Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
359/11.4TTBRG-C.G1
Relator: ANTERO VEIGA
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
PROVA PERICIAL
PERÍCIA COLEGIAL
SEGUNDA PERÍCIA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 09/20/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO SOCIAL
Sumário:
A lei adjectiva laboral contém regime próprio no que tange à prova por perícia no âmbito do processo especial de acidentes de trabalho.

No âmbito da acção especial emergente de acidente de trabalho revela-se inadmissível a realização de uma 2ª perícia colegial, não havendo lugar a aplicação do previsto no artigo 487º do CPC.

Tal circunstância não afecta a realização da justiça, já que realizada a junta médica, a parte pode pedir esclarecimentos, pode ainda requerer ao juiz que determine a comparência em audiência dos peritos, e o juiz pode, se o considerar necessário, determinar a realização de exames e pareceres complementares ou requisitar pareceres técnicos, conforme nº 7 do artigo 139º.
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Guimarães.

Maria…, veio intentar a presente ação especial de acidente de trabalho contra:
Sociedade …, Ldª, e
Companhia de seguros …, S.A.”.

A tentativa de conciliação foi infrutífera.

A autora invocou na petição ter sofrido um acidente de trabalho, descarga/shok elétrico. Foi internada em neurocirurgia com diagnóstico de tetraparesia e predomínio inferior (grau 3 bilateral) e no membro superior esquerdo (grau 4). Necessita apoio de terceira pessoa.

- A sinistrada formulou os seguintes quesitos:

1. Existem casos médicos conhecidos que um choque elétrico conforme o descrito nos presentes autos, resulta nas lesões com a gravidade das alegadamente sofridas pela sinistrada?
2. Quais os exames médicos realizados que foram analisados para determinar a incapacidade da sinistrada?
3. Foi realizado nos autos um exame de Potenciais Evocados tanto da via sensitiva como motora?
4. A evolução das lesões que a sinistrada tem apresentado, refletem uma situação atípica, sendo que uns dias tem queixas e noutros não apresenta queixas – não seria normal uma estabilização sem flutuações?
- A 28/2/2014 teve lugar a realização de junta médica de neurologia, tendo os Srs. Peritos solicitado exames; RMN cerebral e de todo o neuroeixo; EMG dos quatro membros; potencias evocados motores e somatosensorias; e requereram a junção pela seguradora de “todo o processo clínico referente à sinistrada”, desde o seu início, designadamente os relatórios clínicos e exames efetuados por todos os médicos que observaram a sinistrada desde a data do acidente até à atualidade”.
- A 3/6/2014 realizou-se a junta médica de neurocirurgia da qual consta:

“SITUAÇÃO ATUAL (Descrição das lesões e respetivas sequelas anatómicas e disfunções)

Iniciada a diligência, pela sinistrada foram apresentados dois relatórios médicos, emitidos pelo H.S. Maria-Porto em 26/05/2014, outro pelo Dr. G. L., datado de 23/05/2014, e um terceiro do Dr. Rui, datado de 29/05/2014, que o Sr. Juiz rubricou e mandou juntar aos autos.

Seguidamente, os srs. peritos médicos passaram a responder aos quesitos formulados a fls. 317 da seguinte forma:

1.0- O Sr. perito médico da sinistrada responde que SIM. Igualmente, o Sr. perito médico do tribunal responde que SIM, mas desde que haja lesões cerebrais ou medulares identificáveis, que não é o caso. Por sua vez, o Sr. perito médico da seguradora foi dito que, pela experiência como perito de medicina legal e da avaliação do dano corporal, os casos que observou até à data, nunca apresentaram sintomatologia idêntica à que a sinistrada apresenta.
2.0 - Os Srs. peritos médicos respondem, por unanimidade que, em sede de Junta Médica de Neurocirurgia realizada na sessão anterior, foram pedidos e realizados os exames de RMN, Potenciais Evocados Somatosensitivos dos membros superiores e inferiores e EMG dos quatro membros.
3. - Por unanimidade, os Srs. peritos médicos respondem ,SIM.
4.º - Por maioria, os Srs. peritos médicos da seguradora e do tribunal respondem que o exame objetivo não corresponde a uma tetraparésia espástica e os movimentos atípicos que apresenta atualmente, nesta junta, não se justificam pela normalidade dos exames pedidos e realizados.

Pelo Sr. perito médico da sinistrada foi dito que a observação clínica da sinistrada reflete uma situação atípica do ponto de vista neurológico, circunstância esta que leva a que os serviços clínicos da seguradora mantenham tratamentos de medicina física e reabilitação para o diagnóstico de tetraparésia espástica (último relatório emitido pelo H.S. Maria-Porto de 26/05/2014 bem como Relatório Médico do Dr. … datado de 23/05/2014 agora apresentados e Dr. …, fisiatra assistente no âmbito do tratamento dos serviços clínicos da seguradora que afirma o mesmo diagnóstico de tetraparésia secundária a choque elétrico (relatório datado de 29-05-2014, igualmente agora junto). A sinistrada, ao exame objetivo, apresenta marcha atípica, para além de necessitar de auto algaliação para esvaziamento vesical orientado pelos médicos da seguradora. Para além da observação objetiva, refere que a RMN Vertebro medular apresenta cavidade hidromiélica C3-D8, já descrita no estudo realizado de 26/05/201O.

Mais declaram, POR MAIORIA, os Srs. peritos médicos da seguradora e do tribunal que, dada a natureza oscilante do quadro clínico não explicada do ponto de vista orgânico, a ausência de deficites neurológicos objetiváveis e ausência de lesões observáveis a nível imagiológico e neurofisiológico, consideram que o quadro clínico da sinistrada não tem etiologia orgânica, nomeadamente do foro neurológico, não havendo, por isso, lugar a atribuição de qualquer IPP por Neurologia/Neurocirurgia.

Por sua vez, pelo Sr. perito médico da sinistrada foi dito que não encontra qualquer razão para alterar a IPP de 80,00%, assumida, por maioria, em Junta Médica de Neurologia, anteriormente realizada (fls. 295/6/7).

- A 16/1/2015 teve início o julgamento. Na sessão de 19/5/2015 os peritos intervenientes naquela junta prestaram esclarecimentos.

Foi proferida decisão, que por acórdão de 14/6/2017 foi anulada, determinando-se a ampliação da matéria de facto, dada a insuficiência da junta de neurologia, devendo pronunciar-se sobre possibilidade de sequela de lesão medular, sobre a atribuição ou não de incapacidade por urologia e psiquiatria (problemas de bexiga e psicológicos e psiquiátricos) e sua relação com sinistro).

- Realizada nova junta de neurologia pronunciou-se esta nos seguintes termos por maioria (peritos indicados por tribunal e seguradora):

1 - Os peritos consideram que não há lesões ou sequelas do foro neurológico consequentes ao acidente de que foi vítima considerando o tipo de acidente, as lesões sofridas, os registos clínicos e os tratamentos efetuados, bem como o exame neurológico realizado e os exames complementares de diagnóstico.
2 - Relativamente à RMN raqui modelar efetuada e à imagem da cavidade hidromielica observada os peritos consideram que neste tipo de acidente como ocorreu à sinistrada não há lugar a lesões modelares.
A cavidade visualizada (filiforme e localizada) é um achado incidental relativamente frequente e que nada tem a ver conforme referido com eventuais lesões sofridas.
3 - Relativamente às queixas de eventuais alterações de funcionamento da bexiga os peritos consideram que não há lesões nem sequelas do foro neurológico que sejam a causa das mesmas admitindo mesmo que os testes urodinâmicos efetuados não são fidedignos e podem ser voluntáriamente alterados.
4 - Relativamente a eventuais lesões do foro psiquiátrico e eventual avaliação por psiquiatria, os peritos são de parecer que as lesões sofridas ao não provocarem lesões ou sequelas neurológicas estas não estão na origem das mesmas.
5 - Mais consideram que as lesões primordiais seriam as do foro neurológico que não foram como já referido corroboradas ou confirmadas no exame clínico e exames complementares efetuados.

Pelo perito da autora esclarece o seguinte:

1 - Em relação às sequelas do foro neurológico mantêm a opinião emitida no auto de junta médica de fls. 111, 112 e 113.
2 - Em relação às sequelas do foro urológico e psiquiátrico entende que a sinistrada deverá ser avaliada pelas especialidades de urologia e psiquiatria a fim de definição do nexo causal entre as lesões sofridas no acidente e eventuais sequelas.
3 - Para melhor esclarecimento e se existirem novos elementos clínicos estes devem ser juntos ao processo para avaliação em juntas médicas eventualmente a realizar.”

Na sequência desta junta a sinistrada veio requerer:

“ Assim, requer-se, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 432.º do CPC, seja oficiado e solicitado ao Hospital de Braga, a junção aos autos de todo o processo clínico da Autora, constante daquele Hospital, a partir de 11 de novembro de 2016 até a presente data, por serem documentos supervenientes ao Julgamento e decisão proferida nos presentes autos e que se mostram essenciais à boa decisão da causa e que deverão ser submetidos à apreciação das Juntas Médicas da Especialidade que ao diante serão requeridas.

Mais requer-se, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 432.º do CPC, seja oficiado e solicitado ao Centro de Saúde de Braga I, que venha informar aos autos todos os tratamentos/exames e ajudas médicas e medicamentosas prescritos à Autora, a partir de 11 de novembro de 2016,até a presente data, por serem documentos supervenientes ao Julgamento e decisão proferida nos presentes autos e que se mostram essenciais à boa decisão da causa, e que deverão ser submetidos à apreciação das Juntas Médicas da Especialidade que ao diante serão requeridas.

SEM CONCEDER,

MAIS SE REQUER, na sequência do douto Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, datado de 14/06/2017, que considerou que não resulta esclarecida nos autos, “se não tendo eventualmente incapacidade por neurologia, como refere a junta de fls. 370, não haverá por outras especialidades, designadamente psiquiatria e urologia. Nada vem referido quanto a problemas a nível da bexiga, psicológicos, psiquiátricos, se com relação ou não ao sinistro” e atento o parecer do Perito Médico Dr. …, constante do auto de Junta de 01/02/2018, sejam determinadas e designadas datas para realização juntas das especialidades de urologia e psiquiatria a fim de definição do nexo causal entre as lesões sofridas no acidente e eventuais sequelas, porquanto só a realização das referidas juntas será suscetível de dar resposta cabal aos esclarecimentos que demandam os Exmos. Sr. Juízes Desembargadores junto do Tribunal da Relação de Guimarães, e bem assim, aferir-se o verdadeiro grau de incapacidade da sinistrada, ora Autora.

MAIS SE REQUER, na sequência de todo o exposto e porque se nos afigura essencial para a boa decisão da causa, seja designada uma Segunda Junta da Especialidade de Neurologia, com vista à determinação da incapacidade da Autora, uma segunda perícia portanto, que tenha em conta todos os documentos e pareceres juntos aos autos, bem como, todo o historial clínico da Autora, e ainda os documentos agora juntos e os demais cuja junção se requer – registos clínicos do Hospital de Braga, porquanto além de existirem nos autos laudos contraditórios entre si emitidos pela primeira Junta formada (cfr. os laudos periciais constantes de fls. 295 a 297 e 369 a 371 e o auto de 01/02/2018), além do resultado/laudo da mesma ser contrário aos demais elementos (exames e pareceres) e documentos já juntos aos autos, a verdade é que a Junta inicialmente formada não foi/é capaz de dar resposta aos quesitos formulados pelo douto Tribunal da Relação de Guimarães, tudo o que se requer, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 35.º, n.º 2 do CPT e ainda do art. 487.º do CPC.”

O requerimento foi indeferido, constando do despacho:

“Conforme se deduz do despacho de fls. 811, o objetivo pretendido pelo Tribunal da Relação de Guimarães era apenas o de repetir a junta médica da especialidade de neurologia, por os respetivos peritos não fundamentarem devidamente o laudo proferido. Ora, cremos, salvo o devido respeito, que este objetivo foi alcançado, sendo certo que os peritos do Tribunal e da Seguradora – os únicos da especialidade de neurologia – esclareceram, dentro do possível, as dúvidas que ainda persistiam no anterior laudo. Mas, é evidente que não poderão responder (ou melhor, não estarão nas melhores condições para responder) às alegadas sequelas de natureza urológica e psiquiátrica. De todo o modo, tiveram o cuidado de referir que as lesões primordiais seriam sempre de natureza neurológica, as mesmas que não verificaram em resultado do acidente, depois da panóplia de exames médicos a que a sinistrada foi submetida.

Por outras palavras, continuamos a achar desnecessária a realização de outras juntas médicas – da mesma ou de outra especialidade – ou de outros exames e pareceres complementares ou requisitar mais pareceres técnicos.

- Inconformada a autora apresentou recurso com as seguintes conclusões:


2- Com efeito, por Acórdão proferido em 14/06/2017, foi julgado procedente o recurso de apelação da decisão final proferida nos presentes autos interposto pela A. que decidiu anular a decisão da primeira instância, tendo em vista a ampliação da matéria de facto, por se mostrar impossível a reapreciação da matéria de facto, nos termos do art. 662.º, n.º 2, c) do CPC.
3- Assim, o Acórdão proferido, anulou a decisão proferida e determinou a repetição da Junta Médica de Neurologia.

5- Após realização da junta, onde não foi necessária, segundo os peritos, a presença da sinistrada, pese embora a mesma ter comparecido no tribunal devidamente acompanhada pela sua mandatária, a aqui Recorrente foi notificada do auto de junta médica realizada no dia 01/02/2018 (ref.ª citius 156725607).

7- Com efeito, a Recorrente considerou, como considera, que contrariamente ao determinado pelo douto Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, a junta médica realizada no dia 01/02/2018, não deu resposta, mais uma vez, às questões ali indicadas, nomeadamente, a Junta não esclarece ou explica, contrariamente ao demandado pelo tribunal superior, os elementos que importa ver apreciados em sede de junta, nomeadamente os elementos enumerados a fls. 29 e 30 do douto acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães.
8- Acresce que quanto ao teor do PARECER e artigos médicos juntos aos autos, a junta formada em 01/02/2018, nem sequer se pronuncia (contrariamente ao demandado pelo Tribunal da Relação de Guimarães).
9- Assim, a junta continua a não permitir analisar e ponderar com segurança o grau de incapacidade da sinistrada, pelo que, na sequência do já afirmado pelo Tribunal da Relação de Guimarães, o meio de prova não cumpre o seu objetivo, não ajudando a formar a convicção do julgador, pelo que continua…
10- O resultado/laudo da Junta não é, mais uma vez, unânime; com efeito, o perito médico da Autora, além de manter o parecer emitido nas juntas médicas anteriormente realizadas, mantendo, portanto, o parecer/laudo de que a Autora padece de incapacidade pela especialidade de neurologia, é ainda do parecer que em relação às sequelas do foro urológico e psiquiátrico entende que a sinistrada deverá ser avaliada pelas especialidades de urologia e psiquiatria a fim de definição do nexo causal entre as lesões sofridas no acidente e eventuais sequelas.
11- Acresce que o perito apresentado pela Autora emitiu ainda parecer de que para melhor esclarecimento, e se existirem novos elementos clínicos, estes devem ser juntos ao processo para avaliação em juntas médicas eventualmente a realizar.
12- Preceitua o artigo 35.º, n.º 2 do CPT que o Juiz pode, a requerimento fundamentado das partes, determinar a produção de quaisquer provas que considere indispensáveis à decisão.
13- Ora, atento o laudo da Junta (por maioria apenas), os pareceres antagónicos ali emitidos, e ainda o parecer emitido pelo perito médico apresentado pela Autora, considera a Recorrente, salvo o devido respeito, que é imprescindível para determinação da incapacidade e grau de incapacidade que afeta a Autora, e portanto para o apuramento da verdade material e ainda para cabal fundamentação da decisão, a junção aos autos dos seguintes elementos, cuja junção requereu fossem admitidos: atestado de doença, subscrito pela médica, Dr.ª …, médica de família da Autora, subscrito em 10/01/2018, que atesta que a Autora “apresenta dor crónica, marcha espástica, desequilíbrio e necessidade de algaliação, assim como, sequelas de várias quedas devido à patologia. Seguida em neurologia, MFR, Ginecologia e Clínica Geral.”.
14- Mais requereu a Autora, ora recorrente, a junção aos autos de relatório médico de medicina física e reabilitação, datado de 08 de janeiro de 2018, subscrito por …, médico fisiatra, tudo por considerar que os documentos /elementos juntos deverão ser submetidos à apreciação das Juntas Médicas da Especialidade também ao diante e no mesmo requerimento requeridas.
15- Mais requereu, a junção aos autos de quatro documentos onde constavam as datas dos próximos agendamentos nas especialidades referidas pelo atestado médico junto sob o n.º 1, e que comprovam, também eles, que a Recorrente se encontra a ser seguida por aquelas especialidades, a saber: consulta de urologia e exame de urologia, com agendamento para o dia 22/02/2018; neurologia, com agendamento para o próximo dia 23/04/2018; psiquiatria, com agendamento para o próximo dia 07/08/2018, todas no Hospital de Braga (documentos que comprovam que a Recorrente não está curada sem incapacidade).
16- Tudo com o fundamento de que, desde a prolação da sentença proferida nos autos, e atento o efeito devolutivo do recurso interposto da decisão final, a recorrida Companhia de Seguros suspendeu todos os tratamentos, consultas médicas das referidas especialidades, ajudas médicas e medicamentosas, tratamentos e exames que até aquela data tinha prestado à Autora, razão pela qual, a mesma passou a ser seguida pelo SNS, que manteve, como mantém o diagnóstico de incapacidade atribuída pela primeira junta médica por neurologia constante dos autos, ou seja, Tetraparesia do Predomínio Esquerdo com atingimento dos esfíncteres, aliás, em conformidade com o diagnóstico dos serviços clínicos da própria Ré e ainda do exame médico constante dos autos (relatório GML).
17- Com efeito, o SNS tem prestado todos os cuidados de saúde que eram anteriormente prestados pela Seguradora Ré, em virtude da manutenção do diagnóstico de doença e incapacidade que afeta a mesma, atestado inclusive por atestado de incapacidade multiuso, que atribui à A. incapacidade definitiva e que atesta, de acordo com a TNI – Anexo I, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 352/2007, de 23 de outubro, que a sinistrada é portadora de deficiência que lhe confere, naquela data, uma incapacidade permanente global de 93%, incapacidade esta DEFINITIVA (conforme documento já junto aos autos).
18- A Recorrente requereu, também, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 432.º do CPC, que fosse oficiado e solicitado ao Hospital de Braga, a junção aos autos de todo o processo clínico da Autora, constante daquele Hospital, a partir de 11 de novembro de 2016 até a data de entrada do requerimento, por serem documentos supervenientes ao Julgamento e decisão proferida nos presentes autos e que se mostram essenciais à boa decisão da causa e que deverão ser submetidos à apreciação das Juntas Médicas da Especialidade ao diante, e no mesmo requerimento, também requeridas.
19- Mais requereu, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 432.º do CPC, que fosse oficiado e solicitado ao Centro de Saúde de Braga I, para vir informar aos autos todos os tratamentos/exames e ajudas médicas e medicamentosas prescritos à Autora, a partir de 11 de novembro de 2016 e até a data de entrada do requerimento, por serem documentos supervenientes ao Julgamento e decisão proferida (e anulada) nos presentes autos e que se mostram essenciais à boa decisão da causa, e que deverão ser submetidos à apreciação das Juntas Médicas da Especialidade ao diante requeridas.
20- Mais requereu a Recorrente, em conformidade com, o aliás douto Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, datado de 14/06/2017, que considerou que não resulta esclarecida nos autos, “se não tendo eventualmente incapacidade por neurologia, como refere a junta de fls. 370, não haverá por outras especialidades, designadamente psiquiatria e urologia. Nada vem referido quanto a problemas a nível da bexiga, psicológicos, psiquiátricos, se com relação ou não ao sinistro”, a realização de novas Juntas das especialidades de urologia e psiquiatria, afim da eventual definição do nexo causal entre as lesões sofridas no acidente e eventuais sequelas, porquanto só a realização das referidas juntas será suscetível de dar resposta cabal aos esclarecimentos que demandam os Exmos. Sr. Juízes Desembargadores junto do Tribunal da Relação de Guimarães, e bem assim, aferir-se o verdadeiro grau de incapacidade da sinistrada.
21- Requerimento de prova fundamentado, também, no parecer do Perito Médico Dr. Orlando, constante do auto de Junta de 01/02/2018.
22- Mais requereu, na sequência de todo o exposto e porque se nos afigura essencial para a boa decisão da causa, que fosse designada, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 35.º, n.º 2 do CPT e artigo 487.º, n.º 1 do CPC ex vi art. 1.º do CPT, que fosse designada uma segunda junta da especialidade de Neurologia, com vista à determinação da incapacidade da Autora, uma segunda perícia portanto, que tenha em conta todos os documentos e pareceres juntos aos autos, bem como, todo o historial clínico da Autora, e ainda os documentos agora juntos e os demais cuja junção se requer – registos clínicos do Hospital de Braga, porquanto além de existirem nos autos laudos contraditórios entre si emitidos pela primeira Junta formada (cfr. os laudos periciais constantes de fls. 295 a 297 e 369 a 371 e o auto de 01/02/2018), além do resultado/laudo da mesma ser contrário aos demais elementos (exames e pareceres) e documentos já juntos aos autos, a verdade é que a junta inicialmente formada não foi/é capaz de dar resposta aos quesitos formulados pelo douto Tribunal da Relação de Guimarães.
23- Ora, todos os meios de prova e requerimentos foram indeferidos pelo despacho recorrido, despacho com o qual a Recorrente, naturalmente, não se conforma sobretudo quando conjugado com a fundamentação ínsita no mesmo manifestamente contraditória com a decisão de indeferimento.
24- É que, por um lado entendeu o tribunal recorrido que, conforme se deduz do despacho de fls. 811, o objetivo pretendido pelo Tribunal da Relação de Guimarães era apenas o de repetir a junta médica da especialidade de neurologia, por os respetivos peritos não fundamentarem devidamente o laudo proferido. (sublinhado do Juiz a quo)
25- Salvo o devido respeito, a Recorrente não se pode conformar com a “interpretação restritiva” e “minimalista” que o tribunal a quo fez do teor do acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães (tanto mais que o despacho recorrido sublinha o advérbio “apenas”); ora, quer o Acórdão proferido, quer o despacho posterior, são perentórios quanto ao alcance da Junta e a eventual necessidade de produção de meios de prova complementares a serem determinados pelo tribunal a quo em função dos esclarecimentos prestados pelos peritos.
26- Assim, carece de fundamento a interpretação restritiva que o tribunal recorrido fez do douto Acórdão proferido, porquanto o que se trata, na verdade, é de em função da repetição da Junta, serem esclarecidos todos os pontos mencionados no referido aresto, por um lado, e por outro lado, como não poderia deixar de ser, apreciar-se a necessidade de outras juntas em função dos esclarecimentos dos peritos e dos elementos trazidos aos autos – tudo em prol, evidentemente, da descoberta da verdade material (não esquecendo que um dos peritos foi do parecer no sentido de ser necessária a realização de juntas de outras especialidades).
27- Mal compreende também a Recorrente que o tribunal a quo, que tem o dever de descobrir a verdade e ministrar a justiça e tratando-se, como é o caso, de direitos indisponíveis, ao que acresce não estar dotado de todos os necessários meios/esclarecimentos técnicos e científicos para proferir decisão, conforme bem nota o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, não procure por todos os meios disponíveis, alcançar a almejada verdade material.
28- Com efeito, o despacho recorrido reconhece (de acordo com a sua própria fundamentação) que:

1) A junta médica realizada esclareceu apenas “dentro do possível” as questões postas em crise pelo Acórdão que determinou a repetição da junta e
2) Que a junta de neurologia não estará nas melhores condições para responder às alegadas sequelas de natureza urológica e psiquiátrica.
29- Não obstante, o tribunal a quo decidiu indeferir todos os meios de prova requeridos pela recorrente por considerar desnecessária a realização de outras juntas médicas – da mesma ou de outra especialidade – ou de outros exames e pareceres complementares ou requisitar mais pareceres técnicos.
30- Sucede que, além de inaceitável e incompreensível a posição sustentada pela decisão recorrida, a mesma é legalmente e constitucionalmente inadmissível.
31- Preceitua o artigo 35.º, n.º 2 do CPT que “o tribunal pode, oficiosamente ou a requerimento fundamentado das partes, determinar a produção de quaisquer provas que considere indispensáveis à decisão.”.
32- E preceitua o artigo 487.º, n.º 1 do CPC, aplicável ex vi art. 1.º do CPT que “qualquer das partes pode requerer que se proceda a segunda perícia, no prazo de dez dias a contar do conhecimento do resultado da primeira, alegando fundadamente as razões da sua discordância relativamente ao relatório pericial fundamentado”.
33- Quanto ao disposto no artigo 35.º, n.º 2 do CPT, estamos perante um verdadeiro PODER-DEVER e não de um PODER DISCRICIONÁRIO no que concerne à determinação oficiosa de quaisquer meios de prova; trata-se, ainda, de um PODER DEVER VINCULADO, se o requerimento de prova é feito por iniciativa das partes e este se encontra devidamente fundamentado, como é o caso do requerimento formulado pela Autora.
34- Já quanto ao disposto no artigo 487.º, n.º 1 do CPC, não nos restam dúvidas de que o julgador está “obrigado” a designar a segunda perícia, contanto que a mesma seja oportunamente requerida (ou seja, no prazo de dez dias a contar do conhecimento do resultado da primeira) e desde que do requerimento constem de forma fundamentada as razões de discordância relativamente ao resultado de primeira perícia realizada, razão pela qual, o indeferimento do requerimento da Recorrente para realização de uma segunda perícia pela especialidade de neurologia, porque foi oportuna e devidamente sustentado/fundamentado nas razões de discordância, violou o disposto no artigo 487.º, n.º 1 do CPC, aplicável ex vi art. 1.º do CPT.
35- Assim, o despacho recorrido ao indeferir os meios de prova requeridos pela recorrente e também a realização de uma segunda perícia pela especialidade de neurologia, violou o disposto no artigo 35.º, n.º 2 do Código do Processo de Trabalho e art. 487.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, ex vi art. 1.º do CPT, respetivamente, e ainda o disposto nos artigos 20.º e 59.º, n.º 1, f) da CRP, razão pelo qual, deverá ser revogado e substituído por outro que acolha as pretensões da Recorrente e em consequência seja determinada a realização de todos os meios de prova oportuna e fundamentadamente requeridos no requerimento referência citius n.º 28261207, aqui reproduzido integralmente por razões de economia processual.
36- Acaso porventura assim não se entenda, desde já se invoca a INCONSTITUCIONALIDADE da dimensão normativa conjugada resultante dos artigos 35.º, n.º 2 do CPT e 487.º do CPC ex vi art. 1º do CPT quando interpretadas no sentido de que, o Juiz pode “sem mais” e discricionariamente indeferir a realização de novos meios de prova e, bem assim, a realização de uma segunda perícia, contanto que uns e outros tenham sido oportuna e fundamentadamente requeridos pela parte para fazer valer os seus direitos e interesses legalmente protegidos, mormente o direito a assistência e justa reparação quando vítima de acidente de trabalho; tudo por violação do disposto nos artigos 20.º, n.ºs 1, 4 e 5 e 59.º, n.º 1, f) da Constituição da República Portuguesa, designadamente por tal interpretação consubstanciar em si, uma autêntica denegação de justiça.
Em contra-alegações sustenta-se o julgado.
Neste tribunal, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
***
A factualidade relevante é a que resulta do procedente relatório.

As questões colocadas prendem-se com o indeferimento do pedido de produção de diversos meios de provas, uma segunda perícia em neurologia, juntas médicas de psiquiatria e urologia, solicitação de documentação clínica a entidades terceiras que segundo refere acompanham a sinistrada, junção de diversa documentação clínica.
Refere a recorrente que o laudo não cumpre o determinado pelo acórdão do tribunal da relação.
Vejamos.

Do acórdão referido consta:

“Em 2010 a sinistrada já referia períodos alternados de falta de força nas pernas – fls 20, no exame de fls. 21 é referido que “estende o braço sempre que pretende exemplificar uma tarefa que não consegue fazer... Refere-se a normalidade dos exames neurológicos, neurofisiológicos e imagiológico, admitindo-se que os sintomas podem permanecer como sequela de lesão medular.
A fls 152 vem referida estudo urodinâmico da bexiga. Problemas de urologia, consultas de psiquiatria e urologia.
O relatório de avaliação a fls 174 refere sinais sugestivos de hidromielia de C1 a D10 (lesão medular – RMN de março 2011) aludindo ainda a stress crónico.
O RMN de fls 250 (de 18/3/2014, refere cavidade hidromiélica C3-D8). O parecer e artigos médicos juntos após a realização da junta, com todo o historial relativo ao acompanhamento, sugerem-nos a insuficiência das respostas dadas na junta de neurocirurgia, devendo ser dada resposta cabal às questões referidas neste parecer, dado todo o historial.

Também não resulta esclarecida dos autos, se não tendo eventualmente incapacidade por neurologia, como refere a junta de fls 370, não haverá por outras especialidades, designadamente psiquiatria e urologia. Nada vem referido quanto aos problemas a nível da bexiga, psicológicos psiquiátricos, se com relação ao não ao sinistro.”

Estava em causa no que a neurologia se refere saber da possibilidade de lesão medular. Relativamente a esta referem ora os Srs. Peritos que “consideram que não há lesões ou sequelas do foro neurológico consequentes ao acidente de que foi vítima considerando o tipo de acidente, as lesões sofridas, os registos clínicos e os tratamentos efetuados, bem como o exame neurológico realizado e os exames complementares de diagnóstico.”

Em 2 pronunciam-se sobre o RMN, em que se referia a “cavidade hidromiélica C3-D8”, esclarecendo que consideram que neste tipo de acidente como ocorreu à sinistrada não há lugar a lesões modelares. A cavidade visualizada (filiforme e localizada) é um achado incidental relativamente frequente e que nada tem a ver conforme referido com eventuais lesões sofridas.

Quanto às dúvidas relativamente às vertentes urológica e psiquiátrica referem que não há lesões nem sequelas do foro neurológico que sejam a causa das mesmas, admitindo mesmo que os testes urodinâmicos efetuados não são fidedignos e podem ser voluntariamente alterados. Referem ainda quanto a eventuais “ lesões” do foro psiquiátrico, que as lesões sofridas no acidente, ao não provocarem lesões ou sequelas neurológicas, não estariam na origem das mesmas. Ou seja, eventual afetação psiquiátrica não decorre no entender dos peritos do sinistro em causa nos autos, já que as “lesões primordiais” do foro neurológico não foram confirmadas.

Os peritos maioritários pronunciaram-se sobre as questões colocadas, em fundamentação sucinta mas clara. Importa ter presente que se trata de matérias técnicas em que assume relevo não despiciendo não apenas o saber, mas também a experiência profissional do perito.

Perceber-se o percurso lógico que os levou a afirmar a inexistência de lesão medular em consequência do sinistro, apoiando-se designadamente na sua experiencia profissional, aludindo a que a imagem que resulta do RNM se trata de achado incidental relativamente frequente e que nada tem a ver conforme referido com eventuais lesões sofridas. Na primeira junta já se haviam apoiado na sua experiencia profissional, referindo, em resposta ao quesito 2 no sentido de saber se “existem casos médicos conhecidos que um choque elétrico conforme o descrito nos presentes autos, resulta nas lesões com a gravidade das alegadamente sofridas pela sinistrada”, o Sr. perito médico do tribunal respondeu que sim mas desde que haja lesões cerebrais ou medulares identificáveis, que não é o caso. Por sua vez, o Sr. perito médico da seguradora referiu que “ pela experiência como perito de medicina legal e da avaliação do dano corporal, os casos que observou até à data, nunca apresentaram sintomatologia idêntica à que a sinistrada apresenta.”

A questão mostra-se suficientemente esclarecida. Igualmente quanto às restantes questões, a resposta dada é suficiente. Resulta do esclarecimento que os Srs. Peritos entendem que não se tendo demonstrado lesões neurológicas, como consequência do choque elétrico não poderá haver nexo com o sinistro, referindo ainda que os testes urodinâmicos são pouco fiáveis.
Não há assim razão para realização de outros exames ou juntas, em face dos esclarecimentos prestados, nem necessidade de outras provas.
*
Recurso do despacho de indeferimento da segunda perícia:

A lei adjetiva laboral contém regime próprio no que tange à prova por perícia no âmbito do processo especial de acidentes de trabalho.
Prevê-se a realização de uma perícia singular na fase conciliatória, conforme artigos 105º e 106º do CPT, e junta médica na fase contenciosa.

Para a fase contenciosa referem os artigos:

Artigo 117.º

Início da fase contenciosa

1 - A fase contenciosa tem por base:
a) Petição inicial, em que o sinistrado, doente ou respetivos beneficiários formulam o pedido, expondo os seus fundamentos;
b) Requerimento, a que se refere o n.º 2 do artigo 138.º, do interessado que se não conformar com o resultado da perícia médica realizada na fase conciliatória do processo, para efeitos de fixação de incapacidade para o trabalho.
2 - O requerimento referido na alínea b) do número anterior deve ser fundamentado ou vir acompanhado de quesitos.
3 - A fase contenciosa corre nos autos em que se processou a fase conciliatória.

Artigo 138º

Requerimento de junta médica
1 - Quando não se conformar com o resultado da perícia realizada na fase conciliatória do processo, a parte requer, na petição inicial ou na contestação, perícia por junta médica.
2 - Se na tentativa de conciliação apenas tiver havido discordância quanto à questão da incapacidade, o pedido de junta médica é deduzido em requerimento a apresentar no prazo a que se refere o n.º 1 do artigo 119.º; se não for apresentado, o juiz profere decisão sobre o mérito, fixando a natureza e grau de incapacidade e o valor da causa, observando-se o disposto no n.º 3 do artigo 73.º

A avaliação é assim efetuada por junta médica, constituída por três peritos, tem caráter urgente, é secreta e presidida pelo juiz, conforme artigo 139º, nº 1.

Não se prevê a possibilidade de ser requerida segunda perícia, que como se refere na decisão recorrida, citando acórdão, seria no âmbito deste processo já uma terceira perícia - Ac. da RG de 19/1/2017, processo nº 447/12.0TTBRG-B.G1.

As questões devem ser esclarecidas na junta médica.

As partes podem pedir esclarecimentos relativamente ao resultado da junta, já que toda a prova deve ser sujeita a contraditório. Vd. Artigo 12º da L. 45/2004. A parte pode ainda requerer ao juiz que determine a comparência em audiência dos peritos, nos termos do artº 134º do CPT. O juiz pode, se o considerar necessário, determinar a realização de exames e pareceres complementares ou requisitar pareceres técnicos, conforme nº 7 do artigo 139º.

Assim, não havendo caso omisso no que tange a esta matéria não se admite o recurso à disciplina do CPC., não cabendo ao caso segunda perícia.

Refere a recorrente a inconstitucionalidade da dimensão normativa conjugada resultante dos artigos 35.º, n.º 2 do CPT e 487.º do CPC ex vi art. 1º do CPT quando interpretadas no sentido de que, o Juiz pode “sem mais” e discricionariamente indeferir a realização de novos meios de prova e, bem assim, a realização de uma segunda perícia, contanto que uns e outros tenham sido oportuna e fundamentadamente requeridos.
Já vimos não ser admissível em processo laboral a segunda perícia, que na verdade seria uma terceira. A norma referida do artigo 487º do CPC não foi nem é aplicável ao caso, pelo que não foi aplicada em qualquer dimensão normativa. Contudo refira-se que no despacho que indeferimento, se fundamenta a razão do indeferimento.
Consequentemente é de manter o decidido.

DECISÃO:

Acordam os juízes do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a decisão.
Custas pela recorrente sem prejuízo do apoio judiciário

Relator – Antero Veiga
Adjuntos – Manuela Fialho
Alda Martins