiu panfletos a quem por aí passasse, dizendo «é tempo de dizer BASTA» «assédio moral no local de trabalho é crime», neles referindo, entre outras coisas, que um funcionário dessa associação (referindo-se ao seu filho) era vítima de assédio moral pela directora da instituição (referindo-se à assistente Z. A.) (pontos 6 e 8);

- numa publicação no facebook, datada do mês de outubro de 2015, em que o arguido apelida a assistente de «esquizofrénica» (ponto 9).
- No dia 29 de outubro de 2015, em plena reunião ordinária da Câmara Municipal, o arguido aproveitou o período de intervenção pública para publicamente dizer, entre outras coisas, que «a associação está a ser prejudicada pela acção arrogante desenvolvida pela directora e funcionária da autarquia», referindo-se à Associação Social X, da qual era então diretora a assistente Z. A. (pontos 11 e 12).

Ora, as imputações feitas pelo arguido sobre a assistente Z. A. e dirigidas a terceiros, a que se refere a factualidade acabada de transcrever, traduzem inequivocamente, para a generalidade das pessoas, um juízo negativo muito acentuado sobre a pessoa daquela e sobre a sua reputação, como pessoa e profissional. Evidenciando caraterísticas de desequilíbrio da sua personalidade, associadas a ver e ouvir coisas que na realidade não existem (esquizofrenia); bem como o cometimento de condutas gravemente lesivas da relação laboral existente entre a associação por ela presidida e um trabalhador, algumas suscetíveis de integrar inclusive crimes dolosos.

Não se podendo sequer conjeturar que o arguido, homem então com 69 anos de idade, reformado, casado, com filhos, não estivesse ciente que os factos e juízos de valor que perante terceiros imputou à assistente eram adequados a lesar os seus sentimentos de honra e consideração social, como o saberia qualquer pessoa com o mínimo de integração social.

Ora, o tipo incriminador preenche-se com a idoneidade das expressões usadas para ofender a honra e consideração do visado, não sendo necessária a produção de dano (efetiva lesão da honra e consideração da vítima), bastando a suscetibilidade das expressões utilizadas para ofender.

Sendo suficiente para preencher o tipo subjetivo a consciência de que a atribuição do facto ou juízo ou a sua reprodução são de molde a produzir ofensa da honra e consideração da vítima. Tudo conforme já supra se referiu a propósito do crime de injúria e que aqui se dá por reproduzido.

No caso em apreço, provou-se que o arguido agiu livre e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei. Emanando também do elenco dos factos provados, designadamente da descrição das condutas do arguido e da sua situação pessoal, que ele não podia deixar de saber que as expressões que utilizou eram aptas a ofender a honra e consideração da assistente.

Sendo, ainda, que algumas das imputações difamatórias foram feitas por meio e em circunstâncias suscetíveis de facilitar a divulgação da ofensa, como é objetivamente o caso das veiculadas através da distribuição de panfletos na via pública e das proferidas oral e publicamente em reunião pública da Câmara Municipal.
Preenchendo os descritos comportamentos do arguido todos os elementos típicos do crime de difamação previsto e punível pelos artigos 180.º, n.º 1, com a agravação da publicidade do artigo 183.º, n.º 1, al. a), ambos do Código Penal.
Sendo por isso de manter a sua condenação por esse crime.
*
C. Subsunção jurídica dos factos ao crime de ofensa a pessoa coletiva, previsto e punível pelo artigo 187.º, n.ºs 1 e 2 al. a), agravado pelo disposto no artigo 183.º, n.º 1, al. a), ambos do Código Penal, na pessoa da assistente Associação Social X, IPSS.

Por último, o recorrente sustenta que a factualidade apurada não é ofensiva do bom nome da assistente pessoa coletiva Associação Social X, em momento algum ele se tendo insurgido contra esta, que até disse estar a ser prejudicada.

Vejamos.

O tipo base do crime de ofensa a organismo, serviço ou pessoa coletiva encontra-se previsto no artigo 187.º, n.º 1 do Código Penal, que dispõe: «Quem, sem ter fundamento para, em boa fé, os reputar verdadeiros, afirmar ou propalar factos inverídicos, capazes de ofender a credibilidade, o prestígio ou a confiança que sejam devidos a organismo ou serviço que exerçam autoridade pública, pessoa coletiva, instituição ou corporação, é punido …»

O bem jurídico protegido neste crime é o crédito, o prestígio e a confiança dos entes coletivos enumerados no n.º 1, tal como consta da respetiva ata (n.º 25) da Comissão Revisora do Código Penal de 1995, onde se pode ler: «visa o tipo legal previsto no artigo 187º C Penal criminalizar acções (os rumores) não atentatórios da honra, mas sim do crédito, do prestígio ou da confiança de uma determinada pessoa colectiva, valores que não se incluem em rigor no bem jurídico protegido pela difamação ou pela injúria».

O tipo objetivo reconduz-se à afirmação ou propalação de factos inverídicos e ofensivos e não à formulação de juízos ofensivos, ao contrário do que se verifica com os crimes de difamação do artigo 180.º e de injúria do artigo 181.º , ambos do Código Penal.

Estamos perante um crime de perigo, bastando que os factos em questão tenham aptidão para ofender a credibilidade, o prestígio ou a confiança devidos ao sujeito passivo (organismo ou serviço que exerçam autoridade pública, pessoa coletiva, instituição ou corporação), mesmo que essa credibilidade, esse prestígio ou essa confiança não tenham sido efetivamente atingidos.

O tipo subjetivo traduz-se na vontade livre de praticar o ato com a consciência de que os factos inverídicos imputados ofendem a credibilidade do ente coletivo ou de que, pelo menos, são aptos a causar aquela ofensa, e que tal ato é proibido por lei. Bastando por isso o dolo (genérico, que não específico), em qualquer das suas modalidades previstas no artigo 14.º do Código Penal).

No caso em apreço, da leitura integral da factualidade considerada apurada depreende-se claramente que toda a atuação do arguido, nos vários episódios em que se desenvolve, consubstancia sempre um ataque pessoal dirigido à assistente Z. A., que é a Diretora da Associação Social X, IPSS, mas já não a esta Associação em si, enquanto ente coletivo e pessoa diversa daquela.

É à própria assistente Z. A. que manifestamente o arguido imputa o «assédio moral» e os atos em que o decompõe, de que alega ser vítima o seu filho, trabalhador daquela Associação.

Chegando a afirmar publicamente, em reunião ordinária da Câmara Municipal – como se pode ler no ponto 12. – que a Associação Social X estava «a ser prejudicada pela ação arrogante desenvolvida pela diretora e funcionária da autarquia», o que é bem demonstrativo da distinção que fazia entre ambas, que vai ao ponto de considerar até a Associação como mais uma vítima da assistente Z. A..

Não se podendo considerar que a ofensa ao bem jurídico eminentemente pessoal que é a honra da diretora da Associação, atributo exclusivo das pessoas individuais, seja suscetível de violar simultaneamente o bem jurídico diverso que é o crédito, o prestígio e a confiança de que só os entes coletivos (ou entidades equiparadas) podem ser titulares.

A única afirmação de facto inverídico que no elenco dos factos provados não aparece diretamente imputado à própria assistente Z. A. será o descrito no ponto 13, relativo à afirmação pública do arguido, na reunião da Câmara Municipal de 29 de outubro de 2015, de que «os € 50.000,00 concedidos a título de subsídio foram consumidos na aquisição de câmaras de vigilância e para ajudar algumas pessoas a suportar despesas com o serviço de internet».

Contudo, não tendo sido apurado qualquer circunstancialismo suscetível de contextualizar a afirmação transcrita, designadamente o fim para que era concedido o alegado subsídio, ela mostra-se objetivamente inócua no que respeita a potencial ofensivo.

Por último, e no que concerne aos factos vertidos nos pontos 20 a 23, de onde consta que «em 16 de novembro de 2015 o arguido dirige uma carta à assistente com o assunto “pedido de exoneração”», reproduzindo-se em seguida partes dessa missiva, como já referimos supra aquando da análise da subsunção jurídica dos factos ao crime de difamação, em momento algum da factualidade apurada consta que essa carta tenha sido rececionada, aberta e lida por quem quer que fosse, ou seja, que chegasse ao conhecimento de alguém.

Ora, ainda que os factos afirmados na dita missiva fossem eventualmente ofensivos do crédito, prestígio e confiança da Associação Social X, para a consumação do tipo de crime de ofensa a organismo, serviço ou pessoa coletiva seria sempre necessário que eles chegassem ao conhecimento de alguém, o que não consta dos factos provados (8).

De tudo assim decorrendo que a conduta do arguido não preenche o tipo de crime de ofensa a pessoa coletiva, previsto e punível pelos artigos 187.º, n.ºs 1 e 2, al. a) e 183.º, n.º 1, al. a) do Código Penal.
Impondo-se por conseguinte a revogação da sentença recorrida na parte em que por condenou o recorrente como autor desse mesmo crime.
*
Consequências da procedência parcial do recurso:

A procedência parcial do recurso, nos termos decorrentes da exposição antecedente, implica o dever de dela retirar as consequências legalmente impostas quanto a toda a decisão, mesmo nos pontos que não foram objeto de recurso ou que o não admitem, em conformidade com o preceituado no artigo 403.º, n.º 3 do Código de Processo Penal.

Só dessa forma se conseguem assegurar os efeitos práticos da decisão do Tribunal ad quem, embora sempre com a limitação da proibição da reformatio in pejus do artigo 409.º, também do Código de Processo Penal.

Assim, começando pela absolvição do arguido, decretada nesta instância, do crime de ofensa a pessoa coletiva previsto e punível pelos artigos 187.º, n.ºs 1 e 2, al. a) e 183.º, n.º 1, al. a) do Código Penal, não há dúvida que haverá de dela extrair as respetivas consequências civis, com a absolvição do arguido, também a este nível, do pedido cível deduzido pela assistente/ofendida Associação Social X. (9)

Por sua vez, relativamente ao crime de injúria de que é ofendida a assistente Z. A., a revogação da agravante da publicidade do artigo 183º, nº 1, al. a) do Código Penal e a condenação do arguido apenas pela prática do tipo base, previsto e punível pelo artigo 181.º, n.º 1 do Código Penal, a que corresponde diversa moldura penal, implica naturalmente nova determinação da medida concreta da respetiva pena parcelar.

Haverá ainda que determinar a medida concreta da pena a aplicar ao arguido pela prática do crime de difamação, previsto e punível pelo artigo 180º, n.º 1, agravado pelo disposto no artigo 183º, nº 1, al. a), ambos do Código Penal, na pessoa da assistente Z. A.. Pois, embora relativamente a este crime se tenha mantido a subsunção jurídica constante da sentença recorrida, o certo é que também se decidiu que não o podia integrar a factualidade a descrita nos pontos 20 a 23, a qual, entre outros factos, havia sido considerada relevante pelo Tribunal a quo.

Por último, importará refazer o cúmulo jurídico com as duas novas penas parcelares que forem aqui determinadas e já sem a pena correspondente ao crime de ofenda a pessoa coletiva, cuja condenação foi revogada.

Uma última nota para salientar que a fixação em 750,00 € do montante da indemnização cível a pagar pelo arguido à assistente Z. A. continua a mostrar-se perfeitamente adequada às circunstâncias apuradas, não obstantes as alterações efetuadas à sentença em sede de recurso.
Posto isto, passemos pois à_______________________________________

Determinação das penas parcelares concretas e da pena única.

Ao crime de injúria cometido pelo arguido, previsto e punível pelo artigo 181.º, n.º 1 do Código Penal, corresponde pena de prisão até três meses ou pena de multa até 120 dias.

Ao crime de difamação com a agravação da publicidade, previsto e punível pelos artigos 180.º, n.º 1 e 183.º, n.º 1, al. a), ambos do Código Penal, corresponde pena de prisão de 40 dias a oito meses ou pena de multa de 13 a 320 dias (10).

O Tribunal a quo procedeu já à operação de escolha das penas, nos termos do disposto no artigo 70.º do Código Penal, tendo optado pela pena de multa quanto a ambos os crimes, opção que não pode ser agora sequer posta em causa, por força da proibição da reformatio in pejus.

Na concretização das penas parcelares de multa, dentro das respetivas molduras legais aplicáveis, atenderemos aos critérios para tal definidos nos artigos 40.º, n.º 1 e n.º 2 e 71.º do Código Penal.

Para tal e como fatores de valoração que militam a favor do arguido, quanto a ambos os crimes, teremos desde logo que considerar a ausência de antecedentes criminais e a integração familiar.

A culpa é intensa, face à modalidade de dolo direto que revestiu as suas condutas, quer no que respeita à difamação quer à injúria. Embora seja suscetível de a atenuar a motivação que presidiu à prática dos crimes, relacionada com a convicção do arguido de que o seu filho estava efetivamente a ser vítima de assédio moral no trabalho por parte da assistente Z. A. (11).

No que se refere ao grau da ilicitude, ele é acima da média em ambos os crimes, uma vez que foram vários os factos injuriosos que o arguido imputou à assistente na reunião de 27 de outubro de 2015, quando a imputação de um só deles já era suficiente para preencher o tipo. O mesmo acontece relativamente à difamação, concretizada em factos imputados à assistente num panfleto que distribuiu no dia 18 de outubro de 2015 e também numa publicação no facebook, no mesmo mês e ano.

As necessidades de prevenção especial não se fazem sentir com muita intensidade, uma vez que estamos perante um cidadão nascido em 1945, com 69 anos à data dos factos, sem antecedentes criminais e familiarmente bem integrado, tudo indicando que os crimes dos autos não terão passado de mero desvio ocasional da sua personalidade.
Também as necessidades de prevenção geral não assumem aqui grande acuidade.

Por último, haverá que refletir nas medidas das penas que habitualmente são aplicadas nos tribunais em situações deste tipo; bem como ao princípio da necessidade e proporcionalidade das penas (12).

Sopesando todos estes elementos, a pena concreta de 50 dias de multa para o crime de injúria e de 130 dias de multa para o crime de difamação, ambas situadas ainda abaixo da metade das respetivas molduras legais abstratas, afiguram-se adequadas e justas.

Medida da pena única

A pena aplicável ao concurso de crimes, conforme resulta do artigo 77.º, n.ºs 1 e 2, do Código Penal, tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes não podendo, no caso de penas de multa , ultrapassar os 900 dias, e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas.

In casu, os limites abstratos da pena única variam entre o mínimo de 130 dias de multa (pena parcelar mais grave) e o máximo de 180 dias de multa (soma das duas penas parcelares).

Na concretização da pena única haverá, necessariamente e por imperativo legal, de ter-se em conta o conjunto dos factos que integram os crimes em concurso, numa avaliação global da ilicitude, com base na conexão dos factos em concurso; bem como a personalidade do agente, revelada nesse conjunto dos factos, em ordem a descortinar se a prática dos vários crimes radica numa caraterística desvaliosa da personalidade do agente que o leva a repetir as condutas criminosas ou se, pelo contrário, essa repetição se fica a dever a uma pluriocasionalidade não relacionada com um desvio da sua personalidade. (13)

Ficando assim definitivamente afastada, nesta fase de determinação da pena única, uma visão centrada em cada crime individualmente considerado, já que o que se pretende é, pelo contrário, uma visão de conjunto de todos os factos em concurso, em ordem a relacioná-los entre si e com a personalidade do agente, que dará lugar a uma nova discussão sobre a pena, com critérios legais de determinação diferentes dos que haviam anteriormente determinado as penas parcelares por cada crime em concurso.

Revertendo ao caso em apreço, do conjunto dos factos em concurso sobressai logo a homogeneidade da atuação do agente, pois praticou ambos os crimes dentro do mesmo circunstancialismo e motivação, tendo também os dois a mesma vítima.

Contudo, a persistência criminosa – demonstrada na concretização dos crimes em vários momentos temporais distintos e por meios também absolutamente distintos – é fator a considerar em desabono do arguido.

Abona a seu favor a ausência de antecedentes criminais (aliada à sua idade), bem como a integração familiar.

Neste contexto, a proporcionalidade entre a intensidade das consequências pessoais da pena única e o interesse social na punição, aponta para que aquela se situe próximo da metade da moldura legal do concurso.

Pelo que a pena de 150 dias de multa, situada ainda cinco dias abaixo daquele ponto médio, se mostra justa e equilibrada.
Mantendo-se o quantitativo diário de 5,50 € (cinco euros e cinquenta cêntimos) que não foi posto em causa no recurso.
***
III. DECISÃO

Pelo exposto, acordam as juízas desta secção do Tribunal da Relação de Guimarães, em conceder provimento parcial ao recurso do arguido Manuel e, em consequência:

a) revogar a condenação do arguido pelo crime de ofensa a pessoa coletiva, previsto e punível pelos artigos 187.º, nº 1 e 2 al. a) e 183.º, n.º 1, al. a), ambos do Código Penal, absolvendo-o de tal crime;
b) revogar a condenação do arguido pelo crime de injúria previsto e punível pelo artigo 181.º, n.º 1, com a agravante da publicidade do artigo 183º, nº 1, al. a), ambos do Código Penal, absolvendo-o desse crime e condenando-o apenas pela prática do respetivo tipo base de injúria, previsto e punível pelo artigo 181.º, n.º 1 do Código Penal, aplicando-lhe a pena de 50 (cinquenta) dias de multa;
c) revogar a pena de 150 (cento e cinquenta) dias de multa em que o arguido foi condenado pela prática do crime de difamação, previsto e punível pelo artigo 180.º, n.º 1 do Código Penal, agravado pelo disposto no artigo 183.º, n.º 1, al. a), do mesmo diploma e, em sua substituição, e pelo mesmo crime, condená-lo na pena de 130 (cento e trinta) dias de multa.
d) revogar a pena única de 200 (duzentos) dias de multa aplicada ao arguido em cúmulo jurídico e, em sua substituição, condená-lo na pena única de 150 (cento e cinquenta) dias de multa , à taxa diária de 5,50 € (cinco euros e cinquenta cêntimos);
e) revogar a condenação do arguido/demandado a pagar à assistente/demandante Associação Social X, IPSS, a título de indemnização civil, a quantia 500,00 € (quinhentos euros), acrescido de juros desde a notificação até integral pagamento, absolvendo-o do pedido cível deduzido por essa demandante.
No demais se mantendo a sentença recorrida.
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Sem tributação.
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Guimarães, 24 de setembro de 2018
(Elaborado e revisto pela relatora)


1. Cfr. artigo 412º, nº 1 do Código de Processo Penal e Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, 2ª edição, Editorial Verbo, 2000, pág. 335, V.
2. In José de Faria Costa, Comentário Conimbricense do Código Penal – Parte Especial, Tomo I, Coimbra Editora, 1999, pág. 607, §§14 e 15.
3. Cfr. artigo 182.º do Código Penal.
4. Cfr., entre muitos outros, Simas Santos e Leal Henriques, Código Penal, 2ª ed., Lisboa, 1996, vol. II, págs. 317 e 318, Maia Gonçalves, Código Penal Anotado, 17ª ed., Coimbra, 2005, págs. 622 e 623, e jurisprudência neles aí citada.
5. In José de Faria Costa, Comentário Conimbricense do Código Penal – Parte Especial, Tomo I, Coimbra Editora, 1999, pág. 607, §§14 e 15.
6. Cfr. artigo 182.º do Código Penal.
7. Cfr. Luís Osório, Notas ao Código Penal Português, vol. III, pág. 321.
8. Não sendo a tentativa deste crime punível nos termos do disposto no artigo 23.º, n.º 1 do Código Penal, pelo que irrelevante se torna a análise dos factos nessa perspetiva.
9. Muito embora o valor do respetivo pedido, no montante de 4.500,00 €, não admitisse recurso dessa parte da sentença da 1ª instância, como decorre do disposto nos artigos 400.º, n.º 2 do Código de Processo Penal e 44.º, n.º 1 da 44º, nº 1, da Lei da Organização do Sistema Judiciário, aprovada pela Lei 62/2013, de 2 de agosto, em vigor desde 01.09.2014.
10. E não com pena de multa de 90 a 320 dias, como por manifesto lapso se escreveu na sentença recorrida, a fls. 18. Note-se que ao tipo base do crime de difamação p. e p. pelo artigo 180.º, n.º 1 corresponde pena de prisão de um a seis meses ou pena de multa 10 a 240 dias (cfr. também os arts. 41.º, n.º 1 e 47.º, nº 1, ambos do CP). Por força da agravação do art. 183.º, n.º 1, al. a), as penas aplicáveis ao tipo base são elevadas de 1/3 nos seus limites mínimo e máximo, o que, no que respeita à moldura da multa, corresponde inequivocamente a um mínimo de 13 (10 + 1/3 de 10) a um máximo de 320 (240+1/3 de 240) dias.
11. Relembre-se que, como já supra se explicitou, é hoje absolutamente pacífico na jurisprudência e na doutrina portuguesas que o animus injuriandi vel diffamandi não integra o tipo subjetivo dos crimes de difamação e injúrias, que estão construídos como crimes de perigo.
12. Cfr. artigo 18.º da Constituição da República Portuguesa.
13. Cfr. Figueiredo Dias, Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, 291.