Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
536/96.6TBVRL.G1
Relator: ARMANDO AZEVEDO
Descritores: CHEQUE SEM PROVISÃO
NATUREZA SEMIPÚBLICA
PRESCRIÇÃO
EXTINÇÃO PROCEDIMENTO CRIMINAL
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 03/22/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO PENAL
Sumário:
I- O crime de emissão de cheque sem provisão tipificado no artigo 11 n.º1, do DL nº 454/91, 28.12, na vigência do CP de 1982, revestia natureza pública.
II – Com a entrada em vigor do CP de 1995, o aludido crime passou a ter a natureza pública ou semipública em função do valor do prejuízo patrimonial. Ou seja, se o valor do prejuízo patrimonial for elevado ou consideravelmente elevado é crime público, não sendo o prejuízo patrimonial de valor elevado o crime é semipúblico, cfr. artigos 217º, nº 1 e nº 3 e 218º, nº 1 e nº 2 al. a) e 202 als. a) e b), todos do C. Penal de 1995.
III- Em consequência da entrada em vigor do DL nº 316/97, de 19.11, em conformidade com o disposto no artigo 11º-A, nº 1 do DL nº 454/91, 28.12, o crime de emissão de cheque sem provisão passou a ser sempre crime semipúblico.
IV- Em sede de aplicação da lei no tempo, em matéria de prescrição, a regra é a de que a lei aplicável é aquela que se encontre em vigor no momento da prática do crime, não podendo, por isso, ser aplicada retroativamente lei mais gravosa para o arguido, como é o caso da lei que alongue o prazo de prescrição ou acrescente novas causas de suspensão ou de interrupção da prescrição, cfr. nº 1 do artigo 2º do CP.
V- Porém, quando as disposições penais vigentes no momento da prática do facto punível forem diferentes das estabelecidas nas leis posteriores, é sempre aplicado o regime que concretamente se mostrar favorável ao agente, cfr. nº 4 do artigo 2º do CP.
VI- No caso em apreço, a lei posterior que veio fixar um prazo máximo de suspensão de prescrição decorrente da vigência da declaração de contumácia é concretamente mais favorável para o arguido, uma vez que que tal prazo é de cinco anos (corresponde ao prazo normal de prescrição), sendo que, no caso, a contumácia vigorou por mais de cinco anos, ou seja, quase dez anos.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães:

I- RELATÓRIO

1. No processo comum, com intervenção de tribunal singular nº 536/96.6TBVRL, do Tribunal Judicial da Comarca de Vila Real, Juízo Local Criminal de Vila Real - Juiz 1, em que é arguido J. C., com os demais sinais nos autos, foi o arguido condenado, por sentença lida a 30.10.2006 e depositada em 02.11.2006, no que para o caso releva, nos seguintes termos [transcrição]:

a) Julgar a acusação procedente e, consequentemente, condenar o arguido J. C., pela prática em autoria material do crime de emissão de cheque sem provisão, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 11º, n.° 1, al. a), do D.L n.° 454/91 de 28.12, e art. 217.°, n.°1, do Código Penal, na pena de 150 dias de multa, à taxa de 6 euros o que perfaz o montante de 900,00 (novecentos) euros.
2. Não se conformando com tal decisão dela interpôs recurso o arguido, extraindo da respetiva motivação, as seguintes conclusões [transcrição]:
1- A douta sentença recorrida condenou o arguido J. C. pela prática de um crime de emissão de cheque sem provisão de que vinha acusado.
2)- O Recurso versa a impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto e de direito – Artº 412 nºs 2 e 3e 4 C.P.P.
3) – O direito de queixa da Ofendida encontrava-se extinto à data da entrada da participação em Tribunal, pelo que deveria ter sido declarado extinto por prescrição cfr. fls. 2 e 4 dos autos e ponto 2 dos factos assentes. Violação do artigo 115 nº 1 do CP.
4) – Da falta de constituição de arguido e consequente nulidade de todas as causas de interrupção e suspensão da prescrição e nulidade de todo o processado. Violação do disposto no artº 57 e 58nº2, do CPP ex vi 120 e 121 CP
5)- Não realização destas diligências, constituição de arguido e interrogatório de arguido determina a nulidade do inquérito, por insuficiência do mesmo, nos termos do disposto nos artigos 118.º, n.º 1, e 119 al. b), c) e d), do Código de Processo Penal, ao assim não ter decidido violou o Tribunal a quo tais normativos legais.
6) - As declarações de contumácia efetuadas nos autos de fls. 21 e 25, 42 e 43,68,82 e 86,96, 129 são nulas uma vez que esta, só é válida com a constituição de arguido, ou seja, esta medida só tem aplicação quando o sujeito processual tem a condição de arguido, cfr.art. 55 e 58 nº2 e 335 a 337 todos do CP e artº 32 da CRP e ex. vi 118 nº1 e 119 al. b), c) e d) do CPP, o que nestes autos nunca ocorreu até aos dias de hoje, ao assim não ter decidido violou o Tribunal a quo tais normativos legais determinando assim a nulidade da sentença proferida nos termos do disposto no artº 379 nº1 al. c) e 2do CPP.
7) -Nulidade insanável, nos termos da al. c) do artigo 119.º do Código de Processo Penal, a ausência do arguido nos casos em que a lei determinar a sua obrigatoriedade. Situação que também se verifica quando o arguido está ausente processualmente, em virtude de não lhe ter sido garantido o direito de estar presente, por não ter sido regularmente notificado da data da leitura da sentença, nem do julgamento. Artº 120.º n.ºs 1, 2, al. d), e 3, al. c) do CPP. ao assim não ter decidido violou o Tribunal a quo tais normativos legais.
8)- Da nulidade da medida de coação aplicada nestes autos a fls. 120 e 120 verso TIR – violação clara do disposto no artº 196 do CPP e que determina a nulidades previstas nos artº 118 nº 1 e artº 119 al. b) e d) do CPP.
9) – O procedimento Criminal contra o aqui recorrente encontra-se prescrito por decurso do prazo. Artº118.º nº 1 al. c), artº 119 nº 1 e artº 121 nº 3 todos do CP.
10)- Relativamente ao reexame da matéria de facto, os pontos de facto de que o recorrente considera incorretamente julgados estão vertidos em 1 e 3 dos factos provados sede de matéria de facto e respetiva fundamentação conjugada com as regras da experiência comum impunham que tal matéria fosse dada como não provada. - Artº 412 nº 3 al.a) do C.P.P.
11)- As provas que impõem decisão diversa da recorrida são declarações da testemunha P. M., aliás esta testemunha como consta da própria motivação da Douta Sentença que ora se coloca em crise que refere que este cheque foi entregue para pagamento de abastecimentos de combustíveis anteriormente feitos, ou despesas de combustíveis que o arguido tinha efetuado, não conhece o arguido, não assistiu sequer ao preenchimento do cheque, pese embora tenha referido que era aquele cheque, aliás o mesmo refere que o cheque foi posto em nome da Garagem ... pela própria garagem, única testemunha de acusação dos autos cujo depoimento encontra-se gravado em duas fitas magnéticas, cassete única desde o início ao n.º5.50 do lado A, mais concretamente os pontos supra transcritos e que se indicam de 1.01 a 2.03 e 2.20 a 3.56 e 4.10 a 5.15). Artº 412 nº nºs3 al. b) e c) e 4 do C.P.P. assim se requerendo a sua renovação ex novo.
12)- Quanto aos pontos de facto que o recorrente considera incorretamente julgados, verificou-se erro notório na apreciação da prova, quanto a factualidade dada como provada que deveria ter sido considerada não provada, por essa razão levou à condenação do arguido. artº 410 nº 2 al. a) e c) do CPP.
13) - De igual forma enferma a decisão recorrida de Insuficiência da prova para a decisão da matéria de facto dada como provada, uma vez que a matéria vertida nos pontos1 e 3, dos factos provados porquanto os mesmos não encontram fundamento nem na prova documental de fls 3 a 5, queixa e as declarações da única testemunha P. M. prestadas em sede de ADJ. Face ao supra exposto, a motivação está em contradição com a douta fundamentação e existe erro notório na apreciação da prova. Artº 410 nº 2 al. a) b) e c) do CPP
14) - Nem o teor do depoimento da única testemunha de acusação que supra se referiu é de molde a objetivamente, cair na previsão do crime de emissão de cheque sem provisão p. e p. artº 11 nº1 al. a) do Dec. Lei Dec. Lei nº 454/91 de 28.12 e artº 217 nº 1 do CP, como se não mostra verificado os elementos objetivos nem subjetivos do tipo legal de crime - ocorrendo por isso, “in casu” erro de interpretação do citado normativo legal.
15)- Sendo que, em todo o caso, e ainda que assim não viesse a entender-se, sempre se imporia face às dúvidas existentes e insanáveis na versão trazida ao tribunal pela única testemunha de acusação, pois esta não viu preencher o cheque sequer para se imputar esses factos ao recorrente, conjugado estes com as regras da experiência comum, levaríamos sempre a um laivo dúvida o que por si só determinaria a aplicação do principio da in dúbio pró reo que se encontra consagrado no nosso sistema Penal Português no artº 32 da CRP e artº 6 da Declaração Universal dos Direitos do Homem que também se mostra violado.
16)- O depoimento da única testemunha de acusação mencionada, bem como a documental junta aos autos e supra referida, conjugada com as regras da experiência comum, impõe decisão oposta da recorrida, pois devia-se absolver-se o arguido J. C. da prática de um crime de crime de emissão de cheque sem provisão p. e p. artº 11 nº1 al. a) do novo regime jurídico do cheque sem provisão aprovado pelo Dec. Lei nº 454/91 de 28 de Dezembro e 217 nº1 do CP por não estar demonstrada nem a factualidade descrita na acusação e consequentemente não se mostram preenchidos os elementos objetivos nem os subjetivos do tipo legal em apreço, conforme supra se referiu, ao assim não se ter decidido violou os tribunal o referido normativo legal.
17) - Relativamente à impugnação da matéria de direito, a douta sentença recorrida sempre seria censurável porquanto conforme supra se referiu não estão preenchidos nem os elementos objetivos nem subjetivos do tipo de legal de crime de crime de emissão de cheque sem provisão p. e p. artº 11 nº1 al. a) do novo regime jurídico do cheque sem provisão aprovado pelo Dec. Lei nº 454/91 de 28 de Dezembro e 217 nº1 do CP, razão pela qual se mostra violado tal preceito legal.
18)- A Sentença é nula por falta de fundamentação da decisão artº 374 nº2 do CPP ex 379 nº 1 al. a) do mesmo código.
19) – A inexistência de arguido, ou seja, violação clara do artº 57 e 58 nº2 determina a nulidade da sentença nos termos do disposto no artº 379 nº 1 al. c) do CPP,
20) Violou o Tribunal a quo o disposto no artº 11 nº1 do Dec.-Lei nº 454/91 de 28.12 e art- 217 dnº1 do CP, o que se invoca para todos os efeitos legais. Artº 412 al. a) do CPP

Nesta conformidade, deve acordar-se em conceder provimento ao recurso, e em consequência do reexame da matéria de facto, deverá a sentença recorrida ser revogada e substituída por outra em que se declare a extinção do direito de queixa, todas as nulidades supra arguidas ( falta de constituição de arguido, nulidade da declaração de contumácia, falta de notificação do arguido para a leitura da sentença etc), a prescrição do procedimento criminal, bem ainda que se considere não provada a factualidade vertida nos pontos 1,e 3, dos factos provados e consequentemente se absolva o arguido J. C. da prática do crime de emissão de cheque sem provisão p. e p. artº 11 nº1 al. a) do novo regime jurídico do cheque sem provisão aprovado pelo Dec. Lei nº 454/91 de 28 de Dezembro e 217 nº1 do CP que lhe era imputado. Quando assim se não entenda deve a douta sentença ser declarada nula por falta de fundamentação como supra referido

Assim se fará inteira e merecida JUSTIÇA.

3. O M.P., na primeira instância, respondeu ao recurso interposto pelo arguido, tendo concluído nos seguintes termos (transcrição):

A. À data dos factos, designadamente, à data em que foi apresentada a denúncia criminal, o crime de emissão de cheque sem provisão tinha natureza pública, pois foi só com a alteração introduzida pelo Decreto-Lei n.º 316/97, de 19 de Novembro, que se passou a exigir o exercício do direito de queixa como condição do procedimento criminal, independentemente do valor do cheque.
B. Nesta medida, ao contrário do alega o recorrente, o Ministério Público tinha legitimidade para promover a acção penal.
C. Com a dedução da acusação pública o recorrente, atento o disposto no artigo 57.º, n.º 1 do C.P.P., passou a assumir a qualidade de arguido, pelo que não era necessário que o mesmo, em momento posterior, designadamente quando prestou TIR, fosse solenemente constituído arguido, uma vez que era qualidade que já assumia no processo desde que contra si tinha sido deduzido despacho de acusação.
D. Tendo a sentença sido proferida em 23-10-2006 verifica-se que, ressalvado o período da suspensão de cinco anos por força da declaração de contumácia, não decorreu o prazo normal da prescrição (5 anos) acrescido de metade, já que até à prolação da sentença decorreram apenas 5 anos e 8 meses.
E. A sentença aqui em crise apresenta-se como lógica, consentânea com as regras da lógica e da experiência, e sustentada na prova testemunhal e documental.
F. Em nenhum momento o recorrente invoca meios de prova irrefutáveis, já existentes nos autos e desconsiderados, que pudessem sustentar uma decisão de sentido contrário àquela que foi proferida.
G. Não resulta dos autos que o arguido tenha sido notificado da data designada para a leitura de sentença, o que consubstancia uma nulidade insanável, nos termos da al. c) do artigo 119.º do Código de Processo Penal, porquanto o n.º 10 do artigo 113.° do Código de Processo Penal impõe que o arguido seja notificado da data designada para a leitura da sentença.
Termos em que deve declarar-se a nulidade insanável prevista na al. c) do artigo 119.º do Código de Processo Penal e, em consequência, determinar-se a nulidade de todos os actos a partir do encerramento da discussão (artigo 361.º do C.P.P.) e ordenar-se a repetição da leitura da sentença, devendo para o efeito o arguido ser notificado da data que for designada para a sua leitura.
*
Vossas Excelências farão, porém, como sempre, JUSTIÇA!
4. Nesta instância, o Exmo. Senhor Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, concordando com a resposta ao recurso apresentada pelo M.P. na primeira instância, tendo, por isso, concluído no sentido da procedência do recurso apenas quanto à nulidade insanável do artigo 119º, al. c) do CPP, decorrente de o arguido não ter sido notificado da data designada para leitura da sentença.
5. Foi cumprido o disposto no artigo 417º nº2 do CPP e o arguido respondeu, pugnando pelos fundamentos do recurso.
6. Após ter sido efetuado exame preliminar, foram colhidos os vistos legais e realizou-se a conferência.
Cumpre apreciar e decidir.

II- FUNDAMENTAÇÃO

1- Objeto do recurso

O âmbito do recurso, conforme jurisprudência corrente, é delimitado pelas suas conclusões extraídas pelo recorrente da motivação apresentada, sem prejuízo naturalmente das questões de conhecimento oficioso (1) do tribunal, cfr. artigos 402º, 403º e 412º, nº 1, todos do CPP.

Assim, considerando o teor das conclusões do recurso interposto no sentido acabado de referir, as questões a decidir são:
- Extinção do direito de queixa, pelo facto de a queixa ter sido apresentada pela ofendida após ter transcorrido o prazo de seis meses a que se alude no nº 1 do artigo 115º do CP;
- Extinção do procedimento criminal por prescrição;
- Nulidade de todo o processo por omissão da constituição de arguido;
- Nulidade insanável decorrente de o arguido não ter sido notificado da data da sessão da audiência de julgamento em que foi lida a sentença recorrida;
- Nulidade do Termo de Identidade e Residência por falta de constituição de arguido;
- Nulidade da sentença por falta de fundamentação;
- Vícios da sentença do nº 2 als. a), b) e c) do artigo 410º do CPP;
- Erro de julgamento da matéria de facto, em conformidade com o disposto no artigo 412º, nºs 3 e 4 do CPP.
- Erro da qualificação jurídica dos factos, em virtude não estarem preenchidos os elementos objetivos e subjetivos do crime de emissão de cheque sem provisão p. e p. pelo artigo 11 nº1 al. a) do novo regime jurídico do cheque sem provisão aprovado pelo Dec. Lei nº 454/91 de 28.12 e pelo artigo 217º, nº1 do CP

2. A decisão recorrida
Na sentença recorrida foram considerados como provados e não provados os seguintes factos, com a respetiva motivação de facto e de direito [transcrição]:

A - factos provados.
Em sede de audiência de discussão e julgamento, provaram-se os seguintes factos:
1) Com data de 11 de Dezembro de 1995, o arguido preencheu, assinou e entregou à Garagem ..., o cheque constante de fls. 4, com o n.° 5143689665, sacado sob a conta n.° ………01 da dependência de Vila Real do Banco …, no montante de 100.000$00 (cem mil escudos), para pagamento de combustíveis.
2) Apresentado a pagamento em agência do ..., foi o mesmo devolvido, com a menção de falta de provisão, em 13 de Dezembro de 1995.
3) O arguido agiu livre e consciente, bem sabendo que a sua conduta era, para além de censurável, proibida por lei.
4) O arguido sabia, quando abriu mão do cheque, que não tinha na conta sacada fundos suficientes para integral pagamento do mesmo e que causava prejuízo patrimonial à ofendida/ queixosa.
5) O arguido não tem antecedentes criminais.
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B - Factos não provados: não existem.
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C - Motivação

A convicção do tribunal resultou do conjunto da prova produzida em audiência,’ nomeadamente do confronto do depoimento da testemunha P. M., que à data dos factos era legal representante da ofendida queixosa, que revelou conhecimento directo dos factos nomeadamente sabendo das despesas em combustíveis que o arguido efectuou e que para seu pagamento foi entregue o cheque, que confirmou nunca ter obtida boa cobrança, sendo ainda certo que não assistiu ao seu preenchimento, e que não teve dúvidas em confirmar que o cheque em questão seria o que se mostra a fls. 4 dos autos.
Mais explicou as tentativas de obter cobrança do mesmo, sendo que as mesmas não tiveram sucesso o que também passou pelo facto de o arguido a determinada altura se ter ausentado nada do seu paradeiro se conhecendo.
A ausência de antecedentes criminais do arguido resultou da leitura do seu certificado de registo criminal.
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3. SUBSUNCÃO DOS FACTOS AO DIREITO.

3.1 Enquadramento jurídico-penal.

Ao arguido vem imputada a prática de um crime de emissão de cheque sem provisão.
In casu, o arguido vem incurso da prática, como autor material e na forma consumada, de um crime de emissão de cheque sem provisão, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 11°, n.° 1, alinea a), do D.L. n.° 454/91 de 28.12, e art. 217°, n.°1, do Código Penal.

Dispõe o art. 11° do DL n.° 454/91 de 28.12, na redacção anterior às alterações introduzidas pelo Decreto-lei n.° 316/97 que:
“1. Será condenado nas penas previstas para o crime de burla, observando-se o regime geral de punição deste crime, quem, causando prejuízo patrimonial:
a,) Emitir e entregar a outrem cheque de valor superior ao indicado no art. 8° que não foi integralmente pago por falta de provisão, verificada nos termos da Lei Uniforme Relativa ao Cheque.”

Por seu turno, art.º 217°, n.°1, do Código Penal incrimina a Burla simples.
Cumpre então, analisar, se estão preenchidos todos os elementos constitutivos do crime.
Para que o crime previsto nas citadas normas esteja preenchido, toma-se necessário que o agente emita um cheque, que o entregue ao tomador, que o cheque não tenha provisão na data da sua apresentação a pagamento, e que tal cause um prejuízo patrimonial. Estes são os elementos objectivos do tipo de ilícito em causa.
Quanto ao elemento subjectivo, necessário é que o agente, ao emitir o cheque e ao apresentá-lo ao tomador, tenha a consciência de que, se aquele fosse apresentado a pagamento no prazo compreendido nos oito dias seguintes à sua data, a conta sacada não teria provisão suficiente, e que, com isso, causaria prejuízo patrimonial.
Além da verificação destes pressupostos, exige-se ainda que estejam preenchidas as seguintes condições de punibilidade do crime de emissão de cheque sem provisão: a apresentação atempada do cheque a pagamento (isto é, no prazo de oito dias a contar da sua emissão - art. 29° da Lei Uniforme do cheque) e a menção, no mesmo prazo, da falta de provisão - art. 40° do mesmo diploma legal.
Basta atentarmos nos factos provados, para vermos que se encontram preenchidos todos os elementos constitutivos deste crime, sendo forçoso concluir que o arguido praticou tal crime.
Todavia, sempre se dirá que à data dos factos estava em vigor o Decreto-lei n.° 454/ 91 de 28 de Dezembro e, em 1 de Janeiro de 1998 tal diploma sofreu alterações decorrentes da publicação do Decreto-lei n.° 316/97 de 19 de Novembro.
Perante tal sucessão de leis penais no tempo, necessário seria ter em consideração o disposto no art. 2°, n.° 2, do Código Penal, segundo o qual “o facto punível segundo a lei vigente no momento da sua prática deixa de o ser se uma lei nova o eliminar do número das infracções”.
A nova redacção do art. 11°, n.° 1, al. a), do DL n.° 454/91 introduzida pela entrada em vigor do D. L. n.° 316/ 97 de 19.11, trouxe alterações a nível dos elementos do tipo de crime sub judice: acrescentou-se aos elementos do tipo, um elemento negativo do tipo, cuja verificação implica a despenalização da emissão de cheque sem provisão, ou seja, tratando-se de um cheque pré-datado, a verificação da falta de provisão desse cheque não dá lugar a qualquer censura jurídico-penal.
Com efeito, o n.° 3 do supra referido art. 11º estabelece que “o disposto no n.° 1 não é aplicável quando o cheque seja emitido com data posterior à da sua entrega ao tomador “.
O legislador, com esta alteração, teve a preocupação de acentuar expressamente que o cheque se destina a pagamento imediato e não a pagamento a prazo ou a garantir o pagamento.
Como resulta do relatório preambular do Decreto-lei n.° 316/97, de 19 de Novembro, pretendeu-se excluir da tutela penal os “denominados cheques de garantia, os pós-datados e todos os que não se destinem ao pagamento imediato de uma obrigação subjacente”.
Assim sendo, o cheque, para beneficiar da tutela penal, terá de ser entregue ao tomador com data correspondente à da entrega, nunca com data posterior.
A lei só tutela penalmente o cheque em que se verifiquem esses requisitos, pois pretende tutelar o cheque como meio imediato de pagamento e não como instrumento de crédito.
Assim, “estaremos numa situação de cheque pós-datado, quando no momento da sua emissão e entrega pelo sacador, é aposta uma data que não coincide com o momento em que aquele se desapossa voluntariamente do título (...)“ - António Augusto Tolda Pinto, “Cheques sem provisão”, Coimbra Editora, 1998, pág. 178.
No caso concreto, apurou-se que o cheque não foi pré-datado pelo que se mantém criminosa a conduta do arguido.
*
Da pena.

Feito o enquadramento jurídico da conduta do arguido, importa determinar a natureza e a medida das respectivas sanções penais, nos termos previstos no art. 71° do C. Penal, i. é, «em função da culpa do agente e das exigências de prevenção», tendo em consideração «todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor ou contra» o agente.
Tenha-se em conta que o regime punitivo a aplicar ao arguido será o previsto no art.° 11.º do diploma legal de antes referido, por ser este que em concreto se revela mais favorável ao arguido, uma vez que permite a alternativa entre a pena de prisão e a pena de multa (art.° 217.°, do C.P.
A ilicitude do facto medida pelo montante do cheque revela-se mediana atendendo à data dos factos.
A favor do arguido depõe, desde logo, a ausência de antecedentes criminais, quer anteriores quer posteriores aos factos em apreço, de grande importância tendo em conta que desde os factos não se mostra averbada qualquer condenação.
Contra si depõe a intensidade do seu dolo (na modalidade de dolo directo), que se julga de grau médio, nada mais se tendo apurado a este respeito.
De outro passo sempre se dirá que não existe qualquer conduta activa do arguido resolver a questão, nomeadamente liquidando o montante que subjaz ao crime e assim de obter uma desistência de queixa, o que é a regra nestes casos, sendo ainda certo que nem tão pouco compareceu em Tribunal apesar do que referiu num fax aos autos remetido em anterior sessão de julgamento (fls. 142).
Tudo ponderado, e atenta a moldura penal prevista no art. 11., n.° 1, do DL n.° 316/97, de 19 de Novembro (a pena de prisão de 30 dias até 3 anos (art.° 41.°, n.°1) ou pena de multa de 10 dias a 360 dias (art.ºs 47.° do Código Penal), julga-se adequado graduar a pena pouco acima dos seus limites mínimos, fixando-se em 150 dias de multa
Considerando as condições económicas do arguido, das quais sabemos apenas ser as possíveis pela profissão que declarou em sede de Termo de Identidade e Residência - Jornalista, fixa-se em 6 (seis) euros o seu montante.
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3- Apreciação do recurso

3.1- O recorrente defende que o direito de queixa se extinguiu pelo facto de a ofendida ter apresentado queixa após ter decorrido o prazo legal de seis meses de que dispunha para o efeito, em conformidade com o disposto no nº 1 do artigo 115º do CP.
Vejamos.
O recorrente foi acusado pelo M.P. e depois condenado em primeira instância pela prática, em autoria material, de um crime de emissão de cheque sem provisão, previsto e punido pelas disposições conjugadas do artigo 11º, n.° 1, al. a), do D.L n.° 454/91 de 28.12, e art. 217.°, n.°1, do Código Penal.
Na resposta ao recurso, o M.P. sustentou que, na data dos factos, o crime de emissão de cheque sem provisão tinha natureza pública, pelo que o M.P. tinha legitimidade para exercer a ação penal, não carecendo de queixa da ofendida. E que o crime de emissão de cheque em provisão apenas passou a ser crime semipúblico com a entrada em vigor do DL nº 316/97, de 19.11, em conformidade com o previsto no artigo 11º A do DL nº 454/91, de 28.12, por aquele aditado.
Todavia, como iremos procurar demonstrar, não assiste razão ao M.P..

O artigo 11º, nº 1 al. a) do DL nº 454/91, de 28.12, na sua redação inicial, dispunha, quanto ao crime de emissão de cheque sem provisão, que:

“1 - Será condenado nas penas previstas para o crime de burla, observando-se o regime geral de punição deste crime, quem, causando prejuízo patrimonial:
a) Emitir e entregar a outrem cheque de valor superior ao indicado no artigo 8.º que não for integralmente pago por falta de provisão, verificada nos termos e prazos da Lei Uniforme Relativa ao Cheque;”

Assim, em face da referida norma legal, o crime de emissão de cheque sem é punível segundo o regime geral de punição do crime de burla, o qual, enquanto vigorou o C.P. de 1982, tinha a natureza pública, quer na sua forma simples, quer na sua forma agravada, cfr. artigos 313º e 314º do C.P. de 1982.
Porém, com a entrada em vigor, em 01.10.1995, do C. Penal de 1995, o crime de burla passou a ter a natureza pública ou semipública em função do valor do prejuízo patrimonial. Ou seja, se o valor do prejuízo patrimonial for elevado ou consideravelmente elevado é crime público, não sendo o prejuízo patrimonial de valor elevado o crime é semipúblico, cfr. artigos 217º, nº 1 e nº 3 e 218º, nº 1 e nº 2 al. a) e 202 als. a) e b), todos do C. Penal de 1995.
Neste sentido, vide Ac. RP de 15.11.1995, processo 9540751, disponível em www.dgsi.pt, constando do seu sumário que I - Antes da entrada em vigor do Código Penal de 1995, o crime de emissão de cheque sem provisão tipificado no artigo 11 n.º1, do Decreto-Lei n. 454/91, de 28 de Dezembro, revestia natureza pública. II - Após a vigência desse Código, o procedimento criminal por crime de emissão de cheque sem provisão dependerá de queixa sempre que o valor do prejuízo não seja elevado, isto é, seja inferior a 50 unidades de conta, avaliadas no momento da prática do facto, mas já não dependerá dessa formalidade prévia quando o valor seja " elevado " ou " consideravelmente elevado ", caso em que o crime revestirá natureza de crime público.
Posteriormente, com e entrada em vigor do DL nº 316/97, de 19.11, o crime de emissão de cheque sem provisão passou a revestir natureza semipública independentemente do valor do prejuízo patrimonial, cfr. artigo 11º- A do DL nº 454/91, de 28.12, a redação introduzida por aquele diploma legal.

No caso vertente, porque o cheque dos autos foi emitido em 11.12.1995 (cfr. fls. 4), na data dos factos encontrava-se já em vigor o C. Penal de 1995, o que significa que, nessa data, o crime de emissão de cheque sem provisão tinha a natureza pública ou semipública em razão do prejuízo patrimonial causado nos termos sobreditos.
Por isso, no caso em apreço, sendo o valor do cheque de 100.000$00 (cem mil escudos), este valor não é elevado, porque não excede 50 unidades de conta avaliadas no momento da prática do facto. Com efeito, no triénio de 1995 a 1997, o valor da unidade de conta foi 12.000$00, o que significa que, na data dos factos, valor elevado era o que excedia 600.000$00 (12.000$00 x 50) (2).
Assim sendo, na data dos factos, o crime de emissão de cheque sem provisão era punível segundo o regime do crime de burla do artigo 217º do CP de 1995, que tem natureza semipública, pelo qual, aliás, como dissemos, o arguido foi acusado pelo M.P. e condenado em primeira instância.
Acontece que a queixa foi apresentada em 14.06.1996 e não, como refere o recorrente, em 19.06.1996. Com efeito, pese embora a caligrafia constante do carimbo de entrada em juízo da queixa possa parecer à primeira vista “19.06.1996”, a verdade é que se trata de efetivamente de 14.06.1996, tanto mais que a data do despacho do Exmo. Magistrado do M.P. que ordena o registo e autuação do processo como inquérito é anterior àquela data, mais precisamente de 17.06.1996 (cfr. fls. 2), o que também se comprova pela data constante das capas dos autos do registo e autuação, que é de 17.06.1996.
Ora, o cheque dos autos foi emitido em 11.12.1995, tendo sido devolvido por falta de provisão em 13.12.1995, conforme carimbo constante do seu verso (cfr. fls. 4). Por isso, o prazo de seis meses para exercício do direito de queixa conta-se a partir desta última data, não se contando o próprio dia 13.12.1995, por ser a partir dela que a ofendida tem o conhecimento do facto e dos seus autores, cfr. artigo 115º, nº 1 1º parte do CP e artigo 279º do C. Civil.
Assim sendo, o dia 14.06.1996 corresponde ao último dia do prazo de seis meses em que o direito de queixa podia ser exercício. Logo, tendo a queixa entrado em juízo neste dia, decorre que a mesma foi tempestivamente apresentada, não se tendo extinguido o direito de queixa pelo recurso do respetivo prazo.
Por conseguinte, não assiste razão ao recorrente quanto à aludida questão.

3.2- O recorrente defende ter decorrido o prazo de prescrição do procedimento criminal, o qual, segundo refere, é de cinco anos.
3.2.1- Com relevo para a decisão da prescrição do procedimento criminal, importa ter em conta que:

- Está em causa o crime de emissão de cheque sem provisão p. e p. pelas disposições conjugadas do artigo 11º, n.° 1, al. a), do D.L n.° 454/91 de 28.12, e art. 217.°, n.°1, do Código Penal, punível em pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa, relativamente a um cheque emitido em 11.12.1995, devolvido por falta de provisão em 13.12.1995, no valor de 100.000$00;
- O arguido, cujo paradeiro era desconhecido, foi notificado editalmente da acusação em 01.04.1997, com éditos de 30 dias, para requerer instrução em vinte dias (cfr. fls. 25). Salienta-se que na altura encontrava-se em vigor o assento nº 6/92, DR/I 1992.07.10, segundo o qual “Deduzida acusação, a mesma tem de ser notificada ao arguido nos termos dos artigos 283.º, n.º 5, 277.º, n.º 3, e 113.º, n.º 1, alínea c), todos do Código de Processo Penal. Caso se verifique que aquele está ausente em parte incerta, a notificação a fazer-lhe será a edital prevista naquele artigo 113.º, n.º 1, alínea c), prosseguindo depois o processo para a fase do julgamento”;
- O arguido foi declarado contumaz em 24.10.1997 (cfr. fls. 41 e 42);
- Em 04.05.2006, o arguido foi notificado pessoalmente da acusação e do despacho que a recebeu, para contestar no prazo de vinte dias, tendo prestado TIR (cfr. fls. 120 e 121);
- Em 18.05.2006 foi declarada cessada a contumácia (cfr. fls. 123 )
- Posteriormente, o arguido foi notificado para julgamento, com indicação de duas datas, por carta registada com prova de depósito, depositada em 30.06.206 (cfr. 144);
- A audiência decorreu na segunda data indicada, à qual o arguido não compareceu. Foi designada a data de 30.10.2006 para continuação da audiência de julgamento, com leitura de sentença, da qual arguido não foi notificado (não foram realizadas quaisquer diligências no sentido de o notificar);
- Em 30.10.2006 foi proferida sentença, da qual o arguido, por ser desconhecido o seu paradeiro, foi notificado pessoalmente apenas em 30.11.2020, tendo prestado novo TIR (cfr. 360 e 361), e da qual interpôs o presente recurso.

3.2.2- O recorrente suscitou a questão da nulidade decorrente da omissão da sua constituição solene e formal como arguido, com consequências, segundo refere, quanto à verificação da suspensão e de interrupção da prescrição do procedimento criminal. A verdade é que qualquer que seja a decisão sobre tal questão, como veremos, a mesma, no caso em apreço, apresenta-se como sendo irrelevante para a questão da extinção do procedimento criminal por prescrição.
Apesar disso, não deixaremos aqui de afirmar que não se verifica a nulidade apontada. Com efeito, o recorrente assumiu a qualidade de arguido com a notificação edital da acusação, cfr. nº 1 do artigo 57º do CPP. O que aconteceu porque o recorrente se encontrava ausente em parte incerta antes da dedução da acusação, não obstante as diligências encetadas para o ouvir e constituir arguido, sendo que tais circunstâncias, continuaram a verificar-se depois da acusação, o que conduziu à declaração de contumácia.
Acresce dizer que, a ter ocorrido omissão da constituição formal e solene como arguido, a consequência legalmente prevista é que as declarações prestadas pela pessoa visada não podem ser utilizadas como prova, cfr. nº 4 do artigo 58º do CPP na redação então em vigor, atualmente nº 5 do mesmo preceito legal. E não qualquer nulidade, a qual para o ser tem de estar expressamente prevista, cfr. nº 1 do artigo 118º do CPP. O que não se confunde com a omissão, no inquérito, da realização de interrogatório do arguido, sendo possível a notificação do arguido, cfr. artigo 272º, nº 1 do CPP. O que não é o caso, uma vez que o paradeiro do arguido era desconhecido. No entanto, sempre se refere que segundo o acórdão de fixação de jurisprudência n.º 1/2006, publicado no DR, Iª série de 20.01.2006 “A falta de interrogatório como arguido, no inquérito, de pessoa determinada contra quem o mesmo corre, sendo possível a notificação, constitui a nulidade prevista no artigo 120.º, n.º 2, alínea d), do Código de Processo Penal”, sublinhado nosso.
Por conseguinte, não assiste razão ao recorrente.

3.2.3- Volvendo à suscitada questão da prescrição do procedimento criminal, considerando que o crime de emissão de cheque em causa nos presentes autos é punível com pena de prisão até 3 anos ou multa, o prazo de prescrição do procedimento criminal é de cinco anos, o qual se inicia com a consumação do crime, que no caso vertente ocorreu em 11.12.1995 (cfr. cheque de fls. 4) (3), cfr. artigos 118º, nº 1 al. c) e 119º, nº 1 , ambos do CP de 1995.
A lei prevê causas de suspensão e de interrupção da prescrição do procedimento criminal, cfr. artigos 120º e 121º, ambos do CP de 1995.
Por isso, na contagem do prazo de prescrição do procedimento criminal deverá atender-se aos factos que a lei atribui efeito suspensivo e interruptivo da prescrição, sendo que enquanto a interrupção da prescrição inutiliza o prazo já decorrido, começando a correr novo prazo por inteiro, na suspensão da prescrição o prazo decorrido não se inutiliza, voltando a correr a partir do dia em que cessa a causa a suspensão, cfr. artigos 120º, nº 3 e 121º, nº 2, ambos do C. Penal.
Acresce que, importa também considerar o prazo máximo de prescrição do procedimento criminal - que corresponde ao prazo normal da prescrição acrescido de metade desse prazo -, ou seja, o prazo em que, desde o seu início, independentemente das causas de interrupção da prescrição, mas ressalvando o tempo de suspensão da prescrição, a prescrição do procedimento criminal tem sempre lugar, cfr. nº 3 do artigo 121º do CP de 1995.

Assim, no caso em apreço, quanto ao prazo máximo da prescrição, importa considerar que verificam-se duas causas de suspensão da prescrição, a saber: a pendência do processo com a notificação da acusação, e a vigência da declaração de contumácia, cfr. artigo 120º, nº 1 al. b) e c) do CP de 1995.
No que e refere à notificação da acusação, a lei estabelece o prazo máximo de três anos de suspensão da prescrição, cfr. 120º, nº 2 do CP de 1995.
Quanto à vigência da declaração de contumácia, na data dos factos, a lei não estabelecida qualquer prazo máximo, o que conduzia a que enquanto não fosse cessada a contumácia, o prazo de prescrição ficaria indefinidamente suspenso.
Porém, com a entrada em vigor da Lei nº 19/2013, de 21.02, foi estabelecido um prazo máximo da suspensão da prescrição relativamente à vigência da declaração de contumácia, que corresponde ao prazo normal da prescrição, ou seja, no caso em apreço 5 anos, cfr. nº 3 do artigo 120º do CP, na redação atualmente em vigor.
Em sede de aplicação da lei no tempo, em matéria de prescrição, a regra é a de que a lei aplicável é aquela que se encontre em vigor no momento da prática do crime, não podendo, por isso, ser aplicada retroativamente lei mais gravosa para o arguido como é o caso da lei que alongue o prazo de prescrição ou acrescente novas causas de suspensão ou de interrupção da prescrição, cfr. nº 1 do artigo 2º do CP (4).
Por isso, não tem aqui a aplicação as causas de suspensão da prescrição das als. d) e e) do nº 1 do artigo 120º do CP na versão atualmente em vigor – a sentença não poder ser notificada ao arguido julgado na ausência; a sentença condenatória, após notificação ao arguido, não transitar em julgado - as quais não se encontravam em vigor na data dos factos, na medida em que foram introduzidas no CP pela Lei nº 65/98, de 02.09 e pela Lei nº 19/2013, de 21.02.
Pelo mesmo motivo, a causa de interrupção da prescrição prevista na al. d) do nº 1 do artigo 121º do CP - notificação do despacho que designa dia para audiência na ausência do arguido – introduzida pela Lei nº 65/98, de 02.09 (em momento posterior à consumação do crime destes autos) não tem aplicação no caso presente. Em qualquer caso sempre não seria de aplicar no caso presente, pois que não está aqui em causa qualquer despacho que designe audiência na ausência do arguido (5).
Porém, quando as disposições penais vigentes no momento da prática do facto punível forem diferentes das estabelecidas nas leis posteriores, é sempre aplicado o regime que concretamente se mostrar favorável ao agente, cfr. nº 4 do artigo 2º do CP.

Assim, no caso em apreço a lei posterior que veio fixar um prazo máximo de suspensão de prescrição decorrente da vigência da declaração de contumácia é concretamente mais favorável para o arguido, uma vez que que tal prazo é de cinco anos (corresponde ao prazo normal de prescrição), sendo que, no caso, a contumácia vigorou por mais de cinco anos, ou seja, quase dez anos.
Assim sendo, temos que, no caso vertente, o prazo máximo de prescrição é de 15 anos e 6 meses (5 anos + 2 anos e 6 meses + 5 anos + 3 anos). Em que 5 anos corresponde ao prazo normal da prescrição, 2 anos e 6 meses corresponde a metade desse prazo, 5 anos corresponde ao prazo máximo da suspensão da prescrição decorrente da vigência da contumácia e 3 anos, corresponde ao prazo máximo de suspensão da prescrição resultante da pendência do processo decorrente da notificação da acusação ao arguido.
Por conseguinte, considerando o referido prazo máximo, que se iniciou em 11.12.1995, conclui-se que a prescrição do procedimento criminal ocorreu em 11.06.2011.
No que se refere à contagem do prazo do prazo normal de prescrição, verifica-se que o prazo de prescrição de cinco anos iniciou-se em 11.12.1995, mas simultaneamente suspendeu-se e interrompeu-se em 01.05.1997 (notificação edital com éditos de 30 dias), cfr. artigo 120, nº 1 al. b) e artigo 121º, nº 1 al. b), ambos do CP de 1995, com o prazo máximo de suspensão da prescrição de 3 anos, cfr. nº 2 do artigo 120º do CP de 1995. E, por isso, começaria a contar-se de novo, por inteiro, em 01.05.2000, não fora antes desta data ter ocorrido nova causa simultaneamente de suspensão e de interrupção da prescrição, ou seja, a vigência / declaração de contumácia de 24.10.1997, que apenas cessou em 18.05.2006, cfr. artigo 120º, nº 1 al c) e artigo 121º, nº 1 al. c), ambos do CP de 1995. Neste último período em que se manteve a vigência da declaração de contumácia apenas se pode considerar cinco anos por ser esse o prazo máximo que a lei prevê para o efeito, cfr. artigo 120º, nº 3 do CP na redação atualmente em vigor, por ser mais favorável para o arguido, cfr. artigo 2º, nº 4 do CP.
Assim, o prazo de cinco anos de prescrição do procedimento criminal começou a contar-se de novo por inteiro em 24.10.2002 (cinco anos após 24.10.1997, data do início da declaração /vigência da declaração de contumácia).
Assim sendo, e porque em face do CP de 1995, que era a lei em vigor na data dos factos, não ocorreram outros factos a que seja atribuído efeito interruptivo ou suspensivo da prescrição, somos levados a concluir que a prescrição do procedimento criminal ocorreu em 24.10.2007.
Por conseguinte, no caso em apreço, quer considerando o prazo máximo, quer considerando o prazo normal da prescrição, já decorreu o prazo de prescrição do procedimento criminal, sendo que, porque este último foi o que ocorreu em primeiro lugar, decorre que a extinção do procedimento criminal, por prescrição, ocorreu em 24.10.2008.
Em conclusão, o recurso procede nesta parte, impondo-se a declaração de extinção do procedimento criminal por prescrição quanto ao discutido crime de emissão de cheque sem provisão, ocorrido há mais de 25 anos.
Em consequência, fica prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas pelo recorrente.

III – DISPOSITIVO

Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes que constituem a Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar parcialmente procedente o presente recurso e, em consequência, declarar extinto, por prescrição, o procedimento criminal quanto ao crime de emissão de cheque sem provisão previsto e punido pelas disposições conjugadas do artigo 11º, nº 1, al. a), do D.L. n.° 454/91 de 28.12, e artigo 217.°, n.°1 do CP de 1995 pelo qual o recorrente foi acusado pelo M.P. e condenado em primeira instância.
Sem custas (artigo 513º, nº 1 a contrario do CPP)
Notifique.
Guimarães, 22.03.2021
(Texto integralmente elaborado pelo relator e revisto por ambos os signatários (artigo 94º, nº 2 do C. P. Penal).

(Armando da Rocha Azevedo - Relator)
(Clarisse Machado S. Gonçalves - Adjunta)



1. De entre as questões de conhecimento oficioso do tribunal estão os vícios da sentença do nº 2 do artigo 410º do C.P.P., cfr. Ac. do STJ nº 7/95, de 19.10, in DR, I-A, de 28.12.1995, as nulidades da sentença do artigo 379º, nº 1 e nº 2 do CPP, irregularidades no caso no nº 2 do artigo 123º do CPP e as nulidades insanáveis do artigo 119º do C.P.P..
2. A unidade de conta (UC) foi inicialmente definida no n.º 2 do artigo 5º do Decreto-Lei n.º 212/89, de 30 de Junho e era atualizada trienalmente. O seu valor correspondeu até ao final de 2008 a um quarto da retribuição mínima mensal mais elevada que tiver vigorado no dia 1 de outubro do ano anterior, arredondado para a unidade de euro mais próxima.
3. No crime de emissão de cheque sem provisão a sua consumação ocorre com a emissão do cheque e a sua entrega ao tomador, cfr. Ac STJ de 14.03.1990, processo nº 040679, disponível em www.dgsi.pt
4. Neste sentido, vide v.g. Ac TRL de 29-04-2014, in CJ, 2014, T2, pág.162; e Simas Santos e Leal Henriques, Noções de Direito Penal, 5ª ed. 2016, Rei dos Livros, pág. 399. Sobre a natureza mista da prescrição do procedimento criminal (pressuposto processual negativo “obstáculo processual” e causa de afastamento da punição), vide F. Dias, As Consequências Jurídicas do Crime, pág. 700 e seguintes.
5. Cfr. artigo 334º do CPP na versão que lhe foi introduzida pela Lei nº 59/98, de 25.08 e na versão atualmente m vigor.