Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1447/16.6T8CHV.G1
Relator: HEITOR GONÇALVES
Descritores: COMPETÊNCIA DOS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS
RELAÇÃO JURIDICA DE NATUREZA PRIVADA
RELAÇÃO JURÍDICA DE NATUREZA PÚBLICA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 11/16/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I- Fundando-se a responsabilidade do demandado numa relação jurídica de natureza privada (contratual e/ou aquiliana), a causa deve ser julgada nos tribunais judiciais, em função da regra de competência residual estabelecida no artigo 64º do Cód. Proc. Civil, é é de afastar a extensão da competência dos tribunais administrativos nos termos do nº2 do artigo 4º do ETAF, por não estar configurada uma situação de litisconsórcio necessário.

II- Não afasta a competência dos tribunais administrativos a circunstância de ser pedida a condenação solidária de entidades públicas e de entidades particulares e o facto de para o conhecimento do pedido formulado contra estas últimas ser competente o tribunal comum.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

1. F. A. e mulher, A. F., demandam nesta acção de processo comum os réus 1º. Banco X, S.A.; 2º. Banco Y, S.A.; 3º Fundo de Resolução, pessoa colectiva de direito público com sede junto do Banco de Portugal; e 4º. Fundo de Garantia de Depósitos, pessoa colectiva de direito público, pedindo que sejam condenados a reconhecer o contrato de depósito dos autores, e que os 1.º, 2.º e 4.º RR sejam condenados, solidariamente, a pagar aos autores €36.754,43, quantia correspondente ao capital depositado e juros vencidos até Maio de 2016, acrescida dos juros contratuais que se vencerem desde essa data, juros de mora vencidos e vincendos até efectivo e integral pagamento. Se assim não se entender e se considerar que o 2.º réu não é parte legítima atenta a deliberação do Banco de Portugal, peticionaram os autores a condenação do 4.º réu a reembolsar os autores da quantia que é sua e foi depositada no 1.º réu.

2. Peticionaram ainda os autores a condenação dos réus, solidariamente, ao pagamento da quantia de € 10.000,00 a título de indemnização por danos morais, sendo € 5.000,00 a cada um dos autores.

Alegaram os autores, entre outros factos, que abriram uma conta de depósitos à ordem no Banco X, S.A. em 09.08.2011, e em 11.08.2011 assinaram o contrato de depósito a prazo Poupança Plus, tendo depositado nesta conta €30.820,84, e após a medida de resolução aplicada pelo Banco de Portugal ao Banco X, S.A., em Agosto de 2015 e após recusas sucessivas, inicialmente pelo réu Banco X, S.A. e posteriormente pelo réu Banco Y, S.A., dirigiram-se à agência de Chaves do Banco Y, S.A., informando-os a gestora de conta que não lhes podia entregar o seu dinheiro, entregando-lhes, ao invés, documento referente à solução comercial adoptada pelo réu Banco Y, S.A., que mencionava acções preferenciais AforroA 2006-8, mais constando do mesmo que os autores eram titulares das ditas acções preferenciais, mas nunca subscreveram qualquer instrumento financeiro, nem acções preferenciais. Que por força da medida de resolução de 03.08.2014 aplicada pelo Banco de Portugal ao Banco X, S.A. foi determinada a constituição do banco de transição Banco Y, S.A. e, além do mais, a transferência de activos, passivos, elementos extrapatrimoniais e activos sob gestão do Banco X, S.A. para o Banco Y, S.A., pelo que, concluem os autores, detém o Banco Y, S.A. legitimidade passiva nestes autos, mantendo, todavia, o réu Banco X, S.A. legitimidade porquanto os funcionários deste passaram a ser os funcionários do Banco Y, S.A., tendo agido como comissários na comercialização e subscrição dos diversos produtos financeiros, designadamente, o aludido Poupança Plus. E que lhes assiste o direito de exigir do réu Fundo de Garantia de Depósitos, subsidiariamente, os montantes depositados no 1.º e, depois, no 2.ºs réus, na medida em que foi criado com o fundamento de garantir o reembolso dos depósitos constituídos nas instituições de crédito que nele participam, como é o caso dos réus e que criou nos autores a expectativa de garantir os seus depósitos até um montante de € 100.000,00, pelo que é também parte legítima na presente acção.

3. Os réus contestaram.
Os demandados Fundo de Resolução e Fundo de Garantia de Depósitos arguiram a incompetência absoluta dos Tribunais Judiciais em razão da matéria para julgar esta acção.

4. Terminados os articulados, foi proferida sentença a julgar procedente a incompetência absoluta do tribunal, com a consequente absolveu dos réus da instância.

5. Os autores recorrem dessa decisão, extraindo das respectivas alegações as seguintes conclusões:

1- Não é subsumível ao preceituado no nº 2 do artigo 4º do ETAF a factualidade articulada pois inexiste vínculo algum de solidariedade que ligue as mencionadas entidades bancárias privadas e as aludidas entidades públicas.
2- Não estamos perante matéria de natureza administrativa.
3- A responsabilidade do Fundo de Resolução e do Fundo de Garantia dos Depósitos trata-se de uma responsabilidade sucessiva com o objectivo essencial de salvaguardar os depositante dos banco regatados/insolventes.
4- Trata-se, portanto, de uma responsabilidade que deriva objectivamente da impossibilidade dos bancos em dificuldades em solver os seus compromissos com os seus depositantes que transitam para o Fundo de Resolução.
5- O mesmo vale para o Fundo de Garantia de Depósitos que se traduz num veículo de garantia dos depósitos até à quantia de 100.000,00€.
6- A responsabilidade destas entidades públicas não se funda na prática de qualquer ilícito ou em incumprimento contratual, antes emerge e despoleta na dita impossibilidade dos bancos em cumprirem as suas obrigações perante os depositantes e funciona como garante das quantias depositadas.
7- A título de exemplo, atenta a similitude e porque igualmente com a função legal de garantir(no caso) indemnizações, poderemos reportar-nos ao Fundo de Garanta Automóvel.
8- Este fundo público autónomo ao ser demandado(nas condições que pressupõem a sua demanda) é o no foro comum e a sua responsabilidade de ressarcir emerge de facto ilícito do lesante e nunca lhe pode ser imputada qualquer responsabilidade v.g. extracontratual na produção do evento danoso, resultando a sua responsabilidade de indemnizar de ilícito praticado por outrem, já que a sua função é a de garantir o ressarcimentos dos danos sofridos pelo lesado em acidente viário.
9- Deste modo, não tem campo de aplicação ao caso o disposto no nº 1, alínea f) do ETAF.
10- A relação material controvertida plasmada nos autos não tem, nos sobreditos termos, caracter administrativo pelo que não compete à jurisdição administrativa conhecer da presente lide, considerando que o objectivo principal dos mencionados “fundos” é de garante e salvaguarda dos interesses dos depositantes bancários, interesses que emergiram da celebração de contratos de depósitos( ou da convicção dessa celebração) com entidades bancárias privadas.
11- Pelo que caberá ao Juízo Local Cível de Chaves apreciar e decidir da causa.
12- À cautela do patrocínio e caso assim não se entenda, e caso se julgue pela competência do tribunal administrativo deve considerar-se que a (eventual) absolvição da instância dos “FUNDOS” com o fundamento de serem pessoas colectivas de direito público não se estende ao BANCO X nem ao BANCO Y, mantendo-se a instância quanto a estas instituições bancárias, dada que o “vício” da incompetência absoluta em razão da matéria fica sanada.
Termos em que deve a apelação proceder, considerando-se que compete ao Juízo Local Cível de Chaves conhecer da causa por o litígio não ter natureza administrativa que importe submeter à jurisdição administrativa. Caso assim não se entenda, deve julgar-se que a (eventual) absolvição do Fundo de Resolução e do Fundo de Garantia De Depósitos, pelo indicado motivo e por se tratarem de pessoa colectivas de direito público, não é extensível ao BANCO X, SA nem ao BANCO Y SA, mantendo-se e prosseguindo a instância quanto a estas entidades.

Cumpre decidir.

A questão a resolver prende-se em saber se a competência material é dos tribunais judiciais, ou se pertence aos tribunais administrativos, e se ao caso tem aplicação o disposto no nº2 do artigo 4º do ETAF.

O tribunal recorrido concluíu que quanto aos demandados Fundo de Resolução e Fundo de Garantia de Depósitos a competência pertence aos tribunais administrativos dado que a responsabilidade que lhes é imputada se funda em relações jurídico-administrativas(1), e que essa competência se estende aos réus Banco X, S.A., e Banco Y, S.A., em função do estatuído no nº2 do artigo 4º do ETAF - «pertence à jurisdição administrativa e fiscal a competência para dirimir os litígios nos quais devam ser conjuntamente demandadas entidades públicas e particulares entre si ligados por vínculos jurídicos de solidariedade designadamente por terem celebrado entre si contrato de seguro de responsabilidade».

O Fundo de Resolução e o Fundo de Garantia de Depósitos são pessoas coletivas de direito público, dotadas de autonomia administrativa e financeira (artigos 153.º-B, nº1, e 154º, nº1, do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras aprovado pelo DL 298/92). O objecto do Fundo de Resolução é “prestar apoio financeiro à aplicação de medidas de resolução adotadas pelo Banco de Portugal e desempenhar todas as demais funções que lhe sejam conferidas pela lei no âmbito da execução de tais medidas” (artigo 153º -C, do RGICSF); o objecto do Fundo de Garantia de Depósitos é “garantir o reembolso de depósitos constituídos nas instituições de crédito que nele participem” (artigo 155º, nº 1 do RGICSF), podendo ainda intervir «no âmbito da execução de medidas de resolução nos termos do regime previsto no artigo 167º-B(2).

O pedido contra eles formulado não é fundado no incumprimento de obrigações emergentes de contratos, eventualmente poderá merecer procedência por aplicação das normas administrativas que criaram e definiram a área de intervenção dessas pessoas colectivas de direito público, e do regime de Responsabilidade Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas aprovado pela Lei nº. 67/2007, de 31.12. establecendo o seu artigo 1º, nº2, que “correspondem ao exercício da função administrativa as acções e omissões adoptadas no exercício de prerrogativas de poder público ou reguladas por disposições ou princípios de direito administrativo”.

Assim, como bem conclui a sentença recorrida, relativamente a essas duas entidades a competência para o julgamento da causa pertence aos tribunais administrativos. É que, segundo o nº3 do artigo 212º da Constituição “compete aos tribunais administrativos e fiscais o julgamento das acções e recursos contenciosos que tenham por objecto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais”, e também nos termos do artº 4°, nº1/al.f), do ETAF, compete à jurisdição administrativa a apreciação dos litígios que tenham por objecto questões relativas a «responsabilidade civil extracontratual das pessoas colectivas de direito público, incluindo por danos resultantes do exercício das funções política, legislativa e jurisdicional».

A responsabilidade do demandado Banco X SA funda-se numa relação jurídica de natureza privada (contratual e/ou aquiliana), que no entender dos autores se acha transferida para o Banco Y, S.A., constituído na reunião extraordinária do Banco de Portugal de 03.08.2014 ao abrigo do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras aprovado pelo DL 298/92, de 31/12.

Assim, relativamente a estes réus (BANCO X e Banco Y) a causa deve ser julgada nos tribunais judiciais, em função da regra de competência residual estabelecida no artigo 64º do Cód. Proc. Civil, é é de afastar a extensão da competência dos tribunais administrativos nos termos do nº2 do artigo 4º do ETAF, por não estar configurada uma situação de litisconsórcio necessário entre eles e os demandados Fundo de Resolução e Fundo de Garantia de Depósitos (neste sentido decidiu o acórdão desta Relação de 04.05.2017 proferido no proc. 79/16.3T8VRL, relatado pela Exma. Des. Maria Luisa Duarte).

E o tribunal de conflitos tem firmado jurisprudência no sentido de que “não afasta a competência dos tribunais administrativos a circunstância de ser pedida a condenação solidária de entidades públicas e de entidades particulares e o facto de para o conhecimento do pedido formulado contra estas últimas ser competente o «tribunal comum»” – cfr. acórdãos de 29.06.2004, 28.11.2007, 20.09.2012 e 21.01.2014.

Decisão.

Acordam os juízes desta Relação em julgar parcialmente procedente a apelação, revogando-se a sentença recorrida na parte que julgou a incompetência do tribunal em razão da matéria relativamente aos réus Banco X, S.A. e Banco Y S.A., devendo a instância quanto a eles prosseguir os seus ulteriores termos.
Custas a cargo de recorrenentes e recorridos, em partes iguais.
16 de Novembro de 2017


1. Uma relação jurídica administrativa “é aquela que confere poderes de autoridade ou impõe restrições de interesse público à Administração perante os particulares ou que atribui direitos ou impõe deveres públicos aos particulares perante a administração” (Freitas do Amaral, Direito Administrativo, vol. III, pág. 439), em que pelo menos um dos sujeitos actua nas vestes de ius imperium, com vista à realização do interesse público (José Eduardo Figueiredo Dias e Fernanda Paula Oliveira, Noções Fundamentais de Direito Administrativo, pág. 239).
2. Artigo 167.º-B (Intervenção no âmbito da execução de medidas de resolução) 1. Quando forem aplicadas medidas de resolução a uma instituição de crédito, o Banco de Portugal pode determinar que o Fundo intervenha no âmbito da execução das medidas de resolução até ao limite máximo: a)Do montante em que os créditos por depósitos garantidos pelo Fundo, dentro do limite previsto no artigo 166.º, teriam sido reduzidos para suportar os prejuízos da instituição, no âmbito da aplicação da medida de recapitalização interna, se esses depósitos não tivessem sido excluídos da aplicação daquela medida nos termos do disposto na alínea a) do n.º 6 do artigo 145.º-U e tivessem sido reduzidos na mesma medida em que foi reduzido o valor nominal dos créditos com o mesmo nível de subordinação de acordo com a graduação dos créditos em caso de insolvência; ou b) Do montante dos prejuízos que os depositantes titulares de depósitos garantidos pelo Fundo, dentro do limite previsto no artigo 166.º, teriam suportado em consequência da aplicação de medidas de resolução, com exceção da medida de recapitalização interna, no caso de esses prejuízos serem proporcionais aos sofridos pelos restantes credores com o mesmo nível de subordinação de acordo com a graduação dos créditos em caso de insolvência. 2....................................................................................................................................................................................... 3....................................................................................................................................................................................... 4 - Caso os depósitos garantidos pelo Fundo, dentro do limite previsto no artigo 166.º, constituídos junto de uma instituição de crédito objeto de resolução sejam transferidos para outra entidade no âmbito da aplicação da medida de alienação da atividade ou da medida de transferência da atividade para uma instituição de transição, os titulares dos depósitos em causa não têm qualquer crédito sobre o Fundo no que respeita à parte dos seus depósitos junto da instituição de crédito objeto de resolução que não seja transferida, desde que o montante dos fundos transferidos seja igual ou superior ao limite previsto no artigo 166º.