Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2420/23.3T8BRG-A.G1
Relator: FRANCISCO SOUSA PEREIRA
Descritores: ACÇÃO DE IMPUGNAÇÃO DE DESPEDIMENTO
PROCEDIMENTO DISCIPLINAR
DOCUMENTOS
NULIDADE
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 02/15/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO SOCIAL
Sumário:
. I - Fundamentar o instrutor a decisão disciplinar em documentos na posse da empregadora que foram por si consultados, mas que não fez juntar a esse procedimento, não consta dos vícios invalidantes do procedimento disciplinar elencados no art. 382.º n.º 2 do CT, que é taxativo.
II - Nem dessa consulta e fundamentação decorre que o procedimento disciplinar que a empregadora juntou (atempadamente) aos autos (procedimento do qual não constavam os ditos documentos, pois que não lhe haviam sido juntos) não está completo - nem, consequentemente, que com esse fundamento o despedimento seja ilícito.
III – A nota de culpa deve conter a descrição circunstanciada dos factos imputados ao trabalhador, em termos de modo, tempo e de lugar, de forma a permitir que aquele organize, de forma adequada, a sua defesa, o que em certas situações, particularmente quando se trate da imputação de condutas que se prolongaram no tempo, permite que a sua inserção temporal seja feita com referência a datas aproximadas/balizamento entre duas datas.
IV - Sem prejuízo das diligências probatórias requeridas pelo trabalhador na resposta à nota de culpa e que o empregador, nos termos do art. 356.º, n.º 1, do CT, em princípio deverá levar a cabo, Código do Trabalho não impõe à empregadora a realização, no âmbito do procedimento disciplinar, de diligências probatórias tendentes a demonstrar a bondade das acusações que imputa ao trabalhador.
V - As diligências probatórias a que se reporta o art. 356.º, n.º 1 do CT, não são apenas as requeridas pelo trabalhador arguido na resposta à nota de culpa, mas também as determinadas oficiosamente pelo instrutor do processo, destinadas a esclarecer os factos imputados na nota de culpa ou invocados na resposta a esta.
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Social da Relação de Guimarães

I – RELATÓRIO

AA, com os demais sinais nos autos, intentou – dando entrada em juízo do competente formulário - a presente acção declarativa, sob a forma de processo especial de acção de impugnação judicial de regularidade e licitude do despedimento, contra EMP01..., S.A., também nos autos melhor identificada.

Tendo-se realizado audiência de partes, malogrou-se a conciliação.

A empregadora/ré apresentou então articulado motivador do despedimento (AMD), para, em essência e síntese, alegar a tramitação do procedimento disciplinar, para afirmar a sua validade, e a conduta que imputa à trabalhadora alegadamente violadora de deveres laborais e integradora até de ilícitos criminais, pugnando pela existência de justa causa de despedimento. Juntou o procedimento disciplinar.

A trabalhadora/autora apresentou contestação em que, no fundamental, arguiu a nulidade do procedimento disciplinar (por falta de descrição na nota de culpa dos factos relevantes) e a nulidade “das diligência probatórias levadas a cabo pela entidade patronal” (em suma, porque levou a cabo diligências de prova só após a defesa apresentada pela arguida, que não foram requeridas por esta nem haviam sido “referenciadas ou requeridas na nota de culpa, defendendo-se ainda por impugnação e dando, por sua vez, uma diferente versão dos factos; deduz reconvenção.

A empregadora/ré apresentou resposta à reconvenção.

Posteriormente, através de requerimento de 25.07.2023, veio a empregadora/ré requerer a junção aos autos de 3 documentos (balancete detalhado, de 19 de julho de 2023; descrição do valor de caixa, de 29 de dezembro de 2022, assinado pela Autora; despesas pagas ainda não contabilizadas referentes ao mês de dezembro de 2022).

A autora, por requerimento de 31.7.2023, veio opor-se à junção, por inadmissibilidade, de tais documentos. 

Prosseguindo os autos, vieram a proferir-se decisões, em que, em despacho pré – saneador e para o que ora importa, indeferiu-se “tudo quanto a autora requereu por requerimento entrado em juízo a 31.07.2023” e, no âmbito do despacho saneador, decidiu-se inexistir a invocada nulidade do procedimento disciplinar.

Inconformada com esta última decisão, dela veio a autora interpor o presente recurso de apelação – A Recorrente delimita o recurso ao segmento da decisão proferida no douto despacho saneador, que respeita ao indeferimento das nulidades por si arguidas (e com esse âmbito foi o recurso admitido) - para este Tribunal da Relação de Guimarães, apresentando alegações que terminam mediante a formulação das seguintes conclusões (transcrição):

“I. Veio a entidade patronal em 25-07-2023 – após a apresentação do articulado motivador e após a apresentação de resposta à réplica - apresentar articulado onde requer a junção de 3 documentos.
II. Tais documentos foram consultados pela instrutora e fundamentaram a decisão disciplinar impugnada (vide itens 28 e 29 da resposta à réplica), contudo, não foram juntos com o processo disciplinar no prazo de 15 dias (nem foram protestados juntar no articulado motivador).
III. A Recorrida não juntou aos autos o procedimento disciplinar completo, o que equivale à ausência do mesmo como um TODO, em conformidade com as formalidades prescritas nos art.ºs 352.º a 357.º e 381.º e 382.º do Código de Trabalho, que são taxativas e não meramente exemplificativas
IV. A junção dos documentos neste momento processual – após o Articulado Motivador e a Réplica -, configura uma nulidade, porquanto, viola as disposições combinadas dos art.ºs 98.º-I, n.º4, alínea a) e 98.º-J, n.º3 do Código de Processo de Trabalho, e art.º 195.º do Código de Processo Civil.
V. Da conjugação dos aludidos normativos (art.ºs 98.º-I, n.º4, alínea a) e 98.º-J, n.º3 do Código de Processo de Trabalho) resulta que o prazo de 15 dias para juntar o procedimento disciplinar e documentos tem natureza perentória, quer em relação ao articulado motivador do despedimento, quer em relação ao processo disciplinar.
VI. Consequentemente, não se consente a junção posterior dos documentos.
VII. No caso de se tratar de um processo disciplinar com intenção de despedimento, como é o caso dos autos, deverá ainda, por imperativo legal, revestir a forma de um processo documental escrito, pelo menos, em relação às referidas diligências/fases essenciais – cfr. art.ºs 352.º a 357.º do Código de Trabalho.
VIII. Do que tudo resulta, com segurança, que o sentido e alcance da obrigação ou ónus que impende sobre a entidade empregadora inserta no aludido disposto do art.º 98.º-I, n.º4, alínea a) do Código de Processo de Trabalho é o da junção de TODO o processo disciplinar, sob pena de funcionar o efeito cominatório pleno previsto no art.º 98.º-j, n.º3 do Código de Processo de Trabalho, ou seja o decretamento imediato da ilicitude do despedimento.
IX. Conforme resulta das disposições conjugadas dos art.ºs 381, n.º1, alínea c), 382.º, n.ºs 1 e 2 e 389.º, n.º2, estes do Código de Trabalho, não é só a ausência absoluta de processo disciplinar que determina a ilicitude do despedimento, mas também o não cumprimento das suas formalidades/fases essenciais, ou seja, como se disse, inquérito prévio (facultativo) + Nota de Culpa (acusação) + defesa + instrução + documentos + pareceres + decisão disciplinar), as quais, como se viu, são taxativas e não meramente exemplificativas, conforme citados comandos imperativos constantes dos art.ºs 352.º a 357.º do Código de Trabalho.
X. Conclui-se pois que o Réu não juntou aos autos o procedimento disciplinar completo, o que equivale à ausência do mesmo como um TODO, em conformidade com as formalidades prescritas nos art.ºs 352.º a 357.º e 381.º e 382.º do Código de Trabalho.
XI. Por imposição do disposto no citado artigo 98.º-J, nº3 do Código de Processo do Trabalho, deve o tribunal declarar de imediato a ilicitude do despedimento, com as demais consequências referidas na lei.
XII. Estatui o art.º 353.º, n.º1 do Código do Trabalho (CT) que, deve ser notificada ao trabalhador a “nota de culpa com a descrição circunstanciada dos factos que lhe são imputados”.
XIII. In casu, cumpre saber se a nota de culpa contém uma descrição circunstanciada dos factos, que permita ao trabalhador, aqui Recorrente, ter perfeito conhecimento dos factos que lhe são atribuídos, a fim de poder organizar adequadamente a sua defesa.
XIV. Analisada a mesma (assim como a decisão e o articulado motivador), constatamos que a mesma limita-se a dizer que entrou dinheiro em caixa e, face às saídas, o saldo deveria ser superior que aquele que se encontrava na “caixa”, concluindo-se assim que a Trabalhadora ficou com esse dinheiro.
XV. Ora, nem na nota de culpa nem nos seus anexos, resulta evidenciado, alegado ou indiciariamente comprovado as saídas de dinheiro, pelo que: como podemos confirmar se as saídas estão todas lançadas, como podemos aferir quais as que estão em falta ou quais as que estão erradamente lançadas?
XVI. Como podemos somar ou subtrair se não temos todas os valores como se pode defender com apenas metade dos factos?
XVII. E não se diga – como no despacho recorrido – que a recorrente tinha – porque não tinha – conhecimento dos lançamentos contabilísticos efetuados pela Ré e por outros colegas,
XVIII. Nem se trata apenas de ónus de prova, mas antes da falta de elementos essenciais,
XIX. Pelo que não consta da nota de culpa nem dos documentos essa descrição, sendo eu a mesma existia e era do conhecimento da Ré, que deliberadamente, optou por não fazer contar a mesma do processo disciplinar.
XX. Designadamente as circunstâncias de tempo (quando?), de local (onde?) e de modo (como?) da alegada violação dos seus deveres, em concreto das saídas/pagamento lançados.
XXI. Tal acusação (nota de culpa) viola o direito de defesa do trabalhador, pelo que o despedimento efetuado é ilícito, por nulidade insuprível do processo disciplinar.
XXII. Consultado o processo disciplinar previamente ao oferecimento da resposta à nota de culpa a que alude o art.º 355.º, n.º1 do C. Trabalho, verificou-se a inexistência absoluta de elementos de prova documentais ou testemunhais, no processo.
XXIII. Sabe-se hoje – por a Requerida o ter confessado – que esta teve acesso e utilizou documentos com o intuito de imputar responsabilidade à Recorrente, sendo que essa documentação e a sua existência foi omitida à Recorrente, que só agora foi confrontada com os documentos utilizados pela Recorrida no processo disciplinar.
XXIV. Após o recebimento pela entidade patronal da resposta da trabalhadora ao processo disciplinar, abriu-se a fase instrutória, apenas e só porque a Recorrente indicou meios de prova a inquirir, a qual se destina, como o próprio nome indica, à apreciação/realização das provas requeridas pelo trabalhador na sua resposta.
XXV. Admitindo-se, a possibilidade de a entidade patronal também realizar diligências probatórias na instrução e que haja previamente requerido/indicado, contudo, s.m.o., não pode a entidade patronal realizar diligências probatórias nunca referenciadas ou requeridas na nota de culpa,
XXVI. Da mesma forma que não pode a Trabalhadora, após a resposta à nota de culpa vir juntar documentos ou requerer mais diligências de prova,
XXVII. As diligências probatórias que a Entidade Patronal pretenda levar a cabo, têm obrigatoriamente que constar e serem requeridas com a nota de culpa, sob pena de clara violação do direito ao contraditório
e do princípio da igualdade de armas entre as partes, que impõe o equilíbrio entre as partes ao longo de todo o processo.
XXVIII. A completa ausência probatória na nota de culpa – que desde logo impossibilita os direitos de defesa do trabalhador, conjugado com a indicação de probatória apenas e só a produção de prova pelo trabalhador, e ainda, a consulta e utilização de prova documental nunca referida ou referida ao Trabalhador - subverte o ónus de prova e a própria estrutura processual.
XXIX. Temos pois uma violação do princípio da igualdade de armas do princípio do contraditório e da própria estrutura acusatória que sustenta o processo disciplinar, a produção e qualquer diligência probatória por parte da entidade patronal.
XXX. Termos em que é nulo o processo disciplinar por violação do direito de defesa e de contraditório da Arguida e ainda porque os elementos/diligências probatórias da entidade patronal são inadmissíveis”

O recorrido apresentou contra-alegações, concluindo:
....
AA) Não existindo qualquer violação das normas relativas ao procedimento disciplinar, deverá o presente recurso ser julgado improcedente, por não provado, e, em consequência, ser o douto Despacho Saneador recorrido integralmente confirmado.”

Admitido o recurso na espécie própria e com o adequado regime de subida, foram os autos remetidos a este Tribunal da Relação e pela Exma. Senhora Procuradora-Geral Adjunta foi emitido parecer no sentido da improcedência do recurso.

O recurso foi admitido na espécie própria e com o adequado regime de subida.

Dado cumprimento ao disposto na primeira parte do n.º 2 do artigo 657.º do Código de Processo Civil foi o processo submetido à conferência para julgamento.

II OBJECTO DO RECURSO

Questão prévia:

Nas conclusões do recurso a recorrente suscita uma questão que, claramente, extravasa do objecto do recurso, por si delimitado.
Com efeito, nas conclusões coloca a recorrente a seguinte questão: se a junção dos documentos que a ré apresentou aos autos através do requerimento de 25.07.2023, configura uma nulidade (do art. 195.º do CPC).
Todavia esta é questão que foi objecto de decisão proferida em despacho autónomo (que recaiu sobre os req.ºs de 25 e 31.7 e 18.8.2023), pré - saneador, de que a recorrente não recorreu (restringiu expressamente o recurso à decisão proferida no despacho saneador quanto às nulidades que arguiu e conhecidas).
E foi este, e bem, o recurso que foi admitido (“…admito o recurso interposto pela autora da decisão integrada no despacho-saneador proferida nos autos principais a 5.09.2023 (ref.ª ...77), que considerou inexistir nulidade do procedimento disciplinar e ainda inexistir nulidade por omissão de junção de parte do processo disciplinar.”)

Delimitado que é o âmbito do recurso pelas conclusões da recorrente, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso (artigos 608.º n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 3, todos do Código de Processo Civil, aplicável por força do disposto no artigo 87.º n.º 1 do CPT), enunciam-se as questões que cumpre apreciar:
- Se o despedimento é ilícito por a ré não ter juntado aos autos o procedimento disciplinar completo;
- Nulidade do procedimento disciplinar.

III - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Os factos relevantes são os que resultam do relatório supra.

IV – APRECIAÇÃO DO RECURSO

Se o despedimento é ilícito por a ré não ter juntado aos autos o procedimento disciplinar completo:

Como consta da sentença recorrida, “A 25.07.2023 veio a ré juntar aos autos três documentos - balancete detalhado do ano de 2022, descrição do valor da caixa a 29.12.2022 e despesas pagas e não contabilizadas a 29.12.2022 - que alega ter protestado juntar no articulado de resposta à reconvenção.”

Diz a recorrente na conclusão X. Conclui-se pois que o Réu não juntou aos autos o procedimento disciplinar completo, o que equivale à ausência do mesmo como um TODO, em conformidade com as formalidades prescritas nos art.ºs 352.º a 357.º e 381.º e 382.º do Código de Trabalho e, na conclusão XI., Por imposição do disposto no citado artigo 98.º-J, nº3 do Código de Processo do Trabalho, deve o tribunal declarar de imediato a ilicitude do despedimento, com as demais consequências referidas na lei.
Isto porque, sustenta em suma, os três documentos que a ré veio juntar aos autos em 25.07.2023 (após, pois, os articulados) são documentos que foram consultados pela instrutora e que fundamentaram a decisão disciplinar impugnada.

Ora, como nota a Exm.ª PGR no douto parecer junto aos autos, “tais documentos juntos posteriormente não constavam/não faziam parte do procedimento disciplinar”.

Questão diferente é, obviamente, saber se deveriam ou não integrar o PD (o que, no fundo, é o que propugna a recorrente).
Entendemos, porém, que não tem razão.
 
Concordamos também que se os documentos estão na posse da entidade empregadora ela poderá valorá-los em sede de procedimento disciplinar, ainda que os não junte a este, alinhando-se com o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 12 de Setembro de 2012[1], trazido à colação pela recorrida, quando aí se escreve que, «(…) encontrando-se tais elementos já na posse do empregador e sendo, por consequência, do seu conhecimento nem deverão ser, sequer, considerados, em rigor, como verdadeiras diligências probatórias; em tal caso, como aí se diz, o empregador “limitar-se-ia a praticar o acto material de colocar no processo disciplinar documentos que já eram do seu conhecimento e que estavam em seu poder".»

Tem assim razão o Tribunal recorrido quando expende que “Inexiste qualquer norma legal que obrigue o empregador a realizar diligências probatórias antes de proferir a nota de culpa ou a documentar as que as fez, como seja a consulta dos aludidos saldos contabilísticos a que a própria autora tinha necessariamente acesso (…)” (sublinhamos)

Acresce que nos termos do art. 382.º n.º 2 do CT, “2 – O procedimento [para despedimento por facto imputável ao trabalhador] é inválido se:
a) Faltar a nota de culpa, ou se esta não for escrita ou não contiver a descrição circunstanciada dos factos imputados ao trabalhador;
b) Faltar a comunicação da intenção de despedimento junta à nota de culpa;
c) Não tiver sido respeitado o direito do trabalhador a consultar o processo ou a responder à nota de culpa ou, ainda, o prazo para resposta à nota de culpa;
d) A comunicação ao trabalhador da decisão de despedimento e dos seus fundamentos não for feita por escrito, ou não esteja elaborada nos termos do n.º 4 do artigo 357.º ou do n.º 2 do artigo 358.º.”
Ora, como se sintetizou no Sumário de Ac. da RP de 14-03-2016[2], “I - O elenco constante do art. 382º, nº 2, do CT72009 [relativo às causas determinantes da invalidade do procedimento disciplinar com vista ao despedimento] tem natureza taxativa (…)” (sublinhamos)
Afigura-se que no mesmo sentido escreve Nuno Abranches Pinto[3]: “Já se o empregador não cumpriu rigorosamente todas as formalidades a que se encontrava obrigado, o despedimento não é necessariamente ilícito. Sê-lo-á se o procedimento for inválido e o procedimento é inválido nas hipóteses previstas no art. 382.º, n.º 2.”
Sucede que fundamentar o instrutor a decisão disciplinar em documentos na posse da empregadora que foram por si consultados, mas que não fez juntar a esse procedimento, não consta dos vícios invalidantes do procedimento disciplinar elencados no art. 382.º n.º 2 do CT.

É certo que a recorrente traz à colação o art. 98.º-J, n.º 3 do CPT - Se o empregador não apresentar o articulado referido no número anterior, ou não juntar o procedimento disciplinar ou os documentos comprovativos do cumprimento das formalidades exigidas, o juiz declara a ilicitude do despedimento do trabalhador (…)  -, mas, como ficou demonstrado, o procedimento disciplinar (tal como existe) foi oportunamente junto aos autos.

Da nulidade do procedimento disciplinar:

Contendendo com a questão supra enunciada, na decisão recorrida discorreu-se nos termos seguintes:
A autora invocou na contestação apresentada a 29 de Junho de 2023 (ref.ª ...01), por excepção, a nulidade do procedimento disciplinar iniciado pelo empregador, primeiro, por falta de descrição na nota de culpa dos factos relevantes que lhe foram imputados e fundamentaram a decisão final de despedimento, segundo, por não terem sido realizadas diligências probatórias antes de ser proferida a nota de culpa, pois que o empregador se limitou a proceder à realização de diligências probatórias após a apresentação da resposta da trabalhadora à aludida nota de culpa, o que teve reflexo na defesa da mesma.
Na resposta oferecida a 19 de Julho de 2023 (ref.ª ...75) a ré pronunciou-se pela improcedência total dessa alegação não só porque a nota de culpa se mostra clara e fundamentada, contendo a descrição dos factos relevantes à decisão do despedimento, como porque nada a obrigava a fazer diligências prévias à redacção da nota de culpa ou a documentá-las, sendo que a instrutora do processo, além da ponderação dos elementos carreados no processo disciplinar, consultou ainda documentos internos do próprio onde se baseou para retirar as conclusões oferecidas, documentos esses que juntou aos autos a 25.07.2023 (ref.ª ...83).
Cumpre decidir.
É consabido que o processo disciplinar é um processo de parte, que é instaurado e conduzido pelo empregador, não sujeito aos deveres de imparcialidade e do contraditório [salvo, quanto às garantias de defesa consagradas nos arts. 353.º, n.ºs 1 e 2, 355.º a 357.º do Cód. do Trabalho] que vigoram no processo judicial, e no âmbito do qual as testemunhas cuja audição se verifique não estão sujeitas a juramento, nem ao dever de verdade. Por outro lado, a aplicação de qualquer sanção disciplinar pelo empregador exige em regra o cumprimento de procedimentos e prazos específicos, bem como a observância dos princípios da legalidade e da proporcionalidade, atendendo-se à gravidade da infracção e à culpa do trabalhador.
No caso, a trabalhadora invocou, desde logo, a invalidade da nota de culpa e do procedimento disciplinar, pelo facto da factologia narrada na nota de culpa não conter os elementos de tempo, modo e lugar da actuação que lhe é imputada, apresentando afirmações vagas e imprecisas, o que, além do mais, impediu o correcto exercício do direito de defesa.
Ora, comece-se já por esclarecer que, ao contrário do que entende a autora/trabalhadora, a circunstância de existir na “Nota de Culpa” matéria conclusiva ou não enquadrada temporalmente não acarreta a declaração da nulidade de todo o processo disciplinar mas apenas que a mesma não pode ser apreciada, sendo apenas tida em consideração a matéria ali constante que não padeça de tais vícios.
No entanto, no caso, não padece a nota de culpa das aludidas invalidades, por falta de concretização de factos ou por falta de fundamentação.
Senão, vejamos.
O art. 353.º, n.º 1 do Cód. do Trabalho determina o seguinte: “No caso em que se verifique algum comportamento susceptível de constituir justa causa de despedimento, o empregador comunica, por escrito, ao trabalhador que o tenha praticado a intenção de proceder ao seu despedimento juntando nota de culpa com a descrição circunstanciada dos factos que lhe são imputados”.
E quando a lei fala em “descrição circunstanciada dos factos imputados ao trabalhador”, quer dizer que a nota de culpa não pode se limitar a indicar comportamentos genéricos, obscuros e abstractos do trabalhador. É certo que a nota de culpa não é propriamente uma acusação penal, mas a mesma deve conter factos concretos, nomeadamente a sua localização no tempo e no espaço, para que seja possível ao trabalhador ponderar e organizar correctamente a sua defesa.
Sobre o assunto, e em comentário ao mencionado art. 353.º, n.º 1, parte final, Maria do Rosário Palma Ramalho (in Direito do Trabalho Parte II – Situações laborais individuais, 3.ª edição, pág. 921) refere o seguinte: (…) “deste preceito resulta que a estrutura da nota de culpa deve obrigatoriamente integrar as seguintes indicações: - a descrição completa e detalhada (i.e., circunstanciada) dos factos concretos que consubstanciam a violação do dever do trabalhador, não bastando, pois, uma simples referência ao dever violado pelo trabalhador, nem muito menos, a remissão para a norma legal que comina tal dever”.
Ainda a propósito dos requisitos de descrição dos factos imputados na nota de culpa, afirma, por sua vez, Monteiro Fernandes (in Direito do Trabalho, 13.ª edição, Almedina, 2007, pág. 585) que a “jurisprudência tem formado, a este respeito, exigências correspondentes a critérios de graduação notoriamente diversos: é necessário que na nota de culpa figurem todas as circunstâncias de modo, tempo e lugar dos factos imputados ao arguido, que ela enuncie “precisa e concretamente” esses factos, não bastando a “reprodução abstracta e genérica das disposições legais” ou uma descrição em termos vagos da conduta infractora (desinteresse das obrigações de trabalho, recusa  de tarefas que competiam ao trabalhador), nem a formulação de “simples juízos conclusivos.” (…); a lei exige assim a “descrição circunstanciada dos factos” e não uma acusação obscura e lacunosa, posto que fundando a nota de culpa o substrato factual da decisão final, é sobre aqueles factos que recairá a apreciação judicial.
Significa isto que não basta uma indicação genérica e imprecisa do comportamento imputado ao trabalhador. É necessário especificar os factos em que esse comportamento se traduziu, bem como as circunstâncias de tempo e lugar em que tais factos ocorreram. Como decidiu o Ac. da Relação do Porto de 10 de Setembro de 2012 (in www.dgsi.pt), «a descrição circunstanciada na nota de culpa dos factos imputados ao trabalhador prende-se com o exercício do direito de defesa do trabalhador e com o princípio da vinculação temática (...); se a acusação imputada estiver circunstanciada, em termos concretos e não genéricos, de modo a que permita ao trabalhador saber a que concreta situação se reporta o empregador, dá este cumprimento à exigência legal na medida em que não é posto em causa o exercício do direito de defesa, este o desiderato da norma».
No caso dos autos, entendemos que quer a nota de culpa, quer a decisão final proferida, contêm uma descrição suficiente e precisa dos factos que eram imputados à trabalhadora, aqui autora, sendo que a sua leitura não permite qualquer dúvida relativamente à factualidade que está em causa, pelo que era possível um cabal exercício do direito de defesa.
É que a ré descreveu pormenorizadamente, na referida nota de culpa, a evolução da posição da autora no local de trabalho, bem como as funções e atribuições, de que modo as usurpou para, em seu benefício, prejudicar os interesses patrimoniais do empregador. Ademais, descreveu o local, o lapso temporal e bem como o modo em que decorreu a violação das suas funções.
Contudo, importa ainda referir que a jurisprudência, de modo a não sobrevalorizar aquela exigência, sob pena de ser mais difícil ou exigente elaborar uma nota de culpa do que deduzir uma a acusação em processo penal, tem entendido que a deficiente descrição dos factos imputados na nota de culpa só constituirá nulidade do processo disciplinar quando se demonstrar que o trabalhador não a compreendeu e assim não teve a oportunidade de se defender. - neste sentido, pode consultar-se o acórdão do STJ de 24.01.2007 (Proc. 06S3854) in www.dgsi.pt. É o chamado critério da “aptidão funcional da nota de culpa”.
Ora, reanalisando a nota de culpa dos autos e a resposta à mesma apresentada, tendo em conta o aludido critério, é forçoso concluir que aquela não viola o dever de descrição circunstanciada dos factos exigido pelo art. 353.º, n.º 1 do Cód. do Trabalho.
De facto, não só naquela nota de culpa se descrevem os factos imputados à trabalhadora que, no entender da empregadora, comprometerem irremediavelmente a manutenção da relação laboral, como na própria resposta à nota de culpa, a trabalhadora refuta ponto por ponto os factos que ali lhe são imputados.
Ou seja, da resposta apresentada resulta que a trabalhadora bem compreendeu o alcance da nota de culpa, o que é visível na defesa que esta ofereceu, sobretudo no ponto 16. onde descreve todo o procedimento e, além disso, para além de refutar as imputações que lhe são feitas, a autora acaba mesmo por sugerir possíveis alternativas para justificar os factos que foram relatados.”

Vejamos então se é nulo o procedimento disciplinar por a nota de culpa não conter a descrição circunstanciada dos factos que são imputados à arguida:
 
Consta expressamente do art. 353.º, n.º 1, do CT, que a nota de culpa, que tem de ser notificada ao trabalhador, deve conter a “descrição circunstanciada dos factos que lhe são imputados”.

E esta exigência tem o seu pleno cabimento à luz do direito de defesa do trabalhador/arguido[4], que a lei igualmente assegura.

Ora, relendo a nota de culpa, não parece que os factos imputados à arguida tenham aí sido expostos de modo a dificultarem gravemente, e muito menos impossibilitando, uma defesa esclarecida e cabal por parte da arguida.
Com efeito, os factos imputados à arguida como integradores de infração disciplinar/justa causa de despedimento mostram-se balizados temporalmente – cf. pontos 12 a 15, 19, 30, 31 e 33 -, as circunstâncias de modo em que os mesmos ocorreram (que, naturalmente, serão aquelas que no contexto da conduta imputada à trabalhadora arguida a entidade empregadora entenda relevantes) também constam da ... – cf. designadamente n.ºs 3 a 13 – sendo que resulta claro da nota de culpa que a arguida tinha o seu posto de trabalho nas instalações da empregadora “EMP01...”, onde exercia as funções de escriturária, no exercício das quais alegadamente praticou aqueles factos.

É certo que a empregadora alega uma (suposta) falta de dinheiro em caixa por reporte a entradas/saídas (e numerário existente em caixa) ocorridas entre dois momentos, sendo com referência aos valores contabilizados/encontrados no final desse período temporal que apurou o valor alegadamente em falta, pela qual responsabiliza a arguida.

Mas, como se lê em sumário de Ac. do STJ de 14-11-2018[5], “A nota de culpa deve conter a descrição circunstanciada dos factos imputados ao trabalhador, em termos de modo, tempo ainda que aproximado, e de lugar, de forma a permitir que aquele organize, de forma adequada, a sua defesa, sob pena de invalidade do procedimento disciplinar.” tendo-se citado do acórdão da Relação «“a não indicação das datas ainda que aproximadas, ainda que apenas balizadas entre duas datas” não permitiu que o trabalhador tivesse “conhecimento de todos os elementos de facto necessário à preparação da sua defesa (…)” (sublinhamos)

No caso, os factos encontram-se descritos de forma suficiente circunstanciada, permitindo à arguida compreender cabalmente aquilo de que está a ser acusada.

E, sintomático de que a arguida compreendeu os factos que lhe são imputados na ..., na resposta que apresentou nada referiu quanto a isso, negando, até de forma motivada, o comportamento que ali lhe foi atribuído.

Concordamos, pois, com o essencial da citada argumentação expendida pelo Tribunal a quo.

A recorrente pretende ainda que é nulo o procedimento disciplinar por violação do direito de defesa e de contraditório da arguida / porque as diligências probatórias realizadas por iniciativa da entidade patronal são inadmissíveis.

Na decisão recorrida rebateu-se esta pretensão nos seguintes termos:
Notificada a nota de culpa ao trabalhador, este dispõe de 10 dias úteis para consultar o processo e responder às acusações que lhe são imputadas, deduzindo, por escrito, os elementos que considere relevantes para esclarecer os factos e a sua participação nos mesmos, podendo ainda juntar documentos e indicar as diligências probatórias que repute necessárias ao esclarecimento da verdade. – cfr. art. 355.º do Cód. do Trabalho.
E estabelece o n.º 1 do art. 356.º (na versão da Lei n.º 23/2012, de 25.6), que o empregador deve realizar as diligências requeridas na resposta à nota de culpa, a menos que as considere patentemente dilatórias, ou impertinentes, devendo neste caso alegá-lo fundamentadamente por escrito.
Ora, como se escreveu no acórdão do STJ de 7 de Maio de 2014, proferido no processo n.º 553/07.2TTLSB.L1.S1 (Leones Dantas), e cuja argumentação vamos seguir de perto, estes dois dispositivos são expressão do princípio do contraditório no procedimento disciplinar, estabelecendo os mecanismos da sujeição do procedimento àquele princípio, e que por isso, se assume como um dos elementos estruturantes do procedimento conducente à aplicação duma sanção disciplinar.
É nesta linha que se compreende que a recusa de realização das diligências requeridas pelo trabalhador, nos termos do n.º 1 do art. 355.º, há-de assumir a forma escrita e tem de ser fundamentada, conforme exige o n.º 1 do art. 356.º, fundamentação que há-de transmitir as razões objectivas que levam a entidade empregadora a considerar as diligências requeridas como impertinentes e dilatórias, ou seja, sem interesse para a defesa do trabalhador.
As razões em que assenta o juízo da sua inutilidade devem constar da fundamentação desse despacho.
Porém, não se esqueça que as diligências de instrução a considerar devem ser exclusivamente as que relevam ao apuramento dos factos apresentados na nota de culpa ou na resposta a esta.
Um procedimento disciplinar não é uma acção judicial, é um processo de natureza inquisitória no qual é ao próprio empregador – e não a um terceiro imparcial – que cabe a decisão final no processo disciplinar, para além da sua direcção e organização.
Pedro Furtado Martins2, a propósito dos vícios formais invalidantes do procedimento disciplinar, afirma nas págs. 225 e 226: «A realização das diligências probatórias no âmbito do procedimento de despedimento é da exclusiva competência do empregador ou da pessoa que este designe para o efeito, não sendo obrigatória nem a presença do trabalhador (ou do respetivo mandatário) na inquirição das testemunhas, nem que o trabalhador seja ouvido sobre os elementos de prova carreados para o processo. (…). A exclusão do caráter contraditório da instrução em sede do procedimento de despedimento é, aliás, uma das diferenças que resulta da diversa natureza deste processo privado no confronto com os procedimentos disciplinares públicos e com o processo penal».
Ora, defende a autora que as diligências probatórias a que alude o art. 356.º do Cód. do Trabalho, são apenas as que são requeridas pelo trabalhador/arguido, na medida em que as diligências probatórias desencadeadas pelo empregador, deverão ser anteriores à elaboração da nota de culpa, para desta serem suporte dos factos imputados ao trabalhador arguido. A excepção a esta regra resultaria apenas dos casos em que, face à defesa apresentada, houvesse necessidade de fazer diligências complementares.
Ora, salvo o devido respeito, também aqui não assiste razão à autora.
Com efeito, o art. 357.º, n.º 2 do Cód. do Trabalho ao falar «da data da conclusão da última diligência de instrução», não faz qualquer distinção entre diligência requerida pelo trabalhador ou diligência indicada pelo empregador ou efetuada por decisão do instrutor.
Assim tal prazo, conta-se a partir da data em que se concluiu a última, a derradeira, diligência de instrução, independentemente de quem a tenha requerido.
Por outro lado, é manifesto que as diligências probatórias aludidas no n.º 5 do art. 356.º não abrangem apenas aquelas que o trabalhador haja requerido na sua resposta à nota de culpa, abarcando igualmente quaisquer outras que o instrutor do processo disciplinar entenda oficiosamente promover.
De facto, se atendermos ao elemento sistemático de interpretação e ao elemento teleológico, que mandam atender, respetivamente, ao local sistemático da norma e à sua finalidade ou ratio, outra solução não podemos defender.
É que os arts. 356.º e 357.º estão situados na Subsecção I, Divisão I, intitulada “Despedimento por facto imputável ao trabalhador”, abrangendo os arts. 352.º a 358.º o procedimento disciplinar que o empregador terá de levar a cabo para concretizar a sua intenção de despedimento do trabalho que pelo seu comportamento seja susceptível de extinguir a relação laboral. Daí que o art. 356.º tenha sido erigido sob a epígrafe “Instrução”, abrangendo esta, como é sabido, o conjunto dos actos necessários à averiguação dos factos alegados na acusação (nota de culpa) e na defesa (resposta à nota de culpa). De forma igual, podemos constatar que n.º 3 deste normativo legal, ao estatuir a tramitação subsequente através da expressão - “Após a conclusão das diligências probatórias” - denuncia que esta fase do procedimento não se restringe à execução das diligências probatórias requeridas pelo trabalhador, até porque, como é óbvio, tais actos de instrução poderão justificar a realização de outras diligências para confirmar ou refutar os meios probatórios por ele produzidos.
Mas mais, se atentarmos no elemento histórico, logo constataremos que no Livro Branco das Relações Laborais3, na sua pág. 110, foi proposto que tal prazo deveria ser contado a partir da última diligência de instrução, realizada tanto por decisão do empregador como a requerimento do trabalhador.
O elemento racional ou teleológico de interpretação, conforme saliente o acórdão do STJ de 30 de Abril de 20134, «indica-nos que a lei terá querido, com este prazo de caducidade, não deixar o trabalhador numa situação de indefinição, suscetível de criar insegurança e de afetar a paz jurídica. Ora, não prejudica este resultado que a empregadora peça também diligências probatórias, desde que necessárias ao apuramento dos factos e não destinadas a protelar o procedimento ou a impedir o direito de defesa do trabalhador, ou seja, respeitando-se os princípios da boa-fé e da celeridade procedimental. Por outro lado, competindo à empresa, num primeiro momento, proceder a uma avaliação acerca da impossibilidade prática de manutenção da relação laboral para aferir da noção de justa causa de despedimento, não faria sentido que o prazo de 30 dias se contasse a partir da conclusão das diligências probatórias requeridas pelo trabalhador, quando outras diligências da iniciativa da empregadora tivessem sido realizadas».
Relembre-se que a ponderação da subsistência da relação de trabalho cabe, num primeiro momento, ao empregador. E essa avaliação terá de se basear nos elementos probatórios recolhidos no decurso do procedimento, aí incluindo quer os carreados por solicitação do trabalhador, quer os que resultam da iniciativa do próprio empregador ou do instrutor por ele nomeado.
E nada impede que o empregador promova, por sua iniciativa, se nisso vir razoável vantagem ou interesse, a realização de diligências probatórias no âmbito do procedimento disciplinar.
No caso, depois de oferecida resposta à nota de culpa, realizou a ré EMP01... as diligências ali requeridas, colhendo as declarações da própria trabalhadora a 1.03.2023, bem como inquiriu as testemunhas arroladas por aquela a 13.03.2023, além disso, notificou-lhe a subsequente decisão final em prazo.
Resumindo, a instrutora do processo durante o procedimento disciplinar levou a cabo as seguintes diligências: redigiu a nota de culpa (onde consta a declaração da intenção de despedimento), recepcionou a respectiva resposta, permitiu a consulta do processo, procedeu à inquirição das testemunhas arroladas pela autora e colheu declarações à autora, e, por fim, procedeu à elaboração do relatório final.
Mais as aludidas inquirições de testemunhas foram executadas na presença do I.M da autora, e foram os depoimentos reduzidos a escrito e juntos ao procedimento.
Ademais, consultou a instrutora os denominados “saldos contabilísticos”, documentos juntos ao processo judicial a 25.07.2023 (ref.ª ...83), onde constam todas as entradas e saídas da gaveta/caixa/cofre a que a Autora tinha acesso e sobre o qual era (na versão da ré/empregador) a única responsável.
Inexiste qualquer norma legal que obrigue o empregador a realizar diligências probatórias antes de proferir a nota de culpa ou a documentar as que as fez, como seja a consulta dos aludidos saldos contabilísticos a que a própria autora tinha necessariamente acesso, assim como inexiste norma legal que impeça que sejam realizadas diligências probatórias, além das requeridas pelo trabalhador na resposta à nota de culpa, depois de oferecida a aludida resposta, por iniciativa do próprio empregador.
Concluindo, porquanto a nota de culpa e a decisão final respeitam integralmente as exigências legais ao nível da respectiva fundamentação, como porque foram observados os formalismos e prazos previstos para o procedimento disciplinar, decido julgar de imediato improcedente a invocada nulidade do procedimento disciplinar.”

Concordamos com este entendimento.

Por um lado, “À exceção das diligências probatórias requeridas pelo trabalhador na resposta à nota de culpa e que o empregador, nos termos do art. 356º, nº 1, do CT/2009, deverá levar a cabo [a menos que as considere patentemente dilatórias ou impertinentes, caso em que o deverá alegar fundamentadamente, por escrito], o Código do Trabalho não lhe impõe a realização, no âmbito do procedimento disciplinar, de diligências probatórias tendentes a demonstrar a bondade das acusações que imputa ao trabalhador.”[6]

Note-se que o juízo quanto à existência ou não de justa causa para o despedimento será feito pelo Tribunal com referência aos factos provados em sede do processo judicial, de acordo com a prova que seja oferecida e efetuada no âmbito deste processo.

Por outro lado, as diligências probatórias a que se reporta o art. 356.º, n.º 1 do CT, não são apenas as requeridas pelo trabalhador arguido na resposta à nota de culpa, mas também as determinadas oficiosamente pelo instrutor do processo, destinadas a esclarecer os factos imputados na nota de culpa ou invocados na resposta a esta, e sejam ou não suscetíveis de atenuar a responsabilidade do trabalhador, até porque a pertinência de tais diligências de prova pode revelar-se apenas em face da resposta à nota de culpa.[7] 

Inexiste razão, pois, para revogar a decisão recorrida.
             
V - DECISÃO

Nestes termos, acordam os juízes que integram a Secção Social deste Tribunal da Relação em julgar improcedente a apelação e confirmar a decisão recorrida.
Custas da apelação a cargo da recorrente.
Notifique.
Guimarães, 15 de Fevereiro de 2024

Francisco Sousa Pereira (relator)
Vera Maria Sottomayor
Maria Leonor Chaves dos santos Barroso



[1] Proc. 605/07.9TTMTS.P1.S1, www.dgsi.pt
[2] Proc. 1097/15.4T8VLG-A.P1, Paula Leal de Carvalho, www.dgsi.pt
[3] Instituto Disciplinar Laboral, Coimbra Editora, pág. 181
[4] Cf. a este propósito Pedro Ferreira de Sousa, O Procedimento Disciplinar Laboral – Uma Construção Jurisprudencial, Almedina, pág. 52.
[5] Proc. 94/17.0T8BCL-A.G1.S1, Ribeiro Cardoso, www.dgsi.pt
[6] Ac. TRP de14-03-2016, Proc. 1097/15.4T8VLG-A.P1, Paula Leal de Carvalho, www.dgsi.pt
[7] Neste sentido, a título de ex., Ac.s STJ de Ac. STJ de 09-11-2017, Proc. 8781/15.0T8STB.E1.S1 e de de 14-11-2018, Proc. 9291/17.7T8LSB.L1.S2, www.dgsi.pt