Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1065/16.9T8VRL.G1
Relator: AFONSO CABRAL DE ANDRADE
Descritores: UNIÃO DE FACTO
RECONHECIMENTO DO DIREITO
ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 09/27/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.º SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
1. A união de facto não gera qualquer direito de compropriedade de que sejam titulares os unidos de facto.

2. Pedir a condenação do réu a reconhecer um determinado direito não é uma forma válida de pedido. Os Tribunais não condenam ninguém a reconhecer um direito de outrem, pois condenar alguém a “reconhecer” algo é uma figura que não tem qualquer possibilidade de imposição coerciva. A tutela jurídica pretendida com esse tipo de formulação exigiria a formulação de um pedido de simples apreciação, positiva ou negativa.

3. A forma que o ex-membro de uma união de facto tem de ser indemnizado de despesas que tenha feito com bens que foram usados pelos dois mas que ficaram apenas na propriedade e posse do outro membro, é o recurso ao instituto do enriquecimento sem causa.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I- Relatório

Susana, com os sinais dos autos, intentou a presente acção declarativa de condenação, com processo ordinário, contra I. G., com os sinais dos autos, formulando os seguintes pedidos:

a) Declarar-se que Autora e Réu viveram em união de facto, desde 21 Janeiro de 2001 até 11 de Dezembro de 2004, altura em que contraíram casamento católico.
b) Condenar-se o Réu a reconhecer o direito de compropriedade da Autora, na proporção de metade sobre os prédios identificados em 20º da Petição Inicial, bem como suas benfeitorias, bens móveis e semoventes identificados em 25º, 26º e 27º da mesma peça processual.
c) Condenar-se o Réu a indemnizar a Autora de todos os prejuízos patrimoniais e não patrimoniais por esta sofridos, em consequência dos actos praticados pelo mesmo, e descritos nos artigos 40º, 41º, 42º, 43º, 44º, 45º, 46º e 47º da P.I. e que vierem a ser liquidados em execução de sentença.
E/ou
d) Condenar-se o Réu na entrega à Autora, de metade do valor real do património comum identificado nos artigos 20º, 25º, 26º e 27º da P.I., bem como os juros de mora contados desde a citação para a presente lide, até efectivo e integral pagamento.
E/ou
e) Condenar-se o Réu numa indemnização pelo uso exclusivo que faz do património comum identificado em 20º, 25º, 26º e 27º desta P.I., indemnização essa a liquidar em execução de sentença, bem como os juros de mora até efectivo e integral pagamento.

Como causa de pedir alega, em síntese que autora e réu viveram em economia comum, desde 21 de Janeiro de 2001 até 11 de Dezembro de 2004, altura em que contraíram casamento, o qual veio a ser dissolvido por divórcio decretado por sentença de 17 de Abril de 2014, tendo nascido três filhos dessa união; que desde o dia 21 de Janeiro de 2001, primeiro na constância de uma situação de união de facto e, depois, enquanto casados, em esforço comum de autora e réu, foram investindo os rendimentos do seu trabalho em situação de compropriedade, na proporção de metade para cada um; que ao longo dos anos de vivência em comum, autora e réu adquiriram vários bens, pelo esforço comum e no convencimento de que eram de ambos, em regime de compropriedade e, após o casamento, em comum, tendo, enquanto ainda viviam em união de facto, decidido adquirir um prédio urbano e um rústico, com dinheiro que iam poupando do produto dos seus trabalhos; que em 28 de Novembro de 2002, através de escritura pública, adquiriram em compropriedade os dois referidos prédios, com dinheiro comum e dinheiro emprestado a ambos e que acabaram por pagar ao longo dos anos em que estiveram juntos, tendo também efectuado vários melhoramentos no urbano, tendo-o mobilado e adquirido os móveis e semoventes que identifica; que dada a situação de economia comum, foi decidido por ambos que os dois prédios ficassem em nome do réu, apesar de terem sido obtidos com o esforço comum de autora e réu, sendo que após a ruptura do casal, o réu se recusa a resolver a situação; que esta posição do réu lhe causa mágoa e tristeza, sofrimento e humilhação; que o réu está na posse de todos os bens referidos, usando-os e fruindo-os, o que causa danos à autora e o consequente enriquecimento do réu.

Regularmente citado, o réu veio contestar a acção, excepcionando a prescrição do direito invocado pela autora com base no enriquecimento sem causa, e impugnando os factos articulados pela autora, alegando, por sua vez, que adquiriu, nomeadamente, os imóveis em causa, ainda no estado de solteiro e com dinheiro apenas seu, uma vez que apenas passou a viver com a autora no ano de 2003, sendo ainda certo que a autora nunca contribuiu com qualquer quantia, até porque o seu rendimento lho não permitia.
Conclui pela improcedência da acção.

O processo prosseguiu os seus trâmites normais, tendo-se realizado a audiência de julgamento.

A final foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente e, consequentemente:

a) Declarou que Autora e Réu viveram em união de facto, desde 21 Janeiro de 2001 (com a ressalva explicada supra) até 11 de Dezembro de 2004, altura em que contraíram casamento católico.
b) Condenou o Réu a reconhecer o direito de compropriedade da Autora, na proporção de metade, sobre os prédios identificados em 20º da Petição Inicial, bem como suas benfeitorias, bens móveis e semoventes, nos termos discriminados supra.
c) Condenou o Réu a entregar à Autora metade do valor real do património comum identificado supra, a liquidar em execução de sentença, bem como os juros de mora contados desde a citação para a presente lide, até efectivo e integral pagamento.
d) Absolveu o réu do demais peticionado.

Inconformado, veio o réu interpor recurso da sentença, que foi admitido como de apelação, a subir imediatamente, nos autos e com efeito meramente devolutivo (arts. 644º,1,a, 645º,1,a, e 647º,1 todos do CPC.

Termina as suas alegações com a formulação das seguintes conclusões:

1. Vem o presente recurso da douta decisão que condenou o réu no reconhecimento do direito da autora sobre metade dos prédios identificados em 20 da petição inicial; e
2. Condenou o réu ainda a entregar à autora metade do valor real do património comum;
3. A questão a decidir encerra a questão de facto, isto é se a prova produzida permite dar como provados os factos que fundamentam a douta sentença em crise e;
4. Uma questão de direito que, por sua vez, se divide em duas partes, uma decorrente da matéria de facto e outra dela independente;
5. Como facto temos que o réu adquiriu no estado de solteiro os dois imóveis identificados no art. 20 da petição inicial;
6. Alegou para tanto que os havia adquirido ao seu anterior proprietário, ainda antes de estar em união de facto com a autora, e que outorgou a escritura de compra e venda já em união de facto;
7. Tal facto, aliás como decorre da motivação da douta sentença, é comprovado pelo testemunho do anterior proprietário José, o qual confirmou que inicialmente só negociou com o réu e só no fim, outorga da escritura, a autora esteve presente;
8. E aqui coloca-se a primeira questão de direito que é saber a que tem direito a autora;
9. É nosso entendimento que a autora tem direito, enquanto unida de facto, aos montantes das contribuições que efectuou para aquisição dos imóveis;
10. Ora, como também resulta da motivação da douta sentença em crise, a autora alegou que a contribuição que deu foi auxiliando com trabalho doméstico em casa dos pais do réu, que só foram alguns meses, pois começou a trabalhar na Santa Casa da Misericórdia;
11. E, com uma poupança que tinha do tempo em que havia estado a trabalhar na Suíça a cuidar de menores;
12. Como refere o M. Tribunal a quo a mesma não logrou provar tal poupança pois é a mesma contraditada pela mãe - Irene), que a 00:05:05 do seu depoimento, e respondo à ilustre mandatária da autora referiu que a poupança da Suíça a autora lha entregou a si e ao pai da mesma;
13. Assim além da mentira, evidente e reconhecida pelo M.º Tribunal, fica demonstrado que a autora em nada contribuiu para a aquisição dos imóveis;
14. Poderia, por outro lado e como alegado na sua douta petição, que o seu contributo fosse do seu vencimento;
15. Contudo é a própria autora que admite que só contribuiu com a alegada poupança, que foi dada como não provada; e
16. Resulta da prova que a mesma trabalhou cerca de 9 meses a auferir 350€ que, pelas regras de experiência comum, não permitiam aforro para pagar dois prédios;
17. Restava assim o recurso a empréstimo que a autora refere no art. 21º da sua douta petição alegadamente feitos a A. G., João, L. G. e António e ainda ao pai do réu;
18. O empréstimo ao pai do réu foi dado com não provado;
19. Quanto aos alegados empréstimos aos demais referidos é a própria autora, no seu depoimento que não consegue referir um só nome, não sabendo a quem pediram dinheiro emprestado;
20. Quando lho pagaram e de que forma;
21. Como o receberam e que garantia deram;
22. Não é credível que uma pessoa que pede dinheiro para adquirir dois bens não saiba a quem pede dinheiro, quanto é que pediu;
23. Não saiba quando o devolveu, como o devolveu, que juros pagou;
24. Onde estão os comprovativos de tais pagamentos;
25. Assim consideramos que não poderia ter sido dado como provado o facto 16º que não é sustentado por nenhuma das testemunhas inquiridas, o que se retira não só da audição dos seus testemunhos, mas também da motivação da douta sentença;
26. Resulta claro da douta sentença e lê-se na sua motivação que nenhuma das testemunhas inquiridas sabia de forma directa nenhum facto referente à compra ou ao pedido de empréstimo;
27. Foram claras em referir que o que sabiam lhes fora transmitido pela autora;
28. É assim o caso da mãe da autora que refere o M.º Tribunal a quo que “o conhecimento que tem sobre os factos lhe advém apenas do que à altura, sua filha, lhe contou;
29. A testemunha Leonel, do qual refere o M.º Tribunal a quo na sua motivação que “referiu que a irmã lhe disse que a compraram quando viviam juntos, ainda antes de casarem.” Mais uma vez tais factos são por indicação da autora, nada sabe, nada viu;
30. A testemunha Gloria refere que só soube dos factos quando a autora e o réu se estavam a divorciar e porque esta lhos relatou (como resulta também da motivação da douta sentença);
31. A testemunha Cândida refere o mesmo, que foi a autora que lhe relatou os factos, como também consta da motivação da sentença;
32. Assim, a conjugação dos depoimentos, inclusive e quase essencialmente na parte em que o M.º Tribunal a quo os valorizou, impunham decisão diferente;
33. Desde logo nenhuma das testemunhas pôde dizer qual a comparticipação da autora na aquisição dos bens e obras feitas;
34. O que sabiam era por intermédio desta e contado após o divórcio;
35. O M.º Tribunal dá conta de tal facto, pelo que não poderia ter dado como provados os factos 1 a 28;
36. Se analisarmos os temas da prova constantes do douto saneador verificamos que o tema da prova n.º 2 – Apurar se os dois imóveis (…) foram adquiridos com dinheiro quer da autora quer do réu – tem de ser dado como não provado, não se provou que a autora contribui com qualquer montante, bem pelo contrário;
37. Ora não se provando tal tema da prova teria a acção de ser julgada improcedente neste ponto;
38. Quanto ao tema da prova 4º - apurar se as benfeitorias introduzidas no prédio urbano identificado foram pagas com dinheiro da autora e do réu – uma vez mais nenhuma prova foi feita quanto a qualquer pagamento feito pela autora;
39. E o mesmo quanto ao tema da prova 6º - apurar se os móveis e semoventes identificados nos autos dinheiro da autora e do réu – teria que ser dado como não provado;
40. Ora não se provando tais factos, tem a acção que sucumbir, sendo julgada improcedente;
41. Quanto aos factos dados como provados o 1º e o 2º facto deveriam ser dados como não provados;
42. É a própria autora e o réu que confessam ter estado separados em consequência de uma zanga;
43. O mesmo é confirmado pelo irmão da autora, Leonel;
44. Como consta da motivação da douta sentença em crise, a testemunha Leonel confirmou que houve uma zanga entre a autora e o réu, antes de casarem, que os afastou durante meio ano a um ano;
45. Mesmo na altura em que os imóveis foram adquiridos;
46. Basta analisar o depoimento da autora integralmente, porque só transcrevemos uma parte, para constatar que a mesma não tem resposta para qualquer das questões que aqui se colocam, nomeadamente como foi feito o pagamento dos imóveis, como foi feito o pagamento dos alegados empréstimos, e qual a sua comparticipação;
47. E a percepção da necessidade da sua audição integral tem interesse directo para se verificar os silêncios e constantes atropelos e mudanças no seu depoimento, que não é possível fazer transparecer na sua transcrição;
48. Facto pelo qual se solicita que seja o depoimento da autora ouvido, pois ele permite extrair a conclusão do ora alegado;
49. E ver como o seu depoimento é contraditado pela sua própria testemunha José, a quem a autora diz que só pagaram depois da outorga da escritura e este desmente tal facto, ou pelo facto de a autora admitir que enquanto esteve junta com o réu nunca conseguiram poupar qualquer montante;
50. Só a audição integral do depoimento da autora basta para verificar que a presente acção deveria ter sido julgada improcedente por não provada, o que se solicita;
51. Quanto à questão de direito, independentemente da prova produzida não pode o réu ser condenado no reconhecimento da compropriedade na proporção de metade sobre os prédios dos autos;
52. Em primeiro porquanto não estavam casados, e, como refere o douto acórdão do STJ, a aplicação de um regime que não vigora implica uma violação do princípio da igualdade constitucionalmente consagrado no artigo 13º da CRP;
53. Mas, mesmo que tal regime lhes fosse aplicável sempre estaríamos perante uma comunhão e não uma compropriedade;
54. Mas, não estando em nenhuma das situações referidas, aplicando-se-lhe o regime do enriquecimento sem causa teria a autora que alegar e provar qual foi a sua efectiva comparticipação em dinheiro para a aquisição dos bens referidos e, então, seria o réu condenado no pagamento de tais valores;
55. Não tendo sido adquiridos na constância do matrimónio, não se provando qual a comparticipação da autora na aquisição (que dos factos resulta não ter sido nenhuma) teriam os pedidos de ter sido julgados improcedentes;
56. Para que a autora pudesse ser ressarcida com fundamento em enriquecimento sem causa deveria ter intentado a presente acção no prazo de 3 anos contados do conhecimento do facto;
57. Ora, é a própria autora que confessa que esteve na outorga da escritura pública pelo que o prazo não poderá deixar de se contar de tal data, pelo que há muito prescreveu o direito da autora a exigir qualquer comparticipação, isto caso tivesse feito alguma que, como se demonstrar não ocorreu;
58. A não se considerar da forma referida sempre o prazo teria que ser contado do fim da união de facto, em 2004;
59. A douta sentença em crise enferma de deficiente indagação e aplicação legal;
60. Carece de fundamentação, nomeadamente nos factos dados como provados;
61. Existe contradição entre a motivação e a decisão propriamente dita;
62. Enferma ainda de inconstitucionalidade por violação do art. 13º da Constituição da República Portuguesa;
63. Enferma ainda de erro na apreciação das provas;
Consideram-se violados os arts. 13º da CRP, 304º, 482º, 563º, 879º a 886º, 1671º, 1717º, 1724º, 1730º do C. Civil e 615º do C. P. Civil;

Contra-alegou a autora, pugnando pela manutenção do julgado.

II
As conclusões das alegações de recurso, conforme o disposto nos artigos 635º,3 e 639º,1,3 do Código de Processo Civil, delimitam os poderes de cognição deste Tribunal, sem esquecer as questões que sejam de conhecimento oficioso. Assim, e, considerando a natureza jurídica da matéria versada, as questões a decidir são as seguintes: a) eventual erro no julgamento da matéria de facto; b) prescrição do direito à restituição por enriquecimento sem causa; c) Existência de uma situação jurídica de compropriedade;

III
A decisão recorrida considerou provados os seguintes factos:

1- Autora e Réu, após algum tempo de namoro, decidiram, em 21 de Janeiro de 2001, viver juntos na mesma casa, como se marido e mulher fossem.
2- Após esta decisão foram morar para casa dos pais do Réu, onde residiram cerca de três anos, em (...), Freguesia de (...), Concelho de Ribeira de Pena.
3- A Autora viveu com o Réu em condições análogas às dos cônjuges, durante cerca de três anos, com início em 21 de Janeiro de 2001 até 11 de Dezembro de 2004, altura em que contraíram casamento católico um com o outro, tendo havido apenas um período de separação de não mais de três a quatro meses, durante esse período, e antes de Março de 2002.
4- Desta União, nasceram três filhos:
-Paulo, nascido a 19 de Outubro de 2003, em Ribeira de Pena;
-Henrique, nascido a 2 de Outubro de 2007, em Arnas – França;
-Ana, nascida a 27 de Abril de 2010, em Arnas - França.
5- Naquelas circunstâncias, viveram a Autora e o Réu debaixo do mesmo tecto, em comunhão de leito, mesa e habitação, orientação e poupança económica.
6- Posteriormente ao casamento, que ocorreu em 11 de Dezembro de 2004, Autora e Réu continuaram a viver debaixo do mesmo tecto, em comunhão de leito, mesa e habitação, orientação e poupança económica.
7- O casamento veio a ser dissolvido por Sentença de 17 de Abril de 2014, já transitada, proferida pelo Tribunal de Grande Instance de Lyon em França.
8- Ao longo do tempo que viveram juntos, tanto a autora como o réu trabalharam, ora por conta própria, ora por conta de outrem, mas em conjunto investindo os rendimentos do seu trabalho em situação de compropriedade, na proporção de metade para cada um, e em comum, após o casamento.
9- Desde que Autora e Réu começaram a viver juntos, em 21 de Janeiro de 2001, a autora sempre trabalhou, nomeadamente em casa, e em Fevereiro de 2002, começou a laborar para a Santa Casa da Misericórdia, como ajudante de domicílio, auferindo um rendimento mensal médio de cerca de € 350,00, até Agosto de 2005, altura em que, ambos emigraram para França, onde ainda residem.
10- Acumulava a Autora tais funções por conta de outrem, com todas as lides domésticas, confecção de refeições, lavagem e tratamento de roupas, limpeza da casa, aquisição de compras, nomeadamente, alimentação, medicamentos, roupa e outros, fazendo, também, um acompanhamento escolar e de saúde dos filhos.
11- O Réu, desde 21 de Janeiro 2001, quando passou a viver maritalmente com a Autora, até à altura em que ambos emigraram para França, em Agosto de 2005, trabalhava ora em casa para os pais, ora por conta de outrem na construção civil, nomeadamente, na execução de muros, calceta, casas, trabalhos com tractor, trabalhos agrícolas.
12- Autora e Réu estabeleceram desde 21 de Janeiro de 2001, uma comunhão de vida, na qual, em termos naturais, de normalidade e honestidade, dominou sempre o espírito de recíproca e espontânea assistência, colaboração e liberalidade, da qual resultou o nascimento de seus três filhos.
13- Autora e Réu adquiriram, ao longo dos anos de vivência comum, vários bens, pelo esforço comum e no convencimento que eram de ambos, em regime de compropriedade, e posteriormente em comum, após a celebração do casamento católico de ambos.
14- Ao longo da vivência comum em condições análogas às dos cônjuges, decidiram Autora e Réu, de comum acordo, adquirir, ainda no estado de solteiros, um prédio urbano e um rústico.
15- Em 28 de Novembro de 2002, por escritura pública de compra e venda, celebrada no Cartório Notarial, lavrada no Livro (...) fls. 17 a 18 v., na qual consta apenas o réu, no estado de solteiro, como adquirente, os seguintes prédios:

a) Prédio Urbano, composto por uma casa de habitação de rés-do-chão e primeiro andar, sito no Lugar (...), da freguesia (...), concelho de Ribeira de Pena, descrito na competente Conservatória do registo Predial sob o número (…), da freguesia (...), inscrito sob o número (...), e inscrito na respectiva matriz predial sob o artigo (...).
b) Prédio Rústico denominado "Quintal (...)" sito no Lugar (...), da freguesia (...), Concelho de Ribeiro de Pena, descrito na competente Conservatória do Registo Predial sob o número (...), da freguesia (...), inscrito sob o número (...), e inscrito na respectiva matriz predial sob o artigo (...).
16- A aquisição dos dois referidos prédios foi efectuada com dinheiro comum da Autora e do Réu e com dinheiro emprestado, que acabaram por pagar ao longo dos anos em que permaneceram juntos e casados.
17- Autora e Réu efectuaram nos prédios referidos, quer durante a vivência em união de facto quer após o casamento, com dinheiro que iam poupando do esforço comum de ambos, obras de beneficiação e reparação, nomeadamente:

-Aplicação de placa em cimento ao nível da garagem;
-Abertura de uma janela;
-Requalificação de todo o telhado, aplicação de forro em madeira, colocação de telha e edificação de uma chaminé;
-Remodelação da cozinha;
-Instalação de uma caldeira para água quente;
-Aplicação de caleiros em alumínio;
-Arranjos na casa de banho;
-Aplicação de algumas portas;
-Pintura geral da casa (interior e exterior);
-Edificação de um anexo para arrumação de alfaias agrícolas, tractor e ferramentas agrícolas no prédio rústico identificado, bem como reparação de um muro de vedação.
18- Além das obras mencionadas, o referido imóvel urbano foi todo ele mobilado, com móveis adquiridos pelo casal e com dinheiro comum de ambos, nomeadamente com os seguintes móveis:

-Dois quartos de casal completos em madeira;
-Um guarda-fatos com escrivaninha em madeira;
-Uma sapateira em madeira;
-Dois móveis de televisão;
-Um móvel de casa de banho e acessórios;
-Um aquecedor eléctrico;
-Um móvel de sala em madeira;
-Um bar com três bancos em madeira;
-Um sofá com dois cadeirões e uma mesa de sala de jantar em madeira;
-Cadeiras em madeira;
-Duas arcas, em madeira para guarda de bragal e outros;
-Dois fogões;
-Um microondas;
-Uma máquina de café;
-Um frigorífico;
-Uma máquina de lavar a roupa;
-Uma arca congeladora;
-Duas mesas de madeira;
-Vários candeeiros;
-Vários conjuntos de roupa de cama, atoalhados, rendas, louças, panelas, tachos, talheres, copos, pratos, chávenas, cortinados, tapetes e peças decorativas;
-Várias ferramentas agrícolas, nomeadamente, sacholas, ferros do monte, ancinhos, enxadas, machados.
19- Para além dos referidos bens imóveis, respectivas benfeitorias e bens móveis, adquiriram Autora e Réu, também, com o produto do trabalho comum de ambos, outros bens móveis, e semoventes, ou seja:
1- Um tractor com frontal;
2- Uma fresa;
3- Um reboque.
20- Sempre a Autora e o Réu, desde a aquisição, têm usufruído e detido materialmente os bens imóveis e respectivas benfeitorias, com o ânimo de exclusivos donos, na proporção de metade para cada em deles, deles retirando todos os seus frutos e rendimentos, habitando a casa, confeccionando as refeições, recebendo familiares e amigos, passando férias, guardando pertences, até a presente, deles retirando todas as utilidades e interesses e correlativamente suportando todos os encargos a eles inerentes, contribuições, beneficiações, nomeadamente, as obras referidas.
21- E isto sem interrupção temporal, com conhecimento de toda a gente, e na convicção de quem exercem direito próprio.
22- Também em relação às benfeitorias, aos móveis e semoventes, adquiridos por ambos, ao longo da sua vivência em união de facto e casamento, autora e réu os vêm possuindo e fruindo, com ânimo de exclusivos donos, sem violência, sem oposição de ninguém, à vista de todos, convictos de quem exercem direito próprio e convictos que com a sua posse e fruição não causavam lesão de direitos alheios.
23- Aquando da compra dos prédios identificados nas alíneas a) e b) do artigo 20º da petição inicial, foi decidido por Autora e Réu que os mesmos ficassem em nome do Réu, derivado da economia comum que vinham tendo, sempre na convicção e convencimento da Autora que logo que abordasse o Réu no sentido de reconhecer, documentalmente, tal factualidade não haveria qualquer obstáculo para tal.
24- O Réu recusa reconhecer a existência da compropriedade à Autora, em relação a todos os bens.
25- Esta tomada de posição do Réu, deixou a Autora magoada, triste, infeliz, desgostosa, ansiosa, nervosa e muito ferida.
26- O que lhe tem causado muito sofrimento, humilhação, tristeza, solidão, ansiedade, noites sem dormir.
27- O Réu tem usado e fruído os dois identificados bens imóveis, respectivas benfeitorias, bens móveis e semoventes, contra a vontade da Autora e sem o seu consentimento.
28- Está o Réu na posse dos imóveis referidos, benfeitorias, bens móveis e semoventes, usando-os e fruindo-os, retirando deles todas as utilidades e interesses que os mesmos podem oferecer, nele vivendo, comendo, dormindo, recebendo familiares e amigos, usando-o, gozando-os na sua plenitude.
29- Quando a autora foi viver com o réu, não trabalhava.

IV
Conhecendo do recurso.

Resulta das conclusões apresentadas pelo recorrente réu que o mesmo pretende impugnar a decisão sobre matéria de facto.
É sabido que o legislador fez constar do art. 640º CPC os trâmites a seguir pelo recorrente que pretenda impugnar a decisão do Tribunal sobre matéria de facto.

É importante fazer uma distinção entre: a) os requisitos formais de admissibilidade do recurso sobre matéria de facto; b) o mérito do recurso apresentado sobre matéria de facto.

Quanto ao primeiro aspecto, escreve Abrantes Geraldes (Recursos, 2017, fls. 158) o seguinte:

“a rejeição total ou parcial do recurso respeitante à impugnação da decisão da matéria de facto deve verificar-se em algumas das seguintes situações:
a) falta de conclusões sobre a impugnação da decisão da matéria de facto (arts. 635º, nº 4 e 641º, nº 2, al. b);
b) falta de especificação, nas conclusões, dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorrectamente julgados (art. 640º, nº 1, al. a);
c) falta de especificação, na motivação, dos concretos meios probatórios constantes do processo ou nele registados (vg. documentos, relatórios periciais, registo escrito, etc);
d) falta de indicação exacta, na motivação, das passagens da gravação em que o recorrente se funda;
e) falta de posição expressa, na motivação, sobre o resultado pretendido relativamente a cada segmento da impugnação”.

Ora, da leitura das alegações e conclusões apresentadas pelo recorrente, podemos afirmar que este cumpriu o ónus de alegação que a lei impõe ?

Excepto quanto ao facto provado nº 16, a resposta tem de ser negativa.

E isto porque só em relação a esse facto o recorrente fez uma impugnação clara e delimitada, explicando as razões de discordância, e afirmando “Assim consideramos que não poderia ter sido dado como provado o facto 16º que não é sustentado por nenhuma das testemunhas inquiridas, o que se retira não só da audição dos seus testemunhos, mas também da motivação da douta sentença”.

Ao invés, o recorrente afirma na sua conclusão 35ª que “O M.º Tribunal dá conta de tal facto, pelo que não poderia ter dado como provados os factos 1 a 28”.

Esta impugnação em bloco da totalidade dos factos provados (só deixou de fora o facto provado nº 29), não respeita o ónus da impugnação que sobre ele incumbia.

Desde logo, por ser uma impugnação em bloco, fica-se sem perceber qual era o destino que, segundo o recorrente, o Tribunal deveria ter dado a cada um desses factos.

E nem sequer se pode tentar salvar esta parte do recurso deduzindo que o recorrente pretendia mesmo que todos esses factos fossem dados como não provados, quando da simples leitura da lista dos factos provados emergem logo vários factos que o recorrente aceitou nos articulados, e outros que estão plenamente provados, como por exemplo, a própria existência da união de facto, o nascimento dos filhos do casal, o casamento e o divórcio, entre outros.

Como ensina Abrantes Geraldes, o novo CPC recusou qualquer solução que pudesse reconduzir-nos a uma repetição do julgamento, assim como recusou a admissibilidade de recursos genéricos contra a errada decisão da matéria de facto. O legislador restringiu a possibilidade de revisão a concretas questões de facto controvertidas relativamente às quais sejam manifestadas e concretizadas divergências por parte do recorrente.

O recorrente falhou ao não fazer a indicação das concretas questões de facto que pretendia ver reapreciadas.

Assim, ao declarar que pretende impugnar 28 dos 29 factos provados, numa amálgama legalmente inadmissível, concluímos que o recorrente não respeitou o ónus que lhe era imposto.

Assim, esta Relação apenas irá conhecer da impugnação referente ao facto provado nº 16. Façamo-lo.

Recordemos o seu teor: “a aquisição dos dois referidos prédios foi efectuada com dinheiro comum da Autora e do Réu e com dinheiro emprestado, que acabaram por pagar ao longo dos anos em que permaneceram juntos e casados”.

E o Tribunal recorrido fundamentou assim: “Irene, mãe da autora, disse que (…) a casa foi paga pelos dois, sendo que, na altura, a autora era a única que trabalhava “legalmente”. Referiu que não pagaram logo, que pediram dinheiro ao pai, à irmã e a um tio, todos familiares do réu, e que pediram 25.000 euros no Banco A , mas admitiu que tudo que afirmou foi a filha que lhe disse. Admitiu que a compra da casa foi antes do casamento, mas que fizeram obras nessa casa, ainda antes de irem para França, tendo contratado pessoal e também os filhos da testemunha lá trabalharam, bem como a própria autora. Afirmou que fizeram muitas obras, referindo um telhado novo, o chão em cimento, portas e janelas, que pintaram e fizeram um anexo. Disse, ainda, que ambos compraram alfaias, já de casados, nomeadamente um tractor, um motocultivador e uma fresa e que ninguém lhes deu nada. Confirmou que na dita casa vive o réu, porque tirou a chave à autora, o que a deixou muito triste. Admitiu que a autora, um certo período, esteve a viver em Vila Real, referindo que foi com uma amiga. Nesse período, a autora nem sabia onde o réu estava, durante cerca de um ou dois meses. O depoimento desta testemunha mostrou-se algo confuso e a mesma revelou que o conhecimento sobre os factos lhe advém apenas do que a autora, sua filha, lhe contou. Leonel, irmão da autora, disse que a autora e o réu viveram juntos antes de casar, afirmando que foram viver juntos em 2001, próximo do fim do ano, para casa dos pais do réu. Quanto à casa, referiu que a irmã lhe disse que a compraram quando viviam juntos, ainda antes de casarem. Mas sabe que fizeram obras, já de casados, porque andou lá a ajudar, afirmando que andou na cozinha, nos fundos, a reparar madeiras, a colocar um telhado novo, uma caldeira e um muro. Afirmou que fizeram um anexo, mas acabou por dizer que afinal não sabe porque já não vai lá há anos. Referiu que têm alfaias. A testemunha Glória, tia do réu, por afinidade, afirmou que a autora e o réu viveram juntos antes de casarem, cerca de três anos, desde Janeiro de 2001, apenas tendo casado após ter nascido o primeiro filho. Perguntada porque se lembra dessa data, disse que o seu marido foi operado em Janeiro de 2000, pelo que o tribunal estranhou qual a relação entre um acontecimento e outro. Mais afirmou a testemunha que a autora e o réu viviam em casa dos pais do réu, que os via lá, e que a autora trabalhava na Cáritas e em casa. Disse que a autora trabalhava muito em casa e nas terras e que na Cáritas ganhava cerca de 400 euros por mês, o que disse saber porque quando a autora foi para França, foi a nora da testemunha que ficou com o emprego. Quanto ao réu, disse que trabalhava nas obras e nas terras dos pais, pelo que só a autora tinha um ordenado certo. Referiu que quando casaram foram viver para a casa que a autora diz que também é dela, afirmando que compraram a casa algo antes do casamento, mas pouco. Afirmou que ouviu dizer à autora e sua mãe que a casa era velha e que fizeram obras, após o casamento, mas não sabe, já que admitiu que nem sequer conhece a casa. Aliás, a testemunha fez várias afirmações como se tivesse conhecimento do que dizia, mas acabou por admitir que o que sabe, ouviu-o à autora e à mãe desta, pelo que não tem qualquer conhecimento directo do que afirmou. Afirmou, ainda, que foram pedir dinheiro emprestado a um primo da testemunha e que este quando lhe contou referiu “eles”, mas admitiu que só soube dessa situação quando já se estavam a divorciar. Cândida disse que trabalha na Cáritas e que o réu é primo do seu marido. Afirmou que se lembra de a autora ir viver com o réu, por volta de 2001, em Janeiro, referindo que se recorda da data porque a sua filha nasceu em 2002 e a autora já lá estava há cerca de um ano. Mais disse que a autora e o réu viveram na casa dos pais do réu, dois ou três anos, e que depois foram viver para a casa deles, ainda antes de casarem, tendo casado em 2004 e ido para França em 2005. Referiu que na Cáritas a autora ganhava cerca de 400 euros, enquanto o réu trabalhava em casa, não tendo ordenado certo. Afirmou que a autora lhe disse, ainda antes de casar, que ela e o réu iam comprar uma casa. Quanto a isso, admitiu que o que sabe foi o que a autora lhe contou, tendo-lhe dito que esteve na escritura, mas que não pôs o nome dela porque para ela tanto fazia. Nunca foi à casa em questão. José disse que “eles” lhe compraram a casa em litígio, não se lembrando do ano. Esclareceu que fez o negócio com o réu, mas que a autora também estava lá, embora não falasse. Disse, ainda, que a autora também esteve na escritura e que na data da escritura lhe pagaram a totalidade do preço, desconhecendo como obtiveram o dinheiro. Referiu que não sabe se eles fizeram quaisquer obras, mas que as obras da casa estavam praticamente concluídas e eles foram para lá viver. Referiu não saber o que a autora fazia, afirmando que o réu trabalhava na lavoura e fazia biscates na construção. Disse, ainda, que foi com o réu ter com um tio deste, para lhe empresar dinheiro para comprar a casa, mas não sabe se lho emprestou ou não. Questionado para esclarecer com quem negociou a aquisição da casa, disse que inicialmente foi só com o réu, sendo que só depois, é que apareceu também a autora, quando foram ver a casa. A testemunha L. G., irmã do réu, confirmou que a autora e o réu viveram em união de facto em casa dos pais do réu e da testemunha, que também lá vivia. Afirmou que a autora e o réu vieram viver para Vila Real, mas que estiveram separados três ou Quatro meses. Afirmou que o réu comprou a casa ainda em solteiro. Disse que não sabe se a autora contribuiu para a casa, mas que com o que ganhava não dava para poupar nada. Referiu que não sabe como o réu pagou. Disse, ainda, que quando tiveram o primeiro filho, autora e réu ainda viviam na casa do pai da testemunha. Avelino disse não saber se a autora e o réu viviam juntos, embora os visse um com o outro. Não sabe se o réu comprou casa em Vila Real. Mas afirmou que o réu gostava de ter as suas próprias ferramentas para trabalhar, sempre o vendo com as mesmas. Disse, ainda, que ouviu falar que a autora trabalhava na Cáritas. Manuel disse conhecer o réu e que também conhecia a autora, embora menos bem. Disse saber que o réu comprou uma casa, no ano 2000, que esteve lá com ele e que o baixo não estava pronto. Finalmente, a testemunha A. M. disse que conhece o réu desde 2002. Afirmou que em Outubro ou Novembro de 2002, um dia que iam a passar pelo local, a testemunha e seu pai foram ver a casa que o réu queria comprar, lembrando-se que a casa precisava de obras. Disse saber que a casa era do senhor José, mas nunca lá entrou.

Para além dos depoimentos das testemunhas foram, ainda, prestadas declarações de parte por autora e réu.

Assim, o réu I. G. disse que ele e a autora começaram a viver juntos em 2001, quando acolheu a autora e seus dois irmãos, em casa de seus pais. No entanto, durante esse período, a autora chegou a vir trabalhar para Vila Real e houve um corte na relação. Admitiu que depois disso, e antes do casamento, que foi em 11 de Dezembro de 2004, chegaram a viver em união de facto, não sendo capaz de dizer desde quando, mas apenas durante meses. Afirmou que quando comprou a casa ainda não viviam juntos, embora já estivessem juntos no dia da escritura. No entanto, referiu que a casa foi comprada com dois cheques seus e com a quantia de cinco mil euros que o seu pai lhe deu. Disse que a autora trabalhou apenas a tempo parcial numa pizzaria, em Vila Real, ganhando menos de 300 euros, e foi duas vezes às vindimas ou apanha da fruta, não tendo rendimentos para poder poupar. Insistiu que quando fizeram a escritura da casa, a casa já estava paga, com dinheiro do réu, que tinha já amealhado de solteiro. Referiu que em 2005 foram para França e que tudo que compraram depois de casados está no apartamento em França, com a autora, já que o réu apenas trouxe a sua roupa. Disse, ainda, que os depósitos que faziam na conta em Portugal, de cerca de 3000 euros anuais, eram para passarem cá as férias e para pagamento de despesas com a casa. Afirmou que comprou a casa, mas que só foi para lá morar cerca de um ano e meio depois. Referiu que a compra da casa não foi por 60.000 euros, como a autora alega; que não houve qualquer empréstimo no Banco A; que pediu dinheiro ao seu pai e à sua irmã e que lhes pagou já após estar casado. Admitiu que a autora trabalhou na Santa Casa desde 2002 até irem para França, em 2005. Disse que as transferências para o Banco A em Portugal não eram para pagar qualquer empréstimo, mas antes para despesas. Afirmou que o seu pai é que fez um empréstimo no Banco A, mas que foi para renovar uma casa que era dos seus avós, afirmação que o tribunal estranhou, já que o réu tinha dito que o pai lhe deu dinheiro para comprar a casa, e depois foi pedir um empréstimo para ele próprio. Acabou por admitir que as alfaias foram adquiridas durante o casamento. Disse, ainda, que em França, a autora não trabalhava, só começou a pensar nisso quando pensou no divórcio, admitindo que trabalhou nas limpezas, mas poucas horas, apenas quatro ou cinco horas por dia, ocupando-se também da casa. Já ele próprio ganhava entre 1200 a 1800 euros. Admitiu que após a separação, é ele quem usa a casa.

A autora Susana, por sua vez, afirmou que antes de casar, viveu em união de facto com o réu, desde o dia 21 de Janeiro de 2001 até à data do casamento, 11 de Dezembro de 2004. Disse que primeiro foram viver para casa dos pais do réu, durante cerca de três anos. Referiu que trabalhou na Suíça, onde guardava crianças, e que quando veio trouxe algum dinheiro, referindo cerca de 2000 euros. Quanto ao réu, disse que trabalhava com o tractor para os pais e à jeira, e também nas obras. Admitiu que esteve algum tempo sem trabalhar, ajudando em casa, mas depois arranjou emprego em Vila Real, tendo trabalhado três meses numa pizzeria, altura em que vivia com o réu na casa de um tio deste, em Paredes, tendo, depois, voltado para casa dos pais do réu. Disse que foi duas vezes à Suíça, na apanha dos morangos e que trouxe 2.500 euros. Afirmou que o réu nunca quis abrir uma conta com a autora, pelo que esta tinha uma conta poupança. Já em 2002, diz que começou a trabalhar na Cáritas, até ir para França, ganhando 390 euros por mês. Nessa altura, já estavam na sua casa e a autora contribuía para as despesas. Afirmou que a casa e o terreno custaram 60.000 euros, mas admitiu que foi o que o réu lhe disse, porque ela não se metia nos negócios. Disse que arranjaram o dinheiro, pedindo-o emprestado a amigos e familiares, tendo referido alguns, mas a verdade é que não trouxe ao julgamento nenhuma das pessoas que refere, a fim de confirmar esse facto. Afirmou que fizeram um empréstimo no Banco A, mas que como o réu não tinha emprego fixo, o empréstimo ficou em nome do pai do réu, tendo a autora, como tinha emprego, ficado como fiadora, sendo o empréstimo da quantia de 25.000 euros. Referiu que pagaram o empréstimo que estava em nome do pai do réu e que foram pagando os empréstimos dos particulares com dinheiro que mandavam de França. Afirmou que em França até fizeram, ainda, um empréstimo para pagar o que ainda deviam ao vendedor da casa. Referiu que esteve presente na escritura e que só não ficou a constar da mesma porque fez confiança no réu, já que viviam juntos e ela achou que a casa era dos dois, porque trabalhavam os dois para ela e pagaram tudo com o trabalho dos dois. Afirmou que em França apenas esteve um ano sem trabalhar, tendo ao segundo ano arranjado trabalho nas limpezas e tendo sempre tido trabalho declarado, com ordenado de 500 euros mensais. Disse que tinham uma conta comum para onde iam os ordenados, embora admita que o réu ganhava mais do que ela. Referiu que as obras que fizeram foram feitas por ambos, antes e depois de irem para França, sendo que a autora também trabalhou nas obras, tal como os seus irmãos, para além de terem contratado algumas pessoas à jeira. Disse que não entra na casa, porque o réu a impediu, tendo lá as suas coisas. Admitiu que não participou nas negociações de aquisição da casa, mas que pagaram tudo em conjunto, até 2010. Esclareceu que o dinheiro que mandavam para a conta em Portugal, não era apenas para as férias, referindo o que despendiam com isso, mas para pagar a quem deviam.

Não podemos deixar de referir que a autora prestou as suas declarações de forma segura, clara e convincente, mostrando credibilidade.

Já o réu prestou umas declarações mais confusas, mostrando-se, por vezes, algo contraditório nas suas afirmações. De qualquer modo, admitiu que começou a viver em comunhão de mesa e habitação com a autora no ano de 2001, apesar de insistir numa separação de alguns meses, mas sem conseguir precisar o período em que aconteceu.

Apesar dessa separação, contudo, das provas referidas não deixou de resultar que o casal passou a viver em comum nesse ano, continuando a fazê-lo após alguns meses de afastamento.

Vejamos os documentos que foram considerados na decisão:

-O assento de casamento de fls. 23 a 24 comprova a data do casamento, bem como do divórcio;
-A escritura de compra e venda de fls. 32 a 35 comprova a data da aquisição dos prédios em causa (28-11-2002), data anterior ao casamento da autora com o réu, bem como o facto de aí constar que os prédios objecto da escritura foram adquiridos pelo réu, no estado de solteiro, não constando qualquer menção à autora;
-O extracto de remunerações remetido pelo Instituto da Segurança Social, junto a fls. 64 a 65, do qual se pode retirar que a autora apenas fez descontos de Março de 2002 a Dezembro de 2005, resultando também que o seu salário não chegava aos 400 euros mensais;
-As declarações de IRS de fls. 66, 68 e 70;
-As notas dos rendimentos que a autora recebia da Caritas Diocesana X, juntas a fls. 67, 69 e 71;
-As informações bancárias de instituição bancária francesa de fls. 72 a 73, 75 a 83 e 84 a 118;
-As facturas de fls. 119 a 124, das quais resulta a aquisição de móveis, sem que, contudo, se saiba se são os móveis mencionados nos autos ou outros que a autora tem na sua residência em França;
-As informações do Banco A de fls. 143 e 144, das quais resulta que foram feitas as transferências referidas pela autora e que a conta onde foram creditados os respectivos valores era titulada pelo réu.

Confrontando a prova documental com a demais prova já referida, o tribunal ficou convencido que a aquisição dos prédios em causa foi feita no período em que autora e réu viviam em comum, ainda que tivesse sido o réu a negociar a compra, como acontece frequentemente, mesmo entre pessoas casadas, sendo certo que o próprio vendedor disse que a autora também esteve presente na fase da negociação, nomeadamente quando se tratou de ir ver a casa. Por outro lado, apesar de não ter a autora feito prova de como foi obtido o dinheiro para pagar os prédios, fez prova suficiente de que também contribuiu, na medida do seu rendimento, até porque a experiência comum mostra que numa relação o rendimento dos dois membros do casal pode ser bastante diferente, sem que os bens adquiridos deixem de ser comuns em partes iguais.
Por maioria de razão, adquirida a casa quando autora e réu já viviam juntos, as regras da experiência comum sempre permitiriam concluir que os respectivos móveis também foram adquiridos no âmbito dessa economia comum.

Pois bem.

Depois da audição da prova gravada, este Tribunal não encontra razões para alterar a decisão da primeira instância.

Não foram juntos documentos que só por si demonstrassem a veracidade do alegado por qualquer das partes. Daí que a decisão teria sempre de emergir da análise da prova chamada pessoal, seja depoimentos testemunhais, seja declarações de parte. Sobre a prova testemunhal, mais nada há a dizer para além do que já se diz na sentença, análise para a qual remetemos. Já quanto às declarações de parte de autora e réu, temos de dizer que, da audição da gravação, nenhuma delas foi totalmente merecedora de credibilidade.

Quer de um lado quer do outro detectámos algumas contradições. Assim, por exemplo, o réu começou por negar peremptoriamente que tivessem pedido um empréstimo ao Banco A para comprar a casa, e mais tarde, acabou por admitir que tal empréstimo pode ter existido, mas não foi de € 25.000,00, só de metade desse valor. E teria sido contraído pelo pai dele, mas para reparar a casa dos pais. Por outro lado, há algo de contraditório em o réu ter admitido que o pai lhe emprestou € 5.000,00 para ajudar a comprar a casa, e depois ter tido necessidade de ir pedir um empréstimo de € 12.500,00. Mas lá foi reconhecendo que a autora sempre foi pessoa trabalhadora.

Já do lado da autora, também se notou em certos segmentos alguma incongruência de discurso, como por exemplo quando se referiu ao dinheiro que trouxe da Suíça e que foi utilizado para ajudar a pagar a casa, e quando foi inquirida sobre os comprovativos bancários desses pagamentos disse que não existem porque tinha pago tudo em numerário. E disse que pagou à irmã do réu. Mais uma vez inquirida sobre o paradeiro dos comprovativos desses levantamentos, não deu resposta satisfatória.

Todavia, dito isto, importa acrescentar que na apreciação da prova pessoal, a imediação é fundamental. Donde, temos de ter presente algumas limitações(1) com que esta Relação se depara, que não existiram no julgamento feito na primeira instância.

Primeiro, “a gravação dos depoimentos por registo áudio ou por meio que permita a fixação da imagem (vídeo) nem sempre consegue traduzir tudo quanto pôde ser observado no Tribunal a quo. Como a experiência o demonstra frequentemente, tanto ou mais importante que o conteúdo das declarações é o modo como são prestadas, as hesitações que as acompanham, as reacções perante as objecções postas, a excessiva firmeza ou o compreensível enfraquecimento da memória, sendo que a mera gravação dos depoimentos não permite o mesmo grau de percepção das referidas reacções que porventura influenciaram o juiz da 1ª instância. Na verdade existem aspectos comportamentais ou reacções dos depoentes que apenas são percepcionados, apreendidos, interiorizados e valorados por quem os presencia e que jamais podem ficar gravados ou registados para aproveitamento posterior por outro tribunal que vá reapreciar o modo como no primeiro se formou a convicção do julgador(2).

Ou seja, o registo áudio da prova não permite captar aquilo que a Psicologia designa de “comunicação não-verbal”. E para um juiz que tem perante si dois relatos divergentes sobre os mesmos factos essenciais, essa comunicação não-verbal assume uma importância determinante na conclusão final sobre a veracidade dos depoimentos.

Daí que, apesar do que dissemos supra, não podemos com segurança afirmar que a decisão de facto esteja errada, como pretende o recorrente. Apesar das apontadas incongruências, o facto de autora e réu já terem um projecto de vida a dois, vivendo em união de facto, o facto de a autora ter estado presente na escritura apesar de o seu nome não constar como compradora, o facto de as várias transferência de dinheiro que o casal enviou de França para Portugal estarem documentalmente provadas, e ainda o facto de ser um dado da experiência comum que num casal (seja de facto ou de jure) em que ambos os cônjuges trabalham e auferem rendimentos, habitualmente ambos contribuem, na medida das respectivas possibilidades para a vida em comum, tudo isso leva-nos a considerar, tal como a primeira instância fez, que a versão relatada pela autora merece mais credibilidade.

Seja como for, o que não podemos é, com uma imediação “mais fraca ou mais atenuada”, revogar o julgamento feito pela primeira instância, pois não existe maneira de afirmar que o mesmo está errado.

E assim, improcede esta parte do recurso.

Ainda nesta fase de apreciação da matéria de facto, e conhecendo oficiosamente de vícios detectados na mesma, temos de dizer que a alínea 8 dos factos provados, com a redacção actual, não se pode manter. Repare-se no texto: “ao longo do tempo que viveram juntos, tanto a autora como o réu trabalharam, ora por conta própria, ora por conta de outrem, mas em conjunto investindo os rendimentos do seu trabalho em situação de compropriedade, na proporção de metade para cada um, e em comum, após o casamento”.

Ora, o segmento “em conjunto investindo os rendimentos do seu trabalho em situação de compropriedade, na proporção de metade para cada um” não se pode manter. Primeiro, por que a referência à compropriedade é pura matéria jurídica, e como tal tem de ser extirpada do texto. Segundo, porque a referência à proporção de metade para cada um não resulta da prova produzida, sendo muito mais a aplicação de uma regra ou princípio jurídico do que julgamento de matéria de facto. Essa parte, também, terá de ser extirpada.

Situação semelhante encontramos no facto provado nº 20, onde se refere: “sempre a Autora e o Réu, desde a aquisição, têm usufruído e detido materialmente os bens imóveis e respectivas benfeitorias, com o ânimo de exclusivos donos, na proporção de metade para cada em deles, …”; o segmento realçado também não se pode manter pois não é matéria de facto, antes mais se aproximando de análise jurídica. Com efeito, quando um casal usa, usufrui e detém os bens móveis e imóveis que adquiriu, fá-lo sempre em comum, de uma forma total e não individualizada nem individualizável. Logo, afirmar que eles usavam os bens na proporção de metade para cada um deles é afirmação que, salvo o devido respeito, não faz sentido. Um homem e uma mulher que vivem juntos na mesma casa, em economia comum, com filhos, usam todos os bens de que dispõem em comum. Compartilham-nos de uma forma fluida e não mensurável. Não faz sentido afirmar que os usam numa qualquer proporção, seja metade, seja três quartos, seja cinco oitavos. Tal afirmação já é o resultado de uma análise jurídica a tentar subsumir a realidade material aos conceitos legais.

Assim, também esta parte terá de ser suprimida.

Aqui chegados, e antes de passar para a apreciação da matéria de Direito, julgamos útil elencar a lista definitiva dos factos provados:

1- Autora e Réu, após algum tempo de namoro, decidiram, em 21 de Janeiro de 2001, viver juntos na mesma casa, como se marido e mulher fossem.
2- Após esta decisão foram morar para casa dos pais do Réu, onde residiram cerca de três anos, em (...), Freguesia de (...), Concelho de Ribeira de Pena.
3- A Autora viveu com o Réu em condições análogas às dos cônjuges, durante cerca de três anos, com início em 21 de Janeiro de 2001 até 11 de Dezembro de 2004, altura em que contraíram casamento católico um com o outro, tendo havido apenas um período de separação de não mais de três a quatro meses, durante esse período, e antes de Março de 2002.
4- Desta União, nasceram três filhos:
-Paulo, nascido a 19 de Outubro de 2003, em Ribeira de Pena;
-Henrique, nascido a 2 de Outubro de 2007, em Arnas – França;
-Ana, nascida a 27 de Abril de 2010, em Arnas - França.
5- Naquelas circunstâncias, viveram a Autora e o Réu debaixo do mesmo tecto, em comunhão de leito, mesa e habitação, orientação e poupança económica.
6- Posteriormente ao casamento, que ocorreu em 11 de Dezembro de 2004, Autora e Réu continuaram a viver debaixo do mesmo tecto, em comunhão de leito, mesa e habitação, orientação e poupança económica.
7- O casamento veio a ser dissolvido por Sentença de 17 de Abril de 2014, já transitada, proferida pelo Tribunal de Grande Instance de Lyon em França.
8- Ao longo do tempo que viveram juntos, tanto a autora como o réu trabalharam, ora por conta própria, ora por conta de outrem, mas em conjunto investindo os rendimentos do seu trabalho na vida em comum.
9- Desde que Autora e Réu começaram a viver juntos, em 21 de Janeiro de 2001, a autora sempre trabalhou, nomeadamente em casa, e em Fevereiro de 2002, começou a laborar para a Santa Casa da Misericórdia, como ajudante de domicílio, auferindo um rendimento mensal médio de cerca de € 350,00, até Agosto de 2005, altura em que, ambos emigraram para França, onde ainda residem.
10- Acumulava a Autora tais funções por conta de outrem, com todas as lides domésticas, confecção de refeições, lavagem e tratamento de roupas, limpeza da casa, aquisição de compras, nomeadamente, alimentação, medicamentos, roupa e outros, fazendo, também, um acompanhamento escolar e de saúde dos filhos.
11- O Réu, desde 21 de Janeiro 2001, quando passou a viver maritalmente com a Autora, até à altura em que ambos emigraram para França, em Agosto de 2005, trabalhava ora em casa para os pais, ora por conta de outrem na construção civil, nomeadamente, na execução de muros, calceta, casas, trabalhos com tractor, trabalhos agrícolas.
12- Autora e Réu estabeleceram desde 21 de Janeiro de 2001, uma comunhão de vida, na qual, em termos naturais, de normalidade e honestidade, dominou sempre o espírito de recíproca e espontânea assistência, colaboração e liberalidade, da qual resultou o nascimento de seus três filhos.
13- Autora e Réu adquiriram, ao longo dos anos de vivência comum, vários bens, pelo esforço comum e no convencimento que eram de ambos, em regime de compropriedade, e posteriormente em comum, após a celebração do casamento católico de ambos.
14- Ao longo da vivência comum em condições análogas às dos cônjuges, decidiram Autora e Réu, de comum acordo, adquirir, ainda no estado de solteiros, um prédio urbano e um rústico.
15- Em 28 de Novembro de 2002, por escritura pública de compra e venda, celebrada no Cartório Notarial, lavrada no Livro (...) fls. 17 a 18 v., na qual consta apenas o réu, no estado de solteiro, como adquirente, os seguintes prédios:
a) Prédio Urbano, composto por uma casa de habitação de rés-do-chão e primeiro andar, sito no Lugar (...), da freguesia (...), concelho de Ribeira de Pena, descrito na competente Conservatória do registo Predial sob o número (…), da freguesia (...), inscrito sob o número (...), e inscrito na respectiva matriz predial sob o artigo (...).
b) Prédio Rústico denominado "Quintal (...)" sito no Lugar (...), da freguesia (...), Concelho de Ribeiro de Pena, descrito na competente Conservatória do Registo Predial sob o número (...), da freguesia (...), inscrito sob o número (...), e inscrito na respectiva matriz predial sob o artigo (...).
16- A aquisição dos dois referidos prédios foi efectuada com dinheiro comum da Autora e do Réu e com dinheiro emprestado, que acabaram por pagar ao longo dos anos em que permaneceram juntos e casados.
17- Autora e Réu efectuaram nos prédios referidos, quer durante a vivência em união de facto quer após o casamento, com dinheiro que iam poupando do esforço comum de ambos, obras de beneficiação e reparação, nomeadamente:

-Aplicação de placa em cimento ao nível da garagem;
-Abertura de uma janela;
-Requalificação de todo o telhado, aplicação de forro em madeira, colocação de telha e edificação de uma chaminé;
-Remodelação da cozinha;
-Instalação de uma caldeira para água quente;
-Aplicação de caleiros em alumínio;
-Arranjos na casa de banho;
-Aplicação de algumas portas;
-Pintura geral da casa (interior e exterior);
-Edificação de um anexo para arrumação de alfaias agrícolas, tractor e ferramentas agrícolas no prédio rústico identificado, bem como reparação de um muro de vedação.
18- Além das obras mencionadas, o referido imóvel urbano foi todo ele mobilado, com móveis adquiridos pelo casal e com dinheiro comum de ambos, nomeadamente com os seguintes móveis:

-Dois quartos de casal completos em madeira;
-Um guarda-fatos com escrivaninha em madeira;
-Uma sapateira em madeira;
-Dois móveis de televisão;
-Um móvel de casa de banho e acessórios;
-Um aquecedor eléctrico;
-Um móvel de sala em madeira;
-Um bar com três bancos em madeira;
-Um sofá com dois cadeirões e uma mesa de sala de jantar em madeira;
-Cadeiras em madeira;
-Duas arcas, em madeira para guarda de bragal e outros;
-Dois fogões;
-Um microondas;
-Uma máquina de café;
-Um frigorífico;
-Uma máquina de lavar a roupa;
-Uma arca congeladora;
-Duas mesas de madeira;
-Vários candeeiros;
-Vários conjuntos de roupa de cama, atoalhados, rendas, louças, panelas, tachos, talheres, copos, pratos, chávenas, cortinados, tapetes e peças decorativas;
-Várias ferramentas agrícolas, nomeadamente, sacholas, ferros do monte, ancinhos, enxadas, machados.
19- Para além dos referidos bens imóveis, respectivas benfeitorias e bens móveis, adquiriram Autora e Réu, também, com o produto do trabalho comum de ambos, outros bens móveis, e semoventes, ou seja:

1- Um tractor com frontal;
2- Uma fresa;
3- Um reboque.
20- Sempre a Autora e o Réu, desde a aquisição, têm usufruído e detido materialmente os bens imóveis e respectivas benfeitorias, com o ânimo de exclusivos donos, deles retirando todos os seus frutos e rendimentos, habitando a casa, confeccionando as refeições, recebendo familiares e amigos, passando férias, guardando pertences, até a presente, deles retirando todas as utilidades e interesses e correlativamente suportando todos os encargos a eles inerentes, contribuições, beneficiações, nomeadamente, as obras referidas.
21- E isto sem interrupção temporal, com conhecimento de toda a gente, e na convicção de quem exercem direito próprio.
22- Também em relação às benfeitorias, aos móveis e semoventes, adquiridos por ambos, ao longo da sua vivência em união de facto e casamento, autora e réu os vêm possuindo e fruindo, com ânimo de exclusivos donos, sem violência, sem oposição de ninguém, à vista de todos, convictos de quem exercem direito próprio e convictos que com a sua posse e fruição não causavam lesão de direitos alheios.
23- Aquando da compra dos prédios identificados nas alíneas a) e b) do artigo 20º da petição inicial, foi decidido por Autora e Réu que os mesmos ficassem em nome do Réu, derivado da economia comum que vinham tendo, sempre na convicção e convencimento da Autora que logo que abordasse o Réu no sentido de reconhecer, documentalmente, tal factualidade não haveria qualquer obstáculo para tal.
24- O Réu recusa reconhecer a existência da compropriedade à Autora, em relação a todos os bens.
25- Esta tomada de posição do Réu, deixou a Autora magoada, triste, infeliz, desgostosa, ansiosa, nervosa e muito ferida.
26- O que lhe tem causado muito sofrimento, humilhação, tristeza, solidão, ansiedade, noites sem dormir.
27- O Réu tem usado e fruído os dois identificados bens imóveis, respectivas benfeitorias, bens móveis e semoventes, contra a vontade da Autora e sem o seu consentimento.
28- Está o Réu na posse dos imóveis referidos, benfeitorias, bens móveis e semoventes, usando-os e fruindo-os, retirando deles todas as utilidades e interesses que os mesmos podem oferecer, nele vivendo, comendo, dormindo, recebendo familiares e amigos, usando-o, gozando-os na sua plenitude.
29- Quando a autora foi viver com o réu, não trabalhava.

Quanto à matéria de Direito: afirma o recorrente que, “independentemente da prova produzida, não pode o réu ser condenado no reconhecimento da compropriedade na proporção de metade sobre os prédios dos autos.

Em primeiro lugar, porque autora e réu não estavam casados, e, como refere douto acórdão do STJ, a aplicação de um regime que não vigora implica uma violação do princípio da igualdade constitucionalmente consagrado no artigo 13º da CRP.

Mas, mesmo que tal regime lhes fosse aplicável sempre estaríamos perante uma comunhão e não uma compropriedade.

Mas, não estando em nenhuma das situações referidos, aplicando-se lhe o regime do enriquecimento sem causa teria a autora que alegar e provar qual foi a sua efectiva comparticipação em dinheiro para a aquisição dos bens referidos e, então, seria o réu condenado no pagamento de tais valores.
Não tendo sido adquiridos na constância do matrimónio, não se provando qual a comparticipação da autora na aquisição (que dos factos resulta não ter sido nenhuma) teriam os pedidos de ter sido julgados improcedentes”.

Aqui temos de dar razão ao recorrente.
Com efeito, não existe matéria de facto que permita visualizar uma situação de compropriedade entre autora e réu.
O direito de propriedade / compropriedade adquire-se por contrato, sucessão por morte, usucapião, ocupação, acessão e demais modos previstos na lei (art. 1316º CC).
Ora, nos autos já vimos que o contrato de compra e venda alegado e provado não tem como interveniente a autora. Logo, não sendo parte no contrato de compra e venda dos imóveis, não pode invocar ter adquirido o direito de compropriedade sobre o mesmo. Sucessão por morte, usucapião, ocupação, acessão, estão igualmente afastadas, pois são formas de aquisição que nem sequer foram alegadas, quanto mais provadas (3).
O regime jurídico decorrente do casamento está igualmente afastado, pois o imóvel foi adquirido, pelo réu, ainda antes de autora e réu terem casado.
É certo que ficou demonstrado que quando foi celebrada a escritura de compra e venda já autora e réu viviam em situação de união de facto.
E aqui entramos no “núcleo duro” do litígio.
Desse facto -de autora e réu estarem a viver em situação de união de facto quando o réu adquiriu os imóveis- emerge algum significado jurídico com relevo para a decisão ?
A resposta tem de ser negativa.

Tal como se escreve na sentença recorrida, de acordo com o disposto no nº 2 do art. 1º da Lei nº 7/2001, de 11 de Maio, a união de facto é a situação jurídica de duas pessoas que, independentemente do sexo, vivam em condições análogas às dos cônjuges há mais de dois anos.

Mas a união de facto não tem consequências sobre o património dos unidos. Como aliás é evidente. A opção de viver em comum, sem casar, faz sentido justamente para fugir ao espartilho jurídico que o Estado impõe aos nubentes.

Aliás, não podemos deixar de registar o contra-senso que é legislar sobre uniões de facto. As pessoas que querem viver juntas sabem que dispõem de uma opção: por um lado, podem recorrer a um contrato-tipo, que o Estado lhes faculta, com um conjunto de direitos e deveres associados, que é o casamento. Por outro, se não quiserem ficar sujeitos a esse espartilho jurídico/legal, podem limitar-se a viver juntos, sem “meter” o Estado dentro da sua casa.
Começar a legislar sobre uniões de facto, é começar a matá-las. Quanto mais o Estado se intromete nas uniões de facto com a aprovação de mais e mais legislação, e com cada vez mais consequências jurídicas, mais está a acabar com elas, as quais vão deixando de ser de facto e vão ficando cada vez mais de juris, enleadas numa densa teia jurídica que as vai transformando em casamentos com diverso nomen juris.

Mas deixando de parte este tipo de apreciações, o certo é que, como se decidiu no Acórdão do TRE de 23 de Fevereiro de 2017 (Relatora Isabel Imaginário), a participação no pagamento do preço não consiste forma de aquisição de bens. Nos termos do disposto no art. 1316.º do CC, «O direito de propriedade adquire-se por contrato, sucessão por morte, usucapião, ocupação, acessão e demais modos previstos na lei.» Sendo estas as formas de aquisição da propriedade, e dado que a lei não estabelece que o pagamento do preço ou parte dele seja modo de aquisição da propriedade, é de concluir inexistir fundamento jurídico para declarar a Autora comproprietária do imóvel e dos veículos. Na verdade, atento o disposto no art.º 767.º do CC, a prestação tanto pode ser feita pelo devedor como por terceiro, esteja este interessado ou não no cumprimento da obrigação. Caso um terceiro, relativamente aos intervenientes no negócio, interessado no cumprimento, efectuar a prestação no lugar do devedor, poderá ficar sub-rogado nos direitos do credor, nos termos do art.º 592.º do CC.

Ou, como se decidiu no acórdão desta Relação de 19/1/2017 (Relator: Jorge Teixeira), “a união de facto, por si só, não é título ou modo jurídico legalmente reconhecido para a aquisição do direito de propriedade”.

Ou ainda: “os efeitos jurídicos da relação de união de facto entre duas pessoas abrangem áreas como a protecção da casa de morada de família, a assistência social do membro sobrevivo e a equiparação, para efeitos de tributação em IRS, dos unidos de facto aos cônjuges, mas nenhuma repercussão têm a nível do património dos membros dessa união de facto. Não pode aqui falar-se da existência de um património comum, não fazendo sentido pretender que ao caso se aplique analogicamente o contido no Código Civil quanto a bens comuns do casal, designadamente nos seus arts. 1724º a 1733º. Embora a comunhão de vida, própria da união de facto, gere, a maioria das vezes, a contribuição – quer com a percepção de rendimentos do trabalho, quer com a realização de tarefas domésticas indispensáveis à vida do casal – de ambos os membros para a aquisição de bens e serviços, inerentes à vida do casal, como sejam a alimentação, o vestuário ou a casa onde habitam, ainda não existe na nossa ordem jurídica tutela para essas situações. Não existe fundamento para fazer aqui uso, por analogia, dos dispositivos legais referidos em II, visto que na união de facto não existem as razões justificativas que, no casamento, levaram a essa regulamentação, designadamente o feixe de obrigações e direitos que vinculam reciprocamente cada um dos cônjuges ligados pelo vínculo contratual do casamento, sendo de destacar, atento o seu cariz patrimonial, os deveres de cooperação, de assistência e o de contribuição para os encargos da vida familiar. As situações em que, com a participação de ambos os membros da união de facto, são adquiridos bens, figurando no respectivo título apenas um deles, têm sido entre nós reconduzidas ao instituto do enriquecimento sem causa (Acórdão do TRL de 26/10/2010 -Rosa Ribeiro Coelho).

E, finalmente, “a união de facto, por si só, não é título ou modo jurídico legalmente reconhecido para a aquisição do direito de propriedade, como o não é o facto de a autora ter contribuído em medida que não foi possível apurar para a aquisição de uma fracção autónoma em vida do seu companheiro e que este inscreveu no registo predial em nome dele – cf. art. 1316.º do CC, em conjugação com as normas da Lei n.º 7/2001, de 11-05.
(Acórdão do STJ de 13/9/2011 -Nuno Cameira).

Assim, sem necessidade de mais desenvolvimentos ou argumentos, improcede necessariamente o pedido de condenação do réu a reconhecer o direito de compropriedade da autora, na proporção de metade sobre os prédios identificados em 20º da Petição Inicial, bem como suas benfeitorias, bens móveis e semoventes identificados em 25º, 26º e 27º da mesma peça processual. Acrescente-se ainda que a própria formulação usada está incorrecta. Os Tribunais não “condenam alguém a reconhecer” um determinado direito. Se olharmos para a tipologia das acções declarativas constante do art. 10º,2 CPC, verificamos que não há espaço legal (e já agora nem jurisprudencial nem doutrinal) para uma acção em que apenas se exige da ré uma mera actividade intelectual. Aí se prescreve, com efeito, que as acções declarativas podem ser de simples apreciação, de condenação ou constitutivas. As de simples apreciação visam obter unicamente a declaração da existência ou inexistência de um direito ou de um facto; as de condenação, exigir a prestação de uma coisa ou de um facto, pressupondo ou prevendo a violação de um direito; e as constitutivas, autorizar uma mudança na ordem jurídica existente. E, finalmente, dizem-se «acções executivas» aquelas em que o credor requer as providências adequadas à realização coactiva de uma obrigação que lhe é devida. Condenar alguém a “reconhecer” algo é uma figura que não tem qualquer possibilidade de imposição coerciva. Reconhecer é uma mera actividade intelectual, do funcionamento do cérebro humano, que pode ter ou não qualquer tradução para o mundo exterior, e que jamais pode ser perscrutada de fora e muito menos imposta de fora (4). Do ponto de vista dogmático, o que faria sentido seria que a autora formulasse um pedido de simples apreciação, para que o Tribunal declarasse a existência ou inexistência de um direito ou de um facto. E não um pedido de condenação inexequível.

Mas, dito isto, concluímos dizendo que mesmo que assim interpretássemos o pedido da autora, convolando-o para a formulação correcta (como pedido de declaração de que ela seria comproprietária dos referidos imóveis), a solução continuaria a ser a total improcedência.
Porque, repetindo, a união de facto não é forma de aquisição de direito de propriedade ou compropriedade.

Seguidamente, afirma o recorrente que “para que a autora pudesse ser ressarcida com fundamento em enriquecimento sem causa deveria ter intentado a presente acção no prazo de 3 anos contados do conhecimento do facto; ora, é a própria autora que confessa que esteve na outorga da escritura pública pelo que o prazo não poderá deixar de se contar de tal data, pelo que há muito prescreveu o direito da autora a exigir qualquer comparticipação, isto caso tivesse feito alguma que, como se demonstrar não ocorreu”.

Ou seja, vem suscitar a questão da prescrição do direito da autora.

Como resulta dos autos, já na contestação o réu tinha excepcionado a prescrição do direito invocado pela autora com base no enriquecimento sem causa. E na audiência prévia foi proferido despacho saneador, onde se julgou improcedente tal excepção.

E dessa decisão o réu não interpôs o competente recurso, podendo tê-lo feito, nos termos do art. 644º,1,b CPC. Isto porque decidir sobre a prescrição de um direito é decidir sobre o mérito da causa. Assim, no despacho saneador o Tribunal, sem pôr termo ao processo, decidiu parcialmente sobre o mérito da causa.

Ao não interpor recurso dessa decisão, podendo tê-lo feito, o réu conformou-se com a mesma, o que significa que sobre essa questão já se formou caso julgado material (art. 580º,1 CPC).

E o caso julgado é uma excepção dilatória (art. 577º,i CPC) de que o Tribunal deve conhecer oficiosamente (art. 578º CPC).

Pelo exposto, não podemos conhecer desta parte do recurso, por abranger questão já decidida com trânsito em julgado.

De seguida afirma o recorrente que a sentença recorrida enferma ainda de inconstitucionalidade por violação do art. 13º da Constituição da República Portuguesa, mas se bem percebemos a alegação, a mesma prendia-se com a questão do reconhecimento do direito de compropriedade, pelo que atenta a procedência do recurso nessa parte, se mostra agora prejudicada.

Finalmente, afirma o recorrente que “aplicando-se lhe o regime do enriquecimento sem causa teria a autora que alegar e provar qual foi a sua efectiva comparticipação em dinheiro para a aquisição dos bens referidos e, então, seria o réu condenado no pagamento de tais valores”.

E tem inteira razão.

Tem sido orientação pacífica do Supremo Tribunal de Justiça que nos casos de cessação da união de facto, podem os ex-unidos de facto recorrer ao processo de liquidação judicial de património da sociedade de facto, se se verificarem os respectivos pressupostos (cfr. Pereira Coelho, RLJ 120, 80 e o Acórdão do STJ de 9.3.2004, na CJ STJ XII,I,112). Não sendo seguido esse caminho, como sucede nestes autos, resta então atender às regras do enriquecimento sem causa, previsto no artigo 473.º e seguintes do Código Civil (cfr. acórdão do STJ de 31 de Março de 2009, Relator: João Bernardo; França Pitão, Uniões de Facto e Economia Comum, 2.ª ed. 182).

“A dissolução da união de facto poderá implicar uma eventual divisão e partilha das contribuições de cada um dos parceiros na construção de um património em comum, podendo-se questionar a que título seriam as mesmas exigíveis, se através do instituto do enriquecimento sem causa, nos termos do artigo 473º,1 do CC na medida em este instituto pressupõe a inexistência de causa justificativa para o enriquecimento, ou se a qualquer outro título, vg, a própria união de facto como fonte autónoma desse ressarcimento (Acórdão do STJ de 24/10/2017 -Ana Paula Boularot).

“Se, na pendência da união de facto, os bens são adquiridos apenas em nome de um deles e ambos contribuíram para a sua aquisição, o companheiro que não consta do título como proprietário poderá reaver a sua comparticipação financeira na aquisição do bem através do instituto do enriquecimento sem causa (Acórdão do TRP de 10/7/2013 - Maria João Areias).

Assim, concordamos com a sentença recorrida, quando, perante uma óbvia situação de união de facto, afirma que nem todos os bens que se encontram no património dos dois membros da união de facto, têm de ser comuns, cabendo a prova dessa situação à parte que a alega – art. 342º, nº 1 do Código Civil.

não podemos concordar, como já dissemos, com a afirmação de que a matéria de facto provada permite concluir por uma situação de compropriedade.

E, daí se segue que também não se coloca a questão da forma de divisão do património comum, porque este, repetindo-nos, não existe.

E finalmente chegamos ao instituto do enriquecimento sem causa.

E aí, já podemos subscrever o que se afirma na sentença, de estarem verificados todos os requisitos do enriquecimento sem causa.

Já não, mais uma vez, no que se refere à afirmação de que deve proceder a pretensão da autora, no que se refere ao recebimento de metade do valor real dos bens, quer dos dois imóveis, quer dos semoventes, quer dos móveis que se deu como provado que existiam à data da propositura da acção.

Porquê metade ?

Já sabemos que não há qualquer comunhão ou compropriedade decorrente da união de facto.

Olhando para a matéria de facto provada o que vemos é que ao longo do tempo que viveram juntos, tanto a autora como o réu trabalharam, ora por conta própria, ora por conta de outrem, mas em conjunto investindo os rendimentos do seu trabalho na vida em comum.
Em lado algum ficou provado qual foi o contributo exacto da autora, em euros e cêntimos, para os bens adquiridos para a vida em comum. E é esse valor que é relevante, pois será ele a dizer-nos o alcance exacto do enriquecimento do réu à custa da autora, e, consequentemente, da obrigação de indemnizar a cargo deste.

Como vimos, a autora formula pedidos separados entre si pela locução “E/ou”.
Não vamos agora, nesta sede, analisar da licitude processual de formular pedidos dessa forma. Vamos apenas dizer que o pedido que é congruente com a causa de pedir fáctica demonstrada é o que surge em último lugar.

A autora apresentou-se com uma pretensão que fez assentar no instituto do enriquecimento sem causa, previsto no art. 473º do Código Civil (CC).

“Aquele que, sem causa justificativa, enriquecer à custa de outrem é obrigado a restituir aquilo com que injustamente se locupletou". A obrigação de restituir, por enriquecimento sem causa, tem de modo especial por objecto o que for indevidamente recebido, ou o que for recebido por virtude de uma causa que deixou de existir ou em vista de um efeito que não se verificou (art. 473º,1,2 CC).

Escreve o Prof. Antunes Varela (Das obrigações em geral, 7ª edição, vol. 1º, fls. 463) que “a obrigação de restituir e a correspondente pretensão à restituição constituem assim uma forma de compensação instituída pela lei para certas situações que, embora formalmente conformes aos seus preceitos, conduzem a resultados (de injusto enriquecimento) substancialmente reprovados pelo direito”.

E acrescenta depois o mesmo Mestre: “as situações de enriquecimento injusto, que a obrigação de restituir se destina a sanar ou compensar, provêm muitas vezes de um negócio jurídico, em regra celebrado entre aquele que enriquece e a pessoa à custa da qual o enriquecimento é obtido”.

Para melhor percepção da situação em presença, vejamos um por um os requisitos da obrigação de restituir, prevista no art. 473º CC.

Em primeiro lugar, exige-se que haja um enriquecimento de alguém. Acompanhando ainda a lição do citado Mestre, o enriquecimento consiste na obtenção de uma vantagem de carácter patrimonial, seja qual for a forma que essa vantagem revista. Umas vezes a vantagem traduzir-se-á num aumento do activo patrimonial; outras numa diminuição do passivo; outras no uso ou consumo de coisa alheia ou no exercício de direito alheio, quando estes actos são susceptíveis de avaliação pecuniária; outras ainda, na poupança de despesas.

No caso concreto o enriquecimento está em o réu ter ficado com o direito de propriedade sobre vários bens para cuja aquisição também a autora comparticipou, em montantes não apurados, enquanto viveram em união de facto.

Chegamos ao segundo requisito, a ausência de causa.

Este é sem dúvida o ponto mais melindroso de todos os litígios em que se discute o enriquecimento sem causa. Quando é que se pode dizer que não existe causa para o enriquecimento ?

O conceito de causa do enriquecimento é um dos mais discutidos entre os autores e dos mais difíceis de precisar, pela extrema variedade de situações a que tem de aplicar-se. A lei civil não o definiu, limitando-se cautelosamente a facultar ao intérprete algumas indicações capazes de, como meros subsídios, auxiliarem a sua formalização pela doutrina e pela jurisprudência.

Quando o enriquecimento provém de uma prestação, a causa do mesmo é a relação jurídica (de crédito, neste caso), que a prestação visa satisfazer (A. Varela, ibidem, fls. 470).

Assim, sempre que o enriquecimento provenha de uma prestação, a sua causa é a relação jurídica que a prestação visa satisfazer. Se por exemplo A entrega a B certa quantia para cumprimento de uma obrigação e esta não existe, ou porque nunca foi constituída ou porque já se extinguiu ou porque é inválido o negócio jurídico em que assenta, deve entender-se que a prestação carece de causa.

Escrevem Pires de Lima e Antunes Varela (CC anotado, 1º volume, fls. 454 e seguintes) que a directriz que importa seguir em todos os casos para saber se o enriquecimento assenta ou não numa causa justificativa, é um puro problema de interpretação e integração da lei, tendente a fixar a correcta ordenação jurídica dos bens. Quando o enriquecimento criado está de harmonia com a ordenação jurídica dos bens aceite pelo sistema, pode asseverar-se que a deslocação patrimonial tem causa justificativa; se pelo contrário, por força dessa ordenação positiva, ele houver de pertencer a outrem, o enriquecimento carece de causa.

Por outro lado, como ensinam Pires de Lima e Antunes Varela em anotação ao art. 473º, a obrigação de restituir pressupõe a ausência de causa para a prestação, quer porque nunca a tenha tido, quer porque tendo-a inicialmente, entretanto a haja perdido.

Salvo melhor opinião, é justamente o caso dos autos. Ficou provado que, por terem vivido em união de facto, numa comunhão plena de vida, autora e réu construíram o património referido supra, para o qual comparticiparam com dinheiro de cada um. Finda essa situação de facto, por separação dos unidos (a celebração de casamento e posterior divórcio salvo melhor opinião não relevam para o caso), as prestações efectuadas pela autora para aquisição dos bens supra mencionados, que ficaram na posse e propriedade do autor, passaram a não ter causa, rectius, deixaram de ter causa, nos termos da lei.

Assim, nesta parte e nestes termos o recurso merece provimento. Como o montante exacto do enriquecimento não foi aqui apurado, terá de ficar para liquidação posterior ou subsequente à sentença (arts. 358º,2 e 609º,2 CPC).

V- DECISÃO

Por todo o exposto, este Tribunal da Relação de Guimarães decide julgar parcialmente procedente o recurso interposto, e em consequência decide:

a) Absolver o réu do pedido de condenação a reconhecer o direito de compropriedade da autora na proporção de metade, sobre os prédios identificados em 20º da Petição Inicial, bem como suas benfeitorias, bens móveis e semoventes, nos termos discriminados supra;
b) Condenar o réu a entregar à autora a quantia que se vier a apurar em posterior incidente de liquidação, correspondente ao valor com que a autora participou na aquisição dos bens identificados em 20º da Petição Inicial, bem como suas benfeitorias, bens móveis e semoventes, nos termos discriminados supra.
c) No mais, confirma-se a sentença recorrida.

Custas por recorrente e recorrida, em partes iguais (art. 527º,1,2 CPC).
Data: 27/9/2018


Relator

(Afonso Cabral de Andrade)

1º Adjunto
(Alcides Rodrigues)

2º Adjunto
(Joaquim Boavida)


1. Que, apesar de tudo, não são impeditivas de uma reapreciação total da prova com vista à formação da convicção do Juíz da Relação.
2. Conselheiro Abrantes Geraldes, ob cit, fls. 286.
3. Apesar de a autora ter alegado alguns factos típicos das acções reais em que existe aquisição de direito de propriedade por usucapião, o certo é que essa pretensão, a aquisição do direito de propriedade por usucapião, não foi formulada, nem é objecto deste recurso.
4. Já escrevia José Alberto dos Reis, in Código de Processo Civil Anotado, Vol. II, 3ª edição, pág. 365: “(…) usa-se, por vezes, desta linguagem: seja o réu condenado a ver declarar que o autor é seu filho, a ver declarar que não existe a servidão a que se arroga, a ver decretar o divórcio ou a separação, a ver autorizar a constituição da servidão de aqueduto, etc. É claro que esta forma de enunciação do pedido é incorrecta. Condenar alguém a ver produzir-se determinado efeito jurídico não tem pés nem cabeça. A condenação só tem razão de ser quando o réu estava obrigado a prestar um facto ou uma coisa e deixou de satisfazer a prestação”.