Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
255/08.2TTLMG.3.G1
Relator: VERA SOTTOMAYOR
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
INCAPACIDADE
REVISÃO
JUNTA MÉDICA
PERÍCIA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 09/20/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO SOCIAL
Sumário:
I – A Relação actua como tribunal de substituição quando o recurso se funda na errada apreciação dos meios de prova produzidos, caso em que se substitui ao tribunal da 1.ª instância e procede à valoração autónoma dos meios de prova.

II- Não é de proceder à alteração da matéria de facto nos termos peticionados, quando para além de não terem sido infringidas quaisquer regras vinculativas extraídas do direito probatório material, o juiz a quo apurou os factos de harmonia com a prova produzida.

III- Os factos que estão cobertos pelo caso julgado não podem ser alterados por via do incidente de revisão de incapacidade.

IV - Apoiando-se a decisão recorrida no entendimento da junta médica que de forma clara e suficientemente fundamentada conclui pela aptidão física do sinistrado para exercer funções de motorista profissional de ligeiros (veículos de aluguer dotados de caixa automática), não existe qualquer razão de ciência que impusesse quer a divergência do laudo pericial unânime, quer o recurso a qualquer outro elemento pericial.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, na Secção Social do Tribunal da Relação de Guimarães

I – RELATÓRIO

APELANTE: AUGUSTO.
APELADO: X – COMPANHIA DE SEGUROS, S.A..
Tribunal da Comarca de Vila Real, Juízo do Trabalho de Vila Real – Juiz 2

Nos presentes autos de acção especial emergente de acidente de trabalho em que é sinistrado AUGUSTO e responsável X – COMPANHIA DE SEGUROS, S.A.., veio o sinistrado deduzir incidente de revisão da pensão, alegando em resumo que as sequelas resultantes do acidente de trabalho participado nos autos no âmbito do qual lhe foi atribuída a IPP de 44,85%, agravaram-se, sendo actualmente portador de incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual de motorista profissional.

Foi solicitado ao Gabinete Médico ao Legal de Braga a realização de exame médico na pessoa do sinistrado.

Realizado o exame médico, concluiu o Perito do INML que o sinistrado está actualmente afectado de um coeficiente de incapacidade permanente parcial resultante do acidente de 46,875%, acrescentando que o sinistrado está definitivamente incapacitado par a condução de veículos dos Grupo 2, estando habilitado para conduzir veículos do Grupo 1 com caixa automática.

Notificadas as partes do resultado do exame, nada foi requerido e por despacho proferido em 14/03/2017 foi determinado, nos termos do nº. 5 do art.º 145.º do CPT a realização de perícia médica, por Junta Médica e a solicitação de parecer prévio ao IEFP.

Foi elaborado o parecer solicitado pelo Centro de Reabilitação Profissional Y e foi realizada junta médica tendo os Srs. Peritos Médicos respondido aos quesitos formulados pelo sinistrado no seu requerimento inicial, concluindo o seguinte:

a)- O sinistrado apresenta uma IPP (actual) de 0,325 x 1,5 = 0,4875 (48,75%);
b)- O sinistrado apenas se mostra capaz de conduzir veículos ligeiros com caixa automática.

Por fim, foi proferida decisão da qual consta o seguinte dispositivo:

“Nestes termos, julgando parcialmente procedente o incidente de revisão, declarando-se que a desvalorização laboral permanente do sinistrado sofreu agravamento, fixando-se o grau de IPP actual em 48,75%.

Em consequência, condena-se a companhia de seguros “X – COMPANHIA DE SEGUROS, S.A. a pagar ao sinistrado AUGUSTO:

a) - uma pensão anual, vitalícia e actualizável de €2.912,91 (dois mil novecentos e doze euros e noventa e um cêntimos), com efeitos a 01/09/2016 (data da formulação da revisão da incapacidade);
b)- juros de mora, à taxa legal, calculados sobre cada uma das pensões agora determinadas, desde o dia imediato à data do pedido de revisão, ou seja, desde 02/09/2016 e até ao seu integral pagamento.
*
Custas do incidente a suportar pela entidade responsável - art. 527º, nºs. 1 e 2 do Código de Processo Civil e arts. 7º, nº. 4 e 17º, nº. 8 do RCP.
Registe e notifique.”
*
Inconformado com esta decisão dela veio a sinistrado interpor recurso para este Tribunal da Relação, apresentando alegações que termina mediante a formulação das seguintes conclusões:

1.ª - O presente recurso visa impugnar a decisão proferida quanto à matéria de facto dada como provada pelo Ilustre Julgador a quo, nos termos do artigo 662.º, n.º 1 do C.P.C. e bem assim a sua repercussão na aplicação do direito na decisão final, uma vez que este não considerou provada a afectação do sinistrado de uma Incapacidade Permanente Absoluta para o Trabalho Habitual (de ora em diante IPATH), conforme resulta inequivocamente de todos os elementos e documentos juntos aos autos, e consequentemente não lhe deu o competente rebate no âmbito da decisão.
- A decisão de primeira instância, quanto à matéria de facto, padece de erro de julgamento e insuficiência, porque o julgador não leva em linha de conta a totalidade da prova produzida nos autos, aplicando consequentemente erradamente a Lei e as orientações jurisprudenciais, desde logo no relatório elaborado pelo INML, Relatório de Avaliação da Possibilidade de Exercício da Profissão Habitual, elaborado pelo Centro de Reabilitação Profissional Y, cartas relatório e contrato de trabalho, outra deveria ter sido aquela matéria que o Ilustre Tribunal a quo deu como provada.
Pelas razões e fundamentos que adiante melhor se explicitarão, e sem prejuízo da modificação da decisão sobre a matéria de facto que, no caso em apreço, se impõe, considera o recorrente que o Tribunal a quo fez errada aplicação e interpretação da lei e não atendeu sequer às normas legais aplicáveis à situação sub judice, motivo por que a douta sentença deve ser revogada, devendo ser proferida nova decisão nos termos que melhor se referirá.
e - (…)
6ª- Resulta do contrato de trabalho junto aos autos que a profissão habitual do autor era, por determinação do tribunal, exactamente motorista de pesados, obrigando-se a exercer as funções compreendidas em tal categoria profissional.
7ª- Bem como resulta do relatório elaborado pelo INML, dos pontos 5 e 6 do item Discussão, que o Autor está mesmo impedido de exercer a profissão habitual de motorista de pesados, e que lhe foi retirada carta de condução nessa categoria.
8ª- Ora, estando incapacitado para a condução de veículos do Grupo 2 – onde se insere exactamente a profissão de motorista de pesados, como resulta das cartas de condução antes e depois, parece-nos óbvio e evidente que está incapacitado para sua profissão habitual de “motorista de pesados”.
- Aliás, estando impedido de conduzir todos os veículos da categoria 2, não pode conduzir quaisquer outros veículos no âmbito do seu trabalho numa empresa de construção civil, pois só pode conduzir veículos particulares de passageiros e de caixa automática.
10ª- Bem como resulta do Relatório de Avaliação da Possibilidade de Exercício da Profissão Habitual, elaborado pelo Centro de Reabilitação Profissional Y, solicitado pela Junta Médica e pelo Tribunal nos termos legais, nos termos do art. 41, nº 2 do DL 143/30/04, no ponto 3 que o sinistrado devido às lesões do acidente e face às alterações funcionais tiveram impacto no domínio profissional que o impedem de conduzir.
11ª - E quanto à profissão habitual e descrição das actividades que integram o conteúdo funcional de motorista e das exigências que tal implica, consta do citado relatório, que não foi colocado em crise por quem quer que fosse, que, manifesta e inequivocamente, as funções exercidas no âmbito da profissão de motorista são significativamente exigentes a nível de membros inferiores superiores e a nível muscular, e que o autor por força das limitações do acidente não reúne.
12ª- Por outro lado, os Srs. Peritos do IEFP consideraram, sob o mesmo ponto 3 do citado Relatório Pericial e sob a epígrafe “Impactos das limitações funcionais no desempenho da profissão habitual”, que interferem de tal modo na profissão, que o impossibilitam de conduzir veículos pesados nos termos legais, bem como manobrar máquinas industriais, pelo que consideram que o examinando, se encontra com incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual.
13ª a 15ª- (…)
16ª - Como consequência, atrevemo-nos a afirmar que, de acordo com o disposto no artigo 662.º, n.º 1 do C.P.C., o ponto 6 da matéria de facto supra referido está incorrectamente julgado, e deveria ter a seguinte redacção:

“6. Actualmente, por via das sequelas resultantes do referido acidente de trabalho, o sinistrado está afectado de IPP de 48,75% (32,5 x 1.5), com incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual”.
17ª- Bem como, como fundamento nos citados documentos, deve considerar-se ainda provado que, aditando-se aos respectivos factos provados:

1- O autor à data do acidente exercia a profissão de motorista profissional de pesados;
2- Face as alterações funcionais e os impactos das limitações funcionais decorrentes das lesões e sequelas do acidente o sinistrado encontra-.se com incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual.
18ª- Pois o Mº Juiz do Tribunal a quo, com base nos meios de prova de que dispunha, julgou de forma incorrecta, dado que dispunha inequivocamente de todos os elementos ou meios de prova suficientes que suportassem a decisão de facto ora proposta e não só a proferida, pelo que esta situação é enquadrável no âmbito do erro de julgamento, a que poderá ser aplicável o disposto no artº 662º, nº 1 do CPC.
19ª- Da conjugação de todos os meios de prova junto aos autos, à luz da experiência comum, de critérios de experiência e de razoabilidade, resulta inequivocamente que tais factos se encontram provados, e que o autor efectivamente está incapacitado de forma absoluta para a sua profissão de motorista profissional de pesados, que era o seu concreto posto de trabalho, e para tal considerar-se deve atentar-se ao que exercia à data do acidente e a impossibilidade de reconversão.
20-ª Não tendo os Srs. Peritos em sede de junta médica se pronunciado concretamente sobre a IPATH do autor, nem tendo o Sr. Juiz solicitado esclarecimentos para a concreta profissão habitual, tinha o Mº Juiz ao seu dispor o Relatório de Avaliação da Possibilidade de Exercício da Profissão Habitual elaborado pelo Centro de Reabilitação Profissional Y, a pedido do IEFP- Delegação regional do Norte – CTE e Formação Profissional de Vila Real de fls …, as cartas de condução emitidas pelo IMTT e o Relatório médico elaborado pelo IML
21ª- Por isso, salvo o devido respeito, que é muitíssimo, o Mº Juiz não fundamenta, minimamente que seja, a razão porque discorda da avaliação efectuada pelos três Srs. Peritos do Centro de Reabilitação Profissional Y.
22ª- É que a IPATH não se avalia em abstracto, mas nas concretas funções exercidas pelo sinistrado e do seu posto de trabalho em concreto.
23ª Pois que com a publicação do Acórdão do STJ nº 10/2014, in DR, I Série, de 30.06.2014, este uniformizou jurisprudência no sentido de que:

«[a] expressão “se a vítima não for reconvertível em relação ao posto de trabalho”, contida na alínea a) do n.º 5 das Instruções Gerais da Tabela Nacional de Incapacidades por Acidente de Trabalho ou Doenças Profissionais, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 352/2007, de 23 de Outubro, refere-se às situações em que o sinistrado, por virtude das lesões sofridas, não pode retomar o exercício das funções correspondentes ao concreto posto de trabalho que ocupava antes do acidente.»,
24-ª Desta forma, como é jurisprudência uniforme, em caso de IPATH o subsídio de elevada incapacidade previsto no art. 23º da Lei 100/97, de 13.09 é devido por inteiro, sem ponderação do coeficiente de desvalorização de IPP para o exercício de outra profissão.
25ª- Ora considerando-se provado que o autor se encontra na situação de IPATH deve ser-lhe concedida a pensão anual e vitalícia correspondente a 70% da retribuição nos termos do disposto no art. 48º , nº 3 , al. b) e ao subsidio por situações de elevada incapacidade permanente previsto no art. 67, nº 3 da LAT.”

Termina peticionando a revogação da sentença recorrida com a substituição por outra que considere provado que o Autor se encontra na situação de incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual, com todas as consequências legais.

A Apelada/Recorrida apresentou contra-alegações ao recurso, concluindo pela improcedência do recurso e consequente manutenção da decisão recorrida.

Admitido o recurso na espécie própria e com adequado regime de subida e efeito, foram os autos remetidos a esta 2ª instância, mantido o recurso, determinou-se o cumprimento do disposto no n.º 3 do artigo 87º do CPT., tendo o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitido douto parecer no sentido da improcedência do recurso.
Notificado tal parecer às partes para responderem, nada vieram dizer.
Cumprido o disposto na 1ª parte do n.º 2 do artigo 657.º do CPC foi o processo submetido à conferência para julgamento.

II OBJECTO DO RECURSO

Delimitado o objeto do recurso pelas conclusões do Recorrente (artigos 635º, nº 4, 637º n.º 2 e 639º, nºs 1 e 3, do Código de Processo Civil), sem prejuízo das que se encontrem prejudicadas pelo conhecimento anterior de outras e não sendo lícito ao tribunal ad quem conhecer de matérias nela não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso colocam-se à apreciação deste Tribunal da Relação as seguintes questões:

- Da impugnação da matéria de facto.
- Da falta de fundamentação.

III - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Na 1ª instância apuraram-se os seguintes factos

1. O sinistrado nasceu a 16/02/1961.
2. Por via do acidente participado nos autos, por sentença proferida a 15/10/2009 (fls. 122/123) foi atribuída ao sinistrado a IPP de 29,90% e, em função desta incapacidade, um capital de remição correspondente a uma pensão anual de €1.786,59, a partir de 24/11/2008;
3. O referido capital de remição foi calculado e entregue ao sinistrado em 08/02/2011 (fls. 187);
4. Na sequência do pedido de revisão formulado nos autos pelo sinistrado, por decisão de 19/10/2011 (fls. 216/217), foi-lhe fixada a IPP de 44,85% (29,9% x 1,5) e, em consequência, foi-lhe atribuída uma pensão anual e vitalícia no valor de €2.679,88;
5. Por requerimento datado de 01/09/2016 (fls. 363 e ss), veio o sinistrado requerer nova revisão da sua incapacidade;
6. Actualmente, por via das sequelas resultantes do referido acidente de trabalho, o sinistrado está afectado de IPP de 48,75% (32,5 x 1.5);
7. O sinistrado está incapaz para a condução de veículos do Grupo 2 (motorista de pesados);
8. O sinistrado claudica e necessita de auxílio de canadiana para se movimentar;
9. O sinistrado está capaz para a condução de veículos ligeiros com caixa automática.
10. Na revalidação da carta de condução apenas ficou habilitado a conduzir veículos da categoria B1 e B, sendo-lhe retirada a carta de condução para as categorias C1, C, BE, C1E e CE, de que era anteriormente titular;
11. - O sinistrado auferia, à data do acidente, a remuneração anual de €8.536,00 [(€560,00 x 14 meses) + (€132,00 x 11 meses de subsídio de alimentação)].

IV – DA APRECIAÇÃO DO RECURSO

Da impugnação da matéria de facto

Insurge-se o sinistrado quanto ao facto de tribunal a quo não ter dado como provado que à data do acidente exercia a profissão de motorista profissional de pesados; e que em face as alterações funcionais e os impactos das limitações funcionais decorrentes das lesões e sequelas do acidente o sinistrado encontra-.se com incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual.

Vejamos!

Dispõe o artigo art.º 662.º do Código de Processo Civil e aqui aplicável por força do n.º 1 do art.º 87º do Código de Processo do Trabalho, o seguinte:

1 - A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
2 - A Relação deve ainda, mesmo oficiosamente:
a) Ordenar a renovação da produção da prova quando houver dúvidas sérias sobre a credibilidade do depoente ou sobre o sentido do seu depoimento;
b) Ordenar, em caso de dúvida fundada sobre a prova realizada, a produção de novos meios de prova;
c) Anular a decisão proferida na 1.ª instância, quando, não constando do processo todos os elementos que, nos termos do número anterior, permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto, ou quando considere indispensável a ampliação desta;
d) Determinar que, não estando devidamente fundamentada a decisão proferida sobre algum facto essencial para o julgamento da causa, o tribunal de 1.ª instância a fundamente, tendo em conta os depoimentos gravados ou registados.

(…)”
Com a actual redação do artigo 662.º do CPC. pretendeu-se, além do mais, que ficasse claro, sem prejuízo de correcção, mesmo a título oficioso de certas deficiências que afectam a decisão da matéria de facto e também sem prejuízo do ónus de impugnação que recai sobre o recorrente e suficientemente concretizado no artigo 640.º do CPC, que quando estejam em causa a impugnação de factos cuja prova tenha sido sustentada em meios de prova submetidos à livre apreciação, o Tribunal da Relação deve alterar a decisão da matéria de facto sempre que, no seu juízo autónomo, os elementos de prova que se mostrem acessíveis determinem uma solução diversa, designadamente em resultado da ponderação de relatórios periciais, documentos e depoimentos, complementados ou não pelas regras da experiência.

Em suma, a Relação deve assumir-se como verdadeiro tribunal de instância e introduzir na decisão da matéria de facto impugnada as modificações que se justificarem, desde que dentro dos seus poderes de livre apreciação dos meios de prova encontre motivo para o efeito.

Como escreve Abrantes Geraldes, in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 7ª ed., pág. 275, a propósito do citado artigo 662.º do CPC. “Com a nova formulação deixou de se prever especificadamente a modificação da decisão da matéria de facto quando os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas, possibilidade que agora se inscreve no n.º 1, do âmbito mais genérico.

Obviamente que a modificação continuará a justificar-se em tais circunstâncias, designadamente quando o tribunal recorrido tenha desrespeitado a força plena de certo meio de prova, o que ocorre quando, apesar de ter sido junto ao processo um documento com valor probatório pleno relativamente a determinado facto (arts. 371.º n.º 1, e 376.º n.º 1 do CC), o considere não provado, relevando para o efeito prova testemunhal produzida ou presunções judiciais.

O mesmo deve acontecer quando tenha sido desatendida determinada declaração confessória constante de documento ou resultante do processo (art. 358.º do CC e arts. 484.º n.º 1 e 463.º do CPC) ou tenha sido desconsiderado algum acordo estabelecido entre as partes nos articulados quanto a determinado facto (art. 574.º, n.º 2, do CPC), optando por se atribuir prevalência à livre convicção formada a partir de outros elementos probatórios (v.g. testemunhas, documento particular sem valor confessório ou prova pericial). Ou ainda nos casos em que tenha sido considerado provado certo factos com base em meio de prova legalmente insuficiente (v.g. presunção judicial ou depoimento testemunhal, nos termos dos arts. 351.º e 393.º do CC), situação em que a modificação da decisão da matéria de facto passa pela aplicação ao caso da regra de direito probatório material (art. 364.º n.º 1, do CC).

Em qualquer destes casos, a Relação, limitando-se a aplicar regras vinculativas extraídas do direito probatório material, deve integrar na decisão o facto que a 1ª instância considerou não provado ou retirar dela o facto que ilegitimamente foi considerado provado (sem prejuízo, neste caso, da sua sustentação noutros meios de prova), alteração que nem sequer depende da iniciativa da parte.”

A relação actua assim como tribunal de substituição quando o recurso se funda na errada apreciação dos meios de prova produzidos, caso em que se substitui ao tribunal da 1.ª instância e procede à valoração autónoma dos meios de prova.

Retornando ao caso em apreço e confrontando os mesmos elementos com que o Tribunal a quo se confrontou, estamos em posição de formular sobre os mesmos um juízo valorativo de confirmação ou de alteração da decisão recorrida.

Na verdade, não podemos deixar desde já de salientar que não estamos na presença de qualquer uma das situações acima mencionadas, não se vislumbrando qualquer razão para proceder à alteração da matéria de facto nos termos peticionados, pois para além de não terem sido infringidas quaisquer regras vinculativas extraídas do direito probatório material, o juiz a quo apurou os factos de harmonia com a prova produzida, designadamente a pericial e fundamentou de forma, clara e suficiente as razões pelas quais no caso não atribuiu ao sinistrado a IPATH.

Acresce dizer que de forma alguma se poderia ter dado como assente, que à data do acidente o sinistrado exercia a profissão de motorista profissional de pesados, desde logo porque estamos perante o incidente de revisão de incapacidade, pelo que todos os factos referentes à caracterização do acidente como de trabalho, bem como os referentes à relação contratual estabelecida entre o sinistrado e o empregador, neles se incluindo a profissão que o autor desempenhava à data do acidente, há muito que se encontram assentes, por decisão transitada em julgado e proferida no âmbito dos presentes autos.
Tais factos estão cobertos pelo caso julgado e não podem ser alterados por via deste incidente de revisão de incapacidade.

Na verdade, o incidente ora suscitado apenas se destina a apurar o grau de incapacidade de que o autor é actualmente portador tendo presente que a profissão que o autor exercida à data do acidente era de motorista profissional.

Daí que o tribunal a quo não podia, como não procedeu, à alteração da profissão por força de documento particular que foi junto na pendência o incidente de revisão.

Os factos referentes à profissão exercida pelo autor à data do acidente encontram-se assentes por decisão transitada em julgado, daí que não se vislumbre que o tribunal a quo tenham cometido qualquer erro na apreciação da matéria de facto apurada que importe corrigir.

Como refere a este propósito o Exmo. Procurador-Geral Adjunto junto deste tribunal no parecer junto aos autos “…no que refere à profissão do sinistrado, à data do acidente, a relevar para eventual atribuição de IPATH, já há anterior decisão transitada em julgado, a considera-lo motorista e não motorista de pesados.

De facto, no acórdão da Relação do Porto de fls. 329 a 334, transitado em julgado, ficou consignado que “Os Peritos da junta médica, quer no respectivo exame, quer nos esclarecimentos que deram posteriormente, referiram que o sinistrado tem a profissão de motorista e não de motorista de veículos pesados, como concluíram pelos dados do processo e por informações que recolheram junto do sinistrado. Assim, abrangendo a profissão do sinistrado a condução de veículos ligeiros e pesados e estando ele actualmente impossibilitado de conduzir veículos pesados, ainda lhe resta capacidade para, dentro da profissão, conduzir veículos ligeiros, isto é, o sinistrado não se encontra afectado de uma incapacidade permanente e absoluta para o exercício da profissão habitual”.

Improcede assim nesta parte o recurso.

Quanto ao facto de não se ter dado como assente que actualmente o sinistrado é portador de uma incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual, cabe-nos desde já dizer que, em concordância com a decisão recorrida, a prova produzida nos autos não nos permite concluir que o sinistrado seja actualmente portador de IPATH.

Na verdade, o laudo pericial de junta médica no âmbito do qual, por unanimidade, os Srs. Perito Médicos, após a análise de todos os elementos clínicos e periciais juntos aos autos e observação do sinistrado, responderam aos quesitos que lhe foram formulados, não atribuíram ao sinistrado IPATH, tal como já havida sucedido aquando da realização do exame médico singular.

Assim foi apenas no parecer solicitado ao IEFP que se entendeu ser de atribuir IPATH ao sinistrado, com base na análise das funções concretamente desempenhadas aí se concluindo que o sinistrado está impossibilitado de conduzir veículos pesados, classificados na legislação como Grupo 2 e para conduzir veículos ligeiros necessita de veículo equipado com caixa automática – não disponíveis na empresa.

Ora, considerando que a profissão que o sinistrado desenvolvia à data do acidente era a de motorista profissional e não a de motorista de pesados e resultando de toda a prova produzida, nela se incluindo o Relatório de Avaliação da Possibilidade de Exercício da Profissão Habitual elaborado pelo Centro de Reabilitação Profissional Y, a pedido do IEFP- Delegação regional do Norte – CTE e Formação Profissional, que o sinistrado se encontra impossibilitado da condução de veículos pesados, mas está capaz para a condução de veículos ligeiros com caixa automática, teremos de dizer que estes factos não nos permitem concluir que o sinistrado esteja absolutamente incapaz de exercer a sua profissão habitual de motorista, apenas porque a empresa onde trabalhava não possuí veículos ligeiros equipados com caixa automática, como parece resultar do referido parecer.

Como é consabido a IPATH reporta-se à total incapacidade permanente para o exercício da profissão habitual, não para o empregador concreto para o qual o sinistrado prestava as suas funções no momento do acidente, mas para qualquer empregador, sendo por isso de considerar de irrelevante e inócuo o facto do concreto empregador dispor ou não de veículo ligeiro equipado com caixa de velocidades automática.

Em face do exposto teremos de concluir que não se impõe aditar qualquer novo facto aos factos dados como provados pelo tribunal a quo, pois para além de não ter sido violada qualquer regra vinculativa extraída do direito probatório material, a prova produzida designadamente a pericial não nos permite concluir que o sinistrado é portador de IPATH.

Improcede assim nesta parte o recurso.

- Da falta de fundamentação

Insurge o recorrente quanto ao facto do Mm.º Juiz a quo não ter fundamentado, minimamente a razão por que discorda da avaliação efectuada pelos três Srs. Peritos do Centro de Reabilitação Profissional Y.

Atentemos no que a este respeito se fez consignar na decisão recorrida:

Importa, agora, apreciar, se perante essa incapacidade e a factualidade dada como assente, o sinistrado apresenta, para além da referida IPP, também incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual (IPATH) de motorista profissional.

No âmbito do pedido de revisão da incapacidade proferida nos autos, no relatório pericial da Junta Médica (fls. 213/214) fez-se constar que: “Não há lugar à aplicação de IPATH para a profissão de motorista tendo em atenção o estado que o impede de conduzir veículos da categoria 2, decidiu a junta aplicar o factor de bonificação de 1.5”. Em sede de esclarecimentos, a mesma Junta Médica no seu relatório (fls. 244/245) fez contar, por unanimidade, que: ” (…) após consulta dos diversos elementos presentes nos autos entendem que o sinistrado se encontra incapaz para conduzir veículos pesados tendo em atenção as restrições apresentadas pela DGV. No entanto a profissão habitual do sinistrado é de motorista de diversos tipos de veículos pelo que os peritos entendem que deve ser atribuído o factor 1.5 por perda da função inerente e imprescindível sendo de considerar ainda que deve utilizar veículos com caixa automática. Não há lugar pois à atribuição de I.P.A.T.H para a profissão habitual de motorista sendo a I.P.P. final atribuída de 44,85%.”.

Com base nesses elementos, foi proferida decisão no autos, considerando que o sinistrado estava incapacitado para a condução de veículos pesados (Grupo 2) e apto para a condução de veículos ligeiros (Grupo 1), considerando-se que, face a isso e ao facto da profissão habitual do sinistrado ser é de motorista, não se verificava a incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual – cfr., nomeadamente, acórdão de fls. 329 a 334.

No âmbito da aqui requerida revisão da incapacidade, resulta assente que o sinistrado apresenta actualmente uma IPP de 48,75% (32,5% x 1.5), não tendo os Srs. Peritos atribuído IPATH.

Compulsados todos os novos elementos em que assenta a fixação desta nova IPP de 48,75 (32,5% x o factor de 1.5 por o sinistrado não ser convertível no seu posto de trabalho), com os elementos já anteriormente existentes nos autos e que fundamentaram a não atribuição ao sinistrato de uma IPATH, verificamos que o quadro clínico do sinistrado, relativamente à incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual (IPATH) não sofreu qualquer agravamento que permita concluir, em sede desta nova revisão da incapacidade, pela atribuição ao sinistrado da referida IPP de 48,75 com IPATH, porquanto o sinistrado, apesar de se manter incapaz para a condução de veículos do Grupo 2 (motorista de pesados), continua a estar capaz para a condução de veículos ligeiros com caixa automática, sendo certo que, aquando da anterior revisão, já resultou (ficou assente) que o sinistrado na revalidação da carta de condução apenas ficou habilitado a conduzir veículos da categoria B1 e B, sendo-lhe retirada a carta de condução para as categorias C1, C, BE, C1E e CE, de que era anteriormente titular.

Ou seja, o quadro clínico do sinistrado, para além do agravamento da IPP de 44,85% para 48,75%, mantém-se inalterado no que respeita à não incapacidade permanente para o trabalho habitual (IPATH), mantendo-se, no entanto, a bonificação do factor 1.5, prevista na alínea a) 1ª parte do nº. 5 das Instruções Gerais da Tabela Nacional de Incapacidades (não reconvertível em relação ao posto de trabalho), como já anteriormente decidido.”

Na verdade, na decisão recorrida o Juiz a quo não se pronunciou expressamente quanto à avaliação efectuada pelo Centro de Reabilitação Profissional Y, mas em nossa opinião não o teria de fazer, pois trata-se apenas de mais um meio de prova a ter em atenção aquando da realização da junta médica, uma vez que os Srs. Peritos Médicos procederam, quer à análise da documentação clínica junta aos autos, quer à observação do sinistrado antes de responderem aos quesitos formulados.

Por outro lado, de forma clara, precisa e exaustiva o Mm.º Juiz a quo fundamentou das razões pelas quais no caso em apreço não seria de atribuir IPATH ao sinistrado, com as quais se concorda, afastando assim ainda que de forma indirecta as conclusões resultantes da avaliação efectuada pelo Centro de Reabilitação Profissional Y.

Com efeito, destinando-se o incidente de revisão da incapacidade a verificar se houve agravamento, recidiva, recaída ou melhoria da lesão ou doença que deu origem à reparação pela diminuição da capacidade de ganho do sinistrado – artigo 25.º da Lei n.º 100/97, de 13/9, a que corresponde o artigo 70.º da actual Lei n.º 98/2009, de 4/9, e constatando-se que no caso não foi atribuída ao sinistrado IPATH, nem aquando da cura clínica, nem a aquando de uma 1ª revisão e resultando ainda que o quadro clínico relativamente à incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual não sofreu qualquer agravamento, tal decorrendo quer do exame de revisão, quer do exame de junta médica, porquanto as limitações físicas decorrentes das sequelas, para o desempenho das funções profissionais são exactamente as que existiam à data da decisão do 1.º pedido de revisão da incapacidade – artrodese do joelho esquerdo e encurtamento do membro inferior esquerdo (embora ligeiramente superior), não se vislumbra qualquer razão para alterar a postura assumida.

Inexiste assim fundamento para considerar que o estado do sinistrado se agravou a ponto de estar actualmente absoluta e permanentemente incapacitado para o seu trabalho habitual.

Por fim, ainda se salienta que não vislumbramos qualquer razão válida para recorrer a outros elementos probatórios, pois apoiando-se a decisão recorrida no entendimento da junta médica que de forma clara e suficientemente fundamentada conclui pela aptidão física do sinistrado para exercer funções de motorista profissional de ligeiros (veículos de aluguer dotados de caixa automática), não existe qualquer razão de ciência que impusesse quer a divergência ao laudo pericial unânime, quer o recurso a qualquer outro elemento pericial.
Concluindo, nenhuma censura merece a decisão recorrida que de forma suficientemente fundamentada não atribuiu ao sinistrado a IPATH, razão pela qual o recurso terá de improceder.

V – DECISÃO:

Pelo exposto e nos termos dos artigos 87.º do Código do Processo do Trabalho e 663.º do Código de Processo Civil, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar o recurso improcedente, e, em consequência, confirmam a decisão recorrida.
Custas a cargo do Recorrente sem prejuízo do apoio judiciário que lhe foi concedido.
Notifique.
Guimarães, 20 de Setembro de 2018

Vera Maria Sottomayor (relatora)
Antero Dinis Ramos Veiga
Alda Martins