Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
132/11.0TBVRL.G2
Relator: ANTÓNIO FIGUEIREDO DE ALMEIDA
Descritores: EXPROPRIAÇÃO
CLASSIFICAÇÃO DAS PARCELAS
LAUDOS DIVERGENTES
JUSTO VALOR DA INDEMNIZAÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 02/14/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
1) A vistoria ad perpetuam rei memoriam tem, sobretudo, uma valia fáctica;

2) A classificação das parcelas a expropriar é a que resulta diretamente dos critérios estabelecidos no CE, com referência aos elementos físicos e características das parcelas expropriadas;

3) Para se saber qual das classificações se deverá atribuir ao solo da parcela expropriada, a lei utilizou um critério misto, onde define, positivamente, os requisitos que, verificando-se, permitem considerar que estamos perante um solo apto para construção e um critério negativo ou residual, que considera que, não se verificando nenhuma das situações que permitem considerar o solo como apto para construção, então estaremos perante um solo para outros fins

4) Existindo laudos divergentes e não possuindo o juiz quaisquer conhecimentos ou elementos concretos que lhe permitam aferir qual deles tem melhor aptidão para alcançar o valor da justa indemnização, justifica-se que considere ou adira ao laudo maioritário ou ao laudo dos peritos do Tribunal por se dever presumir que as conclusões subscritas por um número maior de peritos, reunindo maior consenso, terão maior aptidão para atingir aquele objetivo ou que os peritos do Tribunal, não tendo sido indicados pelas partes e não tendo com elas qualquer ligação, oferecem melhores garantias de isenção e imparcialidade, estando, por isso, em melhores condições de, com objetividade e isenção, determinar o justo valor da indemnização.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I. RELATÓRIO

A) Pelo despacho nº 25494/2009, de 11/11/2009, do Sr. Secretário de Estado Adjunto das Obras Públicas e das Comunicações, publicado no D. R. nº 226, II série, de 20/11/2009, foi declarada a Utilidade Pública (DUP) e urgência na expropriação da parcela nº 12 (doze), constituída por terreno com a área de 8.561,00 m2 (oito mil quinhentos e sessenta e um metros quadrados), a destacar do prédio denominado por “Quinta ...” sito no lugar da “...”, freguesia de ..., concelho de X, inscrito na matriz predial rústica sob o artigo … e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o número ....
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Foi realizada vistoria ad perpetuam rei memoriam cujo relatório se acha junto a fls. 19 a 24 e 63-68.

Procedeu-se a arbitragem (fls 111 a 130), tendo sido fixada a indemnização de €40.322,31 (quarenta mil, trezentos e vinte e dois euros e trinta e um cêntimos).
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Da decisão arbitral recorreu a expropriante Auto-Estradas ... – Subconcessionária ..., SA, (fls. 231), que entende dever ser fixada uma indemnização a atribuir à expropriada em nunca mais de €15.923,46.

Por sua vez a expropriada AB ..., Betão e Rochas, SA, veio igualmente recorrer da decisão arbitral, (fls. 268), entendendo dever ser fixada a indemnização de €171.220,00, devendo a indemnização das parcelas sobrantes ser relegada para execução de sentença porquanto se desconhece o que vai fazer a expropriante para minimizar o seu desvalor.
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B) Pelo despacho nº 25494/2009, de 11/11/2009, do Sr. Secretário de Estado Adjunto das Obras Públicas e das Comunicações, publicado no D.R. nº 226, II série, de 20/11/2009, foi declarada a Utilidade Pública (DUP) e urgência na expropriação da parcela nº 14 (catorze), constituída por terreno com a área de 670,00 m2 (seiscentos e setenta metros quadrados), a destacar de um prédio de configuração irregular, sito no lugar da ..., freguesia de ..., concelho de X, inscrito na matriz predial rústica sob o artigo ... e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o número ....
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Foi realizada vistoria ad perpetuam rei memoriam cujo relatório se acha junto a fls. 17 a 20 e 57 a 60 do Apenso A.
Procedeu-se a arbitragem (fls 94 a 112), tendo sido fixada a indemnização de €2.619,70 (dois mil, seiscentos e dezanove euros e setenta cêntimos).
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Da decisão arbitral recorreu a expropriada AB ..., Betão e Rochas, SA, (fls. 212), entendendo dever ser fixada a indemnização de €13.400,00, devendo a indemnização das parcelas sobrantes ser relegada para execução de sentença porquanto se desconhece a sua extensão, bem como o que vai fazer a expropriante para minimizar o seu desvalor.

Foi determinada a apensação deste apenso àqueles autos a que se refere a parcela nº 12 (fls. 241).
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C) Os recursos foram admitidos (fls. 348 e 356).
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Foi proferida a sentença de fls. 657 e segs, onde se decidiu:

a) Julgar improcedente o recurso interposto pela expropriante;
b) Julgar parcialmente procedentes, por provados, os recursos do expropriado e, consequentemente fixar em €122.502,36 (cento e vinte e dois mil, quinhentos e dois euros e trinta e seis cêntimos) o montante de justa indemnização a atribuir à expropriada AB ... - Betão e Rochas, SA., pela parcela 12 e em €11.483,80 (onze mil quatrocentos e oitenta e três euros e oitenta cêntimos) pela parcela 14.
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C) Inconformada com a decisão, veio a expropriante Auto-Estradas ... – Subconcessionária ..., SA, a fls. 677 vº e segs, interpor recurso, que foi admitido como sendo de apelação, com subida nos próprios autos e efeito devolutivo (fls. 708).
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Foi proferido nesta Relação o acórdão de fls. 715 a 724 que decidiu anular a douta sentença recorrida e determinar a ampliação da matéria de facto, por se entender existir, in casu, uma omissão da matéria de facto, no que se refere às reais características que possibilitem determinar o seu valor real e concreto da área da parcela 12 integrante da REN, uma vez que toda a área da parcela expropriada, incluindo a que está integrada na REN, foi calculada como sendo solo apto para construção, não dispondo esta instância de qualquer elemento probatório, nomeadamente resultante de prova pericial, que permita, através das suas características relevantes, quantificar o valor real, de mercado, daquela parte, com a área de 2.780m2.
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D) Os autos baixaram à 1ª Instância, onde foi determinada a realização de uma avaliação, após o que foi proferida sentença (fls. 793 a 801) onde se decidiu:

- Julgar improcedente o recurso interposto pela expropriante;
- Julgar parcialmente procedente o recurso interposto pela expropriada e, consequentemente, fixar em €117.306, 16 (cento e dezassete mil, trezentos e seis euros e dezasseis cêntimos) o montante da justa indemnização a atribuir à expropriada pela expropriação das faladas parcelas 12. e 14.
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E) Novamente inconformada com a decisão, veio a expropriante Auto-Estradas ... – Subconcessionária ..., SA, a fls. 802 vº e segs, interpor recurso, que foi admitido como sendo de apelação, com subida nos próprios autos e efeito devolutivo (fls. 827).
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A apelante Auto-Estradas ... – Subconcessionária ..., SA, nas suas alegações, apresenta as seguintes conclusões:

Os Senhores Peritos erraram na análise dos elementos constantes dos autos relativamente à capacidade edificativa da parcela 12, que, por sua vez, determinou uma errada interpretação e aplicação dos normativos legais constantes do CE, traduzindo o apuramento de um valor unitário do solo absolutamente desconforme com as características das parcelas expropriadas.
Ao ignorar a errada interpretação do CE propugnada no laudo maioritário, o Tribunal a quo incorre em erro de julgamento – que infelizmente indicia a falta de análise das peças processuais oportunamente apresentadas pelas partes e, sobretudo, de estudo da legislação aplicável ao caso concreto, designadamente das alegações da entidade expropriante - que determinou a fixação de uma indemnização desfasada das características das parcelas expropriadas, em clara violação do princípio da legalidade e, consequentemente, do princípio da justa indemnização.
Como tem vindo a ser unanimemente entendido na jurisprudência, “só os solos que se encontram em zonas classificadas como zonas urbanas ou urbanizáveis, por instrumento de gestão territorial, devem, por regra, ser classificados e, pois, valorizados como solos aptos para construção” – cfr., por todos, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 7/12/2009, proferido no proc. 7142/07.0TBVNG.P1, in www.dgsi.pt – sob pena de se tratar de forma igual realidades distintas, em clara violação do princípio da igualdade e, consequentemente, da justa indemnização.
Uma coisa é considerar a possibilidade de edificação – quando efetiva e objetivamente exista – no apuramento do valor do solo agrícola; outra muito diferente é que essa possibilidade abstrata (artigo 27º do PDM) tenha o “dom” de transformar tais terrenos em solos destinados à construção, abrindo porta para avaliar os mesmos como se tivessem igual valor de mercado – cfr., entre outros, os Acórdãos do Tribunal da Relação de Guimarães, de 10/04/2007, proferido no Proc. 1565/07-1 e do Tribunal da Relação do Porto, de 6/03/2005, proferido no Proc. 533426, in www.dgsi.pt.
Não ocorre no caso sub judicio qualquer efetiva e real potencialidade edificativa, nem existe qualquer expectativa razoável de vir a ser possível edificar na parcela 12 – v. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 7/12/2009, proferido no proc. 7142/07.0TBVNG.P1, in www.dgsi.pt – pelo que nunca o solo em causa poderia ser classificado e avaliado como apto para construção.
“O “jus aedificandi" só deve considerar-se fator de valoração dos solos nas situações em que os respetivos bens possuam uma muito próxima ou efetiva potencialidade edificativa, só então integrando o núcleo do direito de propriedade privada, porquanto as faculdades de urbanizar, lotear e edificar não decorrem diretamente do direito de propriedade do solo, sendo, antes, um poder que acresce à esfera jurídica do proprietário, nos termos definidos pelas normas jurídico-urbanísticas” (neste sentido, v. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto proferido em 18/09/2008 no proc. nº 4233/08, in www.dgsi.pt).
Não existia à data da DUP qualquer expectativa séria de que a parcela 12 viesse a ser edificada, atenta a sua aptidão natural resultante da integração no PDM de X em áreas agrícolas.
Atenta a errada classificação do solo constante do laudo maioritário deveria o mesmo ter sido afastado, sob pena de violação do disposto nos artigos 23º, nº e 25º, nº 2 do CE, com o consequente desrespeito pelo princípio da justa indemnização.
“Em processo de expropriação, a força probatória do laudo pericial só abrange a perceção e a valoração técnica dos factos, não se estendendo aos juízos jurídicos que a lei reserva ao julgador” – Ac. RG de 4/10/2007, proferido no Proc. n.º 1565/07-1; negrito e sublinhado nossos.
10ª O preenchimento ou não dos requisitos para aplicação do artigo 26º do CE implica a ponderação de conceitos que, embora assentes em pressupostos que são também técnicos, reconduz-se a uma reflexão eminentemente jurídica que, como tal, pode e deve ser sindicada pelo tribunal, sob pena de violação do princípio da justa indemnização.
11ª Atendendo ao errado raciocínio constante do laudo maioritário e que determinou a classificação e avaliação do solo expropriado como apto para construção, pode e deve o tribunal afastar-se dele, por se encontrarem preenchidos os pressupostos legais para o efeito e, em consequência, avaliar a solo da parcela 12 como apto para outros fins.
12ª Ao ignorar a errada interpretação do CE propugnada no laudo maioritário, o Tribunal a quo incorre em manifesto erro de julgamento, que determinou a fixação de uma indemnização desfasada das características da parcela expropriada e da sua integração no referido instrumento de gestão territorial, em clara violação do princípio da legalidade e, consequentemente, da justa indemnização.
13ª Também a sobrante a sul da parcela 12 não detinha, à data da DUP, qualquer expectativa séria de vir a ser edificada, atenta a sua aptidão natural resultante da integração no PDM de X em áreas agrícolas, pelo que nenhuma desvalorização poderia ter sido atribuída com tal fundamento, sob pena de manifesta violação do disposto no artigo 29º do CE e, consequentemente, do princípio da justa indemnização.
14ª Incorrendo a sentença recorrida em erro de julgamento ao não sindicar ou, pelo menos, não sindicar corretamente a legalidade do laudo maioritário, apenas resta recorrer aos termos da avaliação aduzida no laudo minoritário subscrito pelo perito indicado pela entidade expropriante (visto que também o laudo do perito indicado pela expropriada enferma dos mesmos erros de direito de que padece o laudo maioritário).
15ª Constatando-se que o laudo minoritário subscrito pelo perito indicado pela entidade expropriante avalia corretamente o valor do solo expropriado e não existindo qualquer outro elemento de prova nos autos que conteste a avaliação que no mesmo é feita, deverá a indemnização ser apurada em função dos parâmetros e métodos de cálculo fixados naquele laudo, fixando-se o justo montante indemnizatório a atribuir à expropriada pela parcela 12 em não mais do que €19.947,13.
16ª Também no que respeita à determinação da indemnização devida pela expropriação da parcela 14, o tribunal a quo adere acriticamente ao laudo pericial maioritário, considerando o aproveitamento da parcela para depósito de inertes a céu aberto em detrimento da sua aptidão natural para uso agrícola e florestal.
17ª A conclusão a que chegaram os senhores peritos quanto à utilização dada à data da DUP à parcela 14 terá resultado de informações prestadas pela expropriada, informações essas que, como tal, não foram comprovadas nos autos e, nessa medida, não podem ser consideradas para efeitos de determinação da justa indemnização devida pela expropriação da parcela 14.
18ª Neste mesmo sentido se pronunciou já o Tribunal da Relação de Guimarães que, em recente aresto, proferido em situação similar à dos presentes autos, concluiu que: “alegando o expropriado que, à data da DUP, utilizava a parcela de terreno objeto de expropriação como estaleiro, para exposição e comercialização de produtos do seu fabrico, que cessou tal atividade quando houve notícia daquela e a pedido da entidade expropriante e, com base nisso, pretendendo que, nos termos do art. 23º, nº 1, do CExp, tais circunstâncias e condições devem ser atendidas na fixação da justa indemnização e esta corresponder ao custo de terreno plenamente substitutivo daquele, compete-lhe demonstrar tal realidade, não servindo para tal o que dizem árbitros e peritos apenas porque lhes foi dito mas não observaram” – cf. Ac. RG de 18/02/2016, proferido no Proc. nº 287/11.3TBMCD.G1-1.ª, in www.dgsi.pt.
19ª À data da DUP, já a Pedreira ... se encontrava inativa há diversos anos, em consequência de se encontrar esgotado o seu Plano de …, o que aliás se infere do facto de a alteração nas plantas de condicionantes do PDM – posterior, como diz a expropriada, à existência da Pedreira – ter determinado a integração daquela área em Espaços Agrícolas, não incluídos na RAN e em REN.
20ª Nada nos autos evidencia que a parcela 14 fosse, à data da DUP, utilizada como depósito de inertes a céu aberto, sendo certo que a conclusão que nesse sentido é feita constar do relatório pericial e é subscrita na sentença recorrida resulta, como aí se refere expressamente, de informações que terão sido prestadas pela expropriada (mas em nenhum momento comprovadas).
21ª Contrariamente ao decidido pelo tribunal a quo, a justa indemnização devida pela expropriação da parcela 14 não pode deixar de ser apurada tendo em consideração as circunstâncias e condições de facto existentes na data da DUP, pelo que não poderiam os Senhores Peritos – e, nessa medida, também o tribunal a quo - deixar de proceder à avaliação da parcela 14 em função da sua utilização florestal, sob pena de violação do disposto no artigo 23º, nº 1 do CE e, consequentemente, do princípio da justa indemnização.
22ª Constatando-se que o laudo minoritário subscrito pelo perito indicado pela entidade expropriante avalia corretamente o valor do solo expropriado e não existindo qualquer outro elemento de prova nos autos que conteste a avaliação que no mesmo é feita, deverá a indemnização ser apurada em função dos parâmetros e métodos de cálculo fixados naquele laudo, fixando-se o justo montante indemnizatório a atribuir à expropriada pela parcela 14 em não mais do que €730,30 (ou, no limite, uma vez que a entidade expropriante não recorreu do respetivo acórdão arbitral, €2.619,70).
23ª Os Senhores Peritos apuraram um valor unitário do solo para a parcela 14, considerando a sua utilização para depósito de inertes, substancialmente superior ao valor unitário do solo que apuraram para a parcela 12, em função de uma suposta utilização para construção, circunstância que não pode deixar de contribuir para a conclusão de que os valores indemnizatórios apurados pelos Senhores Peritos no laudo maioritário não encontram qualquer respaldo na realidade do mercado imobiliário de imóveis com as características dos expropriados no concelho de X, à data da DUP.

Termina entendendo dever o recurso ser julgado provado e procedente, com as legais consequências.
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Pela expropriada AB ... – Betão e Rochas, S.A. foi apresentada resposta onde conclui entendendo dever o recurso interposto pela apelante ser julgado totalmente improcedente e, em consequência, ser mantida a sentença recorrida.
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Foram colhidos os vistos legais.
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F) As questões a decidir no recurso são as de saber se deverá ser alterada a indemnização fixada pela expropriação.
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II. FUNDAMENTAÇÃO

A) FACTOS PROVADOS

1. Por despacho nº 25494/2009 de Sua Excelência o Secretário de Estado Adjunto, das Obras Públicas e das Comunicações, datado de 11-11-2009, objeto de publicação no Diário da República, 2ª Série, nº 226 de 20-11-2009, foi declarada a utilidade pública com carácter de urgência da expropriação das parcelas necessárias à construção da obra da A4/IP4 - X (...)/Quintanilha – Lote nº 1 - X (...)/X Nascente (cfr. fls. 79 e 80 do apenso A e 47 e 48 dos presentes autos).
2. Entre as parcelas abrangidas pelo despacho acima identificado, encontram-se as seguintes parcelas:

a) Parcela 12, com a área de 8.561 m2, a destacar do prédio rústico sito no lugar de ..., freguesia de ..., concelho de X, descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº … e inscrito na respetiva matriz sob o artigo …; e
b) Parcela 14, com a área de 670 m2, a destacar do prédio rústico sito no lugar de ..., freguesia de ..., concelho de X, inscrito na matriz sob o artigo … da referida freguesia e omisso na Conservatória do Registo Predial ....
3. Em conformidade com o Plano Diretor Municipal de X (PDM), ratificado pela Resolução do Conselho de Ministros nº 63/93, de 8 de Novembro, em vigor à data da Declaração de Utilidade Pública (DUP), a parcela 12 encontra-se inserida em Espaços Agrícolas – Áreas Agrícolas Não Incluídas na Reserva Agrícola Nacional e parte na Reserva Ecológica Nacional e a parcela 14 encontra-se inserida em Espaços Agrícolas – Áreas Agrícolas não incluídas na RAN.
4. Do destaque da parcela 12 expropriada resultam duas áreas sobrantes, uma a Norte com 10.307 m2 e outra Sul cuja área não foi possível apurar.
5. De acordo com a v.a.p.r.m. a parcela 12 apresenta topografia com socalcos de solo franco-argiloso, terreno inculto, terreno agrícola de olival, laranjal e de vinha.
6. No que respeita à parcela 12, a área expropriada está toda inserida em “Espaços Agrícolas – áreas Agrícolas não incluídas na RAN”, sendo que na sua extrema poente e, em sobreposição é abrangida por REN numa área de 2.780 m2; a parcela sobrante a Norte, insere-se numa área muito reduzida em Espaços Urbanos, U1 – Cidade de X e na restante área em “Espaços Agrícolas –Áreas Agrícolas Não Incluídas em RAN”, sendo que no seu extremo Poente, em cerca de 516 m2 se sobrepõe com REN; a parcela sobrante Sul, insere-se toda ela em “Espaços Agrícolas –Áreas Agrícolas Não Incluídas em RAN”.
7. O prédio bem como a parcela (12) a destacar são servidos por vias públicas parcialmente infraestruturadas, nomeadamente a EN2 a Norte e o caminho público a Norte e Nascente.
8. O prédio é contiguo a Norte com área urbana (...), classificada no PDM em “Espaços Urbanos – U1-Cidade de X”, dista a Sul cerca de 300 metros do aglomerado urbano de Relvas, a Nascente tem próximo uma área habitacional edificada e a Norte é contiguo a solos pertencentes à expropriada.
9. De acordo com o PDM o prédio é servido a Norte por arruamento público pavimentado e dotado de redes de abastecimento de água, telefones e energia elétrica e a Nascente por arruamento público pavimentado, dotado de redes de abastecimento de energia elétrica e telefone.
10. Por sua vez, a parcela 14 é constituída por “patamares ligeiramente inclinados, e o solo de natureza areno argilosa encontrando-se coberto de mato e de vegetação de crescimento espontâneo sem qualquer valor económico”.
11. Do destaque da parcela expropriada resulta uma área sobrante a Sul de 48.780 m2, cujos limites completos não foi possível apurar.
12. A parcela 14 faz parte dos solos afetos à Pedreira nº ..., denominada “...”, mas não da área de exploração propriamente dita, embora lhe seja contígua.
13. À data da DUP, a parcela 14 encontrava-se inculta e sem vestígios de exploração de qualquer tipo de inertes.
14. Os acórdãos arbitrais recorridos atribuíram a título de justa indemnização os seguintes valores:
a) Para a parcela 12, o valor de €40.322,31 (quarenta mil trezentos e vinte e dois euros e trinta e um cêntimos);
b) Para a parcela 14, o valor de €2.619,70 (dois mil seiscentos e dezanove euros e setenta cêntimos).
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B) O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações da recorrente, não podendo o tribunal conhecer de outras questões, que não tenham sido suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.
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C) O recurso versa unicamente a reapreciação da decisão propriamente jurídica da causa, uma vez que não houve recurso da decisão da matéria de facto.

Refere a apelante que, realizada a peritagem, verificou-se que os Senhores Peritos erraram na análise dos elementos constantes dos autos relativamente à capacidade edificativa da parcela 12, que, por sua vez, determinou uma errada interpretação e aplicação dos normativos legais constantes do Código das Expropriações (CE), traduzindo o apuramento de um valor unitário do solo absolutamente desconforme com as características das parcelas expropriadas.

Diz ainda a apelante que “o tribunal a quo, aderindo ao laudo maioritário, classificou o solo da parcela 12 como apto para construção, considerando que o mesmo preenchia os pressupostos de que dependeria tal classificação.

Sucede que a análise dos elementos constantes dos autos e designadamente do relatório de vistoria ad perpetuam rei memoriam, que não mereceu qualquer reclamação por parte da expropriada, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 21º, nº 7 do CE, apenas poderia levar à conclusão de que o solo da parcela 12 deveria ser classificado como apto para outros fins e avaliado de acordo com o artigo 27º do CE.”

Começando pela referência ao nº 7 do artigo 21º do Código das Expropriações (CE), aí se refere que recebido o relatório, a entidade expropriante, no prazo de cinco dias, notificará o expropriado e os demais interessados por carta registada com aviso de receção, remetendo-lhes cópia do mesmo e dos respetivos anexos, para apresentarem reclamação contra o seu conteúdo, querendo, no prazo de cinco dias.

Daqui não decorre – ao contrário do que pretende fazer crer a apelante – qualquer efeito cominatório quanto à classificação jurídica das parcelas objeto de expropriação, feita pela vistoria ad perpetuam rei memoriam (vaprm).

Esta vistoria tem sobretudo uma valia fáctica, como decorre do nº 4 do artigo 21º CE, onde se diz que “o auto de vistoria ad perpetuam rei memoriam deve conter:

a) Descrição pormenorizada do local, referindo, designadamente, as construções existentes, as características destas, a época da edificação, o estado de conservação e, sempre que possível, as áreas totais construídas;
b) Menção expressa de todos os elementos suscetíveis de influírem na avaliação do bem vistoriado, nos termos dos artigos 23º e seguintes;
c) Plantas, fotografias ou outro suporte de captação da imagem do bem expropriado e da área envolvente;
d) Elementos remetidos ao perito nos termos do nº 8 anterior;
e) Respostas aos quesitos referidos no nº 10 anterior.”

Certamente que não estará vedado à vaprm pronunciar-se sobre aspetos jurídicos das parcelas expropriandas, mas, a apreciação jurídica que faça sobre tais questões, não vincula o tribunal.

Conforme se refere no Acórdão desta Relação de Guimarães de 28/06/2007, processo nº 1228/07-2, relatado pelo, então, Desembargador António Gonçalves, “a vistoria ad perpetuam rei memoriam não é a única prova a ter em conta no processo expropriativo e não é este o meio de prova que exclusivamente encerra a verdade absoluta sobre as características do imóvel expropriado - a vistoria é uma forma de prova pericial que tem por fim a perceção ou apreciação de factos por meio de peritos (artigos 388º, do C. Civil e 568º, n.º 1 do C.P.Civil), podendo a falta da vistoria ad perpetuam rei memoriam ser suprida por prova testemunhal e documental, nomeadamente fotográfica e topográfica, Ac. Relação de Lisboa de 29.11.1984; C. J.; IX, 4, 159, citado por Barreto Nunes in Código das Expropriações (na Jurisprudência), pág. 126/127 e assinalando-se que o relatório da vitoria ad perpetuam rei memoriam não é um documento autêntico, Ac. STJ de 27.10.1998, BMJ, 480º, 402.”

“O “quantum” do valor a atribuir a cada um dos bens expropriados é tarefa de técnicos (peritos); e ensina-nos a experiência que a questão de saber se determinado solo é apto ou não para a construção é tarefa de delicada natureza e que, embora se não esgotando na análise que do terreno se faz, o exame pericial é de primordial importância no contributo que para este objetivo o Julgador tem de ter em conta.

O perito surge na lide como um auxiliar do Juiz, ajudando-o na perceção ou apreciação de factos que exijam conhecimentos especiais e também como um agente de prova, sendo indispensável o seu auxílio no caso de estarmos perante a perceção de factos assente sobre conhecimentos especiais que a nós estão inacessíveis.”

Portanto daqui resulta que a classificação das parcelas a expropriar é a que resulta diretamente dos critérios estabelecidos no CE, com referência aos elementos físicos e características das parcelas expropriadas.
Afirma a apelante, citando o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 07/12/2009 proferido no processo 7142/07.0TBVNG.P1 que não ocorre no caso sub judicio qualquer efetiva e real potencialidade edificativa.

Vejamos.

Conforme se escreveu no Acórdão do Tribunal desta Relação de Guimarães de 10/05/2011 na apelação nº 2359/06.7TBVCT, “a propósito da indemnização por expropriação diz-nos o Dr. Fernando Alves Correia, em artigo publicado na Revista de Legislação e de Jurisprudência, nº 3905 e 3906, a páginas 231 e segs, que a justa indemnização é não apenas um pressuposto de legitimidade do ato expropriativo ou um elemento integrante do ato de expropriação, mas também a principal garantia do expropriado, sendo facilmente compreensível que a mesma constitua um campo de eleição da defesa dos direitos dos particulares afetados por aquele ato ablativo.

Refere ainda o mencionado Jurista, a páginas 232 da obra citada que “o conceito constitucional de “justa indemnização” leva implicado três ideias: a proibição de uma indemnização meramente nominal, irrisória ou simbólica; o respeito pelo princípio da igualdade de encargos; e a consideração do interesse público da expropriação.

“…No conceito de justa indemnização vai implicada necessariamente a observância do princípio da igualdade dos cidadãos perante os encargos públicos.

Uma indemnização justa (na perspetiva do expropriado) será aquela que, repondo a observância do princípio da igualdade violado com a expropriação, compense plenamente o sacrifício especial suportado pelo expropriado, de tal modo que a perda patrimonial que lhe foi imposta seja equitativamente repartida entre todos os cidadãos.

O princípio da igualdade, como elemento normativo inderrogável que deve presidir à definição dos critérios de indemnização por expropriação, desdobra-se em duas dimensões ou em dois níveis fundamentais de comparação: o princípio da igualdade no âmbito da relação interna e o princípio da igualdade no domínio da relação externa da expropriação.

No campo da relação interna da expropriação confrontam-se as regras de indemnização aplicáveis às diferentes expropriações.

Neste domínio o princípio da igualdade impõe ao legislador, na definição de regras de indemnização por expropriação, um limite inderrogável: não pode fixar critérios de indemnização que variem de acordo com os fins públicos específicos das expropriações, com os seus objetos e com o procedimento a que elas se subordinam.

O princípio da igualdade não permite que particulares colocados numa situação idêntica recebam indemnizações quantitativamente diversas ou que sejam fixados critérios distintos de indemnização que tratem alguns expropriados mais favoravelmente do que outros grupos de expropriados.”

Refere ainda o mesmo autor que no domínio da relação externa da expropriação se comparam os expropriados com os não expropriados, devendo a indemnização por expropriação ser fixada num montante tal que impeça um tratamento desigual entre os dois grupos.

E acrescenta que “o critério mais adequado ou mais apto para alcançar uma compensação integral do sacrifício patrimonial infligido ao expropriado e para garantir que este, em comparação com outros cidadãos não expropriados, não seja tratado de modo desigual e injusto, é o do valor do mercado, também denominado valor venal, valor comum ou valor de compra e venda do bem expropriado, entendido não em sentido estrito ou rigoroso, mas sim em sentido normativo.”
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Refere a apelante que o tribunal a quo, aderindo ao laudo maioritário, classificou o solo da parcela 12 como apto para construção, considerando que o mesmo preenchia os pressupostos de que dependeria tal classificação, no entanto, a análise dos elementos constantes dos autos e designadamente do relatório de vistoria ad perpetuam rei memoriam, apenas poderia levar à conclusão de que o solo da parcela 12 deveria ser classificado como apto para outros fins e avaliado de acordo com o artigo 27º do CE, vindo a ser unanimemente entendido na jurisprudência, que só os solos que se encontram em zonas classificadas como zonas urbanas ou urbanizáveis, por instrumento de gestão territorial, devem, por regra, ser classificados e, pois, valorizados como solos aptos para construção.

Vejamos.

Da matéria de facto provada resulta que a parcela 12 se encontra inserida em Espaços Agrícolas – Áreas Agrícolas Não Incluídas na Reserva Agrícola Nacional e parte na Reserva Ecológica Nacional e a parcela 14 encontra-se inserida em Espaços Agrícolas – Áreas Agrícolas não incluídas na RAN.
Quanto à classificação dos solos, o 25º CE estabelece:

1 – Para efeitos do cálculo da indemnização por expropriação, o solo classifica-se em:

a) Solo apto para a construção;
b) Solo para outros fins.

2 – Considera-se solo apto para a construção:

a) O que dispõe de acesso rodoviário e de rede de abastecimento de água, de energia elétrica e de saneamento, com características adequadas para servir as edificações nele existentes ou a construir;
b) O que apenas dispõe de parte das infraestruturas referidas na alínea anterior, mas se integra em núcleo urbano existente;
c) O que está destinado, de acordo com instrumento de gestão territorial, a adquirir as características descritas na alínea a);
d) O que, não estando abrangido pelo disposto nas alíneas anteriores, possui, todavia, alvará de loteamento ou licença de construção em vigor no momento da declaração de utilidade pública, desde que o processo respetivo se tenha iniciado antes da data da notificação a que se refere o nº 5 do artigo 10º.

3 – Considera-se solo para outros fins o que não se encontra em qualquer das situações previstas no número anterior.

Como se refere na decisão recorrida, “no caso dos autos, a parcela 12 encontra-se em zona classificada de “Espaços Agrícolas- Áreas Agrícolas Não Incluídas na RAN”, o prédio é servido por vias públicas parcialmente infraestruturadas; é contiguo a Norte com área urbana (...), classificada no PDM em “Espaços Urbanos- U1- Cidade de X, dista a sul, cerca de 300 metros do aglomerado urbano de Relvas, é servido a Norte por arruamento público pavimentado e dotado de redes de abastecimento de água, telefones e energia elétrica e a Nascente por arruamento público dotado de redes de energia elétrica e telefone, pelo que se entende que de acordo com o artigo 27º do Regulamento do PDM, poderia ser aplicado na construção para fins habitacionais, de construção e exploração agrícola, turísticos e industriais ou de armazenagem.

Como ensina Alves Correia, (in “A Jurisprudência do Tribunal Constitucional sobre Expropriações por Utilidade Pública e o Código das Expropriações de 1999”, Revista de Legislação e de Jurisprudência, n.ºs 3911 e 3912, p. 50 e 51) o artigo 25º do Código das Expropriações dá-nos “(…) um critério concreto de potencialidade edificativa. Na definição do solo apto para construção, teve o legislador em conta, como não podia deixar de ser, elementos certos e objetivos, espelhados na sua dotação de acesso rodoviário e de rede de abastecimento de água, de energia elétrica e de saneamento, com características adequadas para servir as edificações nele existentes ou a construir – artigo 25º, nº 2, al. a) –, na disposição pelo mesmo de parte das mencionadas infraestruturas, mas estando integrado em núcleo urbano existente – artigo 25º, nº 2, al. b) –, na sua destinação, de acordo com instrumento de gestão territorial, a ser dotado das referidas infraestruturas – artigo 25º, nº 2, al. c) – ou na cobertura do mesmo por alvará de loteamento ou licença de construção em vigor no momento da declaração de utilidade pública, mesmo que não esteja dotado das apontadas infraestruturas, nem integrado em núcleo urbano existente, nem esteja destinado por instrumento de gestão territorial a ser beneficiado com as citadas infraestruturas, desde que o procedimento do licenciamento do loteamento ou do licenciamento da construção se tenha iniciado antes da data da notificação da resolução de requerer a expropriação – artigo 25º, nº 2, al. d).”.

Pelo exposto, entendemos que, pela observação e ponderação feitas e pela aplicação dos critérios legais – artigo 25º, nº 2, al. b) do Código das Expropriações –, a parcela expropriada deve ser considerada como solo apto para a construção.”

O critério para a definição da classificação do solo como apto para a construção ou para outros fins, é feito de uma forma positiva, verificada uma das situações do nº 2 do referido artigo ou residualmente, isto é, não se verificando nenhuma das situações mencionadas, então, considera-se que o solo deve ser classificado como solo para outros fins.

E, como é bom de ver, para que se possa considerar-se solo apto para construção é necessário, passe a redundância, que seja possível construir-se no mesmo, isto é, que os instrumentos legais permitam que aí se edifique.

A apelante invoca o já referido Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 12/07/2009 proferido no proc. 7142/07.0TBVNG.P1, onde se refere que “só os solos que se encontram em zonas classificadas como zonas urbanas ou urbanizáveis, por instrumento de gestão territorial, devem, por regra, ser classificados e, pois, valorizados como solos aptos para construção”.

Ora, a doutrina do referido acórdão em nada contraria o decidido na sentença recorrida, uma vez que, no que se refere à parcela 12, aí se mencionou que, “de acordo com o artigo 27º do Regulamento do PDM, poderia ser aplicado na construção para fins habitacionais, de construção e exploração agrícola, turísticos e industriais ou de armazenagem,” pelo que, pelo menos uma parte, se situa em zona urbanizável, isto é, em que é possível a construção.

Diz a apelante que no caso concreto da parcela 12, a possibilidade de aí haver construções está dependente de um conjunto de pressupostos objetivos e subjetivos, do domínio da discricionariedade do município, simplesmente qualquer construção que se pretenda desenvolver carece sempre de autorização, entre outros, do município respetivo, que, com maior ou menor discricionariedade, ou rigor, autoriza, não autoriza, ou condiciona a construção, podendo, naturalmente, tais decisões serem sindicadas.

Não se pode, assim, afirmar que na parcela 12 não ocorre qualquer efetiva e real capacidade edificativa nem existe qualquer expectativa razoável de vir a ser possível edificar aí, conforme acima se referiu, tendo em conta o que consta do PDM de X no artigo 27º nº 3 a 7 (referimo-nos, naturalmente ao Regulamento do PDM de X aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros nº 63/93, de 07/10/1993).

No entanto há uma questão a que não pode deixar de se dar razão à apelante e que tem a ver com o facto de a parcela 12 se encontrar inserida em Espaços Agrícolas – Áreas Agrícolas Não Incluídas na Reserva Agrícola Nacional e parte na Reserva Ecológica Nacional.

No Acórdão de Uniformização de Jurisprudência nº 6/2011 do de Supremo Tribunal de Justiça, de 7 de abril de 2011, http://www.dgsi.pt, proc. n.º 1839/06.9TBMTS.P1.S1, foi fixada a orientação de que “os terrenos integrados, seja em Reserva Agrícola Nacional (RAN), seja em Reserva Ecológica Nacional (REN), por força do regime legal a que estão sujeitos, não podem ser classificados como «solo apto para construção», nos termos do art.º 25º, n.º 1, alínea a) e 2 do Código das Expropriações, aprovado pelo art.º 1º da Lei 168/99, de 18 de setembro, ainda que preencham os requisitos previstos naquele nº 2.

Assim sendo, há que ter em conta que, relativamente à mesma parcela 12, uma área de 2.780 m2 está inserida na REN, onde não é possível construir-se.

No que se refere aos laudos periciais, não houve unanimidade quanto a todos os peritos, na medida em que, por um lado, o laudo maioritário foi subscrito pelos três peritos designados pelo tribunal e pelo indicado pela expropriante, enquanto que o perito indicado pela expropriada divergiu quanto ao respetivo laudo.

Conforme se escreveu no Acórdão desta Relação de Guimarães de 09/11/2017, no processo nº 1445/09.6TBBCL.G2, “importaria, então, ter em consideração o entendimento dominante que vem sendo seguido pela nossa jurisprudência, de que é exemplo o Acórdão da Relação de Coimbra de 31/05/2011, na apelação nº 1197/05.9TBGRD.C2, disponível em www.dgsi.pt, onde se refere que “a liberdade da apreciação da prova realiza-se na sua ponderação racional e criticamente fundamentada, feita de acordo com as regras da experiência comum, e, de acordo com essas regras, quando se verifica a divergência entre os peritos na expropriação, invariavelmente o relatório do perito do expropriado defende o valor mais elevado, o relatório do perito da entidade expropriante defende o valor mais baixo, preconizando o relatório dos peritos da lista oficial nomeados pelo tribunal, um valor situado entre os restantes.

Não há memória nos tribunais, da situação inversa, da intransigente defesa do valor mais elevado pelo perito da entidade expropriante, e do valor mais baixo pelo perito do expropriado.

A repetida constatação deste facto tem legitimado a conclusão, geralmente aceite nos tribunais, de que o julgador deverá valorizar mais o laudo maioritário, não só por ser subscrito por uma maioria do colégio pericial (critério que, de per se, já seria de considerar), mas também por essa maioria estar mais afastada, mais equidistante dos interesses em conflito.

Depois de analisar o relatório pericial maioritário, de forma objetiva e crítica, e de concluir pela solidez das suas premissas e conclusões, explicitadas nos documentos anexos e nos esclarecimentos prestados às partes, constatando a sua maior credibilidade face aos relatórios individuais subscritos pelos restantes peritos, o tribunal deverá alicerçar a fixação da justa indemnização no referido relatório maioritário.”

Também no apontado sentido, cfr. Acórdão da Relação de Coimbra de 12/03/2013, a apelação nº 1412/08.7TBCVL.C2, onde se refere que “apesar de o juiz não estar vinculado aos laudos apresentados pelos peritos e apesar de ter o dever de os analisar criticamente, verificando, designadamente, a sua conformidade com os critérios legais, a verdade é que, no que toca às questões técnicas que constituem o cerne da avaliação, o julgador não estará, por regra, habilitado a contrariar as conclusões dos peritos e a formular o seu próprio juízo técnico.

Assim, existindo laudos divergentes e não possuindo o juiz quaisquer conhecimentos ou elementos concretos que lhe permitam aferir qual deles tem melhor aptidão para alcançar o valor da justa indemnização, justifica-se que considere ou adira ao laudo maioritário ou ao laudo dos peritos do Tribunal por se dever presumir que as conclusões subscritas por um número maior de peritos, reunindo maior consenso, terão maior aptidão para atingir aquele objetivo ou que os peritos do Tribunal, não tendo sido indicados pelas partes e não tendo com elas qualquer ligação, oferecem melhores garantias de isenção e imparcialidade, estando, por isso, em melhores condições de, com objetividade e isenção, determinar o justo valor da indemnização.”

Daí que se justifique a adesão do tribunal ao laudo maioritário referido.

Importa notar que se provou, nomeadamente, que a parcela 12, tem a área de 8.561 m2, a destacar do prédio rústico sito no lugar de ..., freguesia de ..., concelho de X, descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº … e inscrito na respetiva matriz sob o artigo … e a parcela 14, tem a área de 670 m2, a destacar do prédio rústico sito no lugar de ..., freguesia de ..., concelho de X, inscrito na matriz sob o artigo … da referida freguesia e omisso na Conservatória do Registo Predial ....

Por outro lado, de acordo com o Plano Diretor Municipal de X (PDM), a parcela 12 encontra-se inserida em Espaços Agrícolas – Áreas Agrícolas Não Incluídas na Reserva Agrícola Nacional e parte na Reserva Ecológica Nacional e a parcela 14 encontra-se inserida em Espaços Agrícolas – Áreas Agrícolas não incluídas na RAN.

Do destaque da parcela 12 expropriada resultam duas áreas sobrantes, uma a Norte com 10.307 m2 e outra Sul cuja área não foi possível apurar, apresentando aquela parcela topografia com socalcos de solo franco-argiloso, terreno inculto, terreno agrícola de olival, laranjal e de vinha.

No que respeita à parcela 12, a área expropriada está toda inserida em “Espaços Agrícolas – áreas Agrícolas não incluídas na RAN”, sendo que na sua extrema poente e, em sobreposição é abrangida por REN numa área de 2.780 m2; a parcela sobrante a Norte, insere-se numa área muito reduzida em Espaços Urbanos, U1 – Cidade de X e na restante área em “Espaços Agrícolas –Áreas Agrícolas Não Incluídas em RAN”, sendo que no seu extremo Poente, em cerca de 516 m2 se sobrepõe com REN; a parcela sobrante Sul, insere-se toda ela em “Espaços Agrícolas –Áreas Agrícolas Não Incluídas em RAN”.

O prédio bem como a parcela (12) a destacar são servidos por vias públicas parcialmente infraestruturadas, nomeadamente a EN2 a Norte e o caminho público a Norte e Nascente, sendo o prédio contiguo a Norte com área urbana (...), classificada no PDM em “Espaços Urbanos – U1-Cidade de X”, dista a Sul cerca de 300 metros do aglomerado urbano de Relvas, a Nascente tem próximo uma área habitacional edificada e a Norte é contiguo a solos pertencentes à expropriada.

Esse prédio é servido a Norte por arruamento público pavimentado e dotado de redes de abastecimento de água, telefones e energia elétrica e a Nascente por arruamento público pavimentado, dotado de redes de abastecimento de energia elétrica e telefone.

Por sua vez, a parcela 14 é constituída por “patamares ligeiramente inclinados, e o solo de natureza areno argilosa encontrando-se coberto de mato e de vegetação de crescimento espontâneo sem qualquer valor económico”.

Do destaque da parcela expropriada resulta uma área sobrante a Sul de 48.780 m2.

A parcela 14 faz parte dos solos afetos à Pedreira nº ..., denominada “...”, mas não da área de exploração propriamente dita, embora lhe seja contígua e, à data da DUP, a parcela encontrava-se inculta e sem vestígios de exploração de qualquer tipo de inertes.

Assim sendo, decorre que, no que se refere à parcela 12, 5.781m2 é solo apto para construção, para fins industriais ou de armazenagem (artigo 27º nº 7 RPDM) e os restantes 2.780m2 terão de ser considerados como solo apto para outros fins, para atividades vitivinícolas e/ou agrícolas tradicionais, conforme era utilizado à data da vaprm.

No que se refere à área apta para construção, de acordo com o RPDM de X, a área de implantação não deve4 exceder 30% da área do terreno, limitando a impermeabilização do solo a 50% da área, adotando-se como índice de ocupação 0,3m2/m2, considerando-se, para o tipo de construção, o valor de €400,00/m2.

Tendo em conta a localização , a qualidade ambiental e os equipamentos , entende-se adequada a fixação do fator previsto no artigo 26º nº 6 CE em 10% e, para o fator previsto no nº 7 do mesmo artigo, tendo em conta a existência de acesso rodoviário pavimentado e de rede de energia elétrica, o valor de 2,5%, o que perfaz um total de 12,5%, para a soma dos dois fatores referidos, estimando-se uma percentagem de encargos de 30%, para a construção, obtemos um valor de €60.700,50, para o ressarcimento da parcela em questão.

No que se refere à parcela de 2.780m2, relativa ao solo apto para outros fins, que se destinava predominantemente às atividades agrícolas e pecuárias e tendo em conta as suas características, calculando o seu destino para vinha, estimando uma produção de 7.500 kg/ha/ano, para um valor de 0,60€/kg, para um rendimento de 4.500,00€/ha/ano, para um valor de encargos de 60%, para um rendimento fundiário de 1.800,00€/ha/ano e para uma taxa de capitalização de 4%, obtemos um valor de 4,50€/m2, pelo que o valor indemnizatório da parcela será de €12.510,00.

No que se refere às parcelas sobrantes, na parcela sobrante norte, com a área de 10.307m2, a via que motiva a expropriação implica a existência de uma servidão non aedificandi numa área de cerca de 6.100m2, restando, assim cerca de 4.207m2 e tendo em conta o índice de construção adotado de 0,30m2/m2 a área de construção seria de 3.092,10m2, uma vez que esta parcela mantem a mesma capacidade construtiva que detinha antes da expropriação, não resulta a existência de qualquer desvalorização.

No que se refere à parcela sobrante sul inserida em Espaços Agrícolas - Áreas Agrícolas Não Incluídas na RAN, dispõe de uma área a norte/nascente, contígua à parcela expropriada e ao caminho público não abrangido por REN, com cerca de 8.245m2, sendo que a servidão constituída pela via que motivou a expropriação abrange cerca de 6.700m2 da área não abrangida por REN, restando, assim, cerca de 1.545m2 e, tendo em conta o índice de construção adotado de 0,30m2/m2, a área de construção seria de 2.473,50m2.

Uma vez que a área não abrangida pela servidão non aedificandi seria de 1.545m2 a parcela perde uma parte da sua capacidade construtiva, passando o índice de construção máxima possível para 0,187m2/m2, sofrendo a parcela uma desvalorização de 37,67%, que atinge o valor de €32.611,86.

Ascende, assim, o valor da indemnização total relativa à parcela 12, ao montante de €105.822,36.
No que se refere à parcela 14, a mesma tem a área de 670m2, destacada de um prédio com a área de 49.450m2, da qual resulta, assim, uma área sobrante a sul de 48.780m2 e está inserida na planta de ordenamento do PDM de X em Espaços Agrícolas – Áreas Agrícolas não incluídas na RAN e, na planta de condicionantes, na mancha de solos afetos a exploração de pedreiras, sendo, assim de considerar um rendimento líquido de 0,10€/m2/mês, pelo que, capitalizado o rendimento anual à taxa de 7%, o valor unitário do solo é de 17,14€/m2, sendo o valor da parcela expropriada de €11.483,80, não resultando desvalorização da parcela sobrante.

Ascende, assim, ao montante global de €117.306,16, o valor da indemnização global devida à expropriada, acrescido da legal indemnização, que terá de ser atualizado à data da decisão final do processo de acordo com a evolução do índice de preços no consumidor, com exclusão da habitação.

Isto é, o valor da indemnização obtida corresponde ao valor fixado na sentença recorrida, motivo pelo qual a mesma terá de ser confirmada e, em consequência julgada improcedente a apelação.
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D) Em conclusão e sumariando:

1) A vistoria ad perpetuam rei memoriam tem, sobretudo, uma valia fáctica;
2) A classificação das parcelas a expropriar é a que resulta diretamente dos critérios estabelecidos no CE, com referência aos elementos físicos e características das parcelas expropriadas;
3) Para se saber qual das classificações se deverá atribuir ao solo da parcela expropriada, a lei utilizou um critério misto, onde define, positivamente, os requisitos que, verificando-se, permitem considerar que estamos perante um solo apto para construção e um critério negativo ou residual, que considera que, não se verificando nenhuma das situações que permitem considerar o solo como apto para construção, então estaremos perante um solo para outros fins.
4) Existindo laudos divergentes e não possuindo o juiz quaisquer conhecimentos ou elementos concretos que lhe permitam aferir qual deles tem melhor aptidão para alcançar o valor da justa indemnização, justifica-se que considere ou adira ao laudo maioritário ou ao laudo dos peritos do Tribunal por se dever presumir que as conclusões subscritas por um número maior de peritos, reunindo maior consenso, terão maior aptidão para atingir aquele objetivo ou que os peritos do Tribunal, não tendo sido indicados pelas partes e não tendo com elas qualquer ligação, oferecem melhores garantias de isenção e imparcialidade, estando, por isso, em melhores condições de, com objetividade e isenção, determinar o justo valor da indemnização.
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III. DECISÃO

Pelo exposto, acorda-se em julgar a apelação improcedente e confirmar a douta sentença recorrida.
Custas pela apelante.
Notifique.
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Guimarães, 14/02/2019

Figueiredo de Almeida
Maria Cristina Cerdeira
Raquel Baptista Tavares