Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
3517/16.1T8BRG.G1
Relator: MARIA DE FÁTIMA ANDRADE
Descritores: EMPREITADA
DIREITO DE RETENÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 12/07/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: I- O vício de omissão de pronúncia só opera quando de todo o tribunal deixe por conhecer questão suscitada pelas partes;
II- Não configura nulidade, por ser ato permitido pela lei, a dispensa da produção da prova em sede de procedimento cautelar quando da factualidade alegada e dos factos eventualmente já assentes, concluir o juiz ser possível conhecer do mérito da pretensão deduzida, no uso do seu poder de direção ativa do processo consagrado no artigo 6º do CPC.
III- Nas relações entre empreiteiro e subempreiteiro, na medida em que este fica perante aquele obrigado a realizar determinada obra, regem as normas do contrato de empreitada.
IV- São requisitos do direito de retenção:
. a detenção lícita da obra executada por parte daquele que invoca esse mesmo direito;
. que o detentor, devedor da entrega da coisa, seja simultaneamente credor daquele a quem ela é devida;
. que o crédito do detentor esteja diretamente conexionado com a coisa detida
V- Ao empreiteiro detentor da obra realizada – acabada ou não - é reconhecido o direito de retenção sobre a mesma, enquanto lhe não for pago o preço da empreitada pelo respetivo dono;
VI- Não obstante a ligação funcional que existe entre o contrato de subempreitada e o contrato de empreitada, assumindo aquele em relação a este uma posição subordinada, dada a manutenção do vínculo contratual do empreiteiro em relação ao dono de obra, é aquele empreiteiro quem perante o dono da obra continua a responder diretamente.
VII- Estando em causa obra executada em imóvel sendo o solo ou superfície pertença do dono de obra, nos termos do artigo 1212º n.º 2 do CC consideram-se adquiridos pelo dono de obra os materiais fornecidos e nela incorporados.
VIII- É inviável a invocação do direito de retenção do subempreiteiro sobre o empreiteiro, em caso de obra sobre imóvel nos termos referidos em VII, porquanto necessariamente se reflete sobre o direito do dono de obra que em relação ao contrato de subempreitada é terceiro.
IX- Pelos mesmos motivos não é oponível ao dono de obra eventual cláusula de reserva de propriedade estipulada no âmbito do contrato de subempreitada ao qual o dono de obra é totalmente alheio.
X- O fundado receio de lesão grave, requisito da procedência de pedido cautelar carece de concretização factual, não se bastando com meros receios ou conjeturas.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães
I- Relatório
“B Lda.”, melhor id. a fls. 3, instaurou o presente procedimento cautelar comum contra “Construções E S.A.” igualmente melhor id. a fls. 3, pela sua procedência formulando a final o seguinte pedido:
“a) deve ser reconhecido sumária e provisoriamente o direito de retenção da Requerente sobre a obra identificada e sobre os equipamentos de ar condicionado instalados pela B Lda. na mesma.
b) condenar-se a E S.A. a restituir à sua posse quer a obra, livre de pessoas e bens, quer os equipamentos de ar condicionado nele existentes.
c) condenar-se a E S.A. a abster-se de recorrer a entidades terceiras para a execução dos trabalhos contratados à B;
d) ordenar-se a realização de um inventário de todos os materiais colocados na obra, por entidade independente, por forma a destruição ou dissipação dos mesmos, bem como a verificação judicial dos autos de medição n.º 17 e 18 por forma a salvaguardar os trabalhos realizados pela B Lda. em virtude da intervenção de terceiros.
Tudo até ao trânsito em julgado da ação principal a instaurar e da qual depende a presente providência cautelar.
Em virtude da possibilidade da prática de atos prejudiciais para os interesses da Requerente, que podem frustrar a providência enquanto a mesma não for decretada, requer-se a V.ª EX.ª se digne decidir a presente sem audiência prévia do Requerido (artigo 366º do C.P.C..)”.

Para tanto alegou em suma (e conforme se fez constar na decisão recorrida):
“Que no âmbito da sua atividade Requerente e Requerida celebraram um contrato de subempreitada mediante o qual esta contratou os serviços da B, Lda. para executar os trabalhos constantes da relação em anexo ao contrato na obra de construção civil designada por “Requalificação Urbana dos Parques de Nossa Sr.ª das Dores e Dr. Lima Carneiro.
Que foi acordado que mensalmente, entre os dias 15 e 20, seria elaborado auto de medição dos trabalhos executados na obra nos 30 dias antecedentes, que tais autos de medição seriam confirmados à B Lda. e que, após a confirmação, a faturação seria efetuada até ao dia 30 e após a faturação dos trabalhos ao Dono da Obra Município da Trofa – o pagamento seria feito à B entre os dias 20 e 25 do mês seguinte e 30 dias após a fatura.
Mais alega que apesar de a Requerente ter realizado os trabalhos dentro dos prazos previstos a Requerida entrou em mora ao ponto da divida ter ascendido a €61.357,86.
Que em 25 de Novembro de 2014 celebraram um contrato de cessão de créditos pelo qual a Requerida E, S.A. cedia à Requerente o crédito que tinha a receber do Município da Trofa à data da assinatura do contrato pelos trabalhos realizados na obra acima identificada e cedia também o crédito que a partir dessa data – 25 de Novembro de 2014 – se vencesse em relação ao Município da Trofa, pelos trabalhos realizados ou a realizar naquela obra.
Que o Município da Trofa entregou à Requerida para pagamento de trabalhos realizados na obra o montante de €3.000.000,00 (três milhões de euros) e que neste momento deve à Requerente a quantia de €87.155,37 (oitenta e sete mil cento e cinquenta e cinco euros e trinta e sete cêntimos) pelos trabalhos realizados, o que se encontra refletido nas faturas FT 2014A/158 vencida a 30.05.2014, FT2014A1/109 vencida a 30.04.2014, FT 2014A1/197 vencida a 29.06.2014, FT 2014A1/369 vencida a 30.09.2014 e Autos de Medição n.ºs 17 e 18.”

Por despacho de fls. 105 a 108 e pelos motivos aí constantes, foi indeferida a dispensa prévia da citação da requerida.
Citada a requerida, deduziu oposição nos termos de fls. 111 e segs, em suma alegando [tal como se fez constar na decisão recorrida]:
“(…)a divida em causa e a que alude a Requerente se encontra abrangida pelo plano de recuperação homologado no âmbito do PER e que o contrato de cessão de créditos não chegou a produzir qualquer efeito.
(…) a Requerente não concluiu os trabalhos a que se encontrava adstrita não tendo procedido ao arranque dos equipamentos de ar condicionado, abandonando a subempreitada.
(…) a Requerida procedeu ao pagamento em 29 de Junho de 2016 da quantia de € 5.827,27 e interpelou a Requerente para proceder à conclusão dos trabalhos sob pena de proceder à conclusão por si ou por terceiro e que não tendo esta procedido à retoma e conclusão dos trabalhos, a Requerida em face da urgência verificada contratou uma outra sociedade para proceder ao arranque dos equipamentos de ar condicionado, o que sucedeu em 01/08/2016.
(…) não se encontrarem verificados os pressupostos para decretar a providência, designadamente o periculum in mora.”
Concluindo a final pela total improcedência do pedido, bem como a condenação da requerente como litigante de má-fé em multa e indemnização a seu favor.

Por e face à “prova documental carreada para os autos e os factos alegados pela requerente” se ter afigurado ao tribunal a quo desnecessário “produzir qualquer outra prova ou realizar qualquer diligência tendo em vista a decisão a proferir”, foi elaborada decisão final, julgando totalmente improcedente o procedimento cautelar instaurado [vide decisão de fls. 297 a 303 dos autos].

Inconformada, apelou a requerente desta decisão, tendo apresentado motivação em que formulou as seguintes

“CONCLUSÕES:
1. Vem o presente recurso da sentença proferida pelo Tribunal a quo que indeferiu a providência cautelar requerida pela ora Apelante, e, nomeadamente, do não reconhecimento do direito de retenção da Apelante sobre a obra e equipamentos nela instalados e indeferimento da restituição provisória da posse da obra e dos materiais nela instalados.
2. S.m.o., a sentença recorrida padece de vícios que a invalidam e justificam a sua revogação.
3. Desde logo, a sentença recorrida deve ser julgada nula por omissão de pronúncia, nos termos conjugados dos artigos 608º n.º 2 e 615º n.º 1 alínea d) do C.P.C..
4. A Mm.ª Juiz a quo não se pronunciou sobre o crédito invocado pela Apelada decorrente dos Autos de Medição, no montante de €24.383,96, que fez juntar aos autos como doc. 7 e 8.
5. A apreciação de tais factos é absolutamente essencial para a boa decisão da causa, por serem factos constitutivos do direito da Apelante e sobre os mesmos incidir prova documental.
6. Com efeito, a dar-se o mesmo como provado necessariamente se impõe a alteração da decisão, com o consequente reconhecimento do direito de crédito da Apelada e a necessidade de valoração de tal facto na apreciação conjunta da matéria de facto.
7. A Mm.ª Juiz a quo descurou por completo o ponto enunciado e, nesta conformidade, a sentença é nula por falta de pronúncia sobre factos essenciais para a boa decisão da causa, em violação do disposto nos artigos 5º e 608º do C.P.C., devendo em consequência ser anulada e ampliada a matéria de facto nos termos propugnados.
Sem prescindir,
8. A sentença é nula por preterição de formalidade essencial à boa decisão da causa conforme disposto no artigo 195º n.º 1 C.P.C..
9. A sentença recorrida não se pronunciou sobre a requerida prova testemunhal e por declarações de parte, sendo que, no mínimo impunha-se a fundamentação da ausência ou da desnecessidade da produção dos meios de prova requeridos.
10. Em bom abono da verdade, quer as testemunhas arroladas quer os sócios-gerentes da Apelante esclareceriam o Tribunal a quo relativamente à vontade das partes quanto às declarações negociais que consubstanciam o contrato de transmissão do crédito junto aos autos,
11. Podendo ainda atestar e narrar o comportamento desleal e desonesto desenvolvido pela Apelada ao longo da execução do contrato de subempreitada, nomeadamente, a recusa persistente em assinar os autos de medição, a proposta de cedência de crédito do Dono da Obra e a atual invocação da ineficácia de tal negócio jurídico…enfim, a demonstração de comportamentos de má-fé por banda da Apelada serviriam, por sua vez, à demonstração do justo e fundado receio de lesão grave do direito da Apelante, factos alegados pela Apelante nos artigos 55. a 67. da petição inicial.
12. Com efeito, a sentença recorrida não fundamentou minimamente o seu juízo sobre a desnecessidade da prova, sendo certo que não invoca que a prova é impertinente ou dilatória, o que, em qualquer caso, não se verifica, conforme acima explanado.
13. As partes têm o direito, ónus e dever de propor todos os meios de prova lícitos englobados no elenco do C.P.C., meios de prova que devem ser escolhidos e indicados pelas partes e que não tem de ser apenas um por cada facto alegado, podendo ser todos os meios lícita e legalmente disponíveis à parte.
14. Na verdade, e pela pertinência, expomos o consignado no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 29-10-2012: “I – As partes são livres na escolha das provas que pretendem apresentar para demonstrar os factos que alegaram.
II – Ao julgador não compete indeferir a produção de meios de prova com o fundamento da sua não essencialidade: o que importa é que o facto seja relevante para a decisão da causa.”
15. Violou assim a sentença recorrida o disposto nos artigos 410º, 411º e 413º do C.P.C., devendo a mesma ser anulada e as partes e as testemunhas notificadas para comparecer em audiência de julgamento.
Ainda sem prescindir,
16. Acresce que, a sentença ora recorrida está em total contradição com a prova produzida e bem assim com o direito aplicável ao caso em apreço.
17. Desde logo, ao não ouvir as testemunhas arroladas e os sócios-gerentes da Apelante cujas declarações se requereu fossem tomadas, a MM.ª Juiz a quo laborou num erro que inquinou todo o julgamento da matéria de facto.
18. De todo o modo, socorrendo-se unicamente da prova documental para apreciação da situação de facto, ainda assim, impunha-se decisão diversa da ora recorrida.
19. Da conjugação e apreciação crítica dos documentos junto aos autos resulta claro que o ponto 16 dos factos provados foi incorretamente julgado devendo, à questão da sua demonstração, merecer resposta negativa.
20. E, bem assim, deveriam ter sido julgados provados os artigos 45., 46., 47., 49., 51. da petição inicial.
21. A sentença considerou incorretamente que o valor constante das faturas juntas aos autos foi reclamado globalmente pela Apelante no PER e considerou, também com desacerto, que o plano ali homologado se impõe ao contrato de cessão de créditos outorgado entre ambas.
22. O contrato de cessão de créditos em causa criou a obrigação, para a Apelada, de entregar todo e qualquer valor recebido do Município da Trofa à Apelante e sempre produziu os seus efeitos, quer por ter sido validamente notificado ao devedor e por este ratificado, quer também porque o Plano Especial de Revitalização não provocou a sua cessação.
23. Efetivamente, o contrato de cessão de créditos foi celebrado entre as partes como forma de pagamento de valores que há muito se encontravam em dívida (incluindo os valores titulados pelas faturas juntas aos autos).
24. Trata-se aqui, a nosso ver, de uma questão de interpretação das declarações negociais subjacentes a tal contrato, não sendo despiciendo sublinhar que só após a homologação do plano de revitalização é que se tomou conhecimento que a Apelada já tinha na sua posse os valores entregues pelo Município da Trofa, recusando-se injustificadamente a entregá-los à Apelante.
25. Enfim, a Apelante não reclama aqui nenhum crédito da Apelada mas reclama que a Apelada tem na sua posse valores que não lhe pertencem a si, mas à Apelante, e é esse o fundamento da providência cautelar em causa.
26. Restando apenas rebater o argumento de que a Apelante reclamou o crédito no aludido PER, única e exclusivamente, por ser este o momento oportuno para o efeito.
27. Ora, reconhecendo-se nos termos acima enunciados o direito de crédito da Apelante sobre a Apelada, isto é, demonstrado sumariamente o direito da Apelada, certo é que também o requisito do fundado receio de lesão grave e dificilmente reparável do seu direito se encontra preenchido.
28. E, neste sentido, deveria a Mm.ª Juiz a quo ter julgado provado os factos constantes dos artigos 55., 56., 57., 58., 60., 61., 62. da petição inicial.
29. O contrato de subempreitada, que deu origem à aludida transmissão de créditos, celebrado entre ambos, gera para ambas as partes não só o dever de seguir à risca as obrigações contratuais dele decorrentes mas também o dever de adotar uma postura honesta, leal e digna de confiança ao longo da execução do mesmo.
30. Ora, transpondo o aludido para o caso dos autos parece claro que a Apelada não só tem provocado um contínuo desequilíbrio das prestações contratuais como tem pautado a sua atuação por uma conduta em tudo não coincidente com a dos padrões mínimos de ética exigidos pelo Direito.
31. Assim, recusando o recebimento das faturas emitidas pela Apelada – sem qualquer justificação, celebrando um contrato de cessão de créditos com a Apelada e invocando agora a sua ineficácia conforme por si alegado no artigo 42 da contestação, apoderando-se dos equipamentos pertencentes à Apelante em total contradição com a cláusula de reserva de propriedade constante do contrato de subempreitada por si outorgado conforme por si alegado no artigo 77 da contestação.
32. Andou mal, por isso, a Mm.ª Juiz a quo ao dar por afastado, não só o requisito do fundado receio de lesão grave e irreparável do seu direito como também dando por não verificado o requisito do periculum in mora por entender que foi a Apelante que suspendeu os trabalhos (como se o tivesse efetuado sem qualquer justificação) e que face à contratação de terceiros pela Apelada qualquer providência será manifestamente inútil.
33. A Apelante não fez mais do que exercer o direito à exceção de não cumprimento do contrato, previsto no artigo 428º do C.C. e aplicável aos contratos com prestações sinalagmáticas – como é o caso - em virtude da mora da Apelada no cumprimento da sua quota-parte, isto é, face ao atraso de pagamento de montante significativo (€87.155,37).
34. Se há alguma ilação a extrair dos factos descritos é a de que a Apelada incumpriu o contrato.
35. E, ainda que se diga que a exceção de não cumprimento não opera em virtude dos créditos decorrentes das faturas se encontrarem abrangidos pelo PER – o que não se concebe nem concede e apenas se admite por cautela de patrocínio - não podemos olvidar que em termos do equilíbrio global do contrato exige-se – ao negar o decretamento da providência cautelar à Apelante – o cumprimento da sua prestação correspondente à execução da fase final do contrato num momento em que a Apelada se encontra em mora em mais de metade do correspondente à sua correlativa prestação(!).
36. Vale por dizer que o montante entregue, até ao momento, à Apelante não é suficiente para custear as despesas com a obra, demonstrativo do mais elevado grau de desequilíbrio das prestações contratuais.
37. Entendeu ainda a Mm.ª Juiz a quo que o reconhecimento do direito de retenção alegado pela Apelante não é em si uma tutela cautelar mas uma justificação para o reconhecimento dessa tutela.
38. Ora, ainda que assim seja, o que não se concebe, nem concede, e apenas se admite por cautela da patrocínio, o que de facto resulta claro da pretensão da Apelante é que esta pretende ser restituída à posse da obra e dos materiais nela instalados pelo facto de a mesma lhe ter sido esbulhada pela Apelante, conforme demonstrado pelo Auto de Ocorrência da G.N.R. junto aos autos.
39. Na verdade, à data da instauração da providência cautelar – 01 de Agosto de 2016 – o desapossamento ilícito da obra era atual – conforme Auto de Ocorrência datado de Julho de 2016.
40. Ora, a propósito, e conforme Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 04-02-2010: “Daí que não seja legítimo invocar um hipotético direito de retenção sobre determinado bem se do mesmo se não possui verdadeira detenção, não sendo lícito em tal circunstância ir a juízo pedir a condenação do dono ou legítimo possuidor do bem a entregá-lo ao demandante a fim de este poder exercitar aquele direito, mesmo que o primeiro seja credor do segundo por despesas feitas com o bem disputado. § (…) Situação diferente será aquela em que o titular do direito de retenção tenha sido espoliado da detenção da coisa, ou esteja na iminência de o ser, quer por ato violento (esbulho) quer por qualquer outra conduta furtiva e contrária a sua vontade, pois que nesse caso já se poderá, casualmente, defender a invocação de tal direito e a sua atual violação, ou ameaça, quiçá, passível de defesa pelos meios legais conferidos ao possuidor de boa-fé.”
41. A ser assim, e chamando à colação o disposto no artigo 392º C.P.C. “O tribunal não está adstrito à providência concretamente requerida(…)” sempre se dirá que o Tribunal a quo face a toda a fundamentação acima expendida estava em condições de decretar a restituição da posse dos equipamentos à Apelante – demonstrada que está a sua propriedade sobre os mesmos.
42. Nestes termos, demonstrados por via do acima narrado, os pressupostos justificativos da providência cautelar requerida, e dado o seu indeferimento pela Mm.ª Juiz a quo, foi violado o artigo 362º do C.P.C., impondo-se a sua substituição por outra que decrete a providência requerida.
NESTES TERMOS, não só pelo alegado mas também, e certamente, pelo Alto Critério de V.ªs Ex.ªs, revogando a sentença recorrida, farão V.ªs Ex.ªs a habitual e desejada J U S T I Ç A !”.

Contra-alegou a requerida, pugnando pela improcedência do recurso, apresentando motivação em que formulou as seguintes
“CONCLUSÕES:
1ª As alegações de recurso em resposta, tão evidente é que inexistem fundamentos, de facto ou de direito, que sustentem o pedido de Recorrente, que apenas se compreendem se por uma intenção de dilação do prazo de trânsito em julgado da decisão, ou por qualquer outra intenção que não é revelada, nem resulta das alegações.
2ª O tribunal alicerçou a sua decisão tendo em atenção a prova trazida aos autos, fundamentando a sua decisão na análise critica e conjugada dos vários elementos de prova carreados para o processo, designadamente, os elementos documentais juntos aos autos e que considerou bastantes para a formação da sua convicção.
3ª Ademais a questão suscitada no recurso interposto diz respeito à eventual alteração da matéria de facto e embora o Tribunal da Relação tenha poderes de intromissão em aspetos fácticos no nosso entender não pode sindicar a valoração das provas feitas pelo tribunal em termos de o criticar por ter dado prevalência a uma em detrimento de outra.
4ª Daqui resulta que a convicção do julgador da 1ª instância se forma a partir de muitos fatores que escapam, naturalmente à Relação pelo que, deverá manter-se a decisão do tribunal de 1ª instância sob pena de estar a errar-se, sim, no 2º julgamento.
5ª O Meritíssimo Juiz do Tribunal “a quo” é claro no seu despacho de motivação de fls. esclarecendo das razões pelas quais proferiu tal decisão.
6ª Assim, em ordem a que o erro possa advir do 2º julgamento, entende o recorrido na sua modesta opinião, que é de manter a matéria de facto, tal qual foi dada como provada no Tribunal “a quo” e consequentemente direito aplicado.
7ª Acontece que, atentos os factos e mesmo o enquadramento que a Recorrente faz da questão sub judice o Tribunal a quo não apenas decidiu corretamente como até não poderia ter decisão diferente.
8ª A nulidade da sentença por omissão de pronúncia só acontece quando a sentença deixa de decidir alguma das questões suscitadas pelas partes, salvo se a decisão dessa questão tiver ficado prejudicada pela solução dada a outra.
9ª Sendo que as questões não se confundem com os argumentos, as razões e motivações produzidas pelas partes para fazer valer as suas pretensões.
10ª Por outro lado, falta a verificação do periculum in mora, elemento constitutivo da providência requerida: a falta dele obsta ao seu decretamento, como aliás bem conclui o Tribunal a quo.”.

*
O recurso foi admitido como de apelação, com subida nos próprios autos e com efeito suspensivo.
Foram colhidos os vistos legais.
*
II- Âmbito do recurso.
Delimitado como está o recurso pelas conclusões das alegações, sem prejuízo de e em relação às mesmas não estar o tribunal sujeito à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito nem limitado ao conhecimento das questões de que cumpra oficiosamente conhecer – vide artigos 5º n.º 3, 608º n.º 2, 635º n.ºs 3 e 4 e 639º n.ºs 1 e 3 do CPC – resulta das formuladas pela apelante serem as seguintes as questões a apreciar:
i- Nulidade da sentença por omissão de pronúncia relativamente ao crédito invocado pela apelante e decorrente dos autos de medição que fez juntar aos autos como docs. 7 e 8 e que totalizam € 24.383,86 em violação dos artigos 5º, 608º n.º 2 e 615º n.º 1 a. d) do CPC;
ii – Nulidade da sentença por preterição de formalidade essencial à boa decisão da causa, ao indeferir – sem pronúncia sobre a desnecessidade de produção da prova oferecida em violação do direito à prova - a realização da prova testemunhal e por declarações de parte, através da qual a requerente faria nomeadamente prova dos factos alegados em 55º a 67º da p.i., determinantes para a apreciação do justo receio de lesão grave e dificilmente reparável do seu direito em violação do disposto no artigo 195º n.º 1, 410º, 411º e 413º do CPC;
iii- Erro no julgamento da matéria de facto – pugnando a recorrente pela exclusão do ponto 16 dos factos provados, o qual deverá passar para os não provados.
E pela inclusão dos factos alegados sob os n.ºs 45 a 47, 49, 51, 55 a 58, 61, bem como dos factos alegados em 55º a 58º e 60º a 62º da p.i. nos factos provados.
iv- Erro na aplicação do direito, em contradição com a prova produzida.

***
III- Fundamentação.
O tribunal a quo deu, após ter elaborado sucinto relatório e despacho saneador, decidiu neste conhecer do mérito da causa, justificando-o do seguinte modo:
“Considerando a prova documental carreada para os autos e os factos alegados pelo Requerente não se nos afigura necessário produzir qualquer outra prova ou realizar qualquer diligência tendo em vista proferir decisão.”.

Após o que declarou como provados os seguintes factos “Com interesse para a decisão a proferir (…) provado documentalmente e do acordo das partes (…):
1. A Requerente dedica-se à atividade de comércio a retalho de produtos de proteção solar e climatização e a Requerida à atividade profissional de construção civil.
2. No âmbito das suas atividades Requerente e Requerida celebraram um contrato de subempreitada datado de 04/12/2013 mediante o qual esta contratou os serviços da B, Lda. com vista à realização de trabalhos na obra de construção civil designada por “Requalificação Urbana dos Parques de Nossa Sra. das Dores e Dr. Lima Carneiro, n.º 9288”, na Trofa, obrigando-se a B, Lda. a executar os trabalhos constantes da relação em anexo ao contrato, pelos preços mencionados na lista que também o integra em anexo, sendo o valor global acordado de €150.000,00, conforme consta do documento de fls. 11 vº e seguintes cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
3. Da clausula IV do referido contrato consta que “1. Os pagamentos serão mensais e processar-se-iam da seguinte forma: 1.1 Mensalmente, entre os dias 15 e 20 será feito o auto de mediação dos trabalhos executados nos 30 dias precedentes, auto este que será confirmado pelo Diretor de Obra até ao dia 28 desse mesmo mês. 1.2. Após confirmação do auto, deve ser emitida fatura para a nossa sede até ao dia 30, de acordo e com cópia do mesmo. 1.3. O pagamento far-se-á entre o dia 20 e 25 do mês seguinte a 30 dias após a fatura.
4. Ao referido contrato de subempreitada foram efetuados quatro aditamentos, a saber: Aditamento 1, celebrado em 17/04/2014, pelo preço de €40.894,97, conforme documento de fls. 133 cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido; Aditamento 2, celebrado em 03/11/2014, pelo preço de €94.754,10, conforme documento de fls. 134 vº e seguintes cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido; Aditamento 3, celebrado em 28/01/2015, pelo preço de €27.801,38, conforme documento de fls. 141 vº e seguintes cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido e Aditamento 4, celebrado em 16/10/2015, pelo preço de €546,46, conforme documento de fls. 142 vº e seguintes cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
5. Após a faturação dos trabalhos ao Dono da Obra – Município da Trofa – o pagamento seria feito à B entre os dias 20 e 25 do mês seguinte e 30 dias após a fatura.
6. Nos termos da cláusula VII do contrato de subempreitada consta que “Constituem direito especial do segundo outorgante: 1. Suspender os trabalhos, sem dependência de pagamento ou indemnização por dano emergente ou lucro cessante, sempre que ocorra incumprimento nos pagamentos mensais das faturas vencidas desde que seja enviada comunicação por escrito para a primeira outorgante com um prazo mínimo de 15 dias antes da suspensão. 2. Reservou a propriedade dos materiais e equipamentos e materiais instalados até ao seu pagamento integral. Os materiais e equipamentos não poderão ser vendidos ou danificados e poderá ser exigida a sua devolução se se verificar falta de pagamento. A propriedade transfere-se logo que se verifique a liquidação integral dos materiais e equipamentos.”
7. A Requerente, na qualidade de cessionária, e a Requerida, na qualidade de cedente, subscreveram documento denominado “Transmissão do Direito de Crédito”, datado de 25 de Novembro de 2014, o qual consta de fls. 10 vº a 11 e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, pelo qual a “Cedente transmite à Cessionária o direito de crédito futuro de que é detentora perante o Município da Trofa, pela realização dos trabalhos da empreitada, executados pela cessionária nos termos constantes do contrato de subempreitada até ao valor máximo de €182.810,77”.
8. Do documento referido no número anterior consta que as faturas emitidas pela Cedente (aqui Requerida) ao Município da Trofa e respeitantes aos trabalhos a executar pela aqui Requerente, conteriam a indicação que o pagamento da fatura seria efetuado por depósito ou transferência bancária para a conta NIB 0010 0000 3761981001 69 do Banco BPI ou por meio de cheque à sua ordem para o endereço Irmãos Roby, nº 206, Braga.
9. E consta ainda que “O custo dos trabalhos a realizar nos termos do mencionado contrato de subempreitada será faturado pela cessionária à cedente que por sua vez os fatura ao Município da Trofa, nos termos do contrato de empreitada, constituindo-se a cedente titular de um direito de crédito sobre o referido Município pelo montante faturado”.
10. A Requerente emitiu em nome da Requerida as faturas FT 2014A/158, vencida a 30/05/2014, FT2014A1/109, vencida a 30/04/2014, FT 2014A1/197, vencida a 29/06/2014, FT 2014A1/369 e vencida a 30/09/2014.
11. A Requerente elaborou os Autos de Medição n.ºs 17 e 18 que remeteu à Requerida.
12. A Requerente remeteu à requerida carta registada datada de 20 de Junho de 2016, junta a fls. 85 dos presentes autos e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, onde refere encontrar-se em divida a quantia de €99.858, 31 e comunica que nesse momento os trabalhos se encontram suspensos mantendo-se tal suspensão enquanto o valor em divida não for liquidado.
13. A Requerida recorreu a entidades terceiras para proceder à conclusão dos trabalhos em falta.
14. Foi lavrado Auto de Ocorrência pela GNR, posto territorial da Trofa, o qual consta de fls. 102 vº a 103 e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, respeitante à deslocação no dia 28/07/2016 ao Parque Nossa Senhora das Dores dos Guardas da GNR que foram informados por funcionário da Requerente que o mesmo teria sido impedido por representantes da Requerida de realizar umas instalações dentro do referido Parque.
15. A Requerida foi objeto de Processo Especial de Revitalização que correu termos na Comarca de Braga sob o n.º 7422/15.0T8VNF, o qual deu entrada em juízo no dia 19/09/2015, e cujo Plano de Recuperação foi homologado por sentença proferida em 24 de Junho de 2016, o qual consta de fls. 187 e seguintes dos presentes autos e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
16. A Requerente reclamou o seu crédito junto do Sr. Administrador Judicial Provisório nomeado.
17. Da Reclamação de Créditos apresentada pela Requerente, a qual se encontra junta a fls. 223 vº e seguintes e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, consta para além do mais, que: “3. Assim, a reclamante faturou à devedora as faturas infra descrita e que discrimina amplamente os bens vendidos e serviços prestados, em conformidade com o acordado pelas partes, faturas esses aceites pela reclamada: (…) - Fatura n.º 109, no valor de € 2 623,85, emitida no dia 31/3/2014 e vencida no dia 30/04/2014; 265,75 (…) - Fatura n.º 158, no valor de € 25 177,53, emitida no dia 30/4/2014 e vencida no dia 30/5/2014; 2.400,00 - Fatura n.º 197, no valor de € 32 778,85, emitida no dia 30/5/2014 e vencida no dia 29/6/2014; 2.929,26. As faturas supra referidas encontram-se juntas em anexo e aqui se consideram integralmente reproduzidas. 4. As faturas supra mencionadas perfazem um total de € 188 707,47, sendo que a reclamada pagou, por conta das referidas faturas, € 30 287,67 permanecendo em dívida - pese embora o seu vencimento e as diversas interpelações – a quantia de €158.419,80. 5. Os créditos já reclamados e devidamente reconhecidos no anterior processo especial de revitalização têm a natureza comum. (…) Pelo que, 8. Com base no supra descrito reclamam-se créditos já vencidos no montante de € 169.194,91 (cento e sessenta e nove mil noventa e dois euros e oitenta e quatro cêntimos), acrescendo a esse valor os juros moratórios contados à taxa de juro comercial desde a data de vencimento da fatura até efetivo e integral pagamento, ascendendo os vencidos até ao presente momento ao montante de € 17.862,66 (dezassete mil e oitocentos e sessenta e dois euros e sessenta e seis cêntimos). 9.
Assim, face à factualidade supra narrada, conclui-se que a sociedade reclamada é devedora da ora reclamante no montante global de € 187.057,57 (cento e oitenta e sete mil cinquenta e sete euros e cinquenta e sete cêntimos); (…).”
18. Da Lista Provisória de Credores, elaborada pelo Exmo. Sr. Administrador Judicial Provisório, no âmbito do PER nº 7422/15.0T8VNF, consta reconhecido à Requerente um crédito no valor de € 187.057,57.
19. A Requerente aquando da votação do Plano de Recuperação votou o mesmo favoravelmente.
20. A Requerente na sequência da suspensão dos trabalhos referida em 12) não concluiu os trabalhos, não procedendo ao arranque dos equipamentos de ar-condicionado.
21. A Requerida remeteu à Requerente carta datada de 29 de Junho de 2016, informando ter sido efetuada naquela data transferência da quantia de €5.827,27 respeitante ao valor em divida e interpelando a Requerente para que retomasse e concluísse os trabalhos objeto do contrato de subempreitada no prazo máximo de 24 horas sob pena de proceder a requerida à conclusão dos mesmos por si ou por terceiro imputando à Requerente os custos que viesse a suportar, conforme documento de fls. 273 e seguintes cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
22. A Requerida remeteu carta datada de 01 de Julho de 2016, respondendo à carta da Requerente referida em 12), a qual consta de fls. 275 vº a 276 e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
23. A Requerida remeteu carta datada de 07 de Julho de 2016, a qual consta de fls. 276 vº e seguintes e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, onde consta a menção ao incumprimento da Requerente das obrigações assumidas no contrato de subempreitada “Requalificação Urbana dos Parques Nossa Senhora das Dores e Dr. Lima Carneiro” alertando que o incumprimento a faria incorrer em multas contratuais, sem prejuízo do direito a proceder à resolução do contrato e que procederia à conclusão dos trabalhos, mediante a contratação de terceiros, imputando à Requerente os custos que daí resultassem.”.

*
Apreciando e conhecendo.


I- Cumpre em primeiro lugar conhecer da invocada nulidade da decisão por omissão de pronúncia relativamente ao crédito invocado pela requerente e decorrente dos autos de medição que fez juntar sob docs. 7 [auto de medição n.º 17 de 23/11/2015 no valor de € 11.348,07, junto a fls. 58 a 81 dos autos] e 8 [auto de medição n.º 18 de 31/03/2016 no valor de € 13.035,79 junto a fls. 32 a 56 dos autos].
Dispõe o artigo 615º nº 1 al. d) do CPC que a sentença é nula quando o juiz deixe de se pronunciar sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
Sendo que sobre o juiz recai a obrigação de resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação – e só sobre estas (salvo se a lei lhe impuser ou permitir o conhecimento oficioso de outras), numa manifestação do princípio do dispositivo (consagrado desde logo nos artigos 3º e 5º do CPC de acordo com o qual a iniciativa processual e respetiva delimitação do litígio a submeter a julgamento cabe às partes) - excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras questões, tal como se extrai do artigo 608º n.º 2 do CPC.
Doutrinalmente e por contraposição à situação prevista na al. a) do artigo 615º que de forma pacífica tem sido tratada como verdadeira nulidade por se tratar de um requisito de forma essencial sem a qual o ato não tem a aparência de sentença, por tal sendo por vezes enquadrada tal situação no conceito de inexistência [a par de outras situações não expressamente previstas neste artigo, como a falta absoluta de poder jurisdicional de quem profere a sentença, ou a falta de parte decisória da mesma] tem vindo a ser entendido que os casos das als. b) a e) deste n.º 1 configuram na verdade situações de anulabilidade da sentença que não de verdadeira nulidade.
Respeitando eles quer à estrutura [al. b) – falta de fundamentação; al. c) – oposição entre fundamentos e decisão] quer aos limites [al. d) – omissão ou excesso de pronúncia; e) – pronúncia ultra petitum] da sentença [vide neste sentido Lebre de Freitas in CPC Anot. vol. 2º, Coimbra Editora, edição de 2001 em anotação ao artigo 668º do CPC correspondente ao atual artigo 615º do NCPC, p. 669 e Francisco Lucas Ferreira de Almeida, in Direito Processual Civil, vol II, edição Almedina 2015, p. 369].
Tratando em concreto do caso da alínea d) entende-se que a sentença padecerá de tal vício quando deixe de todo de se pronunciar sobre a questão suscitada pelas partes – ou seja sobre o pedido ou causa de pedir que conformam o objeto processual, ou ainda sobre exceção deduzida ou de conhecimento oficioso.
Já assim não ocorrendo – em consonância com o disposto na segunda parte do já citado artigo 608º nº 2 do CPC - quando o conhecimento de determinadas questões resultar prejudicado pela solução dada a outras questões já apreciadas, nesta linha de entendimento não estando o juiz vinculado a considerar todas as linhas de fundamentação jurídica apresentadas pelas partes [vide Lebre de Freitas in ob. cit. p. 670].
Pretendendo-se através desta exigência - como já antes o afirmara de forma elucidativa o Professor Artur Anselmo Castro [in Direito Processual Civil Declaratório, vol III, edição Almedina 1982] - “que o contraditório propiciado às partes sob os aspetos jurídicos da causa não deixe de encontrar a devida expressão e resposta na decisão”, seria contudo um erro inferir-se “que a sentença haja de examinar toda a matéria controvertida, se o exame de uma só parte impuser necessariamente a decisão da causa, favorável ou desfavorável”.
Tendo presentes estes considerandos e o objeto processual – conformado este pelo pedido e causa de pedir elencados no requerimento inicial deste procedimento - importa reverter ao caso concreto.
Nos presentes autos alegou a apelante ser credora da apelada, na sequência dos trabalhos realizados por si para a requerida ao abrigo do contrato de subempreitada celebrado entre ambas as partes, no valor de € 87.155,37 – correspondendo este valor à soma das faturas e autos de medição que a apelante identificou em 36º da p.i. e das quais alegou estar em dívida tal valor [a soma total das mencionadas faturas e autos de medição monta na verdade a € 87.742,08, sendo que na posterior fatura junta aos autos a fls. 284 verso – fatura n.º 147 de 15/06/2015 o valor indicado do auto de medição 18 de maio de 2016 foi reduzido a € 12.449,44; mantendo o auto de medição 17 de novembro de 2015 o valor de € 11.348,07].
Deste mencionado valor fazendo parte os valores correspondentes aos autos de medição acima referidos e que ora estão em causa.
Não obstante, diga-se desde já, não peticionou a requerente nesta sede o reconhecimento deste crédito ou outro.
No relatório da sentença recorrida é feita menção a que a recorrida e para fundamentar o pedido por si formulado nos autos e supra já identificado, alega em síntese (para além do mais):
“Que no âmbito da sua atividade Requerente e Requerida celebraram um contrato de subempreitada mediante o qual esta contratou os serviços da B, Lda. para executar os trabalhos constantes da relação em anexo ao contrato na obra de construção civil designada por “Requalificação Urbana dos Parques de Nossa Sr.ª das Dores e Dr. Lima Carneiro.
(…)
Mais alega que apesar de a Requerente ter realizado os trabalhos dentro dos prazos previstos a Requerida entrou em mora ao ponto da divida ter ascendido a €61.357,86.
Que em 25 de Novembro de 2014 celebraram um contrato de cessão de créditos pelo qual a Requerida E, S.A. cedia à Requerente o crédito que tinha a receber do Município da Trofa à data da assinatura do contrato pelos trabalhos realizados na obra acima identificada e cedia também o crédito que a partir dessa data – 25 de Novembro de 2014 – se vencesse em relação ao Município da Trofa, pelos trabalhos realizados ou a realizar naquela obra.
Que o Município da Trofa entregou à Requerida para pagamento de trabalhos realizados na obra o montante de €3.000.000,00 (três milhões de euros) e que neste momento deve à Requerente a quantia de €87.155,37 (oitenta e sete mil cento e cinquenta e cinco euros e trinta e sete cêntimos) pelos trabalhos realizados, o que se encontra refletido nas faturas FT 2014A/158 vencida a 30.05.2014, FT2014A1/109 vencida a 30.04.2014, FT 2014A1/197 vencida a 29.06.2014, FT 2014A1/369 vencida a 30.09.2014 e Autos de Medição n.ºs 17 e 18.”.
Nos factos provados, e sob o ponto 11) foi dado como assente a elaboração dos autos de medição em causa e sua remessa à requerida, bem como a posterior correspondência trocada e mencionada em 12) e 21) a 23) dos factos assentes.
Em sede de apreciação de direito, consta por sua vez:
“Ora, no caso concreto, a Requerente pede na presente ação o reconhecimento de direito de retenção da Requerente sobre a obra identificada e sobre os equipamentos de ar condicionado instalados na mesma e a condenação da Requerida- E, S.A. a restituir à sua posse quer a obra, livre de pessoas e bens, quer os equipamentos de ar condicionado nele existentes e a abster-se de recorrer a entidades terceiras para a execução dos trabalhos contratados à B e, por outro lado que se ordene a realização de um inventário de todos os materiais colocados na obra, por entidade independente, por forma a destruição ou dissipação dos mesmos bem como a verificação judicial dos autos de medição n.º 17 e 18 por forma a salvaguardar os trabalhos realizados pela B em virtude da intervenção de terceiros.
(…)
Por fim e relativamente à pretensão da Requerente de ver ordenada a realização de um inventário de todos os materiais colocados na obra, por entidade independente, por forma a destruição ou dissipação dos mesmos bem como a verificação judicial dos autos de medição n.º 17 e 18 por forma a salvaguardar os trabalhos realizados pela B em virtude da intervenção de terceiros, os motivos invocados pela Requerente para justificar o receio de lesão grave e de difícil reparação do direito a que se arroga prendem-se no essencial com a salvaguarda da recolha de prova tendo em vista a ação principal a instaurar uma vez que a configuração das obras poderá ser distinta; no entanto, tal não configura em nosso entender receio de lesão grave e de difícil reparação do seu direito para efeitos do decretamento de medida cautelar, prevendo-se no Código de Processo Civil o meio apropriado para salvaguarda da recolha de prova designadamente quando possa vir a ser impossível ou difícil a verificação de certos factos por meio de perícia, caso em que deverá a parte socorrer-se de produção antecipada de prova, designadamente pericial.”.
Do acima extratado da decisão recorrida é manifesto que o tribunal a quo se pronunciou sobre a pretensão formulada pela apelante relativamente aos autos 17 e 18 em questão e a que respeitava a al. d) do seu pedido e por referência ao mesmo.
Alega agora a apelante que o tribunal a quo se não pronunciou sobre o crédito invocado por si decorrente de tais autos de medição.
Todavia a apelante não formulou qualquer pedido nesse sentido.
Pelo que não podia o tribunal a quo sobre tal se pronunciar.
É aliás contraditório este fundamento de nulidade invocado com o afirmado pela apelante no ponto 25 das suas conclusões, onde conclui não reclamar aqui nenhum crédito da apelada, mas que “a apelada tem na sua posse valores que não lhe pertencem a si, mas à apelante, e é esse o fundamento da providência cautelar em causa”.
Conclui-se assim que o tribunal a quo se pronunciou expressamente sobre a questão que lhe foi colocada pela apelante.
Diversa é a questão de eventualmente a recorrente discordar dos fundamentos da decisão. Mas tal já se enquadra no fundamento do recurso e não no vício de nulidade invocado.
Do exposto se conclui pela improcedência do invocado vício da sentença por violação da al. d) do n.º 1 do artigo 615º do CPC, o que assim se declara.

II- Como segundo fundamento de nulidade da decisão proferida invocou a apelante a preterição de formalidade essencial à boa decisão da causa – ao indeferir - sem pronúncia sobre a desnecessidade de produção da prova oferecida em violação do direito à prova - a realização da prova testemunhal e por declarações de parte, através da qual a requerente faria nomeadamente prova dos factos alegados em 55º a 67º da p.i., determinantes para a apreciação do justo receio de lesão grave e dificilmente reparável do seu direito em violação do disposto no artigo 195º n.º 1, 410º, 411º e 413º do CPC;

Para a apreciação desta questão importa em primeiro lugar distinguir a nulidade da decisão por ausência de fundamentação [omissão de pronúncia] relativa à dispensa da produção da prova oferecida, do desacordo da apelante de tal decisão de dispensa, por entender que alegou factualidade relevante e não considerada que permitiria diversa decisão. Na verdade e nesta situação, em causa estará já o erro de julgamento a ser apreciado em sede de mérito do recurso.
Tal como já se fez constar supra, foi pelo tribunal a quo decidido:
“Considerando a prova documental carreada para os autos e os factos alegados pelo Requerente não se nos afigura necessário produzir qualquer outra prova ou realizar qualquer diligência tendo em vista proferir decisão.”
Sendo o direito à prova uma emanação do princípio constitucional do contraditório, a sua recusa terá naturalmente de ser fundada, nomeadamente na sua desnecessidade.
Como resulta do disposto no artigo 410º do CPC, a instrução tem por objeto os temas da prova enunciados, ou quando não houver lugar a esta enunciação, os factos necessitados de prova.
E a prova tem por função demonstrar a realidade dos factos – 341º do CC (Código Civil).
Àquele que invocar um direito incumbe a prova dos factos constitutivos do mesmo e à parte contrária a prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito que contra si é invocado (342º do CC). Sem prejuízo das exceções previstas nos artigos 343º e 344º do CC. no que concerne ao ónus de prova e da dispensa de prova dos factos notórios tal como previsto no artigo 412º do CPC.
Logo a pertinência da prova oferecida e a produzir terá de ser aferida em função dos fundamentos da ação ou defesa e que assim têm interesse para decisão da causa, ou seja depende do objeto do processo, este conformado pelo pedido e causa de pedir, tal como delineados pelo autor no seu articulado inicial.
Como tal, a necessidade de produção dos meios de prova oferecidos ou propostos será aferida não apenas em função da factualidade alegada, mas do seu propósito probatório de factualidade alegada e em discussão com utilidade para a descoberta da realidade em discussão.
Dispõe o artigo 367º nº 1 do CPC que findo o prazo de oposição, quando o requerido haja sido ouvido (como ocorreu in casu), procede-se quando necessário à produção das provas requeridas ou oficiosamente determinadas pelo juiz.
Assim e na medida em que o juiz, fazendo uso do seu poder de direção ativa do processo consagrado no artigo 6º do CPC através do qual deve recusar a prática do que for impertinente ou dilatório, obstando ainda à prática de atos inúteis (vide artigo 130º do CPC), concluir que perante a factualidade alegada - e considerando ainda (ou não) os factos já assentes entre as partes, nomeadamente por acordo ou via documental - é possível conhecer do mérito da pretensão deduzida, deverá dispensar a realização da demais prova oferecida e conhecer de mérito.
Tal como resulta da decisão em recurso, foi o caso.
A Mma. Juiz a quo fundou a dispensa da produção da prova na sua desnecessidade, atenta a prova documental carreada para os autos e os factos alegados pelo requerente para fundar a sua pretensão dos quais extraiu a improcedência da pretensão pelos fundamentos que expôs e para os quais não releva na verdade – na linha do raciocínio expendido – os demais factos alegados e que não foram considerados.
A decisão em causa – apreciada na vertente da omissão da pronúncia - não merece assim censura. Igualmente improcedendo a invocada nulidade na medida em que o decidido se fundou ato permitido pela lei.
Questão diversa é, como já o referimos, aferir se houve erro de julgamento, mas tal é questão que se prende com o mérito do recurso.
Termos em que se julga improcedente esta invocada nulidade.

III- Para a apreciação da 3ª questão relativa ao erro no julgamento da matéria de facto, importa ter presente o disposto no artigo 662º n.º 1 do CPC o qual assim dispõe: “1. A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”.
Pugna a recorrente desde logo pela eliminação do ponto 16 dos factos provados.
Embora se nos afigure que este ponto 16) dos factos provados está integrado na sequência do PER identificado em 15) e da reclamação de créditos que subsequentemente é cabalmente identificada em 17), admite-se que a sua redação possa ser entendida com um conteúdo mais abrangente por referência a todos os créditos que a apelante identificou nos autos.
E na verdade resulta da prova documental carreada para os autos que na reclamação de créditos apresentada – vide fls. 223 e segs. dos autos e n.º 17) dos factos provados - não foram incluídos os valores respeitantes aos autos de medição 17 e 18.
Aliás estes autos [de 23/11/2015 e 31/03/2016 e que deram lugar à fatura de 147 de 15/06/2016 inserta a fls. 284 verso, recusada pela aqui requerida] são de data posterior à própria lista provisória de créditos apresentada pelo AI Provisório no PER – esta de 28 de outubro de 2015, conforme resulta de fls. 238 a 266 destes autos – e da qual consta um crédito aprovado de € 187.057,57, tal como referido em 18) dos factos provados.
Nesta medida entende-se merecer o ponto 16 dos factos provados retificação na sua redação, por forma a da mesma ficar a constar:
“16. A requerente reclamou junto do Sr. Administrador Judicial Provisório nomeado os créditos elencados infra em 17.”
Nesta parte se defere assim parcialmente a pretensão da apelante, alterando-se a redação dada ao ponto 16 dos factos provados nos termos decididos.

Defende ainda a apelante que deveriam ter sido julgados provados os factos alegados em 45 a 47, 49 e 51 da p.i.
Factos estes do seguinte teor:
“45. É factual e incontestável que a suspensão dos trabalhos se deve à falta de pagamento das faturas e assinaturas dos autos de medição à B, Lda., conforme por si invocado nas missivas dirigidas à E, S.A..
46. Não é verosímil que seja exigido à B, Lda. a continuação dos trabalhos na obra quando se encontra em falta o pagamento da quantia de €87.155,57 que, pelo elevado montante, coloca a B, Lda. numa situação económico e financeira extremamente débil.
47. O volume de trabalho realizado pela B, Lda. ultrapassa em muito, neste momento, os valores recebidos pela realização dos mesmos.
(…)
49. Tendo já impedido a B de entrar no estaleiro da Obra, conforme Auto de Polícia que ora se protesta juntar.
(…)
51. Impedindo o acesso da B, Lda. à obra objeto do contrato e assim de aceder também a equipamento e material da sua propriedade.”
Desta factualidade e com base nos documentos juntos aos autos, estes não impugnados, foi por referência à mesma dado como assente:
- a remessa de missiva da aqui requerente à requerida em 20/06/2016 conforme doc. de fls. 85 a 89 dos autos, onde esta dá nota da suspensão dos trabalhos pelo não pagamento dos valores em dívida contabilizados pela requerente então em € 99.858,31 incluindo os autos de medição 17 e 18 [vide 12) dos factos provados]
- O teor do auto de ocorrência lavrado pela GNR em 28/07/2016 onde consta que um funcionário da requerente teria sido impedido de aceder às instalações da requerida por esta [vide 14) dos factos provados];

No mais e porque em sede de oposição foi impugnada pela requerida tal factualidade, não poderia a mesma ter sido dada como provada sem produção de prova adicional.
Assim e sem prejuízo do que infra se dirá, improcede neste ponto a reclamação apresentada.

Pugnou igualmente a apelante pela inclusão nos factos provados, do alegado em 55º a 58º da p.i. e 60º a 62º da p.i..
Sendo este o teor do constante em tais artigos:
“55. O comportamento da E, S.A., acima narrado, não é mais do que um comportamento assumidamente de má-fé, ardiloso, desonesto, doloso e com consequências altamente prejudiciais para a B, Lda..
56. A E tem criado reiteradamente subterfúgios e esquemas e inventa narrativas para não cumprir com as suas obrigações contratuais.
57. Efetivamente, há muito que se encontra em mora para com a B, Lda. que, sublinhe-se, sempre cumpriu a sua quota-parte das obrigações contratuais decorrentes da subempreitada.
58. A B, Lda. tem, face a toda a factualidade narrada, o fundado de receio de não lhe ser pago o valor em dívida pela E, S.A.;
60. de ser definitivamente desapossada dos equipamentos de ar-condicionado que já foram instalados na obra mas que lhe pertencem e não estão ainda pagos;
61. E de que o equipamento e material instalado na obra e que lhe pertence seja ocultado ou destruído por qualquer forma, seja por negligência da E seja por ação de terceiros.
62. Até porque, neste momento a B, Lda. não tem qualquer poder de facto sobre a obra e o material que nela se encontra instalado, por força do impedimento de acesso à mesma criado pela E.”.
Também o assim alegado pela requerente foi impugnado pela requerida.
Sendo a propriedade dos equipamentos instalados e não pagos questão de direito a inferir dos demais factos alegados conjugados com os termos contratuais, estes constantes dos factos provados [vide nomeadamente n.ºs 1) a 9) dos factos provados], temos que o demais se reconduz a factualidade conclusiva.
A pretensão da recorrente de incluir a factualidade acima enunciada nos factos provados tem assim de improceder, na medida em que são factos conclusivos ou não assentes entre as partes e como tal insuscetíveis de sem a produção da prova oferecida serem incluídos nos factos provados ou não provados.
Neste contexto, e em face de tudo o que acima se expôs, o assim decidido só merecerá censura na medida em que o apuramento dos factos em questão for relevante para a pretensão da requerente por e nomeadamente permitirem conclusão diversa da emitida pelo tribunal a quo.

IV- O que nos leva à apreciação da 4ª questão, relacionada com o erro do julgamento.
A providência cautelar não especificada prevista no art.º 362º do C. Proc. Civil depende da cumulativa verificação dos seguintes requisitos: probabilidade séria da existência do direito que se pretende acautelar; justo e fundado receio de que outrem cause lesão grave e de difícil reparação a esse direito e um requisito negativo - a não existência de providência típica aplicável à hipótese em apreço, não devendo ainda o prejuízo resultante da providência exceder o dano que com ela se pretende evitar – vide art.ºs 362º e 368º do C. Proc. Civil (anteriores 381º e 387º) e Ac. R.P. de 19-12-2007 in http://www.dgsi.pt/jtrp.
Por outro lado e enquanto requisitos gerais dos procedimentos cautelares - próprios da sua natureza - são ainda apontados os requisitos da instrumentalidade e da provisoriedade.
A instrumentalidade pressupõe uma ação definitiva instaurada (ou a instaurar) e com esta intimamente conexionada a provisoriedade pressupõe que a medida a decretar não regula definitivamente o direito que precisamente através da ação principal se deverá ver fixado em termos definitivos, sem prejuízo das regras estabelecidas para os casos em que ocorra a inversão do contencioso prevista no artigo 369º do CPC – vide 364º do CPC.
A procedência da pretensão da requerente está pois dependente da verificação cumulativa dos mencionados requisitos, tendo sido no pressuposto da não verificação dos mesmos considerando a factualidade alegada que o tribunal a quo julgou a mesma improcedente.
A apreciação do invocado erro de julgamento impõe aferir se da factualidade alegada e a ser toda demonstrada, poderia vir a ser reconhecida a pretensão da requerente.

Através do presente procedimento cautelar peticionou a requerente em primeiro lugar o reconhecimento do direito de retenção sobre a obra identificada e sobre os equipamentos de ar condicionado instalados por si na mesma.
E em segundo lugar peticionou a condenação da requerida a restituir à requerente a posse quer da obra, livre de pessoas e bens, quer dos equipamentos de ar condicionado nele existentes.
Pedido este que se funda desde logo no prévio reconhecimento do direito de retenção.
A procedência desta segunda pretensão tem como pressuposto desde logo o reconhecimento a favor da requerente do por si invocado direito de retenção que esta invocou por referência ao disposto no artigo 754º do CC.
Tendo entre requerente e requerida sido celebrado um contrato de subempreitada, resulta da definição legal deste tipo contratual constante do artigo 1213º do CC, ser o dono da obra alheio a este contrato, como tal inexistindo por norma vínculo direto entre este e o subempreiteiro [diz-se por norma porquanto em sede de liberdade contratual poderá ocorrer a intervenção direta e o estabelecimento de vínculos contratuais ao abrigo daquela. Questão que todavia para os autos não releva, porquanto nada nesta sede foi alegado].
Na doutrina [seguindo para o efeito da análise do regime jurídico deste tipo contratual o texto de Carvalho Fernandes intitulado “Da subempreitada” publicado na Revista “Direito e Justiça”, Ano XII, T 1, p. 78 e segs.] tem sido aceite de forma comum a qualificação da subempreitada como subcontrato, na medida em que este pressupõe a existência do contrato de empreitada e a manutenção do vínculo contratual do empreiteiro em relação ao dono da obra perante quem este continua a responder diretamente, não obstante os trabalhos executados pelo subempreiteiro contribuírem para a execução da obra nessa medida integrando a prestação que constitui o correspetivo do preço devido, implicando uma ligação funcional entre os dois contratos com vista a um fim comum: o previsto no contrato de empreitada que por tal assume a posição predominante, sendo a subempreitada àquele subordinada.
Não obstante, nas relações entre empreiteiro e subempreiteiro na medida em que este fica perante aquele obrigado a realizar determinada obra, regem as normas do contrato de empreitada.

Assim e neste pressuposto importa em primeiro lugar tomar posição sobre o reconhecimento do direito de retenção do empreiteiro sobre a obra realizada enquanto lhe não for pago o preço da empreitada pelo respetivo dono, que na doutrina e jurisprudência mereceu divergência.
Preceitua o artigo 754º do CC “O devedor que disponha de um crédito contra o seu credor goza do direito de retenção se, estando obrigado a entregar certa coisa, o seu crédito resultar de despesas feitas por causa dela ou de danos por ela causados.”.
O direito de retenção consiste pois na “faculdade que tem o detentor de uma coisa de a não entregar a quem lha pode exigir, enquanto este não cumprir uma obrigação a que está adstrito para com aquele.
(…)
3. Para que exista direito de retenção, nos termos deste artigo 754º é necessário em primeiro lugar que o respetivo titular detenha (licitamente: cfr. art. 756º alin. a)) uma coisa que deva entregar a outrem; em segundo lugar que simultaneamente seja credor daquele a quem deve a restituição; por último que entre os dois créditos haja uma relação de conexão (debitum cum re junctum), nas condições definidas naquele artigo – despesas feitas por causa da coisa ou danos por ela causados.
(…)” [vide C. Civil Anotado de Pires de Lima e Antunes Varela, vol I, 4ª ed. revista e atualizada, em anotação ao artigo 754º, p.772 a 774].
Pronunciando-se no sentido do não reconhecimento deste direito, os citados mestres em anotação ao artigo 1211º do CC [in C.C. Anotado, vol. II 3ª edição revista, p.798 a 799], invocaram em abono da sua tese, para além do mais, o facto de o direito de retenção constituir uma garantia excecional do credor, como tal só aplicável nos casos previstos na lei, não configurando para estes autores o crédito do empreiteiro nenhuma das situações previstas em tal normativo, porquanto o crédito do empreiteiro resulta não das despesas feitas por causa da coisa ou de danos causados pela coisa, mas antes tem por objeto o preço da empreitada (aí citando ainda no mesmo sentido Ac. RL de 05/06/1984 in CJ ano IX, T III p. 137).
Em sentido afirmativo, defendendo que o preço (da empreitada) resulta das despesas feita por causa da coisa e nessa medida afastando o argumento principal da tese contrária – sendo “despesas de construção, modificação ou de reparação” - se pronunciou Pedro Romano Martinez, in “Direito das Obrigações” parte especial dos Contratos, 2ª ed. p. 376 e segs..
Em igual sentido, Calvão da Silva in “Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória”, Coimbra 1987, p. 342 a 344, concluindo este autor que tal direito assiste ao empreiteiro ao abrigo do disposto no artigo 754º do CC por o requisito do “debitum cum re coniuntum” [conexidade objetiva entre o crédito e a coisa] se verificar. Realçando todavia que e “Obviamente, o direito de reter a coisa pressupõe que esta já seja propriedade do dono da obra” (vide nota 622 da obra citada, a p. 342).
O que igualmente realça Pedro Martinez in ob cit., p. 379, declarando que evidentemente o empreiteiro não tem direito de retenção no caso de construção de coisa móvel se os materiais são por ele fornecidos, “pois só se pode exercer o direito de retenção sobre coisas alheias”.
Para este efeito releva o disposto no artigo 1212º do CC, sobre o momento da transferência da propriedade da coisa e dos materiais empregues na sua realização.
Em sentido convergente com a sua tese citou Calvão da Silva o Ac. do STJ de 19/11/1971 publicado in BMJ n.º 211, p. 297 e segs. [vide nota 624 a p. 344 da obra citada].
Ac. este igualmente citado pelos Profs. Ferrer Correia e Joaquim Sousa Ribeiro no Parecer de sua autoria datado de maio de 1986 e publicado in CJ 1988, T I, p. 16 a 23 intitulado “Direito de Retenção Empreiteiro” onde concluíram poder o empreiteiro, “seja qual for a modalidade da empreitada (…) reter a obra total ou parcialmente realizada, em garantia do pagamento das despesas suscitadas pela sua execução”.
Deste Parecer importa reter os seguintes aspetos:
i- foram elencados como requisitos, tanto para o nascimento como para a manutenção do direito de retenção, ao qual é atribuído o caráter de verdadeiro direito real de garantia e de forma similar a Ant. Varela e acima mencionados, os seguintes:
. que alguém detenha licitamente [cfr. art. 756º alin. a)] uma coisa cuja entrega é devida a outrem;
. que o detentor, devedor da entrega da coisa, seja simultaneamente credor daquele a quem ela é devida;
. o crédito do detentor esteja diretamente conexionado com a coisa detida – conexão material ou objetiva (debitum cum re junctum) - devendo resultar de despesas feitas por causa dela ou de danos por ela causados;
ii- Analisada a estrutura do contrato de empreitada como contrato bilateral de natureza sinalagmática e por tanto suscetível de sobre o mesmo ser invocada a «exceptio non adimpleti contractus», dado o nexo causal recíproco entre as duas prestações que o caraterizam – realização de certa obra mediante o pagamento de um preço a pagar pela contraparte – foi estabelecida a diferença entre esta exceção de não cumprimento do contrato e o direito de retenção.
Realçando que a primeira assume uma natureza defensiva que legitima a recusa do cumprimento da prestação enquanto a contraparte não cumprir a que lhe cabe no contexto do cumprimento simultâneo subjacente ao sinalagma funcional que une as duas prestações. Enquanto o segundo desempenha uma função de garantia da satisfação do crédito excecionante na medida em que o titular de tal direito tem não só a faculdade de reter coisa, como ainda de se pagar coercivamente pelo valor desta.
iii- Como consequência do diferente alcance e objetivo específico de cada um destes institutos, concluíram estes autores não serem os mesmos entre si excludentes, desde que verificados os requisitos específicos de cada um por referência ao contrato de empreitada, na medida em que sendo caraterística deste tipo de contrato uma obrigação de resultado como consequência de uma prestação de facto, pode durante a sua execução invocar o empreiteiro a mencionada exceção no caso de incumprimento do dono de obra.
E uma vez consumada esta, impende ainda sobre o empreiteiro o dever de entrega da obra realizada ao seu dono.
Sendo sobre este último iter que poderá recair o direito de retenção – da obra total ou parcialmente realizada - desde que verificados os demais requisitos do artigo 754º do CC, conforme referido no Parecer em menção [no mesmo sentido pugnado por estes autores, são ainda por estes citados Manuel de Andrade in Teoria Geral das Obrigações e Almeida Costa in Direito das obrigações, notas 16 e 17 do mesmo].
iv- A conexão material ou objetiva entre a coisa a entregar e o crédito reclamado pelo retentor resulta não do preço devido ao empreiteiro mas das despesas e custos suportados com a sua construção.
Pelo que o que releva para este efeito não é a ligação entre as prestações de cada um dos contraentes e o preço como tal acordado como contrapartida contratual da realização da obra, mas antes a efetiva diminuição patrimonial sofrida pelo empreiteiro ao custear a execução dos trabalhos.
A justificar no entender destes autores uma interpretação mais chegada à letra da lei, que o direito de retenção só cobre a importância correspondente às despesas efetivamente suportadas pelo empreiteiro para custear a execução da obra, ficando sujeita ao regime comum a parte do crédito correspondente ao lucro esperado.

Esta interpretação, dizemos de conteúdo menos amplo sobre o âmbito do direito de retenção, diverge da posição assumida por Pedro Romano Martinez in ob. cit., onde desde logo afirma a p. 376 “Para garantia do pagamento do preço e de certas indemnizações derivadas do incumprimento dos deveres contratuais, o empreiteiro goza do direito de retenção sobre as coisas criadas ou modificadas nos termos dos artigos 754º ss. CC”.
Bem como da posição de Calvão da Silva igualmente supra citado, pois e de forma expressa defende que o “próprio lucro que se sabe em regra existir embora possa não se saber o quantum, não deixa de ter a sua causa na coisa e nas despesas com ela feitas” (vide p. 343 ob. cit.).
A nível jurisprudencial, para além dos Acs. já citados, importa ainda realçar os seguintes:
- Ac. TRL de 06/04/2000 in CJ Ano XXV, T II, p. 130 e segs. onde foi reconhecido o direito de retenção ao empreiteiro para garantia das despesas realizadas com a execução da mesma, citando em conformidade o parecer supra citado.
Mais aí tendo sido reconhecido que e por ao titular do direito de retenção se aplicarem as regras do penhor (artigos 758º e 759º n.º 3), pode o titular deste direito usar das ações possessórias dos artigos 1276º e seguintes do CC mesmo contra o proprietário da obra. Consequentemente estando também facultado ao mesmo o recurso à tutela cautelar verificados que estejam os requisitos da providência de restituição provisória de posse (quando em causa esteja esbulho violento – vide artigos 377º e segs. do CPC) ou e na ausência deste requisito quando estejam verificados os requisitos do procedimento cautelar comum (vide artigo 362º do CPC);
- Ac. TRP de 25/11/2013, Relatora Ana Paula Amorim, in http://www.dgsi.pt/jtrp, dando nota de ser hoje reconhecido de forma maioritária quer pela doutrina quer pela jurisprudência o direito de retenção do empreiteiro “relativamente ao prédio ou obra realizada” enquanto o dono da obra não pagar o preço devido por aquela”, ou seja indo segundo o entendemos ao encontro da posição defendida por Calvão da Silva quanto ao âmbito do direito de retenção incluindo também o lucro.
É ainda neste Ac. reconhecido o recurso aos meios possessórios por parte do empreiteiro que invoca o direito de retenção, se for indevidamente desapossado da coisa mesmo pelo seu próprio dono.
Conforme ali é afirmado “Não obstante do disposto no art. 758º do diploma citado resultar, por via da remissão para as disposições que regem o penhor, que no caso de retenção de coisas móveis, o retentor pode fazer uso dos meios possessórios se for indevidamente desapossado da coisa, mesmo pelo seu próprio dono (cfr. art.670º, al. a) do C. Civil), tem-se igualmente entendido que da mesma faculdade goza o retentor de coisa imóvel[12], desde que verificado o circunstancialismo estabelecido no citado art. 754º do CC.”.
Com relevo para a questão nestes autos em discussão, ainda que por referência ao processo de insolvência, é ainda expresso o entendimento de que “A declaração de insolvência não opera a extinção do direito de retenção, pois não está prevista nas causas de extinção, enunciadas no art.730° CC, por remissão do art. 761º CC, nomeadamente, não extingue o crédito da apelada, nem determina a entrega da obra à apelante.”;
- Ac. TRL de 04/02/2010, Relator Pereira Rodrigues in http://www.dgsi.pt/jtrl no qual igualmente se reconhece o direito de retenção do empreiteiro nos termos gerais do artigo 754º do CC, bem como o recurso aos meios possessórios por parte do empreiteiro que invoca o direito de retenção, se for indevidamente desapossado da coisa mesmo pelo seu próprio dono.
Realça-se neste “que o direito de retenção subentende, para sua real existência, a detenção efetiva do bem ou a conservação do bem em poder do reconhecido detentor, com exclusão de outrem, designadamente do seu proprietário ou legítimo possuidor”, porquanto “são requisitos, específicos e essenciais, para que haja direito de retenção, antes de mais que alguém tenha a possessão de coisa que não lhe pertença e tenha obrigação de entregar a seu verdadeiro titular e em segundo lugar que seja credor deste último em virtude de despesas feitas com a coisa detida ou de danos por ela causados.”
Pelo que aqui se conclui “Sem detenção atual do bem não pode ser invocado direito de retenção, como não pode ser invocado este direito para se legitimar o início, ou reinício, da detenção de facto da coisa reclamada como objeto deste mesmo direito.”, até porque, argumenta-se «o direito de retenção extingue-se, entre outras causas, “pela entrega da coisa” (art. 761º do CC), o que demonstra bem que apenas quem detenha a custódia da coisa possa invocar direito de retenção sobre a mesma.».
Motivo porque ali igualmente se afirma “Não existindo já detenção, ou porque se fez a entrega voluntária da coisa ou porque se consentiu que o seu titular a extraísse da esfera de domínio daquele que a podia ter detido, não pode haver direito de retenção.”.
Assim não sucedendo quando o “titular do direito de retenção tenha sido espoliado da detenção da coisa, ou esteja na iminência de o ser, quer por ato violento (esbulho) quer por qualquer outra conduta furtiva e contrária a sua vontade, pois que nesse caso já se poderá, casualmente, defender a invocação de tal direito e a sua atual violação, ou ameaça, quiçá, passível de defesa pelos meios legais conferidos ao possuidor de boa-fé.”, mormente e em sede cautelar na medida em que seja alegada factualidade concretizadora da prévia detenção e do seu esbulho (ato violento) ou por outro meio contrário à sua vontade.
- Ac. STJ de 10/05/2011, Relator Sebastião Póvoas in http://www.dgsi.pt/jstj no qual igualmente é reconhecido o direito de retenção do empreiteiro nos termos do artigo 754º do CC;
- Ac. STJ. de 29/01/2014, Relator João Bernardo in http://www.dgsi.pt/jstj onde é uma vez mais reconhecido o direito de retenção do empreiteiro nos termos do artigo 754º do CC “para pagamento do preço da obra quer esta tenha sido acabada ou não”, mais e de forma expressa se afirmando que e relativamente “ao preço referido (…) não há que deduzir o lucro por ele obtido ou a obter”, justificando-se este posicionamento com a dificuldade em definir o que é lucro que poderá até no caso concreto não se verificar por vicissitudes várias, para além de que atenta a figura garantística do direito de retenção, a exclusão do seu âmbito do “motor que (…) está na base da celebração dos contratos de empreitada”, i.e., o lucro esperado, ficaria por compreender.

Da resenha doutrinária e jurisprudencial acima citada, resulta claro, não obstante a polémica surgida a este propósito, ser hoje ponto assente de forma maioritária tanto a nível jurisprudencial como doutrinário o reconhecimento do direito de retenção do empreiteiro sob a obra [salvaguardada a situação do artigo 1212º n.º 1 do CC em que a empreiteiro permanece o proprietário da coisa até à aceitação da obra] para pagamento do preço dessa mesma obra (acabada ou não). Posição com a qual se concorda e assim seguimos.
Pressuposto do reconhecimento de tal direito é o preenchimento dos requisitos indicados no artigo 754º do CC, dos quais se extrai desde logo a detenção da coisa que lhe não pertence por parte daquele que invoca tal direito e a obrigação de a entregar a terceiro.
Assim reconhecido este direito entre empreiteiro e dono de obra, importa analisá-lo agora na perspetiva do contrato de subempreitada.
Embora à partida nada obste a que o subempreiteiro invoque tal direito sobre o empreiteiro, regra geral e nomeadamente quando em causa esteja obra executada em imóvel, sendo o solo ou a superfície pertença do dono de obra que por natureza no mesmo se incorpora, dificilmente deixará este direito de se refletir sobre o dono de obra, como alerta Carvalho Fernandes no texto acima referido [e ao qual neste ponto voltamos].
Passando a pertencer a este os materiais que assim forem incorporados tal como decorre do artigo 1212º n.º 2 do CC.
A tal não obstando eventual cláusula de reserva de propriedade que no contrato entre empreiteiro e subempreiteiro tenha sido estabelecida, desde logo porque ao dono de obra não é oponível, não se sobrepondo à transferência da propriedade que legalmente é consagrada no dito artigo 1212º n.º 2 do CC [neste sentido da inoponibilidade da cláusula de reserva de propriedade entre subempreiteiro e empreiteiro convencionada ao dono de obra se pronunciaram igualmente in C. Civil Anotado Pires de Lima e Antunes Varela, vol. II, 3ª ed. revista e atualizada, em anotação ao artigo 1212º, p. 803].
Nesta medida é inviável ao subempreiteiro invocar direito de retenção sobre a obra executada em imóvel nas circunstâncias referidas, dada a transferência da propriedade dos materiais fornecidos e ali incorporados quer perante o empreiteiro – porquanto diretamente tal pretensão se reflete no direito do dono da obra que naquele contrato é terceiro em respeito pelo princípio da relatividade dos contratos consagrado no artigo 406º n.º 2 do CC – quer e pelas mesmas razões perante o dono de obra diretamente.
Diversamente no caso de se estar perante obra em coisa móvel, questão que no requerimento inicial foi também pela requerente invocada, então e até à aceitação da obra não há transferência da propriedade o que é excludente em relação ao direito de retenção.

No caso dos autos, foi a pretensão da requerente julgada desde logo improcedente, dispensando-se a realização de prova, por se ter entendido na decisão recorrida e quanto aos pontos que ora analisamos [als. a) e b) do pedido da requerente] “No que toca ao direito de retenção que pretende lhe seja reconhecido não se trata notoriamente de uma medida cautelar a decretar mas da justificação dada pela Requerente para a sua pretensão de ser restituída à posse da obra e dos equipamentos de ar condicionado, esta sim uma das medidas cautelares pretendidas.
É certo que o artigo 754º do Código Civil prevê que o devedor que disponha de um crédito contra o seu credor goza do direito de retenção se estando obrigado a entregar a coisa o seu crédito resultar de despesas feitas por causa dela ou de danos por ela causados.
Ora, no caso concreto foi a Requerente que suspendeu os trabalhos que levava a cabo em 20 de Junho de 2016, conforme carta que enviou à Requerida e onde refere encontrar-se em dívida a quantia de €99.858, 31, comunicando que nesse momento os trabalhos se encontram suspensos mantendo-se tal suspensão enquanto o valor em divida não for liquidado.”

É certo que o direito de retenção é o pressuposto e fundamento do pedido da requerente de restituição à “posse da obra” e dos equipamentos de ar nele existentes.
Da suspensão dos trabalhos por parte da requerente, extraiu o tribunal a quo, se bem o entendemos, a não verificação dos requisitos do artigo 754º do CC.
Na carta a que se alude na decisão recorrida enviada pela requerente à requerida (de 20/06/2016) – vide ponto 12 dos factos provados – declara aquela:
- ser credora da requerida pelo valor de € 99.858,31 [incluindo, entre outras as faturas referidas em 10) e os autos de medição referidos em 11) dos factos provados];
- conforme transmitido através de várias comunicações, quer verbais quer escritas, neste momento os trabalhos encontram-se suspensos e tal suspensão manter-se-á enquanto o valor em dívida não for liquidado;
- na eventualidade de este comportamento inadimplente persistir (…) poderá mesmo a requerente resolver o contrato e remover todo o equipamento instalado na obra, cuja titularidade se mantém na esfera jurídico patrimonial da mesma, por via da cláusula de reserva de propriedade estipulada no contrato de subempreitada.
Afigura-se-nos que da alegada suspensão dos trabalhos outra conclusão se não pode retirar com efeito, se não a de que e por via daquela a requerente deixou de estar em obra e como tal cessou a detenção sobre a mesma.
Relido o articulado inicial verifica-se que a requerente invoca a suspensão dos trabalhos com base nas sucessivas falta de pagamento (vide artigo 37º e 38º do R.I.) e por referência à citada carta onde é ainda feita menção a um “contrato de transmissão do direito de crédito outorgado entre as partes [aludido este em 7 a 9 dos factos provados].
Mais alega ter invocado o direito de retenção sobre a obra e equipamentos de ar condicionado instalados na obra por si, sobre os quais invoca manter o direito de propriedade por via de cláusula de reserva de propriedade inserida no contrato de subempreitada entre as partes celebrado. Sobre esta propriedade tecendo considerandos vários [vide o alegado em 39º a 43º do R.I.], dando nota de o acima exposto se encontrar refletido na missiva por si enviada à requerida já em 21/07/2016 [vide 44º do R.I.].
Esta junta a fls. 90 a 92 dos autos (como doc. 11 e não 10, conforme por lapso é referido pela requerente) e na qual uma vez mais é reiterada a suspensão dos trabalhos até integral cumprimento das obrigações a que a requerida estava vinculada, mormente pagamento dos valores em dívida, assinatura dos autos de medição e aceitação das faturas a estes subjacentes.
Mais sendo salientado estar a requerida impedida de dar continuidade à obra através de terceiros, porquanto a obra pertence à requerente, bem como os materiais nela existentes, motivo por que “invoca expressamente o respetivo direito de retenção da obra e respetivos materiais com as legais consequências”.
Subsequentemente alega a requerente (nomeadamente) que a suspensão dos trabalhos se deveu à falta de pagamento das faturas, não lhe sendo exigível a continuação dos trabalhos [vide o alegado em 45º a 47º do R.I.].
Após o que afirma que a requerida recorreu a entidades terceiras para proceder à conclusão dos trabalhos em falta, tendo impedido a requerente de entrar no Estaleiro da Obra conforme auto de Polícia – este o referido em 14) dos factos provados de 28/07/2016 [vide 48º e 49º do R.I.].
Concluindo da atuação da requerida assim descrita ter ocorrido resolução unilateral do contrato de subempreitada [50º do R.I.].
Impedindo o acesso da requerente à obra bem como ao equipamento e material da sua propriedade [51º da R.I.] o que reitera em 54º do mesmo R.I. [por remissão para o auto de polícia já referido].
Entendeu-se necessária esta excursão pela factualidade alegada, para de forma mais clara se evidenciar que em momento algum a requerente alega factos relativos à detenção da obra, após a suspensão dos trabalhos que levou a cabo pelos motivos que invocou e acima referidos.
Ora inexistindo detenção e consequentemente nada tendo a requerente para entregar, estaria por esta via excluído o pela requerente invocado direito de retenção.
Ainda que assim se não entendesse, pelos fundamentos que acima já analisámos na medida em que o invocado direito de retenção contende inevitavelmente com o direito de propriedade do dono de obra que no contrato de subempreitada em causa é terceiro, não pode proceder o invocado direito de retenção da requerente subempreiteira.
Em terceiro lugar e não menos relevante, pressupõe o direito de retenção estar o retentor na posse/detenção de bens que lhe não pertencem.
Contraditoriamente, invocou a requerente ser proprietária de todos os bens em questão.
E a sê-lo, então também por esta via estaria inviabilizada a sua pretensão de ver reconhecido o direito de retenção sobre tais bens.
Finalmente, da factualidade alegada não resulta que o acesso que à requerida foi negado tenha sido num momento em que esta estivesse a exercer sobre a obra ou bens em causa um qualquer poder de detenção, pois que os trabalhos estavam já suspensos por sua iniciativa.
Sendo que a questão do esbulho / ou seja ato violento apenas foi aludido já nas conclusões do recurso (vide conclusão 38º das alegações), sendo como tal questão nova cujo conhecimento sempre estaria vedado ao tribunal de recurso.
E se assim é, e não sendo possível reconhecer à requerente com base na factualidade por si alegada o por si invocado direito de retenção sobre as obras e bens nela colocados por si – sobre os quais invoca a propriedade – tão pouco lhe assiste razão em ver-se restituída à obra e equipamentos, com os fundamentos por si alegados [por via do invocado mas não demonstrado nem demonstrável direito de retenção, em função do exposto].
Nesta perspetiva, não merece censura o assim decidido pelo tribunal a quo neste ponto e por referências às duas primeiras alíneas do pedido formulado pela requerente.
De referir neste contexto que o celebrado contrato de cessão de créditos entre requerente e requerida, bem como a homologação do plano do PER em nada alteram ou influem no assim decidido, sendo como tal irrelevantes para a apreciação da pretensão da requerente.
Relembra-se que o pretendido nos autos não é o reconhecimento de um determinado crédito, mas e porque se alegou existir o mesmo, com fundamento no pretendo direito de retenção, a restituição à requerente da posse da obra e bens.

Quanto às outras duas alíneas do pedido da requerente, decidiu o tribunal a quo ser de indeferir, porquanto:
“Por outro lado, a própria Requerente alega que a Requerida já recorreu a entidades terceiras (o que a Requerida confirmou) para proceder à conclusão dos trabalhos em falta pelo que a medida pretendida de condenar a Requerida a abster-se de recorrer a entidades terceiras para a execução dos trabalhos contratados à B sempre se revelaria manifestamente inútil.
Por fim e relativamente à pretensão da Requerente de ver ordenada a realização de um inventário de todos os materiais colocados na obra, por entidade independente, por forma a destruição ou dissipação dos mesmos bem como a verificação judicial dos autos de medição n.º 17 e 18 por forma a salvaguardar os trabalhos realizados pela B em virtude da intervenção de terceiros, os motivos invocados pela Requerente para justificar o receio de lesão grave e de difícil reparação do direito a que se arroga prendem-se no essencial com a salvaguarda da recolha de prova tendo em vista a ação principal a instaurar uma vez que a configuração das obras poderá ser distinta; no entanto, tal não configura em nosso entender receio de lesão grave e de difícil reparação do seu direito para efeitos do decretamento de medida cautelar, prevendo-se no Código de Processo Civil o meio apropriado para salvaguarda da recolha de prova designadamente quando possa vir a ser impossível ou difícil a verificação de certos factos por meio de perícia, caso em que deverá a parte socorrer-se de produção antecipada de prova, designadamente pericial.”.

No que à abstenção de intervenção de terceiros concerne [al. c) do pedido], é manifesto que a pretensão da requerente perdeu toda a utilidade, já não havendo qualquer direito da requerente a tutelar nesta sede cautelar na medida em que ficou provado, a própria requerente o invocou, que a requerida recorrera já terceiros [vide 13) dos factos provados].

Finalmente e no que respeita à última alínea do pedido formulado, a requerente alega como justificação deste seu pedido e invocando receio de ocultação ou destruição do equipamento instalado na obra e que lhe pertence pretender acautelar a verificação dos trabalhos correspondentes aos autos de medição face à recusa da requerida [artigos 61º e 63º do r.i.].
Diga-se em primeiro lugar que a requerente não concretizou factualmente as razões deste seu invocado receio.
A alegada recusa de pagamento e nesta sede imputada desleal conduta, associada até à declarada intervenção de terceiros para concluir a obra [vide 13) dos factos provados] em nada sustentam o dito receio de ocultação ou destruição. Nenhuma conduta é imputada à requerida no sentido de indiciar tal sentido de atuação pela mesma.
É entendimento uniforme na jurisprudência e doutrina não bastar à integração do requisito do fundado receio de lesão grave, o receio subjetivo do requerente, baseado em meras conjeturas ou suposições, antes se exigindo que o mesmo assente em concretos factos que permitam extrair tal afirmação [cfr. Ac. TRC de 13/11/2012, Relator Francisco Caetano in http://www.dgsi.pt/jtrc onde em sentido consonante se afirma “para se alcançar a conclusão de que o receio é fundado, impunha-se a alegação de factos que permitissem afirmar com objetividade e distanciamento a seriedade e atualidade da ameaça e a necessidade de serem adotadas medidas tendentes a evitar o prejuízo.
Como salienta Abrantes Geraldes[1], não bastam simples dúvidas, conjeturas ou receios meramente subjetivos ou precipitados, assentes em apreciação ligeira da realidade, embora, de acordo com as circunstâncias, nada obste a que a providência seja decretada quando se esteja perante simples ameaças, ainda não materializadas, advindas do requerido, mas que permitam razoavelmente supor a sua evolução para efetivas lesões.
Como também diz Alberto dos Reis[2], o receio há-de ser de tal ordem que justifique a providência requerida e só a justifica quando as circunstâncias se apresentam de modo a convencer de que está iminente a lesão do direito.”].
Em concreto nada alegou neste sentido a requerente para que o pudesse provar.
Com base na falta de alegação factual que sustente um dos exigidos requisitos da procedência da sua pretensão nesta parte, também o pedido sempre improcederia como se decidiu na 1ª instância.
Ao que acresce, em segundo lugar, concordarmos ainda com a observação feita sobre o meio próprio para salvaguardar a recolha de prova invocada pela requerente também como fundamento da sua pretensão.
O meio próprio para o efeito é o da produção antecipada de prova.
De tudo o exposto resulta que mesmo que fossem de considerar provados todos os factos que a recorrente invocou no seu requerimento, sempre o presente procedimento cautelar estaria votado ao insucesso.
Nos termos expostos e ainda que por fundamentos não totalmente coincidentes com os da decisão recorrida, entende-se não assistir razão à apelante.

Sumário:
I- O vício de omissão de pronúncia só opera quando de todo o tribunal deixe por conhecer questão suscitada pelas partes;
II- Não configura nulidade, por ser ato permitido pela lei, a dispensa da produção da prova em sede de procedimento cautelar quando da factualidade alegada e dos factos eventualmente já assentes, concluir o juiz ser possível conhecer do mérito da pretensão deduzida, no uso do seu poder de direção ativa do processo consagrado no artigo 6º do CPC.
III- Nas relações entre empreiteiro e subempreiteiro, na medida em que este fica perante aquele obrigado a realizar determinada obra, regem as normas do contrato de empreitada.
IV- São requisitos do direito de retenção:
. a detenção lícita da obra executada por parte daquele que invoca esse mesmo direito;
. que o detentor, devedor da entrega da coisa, seja simultaneamente credor daquele a quem ela é devida;
. que o crédito do detentor esteja diretamente conexionado com a coisa detida
V- Ao empreiteiro detentor da obra realizada – acabada ou não - é reconhecido o direito de retenção sobre a mesma, enquanto lhe não for pago o preço da empreitada pelo respetivo dono;
VI- Não obstante a ligação funcional que existe entre o contrato de subempreitada e o contrato de empreitada, assumindo aquele em relação a este uma posição subordinada, dada a manutenção do vínculo contratual do empreiteiro em relação ao dono de obra, é aquele empreiteiro quem perante o dono da obra continua a responder diretamente.
VII- Estando em causa obra executada em imóvel sendo o solo ou superfície pertença do dono de obra, nos termos do artigo 1212º n.º 2 do CC consideram-se adquiridos pelo dono de obra os materiais fornecidos e nela incorporados.
VIII- É inviável a invocação do direito de retenção do subempreiteiro sobre o empreiteiro, em caso de obra sobre imóvel nos termos referidos em VII, porquanto necessariamente se reflete sobre o direito do dono de obra que em relação ao contrato de subempreitada é terceiro.
IX- Pelos mesmos motivos não é oponível ao dono de obra eventual cláusula de reserva de propriedade estipulada no âmbito do contrato de subempreitada ao qual o dono de obra é totalmente alheio.
X- O fundado receio de lesão grave, requisito da procedência de pedido cautelar carece de concretização factual, não se bastando com meros receios ou conjeturas.

IV. Decisão.
Face ao exposto, acorda-se em julgar a apelação improcedente, mantendo-se a decisão recorrida ainda que por motivos não totalmente coincidentes.
Custas pela recorrente.
***
Guimarães, 07 de dezembro de 2016
(Maria de Fátima Almeida Andrade)
(Alexandra Maria Rolim Mendes)
(Maria Purificação Carvalho)