Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2898/14.6TBBRG-W.G1
Relator: JOSÉ ALBERTO MOREIRA DIAS
Descritores: INSOLVÊNCIA LIQUIDATÁRIA
ADMINISTRADOR CESSANTE
CÁLCULO DA RETRIBUIÇÃO VARIÁVEL
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 02/01/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
1- Em insolvência liquidatária o administrador da insolvência nomeado pelo juiz tem direito a receber uma remuneração, que se decompõe numa parte fixa, que ascende a dois mil euros e é paga em duas prestações; e uma parte variável, que é integrada por duas subcomponentes: a) a subcomponente regulada nos nºs 4, 6 e 10 do art. 23º do EAJ; e b) a subcomponente majoração, regulada no n.º 7 daquele art. 23º
2- No caso do administrador da insolvência nomeado pelo juiz ser substituído pela assembleia de credores, para efeitos de cálculo da remuneração variável devida ao administrador cessante, impõe-se distinguir: a) situações em que o administrador cessante realizou integralmente todos os atos de liquidação, de modo que, por via desses atos, obteve produto para a massa, isto é, quantia pecuniária destinada a liquidar as dívidas da massa e, secundariamente, as da insolvência, em que lhe assiste o direito a receber a remuneração variável em ambas as suas subcomponentes, de acordo com as regras de cálculo previstas para cada uma delas (as identificadas nas normas jurídicas referidas em 1), tendo em consideração o produto/receita que obteve para a massa por via desses atos de liquidação integralmente realizados; e b) situações em que o administrador cessante realizou apenas parcialmente os atos de liquidação (v.g. procedeu à apreensão de móveis e/ou imóveis que integram a massa insolvente, mas ainda não tinha procedido à respetiva venda), em que o administrador da insolvência cessante tem direito a receber a indemnização variável em ambas as suas subcomponentes, de acordo com as regras de cálculo previstas para cada uma delas, tomando em consideração a totalidade do produto/receita que venha a ser obtido para a massa insolvente por via da liquidação desses bens, reduzindo-se essas duas subcomponentes da remuneração variável devida ao administrador cessante a um quinto.
3- O conceito de liquidação adotado pelo CIRE é amplo, estando nele englobados todos os atos praticados pelo administrador da insolvência que lhe permitam obter quantia pecuniária para a massa insolvente com vista à liquidação das dívidas da massa e, secundariamente, as da insolvência, independentemente da fonte e origem dessas quantias pecuniárias, quer estas resultem da venda de móveis, imóveis e/ou direitos que tenham sido apreendidos para a massa, quer se trate de quantias monetárias por ele diretamente apreendidas para a massa (v.g. saldo de contas bancárias e quantias depositadas à ordem de processos), quer se trate de quantias pecuniárias que recebeu em consequência de uma transação judicial que celebrou em representação da massa insolvente.
4- A retribuição variável devida ao administrador da insolvência, na subcomponente majoração, é calculada tendo em conta o grau (percentagem) de satisfação dos créditos reconhecidos na sentença de verificação e graduação de créditos, transitada em julgado, que o produto (líquido) obtido pelo administrador para a massa permite satisfazer.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I- RELATÓRIO

AA e mulher, BB foram declarados insolventes, por sentença proferida em 27/05/2014, transitada em julgado, tendo sido nomeado administrador da insolvência CC.
Na ata da assembleia geral de credores para apreciação do relatório a que alude o art. 155º do CIRE, que teve lugar em 23/07/2014, ordenou-se o prosseguimento dos autos para liquidação e partilha do ativo.
Por requerimento entrado em Juízo em 12/12/2019 (autos principais), EMP01..., SGPS, S.A., Instituto da Segurança Social, I.P. e Banco 1..., S.A., na qualidade de membros da comissão de credores, requereram a convocação de assembleia de credores com vista à substituição do administrador da insolvência nomeado pelo tribunal, CC, propondo para o cargo de administrador da insolvência DD, que declarou aceitar o cargo.
Por despacho de 08/09/2020, decidiu-se não convocar a assembleia de credores face ao surto pandémico e perante a impossibilidade de se realizar a assembleia através de meios de comunicação à distância, devido ao número de eventuais participantes naquela, e determinou-se a notificação dos credores para, no prazo de dez dias, manifestarem por escrito o seu sentido de voto quanto àquela questão, com a advertência que, nada dizendo, o correspondente voto seria contabilizado como abstenção.
Cumprido com o determinado, atentos os votos expressos pelos credores, por despacho de 19/10/2020, transitado em julgado, substituiu-se o administrador da insolvência antes nomeado por DD – cfr. autos de insolvência.
No âmbito do apenso de prestação de contas (apenso T), o administrador da insolvência cessante, CC, veio, em 05/11/2020, apresentar as contas da liquidação e, bem assim, proceder “ao cálculo da remuneração variável prevista no art. 23º, n.ºs 2 e 3 da Lei n.º 22/2013, de 26/02”, requerendo que lhe fosse fixada uma remuneração variável de 63.430,90 euros, acrescida de IVA à taxa legal em vigor.
As contas e o cálculo da remuneração variável apresentadas pelo administrador da insolvência cessante, CC, foram objeto de oposição por parte da comissão de credores e de vários credores.
Por sentença proferida em 01/02/2023, no âmbito daquele apenso, transitada em julgado, julgaram-se “parcialmente válidas as contas apresentadas pelo Exmo. Senhor Administrador da Insolvência, com exceção das verbas referentes às despesas bancárias apresentadas, no que concerne ao montante de 16,33 euros e à inclusão do crédito de 10.350.000,00 euros nas receitas”.
A sentença de verificação e graduação de créditos foi proferida em 12/10/2022, transitou em julgado, e nela foram julgados verificados créditos no montante global de 28.192.272,21 euros – cfr. apenso D.
No apenso de liquidação (apenso K), em 30/03/2023, determinou-se a elaboração de conta provisória nos autos principais e diversos apensos, por forma a possibilitar o cumprimento da al. a) do ponto 6 da transação junta e homologada no apenso C.
Elaborada a conta provisória apurou-se que as custas em dívida da responsabilidade da massa insolvente ascendem a 127.954,00 euros.
Notificada a conta provisória, o administrador da insolvência em funções requereu que se agendasse data para audição da sociedade EMP01..., SGPS, S.A. com vista a acertar os termos da fixação das remunerações dos AI (daquele e do que fora removido), a fim de que se desse cumprimento à transação judicial celebrada, se encerrasse a liquidação e elaborasse o mapa de rateio.
Deferida a diligência requerida, esta foi realizada em 11/07/2023, onde se proferiu despacho em que se determinou que os autos aguardassem por dez dias a junção de nota atualizadora e de eventual acordo quanto à forma de repartição dos honorários entre os administradores da insolvência.
Por requerimento entrado em juízo em 21/07/2023, o administrador da insolvência em funções, DD, pronunciou-se quanto ao cálculo da remuneração variável, concluindo que esta deve ser fixada em 367.498,05 euros, com IVA já incluído.
Mais alegou não se lhe afigurar possível chegar a acordo com o administrador da insolvência removido, CC, quanto à repartição da remuneração, “uma vez que o mesmo já requereu a fixação da remuneração nos termos da legislação em vigor à data em que prestou contas, sobre as quais incidiu a douta sentença proferida por V. Exa. e já transitada em julgado”.
Por requerimento entrado em juízo em 21/07/2023, EMP01..., SGPS, S.A., requereu que não se admitisse que o administrador cessante apresentasse nova proposta de honorários, os quais terão sempre que ser determinados nos termos da Lei n.º 22/2013, de 26/02; subsidiariamente, que na fixação dos honorários do administrador da insolvência cessante, em sede de fixação da remuneração variável, não se tivesse em conta, como receita, no exercício das funções daquele, a quantia de 10.350.000,00 euros, em cumprimento da sentença proferida em 01/02/2023 e, bem assim, se considerasse que não foi o administrador da insolvência cessante que procedeu à venda do quinhão hereditário apreendido ao insolvente nos presentes autos e que se reduzisse os honorários do administrador da insolvência cessantes a um quinto, nos termos do art. 24º, n.º 2 do EOAJ, por ter sido substituído pela assembleia de credores.
Por sua vez, o administrador da insolvência cessante, CC, por requerimento de 10/08/2023, solicitou que se fixasse a remuneração variável que lhe é devida em 284.707,71 euros, acrescida de IVA à taxa legal aplicável.
Para tanto alegou, em suma, não ter sido possível chegar a acordo quanto à repartição da remuneração com o atual AI em funções.
Até à sua substituição realizou as seguintes operações de liquidação: quanto às verbas n.ºs 1 e 2, o valor resultante da transação efetuada, no montante de 10.350.000,00 euros; quanto à verba n.º 14, a quantia de 250.000,00 euros, correspondente a 250 obrigações dadas de penhor à Banco 2..., para garantia de um empréstimo, já vencido, tendo esta reclamado o crédito emergente desse empréstimo e viu-o a ser julgado verificado e graduado como garantido e em relação ao qual foi dispensada de depositar parte do preço.
Quanto à verba n.º 20 – quinhão hereditário -, o atual AI apenas realizou a operação de liquidação/venda desse quinhão.
Mais alegou que a sentença de verificação e graduação de créditos transitou em julgado, pelo que não restam dúvidas que foram apreendidos e reverteram para a massa insolvente, quanto às verbas n.ºs 1 e 2, a contrapartida, no valor de € 10.350.000,00, e quanto à verba n.º 14, o valor de 250.000,00 euros, pelo que, no cálculo da remuneração variável que lhe é devida, terá de ser considerado, como receita, no período do exercício das suas funções, o valor de € 10.350.000,00 referente ao “produto das Verbas 1) e 2), assim como a quantia de € 250.000,00 relativa ao “Produto da Verba 14)”, em cumprimento da sentença de 12.10.2022, com a referência n.º ...22 (Apenso D), dado ter sido ele que, enquanto AI, procedeu à apreensão, liquidação e venda desses bens.

Mais alegou que a remuneração variável que lhe é devida deverá ser calculada nos seguintes termos:
“A) produto dos bens/direitos liquidados pelo signatário: 10.600.000,00 euros;
B) deste valor deduzem-se as dívidas da massa insolvente:
I) Conta de custas provisória - 127.954,00 euros;
II) Despesas suportadas pelo AI – 200,64 euros;
III) Despesas suportadas pela MI – 31.529,89 euros;
IV) Honorário mandatário proc. 2898/14.... – 109.568,24 euros;
V) Somatório das despesas – 269.315,77 euros.
C) O resultado da liquidação é de 10.330.684,23 euros.
D) A remuneração corresponde a 5% deste valor, ou seja, 522.919,41 euros, sendo que, nos termos do art. 23º do EAF, este não pode ser superior a 100.000,00 euros, acrescido de IVA à taxa legal aplicável;
E) Passando ao cálculo da majoração prevista no n.º 7 do art. 23º, deverá achar-se a percentagem de satisfação dos créditos reconhecidos, a qual in casu ascende a 36,20%.
Acresce que, para efeitos de cálculo da majoração deverá ainda ser deduzido ao produto obtido pela liquidação, o montante da remuneração variável calculada no ponto anterior, 123.000,00 euros (IVA incluído), bem como a remuneração fixa, no montante global de 2.460,00 euros (IVA incluído), obtendo-se desta forma, um montante de créditos satisfeitos no valor de 10.205.224,23 euros.
Finalizada esta operação procede-se à majoração em 5% da percentagem de 36,20 de créditos satisfeitos, obtendo-se a quantia de 184.707,71 euros (10.205.224,23 euros x 36,20% x 5%), ao que acresce IVA à taxa legal aplicável.
F) Desta forma, dever-se-á fixar em (100.000,00 euros + 184.707,71 euros) 284.707,71 euros a remuneração do Administrador da Insolvência, acrescida de IVA à taxa legal”.

 O Ministério Público emitiu parecer quanto à remuneração variável requerida pelo administrador da insolvência cessante e a ser-lhe arbitrada.
Em 17/09/2023, proferiu-se sentença, fixando a remuneração variável do administrador da insolvência cessante, CC, em 35.897,86 euros, a que acresce IVA à taxa legal, constando essa sentença do seguinte teor (que se transcreve ipsis verbis):
Sobre o cálculo da administração variável do Administrador de Insolvência cessante: refª ...86 (21/07/2023), ...58 (21/07/2023), ...30 (10/08/2023), ...06 (12/09/2023);
In casu, está em discussão o cálculo da remuneração variável do Sr. AI destituído, pelo período durante o qual exerceu as suas funções; por outro lado, suscita-se aqui uma questão de aplicação da lei no tempo, visto que um dos credores entende que o cálculo da remuneração variável deve ser feito através da lei em vigor à data da prática dos atos pelo Sr. AI destituído.
Isto posto:
Em primeiro lugar, retira-se dos requerimentos ora remetidos aos autos que se encontra controvertida a questão de saber a quem deve ser imputada a responsabilidade pela alienação das verbas 1) e 2) do auto de apreensão de bens, de onde veio uma verba de €10.350.000,00; com efeito, cada um dos Administradores de Insolvência (cessante e atual) reclama para si a autoria da obtenção das verbas para a massa insolvente.
Em segundo lugar, da conta provisória remetida aos autos (refª ...99 (19/04/2023)), bem como da sentença que julgou válidas as contas prestadas, proferida no apenso »T« (refª ...72 (01/02/2023) do dito apenso), transitada em julgado, a Mmª Juíza que considerou aprovadas as contas e considerou não ser de aprovar a inclusão do crédito de €10.350.000,00, resultante da transação alcançada nos processos que correram termos sob os apensos »C« e »H« destes autos, sendo que, por o não ter recebido nem administrado; nestes termos, carece absolutamente de fundamento a pretensão manifestada pelo Sr. AI destituído de contemplação das ditas verbas na sua prestação de contas por impossibilidade legal, visto que a sentença que as aprovou determinou expressamente a sua exclusão (refª ...30 (10/08/2023) deste apenso).
Em terceiro lugar, no tocante à aplicação da lei no tempo, quanto à forma de cálculo da Administração variável, constitui Jurisprudência pacífica dos Tribunais superiores de que a redação dada pela Lei nº 9/2022, de 11 de janeiro, ao art.º 23º do Estatuto do Administrador Judicial, no tocante à forma de cálculo da remuneração variável, é de aplicação imediata nos processos pendentes, pelo que sempre que a fixação da remuneração variável ocorra após a data de entrada em vigor do diploma, deve ser calculada nos termos da nova redação do mesmo (cfr o Douto Acórdão do TRL de 24/01/2023 (2051/12.3TYLSB-G.L1-1), de 20/09/022 (9849/14.6T8LSB-E.L1-1); TRE de 15/12/2022 (1157/17.7T8OLH-M.E1), todos disponíveis no site »DGSI«).
Em quarto lugar, do exposto decorre que o cálculo da remuneração variável do Administrador cessante deve ser feita à luz da lei atualmente em vigor, de acordo com o requerimento que o Administrador destituído remeteu aos autos no apenso »T« através do requerimento com refª ...55 (05/11/2020), expurgada da verba 1, de acordo com o que foi doutamente decidido na sentença que homologou as contas nesse apenso (refª ...72 (01/02/2023) do dito apenso).
Isto posto:
Nos termos do disposto no artº do Estatuto do Administrador Judicial (EAJ) (Lei 22/2013, de 26/02), o administrador judicial é a pessoa incumbida da fiscalização e da orientação do atos integrantes do processo especial de revitalização, bem como da gestão ou liquidação da massa insolvente no âmbito do processo de insolvência, designando-se, assim, como administrador judicial provisório (nos casos dos arts. 17º-C, 3, al. a) – processo especial de revitalização – e 31º, nº 2 – enquanto medida cautelar e até à prolação da sentença de insolvência – do CIRE), administrador da insolvência (nos casos de liquidação – arts. 52º e 55º do CIRE) ou até como fiduciário (nos casos em que é nomeado para as funções previstas no artº 239º, n.º 2, do CIRE), consoante, assim, as funções que desempenha.
No que toca à respetiva remuneração, o legislador começa por estabelecer um princípio geral constante do artº 22º, do EAJ, nos termos do qual, o administrador judicial (sem distinção quanto às funções concretamente exercidas) tem direito a ser remunerado pelo exercício das funções que lhe são cometidas, bem como ao reembolso das despesas necessárias ao cumprimento das mesmas.
De seguida passa o legislador a enumerar os diversos critérios de fixação da remuneração, consoante as funções concretamente exercidas (arts. 23º-28º do EAJ).
Decorre destes preceitos que a remuneração do Administrador Judicial, em sede de processo especial de insolvência, deverá ser fixada tendo em mira o que vai disposto no artº 23º do EAJ.
Dispõe tal normativo que o administrador de insolvência nomeado por iniciativa do Juiz tem direito a ser remunerado pelos atos praticados com o montante estabelecido em portaria dos membros do governo responsáveis pelas áreas das finanças, da justiça e da economia (n.º 1), ou seja, a Portaria 51/2005, de 26/02, com as necessárias adaptações visto que esta se refere ao Administrador de Insolvência (cfr. o Douto Acórdão do TRE de 25/01/2018, proc. n.º 711/15.6T8OLH.E1).
Assim, nos termos do disposto no artº 23º, n,º 1, do EAJ e artº 1º, da Portaria 51/2005, o Sr. Administrador de Insolvência tem direito a uma remuneração fixa no valor de €2.000,00.
Resulta ainda do disposto no artº 23º, n.º 2 do EAJ que o administrador judicial em processo de insolvência aufere ainda uma remuneração variável em função do resultado da recuperação do devedor, cujo valor é o fixado nas tabelas constantes da Portaria supramencionada.
In casu, resulta do plano de insolvência que o montante apurado para liquidação é de €250.000,00 (expurgado da verba 1), conforme vimos supra).
Nos termos do disposto no art 23.º, n.º 4 e n.º 6 do EAJ refere-se, igualmente, que o administrador judicial provisório tem, igualmente, direito a receber uma remuneração variável em função do resultado da recuperação do devedor, cujo valor é fixado nos seguintes termos: (a) 10% da situação líquida; (b) 5% do resultado da liquidação da massa insolvente, considerando-se resultado da liquidação o montante apurado para a massa insolvente, depois de deduzidos os montantes necessários ao pagamento das dívidas dessa mesma massa, com exceção da remuneração referida no n.º 1 e das custas de processos judiciais pendentes na data de declaração da insolvência.
Assim, considerando que o montante dos créditos a satisfazer aos credores integrados no plano, o qual é considerado o resultado de recuperação, é de €250.000,00, nos termos das normas supra referidas, tem desde logo direito a receber uma remuneração no valor de €25.000,00 (art 23º, n.º 4, al. a) do EAJ).
Por outro lado, atendendo aos critérios do resultado da liquidação da massa insolvente, atendendo a que o Sr. AI indicou como despesas pagas pelo AI a quantia de €450,00 e de despesas pagas pela massa insolvente a quantia de €31.592,89, temos como valor a considerar €217.957,10; sobre esta incidem os 5% aludidos supra, pelo que o Sr. AI tem direito a auferir €10.897,86.
Termos em que o Sr. AI destituído terá direito a auferir, pelas suas funções, a verba de €35.897,86.
Sobre a verba referida no ponto anterior acresce IVA à taxa legal.
Sendo este o valor que resulta da aplicação dos referidos normativos e, ademais, considerando que a mesma não ultrapassa €50.000,00, inexiste fundamento legal para proceder à redução equitativa dessa quantia (cfr artigo 23.º, n.º 8, do EAJ).
*
Pelo exposto, decide-se fixar, a título de remuneração variável, ao Sr. Administradora de Insolvência destituído a quantia de €35.897,86, acrescido de IVA à taxa legal.
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Posteriormente, após trânsito, proceder-se-á à apreciação da remuneração variável do Sr. AI atualmente em funções”.

Inconformado com o decidido, CC interpôs recurso, em que formulou as seguintes conclusões:
I- Até à substituição do apelante foram, por este, realizadas as seguintes operações de liquidação:
a) VERBAS n.ºs 1 e 2 do auto de apreensão de bens, de onde veio uma verba de € 10.350.000,00 (dez milhões, trezentos e cinquenta mil euros);
b) VERBA n.º 14 do auto de apreensão de bens - 250 "OBRIGAÇÕES ... VALOR NACIONAL 2010/2015", de onde veio uma verba de €250.000,00 (duzentos e cinquenta mil euros).
II. O valor resultante da transação efetuada, no montante de € 10.350.000,00 (dez milhões, trezentos e cinquenta mil euros), será recebido pela massa insolvente nos termos da transação aprovada na assembleia de credores de 10/11/2017, com sentença homologatório em 29/11/2017 e com acórdão confirmativo de 19/04/2018 – cfr. documentos já juntos aos autos.
III. Não restam dúvidas que foi obtida pelo apelante para a massa insolvente, fruto das diligências de liquidação por si levadas a cabo enquanto exerceu as funções de Administrador de Insolvência, a quantia global de € 10.600.000,00 (€ 10.350.000,00 + € 250.000,00).
IV. Pelo novo Administrador de Insolvência, Dr. DD, apenas foi realizada a operação de liquidação/Venda da verba n.º 20 – quinhão hereditário – verba essa que já havia sido objeto de apreensão e preparação para liquidação quando o signatário exercia as funções de administrador de Insolvência nos autos.
V. Transitou em julgado a sentença de graduação de créditos – proferida no “Apenso D” com data de 12.10.2022, com a referência n.º ...22 - e, consequentemente, homologada a relação a que alude o art.º 129 do CIRE.
VI. Conforme resulta da referida sentença de graduação de créditos proferida no “Apenso D” com data de 12.10.2022, com a referência n.º ...22 - não subsistem dúvidas que foram apreendidos e reverteram para a massa
“Para a massa insolvente foram apreendidos os seguintes bens:
Verbas 1 e 2 Contrapartida, do valor de 10.350.000,00, pelo reconhecimento da validade e eficácia do contrato de compra e venda de ações, celebrado no dia 9 de setembro de 2011, entre o insolvente AA e a EMP01..., SGPS, SA, como compradora, que teve por objeto 3.450.000 ações da categoria B, de que aquele era titular na EMP02..., SGPS, SA, pessoa coletiva n.º ...86; Verba 14 250 “OBRIGAÇÕES ... VALOR NACIONAL 2010/2015” registadas na conta n.º  ...44, com o valor nominal de 1.000,00, cada uma; e …”
VII. Também não subsistem dúvidas que os referidos montantes reverteram para a massa insolvente no período em que o apelante exercia as funções de Administrador de Insolvência, razão pela qual tem direito a uma remuneração variável, cujo cálculo incide sobre os montantes alcançados para a massa insolvente no referido período – ou seja, sobre o produto dos bens/ direitos liquidados pelo apelante.
VIII. Na remuneração variável a fixar ao apelante não deverá nem poderá deixar-se de ser tida em conta, como receita, no período do exercício de funções deste, a quantia de € 10.350.000,00 referente ao “produto das Verbas 1) e 2)” assim como a quantia de € 250.000,00 referente ao “Produto da Verba 14)” em cumprimento da sentença de 12.10.2022, com a referência n.º ...22 (Apenso D).
IX. Foi o apelante, enquanto administrador cessante, que procedeu à apreensão, liquidação e venda desses bens.
X. Dispõe, no que ora releva, o art. 23.º, n.º 4, do EAJ que “Os administradores judiciais (…) auferem (…) uma remuneração variável em função do resultado(…) da liquidação da massa insolvente, cujo valor é calculado nos termos previstos no n.º 4 e que “O valor alcançado por aplicação das regras referidas nos n.ºs 5 e 6 é majorado, em função do grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos, em 5/prct. do montante dos créditos satisfeitos” – art.º 23.º/7 do EAJ.
XI. Na aplicação dos referidos critérios legais, dever-se-á ter em conta, designadamente, os serviços prestados, os resultados obtidos, a complexidade do processo e a diligência empregue pelo Administrador Judicial no exercício das suas funções.
XII. Dever-se-á, ainda, ter em consideração todo o trabalho desenvolvido, a complexidade do processo, bem como o resultado obtido para a massa insolvente.
XIII. Assim, haverá que fixar-se nos presentes autos a remuneração variável em fixar em 284.707,71 (€ 100.000,00 + € 184 707,71) – artigo 23.º do Estatuto do Administrador Judicial (EAJ), Lei n.º 22/2013, de 26 de fevereiro.
c) A decisão do Tribunal a quo violou a normas legais supra citadas, tendo aquele Tribunal interpretando erroneamente o disposto no artigo 23.º do Estatuto do Administrador Judicial (EAJ), Lei n.º 22/2013, de 26 de fevereiro, coma redação da Lei 9/2022, devendo, por isso, essa decisão ser substituída por outra que aplique corretamente as regras de cálculo constantes do artigo 23.º do Estatuto do Administrador Judicial e, nos termos do art.º 665º do CPC, em juízo de substituição, fixar-se a remuneração do Administrador da Insolvência nos termos supra referidos.

TERMOS EM QUE,
A) se deverá revogar a douta decisão impugnada;
B) atento o disposto no art.º 665º do CPC e estando disponíveis todos os elementos necessários para o efeito, dever-se-á, em juízo de substituição, fixar-se a remuneração do Sr. Administrador da Insolvência nos termos da nova redação do art.º 23º do EAJ. no valor de no valor de € 284 707,71 € ou, quanto muito, no montante de € 56 941,54 €, acrescida de IVA à taxa legal; fazendo, dessa forma, Vossas Excelências inteira e sã JU S T I Ç A!

O Ministério Público contra-alegou, pugnando pela improcedência da apelação, concluindo as suas contra-alegações nos termos que se seguem:
I. A douta sentença recorrida não violou qualquer disposição legal. O Tribunal a quo fez uma correta apreciação e consequente cálculo exato da remuneração devida pelos Administradores judiciais em processo de insolvência, máxime, as constantes do artigo 23.º/4, b), 6 e 7, do EAJ (Estatuto do Administrador Judicial) aprovado pela Lei n.º 22/2013, de 26-02, na redação dada pelo artigo 5º da Lei nº 9/2022, de 11-01;
II. Não existe, assim, qualquer motivo para ser concedida razão ao Recorrente, pelo que deve ser negado provimento à apelação e, consequentemente, deverá ser mantida in totum a douta sentença recorrida.
V. Exas., porém, decidindo, farão, como sempre JUSTIÇA!
*
A 1ª Instância admitiu o recurso interposto como sendo de apelação, a subir imediatamente, em separado e com efeito meramente devolutivo, o que não foi alvo de alteração pelo tribunal ad quem.
*
Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
*
II- DO OBJETO DO RECURSO

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do apelante, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso - cfr. artigos 635.º, nº 4, e 639.º, nºs 1 e 2, do CPC.
Acresce que, o tribunal ad quem também não pode conhecer de questão nova, isto é, que não tenha sido objeto da decisão sob sindicância, salvo se se tratar de questão que seja do conhecimento oficioso, dado que, sendo os recursos os meios específicos de impugnação de decisões judiciais, mediante o reexame de questões que tenham sido nelas apreciadas, visando obter a anulação das mesmas quando padeçam de vício determinativo da sua nulidade, ou a sua revogação ou alteração quando padeçam de erro de julgamento, seja na vertente de erro de julgamento da matéria de facto e/ou na vertente de erro de julgamento da matéria de direito, nos recursos, salvo a já enunciada exceção, não podem ser versadas questões de natureza adjetivo-processual e/ou substantivo material sobre as quais não tenha recaído, ou devesse recair, a decisão recorrida[1].
No seguimento desta orientação, cumpre ao tribunal ad quem apreciar uma única questão que consiste em saber se ao fixar ao apelante, administrador da insolvência removido do cargo pela assembleia de credores, a remuneração variável no montante de 35.897,86 euros, a que acresce IVA à taxa legal em vigor, a sentença recorrida padece de erro de direito e se, em consequência, se impõe revogar a sua parte dispositiva e fixar a remuneração variável devida àquele em 287.707,71 euros, a que acresce IVA à taxa legal.
*
III- DA FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Na sentença recorrida a 1ª Instância não deu cumprimento ao disposto no art. 607º, n.ºs 2 e 4 do CPC, posto que não discriminou os factos que julgou provados, nem indicou os que julgou não provados, incorrendo, por isso, no vício da nulidade da sentença por falta absoluta de fundamentação de facto, a que alude a al. b), do n.º 1, do art. 615º do mesmo Código.
Considerando, porém, que nos termos do disposto no art. 662º, n.º 1, cumpre ao tribunal ad quem, fazendo uso dos seus poderes de substituição, suprir esse vício sempre que o processo contenha todos os elementos de prova que, com a necessária segurança, lhe permitam julgar como provado ou não provada a facticidade sobre a qual se verifica erro de julgamento, na vertente de deficiência, o que é o caso dos autos, porquanto a facticidade que releva para apreciar o objeto da presente apelação é toda ela documental, fazendo uso dos poderes previstos naquele n.º 1, do art. 662º do CPC, julga-se provada a seguinte facticidade:

A- Os devedores AA e mulher, BB foram declarados insolventes, por sentença proferida em 27/05/2014, transitada em julgado – cfr. sentença de insolvência proferida nos autos principais.
B- Na sentença que declarou os devedores insolventes nomeou-se como administrador da insolvência CC – cfr. sentença de insolvência proferida nos autos principais.
C- Por despacho proferido em 23/07/2014, ordenou-se o prosseguimento dos autos de insolvência para liquidação e partilha do ativo – cfr. ata da assembleia de credores para apreciação do relatório a que alude o art. 155º do CIRE, de 23/07/2014, junta aos autos principais.
D- Em 17/02/2014, o administrador da insolvência CC procedeu à apreensão para a massa insolvente, entre outros, dos seguintes bens:
“Verba n.º 1
Três milhões quatrocentas e cinquenta ações, da categoria B, com o valor nominal de 5,00 euros cada uma, no capital social da sociedade EMP02..., SGPS, SA (…);
Verba n.º 2
Crédito no valor de 3.430.705,42 euros a pagar pela EMP01..., SGPS, S.A., decorrente da liquidação de dividendos de 3.450.000,00 ações no capital da EMP02..., SGPS, S.A. (…);
  (…)

Verba n.º 11
41 obrigações ao portador da Banco 2..., S.A, “Obrigações Subordinadas Banco 2...”, com o valor nominal de 50.000,00 euros cada uma, perfazendo o valor global de 2.050.000,00 euros, registadas na conta n.º  ...44, no valor global de 2.050.000,00 euros.
Verba n.º 12
50 “OBRIGAÇÕES ... JULHO 2010/2013”, com o valor nominal de 1.000,00 euros cada uma, perfazendo o valor global de 50.000,00 euros, registadas na conta n.º  ...44, no valor de 50.000,00 euros;
Verba n.º 13
200 “OBRIGAÇÕES ... DIA DA POUPANÇA 2010/2013”, com o valor nominal de 1.000,00 euros cada uma, perfazendo o valor global de 200.000,00 euros, registadas na conta n.º ...44, no valor de 200.000,00 euros;
Verba n.º 14
250 “OBRIGAÇÕES ... VALOR NACIONAL 2010/2015”, registadas na conta n.º  ...44, com o valor nominal de 1.000,00 euros cada uma, perfazendo o valor global de 250.000,00 euros.
(…)”– cfr. auto de apreensão junto ao apenso de apreensão de bens (apenso E) em 22/09/2014.
 
E- Em 13/10/2014, EMP01..., SGPS, instaurou ação de impugnação de resolução, sob a forma comum, contra Massa Insolvente de AA e BB, pedindo, a título principal, que: 1) se declarasse válido e eficaz o contrato de compra e venda de ações de 09/09/2021; 2) se declarasse inválida, ilegal e ineficaz a resolução promovida pelo AI, pela sua carta de 17/09/2014; 3) se condenasse a massa insolvente a restituir a situação anterior à ilegal resolução promovida pelo AI; 4) e assim se condenasse a Ré a reconhecer a subsistência do vínculo contratual do contrato referido em 1, com a aquisição das ações pela Autora; subsidiariamente, caso se entendesse válida a resolução contratual: 5) se condenasse a Ré massa insolvente a restituir à Autora a quantia de 5.175.000,00 euros, valor que deverá ser declarado como constituindo dívida das massa insolvente; 6) se reconhecesse o direito da Autora de fazer seus os dividendos que tenha recebido desde 09/09/2011 até 18/09/2014 da sociedade EMP02... – cfr. apenso C.
F- No âmbito dessa ação, a nela Autora e a Ré Massa insolvente, esta representada pelo administrador da insolvência, CC, celebraram a transação que se segue:
“1- A Ré Massa Insolvente representada pelo Administrador da Insolvência reconhece a validade e eficácia do contrato de compra e venda das ações celebrado no dia 09 de setembro de 2011 entre o insolvente AA como vendedor, e a Autor EMP01..., S.A. como compradora, que teve por objeto 3.450.000 (três milhões quatrocentos e cinquenta mil) ações da categoria B, de que aquele era titular na sociedade EMP02..., SGPS, S.A., pelo preço de 15.525.000,00 euros (quinze milhões quinhentos e vinte e cinco mil euros), do qual a compradora pagou a primeira prestação no valor de 5.175.000,00 euros (cinco milhões cento e setenta e cinco mil euros).
2- A Ré Massa Insolvente representada pelo Administrador da Insolvência reconhece que, por força do mesmo contrato, a EMP01..., SGPS, S.A. adquiriu, válida e eficazmente, a título definitivo, a propriedade e titularidade das 3.450.000 (três milhões e quatrocentas e cinquenta mil) ações da categoria B no capital social da sociedade EMP02..., SGPS, S.A. objeto do contrato.
3- A Massa Insolvente representada pelo Administrador da Insolvência, em vista a assegurar a validade e manutenção dos contratos de doação e compra e venda das ações referidas e a ineficácia da resolução contratual por si promovida, obriga-se a não praticar qualquer acordo, dentro e fora do processo, que direta ou indiretamente afete, oponha, prejudique, impugne ou impeça a transmissão a título definitivo das ações para a propriedade e titularidade da compradora EMP01..., SGPS, S.A..
4- A EMP01..., SGPS, SA, perante o reconhecimento da validade e eficácia do contrato de compra e venda de ações a que se alude na cláusula 1ª e, bem assim, da transmissão definitiva da propriedade e titularidade das ações objeto desse contrato e a que se alude na cláusula 2ª, renúncia a todas as condições previstas no mencionado contrato de compra e venda de ações de que depende o pagamento das segunda e terceira prestações.
5- Como contrapartida pelo reconhecimento da validade e eficácia do contrato de compra e venda  de ações a que se alude na cláusula 1ª, e, consequentemente, da transmissão definitiva da propriedade das ações objeto do contrato e a que se alude na cláusula 2ª, a EMP01..., SGPS, S.A. obriga-se a proceder ao pagamento à Ré massa insolvente da quantia de 10.350.000,00 euros (dez milhões trezentos e cinquenta mil euros), correspondente às segunda e terceira prestações do preço indicado na cláusula 1ª.
6- O pagamento da quantia de 10.350.000,00 euros (dez milhões trezentos e cinquenta mil euros) será feito, uma vez transitada em julgado a sentença homologatória desta transação, para a conta da massa insolvente com o IBAN  ...68, do seguinte modo:
a) a quantia que for necessária para o pagamento das custas/encargos da insolvência, no prazo de dez dias a contar da data em que a A. EMP01..., SGPS, S.A. receber a comunicação do Administrador da Insolvência a informar das quantias devidas a esse título;
b) até 20 dias após despacho do juiz a aprovar a proposta de mapa de rateio feita pelo Administrador da Insolvência, a quantia necessária ao pagamento dos créditos da insolvência, de acordo com esse rateio, relativamente aos quais a A. EMP01..., SGPS, não tenha requerido a sua habilitação como cessionária;
c) e o restante, no prazo de trinta dias a contra do trânsito em julgado da(s) sentença(s) que decida(m) habilitação(ões) da A. como cessionária dos créditos a que se alude na alínea seguinte, sem prejuízo do acordado na alínea d) e na cláusula 8ª seguinte;
d) a A. EMP01..., SGPS, S.A., fica com o direito a efetuar a compensação até onde for possível do que tiver a pagar nos termos da alínea anterior com o que tiver direito a receber da massa insolvente, por via da aquisição de créditos reclamados e reconhecidos na insolvência, em conformidade com o rateio parcial e/ou final
7- Para efeitos do disposto nas alíneas c) e d) da cláusula anterior, a A. EMP01..., SGPS, S.A., uma vez transitada em julgada a sentença homologatória da transação, obriga-se até dez dias a contar da comunicação do plano de rateio a fazer pelo Administrador da Insolvência, a requerer aos autos a sua habilitação como cessionária dos créditos a que se alude na cláusula anterior, a fim de os mesmos serem computados no rateio em seu benefício.
8- O Administrador da Insolvência obriga-se no prazo máximo de 30 dias a contar desta transação a iniciar diligências necessárias à venda dos demais bens apreendidos em benefício da massa insolvente, nomeadamente, à venda do quinhão hereditário de que o insolvente AA é titular na herança aberta por óbito do seu pai, AA, mais se obrigando a promover e concluir, de forma diligente e célere, essa venda.
9- (…).
10- Com a celebração da presente transação torna-se inútil o prosseguimento dos autos que correm termos no apenso H, pelo que nos dias posteriores ao trânsito em julgado da respetiva sentença homologatória qualquer uma das partes poderá requerer a sua extinção por inutilidade superveniente da lide.
(…)” – cfr. transação junta ao apenso C, em 20/11/2017.
G- A transação que antecede foi homologada por sentença proferida em 28/11/2017, transitada em julgado – cfr. sentença proferida no apenso C e acórdão desta Relação de Guimarães, proferido em 19/04/2018, que rejeitou o recurso interposto daquela.
H- Por requerimento entrado em Juízo em 12/12/2019, EMP01..., SGPS, S.A., Instituto da Segurança Social, I.P. e Banco 1..., S.A., na qualidade de membros da comissão de credores, requereram a convocação de assembleia de credores, com vista à substituição do administrador da insolvência nomeado pelo tribunal, CC, propondo para o cargo de administrador da insolvência DD, que declarou aceitar o cargo – cfr. requerimento de 12/12/2019, junto aos autos de insolvência.
I- Por despacho de 08/09/2020, decidiu-se não convocar a assembleia de credores face ao surto pandémico e perante a impossibilidade de se realizar a assembleia de credora através de meios de comunicação à distância, devido ao número de eventuais participantes naquela, determinou-se a notificação dos credores para, no prazo de dez dias, manifestarem por escrito o seu sentido de voto quanto àquela questão, com a advertência que, nada dizendo, o correspondente voto seria contabilizado como abstenção – cfr. despacho proferido em 08/09/2020 nos autos de insolvência.
J- Atentos os votos expressos pelos credores, por despacho de 19/10/2020, transitado em julgado, substituiu-se o administrador da insolvência CC por DD – cfr. despacho de 19/10/2020, proferido nos autos de insolvência.
K- O administrador da insolvência cessante, CC, em 05/11/2020, apresentou as contas da liquidação e procedeu “ao cálculo da remuneração variável prevista no art. 23º, n.ºs 2 e 3 da Lei n.º 22/2013, de 26/02”, requerendo que lhe fosse fixada uma remuneração variável de 63.430,90 euros, acrescida de IVA, à taxa legal em vigor, onde apresentou as contas que se seguem:

Processo de Insolvência
Insolvente: AA e outra(s)CONTAS DA MASSA INSOLVENTE - ART.º 62.º CIRE Proc. Insolv. n.º 2898/14.... - Juízo Local Cível de
... – Juiz ...
DESCRIÇÃOVALORN.º DOCNOTAS



RECEITAS DA MASSA INSOLVENTE
Verba 1 - Transação efetuada no Apenso C com a EMP01..., SGPS10 350 000,00 € Valores a serem pagos pela EMP01... nos
termos da transação

Verba 14 - 250 Obrigações "... Valor Nacional 2010/2015" - Penhor da Banco 2...
200 000,00 €  C/ dispensa de depósito do preço
50 000,00 €  C/ depósito do preço
SUB TOTAL10 600 000,00 €



DESPESAS DA MASSA INSOLVENTE
Remuneração fixa do Administrador da insolvência + IVA da remuneração (23%)2 460,00 €27Pago pela conta da MI
Remuneração variável do Administrador da insolvência63 430,90 € Calculada nos termos do n.º 2 do artigo
 23º do DL n.º 52/2019, de 17 de Abril
IVA remuneração variável (23%)14 589,11 €
Despesas suportadas pelo AI450,64 €2 a 19Adiantado € 250,00 pelo IGFEJ - Ver anexo I
Despesas pagas pela massa insolvente31 592,89 €20 a 26Ver anexo II
SUB TOTAL112 523,54 €



RESULTADO (Receitas-Despesas)10 487 476,46 €



Pagamentos a efectuar do produto da massa
Remuneração variável do Administrador da insolvência63 430,90 € Ainda não pago
IVA das remunerações em dívida ao Adm. Insolv.14 589,11 € Ainda não pago
Valor em dívida das despesas suportadas pelo Administrador de insolvência200,64 € Ainda não pago
SUB TOTAL 78 220,65 €


RESULTADO FINAL10 487 476,46 €




Anexo I
Valores Adiantados pelo Administrador da insolvência
Processo de Insolvência
Insolvente: AA e outra(s)
Proc. Insolv. n.º 2898/14.... - Juízo Local Cível ... – Juiz ...            NOTA DE DESPESAS
DATADESCRIÇÃO / DESTINATÁRIODOCNº FLS. /
PERIODOS
CUSTO
UNITÁRIO / €
TOTAL
02/06/2014Cartas registadas c/ AR para insolventes222,80 €5,60 €
05/06/2014Conservatória317,00 €7,00 €
05/06/2014Conservatória417,00 €7,00 €
17/09/2014Cartas registadas c/ AR - Resolução de negócios553,10 €15,50 €
15/10/2014Cartas registadas c/ AR - Resolução de negócios616,20 €6,20 €
17/10/2014Cartas registadas c/ AR - Resolução de negócios7122,90 €34,80 €
17/10/2014Carta registada para credor (art. 129º, n.º 4 do CIRE)842,00 €8,00 €
25/11/2014Notificação judicial avulsa91171,46 €171,46 €
24/11/2014Cartório Notarial de EE10125,68 €25,68 €
28/01/2015Conservatória1117,00 €7,00 €
18/05/2016IMT12110,00 €10,00 €
18/05/2016Conservatória1315,00 €5,00 €
23/11/2016IMT14110,00 €10,00 €
23/11/2016Conservatória1515,00 €5,00 €
12/02/2019Conservatória16110,00 €10,00 €
07/07/2019Taxa de colocação de leilão eletrónico17149,20 €49,20 €
07/08/2019Taxa de colocação de leilão eletrónico18149,20 €49,20 €
30/11/2018Conservatória19124,00 €24,00 €
TOTAL 450,64 €

Anexo II
Valores pagos pela Massa Insolvente
Processo de Insolvência
Insolvente: AA e outra(s)

Proc. Insolv. n.º 2898/14.... - Juízo Local Cível ... – Juiz ...
DATADESCRIÇÃO / DESTINATÁRIODOCNº FLS. /
PERIODOS
CUSTO
UNITÁRIO / €
TOTAL
18/06/2019Despesas bancárias1116,33 €16,33 €
18/06/2019Despesas bancárias116,24 €6,24 €
18/06/2019Provisão inicial de honorários - Proc. 523/16....2012 152,50 €2 152,50 €
18/06/2019Despesas bancárias116,24 €6,24 €
18/06/2019Taxa de justiça - Proc. 523/16....211408,00 €408,00 €
09/07/2019Taxa de justiça - Proc. 523/16....221306,00 €306,00 €
04/02/2020Taxa de justiça - Proc. 523/16....231357,00 €357,00 €
08/05/2020Honorários - Proc. 2898/14.... - Apensos C e H24114 158,95 €14 158,95 €
08/05/2020Despesas bancárias116,24 €6,24 €
08/05/2020Honorários - Proc. 2898/14.... - Apensos C e H25114 158,95 €14 158,95 €
08/07/2020Certidão para instruir o recurso interposto - Proc. 523/16....26110,20 €10,20 €
05/11/2020Despesas bancárias116,24 €6,24 €
TOTAL 31 592,89 €


- cfr. apenso de prestação de contas, requerimento apresentado em 05/11/2020 (apenso T).
L- Por sentença proferida em 01/02/2023, transitada em julgado, julgaram-se “parcialmente válidas as contas apresentadas pelo Exmo. Senhor Administrador da Insolvência, com exceção das verbas referentes às despesas bancárias apresentadas, no que concerne ao montante de 16,33 euros e à inclusão do crédito de 10.350.000,00 euros nas receitas” – cfr. sentença proferida em 01/02/2023 no apenso T.
M- Em sede de fundamentação de direito, lê-se nessa sentença, a propósito do crédito de 10.350.000,00 euros, o seguinte:
O tribunal não acompanha, de todo, o entendimento de que a resolução e da subsequente transação, não decorreu qualquer vantagem para a massa, como se fez plasmar na sentença proferida no apenso U (“E não se argumente que com a resolução houve o ingresso do valor da totalidade das ações, com o que nenhum ganho terá resultado da atuação dos autores, porquanto a resolução, porque passível de impugnação, nenhuma valia teria implicado não fossem as duas ações instauradas contestadas e, no caso da ação tramitada sob o apenso C, com sucesso no que tange à exceção da caducidade. Dir-se-á que a atuação dos autores teve elevadíssimo sucesso, até porque, sem que fossem discutidos os pressupostos da resolução operada, implicou um encaixe, para a massa de valor correspondente a 66,66% do preço da venda resolvida, eliminando, ainda, as condições de pagamento de tal valor (que sequer estava pago, estando apenas paga a quantia correspondente a 33,33% do preço), o que sucedeu sem lapso que terá de ter-se reduzido, se se atender ao facto de ter o processo devolvido à fase de saneamento, podendo antecipar-se delongas decorrentes da tramitação, decisão e recurso da mesma por longos meses. Não pode perder-se de vista que, não tivessem as ações sido contestadas, e teria, com grande probabilidade, a resolução sido revertida, com a consequente obrigação de considerar válido o negócio resolvido, sem qualquer outro encaixe financeiro”), o que melhor se percebe se se atentar na factualidade ali dada como provada e que dá conta da renúncia, pela EMP01..., das condições a que estava condicionado o pagamento de 2/3 do preço acordado. Ainda assim, entende-se dever, efetivamente e porque o valor está inscrito a crédito, ainda que garanta a satisfação dos créditos (que representam uma percentagem muito expressiva dos reconhecidos) detidos precisamente pela EMP01..., naturalmente na proporção que lhe couber em rateio, o que não pode escamotear-se, mas noutra sede, ser eliminada das verbas das receitas a que alude a transação alcançada nos apensos C e H”.
E, mais adiante, lê-se na mesma sentença que o administrador “inscreveu, nas receitas, o crédito, ainda não recebido, de 10.350.000,00 euros, resultante da transação alcançada nos processos que correram termos nos apensos C e H destes autos, sendo que, por o não ter recebido nem administrado, nenhum sentido se vê na inclusão no campo de receitas, ainda que, reafirme-se, se entenda pertinente a consideração em sede de remuneração variável (a ocorrer em momento ulterior)  (destacado e sublinhado nosso) – cfr. cfr. sentença proferida em 01/02/2023 no apenso T.
N- Em 23/07/2021, FF e GG, advogados, instauraram ação de honorários contra Massa Insolvente de AA e BB, pedindo a condenação desta a pagar-lhes a quantia de 131.686,06 euros, acrescida de juros moratórios e compulsórios vencidos desde 07/02/2020 até 31/05/2021, e dos vincendos, até integral pagamento – cfr. petição inicial junta à ação de honorários (apenso U).
O- No âmbito dessa ação os nela Autores e a Ré Massa Insolvente transigiram quanto ao objeto do litígio, obrigando-se a Ré a pagar àqueles a quantia de 109.568,24 euros, com IVA incluído à taxa de 6%, até ao dia 31 de janeiro de 2023 – cfr. transação junta ao apenso U em 16/11/2022.
P- A referida transação foi homologada por sentença proferida em 21/11/2022, transitada em julgado – cfr. sentença de 21/11/2022, proferida no apenso U.
Q- A sentença de verificação e graduação de créditos foi proferida em 12/10/2022, transitou em julgado, e nela foram julgados verificados créditos no montante global de 28.192.272,21 euros, constando essa sentença do seguinte teor, que parcialmente se transcreve, e da seguinte parte dispositiva, que se transcreve na íntegra:
“Para a massa insolvente foram apreendidos os seguintes bens:
Verbas 1 e 2 – Contrapartida, do valor de € 10.350.000,00, pelo reconhecimento da validade e eficácia do contrato de compra e venda de ações, celebrado no dia 9 de setembro de 2011, entre o insolvente AA e a EMP01..., SGPS, SA, como compradora, que teve por objeto 3.450.000 ações da categoria B, de que aquele era titular na EMP02..., SGPS, SA, pessoa coletiva n.º ...86;
Verba 14 – 250 “OBRIGAÇÕES ... VALOR NACIONAL 2010/2015” registadas na conta n.º  ...44, com o valor nominal de € 1.000,00, cada uma; e
Verba 20 – Quinhão hereditário que o insolvente AA tem na herança aberta por óbito de AA (que integra as verbas 1 a 10 discriminadas no auto de apreensão junto com a Ref.ª ...26).
(…).
*
Em face do exposto, julgo verificados os créditos nos precisos termos constantes da lista dos credores reconhecidos apresentada pelo Senhor Administrador da Insolvência, que homologo, proceda-se aos pagamentos pela seguinte ordem e depois de deduzidas as quantias necessárias à satisfação das dívidas da massa:

1- Pelo produto das Verbas 1) e 2)
a) Em primeiro lugar o crédito da EMP01..., SGPS, S.A. a que se alude em 10);
b) Em segundo lugar e pelo remanescente, rateadamente (seja, proporcionalmente ao seu peso do passivo verificado), os créditos comuns, assegurando-se, ademais, os créditos sob condição, nos termos prescritos no artigo 181º do CIRE; e
c) Em terceiro lugar, pelo remanescente, se houver, os créditos subordinados.
2- Pelo Produto da Verba 14)
a) Em primeiro lugar o crédito da EMP01..., SGPS, S.A. a que se alude em 22) e 23);
b) Em segundo lugar e pelo remanescente, rateadamente (seja, proporcionalmente ao seu peso do passivo verificado), os créditos comuns, assegurando-se, ademais, os créditos sob condição, nos termos prescritos no artigo 181º do CIRE; e
c) Em terceiro lugar, pelo remanescente, se houver, os créditos subordinados.
3- Pelo Produto da Verba 20)
a) Em primeiro lugar, rateadamente (seja, proporcionalmente ao seu peso do passivo verificado), os créditos comuns, assegurando-se, ademais, os créditos sob condição, nos termos prescritos no artigo 181º do CIRE; e
b) Em segundo lugar, pelo remanescente, se houver, os créditos subordinados.
*
Sem tributação autónoma” – cfr. sentença de graduação e verificação de créditos proferida em 12/10/2022 no apenso D.
R- As custas prováveis do presente processo de insolvência e seus apensos da responsabilidade da massa insolvente ascendem a 127.954,00 euros – cfr. conta provisória elaborada em 18/04/2003 no apenso K.
*
III- DA FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA     

A- Do regime jurídico aplicável à remuneração variável a arbitrar ao apelante (Administrador da Insolvência removido).
Na sentença recorrida procedeu-se à fixação da remuneração variável devida ao apelante, administrador da insolvência, que foi nomeado para esse cargo na sentença proferida em 27/05/2014, que declarou os devedores AA e mulher, BB em estado de insolvência, e que exerceu essas funções até à notificação da decisão 19/10/2020, data em que, na sequência da deliberação, expressa por escrito, pelos credores, foi destituído do cargo e substituído pelo atual administrador da insolvência, DD.
Tendo o apelante requerido que lhe fosse arbitrada a remuneração variável pelo desempenho do cargo, e tendo apresentado o cálculo da remuneração variável em função do regime legal da Lei n.º 23/2013, que aprovou o Estatuto do Administrador Judicial (doravante EAJ), na redação conferida pela Lei n.º 9/2022, de 11/04, a credora EMP01..., SGPS, opôs-se a esse cálculo, alegando, além do mais, que: 1º - o apelante apresentou contas e procedeu ao cálculo da remuneração variável que lhe é devida, em 05/11/2020, e calculou essa remuneração variável de acordo com o regime jurídico que então se encontrava em vigor, isto é, a Lei n.º 22/2013, de 26/02, antes da revisão operada pela Lei n.º 9/2022, de 11/04, e que, por sentença proferida em 01/02/2023, no apenso de prestação de contas (apenso T), transitada em julgado, foram aprovadas essas contas, com exceção da verba de despesas de 16,33 euros, e da inclusão nas receitas de 10.350.000,00 euros, e foi-lhe também arbitrada a remuneração variável de acordo com aquele regime legal que então se encontrava em vigor, pelo que não pode agora o apelante pretender que a remuneração variável lhe seja fixada de acordo com o regime legal previsto na Lei n.º 22/2013, na redação introduzida pela Lei n.º 9/2022, de 11/04, sob pena de se violar o trânsito em julgado que cobre aquela anterior sentença, além de que este último regime jurídico não pode ser aplicado retroativamente, sob pena de se violar o disposto no art. 12º, n.º 1, do CC; 2º - no cálculo da remuneração variável devida ao apelante não pode ser considerada a quantia de 10.350.000,00 euros, a título de receitas da massa insolvente, porque, por sentença proferida em 01/02/2023, no já identificado apenso de prestação de contas, transitada em julgado, essa verba não foi aprovada, sob pena de se violar o caso julgado que a cobre; e, finalmente, 3º- tendo o apelante sido substituído do cargo de administrador da insolvência, nos termos do art. 24º, n.º 2, do EAJ, o cálculo da remuneração variável que lhe é devida tem de ser reduzida a um quinto.
Quanto à primeira das questões que se acabam de enunciar, no âmbito da sentença recorrida, decidiu-se que: “no tocante à aplicação da lei no tempo, (…), constitui Jurisprudência pacífica dos Tribunais superiores de que a redação dada pela Lei nº 9/2022, de 11 de janeiro, ao art.º 23º do Estatuto do Administrador Judicial, no tocante à forma de cálculo da remuneração variável, é de aplicação imediata nos processos pendentes, pelo que sempre que a fixação da remuneração variável ocorra após a data de entrada em vigor do diploma, deve ser calculada nos termos da nova redação do mesmo (cfr. o Douto Acórdão do TRL de 24/01/2023 (2051/12.3TYLSB-G.L1-1), de 20/09/022 (9849/14.6T8LSB-E.L1-1); TRE de 15/12/2022 (1157/17.7T8OLH-M.E1), todos disponíveis no site »DGSI«)”, pelo que “ o cálculo da remuneração variável do Administrador cessante deve ser feita à luz da lei atualmente em vigor, de acordo com o requerimento que o Administrador destituído remeteu aos autos no apenso T, através do requerimento refª ...55 (05/11/2020). Este segmento da sentença sob sindicância que se acaba de transcrever não foi impugnado pelo apelante, nem por quem quer que fosse, pelo que transitou em julgado.
Acresce dizer que, contrariamente ao alegado pela credora EMP01..., na sentença proferida em 01/02/2023, no apenso T, não foi fixada a remuneração variável devida ao apelante, mas antes, conforme se extrai da mera leitura desta, relegou-se para momento ulterior a apreciação do requerimento apresentado pelo apelante em 05/11/2020, quanto à remuneração variável que lhe é devida, e a fixação dessa remuneração, pelo que, com a prolação da sentença recorrida, que decidiu a questão em análise, no sentido de que a remuneração variável a ser fixada ao apelante se processaria de acordo com o regime legal da Lei n.º 22/2013, de 26/02, na redação introduzida pela Lei n.º 9/2022, de 11/04, não ocorre qualquer violação do caso julgado que cobre aquela anterior sentença de 01/02/2023.
Decorre do que se vem dizendo, que a questão do regime jurídico aplicável à remuneração variável a ser fixada ao apelante não faz parte do objeto do presente recurso, uma vez que essa questão se encontra, em definitivo, resolvida na sentença sob sindicância, que neste conspecto se encontra transitada em julgado, no sentido de que aquela remuneração terá de ser fixada de acordo com o regime da Lei n.º 22/2013, de 26/02, na redação conferida pela Lei n.º 9/2022, de 11/04.
Restam apreciar as duas questões acima identificadas.

B- Do sentido interpretativo a dar à parte dispositiva da sentença proferida no apenso de prestação de contas
A propósito das duas questões acabadas de enunciar escreve-se na sentença sob sindicância que, nos presentes autos, encontra-se em discussão “a quem deve ser imputada a responsabilidade pela alienação das verbas 1) e 2 do auto de apreensão de bens”, dado que “cada um dos Administradores da Insolvência (cessante e atual) reclamam para si a autoria da obtenção das verbas para a massa insolvente”, o que, conforme antedito, corresponde efetivamente à posição assumida nos autos pelos administradores da insolvência (doravante AI), isto é, pelo apelante (AI cessante), que exerceu essas funções desde a data da prolação da sentença declaratória da insolvência dos devedores HH e a notificação do despacho proferido em 19/10/2020, que o removeu do cargo e o substituiu pelo atual AI em funções, DD.
A 1ª Instância considerou que a receita da massa insolvente, no montante de 250.000,00 euros, decorrente da liquidação da verba n.º 14, correspondente a 250 “Obrigações ... Valor Nacional 2010/2015”, as quais os devedores tinham dado em penhor à Banco 2..., para garantia das obrigações para eles emergentes de um contrato de mútuo que com esta tinham celebrado, e cujo crédito emergente desse contrato foi julgado verificado e graduado como garantido na sentença de verificação e graduação de créditos proferida em 12/10/2022, transitada em julgado, no apenso de verificação e graduação de créditos (apenso K), era de imputar exclusivamente à atividade do apelante CC,  AI cessante.
O assim decidido não foi colocado em crise no âmbito do presente recurso, pelo que essa questão não só não faz parte do objeto do presente recurso, como a decisão dessa questão está transitada em julgado, estando, portanto, definitivamente decido  nos autos que a receita de 250.000,00 euros que resultou para a massa insolvente, decorrente da liquidação das identificadas 250 obrigações, é de imputar, única e exclusivamente, aos atos de recuperação (liquidação) que foram levados a cabo pelo apelante no âmbito do presente processo de insolvência.
Todavia, já no que concerne à quantia de 10.350.0000,00 euros, sufragando a posição da credora EMP01..., que é também a que foi, e continua a ser, sustentada nas contra-alegações de recurso pelo Ministério Público, considerou a 1ª Instância que essa quantia não pode ser considerada no cálculo da remuneração variável  devida ao apelante, AI cessante (e, implicitamente, também na remuneração variável do atual AI em funções), isto porque na “sentença que julgou válidas as contas prestadas, proferida no apenso »T« (refª ...72 (01/02/2023) do dito apenso), transitada em julgado, a Mmª Juíza que considerou aprovadas as contas e considerou não ser de aprovar a inclusão do crédito de €10.350.000,00, resultante da transação alcançada nos processos que correram termos sob os apensos »C« e »H« destes autos, sendo que, por o não ter recebido nem administrado”, e concluiu que: “carece absolutamente de fundamento a pretensão manifestada pelo Sr. AI destituído de contemplação das ditas verbas na sua prestação de contas por impossibilidade legal, visto que a sentença que as aprovou determinou expressamente a sua exclusão (refª ...30 (10/08/2023) deste apenso)”.
 Note-se que a exclusão daquela quantia de 10.350.000,00 euros, do cálculo da remuneração variável a arbitrar ao apelante determinada pela 1ª Instância com os fundamentos que se acabam de transcrever, é um dos pontos fulcrais, se não o ponto essencial, a decidir no âmbito do presente recurso, dado que o apelante propugnou, e continua a propugnar, que essa quantia tem de ser considerada para efeitos de cálculo da remuneração variável que lhe é devida, isto porque foi o mesmo que, “enquanto administrador cessante, procedeu à apreensão, liquidação e venda” dos bens de que resultou aquela receita para a massa insolvente e, antecipe-se desde já, com parcial razão.
É um facto que, conforme se ponderou e decidiu na sentença sob sindicância, na sentença proferida em 01/02/2023, transitada e julgado, no apenso de prestação de contas (apenso T), aprovaram-se as contas apresentadas pelo apelante, enquanto AI cessante, à exceção da verba de 16,33 euros inscrita pelo mesmo enquanto “despesa” e da quantia de 10.350.000,00 euros, inscrita como “receita” da massa insolvente nas contas que apresentou.
Acontece que, apesar de ser isto que expressamente se escreve na parte dispositiva daquela sentença, transitada em julgado, proferida em 01 de fevereiro de 2023, a circunstância de nela se escrever que não se aprova a receita de 10.350.000,00 euros, inscrita, a título de receitas da massa insolvente, pelo apelante nas contas que apresentou e, consequentemente, se ter ordenado a eliminação dessas contas da dita verba de “receitas”, salvo o devido respeito por entendimento contrário, a exclusão dessa verba de “receita” que aí se determinou, não tem o alcance, ou seja, o sentido interpretativo que vem assacado na sentença sob sindicância à parte dispositiva da identificada sentença.
Com efeito, na sentença sob sindicância o tribunal a quo limitou-se a fazer uma interpretação meramente literal da parte dispositiva da sentença proferida em 01/02/2023, desgarrada dos fundamentos fácticos e jurídicos que se encontram nela explanados e que servem de fundamento ou de alicerce ao decidido na sua parte dispositiva, quando a doutrina e a jurisprudência são unânimes no sentido de que a interpretação da parte dispositiva de uma sentença, acórdão ou despacho tem de ser efetuada por referência aos pressupostos fácticos e jurídicos que lhe servem de fundamento, ou seja, de pressuposto.
Neste sentido, já Alberto dos Reis, defensor da conceção clássica ou tradicional do instituto do caso julgado, tese esta que atualmente é rejeitada pela jurisprudência nacional maioritária, que adere à tese eclética do caso julgado, defendia que o caso julgado não se limita “às questões sobre as quais houve decisão expressa. Não se esqueça que a decisão é uma declaração como todas as outras, na qual há que subentender, por força lógica, muitas coisas que não foram ditas explicitamente. Se a solução duma questão supõe, como prius lógico, a solução de outra, esta está contida implicitamente, na decisão (caso julgado implícito). Devem, pois, considerar-se implicitamente resolvidas todas as questões, cuja solução é logicamente necessária para chegar à solução expressa na decisão. Se, por exemplo, o juiz se pronuncia sobre a resolução dum contrato, implicitamente afirma a validade dele; não será admissível, por isso, que declarada a resolução, se proponha depois ação a pedir que o contrato seja anulado”. E concretiza: “Quais sejam as questões que a sentença resolveu, há-de deduzir-se da parte dispositiva”, advertindo que “esta máxima tem de aplicar-se com grande cautela, porque é toda a sentença, e não apenas de uma parte dela, que há-de extrair-se o verdadeiro conteúdo e objeto do julgado; importa, por isso, tomar também em consideração os motivos, a parte justificativa da decisão, da qual poderá emergir, ou uma restrição, ou uma ampliação do dispositivo, quer porque dela resulte que determinadas questões não foram resolvidas nem explícita nem implicitamente, apesar de estar redigido em termos amplos a parte dispositiva, quer porque, ao contrário, ela mostre que foram consideradas e decididas questões não compreendidas no dispositivo”[2].
No mesmo sentido pronunciam-se Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, também defensores da mesma conceção restritiva e tradicional do caso julgado, obtemperando que a eficácia do caso julgado, “(…) apenas cobre a decisão contida na parte final da sentença, ou seja, a resposta injuntiva do tribunal à pretensão do autor ou do réu, concretizada no pedido ou na reconvenção e limitada através da respetiva causa de pedir. (…). Embora se aceite que a eficácia do caso julgado não se estende aos motivos da decisão, é ponto assente na doutrina que os fundamentos da sentença podem e devem ser utilizados para fixar o sentido e alcance da decisão contida na parte final da sentença, coberta pelo caso julgado”[3].
Em suma, é entendimento absolutamente pacífico na doutrina e na jurisprudência que o dictat autoritário constante da parte dispositiva de uma sentença, acórdão ou despacho tem de ser interpretado à luz dos fundamentos de facto e de direito que o tribunal nela explanou como prius fáctico-jurídico lógico para chegar à decisão explanada nessa parte dispositiva. É a partir da interpretação do decidido na parte dispositiva à luz dos fundamentos fáctico-jurídicos que o tribunal aduziu para suportar essa decisão que se alcança o sentido e alcance interpretativo a dar ao decidido nessa parte dispositiva, podendo esse sentido interpretativo ter um alcance mais restrito do que resulta da mera leitura e interpretação literal do decidido na parte dispositiva, ou um sentido mais amplo do que resulta dessa mera interpretação literal do nela decidido.
Ora, lida a parte dispositiva da sentença proferida em 01/02/2023, transitada em julgado, no apenso de prestação de contas apresentadas pelo apelante, enquanto AI cessante (apenso T), verifica-se que nela o tribunal, na sua parte dispositiva, não aprovou a inscrição nas contas apresentadas pelo apelante, a título de AI cessante, da quantia de 10.350.000,00 euros, a título de receitas da massa insolvente e ordenou a exclusão dessa quantia daquelas contas, enquanto receitas da massa insolvente, ponderando nos seguintes fundamentos fáctico-jurídicos:
O tribunal não acompanha, de todo, o entendimento de que a resolução e da subsequente transação, não decorreu qualquer vantagem para a massa, como se fez plasmar na sentença proferida no apenso U (“E não se argumente que com a resolução houve o ingresso do valor da totalidade das ações, com o que nenhum ganho terá resultado da atuação dos autores, porquanto a resolução, porque passível de impugnação, nenhuma valia teria implicado não fossem as duas ações instauradas contestadas e, no caso da ação tramitada sob o apenso C, com sucesso no que tange à exceção da caducidade. Dir-se-á que a atuação dos autores teve elevadíssimo sucesso, até porque, sem que fossem discutidos os pressupostos da resolução operada, implicou um encaixe, para a massa de valor correspondente a 66,66% do preço da venda resolvida, eliminando, ainda, as condições de pagamento de tal valor (que sequer estava pago, estando apenas paga a quantia correspondente a 33,33% do preço), o que sucedeu sem lapso que terá de ter-se reduzido, se se atender ao facto de ter o processo devolvido à fase de saneamento, podendo antecipar-se delongas decorrentes da tramitação, decisão e recurso da mesma por longos meses. Não pode perder-se de vista que, não tivessem as ações sido contestadas, e teria, com grande probabilidade, a resolução sido revertida, com a consequente obrigação de considerar válido o negócio resolvido, sem qualquer outro encaixe financeiro”), o que melhor se percebe se se atentar na factualidade ali dada como provada e que dá conta da renúncia, pela EMP01..., das condições a que estava condicionado o pagamento de 2/3 do preço acordado. Ainda assim, entende-se dever, efetivamente e porque o valor está inscrito a crédito, ainda que garanta a satisfação dos créditos (que representam uma percentagem muito expressiva dos reconhecidos) detidos precisamente pela EMP01..., naturalmente na proporção que lhe couber em rateio, o que não pode escamotear-se, mas noutra sede, ser eliminada das verbas das receitas a que alude a transação alcançada nos apensos C e H”.
E, mais adiante, lê-se na mesma sentença que o administrador “inscreveu, nas receitas, o crédito, ainda não recebido, de 10.350.000,00 euros, resultante da transação alcançada nos processos que correram termos nos apensos C e H destes autos, sendo que, por o não ter recebido nem administrado, nenhum sentido se vê na inclusão no campo de receitas, ainda que, reafirme-se, se entenda pertinente a consideração em sede de remuneração variável (a ocorrer em momento ulterior)”.
Como resulta linearmente se extrai da simples leitura dessa fundamentação de facto e de direito que se acaba de transcrever, naquela sentença o tribunal rejeitou  que a quantia de 10.350.000,00 euros que o apelante inscreveu nas contas que apresentou, a título de receitas da massa insolvente, mas não porque essa quantia não consubstancie uma efetiva receita ou vantagem para a massa insolvente, ou que essa vantagem não tenha resultado da atividade desenvolvida pelo apelante, enquanto AI cessante, mas antes pelo contrário, é expresso em escrever que não fora a atividade daquele, enquanto AI, essa receita da massa insolvente não teria sido obtida.
Contudo, apesar de ter concluído que a dita quantia de 10.350.000,00 euros de receita obtida para a massa insolvente se deve à atividade desenvolvida pelo apelante,  durante o período de tempo em que desenvolveu as funções de administrador da insolvência no âmbito de presente processo de insolvência, concluiu  não existir fundamento legal para que tivesse inscrito nas contas que apresentou a mencionada quantia como receita da massa insolvente uma vez que esta “não foi recebida nem administrada” por aquele, uma vez que, por via da transação celebrada, tal quantia que a EMP01... se obrigou a pagar à massa insolvente, “garante a satisfação dos créditos” detidos pela própria EMP01... sobre a insolvência numa “percentagem muito expressiva dos reconhecidos” àquela.
Ou seja, o fundamento jurídico que o julgador avocou na sentença para nela ter determinado a exclusão da quantia de 10.350.000,00 euros  inscrita pelo apelante nas contas da administração que exerceu sobre a massa insolvente, enquanto AI cessante, como receita da massa, não teve por fundamento a circunstância de se ter considerado que a referida quantia não constituía uma efetiva vantagem ou receita para a massa insolvente, ou que essa receita da massa não resultasse da efetiva atividade desenvolvida pelo apelante, enquanto AI, na recuperação de produto para dar satisfação aos débitos da massa insolvente e, subsidiariamente, aos débitos da própria insolvência que foram julgados verificados e graduados na sentença de verificação e graduação de créditos, proferida em 12/10/2022, então já transitada em julgado, mas sim e expressamente na consideração que, atento o objeto da ação de prestação de contas, em que o AI apenas deve inscrever, como receitas, os proveitos que obteve em consequência da efetiva liquidação e da administração dos bens que integram a massa insolvente, atenta a consideração que apelante, nunca deteve nem administrou a apontada quantia de 10.350.000,00 euros,  face ao teor da transação celebrada e homologa por sentença transitada em julgado, em que se verifica que essa quantia continuou em poder da EMP01....
Em suma, o fundamento dessa exclusão determinada na sentença de aprovação das contas apresentadas pelo apelante da quantia de 10.350.000,00 euros da rubrica “receitas da massa insolvente”, reside no facto desta ter permanecido na posse da credora EMP01..., que ficou autorizada a compensar naquela os créditos que foram reconhecidos à própria credora EMP01..., na sentença de verificação e graduação de créditos, proferida em 12/20/2022, transitada em julgado, no apenso U, e “que representam uma percentagem muito expressiva dos” créditos reconhecidos naquela aos credores da insolvência, apenas estando a EMP01... obrigada a depositar nos presentes autos de insolvência as quantias necessárias ao pagamento das dívidas da massa insolvente, da qual fazem parte, nos termos do art. 51º, n.º 1 do CIRE, entre outras, as custas do processo de insolvência, as remunerações do administrador da insolvência e as despesas deste e dos membros da comissão de credores (als. a) e b), do n.º1, do art. 51º), assim como as quantias necessárias ao pagamento dos créditos sobre a insolvência reconhecidos na sentença de verificação e graduação de créditos, já transitada em julgado, proferida no apenso T, que, de acordo com a graduação nela efetuada, gozassem de preferência no pagamento em relação aos créditos que nela foram reconhecidos e graduados à própria credora EMP01...  e, finalmente, o remanescente, pelo que o apelante, na qualidade de AI, nunca  recebeu nem administrou a identificada quantia de 10.350.000,00 euros.
E sendo este o fundamento da exclusão da identificada quantia daquelas contas, evidentemente que, contrariamente ao decidido na sentença sob sindicância, dessa exclusão não se segue que a referida quantia de 10.350.000,00 euros não deva ser considerada em sede de cálculo da remuneração variável devida ao apelante, enquanto AI removido pela assembleia de credores.
De resto, embora o expendido na sentença proferida no apenso de prestação de contas que vimos analisando não vincule o tribunal a quo nem o ad quem quanto aos fatores a serem considerados no cálculo da remuneração variável a ser fixada ao apelante, enquanto AI cessante, uma vez que nela o tribunal não se pronunciou sobre a remuneração devida ao mesmo, mas apenas quanto às contas da administração da massa insolvente que efetuou durante o período temporal em que exerceu as funções de AI, relegando a apreciação e a fixação da retribuição variável que lhe é devida como contrapartida dessas funções para momento posterior, pelo que o caso julgado que cobre essa sentença apenas abrange o decidido quanto às contas prestadas pelo apelante relativamente ao período temporal em que, enquanto AI, administrou a massa insolvente, verifica-se que nela, antecipando a que seria a sua posição quanto à remuneração variável a ser fixada ao último, escreveu-se que a quantia de 10.350.000,00 euros tinha de ser considerada na retribuição variável a ser-lhe fixada, dado tratar-se de um efetivo proveito ou receita da massa insolvente, que resultou da atividade desenvolvida pelo mesmo, durante o período de tempo em que exerceu as funções de AI no âmbito do presente processo de insolvência.
Neste sentido escreve-se na sentença que, apesar da identificada quantia de 10.350.000,00 euros não dever ser inscrita, no âmbito de prestação de contas, enquanto receita da administração desenvolvida pelo apelante da massa insolvente, por aquele “não ter recebido nem administrado” a mesma, entende-se ser “pertinente a (sua) consideração em sede de remuneração variável (a ocorrer em momento ulterior)”.
Posto isto, fixado que está o sentido interpretativo a dar à parte dispositiva da sentença proferida em 01/03/2023, transitada em julgado, proferida no apenso de prestação de contas, e que o sentido interpretativo a assacar a essa parte dispositiva, quando nela se ordenou a exclusão da quantia de 10.350.000,00 euros, enquanto receita da massa insolvente, das contas apresentadas pelo apelante da administração da massa insolvente que exerceu enquanto AI, contrariamente ao decidido pela 1ª Instância na sentença sob sindicância, essa exclusão não tem o sentido nem o alcance interpretativo de que essa quantia não constitua um efetivo proveito ou receita para a massa insolvente e que esse proveito não resulte da atividade efetivamente desenvolvida no âmbito do presente processo de insolvência pelo apelante enquanto AI, não impedindo, portanto, que assim se venha a decidir, pelo que, urge indagar quais os fatores que devem presidir à fixação da remuneração variável a ser arbitrada ao AI.

C- Remuneração do administrador da insolvência.
Na sentença declaratória da insolvência, cumpre ao juiz nomear o administrador da insolvência de entre entidade inscrita na lista oficial de administradores da insolvência, com indicação do seu domicílio profissional (arts.  31º, n.º 1, 36º, n.º 1, al. d) e 52º, n.º 1 do CIRE, a que se reportam todas as disposições legais que se passam a enunciar, sem menção em contrário), devendo o juiz ter em conta as indicações que sejam feitas pelo próprio devedor ou pela comissão de credores, quando exista, ou pelos credores quanto à entidade a nomear para esse cargo (art. 52º, n.º 2).
Uma vez nomeado o administrador da insolvência pelo juiz, os credores, reunidos em assembleia de credores, sob condição de que previamente à votação se junte aos autos a aceitação da pessoa proposta para desempenhar o cargo de AI, podem eleger outra pessoa, inscrita ou não na lista oficial, e prover sobre a remuneração respetiva, por deliberação que obtenha a aprovação dos votantes e dos votos emitidos, não sendo consideradas as abstenções (n.º 1, do art. 53º).
Os credores reunidos em assembleia de credores apenas podem indicar entidade para exercer o cargo de AI que não conste da lista oficial de administradores de insolvência em casos devidamente justificados pela especial dimensão da empresa compreendida na massa insolvente, pela especificidade do ramo de atividade da mesma ou pela complexidade do processo (n.º 2 do art. 53º).
No caso em que a assembleia de credores nomeie AI em substituição de AI antes nomeado pelo juiz, este apenas pode deixar de nomear como AI a pessoa eleita pelos credores se considerar que a entidade indicada não tem idoneidade ou aptidão para o exercício do cargo, que é manifestamente excessiva a retribuição aprovada pelos credores ou, quando tratando-se de pessoa não inscrita na lista oficial, não se verificar nenhuma das circunstâncias previstas no n.º 2, do art. 53º (n.º 3 do art. 53º).
O administrador da insolvência assume funções imediatamente depois de notificado da sua nomeação (art. 54º).
As funções do AI são numerosas, variando segundo a evolução do processo de insolvência, encontrando-se essas funções elencadas em termos meramente exemplificativos no art. 55º.
O administrador da insolvência tem direito a ser remunerado como contrapartida das suas funções e a ser reembolsado das despesas que razoavelmente tenha considerado úteis e indispensáveis (n.º 1, do art. 60º).
Quando o administrador da insolvência seja nomeado pela assembleia de credores, a sua remuneração é fixada pela própria assembleia que o nomeia na própria deliberação de nomeação (n.º 2, do art. 60º).
Já tratando-se de AI nomeado pelo juiz, nos termos do n.º 1, do art. 60º, aquele tem direito a ser remunerado de acordo com a remuneração prevista no seu estatuto. 
No caso dos autos, o apelante foi nomeado AI pelo juiz, na sentença proferida em 27/05/2014, transitada em julgado, que declarou os devedores AA e mulher, BB, insolventes, e exerceu essas funções no âmbito dos presentes autos até à notificação do despacho de 19/10/2020, que procedeu à sua substituição, na sequência da deliberação dos credores que aprovou a sua remoção do cargo e o substituiu por DD.
Daí que, enquanto a remuneração do atual AI, DD, seja aquela que  foi fixada na deliberação em que a assembleia de credores procedeu à sua nomeação, em substituição do apelante (art. 60º, n.º 1), já a remuneração devida ao último, durante o período de tempo em que exerceu funções de AI no âmbito do presente processo de insolvência, tem de ser fixada pelo juiz de acordo com o  regime jurídico previsto no Estatuto do Administrador Judicial (EAJ), aprovado pela Lei n.º 22/2013, de 26/02, na redação introduzida pela Lei n.º 9/2022, de 11/04, conforme supra já se deixou enunciado.
Nos termos do art. 22º do EAJ, o administrador judicial tem direito a ser  remunerado pelo exercício das funções que lhe são cometidas, bem como ao reembolso das despesas necessárias ao cumprimento das mesmas, no que este dispositivo legal reproduz basicamente o comando legal constante do art. 60º, n.º 1 do CIRE.

Estabelece o art. 23º do EAJ:
“1- O administrador judicial provisório em processo especial de revitalização ou em processo especial para acordo de pagamento ou o administrador da insolvência em processo de insolvência nomeado por iniciativa do juiz tem direito a ser remunerado pelos atos praticados, sendo o valor da remuneração fixa de 2.000 euros.
2- (…).
3- (…).
4- Os administradores judiciais recebem ainda uma remuneração variável em função do resultado da recuperação do devedor ou da liquidação da massa, cujo valor é calculado nos termos seguintes:
a) 10/0rct da situação líquida, calculada após a homologação do plano de recuperação do devedor, nos termos do n.º 5;
b) 5/prct do resultado da liquidação, nos termos do n.º 6.
5- Para efeitos do disposto no número anterior, em processo especial de revitalização, em processo especial para acordo de pagamento ou em processo de insolvência em que seja aprovado um plano de recuperação, considera-se resultado da recuperação o valor determinado com base no montante dos créditos a satisfazer aos credores integrados no plano.
6- Para efeitos do n.º 4, considera-se resultado da liquidação o montante apurado para a massa insolvente, depois de deduzidos os montantes necessários ao pagamento das dívidas dessa mesma massa, com exceção da remuneração referida no n.º 1 e das custas de processos judiciais pendentes na data de declaração da insolvência.
7- O valor alcançado por aplicação das regras referidas nos números 5 e 6 é majorado, em função do grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos, em 5/prct do montante dos créditos satisfeitos, sendo o respetivo valor pago previamente à satisfação daqueles.
7- Se, por aplicação do disposto nos n.ºs anteriores relativamente a processos em que haja liquidação da massa insolvente, a remuneração exceder o montante de 50.000,00 euros por processo, o juiz pode determinar que a remuneração devida para além desse montante seja inferior à resultante dos critérios legais, tendo em conta, designadamente, os serviços prestados, os resultados obtidos do processo, a diligência empregue pelo administrador judicial no exercício das suas funções.
10- A remuneração calculada nos termos da alínea b) do n.º 4 não pode ser superior a 100.000 euros.
11- No caso de o administrador judicial cessar as funções antes do encerramento do processo, a remuneração variável é calculada proporcionalmente ao resultado da liquidação naquela data”.

Por sua vez, o art. 24º do EAJ, que tem por epígrafe: “Remuneração do administrador da insolvência nomeado ou substituído pela assembleia de credores”, dispõe-se no seu n.º 2 que:

“O administrador da insolvência nomeado pelo juiz, nos termos do n.º 1 do artigo 53º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, tem direito a receber, para além da remuneração determinada em função dos atos praticados, remuneração variável, em função do resultado da recuperação do devedor, ou do produto percebido pela massa insolvente fruto das diligências por si efetuadas, proporcionalmente ao montante total apurado para satisfação de créditos recuperados, sendo o valor assim calculado reduzido a um quinto”.
Decorre dos dispositivos legais que se acabam de transcrever que, no caso de administrador judicial que tenha sido nomeado pelo juiz, como é o caso do aqui apelante, a lei atribui-lhe o direito a receber uma remuneração, que é integrada por uma componente fixa, prevista no n.º 1, do art 23º do EAJ, que ascende a 2.000,00 euros, e que é paga em duas prestações; e por uma componente variável, a qual se decompõe em duas subcomponentes: a) a subcomponente prevista nos n.ºs 4, 5, 6 e 10 daquele art. 23º; e b) a subcomponente majoração prevista no n.º 7 do art. 23º.
Cingindo-nos à remuneração variável devida ao AI, dado que é sobre esta que versam os autos, tendo o apelante sido nomeado administrador da insolvência em processo de insolvência em que se procedeu à liquidação da massa insolvente (insolvência liquidatária), a remuneração variável que lhe é devida, no que respeita à subcomponente do n.º 4 daquele art. 23º do EAJ, é calculada de acordo com o regime legal previsto nos n.º 4, 6 e 10 do art. 23º, enquanto a subcomponente majoração é determinada de acordo com o regime legal enunciado no n.º 7, do art. 23º.
Acresce que, tendo o apelante sido substituído pela assembleia de credores, das funções de AI, em 19/10/2020, da  conjugação do n.º 10, do art. 23º, com o disposto no n.º 1, do art. 24º, ambos do EAJ, resulta que, na fixação da remuneração variável pelos atos de liquidação por ele realizados até à sua remoção das funções de AI, impõe-se distinguir duas situações: 1ª) situação em que à data em que foi removido das funções de AI o apelante já tinha integralmente realizado todos os atos de liquidação, de modo que, por via dos atos de liquidação já executados, tinha percebido para a massa insolvente quantia pecuniária destinada a pagar as dívidas da massa e, subsidiariamente, as da insolvência;  e 2ª) atos de liquidação apenas iniciados pelo AI quando foi removido do cargo (v.g., procedeu à apreensão dos bens integrantes da massa insolvente, mas carecendo aqueles de serem vendidos, ainda não procedera à sua venda). Quanto à primeira situação, o AI removido tem direito a receber integralmente a remuneração variável em ambas as suas subcomponentes acima enunciadas e a serem calculadas de acordo com o regime também já referido (o regime constante dos n.ºs 4, 6 e 10 do art. 23º, quanto à subcomponente do n.º 4, do art. 23º; e o regime constante do seu n.º 7, quanto à subcomponente majoração). Quanto à segunda situação, em que o AI apenas tinha executado alguns atos de liquidação quando foi removido, mas faltavam-lhe executar outros, por forma a obter quantia pecuniária para a massa, este tem direito a receber a remuneração variável em ambas as suas subcomponentes atrás enunciadas e de acordo com o regime de cálculo fixado para cada uma delas tendo em consideração o produto total que venha a ser obtido para a massa insolvente decorrentes de atos de liquidação por ele já realizados aquando da substituição, mas cuja liquidação ainda não estava concluída, reduzida a um quinto (20%) – art. 24º, n.º 2 do EAJ.
Neste sentido obtempera-se no acórdão da Relação do Porto, de 20/09/2011, que: “pressuposto essencial, implícito no próprio conceito de remuneração, sem o qual, crê-se, ao administrador da insolvência não é lícito reclamá-la: que o montante apurado para a massa insolvente corresponda ao produto da venda de bens por si apreendidos ou que, de todo o modo, tenha sido determinado em função de atos por ele praticados”. E adianta-se: “ exemplo claro da preocupação do legislador em estabelecer uma relação causal entre a atividade do administrador da insolvência e o montante apurado para a massa insolvente que serve de base de cálculo à remuneração variável é a norma do n.º 2 do art.º 21.º da Lei n.º 32/2004: “O administrador da insolvência nomeado pelo juiz, que for substituído pelos credores, nos termos do n.º 1 do artigo 53.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, tem direito a receber, para além da remuneração determinada em função dos atos praticados, o valor resultante da aplicação da tabela referida no n.º 2 do artigo anterior, na proporção que o produto da venda de bens por si apreendidos, ou outros montantes por si apurados para a massa, representem no montante total apurado para a massa insolvente, reduzido a um quinto[4].
Note-se, aliás, que outra interpretação dos preceitos em causa, ao recusar-se o pagamento ao AI substituído pela assembleia de credores da remuneração variável integral que o art. 23º, n.º 4, 5, 6 e 7 do EAJ lhe reconhece, quanto aos atos de liquidação já por ele integralmente realizados, de modo que já tinha obtido, através dessa sua atividade, a quantia pecuniária necessária ao pagamento das dívidas da massa insolvente e, a título secundário, dos créditos da insolvência (reconhecidos e graduados na sentença de graduação de créditos, transitada em julgado, já proferida, ou que viesse a  ser proferida), ou reduzindo-se essa remuneração variável a um quinto, seria ilegal e iníqua, na medida em que tendo o AI substituído cumprido com todos os atos de liquidação, não se lhe atribuiria a remuneração variável que lhe é devida como contrapartida dessa sua atividade. Assim, como seria iníquo estar a satisfazer-lhe uma remuneração variável integral pelos atos de liquidação por ele realizados aquando da sua remoção, mas cuja liquidação ainda não estava integralmente concluída, ou não lhe atribuir qualquer remuneração variável por esses atos de liquidação parcialmente já realizados aquando da sua remoção das funções de AI, apesar de parte desses atos de liquidação terem sido por ele efetivamente realizados. É precisamente para esta última hipótese, em que o AI, aquando da sua substituição pela assembleia de credores por outro administrador, tenha já realizado parte dos atos de liquidação, que ainda não tinha concluído quando foi removido das funções de AI, que vale o comando do n.º 2, do art. 24º do EAJ.
Assentes nas premissas que se acabam de enunciar, impõe-se determinar qual o resultado da recuperação que o apelante tinha já obtido por via dos atos de liquidação que tinha realizado quando foi substituído, em 19/10/2020, das funções de insolvência.
Na sentença sob sindicância considerou-se que a quantia recuperada de 250.000,00 euros decorrente da liquidação da verba n.º 14 do auto de apreensão – relativa a 250 “Obrigações ... Valor Nacional 2020/2015”, que foram apreendidas pelo apelante para a massa insolvente -, é resultado, único e exclusivo, dos atos de liquidação que aquele já tinha realizados no presente processo de insolvência quando foi removido das funções de AI. E, conforme antedito, o assim decidido não foi colocado em crise pelo apelante, pelo que se encontra transitado em julgado.
Resta, pois, verificar se a quantia de 10.350.000,00 euros recuperada para a massa insolvente, por via da transação celebrada no âmbito da ação de impugnação da resolução, intentada pela EMP01..., SGPS, S.A. contra a massa insolvente, impugnando a resolução do negócio de compra a venda celebrado entre esta e o devedor AA, mediante o qual este vendeu àquela três milhões quatrocentos e cinquenta ação da categoria B, com o valor nominal de 5,00 euros cada uma, no capital social da sociedade EMP02..., SGPS, S.A., pelo preço de 15.525.000,00 euros, a ser paga em três prestações, operada pelo aqui apelante, enquanto AI, por carta de 17/09/2014, é de imputar, única e exclusivamente, a atos de liquidação que o apelante já tinha executado quando foi removido, em 19/10/2020, das funções de AI, hipótese essa em que a remuneração variável que  lhe é devida terá de ser calculada tendo por referência a quantia de 10.350.000,00 euros recuperada para a massa insolvente, por via da transação que o mesmo, enquanto AI e, por isso, representante da massa insolvente, celebrou com a aí demandante EMP01... naquela ação, homologada por sentença proferida em  28/11/2017, transitada em julgado, ou se, quando foi removido das funções de AI a apontada quantia de 10.350.000,00 euros ainda não se encontrava recuperada para a massa insolvente, hipótese essa em que a remuneração variável que lhe é devida terá de obedecer aos critérios fixados no n.º 2, do art. 24º do EAJ.
A fase da liquidação “destina-se à conversão do património que integra a massa insolvente numa quantia pecuniária a distribuir pelos credores, havendo, para isso, que proceder à cobrança dos créditos e à venda dos bens da massa insolvente, por forma a obter os respetivos valores (arts. 55º, n.º 1, al. a), e 158º do CIRE)”[5].
A liquidação do ativo é um meio para alcançar a satisfação dos credores e não se traduz apenas na alienação de bens integrantes da massa insolvente, podendo, inclusivamente, haver liquidação do ativo em processo de insolvência sem que neles tenha lugar qualquer venda de bens, como será o caso em que a massa insolvente seja apenas integrada por créditos da massa sobre terceiros e/ou por quantias monetárias apreendidas para a massa[6].
Na verdade, o conceito de liquidação adotado pelo CIRE é um conceito amplo, nele estando englobados todos os atos praticados pelo AI e que lhe permitam obter quantias pecuniárias para a massa insolvente e que, portanto,  se destinam  a ser distribuídas, em primeira linha  pelos credores da massa  insolvente e, secundariamente, pelos credores da insolvência, cujos créditos sejam julgados verificados na sentença de verificação e de graduação de créditos, transitada em julgado, e de acordo com a graduação nela efetuada,  independentemente da fonte dessas quantias e da natureza dos atos que o AI pratique para alcançar esses proveitos monetários para a massa.
Neste sentido, lê-se no art. 56º, n.º 1, al. a) do CIRE que ao AI cumpre “preparar o pagamento das dívidas do insolvente à custa das quantias em dinheiro existentes na massa insolvente, designadamente das quantias que constituem produto da alienação, que lhe incumbe promover, dos bens que a integram” em que, consequentemente, o próprio legislador é expresso em estatuir que a alienação/venda dos bens que integram a massa insolvente é apenas um dos tipos de atos de liquidação a serem realizados pelo AI com o desiderato de obter quantias em dinheiro para liquidar as dívidas da massa insolvente e dos débitos da insolvência, e que a massa insolvente pode integrar quantias em dinheiro.
Estão, portanto, integradas no conceito de liquidação, a liquidação em sentido estrito, consubstanciada na apreensão e venda de bens que integram a massa insolvente, a fim de converter aqueles numa quantia pecuniária a distribuir pelos credores da massa insolvente e da insolvência, mas ainda a apreensão e cobrança pelo AI de quantias monetárias para a massa relativamente a créditos de que os devedores sejam credores perante terceiros, ou que os devedores tenham depositado em contas bancárias, ou que se encontrem depositadas à ordem de processos executivos, ou, como acontece nos autos, transações que o AI, em representação da massa, autorizado pela assembleia de credores, celebre com terceiros que demandaram a massa insolvente (caso da EMP01...) ou que esta demandou e que permitam obter receitas para a massa e assim ampliar as quantias pecuniárias que permita a esta satisfazer os interesses dos credores da insolvência, ou seja, as dívidas da própria massa insolvente e, subsidiariamente, os créditos da insolvência que venham a ser julgados verificados e graduados na sentença de verificação e graduação de créditos, transitada em julgado, já proferida ou a proferir.
Daí que, salvo o devido respeito por opinião contrária, como logo adiantou o julgador na sentença de aprovação das contas, a transação que foi celebrada pelo apelante, em representação da massa insolvente, com a EMP01... (no âmbito da ação de impugnação da resolução instaurada por esta contra a massa insolvente, a que se reporta a facticidade provada nas alíneas E, F e G), que permitiu àquele obter para a massa insolvente a quantia de 10.350.000,00 euros, embora não deva ser computada, em sede de ação de prestação de contas, apreciadas no âmbito dessa sentença, como receita resultante da sua administração da massa, uma vez que, atentas as particularidades da transação celebrada (já acima explanadas), o apelante nunca chegou a ter em seu poder essa quantia e, por isso, nunca chegou a administrá-la, constitui  efetivamente um proveito para a massa insolvente.
É que, não fora a circunstância do apelante, enquanto AI, então em funções, ter resolvido o contrato de compra e venda, mediante o qual o devedor AA vendeu três milhões quatrocentas e cinquenta ações, da categoria B, com o valor nominal de 5,00 euros cada uma, no capital da sociedade – EMP03..., SGPS, S.A., à sociedade EMP01..., SGPS, pelo preço de 15.525.000,00 euros, a ser paga em três prestações – pelo que essas ações, na data da declaração da insolvência daquele devedor, não integravam já o património deste, mas antes o da EMP01... – e de, na sequência dessa resolução do identificado contrato de compra e venda operado pelo apelante, ter apreendido essas ações a favor da massa insolvente (cfr. alíneas D, E e F da facticidade provada); de ter contestado a ação que a EMP01... intentou contra a massa insolvente impugnando aquela resolução do contrato de compra e venda das ditas ações; de ter celebrado, nessa ação de impugnação da resolução, a transação constante da alínea F dos factos provados, em que a EMP01..., que teria probabilidade de obter vencimento de causa, se obrigou a pagar à massa insolvente a quantia de 10.350.000,00 euros, correspondente à segunda e terceira prestações do preço de venda daquelas ações efetuada pelo devedor AA à EMP01..., em que esta renunciou às condições acordadas com o devedor para proceder ao pagamento dessas duas prestações que então permaneciam por liquidar, jamais a massa insolvente teria obtido aquela quantia de 10.350.000,00 euros de proveito a fim de satisfazer os débitos da própria massa e, a título secundário, os da insolvência, mas antes  não teria obtido proveito algum.
Daí que, configurando aquela quantia de 10.350.000,00 euros um proveito ou produto da massa insolvente, tendo esse proveito decorrido  da circunstância do apelante, na qualidade de AI, então em funções, ter resolvido o contrato de compra e venda celebrado entre devedor e EMP01...; ter procedido à apreensão das ações objeto dessa compra e venda resolvida a favor da massa; ter contestado a ação de impugnação da resolução do contrato de compra e venda instaurada pela EMP01... contra a massa insolvente; e ter nela celebrado a transação judicial já referida, homologada por sentença transitada em julgado, em que a EMP01... se obrigou a pagar à massa insolvente a dita quantia de 10.350.000,00 euros, todos esses atos que foram realizados pelo apelante, no âmbito dos poderes de representação que lhe estavam conferidos enquanto AI, não podem deixar de ser considerados atos de liquidação, posto que foi graças aos mesmos que a massa insolvente obteve o identificado proveito, que ascende à quantia de 10.350.000,00 euros.
Esse proveito da massa insolvente é de imputar, única e exclusivamente, aos atos de liquidação realizados pelo apelante antes de ser destituído das funções de AI pela assembleia de credores.
Na verdade, a identificada quantia de 10.350.000,00 euros que ingressou no património da massa insolvente apenas não foi entregue ao apelante e administrada pelo último, enquanto administrador da insolvência, por via do clausulado no ponto 6 da transação celebrada, em que, sendo a EMP01... credora da massa insolvente de créditos substanciais que iriam ser reconhecidos e graduados como preferenciais, na sentença de graduação de créditos que iria ser proferida nos autos de insolvência, onde esta acabou por ser prolatada em 12/1/2022 (cfr. alínea Q dos factos provados), optou-se por, em vez da EMP01... entregar essa quantia ao AI, a mesma permanecer em poder daquela, que ficou autorizada a compensar-se pelos créditos que lhe viessem a ser reconhecidos na sentença de verificação e graduação de créditos a ser proferida e de acordo com a graduação que aí viesse a ser efetuada, sem prejuízo da EMP01... pagar os débitos da massa insolvente por conta daquela quantia de 10.350.000,00 euros e, bem assim, os créditos detidos por terceiros sobre a insolvência que viessem a ser  julgados verificados e graduados naquela sentença com preferência no pagamento sobre os que nela fossem reconhecidos à própria EMP01...,  e depositar a quantia remanescente  à ordem do processo de insolvência e que não fossem necessários para liquidar as dívidas da massa, os créditos preferenciais que viessem a ser reconhecidos a terceiros e à própria EMP01..., poupando-se, pois, por esta via, trabalhos e prejuízos desnecessários ao AI e à própria EMP01..., posto que se,  na sequência daquela transação, a EMP01... tivesse entregue ao AI a mencionada quantia de 10.350.000,00 euros, esta teria, em grande medida, de ser posteriormente devolvida à EMP01..., na sequência da sentença de verificação e de graduação de créditos que iria ser proferida nos autos.
De resto, cumpre salientar que a situação que se verifica nos autos em relação à quantia de 10.350.000,00 euros de proveitos para a massa insolvente em consequência dos atos de liquidação levados a cabo pelo apelante enquanto AI, em nada difere da situação relativa à quantia de 250.000,00 euros de proveitos que o mesmo AI alcançou para a massa insolvente, com a liquidação das 250 “Obrigações ... Valor Nacional 2010/2015”, a que se reporta a verba n.º 14 do auto de apreensão, posto que, estando essas ações dadas em penhor pelo devedor AA à Banco 2..., para garantia das obrigações que para ele emergiam de um contrato de mútuo celebrado com esta, tendo a ... reclamado o crédito emergente desse contrato de mútuo sobre o devedor no âmbito do presente processo de insolvência, onde viu esse crédito ser julgado verificado e graduado como garantido na sentença de verificação de créditos que nele veio a ser proferida, aquela quantia de 250.000,00 euros também não chegou a ser entregue ao apelante (AI), apesar de, na sentença recorrida, se ter considerado  a mesma como receita da massa obtida pelo último em consequência dos atos de liquidação que realizou e dela ter sido considerada no cálculo da remuneração variável que lhe é devida, sentença essa que, neste conspecto, transitou em julgado.
Resulta do que se vem dizendo que, para a fixação da remuneração variável devida ao apelante, se terá de considerar como “montante apurado para a massa insolvente” por via dos atos de liquidação que o mesmo executou no âmbito do processo de insolvência, enquanto AI, até ser destituído desse cargo pela assembleia de credores, não só a quantia de 250.000,00 euros (considerada na sentença sob sindicância), mas também a quantia de 10.350.000,00 euros (nela indevidamente desconsiderada).

C.1- Da componente da remuneração variável do AI, prevista no art. 23º, n.ºs 4, 6 e 10 do EAJ
A componente da retribuição variável devida ao apelante enquanto AI, a que se reporta o n.º 4 do art. 23º do EAJ, é determinada tendo em conta o “montante apurado para a massa insolvente” por via dos atos de liquidação por ele realizados, ou seja, a quantia de 10.600.000,00 euros (10.350.000,00 euros + 250.000,00 euros), deduzidos os montantes necessários ao pagamento das dívidas dessa massa (com exceção da remuneração fixa que lhe  foi paga e das custas de processos judiciais pendentes na data de declaração da insolvência – n.º 6, do art 23º do EAJ), multiplicado por 5% (al. b), do n.º 4, do art. 23º), não podendo esta componente da retribuição variável exceder  a quantia de 100.000,00 euros.
No caso dos autos, por sentença proferida em 01/02/2023, no apenso de prestação de contas (apenso T), transitada em julgado, foram aprovadas as seguintes despesas: 450,64 euros, constantes do anexo I, e 31.592,89 euros, constantes do anexo II, com exceção da despesa bancária de 16,33 euros (cfr. alíneas K e L da facticidade provada), o que perfaz uma despesa global de 32.027,20 euros (31.592,89 euros + 450,64 euros – 16,33 euros).
A esta despesa global acresce a despesa de 109.568,24 euros, em honorários pagos pela massa aos mandatários judiciais, por via dos serviços que lhe prestaram no âmbito do presente processo de insolvência (cfr. alíneas N, O e P da facticidade provada).
Daí que para obter aquele proveito para a massa de 10.600.000,00 euros foram realizadas despesas que ascendem à quantia global de 141.595,44 euros (109.568,24 euros + 32.027,20 euros).
Subtraído ao proveito de 10.600.000,00 euros a despesa de 141.595,44 euros, obtém-se o proveito líquido para a massa insolvente de 10.458.504,56 euros.
Ascendendo a componente da remuneração variável devida ao apelante que estamos a analisar a 5% do proveito líquido, ou seja, da quantia de 10.458.504,56 euros, alcança-se o valor de retribuição variável de 522.925,00 euros (10.458.504,56 euros x 5%).
Como esta componente da remuneração variável devida ao apelante, enquanto AI, nos termos do disposto no n.º 10, do art. 23º do EAJ, não pode exceder cem mil euros, a mencionada componente da remuneração variável que lhe é devida perfaz a quantia de 100.000,00 euros, a que acresce IVA.

C.2- Da componente da remuneração variável majoração.
Nos termos do n.º 7, do art. 23º do EAJ, “o valor alcançado por aplicação das regras referidas nos n.ºs 5 e 6 é majorado, em função do grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos, em 5% do montante dos créditos satisfeitos, sendo o respetivo valor pago previamente à satisfação daquele”.
Esta norma não tem sido interpretada e aplicada pela jurisprudência nacional de modo uniforme.
 Acontece que, atento ao elemento literal da norma em causa, em que se manda aplicar a majoração nela prevista de 5% ao “montante dos créditos satisfeitos”; ao elemento histórico daquela, em que se verifica que a expressão “em função do grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos” constante da dita norma, não surgiu ex novo com a reforma introduzida ao EAJ pela Lei n.º 9/2022, mas essa expressão já constava da Lei n.º 32/2004, pelo que o legislador com aquela Lei n.º 9/2022, não abandonou o critério normativo correspondente à dita expressão que já vinha da identificada Lei n.º 32/2004 (que aprovou o antigo estatuto do Administrador da Insolvência), que remetia para a Portaria n.º 51/2005, de 20/01, onde se estabelecia uma lista de correspondência entre as percentagem dos créditos reclamados que foram satisfeitos e o respetivo fator de majoração, deixando apenas na atual Lei de se remeter para qualquer portaria, passando a regular ela própria o modo de cálculo da  majoração, fixando-a em 5%; e  atento o elemento teleológico dessa mesma norma, em que se verifica que na dita Lei n.º 9/2022, o legislador pretendeu favorecer o administrador, alterando a percentagem de majoração para 5%, em vez dos valores mais reduzidos que constavam da anterior Portaria n.º 51/2005, de 20 de janeiro, é de entender que o cálculo da  subcomponente majoração da remuneração variável devida ao administrador da insolvência processa-se nos mesmos moldes que antes se processava no domínio de vigência da Lei n.º 32/004 e da Portaria n.º 51/2006, ou seja, tendo em consideração o grau de satisfação  dos créditos que foram reconhecidos na sentença de verificação e graduação de créditos, transitada em julgado, que o produto dos atos de liquidação realizados pelo administrador da insolvência permitiu obter (produto líquido), mas aplicando-se a taxa de majoração de 5% que agora se encontra  fixada no n.º 7, do art. 23º do EAJ, tudo conforme se encontra melhor desenvolvido e detalhado no acórdão proferido pelo STJ, de 18/04/2023[7].
Destarte, para se calcular a subcomponente majoração da remuneração variável devida ao AI, terá de se considerar o valor disponível para pagamento dos débitos da massa insolvência e (subsidiariamente) dos créditos da própria insolvência (julgados verificados e graduados na sentença de verificação e graduação de créditos, transitada em julgado), isto é, o produto líquido da receita por ele obtida para a massa, em consequência dos atos de liquidação que realizou.
Esse valor disponível para pagar aqueles débitos corresponde ao valor da liquidação da massa deduzido de todas as despesas que foram (ou terão de ser) despendidas pela massa para obter esse valor de liquidação, agora sem a exceção prevista no n.º 6, do art. 23º do EAJ, mas antes considerando-se todas as dívidas da massa insolvente enunciadas no n.º 1 do art. 52º do CIRE, nomeadamente, as custas do processo de insolvência, as remunerações do administrador da insolvência e as despesas por este efetuadas, que terão, portanto, de ser deduzidas ao valor de liquidação obtido pelo apelante para a massa insolvente.
Depois determina-se a percentagem dos créditos reconhecidos na sentença de verificação e graduação de créditos, transitada em julgado, que obterão satisfação mediante a utilização daquele produto (líquido) obtido pelo administrador.
Esse grau ou percentagem de satisfação alcança-se dividindo o valor total dos créditos julgados verificados na sentença de verificação e graduação de créditos, transitada em julgado, proferida nos autos, pelo montante disponível para pagamento desses créditos (o valor da liquidação obtido pelo apelante, já descontadas todas as despesas da massa para o obter).
A remuneração variável devida ao AI, na vertente majoração, corresponde ao valor disponível para pagamento dos débitos da massa insolvência e,  a título subsidiário, dos créditos da insolvência multiplicado pelo grau de satisfação e pela percentagem de majoração de 5%[8].
Aplicando as premissas que se acabam de enunciar ao caso dos autos, conforme anteriormente se deixou enunciado e demonstrado, o valor da receita apurada pelo apelante para a massa insolvente, por via dos atos de liquidação que realizou até à sua remoção e substituição das funções de AI ascende à quantia de global de 10.600.00,00 euros.
Para apurar o valor líquido dessa receita obtida pelo apelante por via dos atos de liquidação que realizou enquanto AI, ou seja, a receita por ele obtida que ficará efetivamente disponível para satisfazer as dívidas da massa e, secundariamente, as da insolvência, terá de se subtrair a essa quantia de 10.600.000,00 euros as despesas já acima identificadas e analisadas, no montante global de 141.595,44 euros, a que acrescem, nos termos do disposto no art. 51º, n.º 1 do CIRE, as custas do processo de insolvência, no montante de 127.954,00 euros (cfr. alínea R da facticidade provada), as remunerações do AI (2.460,00 euros, já recebidos pelo apelante a título de remuneração fixa – cfr. alínea K da facticidade provada -, e a quantia de 100.000,00 euros, a título de remuneração variável, na subcomponente dos n.ºs 4, 6 e 10º do art. 23º do EAJ,  que antes se lhe fixou), o que perfaz uma quantia global de despesas de 372.009,44 euros (141.595,44 euros + 127.954,00 euros + 2.460,00 euros + 100.000,00 euros).
Deduzido à receita bruta obtida pelo apelante para a massa insolvente por via dos atos de liquidação que realizou (10.600.000,00 euros) as despesas (372.009,44 euros), obtém-se como valor disponível (líquido) para a satisfação dos débitos da massa insolvente e, subsidiariamente, da insolvência, a quantia de 10.227.990,56 euros.
O montante global dos créditos julgados verificados e graduados na sentença de graduação e verificação de créditos, transitada em julgado, proferida nos autos ascende a 28.192.272,21 euros (cfr. alínea Q da facticidade provada), o que significa que o valor disponível (líquido) obtido pelo apelante, de 10.227.990,56 euros, permite satisfazer num grau de 36,27% os créditos julgados verificados e graduados no âmbito da presente insolvência.
Assim, a remuneração variável devida ao apelante, na componente majoração, corresponde à quantia de 185.484,60 (10.227.990,56 euros x 36,27% x 5%)
Somada a remuneração variável devida ao apelante relativa à subcomponente dos n.ºs 4, 6 e 10º do art. 23º do EAJ, no montante de 100.000,00 euros, à subcomponente majoração, do n.º 7 do mesmo art. 23º, no montante de 185.484,60 euros, perfaz uma remuneração variável global devida ao apelante pelos atos de liquidação que realizou no âmbito da presente insolvência até à sua remoção das funções de AI, que ascende à quantia de 285.484,60 euros, a que acresce IVA à taxa legal.
Acontece que, nos termos do disposto no n.º 8 do art. 23º do EAJ, sempre que por aplicação dos critérios legais a remuneração variável devida ao AI exceda a quantia de 50.000,00 euros, o juiz pode determinar que a remuneração devida para além desse montante seja inferior à resultante dos critérios legais, tendo em conta, designadamente, os serviços prestados, os resultados obtidos, a complexidade do processo e a diligência empregue pelo administrador judicial no exercício das suas funções.
Neste âmbito, dir-se-á que o apelante exerceu as funções de AI desde a notificação da sentença declaratória da insolvência, proferida em 27/05/2014, até à notificação do despacho de 19/10/2020, que o removeu dessas funções, por via da deliberação da assembleia de credores que assim deliberou, tendo, pois, exercido as funções de AI no âmbito dos presentes autos de insolvência durante mais de seis anos.
Decorreram mais de três anos desde que o apelante foi removido das funções de administrador, sem que ainda lhe tivesse sido arbitrada a remuneração variável que lhe é devida e sem que nenhuma remuneração lhe tivesse sido paga, com exceção da vertente fixa, que ascende à escassa quantia de 2.460,00 euros, com IVA já incluído.
As funções de AI, além de implicarem conhecimentos técnicos aprofundados e especializados e de demandarem a assunção de consideráveis responsabilidades por parte do administrador, implicam que tenha de criar uma logística, em termos de meios humanos e de equipamento, nomeadamente, informáticos, que o habilitem a exercer as funções inerentes ao cargo de administrador da insolvência, cujos custos são necessariamente consideráveis e que, na sua grande maioria, têm de ser pagos mensalmente (caso de salários de trabalhadores e rendas).
Acresce que o AI, apesar de ter de suportar aqueles custos, não tem um rendimento certo mensal, o que tudo carece de ser ponderado e sopesado na remuneração variável a ser-lhe arbitrada.
O apelante desempenhou as funções de AI no âmbito dos presentes autos de insolvência com  considerável grau de diligência e de sucesso, posto que, conforme já antes amplamente enunciado e demonstrado, não fora a sua pronta intervenção, resolvendo o contrato de compra e venda celebrado entre o devedor e a EMP01... e apreendendo a favor da massa as ações objeto desse contrato e, posteriormente, contestando a ação de impugnação de resolução daquele contrato de compra e venda instaurada pela EMP01... contra a massa insolvente e nela celebrando a transação judicial já antes referida, que permitiu à massa insolvente um encaixe de uma receita bruta de 10.600.000,00 euros,  essa receita não teria sido obtida para a massa, que antes nenhum encaixe financeiro teria obtido.
O presente processo de insolvência e seus apensos, denotam um certo grau de complexidade, mas essa complexidade não se revela significativa.
Apesar da prontidão e da eficácia dos atos nele praticados pelo apelante, enquanto AI, verifica-se que os atos de apreensão para a massa insolvente que o mesmo teve de realizar não se mostram num número significativo, nem demandaram que tivesse de efetuar aturadas diligências para localizar os bens integrantes da massa insolvente, a fim de apreendê-los para a massa, nem sequer teve de proceder à venda de bens.
Acresce que, no êxito alcançado pelo apelante na recuperação para a massa da quantia de 10.600.000,00 euros, o apelante foi assessorado por advogados, a quem a massa insolvente teve de pagar, a título de honorários, a quantia de 109.568,24 euros (cfr. alíneas N, O e P dos factos provados).
Assim, tudo ponderado e sopesado, nos termos do disposto no art. 23º, n.º 8 do EAJ, entende-se ser de reduzir a remuneração variável devida ao apelante para a quantia de 170.000,00 euros, a que acresce IVA à taxa legal.
Resulta do que se vem dizendo, proceder parcialmente a presente apelação e, em consequência, impõe-se revogar a sentença recorrida e fixar a remuneração variável devida ao apelante em 170.000,00 (cento e setenta mil) euros, a que acresce IVA à taxa legal.
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Sumário (elaborado pelo relator – art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil).

1- Em insolvência liquidatária o administrador da insolvência nomeado pelo juiz tem direito a receber uma remuneração, que se decompõe numa parte fixa, que ascende a dois mil euros e é paga em duas prestações; e uma parte variável, que é integrada por duas subcomponentes: a) a subcomponente regulada nos nºs 4, 6 e 10 do art. 23º do EAJ; e b) a subcomponente majoração, regulada no n.º 7 daquele art. 23º
2- No caso do administrador da insolvência nomeado pelo juiz ser substituído pela assembleia de credores, para efeitos de cálculo da remuneração variável devida ao administrador cessante, impõe-se distinguir: a) situações em que o administrador cessante realizou integralmente todos os atos de liquidação, de modo que, por via desses atos, obteve produto para a massa, isto é, quantia pecuniária destinada a liquidar as dívidas da massa e, secundariamente, as da insolvência, em que lhe assiste o direito a receber a remuneração variável em ambas as suas subcomponentes, de acordo com as regras de cálculo previstas para cada uma delas (as identificadas nas normas jurídicas referidas em 1), tendo em consideração o produto/receita que obteve para a massa por via desses atos de liquidação integralmente realizados; e b) situações em que o administrador cessante realizou apenas parcialmente os atos de liquidação (v.g. procedeu à apreensão de móveis e/ou imóveis que integram a massa insolvente, mas ainda não tinha procedido à respetiva venda), em que o administrador da insolvência cessante tem direito a receber a indemnização variável em ambas as suas subcomponentes, de acordo com as regras de cálculo previstas para cada uma delas, tomando em consideração a totalidade do produto/receita que venha a ser obtido para a massa insolvente por via da liquidação desses bens, reduzindo-se essas duas subcomponentes da remuneração variável devida ao administrador cessante a um quinto.
3- O conceito de liquidação adotado pelo CIRE é amplo, estando nele englobados todos os atos praticados pelo administrador da insolvência que lhe permitam obter quantia pecuniária para a massa insolvente com vista à liquidação das dívidas da massa e, secundariamente, as da insolvência, independentemente da fonte e origem dessas quantias pecuniárias, quer estas resultem da venda de móveis, imóveis e/ou direitos que tenham sido apreendidos para a massa, quer se trate de quantias monetárias por ele diretamente apreendidas para a massa (v.g. saldo de contas bancárias e quantias depositadas à ordem de processos), quer se trate de quantias pecuniárias que recebeu em consequência de uma transação judicial que celebrou em representação da massa insolvente.
4- A retribuição variável devida ao administrador da insolvência, na subcomponente majoração, é calculada tendo em conta o grau (percentagem) de satisfação dos créditos reconhecidos na sentença de verificação e graduação de créditos, transitada em julgado, que o produto (líquido) obtido pelo administrador para a massa permite satisfazer.
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IV- Decisão

Nesta conformidade, os Juízes Desembargadores da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães acordam em julgar a presente apelação parcialmente procedente e, em consequência, revogam a parte dispositiva da sentença recorrida que fixou a remuneração variável ao apelante e, em sua substituição, fixam a remuneração variável devida ao apelante em 170.000,00 (cento e setenta mil) euros, a que acresce IVA à taxa legal.
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Custas da apelação pelo apelante e pela massa insolvente na proporção do respetivo decaimento, que se fixa em 40% para o apelante e em 60% para a massa insolvente (arts. 527º, n.ºs 1 e 2 do CPC e 304º do CIRE).
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Notifique.
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Guimarães, 07 de dezembro de 2023

José Alberto Moreira Dias – Relator
Lígia Paula Venade – 1ª Adjunta
Rosália Cunha – 2ª Adjunta.



[1] Ferreira de Almeida, “Direito Processual Civil”. Vol. II, 2015, Almedina, págs. 395 e 396.
[2] Alberto dos Reis, “Código de Processo Civil Anotado”, Coimbra Editora, vol. V, págs. 64 e 65.
[3] Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, “Manual de Processo Civil”, 2ª ed., Coimbra Editora, 1985, págs. 714 e 715.
[4] Ac. R.P., de 20/09/2011, Proc. n.º 153/06.4TBSTS-E.P1
[5] Maria do Rosário Epifânio, “Manual de Direito da Insolvência”, 7ª ed., Almedina, pág. 314.
[6] Alexandre de Soveral Marins, “Um Curso de Direito da Insolvência”, vol. I, 4ª ed, Almedina, págs. 449.
Ac. RC., de 01/12/2015, Proc. 2456/09.7TBACB-F.C1, onde se expende: “O administrador da insolvência tem direito a remuneração variável prevista no art. 23º do Estatuto do Administrador Judicial, sempre que declarada a insolvência do devedor, se proceda à liquidação do património do insolvente para posterior pagamento aos credores. Para fixação do seu montante ter-se-á em conta “o montante apurado para a massa insolvente”, nele se abrangendo o valor total dos bens da massa insolvente, quer consista no produto de bens apreendidos para a massa insolvente e vendidos no processo de insolvência, quer resulta da apreensão direta de quantias monetárias (saldos de contas bancárias ou produto de bens vendidos em execução anterior”.
AC. RL., de 28/01/2020, Proc. 3626/13.9TBVFX-E.L1-1, em que se lê: “Do teor do art. 23º do Estatuto do Administrador Judicial (aprovado pela Lei n.º 22/2013, de 26/02,) …, resulta manifesto que o legislador pretendeu a atribuição e a determinação da remuneração variável num quantum matemático por recurso e aplicação de critérios objetivos legalmente previstos, definindo para o efeito quer o resultado da recuperação, quer o conceito de resultado da liquidação, que correspondem à base de cálculo ou ao critério de referência para determinação da remuneração variável devida quer ao Administrador Judicial Provisório (nomeado em PER ou em PEAP), quer ao Administrador da Insolvência. Traduz esta a opção do legislador do Código de Insolvência e Recuperação de Empresas que, nesta como em outras matérias, se demarcou do regime de casuística judicial praticado na vigência do Código dos Processos Especais de Recuperação da Empresa e de Falência (aprovado pelo DL. n.º 13293, de 23 de abril e revogado pelo DL n.º 53/2004, de 18/03, que aprovou o Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas). Nos termos do art. 23º, n.º 4 do Estatuto do AJ, a atribuição e determinação da componente variável da remuneração do Administrador da Insolvência liquidatária passou a depender e depende, única, exclusivamente e em primeira linha, da fixação do resultado da liquidação, que o legislador definiu como diferença entre o montante apurado para a massa insolvente e os montantes necessários ao pagamento das dívidas dessa mesma massa (com exceção da remuneração do Administrador da Insolvência e das custas dos processos judiciais pendentes na data da declaração de insolvência a que se reporta o art. 140º, n.º 3 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas. Por recurso às contas da liquidação, prestadas e aprovadas, os fatores da equação prevista pelo art. 23º, n.º 4 correspondem ao montante das obtidas pelo Administrador da Insolvência para a massa insolvente, quaisquer que elas sejam e qualquer que seja a respetiva origem, e ao montante das dívidas da massa. A lei não distingue a origem das receitas e, como é apodítico dizer-se, onde o legislador não distingue, não pode o julgador distinguir. Do que se conclui pela irrelevância jurídica da distinção entre dinheiro proveniente de vendas realizadas e cumpridas pelo Administrador da Insolvência no âmbito do processo, e dinheiro por este diretamente apreendido para a massa insolvente – como sucede com os saldos de depósitos bancários, produto da venda realizada em execução, ou quantias devidas reembolsar à insolvente – distinção que sequer encontra suporte no conceito de liquidação, para com fundamento no mesmo, justificar a imputação à atividade do Administrador da Insolvência apenas o produto obtido com as vendas por este realizadas, ou para excluir da sua diligência e apreensão de quantias monetárias. Com a amplitude pressuposta no CIRE, a liquidação tanto corresponde a procedimentos integrado por multiplicidade de atos, que surge refletida na descrição das funções que ao Administrador da Insolvência são legalmente deferidas e que a esta cabe exercer, desde logo pelo art. 55º, n.º 1, al. a) do CIRE, como a liquidação do ativo em sentido estrito do termo, de venda de direitos ou de bens móveis ou imóveis”.
[7] Acs., STJ., de 18/04/2023, proc. 3947/08.2TJCBR-AY.C1.S1; de 02/11/2023, Proc. 476/12.3TYLSB-K.L1.S1; R.G., de 25/05/2023, Proc. 601/22.6T8VRL-A.G1; RP., de 10/10/2023, Proc. 1259/20.2T8AMT-P.P1; de 11/10/2022, Proc. 2631/20.3T8AOAZ.E.P1; RL., de 20/09/2022, Proc. 9849/14.6T8LSB.E.L1-1; RC., de 28/09/2022, Proc. 2495/20.7T8ACB.C1; RE., de 29/09/2022, Proc. 260/14.OTBTVR.E1; de 20/03/2023, Proc. 1456/15.4T8OLH.L.E1
[8] Ac., STJ. de 02/11/2023, Proc. 476/12.3TYLSB-K.L1.S1, onde o percurso aritmético a seguir para alcançar a retribuição variável devida ao AI, na componente majoração, está claramente explanado.