Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1134/22.6T8FAF-A.G1
Relator: PAULA RIBAS
Descritores: EXCEÇÃO DE CASO JULGADO
AUTORIDADE DE CASO JULGADO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 02/01/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO DOS RÉUS IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
1 - Tendo o Tribunal de 1.ª Instância entendido que o conhecimento da exceção dilatória de caso julgado “consome” o conhecimento da exceção de autoridade de caso julgado, julgando procedente a primeira apenas quanto a um dos pedidos formulados, tem de considerar-se que julgou improcedente a exceção de autoridade de caso julgado que foi invocada em relação a todos os pedidos formulados.
2 - Não existe autoridade de caso julgado quando, na primeira ação, se discutiu se determinada parcela de terreno integrava imóvel pertencente à autora, concluindo-se que não e, nesta segunda ação, o que está em causa é o reconhecimento de direito de servidão de passagem de que se arroga a autora ser titular, sobre aquela mesma parcela, sendo prédio dominante imóvel diferente daquele que estava em causa na primeira ação, também pertencente à autora.
Decisão Texto Integral:
Relator: Paula Ribas
1ª Adjunta: Sandra Melo
2ª Adjunta: Margarida Alexandra de Meira Pinto Gomes

Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães

I – Relatório:

AA intentou ação sob a forma comum contra BB e CC, peticionando:
a) que fosse declarado e reconhecido o seu direito de propriedade sobre o prédio identificado na petição inicial inscrito na matriz predial sob o art.º ...13 e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º ...87.
b) que fosse declarado e reconhecido o direito de servidão de passagem a favor do referido prédio da autora, a onerar ou o prédio da autora ou dos réus, consoante seja definido em ação própria;
c) serem os réus condenados a reconhecer o direito da autora referido nas alíneas anteriores;
d) serem os réus condenados a repor o caminho no estado em que se encontrava antes da sua destruição, reconstruindo o muro divisório que ali se encontrava;
e) serem os réus condenados a abster-se da prática de quaisquer atos que atentem contra os direitos da autora.

Devidamente citados, vieram os réus contestar excecionando:

1 – a ineptidão da petição inicial, considerando que os pedidos formulados são incompatíveis entre si;
2 – a exceção dilatória de caso julgado, considerando o que foi decidido no processo 861/20....;
3 – a autoridade de caso julgado resultante da decisão que ali foi proferida.

Foi proferido despacho saneador que, sobre as exceções invocadas, decidiu:
Da ineptidão e do caso julgado
Na sua contestação, os réus invocam, além do mais, as exceções de nulidade do processo por ineptidão da PI e a exceção de caso julgado.
As duas exceções invocadas pelos réus têm que ser analisadas em conjunto.
Com efeito, os réus invocam a exceção de nulidade do processo, por ineptidão, e a exceção de caso julgado.
Nos termos do art. 186º n.ºs 1 e 2, do NCPC, o processo é nulo quando seja inepta a petição inicial, designadamente quando falte ou seja ininteligível a indicação do pedido ou da causa de pedir; quando o pedido esteja em contradição com a causa de pedir; quando se cumulem causas de pedir ou pedidos substancialmente incompatíveis.
Trata-se de uma exceção dilatória, de conhecimento oficioso e conducente à absolvição da instância da parte contrária, de acordo com os art. 576º, n.º 2, 577º, al. b) e 578º do NCPC.
Os réus alegam que existe um a cumulação de pedidos incompatíveis.
Alegam que na alínea b) do pedido diz a A. o seguinte: “ser declarado e reconhecido o direito de servidão de passagem a favor do referido prédio da Autora, identificado nos artigos 1º e 2º da p.i., a onerar ou o prédio da Autora ou dos Réus, consoante seja definido em ação própria”.
E, de facto, existe uma cumulação ilegal, mas apenas aparente, pois essa cumulação não pode ser efetuada, por se verificar a exceção do caso julgado.
Vejamos.
Do caso julgado
O caso julgado é uma exceção dilatória que pressupõe a repetição de uma causa depois de uma causa anterior ter sido decidida por sentença que já não admite recurso ordinário (art. 580º, n.º 1 do NCPC).
O caso julgado assegura a confiança nas decisões dos tribunais, evitando que sejam proferidas decisões contraditórias por diferentes tribunais. Com efeito, o caso julgado produz dois efeitos: um efeito impeditivo, traduzido na exceção de caso julgado, e um efeito vinculativo, com expressão na autoridade do caso julgado.
A exceção de caso julgado visa obstar à repetição de decisões sobre as mesmas questões e impede que os tribunais possam ser chamados não só a contrariar uma decisão anterior, com a repetirem essa decisão.

O art. 581º do NCPC elenca os requisitos do caso julgado. Segundo esta norma:
“1 - Repete-se a causa quando se propõe uma ação idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir.
2 - Há identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica.
3 - Há identidade de pedido quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico.
4 - Há identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas ações procede do mesmo facto jurídico. Nas ações reais a causa de pedir é o facto jurídico de que deriva o direito real; nas ações constitutivas e de anulação é o facto concreto ou a nulidade específica que se invoca para obter o efeito pretendido”.
Desta norma decorre que a repetição da causa ocorre quando é proposta uma ação idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir, sendo essa tripla identidade crucial para a verificação da exceção.

A identidade de sujeitos não supõe a mera identidade física ou nominal, verificando-se ainda quando as partes sejam as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica, ou seja, não apenas aquelas que intervieram formalmente no processo, mas ainda, designadamente, aquelas que assumira, mortis causa, ou inter vivos, a posição jurídica de quem foi parte na causa depois de a sentença ter sido proferida e transitada em julgado.
A identidade dos pedidos afere-se pela circunstância de em ambas as ações se pretender obter o mesmo efeito jurídico, não sendo exigível uma adequação integral das pretensões.
No que respeita à identidade das causas de pedir, a mesma verifica-se quando as pretensões deduzidas nas ações derivem do mesmo facto jurídico, analisado à luz da substanciação consagrada no n.º 4 do art. 581º do NCPC.
Além da exceção do caso julgado, importa também ter em conta a autoridade do caso julgado, a qual garante a vinculação dos tribunais e dos particulares a uma decisão anterior, impondo que aqueles tribunais e estes particulares acatem essa decisão. A autoridade do caso julgado importa a aceitação de uma decisão proferida em ação anterior, que se insere, quanto ao seu objeto, no objeto da segunda, visando obstar a que a relação ou situação jurídica material definida por uma sentença possa ser validamente definida de modo diverso por outra sentença, não sendo exigível a coexistência da tríplice identidade prevista no art. 581º do NCPC.
Importa analisar o caso concreto.
Com efeito, estes autos e a ação n.º 861/20.... foram instauradas pela aqui autora contra os aqui réus.
Na ação n.º 861/20...., foi decidido “Declarar a existência do direito de propriedade da Autora sobre o prédio rústico denominado de “...”, situado em Fiéis de Deus, descrito na CRP ... com o n.º ...06, e inscrito na matriz predial com o n.º ...66, não abrangendo tal declaração o reconhecimento da inclusão dentro de tal prédio do caminho assinalado na planta anexa à petição inicial como doc. ... com a letra a) e integrante da leira 3, retratada nos docs. ... e ... juntos a tal articulado”.
Nesta nova ação n.º 1134/22...., a autora requer que seja declarado e reconhecido o direito de servidão de passagem a favor do referido prédio da Autora, identificado nos artigos 1.º e 2.º da PI, a onerar ou o prédio da Autora ou dos Réus, consoante seja definido em ação própria.
Ora, com base na decisão proferida no processo n.º 861/..., verifica-se que ficou definitivamente decidido que o caminho de servidão não faz parte do prédio denominado ..., facto que a autora volta a alegar na nova ação.
Aliás, a autora reconhece tacitamente esta realidade, pois instaura a presente ação em que pede a condenação dos réus a reconhecer a existência de um caminho de servidão.
Ao fazê-lo, acaba por reconhecer tacitamente que os réus são donos do prédio onde se situa o caminho. Caso contrário não haveria motivo para instauração da presente ação.
De facto, tendo em conta o decidido no processo n.º 861/20...., alegação constante do art. 19º da PI destes autos (A Autora considera seu o referido caminho ou trato de terreno está integrado num outro prédio rústico, atualmente de sua propriedade, denominado “... (Três) ou Campo ... ou Campo ...”, a confrontar do Norte com caminho e poça de consortes, sul com DD, nascente com Herdeiros de EE e poente com o caminho, inscrito na matriz sob o artigo ...66 Assim, e em suma, quanto a estas questões, há que considerar verificada), viola o caso julgado formado naquela anterior ação.
Assim, e em suma, verifica-se a exceção de caso julgado relativa ao pedido de reconhecimento de um direito de servidão de passagem da autora a onerar um prédio que lhe pertence, podendo a ação prosseguir para conhecimento da outra questão suscitada relativa ao pedido de reconhecimento de um direito de servidão de passagem da autora a onerar um prédio dos réus.
E, nessa medida, perante esta restrição dos pedidos formulados, já não se verifica a invocada ineptidão da PI.
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Outras exceções invocadas
Além do que se referiu supra, e contrariamente ao alegado na contestação, a autora podia e pode instaurar nova ação para reconhecimento do direito de servidão, pois a primeira ação não versava sobre esse objeto. A asserção constante dos artigos 19º e 20º da contestação não é válida quando está em causa a formulação de pedidos distintos em ações distintas. O que se escreve naquele artigo 20º da contestação diz respeito ao princípio da concentração da defesa na contestação, não se aplicando ao caso concreto.
Por fim, cabe referir que os réus invocam ainda a autoridade do caso julgado. Contudo, entende-se que essa exceção foi consumida pela verificação da exceção do caso julgado, uma vez que consideramos que ficou decidido que o caminho não integra o prédio da autora”.
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Perante esta decisão, vieram os réus interpor recurso de apelação, com as seguintes conclusões:

“Da invocada exceção de ineptidão da petição inicial
I. Na sua contestação, os Réus, aqui Recorrentes, invocaram, além do mais, a ineptidão da petição inicial, para tanto tendo alegado, grosso modo, que a Autora formula o pedido de reconhecimento do seu direito de propriedade sobre o prédio identificado nos artigos 1º e 2º da p.i., e ainda, o reconhecimento do direito de servidão de passagem a favor daquele prédio e a onerar “o prédio da A. ou dos RR., consoante seja definido em ação própria” (fim de citação).
II. Por um lado, a Recorrida alegou e peticionou o reconhecimento de um (alegado) direito de servidão de passagem, mas, por outro, não sabe quem tem o direito de propriedade sobre o prédio serviente, in casu, o trato de terreno em discussão nos presentes autos, que, na perspetiva defendida pela Recorrida, tanto poderá ser o prédio da Recorrente como da Recorrida.
III. Se o referido caminho fosse da propriedade da Autora, como esta alega e implicitamente peticiona, nem sequer haveria que se colocar a questão da existência de uma servidão de passagem.
IV. Não se entende como é que nos presentes autos se poderá declarar e reconhecer o direito de servidão de passagem sem se estabelecer a que prédio o encargo vai ser imposto.
V. Tal questão, a colocar-se – e que não se coloca –, sempre teria que ser prévia. Mas a verdade é que essa “ação própria”, nas palavras a A. Recorrida, já correu termos sob o processo nº 861/20...., do Juízo Local Cível ... do Tribunal Judicial da Comarca ..., pelo que adiante também se abordará a questão do caso julgado material.
VI. É, pois, patente a incompatibilidade da causa de pedir e dos pedidos deduzidos pela Autora, aqui Recorrida.
VII. Nos termos do artigo 186º, nº1 e nº 2, alínea c) do CPC, é nulo todo o processo quando for inepta a petição inicial, o que ocorre nomeadamente quando se cumulem causas de pedir ou pedidos substancialmente incompatíveis.
VIII. Uma vez que, nos presentes autos estamos perante a formulação de pedidos totalmente incompatíveis, deveria a petição inicial sido declarada inepta, nos termos do supra referido preceito legal.
IX. E a verdade é que o Mmo. Juiz a quo, no despacho recorrido, reconheceu implicitamente a ineptidão da petição inicial. Veja-se, aliás, como também refere o Mmo. Juiz a quo no seu despacho: “E, de facto, existe uma cumulação ilegal, mas apenas aparente, pois essa cumulação não pode ser efetuada, por se verificar a exceção do caso julgado” (fim de citação, com negrito nosso).
X. O Mmo. Juiz a quo quis substituir-se à parte e, apesar da resposta que a Autora, notificada para se pronunciar, deu – nomeadamente, no requerimento datado de 13/03/2023, onde insiste que “(...) a questão que se coloca não deve nem pode aguardar por qualquer outra ação. Os Réus impedem o acesso a um determinado prédio da Autora. Entende a Autora, é verdade, que o prédio onerado com a servidão de passagem é seu, entendendo os Réus que é deles. (...)” (fim de citação com sublinhado nosso) – e apesar de entender que há uma cumulação ilegal, o Mmo. Juiz a quo procedeu à restrição dos pedidos formulados pela Autora e julgou improcedente a invocada exceção de nulidade do processo por ineptidão da petição inicial.
XI. Por força do despacho recorrido, o Mmo. Juiz a quo, com o devido respeito, persiste na sua intenção de “regularizar” o que é irregular e julgou improcedente a exceção invocada.
XII. A norma constante do artigo 186º, nº1 do CPC é muito clara, quando refere que é nulo todo o processo quando a petição inicial for inepta, e ela de facto é-o, uma vez que dela constam causas de pedir e pedidos totalmente incompatíveis.
XIII. Pelo que deveria o Mmo. Juiz a quo ter declarado a nulidade de todo o processo e, em consequência, absolver os Réus, aqui Recorrentes, da instância.
XIV. Estamos perante a cumulação de pedidos/ causas de pedir que são incompatíveis, o que determina a ineptidão da petição inicial, persistindo, inclusive, esta nulidade ainda que se verifique convite ao aperfeiçoamento do articulado (o que não ocorreu), dado que esta irregularidade não é suscetível de sanação.
XV. O que a Autora efetivamente peticiona é que o Tribunal reconheça um direito de servidão a onerar um determinado prédio que, depois, é que se vai aferir a quem é que afinal pertence. E isso não pode ser!
XVI. É totalmente incompatível que a Autora possa peticionar o reconhecimento de um direito de servidão se o prédio serviente for, como pretende implicitamente ver reconhecido e obstinadamente defende, e que não é, da sua pertença.
XVII. O douto despacho recorrido violou, entre outras, as normas constantes dos artigos 186º, nºs 1 e 2, alínea c), 577º, alínea b) e 576º, nº2, todos do CPC.
XVIII. Pelo exposto, deve o despacho saneador de que se recorre ser revogado e substituído por outro que declare a petição inicial inepta e, em consequência, declare nulo todo o processo e absolva os Réus da Instância.

Do Caso julgado e/ou força e autoridade de caso julgado
XIX. Transitada em julgado, a sentença que decida sobre o mérito da causa alcança o fim normal da ação, qual seja, o pronunciamento definitivo do órgão jurisdicional sobre a relação material controvertida, pondo assim termo ao litígio. É o que se designa por caso julgado material, definido no artigo 619º, nº 1, do Código de Processo Civil.
XX. E ao caso julgado material são atribuídas duas funções que, embora distintas, se complementam: uma função positiva ("autoridade do caso julgado") e uma função negativa ("exceção do caso julgado").
XXI. A função positiva opera por via de “autoridade de caso julgado”, que pressupõe que a decisão de determinada questão – proferida em ação anterior e que se inscreve, quanto ao seu objeto, no objeto da segunda – não possa voltar a ser discutida.
XXII.    A função negativa opera por via da “exceção dilatória do caso julgado”, pressupondo a sua verificação o confronto de duas ações – contendo uma delas decisão já transitada em julgado – e uma tríplice identidade entre ambas: coincidência de sujeitos, de pedido e de causa de pedir.
XXIII. Objetivamente, a eficácia do caso julgado material incide nuclearmente sore a parte dispositiva da sentença; porém, estende-se à decisão das questões preliminares que constituam antecedente lógico indispensável da parte dispositiva do julgado.
XXIV. Está precludida a invocação pelo autor de factos que visam completar o objeto da ação anteriormente apreciada, mesmo que com uma decisão de improcedência.
XXV. A preclusão incide igualmente sobre as qualificações jurídicas que o objeto alegado pode comportar e que não foram utilizadas pelo tribunal» (in Estudos Sobre o Novo Processo Civil, 2ª. Edição, pág.586).
XXVI. Invocaram os Recorrentes, na sua contestação, a exceção de caso julgado, que se impõe em virtude da ação que correu anteriormente termos entre os aqui Recorrentes e a Recorrida, transitada em julgado, onde a também ali Autora peticionou o reconhecimento do seu direito de propriedade sobre o mesmo prédio que identifica no artigo 1º da petição inicial e onde aí inclui o trato de terreno em causa nos presentes autos.
XXVII. Naqueles autos com o nº861/20...., a Autora perdeu a ação no que respeita ao reconhecimento do direito de propriedade sobre tal parcela e, agora, vem invocar a existência de um alegado direito de servidão de passagem, quando, como resulta exposto supra, ao mesmo tempo invoca, embora que implicitamente, o direito de propriedade sobre tal parcela, hipótese que nunca exclui.
XXVIII. E a verdade é que o Mmo. Juiz a quo, no despacho recorrido, entendeu que, “com base na decisão proferida no processo nº861/20...., verifica-se que ficou definitivamente decidido que o caminho de servidão não faz parte do prédio denominado ..., facto que a Autora volta a alegar na nova ação. Aliás, a autora reconhece tacitamente esta realidade, pois instaura a presente ação em que pede a condenação dos réus a reconhecer a existência de um caminho de servidão. Ao fazê-lo, acaba por reconhecer tacitamente que os réus são donos do prédio onde se situa o caminho. Caso contrário não haveria motivo para instauração da presente ação.” (fim de citação com sublinhados nosso), julgando parcialmente, nessa parte, procedente a exceção invocada. Sobre isso, nada a apontar!
XXIX. Não podemos deixar de salientar, ressalvado o devido respeito, como é que o Mmo. Juiz a quo, alcançando tal conclusão, não julgou procedente a invocada exceção de nulidade de todo o processo por ineptidão da petição inicial, nos termos supra expostos.
XXX. Na posse de todos os elementos que levariam à procedência da invocada exceção do caso julgado, o Mmo. Juiz a quo entendeu, quanto a nós, mal, que a ação poderia prosseguir para conhecimento da outra questão suscitada relativa ao pedido de reconhecimento de um direito de servidão de passagem da autora a onerar um prédio dos réus.
XXXI. A decisão daquela causa já há muito transitou em julgado, decisão essa cuja prova, e passamos a citar o Acórdão da Relação de Guimarães proferido naqueles autos, “incidiu fundamentalmente sobre a utilização do caminho em litigio” – e que é o mesmíssimo caminho que está em causa nos presentes autos.
XXXII. Da prova aí produzida resultou não só que a Autora, aqui Recorrida, não demonstrou, não provou, atos de posse sobre o dito trato de terreno, ficando afastado o reconhecimento do direito de propriedade - que novamente volta a levantar -, mas mais que isso, resultou precisamente o contrário, nomeadamente, que o caminho foi construído para servir o prédio que agora é da pertença dos Réus, aqui Recorrentes. É o que se pode ler na fundamentação do Acórdão da Relação, tal como resulta da sentença, e elementos esses que estavam na posse do Mmo. Juiz a quo para poder decidir das exceções invocadas pelos Réus.
XXXIII. Estamos perante uma questão que já foi decidida pelo Tribunal, cujo trânsito em julgado há muito se verificou, e que agora forçosamente se impõe.
XXXIV. Estamos perante as mesmíssimas partes, como também, a causa de pedir, isto é, os factos demonstrativos do direito real em causa.
XXXV. O pedido formulado é o mesmo em ambas as ações. Neste particular, como é entendido pela doutrina e jurisprudência, para chegar à definição da identidade do pedido há que interpretar a sentença e o acórdão atendendo ao seu objeto e às relações de implicação que a partir deles se estabelecem. O que os Recorrentes lograram demonstrar.
XXXVI. Daí que, considerando tudo quanto supra exposto, que se reproduz, o despacho recorrido é desconforme com a Lei.
XXXVII. O caso julgado faz precludir todas as possíveis razões do Autor que perde a ação, mas também, com maior amplitude, toda a indagação sobre a relação controvertida, delimitada pela pretensão substantivada deduzida em juízo.
XXXVIII. O douto despacho recorrido violou, assim, entre outras, as normas constantes dos artigos 577º, alínea i) e 576º, nº2, 580º e 581º, todos do CPC.
XXXIX. Pelo exposto, deve o despacho saneador de que se recorre ser revogado e substituído por outro que julgue procedente a invocada exceção de caso julgado e, em consequência, absolva os Réus da Instância.
Sem prescindir:
XL. Entendeu o Mmo. Juiz a quo, no despacho recorrido, que a exceção da autoridade do caso julgado “foi consumida pela verificação da exceção do caso julgado, uma vez que consideramos que ficou decidido que o caminho não integra o prédio da autora.” (fim de citação).
XLI. Parece-nos, com o devido respeito, que é sempre muito, que não assiste razão ao Tribunal a quo que, ao proferir tal decisão, não ponderou todas as circunstâncias e factos, como se impunha.
XLII. Da leitura da sentença e acórdão proferidos no âmbito do processo nº 861/20...., pode-se concluir que, tendo sido dado como não provado a prática de atos de posse sobre o caminho em causa nos presentes autos e, mais que isso, como resulta explicito do acórdão da Relação de Guimarães, tendo a prova subjacente a essa decisão incidido fundamentalmente sobre a utilização do dito caminho, então dever-se-á concluir estar prejudicada, por força do caso julgado e da autoridade do caso julgado, nova discussão sobre aquilo que está assente e vincula, também, o Tribunal.
XLIII. Sendo requisito da constituição da servidão legal de passagem por usucapião, como a Autora, aqui Recorrida, invoca, a efetiva passagem, com sinais visíveis e permanentes, desde há mais de 20 anos, face ao decidido no processo nº 861/20...., como supra referido, tal questão – constituição do direito de servidão de passagem por usucapião não pode ser novamente discutida e impõe-se ao Tribunal, precisamente porque a situação jurídica em causa é a mesma.
XLIV. Derivando a servidão legal de passagem da faculdade que os titulares de prédios que não tenham comunicação com a via pública, nem condições que permitam estabelecê-la, têm de exigir a sua constituição sobre os prédios vizinhos (artigo 1550º, nº2 do CC), impunha-se que a Autora alegasse, a fim de poder provar, que o seu prédio está encravado, isto é, não tem qualquer comunicação com a via pública. O que, com o devido respeito, lhe está igualmente vedado, face ao apurado na sentença e acórdão referidos. Uma vez mais, socorrendo-nos da fundamentação do acórdão da Relação de Guimarães, onde pode ler-se que: “(...) o prédio atualmente da A. tem outra entrada ao fundo da leira da vinha e era por aí que entravam de trator e passavam para o campo de trás. Donde concluímos que o caminho aqui em discussão foi construído para servir de acesso ao prédio hoje RR. e é essencialmente para esse fim que tem vindo a ser utilizado. A existência do muro abaixo a separá-lo do terreno da vinha, só indicia que não serve de acesso ao prédio da A.. Se o caminho é de acesso a um prédio, não se faz um muro a separá-lo desse prédio.” (fim de citação).
XLV. O trato de terreno em discussão nos presentes autos é o mesmíssimo caminho em discussão na ação que correu anteriormente termos entre Recorrentes e Recorrida sob o processo nº 861/20..... Julgamos, pois, estar demonstrado que a causa de pedir e o thema decidendi continua a ser o mesmo, embora a Recorrida, deturpando o sentido e alcance da decisão proferida, pretenda encenar uma outra “roupagem”, que não existe.
XLVI. Também neste segmento, o douto despacho recorrido encontra-se errado. Não atendeu o Mmo. Juiz a quo à decisão anterior, que deveria ter acolhido e respeitado, por força da sua autoridade.
XLVII. Enquanto a exceção do caso julgado se apresenta numa vertente negativa, obstando a que se discuta no processo o que já foi antes decidido, a autoridade do caso julgado constitui a vertente positiva, determinando que no segundo processo se acate o que foi decidido no primeiro.
XLVIII. Haverá, pois, que ter presente não só o conteúdo da decisão em si mesmo, como também, o seu sentido e alcance, que projeta os seus efeitos na sua vertente de autoridade.
XLIX. Utilizando a célebre expressão do Prof. Lebre de Freitas, a autoridade do caso julgado é “como um polvo”, cujos tentáculos envolvem a decisão proferida e a revestem de autoridade, impondo-se externamente. E neste processo, não há margem para dúvidas que o “polvo” estende os seus tentáculos em todas as frentes. A narrativa é a mesma da ação anterior, o mesmíssimo núcleo.
L. Não podemos olhar para os presentes autos, como faz o Tribunal a quo, de uma forma completamente isolada e sem qualquer ligação com a outra ação a que é feita referência, descurando o aí anteriormente decidido.
LI. A decisão como um todo (factos provados e não provados, dispositivo e resolução das questões que constituam o seu antecedente lógico) não pode ver-se na contingência de ser contrariada, sob pena de violação da autoridade do caso julgado.
LII. O douto despacho recorrido violou, entre outras, a figura da autoridade do caso julgado, que determina a inadmissibilidade de qualquer posterior verificação sobre a relação material controvertida em anterior decisão definitiva.
LIII. Verifica-se que a pretensão que a Autora, aqui Recorrida, se pretende prevalecer nos presentes autos está já coberta pela autoridade do caso julgado.
LIV. Devendo ser proferido douto acórdão que, revogando o douto despacho recorrido, julgue procedentes as exceções de nulidade do processo por ineptidão da petição inicial, bem como, as invocadas exceções de caso julgado e autoridade de caso julgado, com as legais consequências.
Nestes termos, e nos melhores de direito aplicáveis, que Vªs Exªs doutamente suprirão, deve ser dado provimento ao presente recurso, e, em consequência, ser revogado o douto despacho recorrido, substituindo-o por outro que julgando procedentes a exceção de nulidade de todo o processo por ineptidão da petição inicial e, bem assim, da exceção de caso julgado e autoridade do caso julgado, com as legais consequências.
Assim decidindo, farão Vªs Exªs, Venerandos Desembargadores, a habitual JUSTIÇA!
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Não foram apresentadas contra-alegações.
Remetidos os autos ao Tribunal da Relação, foi rejeitado o recurso no que se refere à reapreciação das decisões relativas à ineptidão da petição inicial, cumulação ilegal de pedidos e exceção dilatória de caso julgado, sendo a apelação admitida apenas quanto à exceção invocada de autoridade de caso julgado, com subida imediata, em separado e com efeito devolutivo.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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II - Questão a decidir:

Sendo o âmbito do recurso delimitado pelas conclusões das alegações dos recorrentes – arts.º 635.º, n.º 4, e 639.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil (doravante, abreviadamente, designado por C. P. Civil) -, a questão que se coloca à apreciação deste Tribunal é a de saber se existe autoridade de caso julgado resultante do processo 861/20.... que implique a improcedência dos pedidos formulados pela autora nestes autos.
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III - Fundamentação de facto:

1 - No processo 861/20.... a aqui autora demandou os aqui réus alegando ser proprietária de imóvel que identificou, denominado ... e peticionando o reconhecimento do direito de propriedade sobre esse imóvel, alegando que desse imóvel fazia parte um caminho de acesso a esse prédio bem como a um outro que também lhe pertence e identificado em planta que então juntou.
2 - Na contestação que então deduziram, os réus reconheceram que a autora é a proprietária do imóvel em causa, mas alegaram que a parcela de terreno identificada como caminho integrava prédio a eles pertencente.
3 – Nessa ação foi proferida sentença que julgou a ação parcialmente procedente nos seguintes termos:
a) declaro a existência do direito de propriedade da Autora sobre o prédio rústico denominado de “...”, situado em Fieis de Deus, descrito na CRP ... com o nº ...06 e inscrito na matriz predial com o nº ...66, não abrangendo tal declaração o reconhecimento da inclusão dentro de tal prédio do caminho assinalado na planta anexa à petição inicial como doc. ... com a letra a) e integrante da leira 3, retratada nos docs. ... e ... juntos a tal articulado.
b) Condeno os Réus a reconhecerem o direito de propriedade reconhecido em a) o qual não abrange o caminho aí mencionado.
c) Condeno os réus a absterem-se de praticar quaisquer atos que atentem contra o direito de propriedade da Autora reconhecido em a) o qual não abrange o caminho aí mencionado”.
4 -  Os factos provados e não provados nessa ação foram os seguintes:
A – Factos Provados:
1) Encontra-se registada a favor da Autora a propriedade do prédio rústico denominado de “...”, situado em Fiéis de Deus, descrito na CRP ... com o n.º ...06, e inscrito na matriz predial com o n.º ...66, por registo de compra e venda a FF e GG, apresentado a 2-3-1998.
2) A Autora por si e seus ante possuidores, há mais de 50 anos, está na posse, uso e fruição do aludido prédio.
3) Ao longo desse tempo, têm cultivado o prédio, dando-o de arrendamento e recebendo as respetivas rendas.
4) Nele fazendo sementeiras, colhendo os frutos e dele retirando todas as utilidades que lhe são inerentes, bem como pagando os respetivos impostos,
5) O que tem feito à vista e com o conhecimento de todos, sem oposição ou embaraço de quem quer que seja, de forma contínua e ininterruptamente.
6) Convicta de estar a exercer um direito próprio, sem prejudicar os lesar direitos alheios, em tudo se comportando como plena proprietária de tal prédio.
7) No dia 10 de janeiro de 2020, pelas 10h00, por ordem dos Réus, uma máquina “caterpillar” entrou no caminho assinalado na planta anexa à petição inicial como doc. ... com a letra a).
8) Os Réus construíram redes de águas e saneamento nesse caminho.
9)Tal caminho foi criado por FF, para que os arrendatários do prédio descrito na CRP ... sob o n.º ...31 e inscrito na matriz sob ao artigo ...75, pudessem aceder ao mesmo diretamente, sem terem que passar pelo prédio da frente.
10) Tal caminho está trilhado e dividido por muros dos dois lados.
11) E vai bater diretamente nas escadas de acesso ao prédio mencionado em 9).
B – Factos não provados:
Não resultaram comprovados quaisquer outros factos com relevância para a decisão da causa, designadamente que:
a) Os Réus agiram da forma referida em 7) com o propósito de procederem a obras de terraplanagem no referido caminho.
b) O caminho referido em 7) a 11) faça parte do prédio referido em 1).
c) Os factos referidos em 2) a 6) tenham sido exercidos sobre o caminho referido em 7) a 11).
d) Os Réus tivessem consciência da falsidade dos factos por si alegados na contestação”.
5 – No Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães no âmbito daqueles autos, escreveu-se “na vertente situação, o tribunal recorrido apreciando a pretensão da A., segundo as regras aplicáveis, decidiu que o caminho que a mesma alegou fazer parte integrante do seu prédio, face à prova produzida não faz, e nada mais tinha que decidir, não havendo qualquer razão para a realização de novo julgamento.
Não resultando da decisão uma conformação definitiva da posição jurídica das partes em relação ao caminho em questão, a solução é procederem a essa definição por via extrajudicial ou através de nova ação configurada de forma diversa”.

IV - Do objeto do recurso:

A única questão que se coloca na apelação apresentada e que foi admitida é, por ora, a questão da autoridade de caso julgado resultante da decisão proferida no processo 861/20.....
Começa por referir-se que as exceções de caso julgado que foram invocadas pelos réus se reportarem a todos os pedidos formulados pela autora, quer como exceção dilatória, quer como autoridade de caso julgado.
Um parêntesis apenas para referir que, apesar da apreciação que foi efetuada das exceções dilatórias, e se perceber em que sentido foram as mesmas decididas, na decisão de 1.ª Instância não existe um verdadeiro segmento a declara-las procedentes ou improcedentes (e, pensamos, deveria existir para que a decisão das mesmas fosse clara).
Ora, no que à exceção dilatória de caso julgado se refere, se bem interpretamos a decisão proferida, conhecida a exceção, o Tribunal de 1.ª Instância julgou-a procedente “em relação ao pedido de reconhecimento do direito de servidão sobre prédio da própria autora”, mas improcedente no que se refere ao reconhecimento do direito de servidão sobre prédio pertencente aos réus, improcedência essa que resulta apenas implícita perante a afirmação de que pode a ação “prosseguir para conhecimento da outra questão suscitada relativa ao pedido de reconhecimento de um direito de servidão de passagem da autora a onerar um prédio dos réus”.
Julgando procedente exceção dilatória de caso julgado que, pela sua natureza, obsta a que o Tribunal aprecie o mérito da causa, tal implica a absolvição dos réus da instância “quanto ao pedido de reconhecimento do direito de servidão sobre prédio da própria autora”, que, não constando da decisão, se tem de considerar implícito perante o que aí foi decidido – arts.º 576.º, 577.º, alínea f) e 278.º, n.º1, alínea e), do C. P. Civil.
Daí que, ao apreciar a exceção dilatória de caso julgado, na parte em que a julgou procedente – “relativa ao pedido de reconhecimento de um direito de servidão de passagem da autora a onerar um prédio que lhe pertence” – faça sentido dizer-se, como fez o Tribunal a quo que, tal afirmação de procedência, “consumiu” o conhecimento da exceção de autoridade de caso julgado. Absolvidos os réus da instância, no que a esse pedido diz respeito, não há já instância para apreciar o mérito daquele pedido.
Porém, a apreciação da exceção de autoridade de caso julgado faz já sentido em relação ao pedido formulado para o qual aquele Tribunal não encontrou qualquer razão formal que obstasse ao seu prosseguimento.
Assim, julgada improcedente a exceção dilatória de caso julgado quanto à questão “relativa ao pedido de reconhecimento de um direito de servidão de passagem da autora a onerar um prédio dos réus”, haverá que apreciar se existe autoridade de caso julgado resultante da sentença proferida nos autos 861/20.... que implique a improcedência do pedido formulado pela autora, pois que aquela decisão de improcedência da exceção dilatória de caso julgado não “consumiu” o conhecimento da exceção de autoridade de caso julgado.
Neste segmento, embora o Tribunal de 1.ª Instância não o tenha dito, entendemos que, de forma implícita, julgou a exceção de autoridade de caso julgado improcedente, pois que entendeu que nada impedia que fosse apreciado o direito de servidão invocado pela autora que teria como prédio serviente prédio pertencente aos réus (que, porém, não chega a identificar).
Vejamos, assim, esta exceção de autoridade de caso julgado.
Como nota Jacinto Rodrigues Bastos (Notas ao Código de Processo Civil, 2ª edição, Vol. III, pág. 253), foi propósito do legislador, quanto à questão do caso julgado, ao eliminar o § único do art.º 660.º do C. P. Civil de 39 (que dispunha deverem considerar-se resolvidas tanto as questões sobre que recair decisão expressa, como as que, dados os termos em causa, constituírem pressuposto ou consequência necessária do julgamento expressamente proferido), deixar à doutrina o seu estudo mais aprofundado e à jurisprudência a sua solução, caso a caso, mediante os conhecidos processos de integração da lei.
E, continuava o referido autor (obra e local citados), afirmando que a economia processual, o prestígio das instituições judiciárias, reportado à coerência das decisões que proferem e o prosseguido fim de estabilidade e certeza das relações jurídicas, são melhor servidos pelo critério eclético que, sem tornar extensiva a eficácia do caso julgado a todos os motivos objetivos da sentença, reconhece essa autoridade à decisão das questões preliminares que forem antecedente lógico indispensável à emissão da parte dispositiva do julgado.
Para Vaz Serra (RLJ, Ano 112, pág. 278), a autoridade de caso julgado, em princípio, não cobre os motivos ou pressupostos da decisão proferida sobre o objeto da ação, ainda que se trate de questão que seja antecedente lógico indispensável da parte dispositiva do julgado, admitindo, porém, que quando a decisão da questão preliminar for tal que se deva considerar como solicitada pela parte, ainda que não expressamente de modo a poder e dever ser entendida pela parte contrária como questão submetida a julgamento, deve entender-se que a autoridade e força do caso julgado abrange a decisão.
Assim, todas as questões que devam considerar-se antecedentes lógicos e indispensáveis do julgado, devem considerar-se abrangidas pela autoridade do caso julgado, obrigando as partes (identidade de partes referida no art.º 581.º, nº2, do C.P. Civil, não importando as diferentes posições que assumam nas ações) quanto ao efeito jurídico que delimita a ação e quanto à causa de pedir.
Refira-se, ainda, que apesar de não podermos confundir a questão da força ou autoridade do caso julgado com a exceção dilatória do caso julgado, devemos considerar que o conhecimento e decisão da questão da força do caso julgado deve estar sujeita aos mesmo moldes e condicionalismos desta última, já que ambas visam a mesma finalidade (se bem que com amplitudes diferentes, pois a exceção abrange toda a matéria da segunda ação, e daí que o tribunal pura e simplesmente se deva abster de conhecer do pedido, enquanto que a força do caso julgado implica apenas que se dê como decidida e assente uma questão - ou várias - que estão em causa, juntamente com outra ou outras na nova ação e que são pressupostos ou fundamentos jurídicos da decisão a proferir) - qual seja a de evitar que a contradição entre decisões judiciais sobre a mesma questão, relativamente às mesmas partes e quando estas repetem os mesmos fundamentos.
Miguel Teixeira de Sousa (in “O Objeto da Sentença e o Caso Julgado Material” - BMJ nº 325, pág. 49 e segs.) distingue esses mesmos conceitos da seguinte forma: “quando o objeto processual anterior é condição para a apreciação do objeto processual posterior, o caso julgado da decisão antecedente releva como autoridade de caso julgado material no processo subsequente; quando a apreciação do objeto processual antecedente é repetido no objeto processual subsequente, o caso julgado da decisão anterior releva como exceção do caso julgado” (cfr. pág. 171).
Mais adiante acrescenta: “a exceção do caso julgado visa evitar que o órgão jurisdicional, duplicando as decisões sobre idêntico objeto processual, contrarie na decisão posterior o sentido da decisão anterior ou repita na decisão posterior o conteúdo da decisão anterior” (cfr. pág. 176).
Quando vigora a autoridade do caso julgado, o caso julgado material manifesta-se no seu aspeto positivo de proibição de contradição da decisão transitada: a autoridade do caso julgado é o comando da ação ou proibição de omissão respeitante à vinculação subjetiva e à repetição no processo subsequente do conteúdo da decisão anterior e à não contradição no processo posterior do conteúdo da decisão antecedente” (cfr. pág. 179).
Hoje em dia esta distinção não suscita dúvidas.
A exceção de caso julgado, cuja finalidade é a de evitar a repetição de causas, tem como requisitos os que se mostram definidos no art.º 581.º do C. P. Civil (identidade de sujeitos, de pedido e de causa de pedir).
A autoridade de caso julgado, por seu turno, funciona independentemente da verificação daquela tríplice identidade, pressupondo, porém, a decisão de determinada questão que não pode voltar a ser discutida.
Citando-se de novo Miguel Teixeira de Sousa (in Estudos sobre o Novo Processo Civil, 1997, págs. 578/9): “como toda a decisão é a conclusão de certos pressupostos (de facto ou de direito) o respetivo caso julgado encontra-se sempre referenciado a certos fundamentos. Assim, reconhecer que a decisão está abrangida pelo caso julgado não significa que ela valha, com esse valor, por si mesma e independentemente dos respetivos fundamentos. Não é a decisão, enquanto conclusão do silogismo judiciário, que adquire o valor de caso julgado, mas o próprio silogismo considerado no seu todo: o caso julgado incide sobre a decisão como conclusão de certos fundamentos e atinge esses fundamentos enquanto pressupostos daquela decisão”.
E mais adiante acrescenta (in ob. e loc. cit.) que “o caso julgado também possui um valor enunciativo: essa eficácia do caso julgado exclui toda a situação contraditória ou incompatível com aquela que ficou definida na decisão transitada”.
De tal modo que se deverá concluir que na expressão “precisos limites e termos em que julga, utilizada no art. 673º do Cód. do Proc. Civil [atual art. 621.º] para definir o alcance do caso julgado, estão compreendidas todas as questões solucionadas na sentença e conexas com o direito a que se refere a pretensão do autor (…)”.
Assim, o que há que verificar é se a questão que aqui se suscita – em relação à parte da ação que prossegue - foi ou não apreciada no processo referido.
Ora, o que está agora em causa nestes autos, perante a decisão de absolvição de instância dos réus que está implícita na decisão proferida e que é aceite pelos réus recorrentes, é, quanto ao mais peticionado pela autora, a existência do direito de servidão de passagem em que é serviente prédio dos réus e dominante o prédio da autora inscrito na matriz predial sob o art.º ...13 e descrito na Conservatória do Registo Predial ...04.
Facilmente se percebe, analisando o que foi discutido no processo em causa, que esta questão não foi discutida na ação referida, nem em termos de matéria de facto, nem de direito.
Nem os factos (provados ou não provados) se reportam a um qualquer direito de servidão que beneficie o prédio da autora agora identificado, onerando o dos réus, nem a sua existência foi juridicamente afirmada ou infirmada.
A única questão apreciada nos autos 861/20.... foi que a parcela identificada como caminho e assinalada na planta anexa não integra o prédio, também pertencente à autora, “denominado de “...”, situado em Fiéis de Deus, descrito na CRP ... com o n.º ...06, e inscrito na matriz predial com o n.º ...66”, negando-se os factos alegados e que se consubstanciavam na prática de atos materiais de gozo relativos ao exercício daquele direito de propriedade e que, por isso, resultaram não provados.
Se, no contexto dessa decisão, a prova produzida se referiu a qualquer passagem pela parcela de terreno denominada “caminho”, ou as circunstâncias em que a mesma é realizada, daqui não decorre que a questão que ora se suscita tenha aí sido apreciada e tenha de se considerar definitivamente decidida se, então, como se retira daqueles autos, a questão do direito de servidão que aqui se alega nunca foi invocada, nem em sede de matéria de facto, nem de direito. 
Mas mais, resulta inequívoco da decisão proferida, nos termos acima transcritos nos factos provados a considerar, que a questão do “caminho” teria de ser dirimida pelas partes em ação futura, se não lograssem resolver o litígio extrajudicialmente, pois que não teria existido uma conformação definitiva da posição jurídica das partes nesta primeira ação. 
Saber se a autora alegou ou não os factos relevantes para que o direito de servidão seja reconhecido é matéria que não releva para a apreciação da exceção de autoridade de caso julgado.
Não existe assim entre o processo 861/20.... e o pedido formulado pela autora e em relação ao qual a ação prossegue - pedido de reconhecimento de um direito de servidão de passagem da autora a onerar um prédio dos réus - qualquer autoridade de caso julgado que implique a improcedência deste, sendo, pois, improcedente a exceção invocada.
Assim, embora não exatamente nos termos em que foi afirmado pela 1.ª Instância, mantém-se a decisão de improcedência da exceção de autoridade de caso julgado que resulta do despacho saneador proferido.

Sumário (ao abrigo do disposto no art.º 663º, n.º 7, do C. P. Civil):
1 - Tendo o Tribunal de 1.ª Instância entendido que o conhecimento da exceção dilatória de caso julgado “consome” o conhecimento da exceção de autoridade de caso julgado, julgando procedente a primeira apenas quanto a um dos pedidos formulados, tem de considerar-se que julgou improcedente a exceção de autoridade de caso julgado que foi invocada em relação a todos os pedidos formulados.
2 - Não existe autoridade de caso julgado quando, na primeira ação, se discutiu se determinada parcela de terreno integrava imóvel pertencente à autora, concluindo-se que não e, nesta segunda ação, o que está em causa é o reconhecimento de direito de servidão de passagem de que se arroga a autora ser titular, sobre aquela mesma parcela, sendo prédio dominante imóvel diferente daquele que estava em causa na primeira ação, também pertencente à autora.

VI – Decisão:

Perante o exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente a apelação, confirmando, em consequência, a decisão recorrida.
Custas do recurso pelos réus, nos termos do art.º 527.º do C. P. Civil, considerando o seu decaimento resultante desta decisão e o não recebimento do recurso quanto aos demais fundamentos da apelação.
Guimarães, 01 de fevereiro de 2024
(elaborado, revisto e assinado eletronicamente)