Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
154/19.2GAFAF.G1
Relator: MARIA JOSÉ MATOS
Descritores: REGIME DE PERMANÊNCIA NA HABITAÇÃO COM VE
REQUISITOS DE APLICABILIDADE DO ARTº 44 CP
ARTIGO 292º DO CÓDIGO PENAL
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 10/14/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO PENAL
Sumário:
I. É exigência do nº 1 do artigo 44º do CP que o Regime de Permanência na Habitação apenas seja aplicado na sequência de um juízo prudencial que conclua que tratar-se o mesmo do meio adequado e suficiente a serem alcançadas as finalidades de execução da pena de prisão e, caso nisso, o condenado consentir.
II. Caso tal juízo prudencial seja no sentido de que o condenado possui os meios de, em liberdade, operar a sua reintegração, não deverá o mesmo ser colocado em meio prisional.
Decisão Texto Integral:
Acordam os Juízes, em Conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Guimarães

. RELATÓRIO

Nos presentes autos de Processo Sumário que seguem termos sob o nº 154/19.2GAFAF no Tribunal Judicial da Comarca de Braga/Juízo Local Criminal de Fafe, o Ministério Publico requereu o julgamento do arguido

R. M., casado, mecânico reformado, nascido a -/-/1973, residente na Rua ..., em Fafe,

Imputando-lhe a prática, como autor material, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 292º, nº 1 e 69º, nº 1 alínea a) do Código Penal.

O arguido não apresentou contestação, nem arrolou prova testemunhal.

Foi levado a efeito o julgamento, findo o qual veio a ser proferida sentença, na qual foi decidido:

. Condenar o arguido R. M., como autor material, e na forma consumada, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo artigo 292º, nº 1 do Código Penal, na pena 10 (dez) meses de prisão efectiva;
. Condenar o arguido em 18 (dezoito) meses de proibição de conduzir quaisquer veículos motorizados, nos termos do artigo 69.º, n.º 1, alínea a) do Código Penal;
. Condenar o arguido nas custas do processo, tendo sido fixada a taxa de justiça em 2 (duas) UC’s, reduzidas a metade, atenta a confissão integral e sem reservas, nos termos do artigo 8º, n.º 5 do Regulamento das Custas Processuais.

Inconformado com tal decisão condenatória, o arguido R. M. da mesma interpôs o presente recurso, que motivou, apresentando as seguintes conclusões:

1ª – Vem o presente recurso da douta sentença que condena o arguido na pena de 10 (dez) meses de prisão pela prática, como autor material de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p., pelo art.º 292.º, nº 1 do Código Penal.
2ª – Pese embora o arguido/recorrente não possa ignorar, nem ignore, os seus antecedentes criminais bem como as penas que lhe foram sendo aplicáveis, e reconhecer que, em face do seu registo criminal, poucos argumentos poderá esgrimir relativamente à opção, pelo Tribunal a quo, por uma pena de prisão em detrimento de uma pena de multa.
3ª - A verdade é que já não pode aceitar que o Tribunal a quo não tenha optado pela suspensão da execução da pena aplicada ou pela sua substituição, nomeadamente, pelo cumprimento da pena de prisão em regime de permanência da habitação, nos termos do art.º 43.º do Código Penal.

Com efeito,

4ª - Nos termos do nº1 do art.º 40º do CP “a aplicação de penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade”.
5ª - Pelo que a necessidade das penas, mormente as de natureza privativa de liberdade, dependem da sua necessidade imperiosa, adequação e proporcionalidade para a protecção dos bens jurídicos que a norma incriminadora visa proteger.
6ª - Do preâmbulo do Dec. Lei 48/95, de 15.03 – por força do qual operou a grande reforma do Código Penal de 1982 – decorre que “a pena de prisão – reacção criminal por excelência – apenas deve lograr aplicação quando todas as restantes medidas se revelarem inadequadas, face às necessidades de reprovação e prevenção”.
7ª – Nesta linha de orientação, não pode o julgador desconsiderar que toda a postura e personalidade do arguido foi potenciada por uma infância/adolescência marcada pelo absentismo familiar e o seu crescimento pautado por episódios dramáticos, como evidenciado no Relatório Social, nomeadamente:
- R. M. cresceu integrado no agregado de origem, composto pelos progenitores e uma irmã, cuja dinâmica é descrita como coesa e solidária. O progenitor era proprietário de uma oficina de mecânica automóvel e a progenitora auxiliava na gestão da mesma.
- Frequentou o sistema de ensino até aos dezasseis anos de idade, que abandonou por sua iniciativa, motivado por querer desempenhar actividade laboral e obter autonomia financeira. Terminou o 9º ano de escolaridade em regime pós-laboral.
- O arguido sofreu um acidente quando criança (atropelamento que causou um traumatismo craniano) do qual resultaram problemas físicos e instabilidade emocional, com repercussões ao nível do comportamento, descrito como mais instável e rebelde.
- O seu percurso profissional iniciou-se na oficina de mecânica automóvel do progenitor, que se constituiu a principal experiência laboral pois foi a única continuada e estruturada.
- Foi pai com dezanove anos de idade, fruto de uma relação ocasional, não detendo um relacionamento afectivo significativo com esta descendente. Casou aos vinte e quatro anos de idade, tendo resultado um filho, actualmente maior. A dinâmica relacional, apesar de descrita como de suporte, foi sendo comprometida pelo comportamento do arguido relativamente ao consumo de bebidas alcoólicas.
- Desde a juventude que R. M. tem hábitos de consumo regular de bebidas alcoólicas que se intensificaram após a morte súbita do progenitor (tinha o arguido trinta anos de idade). Fez tratamento médico à problemática aditiva, no Centro de Alcoologia do Norte, entre Julho de 2010 e 2014, período durante o qual demonstrou maior organização e estabilidade geral. Todavia, voltou a recair e registar um padrão de consumo abusivo destas substâncias.
- R. M. regista diversos contactos com o sistema de justiça, o primeiro dos quais em 2001, pela prática de crime de ofensas à integridade física, no qual foi condenado numa pena de multa que pagou.
- Em 2014 foi condenado em pena de prisão por dias livres, pena que foi posteriormente revogada e incluída em cúmulo jurídico. Cumpriu pena de prisão entre marco de 2016 e Novembro de 2017, quando saiu em liberdade definitiva.
8ª - Sendo que todo o enquadramento de vida familiar e pessoal do arguido em nada favoreceu o seu desenvolvimento como pessoa pautada por valores sociais o que, irremediavelmente, se reflectiu nos seus comportamentos desviantes, ocorridos (frisa-se) em períodos marcados pelo consumo e dependência de álcool.
9ª - Se é certo que os antecedentes familiares do arguido não desculpabilizam a sua conduta, não é menos certo que tiveram forte influência na sua formação como pessoa totalmente desacompanhada ou desprovida de orientação ético-valorativa.
10ª - Facto é que há todo um quadro pessoal positivamente evolutivo desde a prática dos factos até ao presente que deve ser devidamente atendido no juízo de ponderação entre a execução efectiva da pena aplicada ou o cumprimento em regime alternativo à reclusão.
11ª - Desde a prática dos factos, o arguido tem procurado uma aproximação com o sue filho, actualmente com 20 anos de idade, neste momento a frequentar um curso superior.
12ª - Aproximação que tem sido progressiva e bastante positiva para o arguido, o que o motiva a focalizar-se em mudar o rumo da sua vida.
13ª - Em termos profissionais, tem tentado fazer alguns trabalhos, o que não tem sido tarefa fácil dada a sua situação de saúde neste momento.
14ª – Aqui se corrobora o Ac. RP de 28.05.2008 (Relatora Desembargadora Maria do Carmo Dias Silva), in www.dgsi.pt “(...) sabemos que um delinquente (e não em refiro ao ocasional) não deixa de cometer crimes de um dia para o outro.
É necessário construir e ajudar a construir todo um processo que lhe permitam criar uma “identidade não criminal”. Nesse capítulo é essencial encontrar um trabalho e ter condições de vida com (pelo menos) um mínimo de dignidade.
É precisamente por causa da ineficácia da pena de prisão junto da pequena e da média criminalidade que o legislador vem reagindo, sendo disso exemplo a diversificação das penas substitutivas da prisão que se vão criando. (...)”.
15ª – Na senda do entendimento perfilhado no referido Acórdão da Relação do Porto e que aqui se acompanha, é digno de ser reconhecido o esforço do arguido para se ressocializar após o tempo de cumprimento de pena de prisão.
16ª - Voltar aos corredores de um Estabelecimento Prisional corresponderá a um total retrocesso de todo o desejado caminho entretanto percorrido pelo arguido no sentido de orientar o seu estilo de vida e criar uma identidade afastada de condutas desviantes.
17ª – Ainda que não se possa ignorar todos os antecedentes do arguido, o quadro evolutivo das suas circunstâncias atuais de natureza pessoal desaconselham a privação da liberdade em estabelecimento prisional, justificando um juízo de prognose positivo à suspensão da execução da pena de 10 meses de prisão a que foi condenado ou de medida substitutiva.
18ª - Com o devido respeito, e contrariando a posição perfilhada pelo Tribunal a quo, encontram-se verificadas circunstâncias que permitem criar uma esperança fundada de que o arguido interiorize o carácter ilícito e censurável da sua conduta e sinta a sua condenação como um alerta e uma advertência bastantes para que, no futuro, não mais volte a delinquir.
19ª - Sendo credível que a simples censura do facto e a ameaça da pena de prisão permitir-lhe-ão concretizar o esforço já iniciado de viver em conformidade com os valores ético-jurídicos comunitários, mas também, e sobretudo, se afastar da prática de futuros crimes.
20ª - Neste momento o arguido está afastado co consumo de bebidas alcoólicas, tendo mesmo optado, de forma consciente e voluntária, por se afastar das relações de risco que a conduziram a um percurso desviante.
21ª - O arguido, com quarenta e três anos de idade, está ainda em tempo de ser recuperado e refazer toda uma vida pautada pelos valores ético-jurídicos.
22ª - Reencontrando a desejável e desejada identidade afastado da prática delinquente, que permitirá, também, aos poucos, que se desvincule do rótulo estigmatizante de “ex-recluso” a que ainda continua associado à sua imagem social.
23ª - Fazendo as pazes com a Justiça e com a sociedade, o que lhe permitirá dar continuidade ao positivo processo de progressiva conquista da confiança e afecto do filho, actualmente com 20 anos de idade, e que tem sido a alavanca motivadora do arguido na sua ressocialização.
24ª - Perante este quadro evolutivo, não será pretensioso afirmar que neste momento, a ameaça de prisão é francamente suficiente para dissuadir o arguido do cometimento de futuros crimes por ter consciência de toda a carga negativa que isso implicaria para si, em particular o afastamento do filho.
25ª - Vislumbrando-se uma esperança fundada de que o recorrente pode, em liberdade, lograr a sua socialização.
26ª – Sendo, por isso, justificável uma derradeira oportunidade antes de voltar à prisão, não como prémio, mas antes como motivação adicional para que continue a pautar-se pelos trilhos positivos que, entretanto, iniciou.
27ª – Oportunidade essa - entendida não como moeda de troca pela confissão espontânea, integral e sem reservas e arrependimento demonstrado (reconhecidos pelo Tribunal a quo) e contribuição para a descoberta da verdade, mas como forma de reintegração social do arguido - que deverá consubstanciar-se na suspensão da execução da pena de prisão, como medida de conteúdo reeducativo e pedagógico, ainda que sujeita ao cumprimento de deveres, à observância de regras de conduta ou até mesmo acompanhado de regime de prova, nos termos admitidos no n.º 2 do artigo 50.º do CP.
28ª - Nesse juízo de ponderação reveste particular pertinência a nota conclusiva constante do Relatório Social, nos termos da qual é sugerido que “(...) Neste contexto, consideramos que o processo de reinserção de R. M. beneficiaria de acções direccionadas para o tratamento à problemática alcoólica e interiorização do desvalor da conduta passada, com análise/reflexão de estratégias adequadas de resolução de problemas.
Consideram-se reunidas as condições necessárias para a aplicação e execução de eventual pena de permanência na habitação, vigilância electrónica, designadamente as condições habitacionais, económicas e de suporte familiar.”

Sem prescindir,

29ª - Tendo sido aplicada pena de prisão inferior a um ano, importa e justifica-se, igualmente, analisar se e em que termos será admissível o recurso a penas de substituição detentivas, nomeadamente o Regime de Permanência na Habitação.
30 ª - O teor do artigo 44.º do Código Penal (conferido pela Lei n.º 59/2007), passou a admitir o cumprimento da pena de prisão aplicada em medida não superior a um ano em regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância, sempre que o tribunal concluir que esta forma de cumprimento realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
31ª - A ratio deste normativo assenta numa filosofia de acautelar/evitar os inconvenientes estigmatizantes associados às penas de prisão, nomeadamente a irremediável ruptura familiar, social e profissional já existente ou restabelecida, sem que fiquem prejudicadas as finalidades das penas.
32ª - Com o objectivo último de evitar a sujeição do condenado ao efeito criminógeno da reclusão em estabelecimento prisional pelo período de uma pena curta, numa perspectiva de a pena de prisão efectiva ser de último recurso, aplicável apenas quando todos os demais mecanismos punitivos não assegurem a ressocialização do arguido.

Ora,

33ª - O comportamento do arguido e todo o seu quadro evolutivo – pessoal e familiar - no momento pós prática dos factos.
34ª - O facto de o arguido residir de forma permanente em casa com a mulher e o filho, sob vigilância apertada da mãe.
35ª - Valoradas as conclusões do Relatório Social e tendo em vista a ideia de prevenção especial, fundamentos existem para que o Tribunal ad quem, em alternativa à suspensão da execução da pena de prisão aplicada, conclua que uma pena substitutiva da pena de prisão, em particular em regime de permanência na Habitação (art.º 44º, nº1 CP) ainda pode ser eficaz relativamente ao comportamento futuro do arguido.
36ª - Justificando, assim, a sua ponderação da sua aplicação, uma vez que a mesma ainda se mostra suficiente não só para evitar que o arguido reincida (dissuadir o agente da prática de novos crimes), como também para satisfazer aquele limiar mínimo da prevenção geral da defesa do ordenamento jurídico.
37ª - Para o que o arguido desde já presta o necessário consentimento.

Termos em que deve a douta sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que suspenda a execução da pena de dez meses de prisão efectiva e contínua aplicada ao arguido,
Ou, em alternativa, que determine a sua substituição em Regime de Permanência na Habitação ou outra medida de substituição que se revele adequada, proporcional e justa.

Notificado o Ministério Público, nos termos do disposto no artigo 411º do Código do Processo, veio o mesmo pronunciar-se, no uso da faculdade a que alude o artigo 413º do mesmo diploma legal, no sentido da improcedência do recurso interposto apresentando as seguintes conclusões (resumo):

1. O pressuposto formal de aplicação da suspensão da execução da prisão é apenas que a medida concreta da pena aplicada ao arguido não seja superior a 5 anos.
2. O pressuposto material da suspensão da execução da pena de prisão é que o Tribunal conclua por um prognóstico favorável relativamente ao comportamento do arguido, ou seja, que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
3. No juízo de prognose deverá o Tribunal atender, no momento da elaboração da sentença, à personalidade do agente (designadamente ao seu carácter e inteligência), às condições da sua vida (inserção social, profissional e familiar, por exemplo), à sua conduta anterior e posterior ao crime (ausência ou não de antecedentes criminais e, no caso de os ter já, se são ou não da mesma natureza e tipo de penas aplicadas), bem como, no que respeita à conduta posterior ao crime, designadamente, à confissão aberta e relevante, ao seu arrependimento, à reparação do dano ou à prática de actos que obstem ao cometimento futuro do crime em causa) e às circunstâncias do crime (como as motivações e fins que levam o arguido a agir).
4. As finalidades das penas, designadamente das penas de substituição, é “a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade”. (art.40.º, n.º1 do Código Penal). A protecção, o mais eficaz possível, dos bens jurídicos fundamentais, implica a utilização da pena como instrumento de prevenção geral, positiva ou de integração, servindo para manter e reforçar a confiança da comunidade na validade e na força de vigência das normas do Estado na tutela de bens jurídicos e, assim, no ordenamento jurídico-penal.
5. A reintegração do agente na sociedade, outra das finalidades da punição, está ligada à prevenção especial ou individual, isto é, à ideia de que a pena é um instrumento de actuação preventiva sobre a pessoa do agente, com o fim de evitar que no futuro, ele cometa novos crimes, que reincida.
6. No presente caso, resulta evidente a impossibilidade de realizar um tal juízo, considerando: O teor do CRC do recorrente; O momento da prática dos factos (arguido praticou os factos quando estava a cumprir pena acessória de 02 anos e 08 meses pela prática de dois crimes de condução em estado de embriaguez); As mais variadas penas já aplicadas ao arguido (o recorrente rejeitou, sistematicamente, interiorizar as consequências da sua conduta anterior, o que nos leva a concluir, que a antecedente imposição das variadas penas, com diferentes modalidades, não acautelou eficazmente o cometimento de novos crimes); A personalidade do agente e condições de vida (o percurso de vida do recorrente tem sido fortemente marcado pelo alcoolismo, sendo que as relações familiares se encontram também comprometidas).
7. Tudo visto e ponderado, o Ministério Público é de posição que não é possível formular, in casu, relativamente ao arguido, um juízo de prognose favorável, de reconhecer a capacidade do mesmo para não cometer novos crimes, não se encontrando preenchido o requisito basilar que permite a suspensão da execução da pena de prisão.
8. Bem andou o Tribunal a quo ao não suspender a execução da pena de prisão na qual condenou o arguido.
9. Quanto à eventual aplicação do artigo 43º do Código Penal, o qual se refere ao "regime de permanência na habitação", entendemos válidos todos os argumentos já acima expendidos, na medida em que para aplicação de tal regime, o tribunal tem de concluir que, no caso, esta forma de cumprimento realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
10. O arguido tem demonstrado um comportamento não conforme ao direito, sendo certo que foi já condenando em penas de prisão pelo cometimento dos mesmos tipos legais de crime, sendo extenso o leque de condenações sofridas.
11. Não obstante o cumprimento efectivo de pena de prisão, o arguido continua a agir ilicitamente o que nos leva a crer que não houve interiorização da gravidade das várias condutas, não representando o arguido, exteriormente, qualquer nova postura mais responsável.
12. Daí que não vislumbramos como o regime de permanência na habitação possa realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, pelo que bem andou o Tribunal a quo ao não optar pela sua aplicação.
13. Pelo exposto, entendemos que a sentença recorrida respeitou o estatuído nos artigos 50.º, n.º 1 e 48º do Código Penal, não assistindo qualquer razão ao recorrente.

Face a tudo o exposto, entendemos que se deve manter nos seus precisos termos a decisão recorrida.

O Excelentíssimo Senhor Procurador-Geral Adjunto neste Tribunal da Relação de Guimarães emitiu Parecer no sentido da improcedência do recurso apresentado.
Foi dado cumprimento ao disposto no artigo 417º, nº 2 do Código do Processo Penal.

Procedeu-se a exame preliminar.

Colhidos os vistos legais e realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir do recurso apresentado.

Na sentença proferida, e com interesse para a decisão da lide recursal, ficou assente:

III – FUNDAMENTAÇÃO

. Factos Provados:

1) No dia 17.02.2019, pelas 02 horas e 31 minutos, o arguido conduzia o veículo ligeiro de passageiros, com matrícula OE, circulando na Avenida …, neste concelho de Fafe.
2) No âmbito de uma acção de fiscalização, o arguido foi submetido a um teste de taxa de álcool tendo aquele revelado uma TAS de 2,195 g/l.
3) O arguido bem sabia que tinha ingerido bebidas alcoólicas e que não se encontrava em condições de conduzir, atento o teor alcoólico ingerido, querendo, não obstante esse conhecimento, conduzir o veículo naquelas condições.
4) O arguido agiu livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.

Mais se provou que:

5) O arguido procedeu à condução acima referida apesar de actualmente estar a cumprir desde 15-11-2017 até 15-07-2020 a pena acessória de 02 anos e 08 meses pela prática de dois crimes de condução em estado de embriaguez, no âmbito do P.321/15.8GAFAF, onde entregou uma carta de condução a si respeitante e emitida em 23-02-2017, tendo aquando da presente fiscalização na sua posse outra carta de condução, emitida a 20-08-2002, que lhe foi apreendida a fls.20.
6) O arguido:
-é casado;
-é mecânico reformado, auferindo €410,00 mensais de reforma, fazendo alguns biscates ocasionais;
-a esposa do arguido é auxiliar da acção educativa, auferindo o salário mínimo nacional;
-tem um filho de 20 anos, estudante universitário (estudante bolseiro de Eng. Mecânica em Viana);
-vive em casa herdada pelo filho;
- Do crc do arguido junto a fls.34 e ss, para cujo teor integral se remete e aqui se dá por reproduzido, constam averbados ose seguintes antecedentes criminais:
- Por sentença datada de 15/03/2001 e transitada em julgado em 30/03/2001, o arguido foi condenado, no Processo Colectivo n.º 180/00.5TBFAF, pela prática de quatro crimes de ofensa à integridade física, na pena única de 465 dias de multa, à razão diária de 300$00,00, por factos praticados em 25/10/1999;
- Por sentença datada de 10/10/2002 e transitada em julgado em 25/10/2002, o arguido foi condenado, no Processo Abreviado n.º 172/02, pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, na pena de 60 dias de multa, à razão diária de € 03,00 e na pena acessória de proibição de conduzir pelo período de 03 meses por factos praticados a 21/10/2001;
- Por sentença datada de 05/11/2004 e transitada em julgado em 25/11/2004, o arguido foi condenado, no Processo Colectivo n.º 275/02.0GAFAF, pela prática de um crime de ofensa à integridade física qualificado, na pena única de 01 ano e 3 meses de prisão, suspensa por três anos, por factos praticados a 11/04/2002;
- Por sentença datada de 16/03/2005 e transitada em julgado em 11/04/2005, o arguido foi condenado, no Processo Comum Singular n.º 645/04.0GAFAF, pela prática de um crime de desobediência qualificada, na pena única de 16 meses de prisão suspensa por 2 anos com condição, por factos praticados em 23/05/2004;
- Por sentença datada de 11/12/2007 e transitada em julgado em 14/01/2008, o arguido foi condenado, no Processo Sumário n.º 1759/07.0GAFAF, pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, na pena de 70 dias de multa, à razão diária de € 05,00 por factos praticados a 06/12/2007;
- Por sentença datada de 21/12/2007 e transitada em julgado em 02/02/2008, o arguido foi condenado, no Processo Sumário n.º 1702/07.6GAFAF, pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, na pena de 03 meses de prisão, substituída por 120 dias de multam à taxa diária de € 10,00 e na pena acessória de proibição de conduzir pelo período de 12 meses, por factos praticados a 20/11/2007;
- Por sentença datada de 2010/07/01 e transitada em julgado em 2010/07/21, o arguido foi condenado, no Processo Sumário n.º 774/10.0GAFAF, pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, na pena de 10 meses de prisão, suspensa pelo período de um ano e na pena acessória de proibição de conduzir pelo período de 07 meses, por factos praticados a 2010/06/20;
- Por sentença datada de 2011/06/07 e transitada em julgado em 2011/06/29, o arguido foi condenado, no Processo Abreviado n.º 327/11.6GAFAF, pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, na pena de 10 meses de prisão, suspensa pelo período de um ano, com regras de injunção de sujeição a tratamento médica à dependência do álcool e cumprir um programa de segurança rodoviária, e na pena acessória de proibição de conduzir pelo período de 10 meses, por factos praticados a 2011/03/18;
- Por sentença datada de 2011/10/06 e transitada em julgado em 2011/11/07, o arguido foi condenado, no Processo Abreviado n.º 275/11.0GAFAF, pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, na pena de 12 meses de prisão, suspensa pelo período de um ano, e na pena acessória de proibição de conduzir pelo período de 18 meses, por factos praticados a 2011/02/27;
- Por sentença datada de 2012/06/20 e transitada em julgado em 2012/09/10, o arguido foi condenado, no Processo Sumário n.º 501/12.8GAFAF, pela prática de um crime de violação de imposições, proibições ou obrigações, na pena de 07 meses de prisão suspensa por um ano, por factos praticados a 2012/06/09;
- Por sentença datada de 2013/11/21 e transitada em julgado em 2014/01/09, o arguido foi condenado, no Processo Comum Singular n.º 276/11.8GAFAF, pela prática de um crime de detenção de arma proibida, na pena de 300 dias de multa, à taxa diária de € 8,00, por factos praticados a 2011/02/27;
- Por sentença datada de 2013/09/20 e transitada em julgado em 2014/05/19, o arguido foi condenado, no Processo Abreviado n.º 315/13.8GAFAF, pela prática de um crime de violação de imposições, proibições ou obrigações, na pena de 72 períodos de prisão por factos praticados a 2013/03/26.
- Por sentença datada de 14/05/2015 e transitada em julgado em 13/01/2016, o arguido foi condenado, no Processo n.º 321/15.8GAFAF, pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, na pena de 10 meses de prisão, e na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor por 2 anos e 8 meses, por factos praticados a 21/04/2015; neste processo foi efectuado cúmulo jurídico de penas com o P.192/15.4GAFAF, tendo o arguido sido condenado na pena única de 14 meses de prisão.
- Por sentença datada de 24/04/2015 e transitada em julgado em 25/01/2016, o arguido foi condenado, no Processo Sumário n.º 192/15.4GAFAF, pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, na pena de 9 meses de prisão, por factos praticados a 07/03/2015;
- A fls. 67 e sãs. encontra-se junto aos autos relatório social referente ao arguido, para cujo teor integral se remete e aqui se dá por integralmente reproduzido, do qual consta que:
. R. M. cresceu integrado no agregado de origem, composto por progenitores e uma irmã, cuja dinâmica é descrita como coesa e solidária. O progenitor era proprietário de uma oficina de mecânica automóvel e a progenitora auxiliava na gestão da mesma;
. Frequentou o sistema de ensino até aos 16 anos de idade, que abandonou por sua iniciativa, motivado por querer desempenhar actividade laboral e obter autonomia financeira; terminou o 9.º ano de escolaridade em regime pós-laboral.
. O arguido sofreu um acidente quando criança (atropelamento que causou traumatismo craniano) do qual resultaram problemas físicos e instabilidade emocional, ao nível do comportamento, descrito como mais instável e rebelde.
. O seu percurso profissional iniciou-se na oficina de mecânica automóvel do seu progenitor, que se constituiu a principal experiência laboral pois foi a única continuada e estruturada.
. Foi pai com 19 anos de idade, fruto de uma relação ocasional, não detendo um relacionamento significativo com esta descendente. Casou aos 24 anos de idade, tendo sido novamente pai de um filho actualmente maior. A dinâmica relacional apesar de descrita como de suporte foi sendo comprometida pelo comportamento do arguido relativamente ao consumo de bebidas alcoólicas.
. Desde a juventude que R. M. tem hábitos de consumo regular de bebidas alcoólicas que se intensificaram após a morte súbita do progenitor (tinha o arguido 30 anos de idade).
. Fez tratamento médico à problemática aditiva, no Centro de Alcoologia do Norte, entre Julho de 2010 e 2014, período durante o qual demonstrou maior organização e estabilidade geral. Todavia recaiu e voltou a registar um padrão de consumo abusivo destas substâncias.
. R. M. regista diversos contactos com o sistema de justiça, o primeiro dos quais em 2001, pela prática de um crime de ofensas à integridade física, no qual foi condenado numa pena de multa que pagou. Posteriormente, regista 13 condenações, oito das quais por crimes de condução em estado de embriaguez, em penas de multa e penas de prisão, suspensas na sua execução e efectivas. Em 2014 foi condenado em pena de prisão por dias livres, pena que foi posteriormente revogada e incluída em cúmulo jurídico. Cumpriu pena de prisão entre marco de 2016 e Novembro de 2017, quando saiu em liberdade definitiva.
. R. M. constitui agregado familiar com a esposa e filho do casal, estudante universitário em Viana do Castelo e que integra o agregado aos fins-de-semana e períodos de férias. A dinâmica familiar é descrita como positiva e de suporte, embora a esposa evidencie significativo desgaste resultante dos sucessivos contactos com o sistema de justiça por parte do marido.
. Durante a privação da liberdade, R. M. efectuou acompanhamento terapêutico no Projecto Homem-programa educativo/terapêutico de reabilitação e prevenção de problemáticas aditivas, no entanto, após a libertação não manteve qualquer enquadramento neste sentido.
. Quando analisa o comportamento criminal do passado, R. M. demonstra fragilidades na interiorização da sua gravidade e consequências para terceiros. Reconhece o impacto do consumo exagerado de bebidas alcoólicas na sua vida, no entanto, manifesta dificuldade ao nível das competências pessoais para implementar uma mudança significativa.

2- Factos não Provados:

Que o arguido nas circunstâncias de tempo e lugar acima enunciadas se estivesse a dirigir à farmácia por ter dores agudas no tendão de Aquiles;
Não se provaram quaisquer outros factos com relevância para a decisão da causa articulados na acusação ou alegados em audiência de discussão e julgamento que não se encontrem descritos como provados ou que se mostrem em oposição aos provados ou prejudicados por estes.

3- Convicção do Tribunal:

A convicção do tribunal, no que concerne aos factos dados como provados baseou-se, desde logo, na confissão integral e sem reservas efectuada pelo arguido R. M., o qual reconheceu ser o condutor do veículo acima identificado, nas circunstâncias de tempo e lugar referidas, avançando que nesse dia tinha ingerido uma garrafa de vinho maduro ao jantar.
Segundo o mesmo tal ingestão prendeu-se com o facto de pretender “adormecer a dor” do tendão de Aquiles pretendendo com a dita condução ir à farmácia, dizendo que os seus familiares nessa noite estariam para Viana do Castelo, explicação esta que não se afigurou credível, pois não só o arguido tem hábitos alcoólicos conhecidos, como a ser verdade tal, quando foi abordado pela GNR aquando da fiscalização logo teria pedido auxílio de urgência nesse sentido, nada do auto de notícia sendo mencionado quanto a tal.
Acresce que também mal se percebe o que estaria a sua esposa a fazer em Viana, nem se percebe também por que razão não chamaria antes a ambulância ou um táxi, pois tal dor a existir e a ser aguda afectaria a sua condução, sendo natural que a ser urgente a situação se dirigisse ao hospital e não a uma farmácia.
Acreditamos assim que o arguido engendrou um pretexto para apresentar em Tribunal para tentar justificar o injustificável: conduzir novamente em estado alcoolizado quando até está inibido sequer de conduzir, como bem sabia, mantendo a sua antiga carta de condução na sua posse, apesar de já a ter renovado.
Prestou ainda declarações no que respeita à sua actual situação económico familiar e financeira.
Teve-se ainda em consideração, o teor do auto de notícia de fls.3-4, o talão de fls.17, a carta apreendida a fls.20; o certificado de verificação de qualidade de fls.21, o crc de fls.34 e ss., o relatório social de fls.67 e ss e certidões juntas em audiência.
Quanto aos factos não provados tal ficou a dever-se assim a não se ter feito prova dos mesmos ou aquela ter resultado insuficiente ou não cabal para os demonstrar, nos termos já acima avançados.
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IV – ASPECTO JURÍDICO DA CAUSA

A) Enquadramento jurídico-penal dos factos

Vem o arguido acusado da prática, em autoria material, de um crime de condução de veículo motorizado em estado de embriaguez, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos arts.292º, nº1 e 69º do Código Penal.

Dispõe o Art. 292º, nº 1 do Código Penal, o seguinte:

“1 – Quem, pelo menos com negligência, conduzir veículo, com ou sem motor, em via pública ou equiparada, com uma taxa de álcool no sangue igual ou superior a 1,2 g/l, é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias, se pena mais grave não lhe couber por força de outra disposição legal.”.
O bem jurídico protegido por este tipo de ilícito, como refere Paula Ribeiro de Faria, na anotação do citado artigo no comentário Conimbricense ao Código Penal “é a segurança da circulação rodoviária, se bem que indirectamente se protejam outros bens jurídicos que se prendem com a segurança das pessoas face ao trânsito de veículos, como a vida, ou a integridade física”. (Volume II, pg.1093).
Refere ainda a citada autora, que tal ilícito é um crime de perigo abstracto, que não pressupõe a demonstração da existência de um perigo concreto para os bens jurídicos protegidos, e como tal, o perigo não faz parte dos elementos típicos, existindo uma presunção por parte do legislador, as mais das vezes fundada numa observação empírica, de que a situação é perigosa em si mesma (obra citada, pg.1093).
Ora, atenta a matéria de facto dada como provada, verifica-se que resultou demonstrado que o arguido, efectivamente, se encontrava a conduzir a citada viatura automóvel, na via pública, apresentando uma taxa de álcool no sangue (TAS) de 2,195 g/l (respeitante a uma TAS registada de 2,39 g/l registada deduzido o valor de erro máximo admissível). Assim, só resta concluir que se encontra verificado o elemento objectivo deste tipo de ilícito.
Por outro lado, mais se provou que o arguido bem sabia que tinha ingerido bebidas alcoólicas e que não se encontrava em condições de conduzir, atento o teor alcoólico ingerido, querendo, não obstante esse conhecimento, conduzir o veículo naquelas condições, tendo agido livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei, pelo que se verifica também o preenchimento, por parte do arguido, do elemento subjectivo deste tipo de ilícito.
A explicação avançada pelo arguido para proceder à dita condução, quanto a nós, não colhe e não nos convenceu.
De qualquer forma sempre se diga que, de qualquer forma, quanto a nós a versão apresentada não poderia configurar uma causa de justificação da sua conduta, pois nestes casos em abstracto caberia antes chamar uma ambulância ou um táxi ou mesmo solicitar a ajuda de terceiro para o efeito.
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B) Consequências Jurídicas do Crime

Qualificados os factos, segue-se a escolha da pena a aplicar ao arguido, bem como a determinação da sua medida concreta.
Nos termos do art.292º, nº1 do Código Penal, o crime de condução de veículo em estado de embriaguez é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias.
Uma vez que tal normativo não nós dá os limites mínimos da pena de prisão e da pena de multa, temos que socorrer-nos do art. 41º e do art. 47º do Código Penal, sendo que o mínimo é de 1 mês de pena de prisão e 10 dias de pena de multa.
O art. 70º do Código Penal estabelece que “se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa de liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”.

Segundo o art. 71º nº 1 do Código Penal a determinação da pena far-se-á em função da culpa do agente e das exigências de prevenção.
A culpa reflecte a vertente pessoal do crime, assegurando que a pena não irá violar a dignidade da pessoa do arguido.

As exigências de prevenção na determinação da pena reflectem-se em dois domínios:

- no domínio da sociedade, visando restabelecer nela a confiança na norma violada e a sua vigência (prevenção geral positiva);
- no domínio pessoal do agente, tentando a sua reintegração e o respeito pelas normas jurídicas (prevenção especial positiva).

Estabelece o art. 40º do Código Penal que “a aplicação de penas e medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e reintegração do agente na sociedade”. O nº 2 do mesmo artigo estabelece que “em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa”.
Estes vectores da medida da pena são concretizados pelos factores de determinação da medida concreta da pena que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele. Alguns desses factores são elencados no art. 71º nº 2 do Código Penal, a título exemplificativo.
Sendo assim, na determinação da medida concreta da pena valorar-se-ão o grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste, a gravidade das suas consequências, a intensidade dolosa do agente, as suas condições pessoais, a sua conduta anterior e posterior ao facto, as exigências de prevenção e todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor do agente ou contra ele, tendo em conta as exigências d prevenção de futuros crimes.

No caso sub judice, pondera-se que:

No que a este crime respeita, as necessidades de prevenção geral são ainda significativas, atendendo a que a condução sob efeito do álcool potencia os riscos de uma actividade que já é, em si, perigosa, sendo que face aos elevados níveis de sinistralidade que se regista no nosso país, a comunidade não interiorizou, ainda, que a ingestão de bebidas alcoólicas interfere com a condução de veículos, quer ao nível da percepção do perigo quer ao nível da reacção tanto que o veículo é um instrumento perigoso, que necessita de ser usado com a maior cautela possível.
Neste sentido, por parte do julgador terá de ser adoptada uma postura de eficácia, rigor, disciplinadora e dissuasora para evitar a prática deste tipo de ilícito criminal.
Aliás, e comprovadamente, “a condução sobre o efeito do álcool é um dos principais factores determinantes de uma grande sinistralidade nas nossas vias de comunicação, muitas vezes com resultados extremamente funestos, nomeadamente tendo presente a grande quantidade de feridos e vítimas que potencia” (Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 08.05.2002, processo n.º 0141486, Relator-Agostinho Freitas, citando o acórdão recorrido do Tribunal Judicial da Comarca de Monção).
Na verdade, segundo o relatório de 27 de Abril de 2007 do Programa de Acção Europeu para a Segurança Rodoviária, lançado em 2001 pela Comissão Europeia, Portugal encontra-se entre os países com uma maior taxa de mortalidade associada à condução em estado de embriaguez, 27,8%- taxa esta apenas inferior à apresentada pela França e pela Espanha (http://europa.eu/rapid/pressReleasesAction.do?reference=IP/07/584&format=HTML&aged=0&language=PT&guiLanguage=en).
No mesmo sentido apontam as prementes as necessidades de prevenção geral em relação a crimes deste tipo – condução de veículo em estado de embriaguez – que criam um clima de insegurança geral na sociedade e que são causa de uma tragédia nacional, que são os acidentes estradais e as suas consequências.
In casu, a conduta do arguido reveste-se de elevada gravidade atenta a TAS apresentada de 2.195 g/l, ao que acresce que o arguido regista antecedentes criminais além do mais pela prática do mesmo ilícito criminal apresentando já oito condenações anteriores pela prática do mesmo crime (P.172/02; P. 1759/07.0; P.1702/07.6; P.774/10.0: P.327/11.6; P.275/11.0GAFAF; P.321/15.8 e P.192/15.8).
O arguido foi já condenado em penas de prisão efectivas por este tipo de crime, tendo entre marco de 2016 e Novembro de 2017 inclusive (data recente portanto) estado detido em cumprimento de pena de prisão por crime desta natureza, voltando agora no início de 2019 a praticá-lo, quando até estava inibido pura e simplesmente de conduzir, por se encontrar a cumprir ainda a sanção acessória que lhe foi aplicada no P.321/15.8GAFAF, fazendo-se contudo acompanhar do seu título de condução anterior, que já havia renovado.
Apresentou uma TAS de 2.195g/l, próxima assim de quase o dobro da TAS prevista pelo legislador para a criminalização da conduta.
A culpa do arguido é elevada e são acentuadas as necessidades de prevenção especial que neste caso se fazem sentir.
Na verdade, entende o tribunal que atenta a gravidade da conduta, a manifesta insensibilidade do arguido às condenações e às penas anteriormente aplicadas e a reiterada conduta ilícita do arguido, que a pena de prisão é a única pena susceptível de garantir uma protecção do bem jurídico da segurança rodoviária e a reintegração do arguido na sociedade, pois se afigura que apenas a aplicação de uma pena privativa da liberdade se revela adequada ao cumprimento das finalidades da punição.
Na determinação da medida concreta da pena, dentro dos limites abstractos definidos na lei, há que ponderar todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime deponham a favor ou contra o arguido, sendo aquela medida limitada pela culpa deste, revelada nos factos e tendo a mesma de se mostrar adequada a assegurar as exigências de prevenção geral - protecção de bens jurídicos - e especial – reintegração do agente na sociedade (cfr. artigos 40º, n.ºs 1 e 2 e 71º, ambos do Código Penal).
Nos termos do artigo 71º, n.º 2, na determinação da medida da pena há que considerar: a ilicitude dos factos, a intensidade do dolo ou da negligência, os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que determinaram o arguido, as condições pessoais e económicas do agente, a conduta anterior e posterior ao facto e a falta de preparação para manter uma conduta lícita.
A prevenção geral – protecção de bens jurídicos alcançada mediante a tutela das expectativas na manutenção (e no esforço) da validade da norma jurídica violada – fornece uma moldura de prevenção, proporcional à gravidade do facto ilícito aferida pelo abalo daquelas expectativas sentido pela comunidade, cujo limite máximo é definido pelo que a comunidade entende como necessário à tutela das suas expectativas na validade das normas jurídicas, e cujo limite mínimo é definido, em concreto, pelo que é absolutamente, imprescindível, para assegurar a finalidade de prevenção geral e que pode entender-se sob a forma de defesa da ordem jurídica. Dentro destas considerações actuam as exigências da prevenção especial de socialização, à qual cabe encontrar o quantum exacto da pena valorado à luz das necessidades individuais e concretas de socialização do agente evidenciadas no desvalor do facto ou, sendo estas inexistentes, das necessidades de intimidação e de segurança individuais.
A culpa, enquanto censura dirigida ao agente em virtude da atitude desvaliosa documentada num concreto tipo-de-ilícito, funciona como suporte axiológico-normativo da pena, estabelecendo o máximo de pena concreta ainda compatível com as exigências de preservação da dignidade da pessoa e de garantia do livre desenvolvimento da sua personalidade num quadro de um Estado de Direito democrático (“não há pena sem culpa e a medida da pena não pode ultrapassar a medida da culpa”). A culpa desempenha o papel de limite inultrapassável de todas e quaisquer considerações preventivas.
Assim, há que considerar que no crime de condução de veículo em estado de embriaguez, o limite mínimo da pena de prisão é 1 mês e o máximo 1 ano (art. 41º, n.º 1 do CP e art. 292º, n.º 1 do CP), o grau de ilicitude é muito elevado, atendendo ao modo de execução do crime e ao facto de conduzir com uma taxa de álcool no sangue muito superior ao limite mínimo a partir do qual se considera crime (2.195 g/l), o dolo é directo (art. 14º, n.º 1 do CP), o arguido já anteriormente foi condenado, por diversas vezes pela prática dos mesmos crimes, tendo até já sofrido pena de prisão no estabelecimento prisional por crime idêntico em tempo recente, não mostrando qualquer sinal de mudança no seu comportamento estradal.
Neste sentido, a segurança rodoviária é um bem jurídico cuja protecção exige uma permanente e constante consciencialização social, havendo ainda hoje uma grande inconsciência relativamente às eventuais consequência da condução sob o efeito do álcool, designadamente considerando o elevado nível de sinistralidade rodoviária a ela ligadas e que a cumpre pôr cobro.
A favor do arguido apenas se assinala a confissão integral e sem reservas e não haver notícia que nestas circunstâncias de tempo e lugar tenha sido interveniente em acidente de viação.
Ponderando-se todos estes elementos, julga-se adequada a fixação da pena de prisão em 10 (dez) meses.
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A questão que se coloca é a de saber se será exigível a execução da referida pena de prisão, designadamente no estabelecimento prisional ou se eventualmente a mesma deverá ser objecto de suspensão condicionada ou objecto de qualquer outra substituição ou mesmo se poderá ser cumprida em regime de prisão domiciliária visto ser inferior a um ano.
Pese embora à cautela, para melhor analisar o caso, o Tribunal prima facie tenha solicitado a realização de relatório social e de relatório para aferição das condições objectivas de eventual aplicação de prisão domiciliária, melhor analisando o extenso percurso do arguido através das diversas condenações averbadas no seu crc, julgamos que se impõe a prisão efectiva do arguido e com cumprimento da pena no estabelecimento prisional.
Note-se que o arguido regista antecedentes criminais além do mais pela prática do mesmo ilícito criminal apresentando já oito condenações anteriores pela prática do mesmo crime, uma delas com submissão às regras de conduta de tratamento à dependência do álcool e a um programa de segurança rodoviária e duas condenações pelo crime de violação de imposições ou proibições, relacionado com o consumo de álcool, sendo que outra das condenações o arguido foi condenado em 72 períodos de prisão por dias livres, e já mais recentemente no P.192/15.4GAFAF, viria a ser condenado na pena de 9 meses de prisão efectiva a cumprir em ambiente prisional, pois como já aí se entendeu por douto Ac. RG de 11-01-2016, cuja certidão se mostra junta, “apesar da pena ser inferior a um ano de prisão, afigura-se-nos que em termos de prevenção geral positiva, o sentimento de impunidade relativamente ao recorrente, por parte da comunidade, facilmente poderia instalar-se, mantendo-se o mesmo na residência…importa não esquecer que os seus antecedentes criminais desaconselham o recurso a qualquer pena de substituição da pena de prisão em que foi condenado, uma vez que se mostraram ineficazes nessa realização. Com efeito, deles manifestamente decorre a absoluta insensibilidade do arguido aos juízos sérios de censura que lhe foram sendo sucessivamente dirigidos nas anteriores condenações por idênticos crimes de condução de veículo em estado de embriaguez …tudo conjugado a conclusão não pode ser outra que não a de que tais condenações anteriores não surtiram qualquer efeito dissuasor, como seria de esperar, o que denota relativamente ao tipo de ilícito em causa, que o recorrente tem uma personalidade direccionada/tendente à condução de veículos em estado de embriaguez”.
Subscrevemos tais palavras, que mantêm a sua actualidade, tendo o arguido com a sua conduta posterior voltado a demonstrar quão correcta foi a análise aí efectuada e apesar de sabedor que logo aí se entendeu que a pena de prisão em estabelecimento prisional era a única pena adequada a sancionar a sua conduta, voltou a reiterá-la, não se justificando agora um “empalidecimento sancionatório” com a aplicação de prisão domiciliária, que aos olhos da comunidade em pouco se distinguiria até do dia-a-dia que o arguido actualmente vivencia.
Assim sendo o passado prisional do arguido impõe por necessidades de prevenção especial e geral que esta pena de prisão não seja substituída por qualquer outra pena ou modo de cumprimento, pois apenas a prisão carcerária se mostra no caso adequada, como se pode concluir melhor analisado o seu extenso crc, mais uma vez se reafirmando comunitariamente a validade e vigência da norma.

Cfr. Ac. RG de 11-07-2017, in www.dgsi.pt:

I-Os bens jurídicos que se visam proteger com a incriminação da condução de veículo em estado de embriaguez são a vida, a integridade física e o património de outrem a par da segurança da circulação rodoviária, estabelecendo o legislador uma presunção fundada na observação empírica de que o exercício da condução em estado de embriaguez é perigoso em si mesmo, tendo em vista os bens jurídicos penalmente tutelados.
II – No caso, deve salientar-se que o recorrente, ao persistir, pela sexta vez, na violação de tais bens, frustrou, irremediavelmente, a possibilidade de se repetir agora qualquer espécie de vaticínio que, sequer, sugira a possibilidade de o mesmo vir a adoptar, no futuro, uma conduta conforme ao direito e ao que a sociedade exige, sem que ora se lhe imponha uma pena mais severa e cujos reais efeitos possam corresponder, naturalmente, às patenteadas necessidades de prevenção geral e especial, por revelar uma personalidade antijurídica que obriga a reconhecer que todas as anteriores apostas favoráveis à sua normal reinserção, apenas com as medidas até agora experimentadas, assentaram em pressupostos, afinal, erradamente presumidos.
III – Por outro lado, os factos provados evidenciam que o recorrente rejeitou, sistematicamente, interiorizar as consequências da sua conduta anterior, o que levou o Tribunal a concluir, sem margem para reparo, que a antecedente imposição das variadas penas, com diferentes modalidades, não acautelou eficazmente o cometimento de novos crimes, pelo que as fundadas dúvidas sobre a sua capacidade para compreender as diversas oportunidades de reinserção que a sociedade lhe ofereceu justificam a execução da pena de prisão aplicada”.
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Da sanção acessória

Após a entrada em vigor da Lei nº 77/2001, de 13 de Julho, o crime praticado pelo arguido é ainda punido, nos termos do art.69º, nº1, alínea a) do Código Penal, com a sanção acessória de inibição de conduzir, por um período fixado entre 3 meses e 3 anos.
Já se sabe que a sanção acessória de inibição de conduzir, acompanha sempre este tipo de ilícito – Cfr. Assento nº 5/99 do S.T.J publicado no D.R., I Série-A de 20.07.1999.
Assim, e atendendo as considerações já tecidas, para os efeitos do disposto nos arts. 70º e 71º do Código Penal, designadamente considerando a elevada TAS com que seguia o arguido (TAS de 2.195g/l) e os antecedentes criminais do mesmo nesta matéria, revelando as necessidades de prevenção especial que nesta matéria se fazem sentir, mostrando-se que o arguido não se encontra ainda adequadamente sensibilizado para as suas obrigações enquanto condutor no âmbito da prevenção rodoviária, julga-se adequado condenar ainda o arguido na sanção acessória de inibição de conduzir quaisquer veículos a motor pelo período de 18 (dezoito) meses.
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. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO

O âmbito de conhecimento do recurso pode ser limitado a uma parte da decisão recorrida, desde que cindível, isto por forma a tornar possível a sua apreciação e a tomada de decisão autónoma, tal como o determina o nº 1 do artigo 403º do Código do Processo Penal, isto é apresenta-se como um “corolário da disponibilidade do direito a recorrer, parte sempre de um pressuposto básico: a possibilidade de autonomização da parte recorrida relativamente à sobrante decisão, por forma a que seja possível uma apreciação e uma decisão também autónomas relativamente ao restante decidido.” (1)
Daqui se conclui, pois, que é das conclusões da motivação que se concretiza o objecto do recurso e, assim posto, o respectivo alcance, razão da superior importância da objectividade, clareza e concisão desse excerto final da motivação.
Claro está, sem o óbvio prejuízo do disposto no nº 3 do mesmo dispositivo legal, que impõe ao Tribunal que “A limitação do recurso a uma parte da decisão não prejudica o dever de retirar da procedência daquele (o recurso) as consequências legalmente impostas relativamente a toda a decisão recorrida.”

Descendo ao caso dos autos, analisadas que sejam as conclusões apresentadas pelo recorrente nas sua lide recursal, as questões que se apresentam a decidir são, pois, as seguintes:


. Impugnação da sentença, por erro de direito, face à violação do disposto no artigo 50º do Código Penal;

. Impugnação da sentença, por erro de direito, face à violação do disposto no artigo 44º do Código Penal.
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. DECISÃO

Considerando o que é disposto no artigo 428º do Código de Processo Penal aos Tribunais da Relação estão conferidos poderes de cognição de facto e de direito.
No que atende à cognição da matéria de facto, os Tribunais da Relação devem conhecer, num primeiro momento, da impugnação alargada, caso tenha sido apresentada em recurso, impondo a lei a quem recorre o ónus da impugnação especificada, à luz do nº s 3 e 4 do artigo 412º do Código do Processo Penal, “conditio sine qua non” para o respectivo conhecimento, ao que se seguirá a apreciação da decisão à luz do disposto no nº 2 do artigo 410º do citado diploma legal.
Apreciando a peça recursiva apresentada pelo ora recorrente verificamos que o mesmo não lançou mão do mecanismo a que alude o artigo 412º do Código do Processo Penal, razão por que se acha prejudicada a reapreciação da prova produzida e sedimentada nos autos, a ser apreciada em 2ª instância.

Importa, no entanto, fazer uma análise da sentença impugnada, nos termos do disposto no artigo 410º, nº 2 do Código do Processo Penal.

Versa o artigo 410º do Código de Processo Penal, sob a epigrafe de “Fundamentos do recurso”, que:

1. Sempre que a lei não restringir a cognição do tribunal ou os respectivos poderes, o recurso pode ter como fundamento quaisquer questões de que pudesse conhecer a decisão recorrida.
2. Mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vicio resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiencia comum:

a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;
b) A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão;
c) Erro notório na apreciação da prova.
3. O recurso pode ter ainda como fundamento, mesmo que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, a inobservância de requisito cominado sob pena de nulidade que não deva considerar-se sanada.

Quis o legislador que o Tribunal proceda a um processo de indagação lógica junto das circunstâncias concretas da decisão em recurso – isto é junto da matéria de facto dada como provada e como não provada, na sua fundamentação como na decisão final – e, estribado que seja nas regras da experiência comum, se necessário for, descortinar da existência de qualquer um dos enumerados vícios.

Estaremos perante o vício da “insuficiência para a decisão da matéria de facto provada” sempre que “a matéria de facto dada como provada não permita uma decisão (…), se apresente como insuficiente para a decisão a proferida por se verificar lacuna no apuramento da matéria de facto necessária para uma decisão de direito.” (2).
Havendo de salientar-se que a fórmula legal não refere ou especifica um qualquer tipo de decisão, razão por que “ser insuficiente para a decisão” se tem de entender aplicável a uma decisão condenatória ou absolutória.

António Pereira Madeira (3) é de absoluta clareza ao explicitar que “a afirmação do vício ora em causa, importa, sim, sempre, uma adequada perspectiva do objecto do processo, cujos confins ou limites são fixados pela acusação e (ou) pronúncia quando exista, complementadas pela pertinente defesa. A partir daí, impõe-se o confronto de tal objecto processual com os factos que o tribunal de julgamento em concreto indagou, independentemente de o resultado da indagação ter tido ou não êxito, isto é, independentemente de os factos indagados terem sido dados como provados ou não provados. Importa, sim, sobretudo, que todos esses factos pertinentes ao objecto do processo tenham sido averiguados em julgamento e obtida a necessária resposta, seja positiva ou negativa. Se se constatar que o tribunal averiguou exaustivamente toda a matéria postulada pela acusação/defesa pertinente – afinal o objecto do processo – ainda que toda ela tenha porventura obtido a resposta de “não provado”, então – e só então – o vício da insuficiência está afastado (…)”.

Há já vicio de contradição insanável na fundamentação sempre que há contradição entre a matéria de facto dada como provada, entre si, ou como entre estes e a matéria de facto não provada, mas ainda entre a fundamentação probatória – quer seja a fundamentação de facto como a fundamentação de direito – e a decisão. (4)
Pode constituir este vício – delimitação positiva – a afirmação como provados, de um facto objectivo e outro contrário; a afirmação como não provados, de um facto objectivo e outro contrário; a afirmação como provados, de um facto subjectivo e outro contrário; a afirmação como não provados, de um facto subjectivo e outro contrário; a contradição entre o facto objectivo provado e outro não provado; a contradição entre o facto subjectivo provado e outro não provado; a contradição entre os meios de prova invocados na fundamentação como alicerce dos factos provados e a contradição entre a fundamentação e a decisão. (5)

Ou como o salientou o Tribunal da Relação de Lisboa (6) esta contradição opera sempre que “(…) de acordo com um raciocínio lógico na base do texto da decisão, por si ou conjugado com as regras da experiência comum, seja de concluir que a fundamentação justifica decisão oposta, ou não justifica a decisão, ou torna-a fundamentalmente insuficiente, por contradição insanável, entre os factos provados, entre os factos provados e não provados, entre uns e outros e a indicação e análise dos meios de prova, fundamentos da convicção do Tribunal (…).

Já quanto a erro notório na apreciação da prova, o terceiro dos vícios elencados na lei, há-de ter-se como “o erro ostensivo, de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores, ou seja, quando o homem de formação média facilmente dele se dá conta.” (7)

Afirma o Supremo Tribunal de Justiça (8) que (...) “o erro-vício previsto na al. c) do nº 2 do art. 410º do CPP não se confunde com errada apreciação e valoração das provas, com o erro de julgamento relativamente à apreciação e valoração da prova produzida. Aquele examina-se, indaga-se, através da análise do texto; este, porque se reconduz a erro de julgamento da matéria de facto, analisa-se em momento anterior à produção do texto, na ponderação conjugada e exame crítico das provas produzidas do que resulta a formulação de um juízo, que conduz à fixação de uma determinada verdade histórica que é vertida no texto; daí que a exigência de notoriedade do erro vicio se não estenda ao processo cognoscitivo/valorativo, cujo resultado vem a ser inscrito no texto, só este sendo susceptível de apreciação. (…)”

Mas António Pereira Madeira (9) vai mais longe na interpretação desta alínea c) ao considerar que “esta interpretação do preceito pecaria por demasiado restritiva do seu alcance e deixaria a descoberto muitas situações de matéria de facto viciada por erro notório de apreciação da prova”, continuando por pugnar que “seria inconcebível que, não obstante ser inacessível ao homem médio, mas evidente para qualquer jurista, ou mesmo para o tribunal, ainda assim, o vicio não devesse ser sanado pela previsão do preceito em causa” para, terminando, concluir que “assim, estão aqui também previstas todas as situações de erro clamoroso, e que numa visão consequente e rigorosa da decisão no seu todo, seja possível, ainda que só ao jurista, e naturalmente ao tribunal de recurso, assegurar, sem margem para duvida, comprovar que, nelas, a prova foi erroneamente apreciada”.

Feita tal análise crítica da decisão em recurso importa que concluamos que, o Tribunal “a quo” nela vez constar todos os factos coligidos no despacho acusatório e os que foram o resultado da discussão em audiência de julgamento, assim contemplando todos os factos que compõem a “constelação” do objecto do processo e que importaram à sentença que proferiu; sentença esta, que em si mesmo e analisada segundo as regras da experiencia comum, não se vê manchado por qualquer dos vícios elencados no nº 2 do artigo 410º, nº 1 do Código do Processo Penal – vista a materialidade que foi submetida a julgamento, assim alvo de investigação, não se descortinada que nenhuma dessa matéria tenha sido deixada de perscrutar, como ainda que o sedimento dos factos dados como provados e não provados sejam insuficientes para fundamentar a decisão atingida bem como não se verifica qualquer incompatibilidade, seja ela qual seja, entre os factos dados como provados entre si e os factos dados como não provados bem como entre qualquer destes com a fundamentação carreada e a decisão que foi proferida, decisão esta da qual não prespassa qualquer falha ostensiva na analise e critica da prova, nem que tenha sido vertida com base em qualquer juízo ilógico, irracional, arbitrário ou tendencioso.

Outrossim, na sua formulação, aquele Tribunal escrupulosamente respeitando o disposto no artigo 374º, nº 2 do Código do Processo Penal, explicitou de forma clara e explicativa quais os factos que julgou dar como assentes bem como os meios de prova que fundaram a sua convicção, explicitando-os e explicando o seu raciocínio logico-dedutivo, compreensível para todos quanto se destinava tal decisão, capaz, por isso, de se impor ao seu directo destinatário, tanto quanto a toda a comunidade. E fê-lo, em cumprimento dos ditames constitucionais e legais, sempre norteando a sua conduta pelo estrito cumprimento dos direitos e garantias do arguido.

Isto posto merecemos a conclusão que a decisão proferida pelo Tribunal “a quo” não apresenta qualquer dos elencados vícios, nem qualquer nulidade nos termos configurados no artigo 379º do Código do Processo Penal.


Começando a apreciar a peça recursiva trazida pelo recorrente R. M. verificamos que o mesmo começa por impugnar a sentença recorrida, na medida em que não houve lugar à aplicação da pena de substituição da suspensão da execução da pena privativa de liberdade, decidindo o Tribunal “a quo” pela imposição da pena de prisão efectiva de 10 meses.

Estabelece o artigo 50º do Código Penal, sob a epígrafe “Pressupostos e duração” que:

1 – O tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às circunstâncias da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
2 – O tribunal, se o julgar conveniente e adequado à realização das finalidades da punição, subordina a suspensão da execução da pena de prisão, nos termos dos artigos seguintes, ao cumprimento de deveres ou à observância de regras de conduta, ou determina que a suspensão seja acompanhada de regime de prova.
3 – Os deveres e as regras de conduta podem ser impostos cumulativamente.
4 – A decisão condenatória especifica sempre os fundamentos da suspensão e das suas condições.
5 – O período de suspensão tem duração igual à da pena de prisão determinada na sentença, mas nunca inferior a um ano, a contar do trânsito em julgado da decisão”.

Pode ler-se em Eduardo Correia (10) que o instituto da suspensão da execução da pena que corresponde a uma individualização nascida contra as curtas penas de prisão e que viu luz no projecto francês de Bérenger, datado de 1884, que se viu consagrada na lei, pela primeira vez, na Bélgica, a 31 de Maio de 1888, depois em França, a 26 de Março de 1891 e, posteriormente vindo a ser adoptado por vários países da Europa, nomeadamente em Portugal, aqui no ano de 1893.
A ideia dominante deste tal instituto era, nas palavras de então, subtrair os criminosos às penas curtas de prisão, que, por um lado, envolvem um grande perigo de contágio com maus elementos e, de qualquer modo, fazem sofrer a quem são infligidas uma degradação social irreparável, sem a compensação de uma possibilidade séria - justamente pela sua curta duração - de reeducação dos criminosos.
Foi precisamente este o pensamento que presidiu ao espírito do legislador português de 1893, que na respectiva proposta de lei às Cortes, fez a seguinte menção: “Ninguém desconhece que a pena de prisão correccional, pelo modo como se cumpre, nem reprime, nem educa, nem intimida, mas perverte, degrada e macula. É um verdadeiro estágio de corrupção moral. É mister, pois, que se economize esta pena, e que não se ponha um delinquente, que infringiu a lei, pela primeira vez, num momento de paixão ou de fraqueza, um delinquente ainda não ferreteado pela aplicação da pena anterior, em contacto com a vil escória dos cárceres e num meio tão nocivo fisicamente como moralmente.”
É, ainda, Eduardo Correia, na citada obra quem afirma que, a condenação condicional não deixa de funcionar com uma eficácia retributiva e preventiva e, portanto, como uma pena, dizendo mesmo que “efectivamente, averiguado o facto e aplicada a pena, o agente tem sempre a clara consciência da censura que mereceu o facto e viverá sob a ameaça, agora concreta, e portanto mais viva, da condenação”, citando a propósito Beleza dos Santos e a posição já firmada nesse sentido (11).
A condenação condicional de tipo franco-belga contava com o poder intimidativo da ameaça da pena já fixada, considerando a ameaça da execução da pena de prisão, fixada como suficiente para afastar os delinquentes da prática do crime, não se ordenando ou prevendo qualquer espécie de direcção, apoio, orientação, supervisão ou de assistência externas a dar ao condenado. Todavia muitos dos sistemas que adoptaram a condenação condicional de tipo franco-belga procuraram completar a suspensão da pena com uma orientação/vigilância levadas a cabo por entidades particulares ou oficiais, passando a condenação a ser integrada por um conjunto de condições visando planificar a vida dos delinquentes e dar-lhes apoio e vigilância, nisto se verificando a influência do instituto da “Probation”, surgido em Boston, Estado do Massachussetts, nos Estados Unidos da América e que veio, igualmente, a ser desenvolvido em Inglaterra.
Em Portugal, a suspensão condicional da pena de prisão foi regulada pela primeira vez, através da Lei de 6 de Julho de 1893, completada depois pelo artigo 633.º do Código de Processo Penal de 1929, pelo Decreto-Lei n.º 29 636, de 27 de Maio de 1939 e, posteriormente integrada, com algumas modificações, no artigo 88.º do Código Penal de 1852/1886, na redacção que lhe foi dada pela reforma de 1954, introduzida pelo Decreto-Lei n.º 39 688, de 5 de Junho de 1954.
O pressuposto inicial de aplicação do instituto, no ano de 1893, era que a condenação tivesse sido em pena de prisão, procedendo-se mais tarde a um alargamento, previsto em 1939 no Decreto-Lei n.º 29 636, segundo o qual a suspensão passou a poder aplicar-se à pena de multa, incluindo aquela em que fosse convertida a prisão e, posteriormente a prisão e multa, no artigo 88.º do Código Penal de 1852/1886, na versão de 1954.
Beleza dos Santos defendia que o instituto podia considerar-se uma verdadeira pena, afirmando que “a suspensão da pena implica a substituição desta pela coacção constituída pela ameaça de se executar aquela pena quando não se cumprirem as condições impostas, o que é ainda uma pena», acrescentando que “a medida da suspensão condicional da pena é uma verdadeira sanção penal. Suspender uma pena é afinal aplicar outra pena.”
Já no Código Penal de 1852/1886, a substituição das penas estava sujeita ao princípio da legalidade, previsto no artigo 85.º, estando previstas duas modalidades - a substituição da prisão por multa - artigo 86.º e a suspensão da execução da pena, quer de prisão quer de multa - artigo 88.º, face à redacção introduzida pela reforma de 1954.

Estabelecia aquele artigo 88.º que “Em caso de condenação a pena de prisão, ou de multa, ou de prisão e multa, o juiz, tendo ponderado o grau de culpabilidade e comportamento moral do delinquente e as circunstâncias da infracção, poderá declarar suspensa a execução da pena, se o réu não tiver ainda sofrido condenação em pena de prisão. A sentença indicará os motivos da suspensão da pena.

§ 1.º O tempo de suspensão não será inferior a dois anos, nem superior a cinco, e contar-se-á desde a data da sentença em que tiver sido consignada.
§ 2.º A suspensão pode ser subordinada ao cumprimento de obrigações similares às que acompanham a concessão da liberdade condicional.”

As obrigações do libertado condicionalmente estavam previstas no artigo 121.º do mesmo Código, em que se incluía, logo à partida, no n.º 1.º: «A reparação, por uma só vez ou em prestações, do dano causado às vítimas do crime.”

No caso de infracção das obrigações impostas poderia o juiz revogar a suspensão, ordenando a execução da pena, alterar ou manter o condicionamento da condenação.
A impossibilidade legal de suspensão da execução da pena estava prevista para o comércio de estupefacientes - artigo 13.º, g), do Decreto n.º 12 210, de 27 de Agosto de 1926; falsificação de géneros alimentícios e seu comércio - artigo 11.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 41 204, de 24 de Julho de 1957; sendo que o referido Decreto-Lei n.º 619/76, de 27 de Julho - artigo 6.º, estipulava que “não há suspensão condicional da pena aplicada a qualquer infracção tributária”, e o Decreto-Lei n.º 625/76, de 28 de Julho, quanto ao crime do artigo 411.º do Código Penal.

Prescrevendo sobre “requisitos da sentença de condenação em pena suspensa”, dizia o artigo 451.º do Código do Processo Penal que, se a sentença suspender a execução da pena, assim o declarará, indicando as razões desta medida e o prazo da suspensão.
Estabelecia o § 1.º que a suspensão da pena pode tornar-se dependente do pagamento da respectiva indemnização por perdas e danos, dentro de um prazo fixado na sentença.
No Código Penal de 1982, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 400/82, de 23 de Setembro, pode ler-se no respectivo preâmbulo que “Outras medidas não detentivas são a suspensão da execução da pena (artigos 48.º e seguintes) e o regime de prova (artigos 53.º e seguintes). Substitutivos particularmente adequados das penas privativas de liberdade, importa tornar maleável a sua utilização, libertando-os, na medida do possível, de limites formais, por forma a com eles cobrir uma apreciável gama de infracções puníveis com pena de prisão. Assim se prevê a possibilidade da suspensão da execução da pena ou da submissão do delinquente ao regime da prova sempre que a pena de prisão não seja superior a 3 anos. É evidente, todavia, que a pronúncia de qualquer destas medidas não é nem deve ser mera substituição automática da prisão. Como reacções penais de conteúdo pedagógico e reeducativo (particularmente no que diz respeito ao regime de prova), só devem ser decretadas quando o tribunal concluir, em face da personalidade do agente, das condições da sua vida e outras circunstâncias indicadas no artigo 48.º, n.º 2 (aplicável também ao regime de prova por força do artigo 53.º), serem essas medidas adequadas a afastar o delinquente da criminalidade.
Compete ao tribunal essa indagação e a escolha responsável que sobre ela vier a fazer entre a suspensão da execução da pena e o regime de prova [...].

Com efeito, a condenação condicional, ou instituto da pena suspensa, correspondente ao instituto do sursis continental, significa uma suspensão da execução da pena, que embora efectivamente pronunciada pelo tribunal, não chega a ser cumprida, por se entender que a simples censura do facto e a ameaça da pena bastarão para afastar o delinquente da criminalidade e satisfazer as necessidades de reprovação e prevenção do crime. A possibilidade de imposição de certas obrigações ao arguido destinadas a reparar o mal do crime ou a facilitar positivamente a sua readaptação social reforça o carácter pedagógico desta medida que o nosso direito já de há muito conhece, embora em termos não totalmente coincidentes com os que agora se propõem no Código.

O instituto que figura no Capítulo I, dedicado a “Penas Principais”, passa a ter o seguinte conteúdo: “1 - O tribunal pode suspender a execução da pena de prisão não superior a 3 anos, com ou sem multa, bem como a da pena de multa imposta a condenado que não tenha possibilidade de a pagar. 2 - A suspensão será decretada se o tribunal, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao facto punível, e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da pena bastarão para afastar o delinquente da criminalidade e satisfazer as necessidades de reprovação e prevenção do crime. 3 - A decisão condenatória especificará sempre os fundamentos da sua suspensão. 4 - O período de suspensão será fixado entre 1 e 5 anos, a contar do dia em que a decisão transitar em julgado.”; sendo que no artigo 49º estavam especificados os deveres que podiam condicionar tal suspensão.

Com a alteração introduzida nesta diploma pelo Decreto-Lei n.º 48/95 de 15 de Março, entrado em vigor em 1 de Outubro de 1995, a suspensão da pena ganhou maior amplitude, posto que o regime de prova foi encarado em novo enquadramento, perdendo autonomia e foi descaracterizado como pena autónoma de substituição, passando a ser configurado como uma modalidade da suspensão da execução da pena, ao lado da suspensão pura e simples e da suspensão com deveres ou regras de conduta, acentuando a vertente ressocializadora e responsabilizante da suspensão da execução da pena de prisão.

Na sequência, o artigo 2.º, n.º 3 do Decreto-Lei n.º 48/95 de 15 de Março determinou a revogação das disposições legais que em legislação penal avulsa proibiam ou restringiam a substituição da pena de prisão por multa ou a suspensão da pena de prisão; sendo que, por outro lado, a pena de multa deixou de ser abrangida pela suspensão, determinando o artigo 7.º do citado Decreto-Lei que “enquanto vigorarem normas que prevejam cumulativamente penas de prisão e multa, a suspensão da execução da pena de prisão decretada pelo tribunal não abrange a pena de multa”.

Com a reforma introduzida pela Lei n.º 59/2007 de 4 de Setembro, foi modificado o pressuposto formal, alargando o campo de aplicação da pena de substituição a penas de prisão até 5 anos, em vez do limite anterior de 3 anos, e alterando o período de suspensão, fazendo-o coincidir com a duração da pena.
Nesta medida ficou alargado o campo de aplicação da pena de substituição a penas de prisão até 5 anos, em vez do limite anterior de 3 anos; sendo certo, ainda, que a aplicação desta pena de substituição só pode e deve ser aplicada quando a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizarem de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

Como refere Maia Gonçalves (12) “este preceito consagra agora um poder-dever, ou seja um poder vinculado do julgador, que terá que decretar a suspensão da execução da pena, na modalidade que se afigurar mais conveniente para a realização daquelas finalidades, sempre que se verifiquem os necessários pressupostos”.

O mais Alto Tribunal (13) determina qual o procedimento a levar a efeito pelo Tribunal a propósito da aplicação da suspensão da pena de prisão ao afirmar que “(…) é necessário que o julgador, reportando-se ao momento da decisão e não ao da prática do crime, possa fazer um juízo de prognose favorável relativamente ao comportamento do arguido, no sentido de que a ameaça da pena seja adequada e suficiente para realizar as finalidades da punição”.

Tida esta como uma verdadeira pena e não como uma forma de execução de uma pena de prisão pela maioria da doutrina penal portuguesa (14) deve sempre deixar de ser decretada “se a ela não se opuserem as necessidades de reprovação e prevenção do crime (…) visto que não estão aqui em causa quaisquer considerações de culpa, mas exclusivamente considerações de prevenção geral sob a forma de exigências mínimas e irrecusáveis de defesa do ordenamento jurídico. Só por estas exigências se limita – mas por elas se limita sempre – o valor da socialização em liberdade que ilumina o instituto”.

Como vimos o novo ordenamento jurídico-penal, hoje em vigor, consagrou, de forma dogmaticamente iniludível, a suspensão da execução da pena de prisão como pena de substituição, posto que, em contraponto com as penas principais – estas que são as que que constam das normas incriminadoras e podem ser aplicadas independentemente de quaisquer outras as penas acessórias são as que só podem ser aplicadas conjuntamente com uma pena principal – as penas de substituição são as penas aplicadas na sentença condenatória em substituição da execução de penas principais concretamente determinadas.
Nessa medida a suspensão de execução da pena assume a categoria de pena autónoma, apartando-se da ideia de que se possa constituir como «[...] um simples incidente, ou mesmo só uma modificação da execução da pena, mas uma pena autónoma e, portanto, na sua acepção mais estrita e exigente, uma pena de substituição» (15)

Vale tudo por dizer que este instituto correspondente, em termos gerais, a uma pena que embora sendo efectivamente pronunciada pelo tribunal não chega a ser cumprida, suspendendo-se a sua execução por se entender que a mera censura do facto e a ameaça de prisão bastarão para arredar o agente da criminalidade e satisfazer, simultaneamente, as necessidades punitivas, mas tendo em si a inegável virtualidade de permitir em liberdade a ressocialização, ao ser dada ao condenado a oportunidade de se reabilitar em liberdade (16), sem com isso desconsiderar as exigências preventivas. (17)
Apresenta-se, assim, como uma medida de cariz essencialmente pedagógico e reeducativo, e que nas palavras de Hans-Heinrich Jescheck (18) surge como “um meio multifacetado de reacção ao crime, conjugando várias dimensões ao encarnar, concomitantemente, uma pena – pressupondo uma condenação a uma pena cuja execução é suspensa –, um meio de correcção – especialmente quando escoltado por certos deveres –, uma medida de apoio social – quando acompanhado de regras de conduta que afectam o comportamento futuro do agente – e oferecendo ainda uma faceta sociopedagógica activa – enquanto estímulo para que o agente se concentre na sua recuperação.”
Apresentando-se, pois, como “a ideia de preservação dos condenados relativamente aos efeitos deletérios e criminógenos das penas (essencialmente curtas, mas também médias) de prisão enquanto baluarte histórico e político-criminal do mecanismo da suspensão, tornando-se agora inequívoco e manifesto o intuito político-criminal que domina o instituto da suspensão da execução da pena: o afastamento dos agentes da criminalidade. (19)

Fazendo presentes as normas dos artigos 50º a 57º do Código Penal importa concluir que a suspensão da execução da pena privativa da liberdade, para além de servir a tutela da sociedade e visar a prevenção da prática de crimes, se orienta, fundamentalmente, no sentido da reintegração social do arguido e da sua reinserção na vida comunitária (20).

Desde logo, o primeiro traço que resulta da disciplina da suspensão da execução da pena de prisão prende-se com o seu âmbito de aplicação, susceptível de abarcar todas e quaisquer penas de prisão aplicadas em medida não superior a 5 anos, havendo, igualmente, um poder-dever do tribunal (21) – um poder vinculado do julgador - que lhe imporá decretar a suspensão da execução das penas enquadradas nesse limite, quando “atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, [se] concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”.

Face à redacção introduzida pela Lei n.º 59/2007 de 4 de Setembro, o pressuposto formal da aplicação da suspensão é a condenação do agente em pena de prisão até 5 anos, ao passo que para satisfação do pressuposto material é necessário que o Tribunal, após a analise do conjunto das circunstâncias adequadas para o efeito emita um juízo de prognose favorável em relação à conduta do agente, no sentido de serem a mera censura e a ameaça da prisão, suficientes para acautelarem as finalidades das penas, podendo ser acompanhadas ou não pela prescrição de deveres e/ou regras de conduta ou mesmo de regime de prova, caso sejam entendidas fundamentais para que tal desiderato seja alcançado.

Isto é, para que seja decretada tal medida suspensiva, para além da verificação do pressuposto formal, é necessário que seja formulado um juízo que conclua pela adequação entre a ameaça da prisão e a simples censura do facto originadas pela suspensão e as necessidades preventivas, especiais e gerais, que no caso concreto subsistam, razão da indispensabilidade de, após uma ponderação global conjunta acerca da personalidade do agente, das condições da sua vida, da sua conduta anterior e posterior ao crime e das circunstâncias do facto, o Tribunal julgue conveniente a opção pela suspensão, de modo a afastar o agente da criminalidade e a permitir-lhe a obtenção de uma ressocialização extramuros, sendo certo que tal juízo de prognose favorável tem necessariamente de decorrer da imagem do autor no momento da avaliação, isto é, na altura da decisão, e já não aquando da prática do crime, pelo que será possível que outros factos puníveis cometidos posteriormente pelo mesmo agente sejam tidos em conta, podendo influenciar desfavoravelmente esta apreciação.

Não podem, contudo, nunca serem obliteradas as necessidades de prevenção geral, no sentido de reiteração na validade das normas, de sedimentar a confiança da comunidade na sua existência e ponderação em concordância com as finalidades do Direito e da Justiça, não podendo ser colocada em crise a crença nos valores e bens constitucionalmente protegidos e guarnecidos com a tutela penal.

Vale tudo por dizer que, a suspensão da execução da prisão não deverá ser decretada, mesmo que o Tribunal conclua por um prognóstico favorável à luz de considerações exclusivas de socialização do arguido, quando à mesma obstem as finalidades da punição, nomeadamente as de consideração de prevenção geral sob a forma de exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico, pois que só por estas exigências se limita o valor da socialização em liberdade que ilumina o instituto. (22)

Em estudo recente André Lamas Leite (23), tendo em mente perfilar os traços comuns a todas as penas de substituição, faz ressaltar essencialmente:

“A. Comprometimento com os fins do movimento de luta contra as penas curtas de prisão, conhecidos que são os seus efeitos desvantajosos para o condenado, e por reflexo, para a comunidade (…);
B. Atenuação da imagem global do facto e que autoriza a colocação da possibilidade, pelo juiz, de substituir a reacção criminal por outra que se aplique em vez dela;
C. Elaboração de um juízo de prognóstico favorável que, no essencial, leva em conta elementos comuns (gravidade do crime, características pessoais do agente, consequências do evento), e que contende com uma gravidade do facto compatível com um cumprimento da sanção fora do meio prisional (…), assim como as características do agente, manifestadas em factos concretos, que permitem concluir que a pena de substitutiva será suficiente para realizar as finalidades punitivas, incluindo a prevenção da reincidência;
D. Valorização de uma intencionalidade mais prospectiva que retrospectiva (…)”

Descendo ao caso do autos e, por um lado analisando o certificado de registo criminal do recorrente, o arguido R. M. constata-se que o mesmo foi já alvo de condenações anteriores.

Com efeito:

- Por sentença datada de 15/03/2001 e transitada em julgado em 30/03/2001, o arguido foi condenado, no Processo Colectivo n.º 180/00.5TBFAF, pela prática de quatro crimes de ofensa à integridade física, na pena única de 465 dias de multa, à razão diária de 300$00,00, por factos praticados em 25/10/1999;
- Por sentença datada de 10/10/2002 e transitada em julgado em 25/10/2002, o arguido foi condenado, no Processo Abreviado n.º 172/02, pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, na pena de 60 dias de multa, à razão diária de € 03,00 e na pena acessória de proibição de conduzir pelo período de 03 meses por factos praticados a 21/10/2001;
- Por sentença datada de 05/11/2004 e transitada em julgado em 25/11/2004, o arguido foi condenado, no Processo Colectivo n.º 275/02.0GAFAF, pela prática de um crime de ofensa à integridade física qualificado, na pena única de 01 ano e 3 meses de prisão, suspensa por três anos, por factos praticados a 11/04/2002;
- Por sentença datada de 16/03/2005 e transitada em julgado em 11/04/2005, o arguido foi condenado, no Processo Comum Singular n.º 645/04.0GAFAF, pela prática de um crime de desobediência qualificada, na pena única de 16 meses de prisão suspensa por 2 anos com condição, por factos praticados em 23/05/2004;
- Por sentença datada de 11/12/2007 e transitada em julgado em 14/01/2008, o arguido foi condenado, no Processo Sumário n.º 1759/07.0GAFAF, pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, na pena de 70 dias de multa, à razão diária de € 05,00 por factos praticados a 06/12/2007;
- Por sentença datada de 21/12/2007 e transitada em julgado em 02/02/2008, o arguido foi condenado, no Processo Sumário n.º 1702/07.6GAFAF, pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, na pena de 03 meses de prisão, substituída por 120 dias de multam à taxa diária de € 10,00 e na pena acessória de proibição de conduzir pelo período de 12 meses, por factos praticados a 20/11/2007;
- Por sentença datada de 2010/07/01 e transitada em julgado em 2010/07/21, o arguido foi condenado, no Processo Sumário n.º 774/10.0GAFAF, pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, na pena de 10 meses de prisão, suspensa pelo período de um ano e na pena acessória de proibição de conduzir pelo período de 07 meses, por factos praticados a 2010/06/20;
- Por sentença datada de 2011/06/07 e transitada em julgado em 2011/06/29, o arguido foi condenado, no Processo Abreviado n.º 327/11.6GAFAF, pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, na pena de 10 meses de prisão, suspensa pelo período de um ano, com regras de injunção de sujeição a tratamento médica à dependência do álcool e cumprir um programa de segurança rodoviária, e na pena acessória de proibição de conduzir pelo período de 10 meses, por factos praticados a 2011/03/18;
- Por sentença datada de 2011/10/06 e transitada em julgado em 2011/11/07, o arguido foi condenado, no Processo Abreviado n.º 275/11.0GAFAF, pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, na pena de 12 meses de prisão, suspensa pelo período de um ano, e na pena acessória de proibição de conduzir pelo período de 18 meses, por factos praticados a 2011/02/27;
- Por sentença datada de 2012/06/20 e transitada em julgado em 2012/09/10, o arguido foi condenado, no Processo Sumário n.º 501/12.8GAFAF, pela prática de um crime de violação de imposições, proibições ou obrigações, na pena de 07 meses de prisão suspensa por um ano, por factos praticados a 2012/06/09;
- Por sentença datada de 2013/11/21 e transitada em julgado em 2014/01/09, o arguido foi condenado, no Processo Comum Singular n.º 276/11.8GAFAF, pela prática de um crime de detenção de arma proibida, na pena de 300 dias de multa, à taxa diária de € 8,00, por factos praticados a 2011/02/27;
- Por sentença datada de 2013/09/20 e transitada em julgado em 2014/05/19, o arguido foi condenado, no Processo Abreviado n.º 315/13.8GAFAF, pela prática de um crime de violação de imposições, proibições ou obrigações, na pena de 72 períodos de prisão por factos praticados a 2013/03/26.
- Por sentença datada de 14/05/2015 e transitada em julgado em 13/01/2016, o arguido foi condenado, no Processo n.º 321/15.8GAFAF, pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, na pena de 10 meses de prisão, e na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor por 2 anos e 8 meses, por factos praticados a 21/04/2015; neste processo foi efectuado cúmulo jurídico de penas com o P.192/15.4GAFAF, tendo o arguido sido condenado na pena única de 14 meses de prisão.
- Por sentença datada de 24/04/2015 e transitada em julgado em 25/01/2016, o arguido foi condenado, no Processo Sumário n.º 192/15.4GAFAF, pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, na pena de 9 meses de prisão, por factos praticados a 07/03/2015.

Além disso este arguido, ora recorrente, tem desde a juventude o hábito de consumo regular de bebidas alcoólicas que se intensificou aquando da morte súbita do progenitor, quando o arguido contava com 30 anos de idade.
E, não obstante ter sido sujeito a tratamento à problemática aditiva (primeiro no Centro de Alcoologia do Norte, entre Julho de 2010 e 2014 e no Projecto Homem-programa, aquando do cumprimento de pena privativa de liberdade entre Maço de 2016 e Novembro de 2017) tem voltado a recair, registando consumo abusivo de álcool.

Outrossim, resulta assente que o mesmo tem agregado familiar constituído com a esposa e o filho do casal (este ultimo que é estudante universitário em Viana do Castelo e, assim, apenas integra o agregado aos fins-de-semana e períodos de férias), cuja dinâmica é descrita como positiva e de suporte, sendo certo, contudo, que o seu cônjuge já evidencia significativo desgaste resultante dos sucessivos contactos com o sistema de justiça por parte do ora recorrente.

Além disso o mesmo demonstra fragilidades na interiorização da sua gravidade e consequências para terceiros, posto que embora reconheça o impacto do consumo exagerado de bebidas alcoólicas na sua vida, no entanto, manifesta dificuldade ao nível das competências pessoais para implementar uma mudança significativa.

Na análise conjunta do circunstancialismo antes vertido com a conduta delituosa perpetrada pelo arguido – conduta esta operada com dolo directo, cuja ilicitude é elevada atento o modo e circunstancias como foi perpetrada, sendo as consequências, também, graves – importa-nos a conclusão de que não é possível formular um juízo de prognose favorável no sentido de que a simples censura dos factos e a ameaça da pena, ainda que acompanhados de um regime de prova, sejam o suficiente e o adequado para que se atinjam as finalidades da punição, a que se alude no artigo 40º do Código Penal.

Com efeito são avultadas as exigências de prevenção especial, uma vez que o arguido, ora recorrente, já mostrou não ser capaz de alinhar a sua conduta pelas normas sociais vigentes, posto que vem incorrendo ao longo dos anos em prática delitiva, essencialmente correlacionada com a sua adição à ingestão de bebidas alcoólicas, comportamentos esses que não logra evitar mesmo após as diversas advertências solenes que decorreram da condenação penal.
Além disso, o ora recorrente manifesta dificuldade ao nível das competências pessoais para implementar uma mudança significativa, no que a este problema concerne, o que acarreta um avolumar faladas exigências.
Prementes são, ainda, as necessidades de prevenção geral posto que a condução sob o efeito de álcool potencia, ainda mais, a sinistralidade rodoviária, uma problemática que atinge a nossa comunidade de forma acutilante, com as nefastas consequências que daí decorrem, como seja o elevado número de mortos e feridos que passam a portadores de incapacidades graves decorrentes do cometimento de infracções estradais.

Vale tudo por dizer que, atento todo o descrito circunstancialismo, não se verifica o preenchimento dos requisitos a que se alude no nº 1 do artigo 50º do Código Penal, concluindo-se, pois, que nenhuma censura merece a sentença recorrida, razão por que não se sufraga a primeira das pretensões recursais do ora recorrente R. M..

Como é salientado pelo Tribunal da Relação de Coimbra (24) “São as necessidades de prevenção - geral positiva [tutela das expectativas da comunidade na manutenção e reforço da norma violada] e especial de socialização - que vão justificar e impor a opção pela pena não privativa da liberdade - pena alternativa ou pena de substituição - como resulta dos critérios estabelecidos nos arts. 40º, nº 1 e 70º do C. Penal, não existindo aqui qualquer finalidade de compensação da culpa, uma vez que esta, constituindo o limite da pena (art. 40º, nº 2 do C. Penal), apenas funciona ao nível da determinação da sua medida concreta.” (…) ultimando por considerar que “Sendo a pena de prisão a única capaz de assegurar as finalidades de prevenção geral e especial requeridas in casu, e sendo a sua concreta medida plenamente suportada pela culpa do arguido, não houve violação do princípio da proporcionalidade ou da proibição do excesso.”

É momento, agora, de conhecer da aplicabilidade do artigo 44º do Código Penal ao caso dos autos, tal como é pugnado pelo recorrente na sua lide recursal.

Estabelece tal norma, sob a epigrafe “Regime de permanência na habitação”, que:

1 - Sempre que o tribunal concluir que por este meio se realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da execução da pena de prisão e o condenado nisso consentir, são executadas em regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância:
a) A pena de prisão efectiva não superior a dois anos;
b) A pena de prisão efectiva não superior a dois anos resultante do desconto previsto nos artigos 80.º a 82.º;
c) A pena de prisão não superior a dois anos, em caso de revogação de pena não privativa da liberdade ou de não pagamento da multa previsto no n.º 2 do artigo 45.º
2 - O regime de permanência na habitação consiste na obrigação de o condenado permanecer na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância, pelo tempo de duração da pena de prisão, sem prejuízo das ausências autorizadas.
3 - O tribunal pode autorizar as ausências necessárias para a frequência de programas de ressocialização ou para actividade profissional, formação profissional ou estudos do condenado.
4 - O tribunal pode subordinar o regime de permanência na habitação ao cumprimento de regras de conduta, susceptíveis de fiscalização pelos serviços de reinserção social e destinadas a promover a reintegração do condenado na sociedade, desde que representem obrigações cujo cumprimento seja razoavelmente de exigir, nomeadamente:
a) Frequentar certos programas ou actividades;
b) Cumprir determinadas obrigações;
c) Sujeitar-se a tratamento médico ou a cura em instituição adequada, obtido o consentimento prévio do condenado;
d) Não exercer determinadas profissões;
e) Não contactar, receber ou alojar determinadas pessoas;
f) Não ter em seu poder objectos especialmente aptos à prática de crimes.
5 - Não se aplica a liberdade condicional quando a pena de prisão seja executada em regime de permanência na habitação.

Fazendo presente o espólio factual dado como provado, em especial no que atende à situação pessoal, familiar e social do arguido, ora recorrente, é licito concluir que o cumprimento da pena de prisão de 10 meses que lhe foi aplicada, em regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distancia, pelo tempo de duração daquela pena não coloca em crise os princípios ditados no artigo 40º do Código Penal, desde que fique o mesmo subordinado ao cumprimento de tratamento à problemática aditiva e acompanhamento psicológico, de acordo com plano a traçar pela DGRSI, posto que desse modo ficam asseguradas as necessidades de prevenção, quer geral como especial, como, ainda, a reinserção do arguido, ora recorrente, ao promover a sua desabituação do uso excessivo de bebidas alcoólicas e habilitá-lo com competências psicológicas para mudar de hábitos de vida e permitir o cumprimento da pena de prisão sem que o mesmo belisque, de forma inexorável, a sua inserção.

Já quanto à autorização exigida pelo legislador para a sua aplicabilidade foi adiantada pelo ora recorrente, razão por que estão reunidos todos os pressupostos para a sua aplicação.
Importa reter, a este propósito, o já decidido num Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra (25) onde consta que “Se apesar dos antecedentes criminais que possui, um arguido demonstra capacidade de trabalho, tem estabilidade familiar e cumpre, com avaliação positiva por parte da DGRSP, pena de prisão em regime de permanência na habitação, não deverá ser reintroduzido em ambiente prisional para cumprimento de pena de 1 ano e 11 meses de prisão imposta pela prática de crimes de condução sem carta e em estado de embriaguez, por tal constituir um retrocesso no esforço de reintegração social do condenado.”

Importa, nestes termos, julgar pela procedência parcial da lide recursal do recorrente R. M. e, em consequência, altera-se a decisão recorrida, determinando-se que a pena de 10 meses de prisão aplicada seja cumprida, nos termos consignados no artigo 44º do Código Penal, isto é, em regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distancia, pelo tempo de duração daquela pena, ficando o ora recorrente subordinado ao cumprimento de tratamento à problemática aditiva e acompanhamento psicológico, de acordo com plano a traçar pela DGRSI, por igual período, nos termos consignados no nº 4 da versada norma legal.
*

. DISPOSITIVO

Por todo o exposto, e pelos fundamentos indicados, acordam os Juízes da Secção Criminal do Tribunal da Relação Criminal de Guimarães em:

- Julgar parcialmente procedente o recurso interposto pelo arguido R. M., e, em consequência, determina-se que a pena de 10 meses de prisão seja cumprida em regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distancia, pelo tempo de duração daquela pena, ficando o ora recorrente subordinado ao cumprimento de tratamento à problemática aditiva e acompanhamento psicológico, de acordo com plano a traçar pela DGRSI, por igual período, nos termos consignados no nº 4 da versada norma legal, ficando já o mesmo autorizado a se ausentar do domicilio para o cabal cumprimento de tais obrigações.
Sem custas.

O presente acórdão foi elaborado e integralmente revisto pela sua relatora, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 94º, nº 2, do Código do Processo Penal.
Guimarães, 14 de Outubro de 2019

Maria José dos Santos de Matos

Armando da Rocha Azevedo


1. Código de Processo Penal Comentado, António da Silva Henriques Gaspar e outros, Almedina, 2016, 1239.
2. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Verbo, Tomo III, 325.
3. Código do Processo Penal Comentado, António da Silva Henriques Gaspar e outros, Almedina, 2016, 1274.
4. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Verbo, Tomo III, 325 e Código de Processo Penal Comentado, António da Silva Henriques Gaspar e outros, Almedina, 2016, 1274 e 1275.
5. Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de processo Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 3ª edição actualizada, Universidade Católica Editora, 1074.
6. No Acórdão proferido no Processo nº 662/09.3TALRS.L1-5, disponível em dgsi.pt.
7. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Tomo III, Verbo, 326.
8. Acórdão proferido no processo nº 87/14.9YFLSB/3ª Secção de 20/11/2004, disponível na dgsi.pt.
9. Código de Processo Penal Comentado, António da Silva Henriques Gaspar e outros, Almedina, 2016, 1275.
10. Direito Criminal, II, Almedina, 1965, «§ 21. Substituição da Pena. A reacção contra as penas curtas de prisão», pp. 392 e segs.
11. «A suspensão condicional da execução da pena e os efeitos do não cumprimento das condições», Revista de Legislação e Jurisprudência, 74º, pág. 119.
12. Código Penal Anotado, 14ª edição, 191.
13. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 11/05/1995, publicado no sítio daquele tribunal.
14. Neste sentido vide por todos o Acórdão do Tribunal Constitucional nº 3/2006/T publicado no D.R. de 07/02/2006 e Jorge Figueiredo Dias, Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas - Editorial Noticias,1993, 90 e 344.
15. Jorge Figueiredo Dias, Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas - Editorial Noticias,1993, 90.
16. Karl, Lackner, Die Strafaussetzung zur Bewährung und die bedingte Entlassung”, in JZ, 1953, 428.
17. Manuel Leal-Henriques e Manuel Simas Santos, Código Penal Anotado, I Vol., Lisboa, Rei dos Livros, 2002, 639.
18. Tratado de Derecho Penal, Parte General, Granada: Editorial Comares, 1993, 72.
19. Jorge de Figueiredo Dias, Velhas e novas questões sobre a pena de suspensão de execução da prisão, Revista de Legislação e de Jurisprudência, Ano 124.º, número 3804, 1991, 68.
20. Fausto Giunta, Sospensione condizionale della pena, Enciclopedia del Diritto, Vol. XLIII, Sospensione – Sviluppo, Milano, Giuffrè, 1990, 91 ss.
21. Manuel Mais Gonçalves, Código Penal Português, 14ª edição. 215; Victor de Sá Pereira e Alexandre Lafayette, Código Penal Anotado e Comentado, Legislação conexa e complementar, Lisboa, Quid Juris, 2008, 178.
22. Jorge Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Editorial Noticias, 1993, 344.
23. Em direcção a uma «Teoria Geral das Penas de Substituição»?, publicado em https://repositorio-aberto.up.pt/bitstream/10216/121775/2/345145.pdf.
24. Acórdão datado de 17/12/2014, proferido no Processo nº 872/09.3PAMGR.C1, publicado em www.dgsi.pt.
25. Acórdão proferido no Processo nº 17/16.3PFGMR.G1, datado de 05/11/2018, publicado em www.dgsi.pt.