Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1512/22.0PBBRG.G1
Relator: ANABELA VARIZO MARTINS
Descritores: INIMPUTABILIDADE
PERIGOSIDADE
MEDIDA DE SEGURANÇA
INTERNAMENTO
SUSPENSÃO DO INTERNAMENTO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 02/20/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO PENAL
Sumário:
I- São três os pressupostos da aplicação de uma medida de segurança de internamento: prática de um facto ilícito típico; por quem, no momento da prática do facto e por força de uma anomalia psíquica, era incapaz de avaliar a ilicitude deste ou de se determinar de acordo com essa avaliação e; sempre que, por virtude da anomalia psíquica e da gravidade do facto praticado, houver fundado receio de que venha a cometer outros factos da mesma espécie. É ainda necessário observar o nº 3 do art.º 40º do Código Penal que prevê que a medida de segurança só pode ser aplicada se for proporcional à gravidade do facto e à perigosidade do agente.

II- O perigo de vir a cometer no futuro novos factos ilícitos-típicos. não se traduz na mera possibilidade de repetição, nem uma repetição de ilícitos-típicos de qualquer espécie, antes um perigo específico de repetição de ilícitos-típicos ligados à espécie do praticado, ou seja, «o fundado receio de que o agente venha a cometer outros factos da mesma espécie da do facto ilícito-típico que é pressuposto daquela aplicação” (Prof. Figueiredo Dias.

III- A declaração de perigosidade e aplicação da medida de segurança de internamento dependem, fundamentalmente, da formulação de um juízo de prognose baseado no conteúdo de perícias psiquiátricas e sobre a personalidade, nas estatísticas científicas e na experiência e no bom senso do julgador.

IV- Também no âmbito das medidas de segurança vigora, o princípio da subsidiariedade da aplicação das medidas detentivas, privativas da liberdade, pelo que estas só se justificam como ultima ratio, cedendo perante a possibilidade de aplicação no caso concreto de medidas não detentivas, desde que se revelem suficientes e adequadas para acautelar a perigosidade criminal do delinquente inimputável.
A suspensão da execução da medida de internamento constituiu uma medida substitutiva da medida de internamento que visa o tratamento do inimputável através de regime ambulatório ao invés de estabelecimento fechado.
Mostrando-se viável a formulação de um juízo de prognose favorável de que o agente inimputável conseguirá em meio livre obter o tratamento necessário para debelar a sua perigosidade criminal, ou seja, para que se abstenha do previsível cometimento de novos factos típicos de natureza semelhante aos que determinaram a aplicação da medida de segurança, o Tribunal deve suspender a execução do ordenado internamento, nas condições previstas no citado art.º 98º do C. Penal.

V No caso sub judice, da factualidade provada, de que se destaca o facto de o arguido apresentar várias fragilidades ao nível das suas condições pessoais e sociais, de organização e gestão do seu quotidiano, os seus problemas de saúde mental, de manter consumos aditivos e evidenciar dificuldade em cumprir com o tratamento médico (em tomar a medicação que lhe é prescrita), não se pode concluir que o arguido em liberdade, ainda que fiscalizado pela DGRSP, venha a cumprir as medidas que lhe são aplicadas e assim possa ser alcançada a finalidade da medida de segurança de internamento, que é evitar que venha a cometer novos ilícitos. Não é, assim, possível formular um juízo de prognose favorável de que o arguido consiga em meio livre obter o tratamento necessário para debelar a sua perigosidade criminal.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, os Juízes na Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães:

I. RELATÓRIO

 I.1.No processo comum com a intervenção do Tribunal Singular n.º 1512/22....., que corre termos no Juízo Local Criminal ... - JUIZ ..., do Tribunal Judicial da Comarca ..., realizado julgamento, foi proferida sentença, no dia 10 de Outubro de 2023, depositada no mesmo dia, com o seguinte dispositivo (que se transcreve, na parte que releva):

“A) Julgar a acusação improcedente, por não provada, e em conformidade absolver o arguido AA da prática de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo art.º 152.º n.º 1 al. d) e n.º 2 al. a) do C.Penal;
B) Julgar provada a prática pelo arguido AA de factos susceptíveis de integrar o crime de violência doméstica, p. e p. pelo art.º 152.º n.º 1 al. d) e n.º 2 al. a) do C.Penal;
C) Declarar o arguido AA inimputável perigoso, nos termos do art.º 20.º n.º 1 do C.Penal;
D) Determinar o internamento e tratamento do arguido AA em estabelecimento de tratamento adequado à sua patologia até que cesse o seu estado de perigosidade social, pelo período mínimo de dois anos e máximo de cinco anos;”

I.2. Inconformado com essa decisão, dela veio o arguido interpor recurso, apresentando a respectiva motivação, que finalizou com as seguintes conclusões e petitório que se transcrevem:
“I. Interpõe AA, recurso da douta Sentença proferida pelo Exmo. Senhor Juiz do TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA ..., Juízo Local Criminal ... – JUIZ ..., PROC. Nº 1512/22...., que, entre o mais, aplicou ao ora Recorrente AA, em sede condenatória: (…) B) julgar provada a prática pelo arguido AA de factos susceptíveis de integrar o crime de violência doméstica previsto e punido pelo artigo 152, número 1, alínea d) número 2, alínea a) do Código Penal. C) declarar, o arguido AA, inimputável, perigoso nos termos do artigo 20, número 1 do Código Penal. D) determinar o internamento e tratamento do arguido AA em estabelecimento de tratamento adequado à sua patologia até que cesse o estado perigoso idade social pelo período mínimo de 2 anos e máximo de 5 anos. E) condenar o arguido no pagamento da quantia de 1500 EUR a BB, a título de indemnização arbitrada nos termos do disposto no artigo 82-A do Código de Processo Penal. F) condenar o arguido no pagamento das custas criminais que se fixam em 2 UCS conforme o disposto nos artigos 513 e 514, número 1 do Código Penal e artigo 8 da tabela 3 do regulamento das custas processuais.
II. Salvo o devido respeito por opinião superior, não pode o Recorrente avir-se com o teor da sentença de que ora se recorre, no que tange designadamente, à imposição de medida de segurança, não suspensa na sua execução.
III. Fica dos autos que o arguido padece de doença mental – esquizofrenia – foi o mesmo declardo inimputável, e uma vez que é inimputável, cumpre então aferir da necessidade de aplicação de uma medida de segurança de internamento.
IV. Preceitua o artigo 91º, nº 1, do Código Penal que “se houver fundando receio de que venha a cometer outros factos da mesma espécie”, o Tribunal determinará o internamento do inimputável.
V. A aplicação de uma medida de segurança exige, por isso, que se constate a gravidade do facto praticado pelo arguido e a perigosidade do agente.
VI. In casu, atendendo à factualidade descrita em sede de sentença – que o arguido padece de doença esquizofrencia, e, em especial, atendendo que inexiste qualquer relatório pericial, dúvidas subsistem para o Tribunal de que é manifesta a perigosidade do arguido.
VII. Efetivamente, atenta a fraca prova nos autos quanto à perigosidade do agente, atendendo às agora condições pessoais do arguido, a circunstância de padecer de um quadro de esquizofrenia, conclui-se que existe não existe fundado receio de que venha a cometer outros factos da mesma natureza, até porque, também já não coabita com a progenitora, e nem o arguido tem antecedentes criminais.
VIII. Pelo que, em face do exposto, entendemos que não se verifica o pressuposto da perigosidade plasmado no artigo 91.º, n.º 1 do CP
IX. Sem prescindir do alegado, se assim, não se entender, sempre se referirá, que a verificar-se o disposto no artigo 91º, nº 2, do Código Penal, o limite mínimo da medida de segurança a aplicar ao arguido é de dois anos.
X. De acordo com o disposto no artigo 98º, nº 1 do CP, o Tribunal que ordenar o internamento determina, em vez dele, a suspensão da sua execução se for razoavelmente de esperar que com a suspensão se alcance a finalidade da medida.
XI. No caso previsto no n.º 2 do artigo 91.º do CP, a suspensão só pode ter lugar verificadas as condições aí enunciadas (artigo 98º, nº 2 do CP).
XII. A mais disso, o n.º 3 deste normativo prescreve que a decisão de suspensão impõe ao agente regras de conduta, em termos correspondentes aos referidos no artigo 52º, necessárias à prevenção da perigosidade, bem como o dever de se submeter a tratamentos e regimes de cura ambulatórios apropriados e de se prestar a exames e observações nos lugares que lhe forem indicados.
XIII. O agente a quem for suspensa a execução do internamento é colocado sob vigilância tutelar dos serviços de reinserção social, sendo correspondentemente aplicável o disposto nos artigos 53.º e 54.º do CP (artigo 98.º, n.º 4 do CP).
XIV. O regime da suspensão da medida de segurança plasmado no artigo 98º do CP tem subjacente a realização do princípio da menor intervenção que deve estar presente, sempre que possível, no momento da aplicação de qualquer pena ou medida de segurança que implique restrição da liberdade.
XV. Assim, entende o Recorrente que devidamente acompanhado pela DGRSP com articulação com o hospital em consulta de especialidade e seguindo a mesma um plano que lhe for definido pela DGRSP e as indicações que lhe forem sendo dadas no âmbito das aludidas consultas, se pode lograr neutralizar a sua perigosidade.
XVI. Somos a crer que sendo o arguido designadamente seguido em consulta de psiquiatria, com o cumprimento escrupuloso por parte da mesma dos tratamentos que lhe sejam eventualmente prescritos apresentará um comportamento estável e equilibrado, sendo mais fácil prevenir períodos de crise, desorientação e descontrolo.
XVII. Em face do exposto, uma vez que nos termos do disposto nos nsº 3 e 4 do artigo 98º do CP, a decisão de suspensão impõe ao agente regras de conduta necessárias à prevenção da perigosidade, bem como o dever de se submeter a tratamentos e regimes de cura ambulatórios apropriados, sob vigilância da Direção Geral de Reinserção Social, in casu, e por forma a prevenir a perigosidade da prática de novos delitos por parte do arguido.
XVIII. Pelo que, em face do exposto, tudo visto e ponderado, o tribunal a quo deveria ter suspenso a execução da medida de internamento aplicada com orientação e controlo do departamento de psiquiatria que vier a ser indicado pela DGRSP em conjugação e coordenação com a vigilância tutelar dessa entidade, ficando esta obrigada a seguir as suas indicações, ter acompanhamento psiquiátrico; e a consultas com eventual medicação e/ou tratamentos médicos específicos nos lugares que lhe foram indicados
XIX. Pois, no entender do recorrente, a aplicação do internamento não é proporcional às circunstâncias do caso, nem tão-pouco a medida encontrada de e a 5 anos é legal e proporcional.
XX. É através da medida de internamento, a ordem jurídica reage à perigosidade da pessoa que cometeu o facto ilícito típico, mas sem culpa, em razão da anomalia psíquica de que padece.
XXI. Nos termos do n.º 1 do art.º 99.º do CP:«1 - O tribunal que ordenar o internamento determina, em vez dele, a suspensão da sua execução se for razoavelmente de esperar que com a suspensão se alcance a finalidade da medida».
XXII. Trata-se de uma concretização do princípio da subsidiariedade (art.º 18.º da CRP).
XXIII. A medida mais gravosa (de internamento) há-de considerar- se desnecessária quando a medida menos onerosa (de suspensão do internamento) serve de um modo adequado e suficiente a finalidade de proteção dos bens jurídicos face à perigosidade do agente.
XXIV. Trata-se, portanto, de uma medida de substituição, para cuja aplicação se revela necessário que o tribunal conclua, previamente, pela verificação dos pressupostos da medida do internamento.
XXV. Dito isto e retomando o caso dos autos, o arguido não tem antecedentes criminais e não lhe foi aplicada qualquer medida de segurança por decisão transitada, conquanto,
XXVI. Deve a sentença revidenda ser revogada e ser substituída por outra que submeter o arguido à regra de conduta de acompanhamento psiquiátrico regular, com eventual tratamento médico caso assim seentenda necessário.

NESTES TERMOS E NOS DEMAIS EM DIREITO QUE OS SENHORES JUÍZES DESEMBARGADORES MUI PROFICIENTEMENTE SUPRIRÃO, DEVE O PRESENTE RECURSO SER RECEBIDO E PROVADO, E EM CONSEQUÊNCIA, DEVE SER O MESMO SER CONSIDERADO PROCEDENTE IN TOTUM, ASSIM, E COMO SEMPRE, SE FAZENDO A COSTUMADA JUSTIÇA!

A SIGNATÁRIA PRATICA O PRESENTE ATO PROCESSUAL NO 3º DIA ÚTIL SEGUINTE AO PRAZO LEGALMENTE ESTABELECIDO, PELO QUE VALIDA A SUA INTERVENÇÃO ATRAVÉS DA LIQUIDAÇÃO DA MULTA A QUE ALUDE O ART. 107-A, ALINEA C) DO C.P.P.”

I.3 O Ministério Público, em 1ª instância, respondeu ao recurso, em que conclui que deve improceder e, consequentemente, manter-se a decisão da efectividade da medida de segurança de internamento aplicada, sem prejuízo de se determinar a revogação da sentença recorrida na parte em que fixou em dois anos, o limite mínimo da medida de segurança de internamento aplicada ao arguido/inimputável, não se fixando limite mínimo.

I.4.Nesta instância o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, emitiu parecer no sentido de que o recurso deve improceder na totalidade, porquanto:
- Não se provaram factos que nos permitam fundar uma convicção positiva quanto a ser razoavelmente de esperar que, através da suspensão da execução da medida de internamento, se alcancem os objectivos imediatos de prevenção especial de recuperação social do recorrente; e
- Quanto à questão aventada pelo Exmo. Procurador da República no que tange ao limite mínimo da medida de segurança de internamento, dir-se-á simplesmente que se trata de temática que não foi sequer questionada pelo recorrente que, neste particular, concordou expressamente com a decisão recorrida (cfr. a conclusão IX, onde se diz que “a verificar-se o disposto no art.º 91.º, n.º 2, do Código Penal, o limite mínimo da medida de segurança de internamento a aplicar ao arguido é de dois anos”).

I.5.Cumprido o disposto no art.º 417º, nº 2, do CPP, não foi apresentada resposta.

I.6. Colhidos os vistos, procedeu-se à realização da conferência, por o recurso aí dever ser julgado - artigo 419º, nº 3, al. c), do Código de Processo Penal.

II- FUNDAMENTAÇÃO

1 – OBJECTO DO RECURSO

A jurisprudência do STJ  firmou-se há muito no sentido de que é pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação que apresenta que se delimita o objecto do recurso, devendo a análise a realizar pelo Tribunal ad quem circunscrever-se às questões aí suscitadas, sem prejuízo do dever de se pronunciar sobre aquelas que são de conhecimento oficioso.[1]
Assim, atentas as conclusões formuladas pelo recorrente, as questões a decidir, por precedência lógica, são as seguintes:
1.A existência de perigosidade criminal;
2. A Suspensão da execução do internamento.

2- DA DECISÃO RECORRIDA
Factos provados, não provados e motivação da decisão de facto ( transcrição):
“1) O arguido nasceu a ../../1984 e é filho de BB e de CC;
2) O arguido consome produtos estupefacientes.
3) O arguido padece de esquizofrenia;
4) BB nasceu a ../../1951 e padece de hipertensão essencial, de carcinoma epidermoide invasor da amígdala esquerda (desde 2011), de presbiacusia e, ainda, de doença do foro psíquico, tendo sido internada, em ../../2022, no serviço de Psiquiatria do Hospital ... e posteriormente numa unidade de cuidados continuados;
5) Em 2016 sofreu um aneurisma;
6) No ano de 2013, o arguido foi trabalhar para ..., tendo ali permanecido seis meses;
7) No entanto, quando se encontrava naquele país, o arguido começou a ter surtos psicóticos, tendo necessidade de ser embarcado para Portugal em camisa de forças, acabando internado;
8) Desde então, o arguido passou a residir com BB, até ../../2022 (data em que esta foi internada), em casa desta, sita no Bairro ..., ...;
9) Uma vez a residir em casa da sua mãe, o arguido passou a retirar todos os objectos de valor do interior da residência, nomeadamente, duas televisões, um estendal, uma box e um par de brincos de ouro (pertença de BB), por forma a obter dinheiro para comprar produto estupefaciente;
10) Desde 2014, em datas que não é possível concretizar, quando o efeito do injectável que o arguido toma começa a passar, este parte os vidros das portas da habitação, intimidando BB;
11) Quase diariamente, o arguido apoda BB de “puta” e “filha da puta”;
12) Também quase diariamente o arguido pede dinheiro à sua mãe, como forma de conseguir comprar produto estupefaciente ou tabaco;
13) Se BB responder ao arguido que não tem dinheiro, este continua a insistir e a pedir, até que esta lhe entregue;
14) Em data não concretamente apurada, mas situada no mês de ../../2022, o arguido aproveitou que a sua mãe estava para se introduzir no quarto desta;
15) Aí chegado, o arguido apercebeu-se que o porta-moedas de BB estava pousado e retirou três notas de 50,00 €, o que perfaz o valor total de 150,00 €;
16) No dia seguinte, BB, ao dar pela falta de dinheiro, confrontou o arguido, que lhe disse “já foi. Depois”;
17) Ainda em data não concretamente apurada do mês de ../../2022, o arguido pegou fogo a uma almofada, na casa de banho, por forma a intimidar BB;
18) Em data não concretamente apurada, mas situada por ../../2022, BB estava em casa, quando o arguido lhe pediu dinheiro, o que esta recusou;
19) Perante a recusa, o arguido muniu-se de um objecto afiado e desferiu o mesma na almofada de BB;
20) Esta, com receio, acabou por dar dinheiro ao arguido;
21) No dia 14/10/2022, pelas 20h00, na habitação comum, o arguido abeirou-se de BB e retirou-lhe o objecto que a mesma tinha na mão, apenas por maldade;
22) De seguida, o arguido desferiu murros na cabeça da sua mãe e fugiu para o seu quarto;
23) Tal conduta provocou dores a BB por algum tempo, apesar da mesma não ter precisado de tratamento médico.
24) Após, quando a sua irmã, DD, disse que ia chamar a PSP, o arguido colocou-se em fuga;
25) Como consequência directa e necessária das suas condutas, o arguido fez com que BB, sua mãe, se sentisse num permanente estado de terror, receando pelas atitudes que este pudesse tomar, restringindo a sua liberdade de acção;
26) O arguido sabia que BB é sua mãe, bem como que, em razão da sua idade, das limitações próprias da mesma e das doenças de que sofre, não possuía destreza e robustez física que lhe permitisse obstar à sua actuação;
27) Não obstante, não se absteve de agir do modo descrito;
28) O arguido sofre de perturbação esquizofrénica e perturbação de uso de álcool e haxixe;
29) Tais doenças, à data dos factos supra descritos, incapacitaram o arguido de avaliar a ilicitude dos seus actos e de se determinar de acordo com essa avaliação;
30) Efectivamente, a perturbação Esquizofrénica é uma doença mental com modificações volitivas, afcetando as faculdades volitivas (atinente quer a formação da vontade, quer a sua manifestação), sendo a impulsividade uma das características mais marcantes dos actos delituosos praticados, agravada pelo consumo de álcool e haxixe;
31) Assim, existe risco de o arguido cometer novos actos da mesma natureza;
Mais se provou:
32) Desde final de 2022, o arguido vive sozinho, na residência referida no ponto 7);
33) A referida residência encontra-se arrendada à mãe do arguido e evidencia um avançado estado de degradação, más condições de habitabilidade, higiene e conforto, localizando-se num bairro residencial situado no sopé do Monte do ..., que se encontra referenciado pelo tráfico e consumo de estupefacientes, e ao lado de um terreno que tem as instalações devolutas de uma antiga fábrica e que são frequentemente ocupadas por toxicodependentes e pessoas que se dedicam à prostituição;
34) O arguido concluiu o 9.º ano de escolaridade;
35) O arguido tem formação na área de manutenção de veículos automóveis, tendo chegado a trabalhar nessa área, bem como a limpeza de veículos;
36) O arguido tem uma incapacidade de cerca de 60 % e, por esse motivo, beneficia de apoio económico da Segurança Social, no valor de 275,00 €;
37) O arguido ocupa os seus dias a fazer alguns biscates na área da manutenção de veículos automóveis para o progenitor, que mantém trabalho como mecânico numa pequena oficina desse ramo;
38) As suas refeições são-lhe fornecidas pela cantina social da Delegação de ... da Cruz Vermelha Portuguesa e as restantes despesas com a habitação, nomeadamente a renda da casa no valor de 100,00 euros, e as despesas com os consumos de água, eletricidade e um pacote de telecomunicações são asseguradas pela mãe do arguido com a sua reforma;
39) O arguido já foi internado em instituições psiquiátricas por diversas vezes;
40) Necessita de tomar regularmente medicação, o que nem sempre cumpre;
41) O arguido iniciou o consumo de estupefacientes por volta dos 14 anos de idade, quando ainda frequentava a escola, consumos que foi mantendo ao longo da vida, aos quais também associava consumos abusivos de bebidas alcoólicas;
42) Actualmente, mantém consumos de haxixe, crack e bebidas alcoólicas com regularidade;
43) O arguido está isolado, mantendo apenas algum suporte por parte do pai, a nível de trabalho, não mantendo contactos sociais com outras pessoas, à exceção de alguns indivíduos também conotados com o consumo de estupefacientes que beneficiam de algum tipo de apoio social ou ao nível alimentar;
44) Na interação com os outros evidencia um aspecto descuidado e higiene deficiente;
45) O arguido evidencia uma postura de externalização de responsabilidades face à origem dos problemas no relacionamento com os outros, bem como dificuldade em compreender a gravidade e o impacto do tipo de ilícito criminal de que se encontra acusado;
46) O arguido revela necessidades prementes ao nível de um tratamento para as problemáticas de saúde que manifesta, por forma a poder manter abstinência de consumos e controlo sobre a sua doença psiquiátrica;
47) O arguido não tem antecedentes criminais.
*
Não resultaram provados quaisquer outros factos com relevo para a boa decisão da causa, nomeadamente que:

A) Nas circunstâncias de tempo e lugar descritas no ponto 21), o arguido, ao sair de casa, disse que ia chamar os ciganos para bater em BB;
B) O arguido agiu sempre de forma livre, voluntária e consciente, sabendo proibidas e puníveis as suas condutas.
*
Consigna-se que na matéria de facto provada e não provada não foram atendidos factos conclusivos, nomeadamente:

a) A ofendida BB tem 71 anos de idade e, como tal é pessoa de idade, incapaz de resistir física e psiquicamente ao filho;
b) O arguido tem um comportamento agressivo e controlador para com a ofendida, agravado pelo consumo de produtos estupefacientes.
c) Desde então, o comportamento do arguido tem-se pautado por grande instabilidade.

Motivação de facto
Para considerar os factos provados supra enumerados o Tribunal alicerçou a sua convicção no depoimento da testemunha DD, na prova pericial (plasmada no relatório de fls. 221/223), nas declarações da vítima, prestadas em inquérito perante magistrado do Ministério Público (lidas em sede de audiência de julgamento e constantes de fls. 43/45) e, ainda na prova documental junta aos autos, especificamente:
1) Auto de notícia de fls. 3/7;
2) Folha de suporte de fls. 10;
3) Assentos de nascimento de fls. 33/36;
4) Registo clínicos de fls. 52/114;
5) Registo clínico de 258/260;
6) Relatório social do arguido;
7) CRC do arguido.
A análise crítica da prova foi feita segundo o princípio da livre apreciação, nos precisos termos do art.º 127.º do C.P.Penal, i.e., segundo as regras de experiência e a livre convicção do julgador.
O arguido foi julgado na ausência, não tendo, pois, prestado declarações.
A vítima, mãe do arguido, não está actualmente capaz de testemunhar. Porém, uma vez que tinha prestado o seu depoimento em inquérito perante magistrado do Ministério Público (a 20/10/2022), o seu depoimento foi lido.
O referido depoimento foi prestado em data muito próxima dos factos e foi corroborado, em diversos pontos pela testemunha DD (irmã do arguido e filha da vítima), quer por observação directa da testemunha dos factos ocorridos, quer por a vítima lhe contar, posteriormente, o que se passava e lhe pedir ajuda.
O testemunho da irmã do arguido foi objectivo e imparcial, apesar da ligação familiar com este último e com a vítima. A testemunha foi capaz de localizar os eventos no espaço e no tempo, fazendo um relato simples, ainda que suficientemente pormenorizado, dos acontecimentos.
O único ponto em que tal discurso não foi coincidente com o da vítima refere-se às expressões usadas pelo arguido aquando da fuga de casa, a 14/10/2022, razão pela qual as mesmas foram dadas como não provadas – ponto A).
Por outro lado, o relato das duas testemunhas é concordante com a prova documental existente nos autos, nomeadamente o auto de notícia de fls. 3/7, do qual consta que os agentes da PSP que se deslocaram ao local observaram diversos factos (almofada rasgada – fotografada a fls. 10, vítima perturbada, portas de acesso aos quartos partidas) que coincidem com a versão apresentada pela vítima e pela testemunha DD.
Também os registos clínicos juntos aos autos demonstram as patologias sofridas, quer pela vítima, quer pelo arguido.
Por todo o exposto, deram-se como provados os pontos 1) a 23).
Face aos elementos objectivos dados como provados, deram-se como provados os pontos 24) a 26), sendo o ambiente descrito o normal para os factos praticados pelo arguido, bem como que o mesmo sabia que a vítima era sua mãe e que não lhe conseguiria resistir.
Porém, do relatório pericial junto aos autos a fls. 221/223, resulta que o arguido não tem consciência da ilicitude da sua conduta, fruto da doença de que padece.
Com base em tal relatório, cujo juízo técnico se encontra subtraído à apreciação do julgador, por inexistir qualquer motivo objectivo para divergir do mesmo1, deram-se como provados os pontos 27) a 30).
A prova das condições socioeconómicas do arguido – 31) a 45) – resultou do conteúdo do referido relatório social elaborado.
A falta de antecedentes criminais resulta do conteúdo do CRC do arguido – ponto 46).
O ponto B) está em contradição com o ponto 28), razão pela qual foi dado como não provado.

III - APRECIAÇÃO DO RECURSO

Cumpre apreciar as questões objecto de recurso.
3.1. A existência de perigosidade criminal.
Começamos logo por afirmar que o recorrente não impugna os factos dados como provados pelo Tribunal recorrido, bem como não se insurge contra a declaração da sua inimputabilidade.
Alega, no entanto, que subsistem dúvidas acerca da sua perigosidade, com o fundamento que não existe nos autos qualquer relatório pericial.
Vejamos se lhe assiste razão.
Como é consabido a declaração de inimputabilidade exclui a culpa do agente e, portanto, a possibilidade de lhe ser aplicada uma pena.

Contudo, se o agente do facto ilícito típico declarado inimputável revelar um grau de perigosidade tal que a sociedade tenha de se defender, prevenindo o risco da prática futura de factos criminosos, haverá lugar à aplicação de uma medida de segurança, dentro dos pressupostos estabelecidos no artigo 91.º, n.º 1, do C. Penal que prevê que:
 “1 - Quem tiver praticado um facto ilícito típico e for considerado inimputável, nos termos do artigo 20.º, é mandado internar pelo tribunal em estabelecimento de cura, tratamento ou segurança, sempre que, por virtude da anomalia psíquica e da gravidade do facto praticado, houver fundado receio de que venha a cometer outros factos da mesma espécie.”
Decorre deste preceito serem três os pressupostos da aplicação de uma medida de segurança de internamento:
–  prática de um facto ilícito típico,
– por quem, no momento da prática do facto e por força de uma anomalia psíquica, era incapaz de avaliar a ilicitude deste ou de se determinar de acordo com essa avaliação;
– sempre que, por virtude da anomalia psíquica e da gravidade do facto praticado, houver fundado receio de que venha a cometer outros factos da mesma espécie. [2]
Maria João Antunes[3] defende que «Em face do teor do nº 1 do artigo 91º, os pressupostos da medida de segurança aí prevista são os seguintes: a prática de um “facto ilícito típico”, a declaração de inimputabilidade, nos termos do artigo 20º do CP; e o juízo de prognose desfavorável quanto à perigosidade criminal do agente, no sentido de que, por virtude da anomalia psíquica e da gravidade do facto praticado, há “fundado receio de que venha a cometer outros factos da mesma espécie”».
Como se escreveu no Ac. do STJ de 16-10-2014,[4] “para a aplicação de uma medida de segurança de internamento é indispensável, para além da prática de facto ilícito típico por inimputável, a verificação da perigosidade do agente – do perigo de cometimento, por ele, no futuro, de outros factos ilícitos-típicos.”
É ainda necessário observar o nº 3 do art.º 40º do C. Penal que prevê que a medida de segurança só pode ser aplicada se for proporcional à gravidade do facto e à perigosidade do agente.
Revertendo ao caso concreto, como já referimos, o arguido foi declarado inimputável.
Por seu turno, resulta dos factos provados a prática pelo arguido de factos ilícitos que, objectivamente, integram a prática de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo art.º 152.º n.º 1 al. d) e n.º 2 al. a), do C. Penal.
É, pois, inquestionável que se encontram preenchidos os dois primeiros pressupostos referidos.
Quanto ao terceiro pressuposto importa considerar que a aplicação das medidas de segurança tem ainda como fundamento a perigosidade social do agente declarado inimputável.
A perigosidade constitui, pois, um fundamento autónomo da medida de segurança criminal de internamento.
Para o Professor FIGUEIREDO DIAS[5], o princípio verdadeiramente essencial do direito das medidas de segurança, sempre foi o princípio da perigosidade, «o princípio segundo o qual condição sine qua non da aplicação de qualquer medida de segurança, privativa ou não privativa da liberdade, é que o agente revele o perigo de vir a cometer no futuro novos factos ilícitos-típicos. »
Não um perigo traduzido na mera possibilidade de repetição, nem uma repetição de ilícitos-típicos de qualquer espécie, antes um perigo específico de repetição de ilícitos-típicos ligados à espécie do praticado, ou seja, «o fundado receio de que o agente venha a cometer outros factos da mesma espécie da do facto ilícito-típico que é pressuposto daquela aplicação”[6].
Como se escreveu no Ac. do STJ de 28-05-2008[7] “ a declaração de perigosidade e aplicação da medida de segurança de internamento dependem, fundamentalmente, da formulação de um juízo de prognose baseado no conteúdo de perícias psiquiátricas e sobre a personalidade, nas estatísticas científicas e na experiência e no bom senso do julgador.”
Cumpre, pois, aferir se no caso concreto se verifica o citado pressuposto da perigosidade.
Como acima enunciamos, o recorrente começa por censurar a sentença recorrida pelo facto de ter dado como provada a sua perigosidade sem estar estribada em qualquer perícia.
Essa afirmação carece em absoluto de razão. Com efeito, ao contrário do alegado, foi junto aos autos em 13/2/2023 (cfr. ref.ª ...17) o relatório de exame de psiquiatria forense realizado pelo Gabinete Médico-Legal e Forense do Cávado, subscrito por perito de Psiquiatria e ali se concluiu pela inimputabilidade do arguido e que  “existe risco de cometer atos da mesma natureza, sendo perigoso” ( sublinhado nosso).
Por, outro lado, como se defende na sentença recorrida, os factos praticados pelo recorrente revestem gravidade, tendo em consideração que, desde 2014 até ../../2022, adoptou perante BB, sua mãe, pessoa nascida a 1951 e com diversas patologias, comportamentos regulares que consubstanciam a prática de maus-tratos psíquicos e físicos, uma vez que, no interior da residência de ambos, a insultou por diversas vezes, bem como a intimidou com actos de violência contra objectos e bateu-lhe na cabeça uma vez.
Como consequência directa e necessária das suas condutas, o arguido/recorrente fez com que BB, sua mãe, se sentisse num permanente estado de terror, receando pelas atitudes que este pudesse tomar e restringindo a sua liberdade de acção.

Resulta igualmente dos factos provados que:
-O arguido consome produtos estupefacientes;
- O arguido sofre de perturbação esquizofrénica e perturbação de uso de álcool e haxixe; e
- A perturbação Esquizofrénica é uma doença mental com modificações volitivas, afectando as faculdades volitivas (atinente quer a formação da vontade, quer a sua manifestação), sendo a impulsividade uma das características mais marcantes dos actos delituosos praticados, agravada pelo consumo de álcool e haxixe.
Assim, da conjugação dessa perícia psiquiátrica, da natureza e gravidade dos factos praticados, bem como as regras da experiência e do bom senso, que permitem sustentar que as pessoas que sofrem da perturbação psíquica que o recorrente padece tendem a direccionar a sua impulsividade e agressividade para os entes mais próximos, nada há a censurar quanto ao juízo de prognose formulado e à susbsequente declaração de perigosidade.
Por conseguinte, estando preenchidos todos os requisitos do art.º 91.º n.º 1 do C. Penal, deverá ser aplicada ao recorrente, em consonância com o que considerou a sentença recorrida, uma medida de segurança.

3.2. A Suspensão da execução do internamento.
Importa agora determinar se verificam os pressupostos da suspensão da execução da medida de internamento pugnada pelo recorrente.
A suspensão da execução da medida de internamento constituiu uma medida substitutiva da medida de internamento que visa o tratamento do inimputável através de regime ambulatório ao invés de estabelecimento fechado.

O art.º 98.º do Código Penal estabelece, a propósito dos pressupostos e regime da suspensão da execução do internamento que:
“1 - O tribunal que ordenar o internamento determina, em vez dele, a suspensão da sua execução se for razoavelmente de esperar que com a suspensão se alcance a finalidade da medida.
2 - No caso previsto no n.º 2 do artigo 91.º, a suspensão só pode ter lugar verificadas as condições aí enunciadas”.

Por seu turno, o n.º 2 do artigo 91.º do Código Penal preceitua:
«Quando o facto praticado pelo inimputável corresponder a crime contra as pessoas ou a crime de perigo comum puníveis com pena de prisão superior a cinco anos, o internamento tem a duração mínima de três anos, salvo se a libertação se revelar compatível com a defesa da ordem jurídica e da paz social».
Como se escreveu no Ac. do STJ, de 12-01-2017[8]: «A suspensão da execução do internamento tem como pressupostos: em primeiro lugar, que o tribunal afira da verificação da totalidade dos pressupostos de que depende a aplicação da medida de segurança de internamento, nos termos do artigo 91.º (artigo 98.º, n.º 1, primeiro segmento, “o tribunal que ordenar o internamento”); em segundo lugar que emita um juízo de prognose favorável à suspensão da execução da medida (artigo 98.º, n.º 1, segundo segmento, “se for razoavelmente de esperar que com a suspensão se alcance a finalidade da medida”), isto é, que à suspensão se não oponham as necessidades de prevenção ou neutralização da perigosidade; finalmente, no caso previsto no n.º 2 do artigo 91.º, que a suspensão seja consentida pela prevenção geral positiva de pacificação social (artigo 98.º, n.º 2, “verificadas que se mostrem as condições aí enunciadas”).»
Vigora, pois, também no âmbito das medidas de segurança o princípio da subsidiariedade da aplicação das medidas detentivas, privativas da liberdade, pelo que estas só se justificam como ultima ratio, cedendo perante a possibilidade de aplicação no caso concreto de medidas não detentivas, nomeadamente a suspensão da execução do internamento, desde que se revelem suficientes e adequadas para acautelar a perigosidade criminal do delinquente inimputável.[9]
Mostrando-se viável a formulação de um juízo de prognose favorável de que o agente inimputável conseguirá em meio livre obter o tratamento necessário para debelar a sua perigosidade criminal, ou seja, para que se abstenha do previsível cometimento de novos factos típicos de natureza semelhante aos que determinaram a aplicação da medida de segurança, o Tribunal deve suspender a execução do ordenado internamento, nas condições previstas no citado art.º 98º do C. Penal.
Como pertinentemente se observa no acórdão do Supremo Tribunal  de Justiça de 15.03.2017[10], « A suspensão da execução do internamento reclama que o tribunal adquira uma convicção fundada quanto à necessidade preventiva-especial de neutralização da perigosidade criminal e, no caso dos crimes referidos no n.º 2 do art. 91.º do CP, quanto à necessidade preventivo-geral de pacificação social, não imporem o internamento do inimputável. Em suma, que num juízo de prognose, a liberdade se mostre adequada às necessidades de prevenção especial de recuperação do inimputável e de inocuização ou neutralização da perigosidade criminal, através do tratamento da anomalia psíquica, e de prevenção geral positiva de pacificação social.”
No caso, o recorrente pugna pela suspensão do internamento decretado, sustentado no entendimento que devidamente acompanhado pela DGRSP em articulação com o hospital em consulta de especialidade e seguindo a mesma um plano que lhe for definido por aquela Direção-Geral e as indicações que lhe forem sendo dadas no âmbito das aludidas consultas, se pode lograr neutralizar a sua perigosidade.
Entendemos, no entanto, que esse juízo de prognose favorável não tem o mínimo sustento nos factos provados, que, como acima salientamos, se consideram fixados.
Na verdade, desde final de 2022, o arguido vive sozinho,  a residência onde habita evidencia um avançado estado de degradação, com más condições de habitabilidade, higiene e conforto, localizando-se num bairro residencial situado no sopé do Monte do ..., que se encontra referenciado pelo tráfico e consumo de estupefacientes, e ao lado de um terreno que tem as instalações devolutas de uma antiga fábrica e que são frequentemente ocupadas por toxicodependentes e pessoas que se dedicam à prostituição; mantém consumos de haxixe, crack e bebidas alcoólicas com regularidade; está isolado, mantendo apenas algum suporte por parte do pai, a nível de trabalho, não mantendo contactos sociais com outras pessoas, à excepção de alguns indivíduos também conotados com o consumo de estupefacientes; na interação com os outros evidência um aspecto descuidado e higiene deficiente; evidência uma postura de externalização de responsabilidades face à origem dos problemas no relacionamento com os outros, bem como dificuldade em compreender a gravidade e o impacto do tipo de ilícito criminal de que se encontra acusado; revela necessidades prementes ao nível de um tratamento para as problemáticas de saúde que manifesta, por forma a poder manter abstinência de consumos e controlo sobre a sua doença psiquiátrica; já foi internado em instituições psiquiátricas por diversas vezes e necessita de tomar regularmente medicação, o que nem sempre cumpre.
Dessa factualidade, de que se destaca o facto de apresentar várias fragilidades ao nível das suas condições pessoais e sociais, de organização e gestão do seu quotidiano, os seus problemas de saúde mental, de manter consumos aditivos e evidenciar dificuldade em cumprir com o tratamento médico (em tomar a medicação que lhe é prescrita), não se pode concluir que o arguido/recorrente, em liberdade, ainda que fiscalizado pela DGRSP, venha a cumprir as medidas que lhe são aplicadas e assim possa ser alcançada a finalidade da medida de segurança de internamento, que é evitar que venha a cometer novos ilícitos.
Em suma, não se provaram factos que nos permitam fundar uma convicção positiva no sentido de que através da suspensão da execução da medida de internamento, se alcancem os objectivos imediatos de prevenção especial de recuperação social do recorrente, ou seja, formular um juízo de prognose favorável de que conseguir em meio livre obter o tratamento necessário para debelar a sua perigosidade criminal.
Neste entendimento, consideramos que não há razões para censurar a decisão recorrida quanto à não suspensão da execução do internamento, anotando-se que o recorrente não impugnou a sua duração.
Termos em que o recurso é improcedente na totalidade.

III. DECISÃO

Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Guimarães, em julgar improcedente o recurso e, em consequência, confirmar a sentença recorrida.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em três unidades de conta (art.º 513º, n.º 1, do Código de Processo Penal e art.º 8º, n.º 9, do Regulamento das Custas Processuais e Tabela III anexa a este último diploma).
(Texto elaborado pela relatora e revisto pelos signatários - art.º. 94º, n.º 2, do CPP)
                                                           
Guimarães, 20 de Fevereiro de 2024

Anabela Varizo Martins (relatora)
Carlos da Cunha Coutinho (1º adjunto)
Ana Teixeira (2º adjunta)



[1] Cfr. arts. 412.º e 417.º do C P Penal e Ac.do STJ de 27-10-2016, processo nº 110/08.6TTGDM.P2.S1, de 06-06-2018, processo nº 4691/16. 2 T8 LSB.L1.S1  e da Relação de Guimarães de 11-06-2019, processo nº 314/17.0GAPTL.G1, disponíveis em www.dgsi.pt  e, na doutrina, Germano Marques da Silva- Direito Processual Penal Português, 3, pag. 335.
[2] Neste sentido Ac. da Relação do Porto de 09-12-2021, 6116/18.0T9VNG.P1 acessível em www.dgsi.pt, tal como os demais doravante citados sem expressa indicação da respetiva fonte.
[3] in “Penas e Medidas de Segurança”, Almedina, 2021, págs. 116 e 117.  
[4] Processo n.º 457/12.7PBBJA.E1.S1 – 5.ª Secção .
[5] In Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, 4.ª Reimpressão, Coimbra Editora, pp. 440-441.
[6] Mesmo autor in ob. citada pag. 443.
[7] Processo nº 08P1402, relator Oliveira Mendes.
[8] Processo nº 408/15.7JABRG.G1.S1, relatora ISABEL PAIS MARTINS.
[9] Ac. da Relação de Guimarães de 14 Novembro 2023, Processo nº 150/22.2GAVRM.G1, relator Paulo Correia Serafim.
[10] Processo nº 98/15.7JAGRD.C1.S1, acessível in www.dgsi.pt.