Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
5542/19.1T8VNF.G1
Relator: MARIA JOÃO MATOS
Descritores: CUSTAS
EXONERAÇÃO DO PASSIVO RESTANTE
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 02/01/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECLAMAÇÃO
Decisão: RECLAMAÇÃO PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I. Como regra, a responsabilidade pelo pagamento das custas assenta no princípio da causalidade e, subsidiariamente, no princípio da vantagem ou do proveito processual: um processo não deve causar prejuízos à parte que tem razão, sendo por isso as custas pagas pela parte vencida, e na medida em que o for; ou, não havendo vencimento, pela parte que tirou proveito da demanda.

II. Concedida a exoneração do passivo restante, o respectivo requerente é chamado a pagar as custas que eventualmente não tenham sido pagas à custa da massa insolvente e do rendimento disponibilizado ao abrigo da cessão de rendimento feita ao fiduciário, podendo então fazê-lo em prestações, se se mostrarem reunidos os requisitos previstos para o efeito no art.º 33.º, do RCP.

III. Sendo os recursos considerados processos autónomos para efeitos de custas, e integrando a decisão em matéria de custas o acórdão, deve a mesma ser proferida de acordo com as regras comuns nesta matéria, na certeza de que o resultado pode não ser equivalente ao que foi assumido na sentença precedente.

IV. Lendo-se no art.º 304.º, do CIRE, que as «custas do processo de insolvência são encargo da massa insolvente ou do requerente, consoante a insolvência seja ou não decretada por decisão com trânsito em julgado», entende-se que: o regime aqui exposto se aplica apenas ao próprio processo de insolvência, deixando incólumes aqueles incidentes que sejam eventuais (não de dedução sistemática e obrigatória) e processados autonomamente; e apenas serão devidas pela massa insolvente as custas que hajam de ficar a seu cargo, isto é, as que sejam devidas na medida da respectiva sucumbência, atento o disposto no art.º 527º, do CPC, aplicável ex vi do art.º 17 do CIRE.

V. Tendo o insolvente beneficiado com a concessão da exoneração do passivo restante recorrido da desconsideração nos autos do benefício de apoio judiciário que lhe foi concedido, inexistindo quaisquer contra-alegações no seu recurso, tendo o mesmo sido decidido de forma inteiramente favorável à sua pretensão, sem que se pudesse refletir negativamente na esfera jurídica de qualquer inexistente recorrido, teria o mesmo de ser responsabilizado pelo pagamento das custas da apelação, já que da mesma tirou proveito, cabendo-lhe ainda a responsabilidade pelas custas do incidente de exoneração do passivo restante.

VI. O fundamento legal da condenação em custas no dito recurso de apelação é o art.º 527.º, n.º 1, do CPC, aplicável ex vi do art.º 17.º, do CIRE, e não o art.º 304.º, II parte, do CIRE, conforme por lapso se indicou no acórdão, justificando-se nesta limitada medida a sua reforma.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães
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ACÓRDÃO (reforma quanto a custas)

I - RELATÓRIO
1.1. Decisão impugnada
1.1.1. Em 18 de Setembro de 2019 AA, residente na Rua ..., em ... (aqui Recorrente), propôs o presente processo especial de insolvência, pedindo que:

· fosse declarada em estado de insolvência;

· e lhe fosse concedido o benefício de exoneração do seu passivo restante.

1.1.2. Em 01 de Outubro de 2019 foi proferida sentença, declarando a insolvência da Requerente (AA).

1.1.3. Em 14 de Novembro de 2019 foi proferida decisão, determinando o encerramento do processo de insolvência, considerando a mesma fortuita, admitindo liminarmente o pedido de exoneração do passivo restante e fixando o rendimento disponível da Insolvente (AA) para cedência aos respectivos credores em duas remunerações mensais mínimas garantidas.

1.1.4. Em 14 de Fevereiro de 2023 decorrido o período de cessão do rendimento disponível, foi proferida decisão, concedendo à Insolvente (AA) o benefício de exoneração do passivo restante, lendo-se nomeadamente na mesma:
«(…)
Atento o teor da decisão inicial de deferimento liminar do pedido de exoneração do passivo restante, mostram-se verificados os pressupostos contemplados no artigo 237.º do CIRE [[1]].
Por outro lado, não ocorreu nenhum dos fundamentos de recusa do pedido de exoneração do passivo restante, nos termos do artigo 238.º, aplicável ex vi do artigo 244.º, n.º 2, do CIRE.
O fiduciário pronunciou-se em sentido favorável à concessão da exoneração.
Nessa conformidade, em face do supra exposto, conclui-se que não se verifica motivo para o indeferimento do pedido de exoneração do passivo restante da insolvente.
Pelo exposto, e com os fundamentos explanados, decido exonerar a insolvente AA do passivo restante e, em consequência determino a extinção de todos os créditos sobre a insolvência que ainda subsistam nesta data, com exclusão de créditos por alimentos, indemnizações devidas por factos ilícitos dolosos participados pelos devedor que hajam sido reclamados nessa qualidade, os créditos por multas, coimas e outras sanções pecuniárias por crimes ou contraordenações e os créditos tributários.
Quanto a custas: Dispõe o artigo 248.º, n.º 1 do CIRE que “O devedor que apresente um pedido de exoneração do passivo restante beneficia do diferimento do pagamento das custas até à decisão final desse pedido, na parte em que a massa insolvente e o seu rendimento disponível durante o período da cessão sejam insuficientes para o respetivo pagamento integral, o mesmo se aplicando à obrigação de reembolsar o organismo responsável pela gestão financeira e patrimonial do Ministério da Justiça das remunerações e despesas do administrador da insolvência e do fiduciário que o organismo tenha suportado”.
No caso dos autos, valores cedidos no período de cessão são baixos, a massa não tem qualquer liquidez, e existem custas a pagar e pagamento ao senhor fiduciário.
Assim, sendo a massa insolvente e o rendimento disponível da insolvente durante o período da cessão insuficiente para o respetivo pagamento integral, tem a insolvente que pagar as custas do processo e reembolsar o IGFEJ dos valores adiantados, nos termos daquele artigo 248.º, n.º 1CIRE. Termos em que se ordena o seu pagamento pela massa insolvente, sendo a massa insuficiente para o respetivo pagamento, passa a insolvente a responder pelo pagamento da parte não coberta pelas forças da massa insolvente.
Notifique.
 (…)»

1.1.5. Em 22 de Fevereiro de 2022 a Insolvente (AA) apresentou ao Instituto da Segurança Social, I.P. um pedido de protecção jurídica (vulgo, apoio judiciário), indicando em frente ao campo impresso «Finalidade do pedido» «Acção de insolvência 5542/19.... ... - Juízo Comércio - Juiz ... Tribunal Judicial da Comarca ... (...)».
 
1.1.6. Em 12 de Maio de 2023 foi elaborada a conta dos autos, sendo cometido à Insolvente (AA) o pagamento da quantia global de € 3.040,38.

1.1.7. Em 26 de Maio de 2023 o Instituto da Segurança Social, I.P. deferiu à Insolvente (AA) o benefício de apoio judiciário, nas modalidades de dispensa de pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo e de atribuição de agente de execução.

1.1.8. Em 01 de Junho de 2023 em vista aberta para o efeito, o Ministério Público exarou a seguinte posição:
«Atendendo ao que vem informado pela Segurança Social, nada tenho a requerer quanto ao pagamento das custas em dívida».

1.1.9. Em 02 de Junho de 2023 foi proferido despacho, desconsiderando nos autos a concessão à Insolvente (AA) do benefício de apoio judiciário, lendo-se nomeadamente no mesmo:
«(…)
O apoio judiciário foi requerido pela insolvente em março de 2023. Mas a sua insolvência, declarada neste processo, foi decretada a 1-10-2019. Pelo que não pode ser considerado para os presentes autos, nos termos do disposto no artigo 18.º, n.º 2 da lei do Apoio Judiciário.
(…)»

1.1.10. Em 05 de Junho de 2023 a Insolvente (AA) veio defender que o despacho em causa deveria «ser corrigido», por padecer «de erro de facto e de direito», pedindo ao Tribunal a quo que procedesse a essa correcção.
Alegou para o efeito, em síntese: estar «legalmente impedida de requerer este benefício aquando da entrada da ação ou mesmo da declaração de insolvência, pois o mesmo era afastado na sua concessão na modalidade de dispensa de taxa de justiça ou encargos pelo então artigo 284.º, n.º 4 do CIRE»; «só na data do pedido é que estava numa situação de carência/insuficiência económica que a impedia de poder suportar os custos judiciais, conquanto estes não existiam por beneficiar do seu diferimento»; e ser qualquer outra interpretação do art.º 18.º do regime do Acesso aos Direito e aos Tribunais [2] desconforme «com os princípios constitucionais, mormente da defesa e de acesso a uma tutela jurisdicional efetiva», consubstanciando, por isso, «uma interpretação inconstitucional».

1.1.11. Em 14 de Julho de 2023 o Tribunal a quo indeferiu o pedido de correcção do seu anterior despacho, lendo-se nomeadamente na sua decisão:
«(…)
Assim, tendo em conta que o disposto no artigo 18.º, n.º 2 LAJ não foi alterado e que obriga ao requerente do apoio antes da primeira intervenção processual ou quando ocorra uma situação de insuficiência económica superveniente, a insolvente já estava em situação de insuficiência económica à data do seu pedido de insolvência na petição inicial interposta a 18.9.2019.
E não pode invocar ter estado legalmente impedida de requerer o apoio judiciário pois tal não corresponde à verdade. Aquele apenas não era considerado na modalidade de dispensa de taxa de justiça até ao momento do cômputo das custas finais, face ao privilégio do diferimento do pagamento das custas até à decisão final, concedido pelo artigo 248.º, n.º 1 CIRE, por ter apresentado um pedido de exoneração do passivo restante.
Pelo exposto, notifique a Segurança Social e a insolvente do presente despacho, mantendo-se a decisão de desconsiderar a concessão do apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça e encargos por ter sido requerido em março de 2023 quando a insolvência da requerente havia sido pedida a 18-9-2019 e declarada a 1-10-2019.
(…)»

1.1.12. Em 22 de Setembro de 2023 o Instituto da Segurança Social, I.P., notificado do despacho proferido em 02 de Junho de 2023, comunicou à Insolvente (AA) a sua proposta de cancelamento do benefício de apoio judiciário que lhe concedera antes, por forma a que a mesma exercesse sobre ela o respectivo contraditório, lendo-se nomeadamente na dita proposta:
«(…)
Tal proposta de cancelamento decorre do facto deste serviço ter sido notificado pelo Tribunal Judicial da Comarca ..., ... – Juízo de Comércio – Juiz ..., no âmbito do Processo 5542/19...., “Insolvência de Pessoa Singular (Apresentação)” o competente despacho do qual se anexa (…).
Ora considerando os factos alinhados supra, é manifesto que o requerimento de apoio judiciário é intempestivo, porque na realidade, não pode ser concedido apoio judiciário apenas para a não sujeição ao pagamento das custas já contadas ou liquidadas ou em curso iminente de contagem ou liquidação.

Considerando-se extemporâneo o presente apoio jurídico concedido.

Nos termos do disposto no art. 10, nº 1 al. b) da LPJ a proteção jurídica é cancelada se, quando se prove por novos documentos a insubsistência das razões pelas quais foi concedida.
(…)»

1.1.13. Em 27 de Outubro de 2023 o Instituto da Segurança Social, I.P. manteve o benefício de apoio judiciário antes concedido à Insolvente (AA), «por se ter comprovado a insuficiência económica invocada».

1.1.14.  Tendo a Insolvente (AA) interposto recurso de apelação do despacho proferido em 02 de Junho de 2023 (que desconsiderou nos autos a concessão que lhe fora feito do benefício de apoio judiciário), foi proferido acórdão por este Tribunal da Relação de Guimarães, em 07 de Dezembro de 2023, julgando-o procedente, com custas da apelação a cargo da Insolvente, lendo-se nomeadamente no mesmo:
«(…)
Pelo exposto, e nos termos das disposições legais citadas, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar procedente o recurso de apelação interposto por AA e, em consequência, em

· Declarar a nulidade da decisão recorrida (que indeferiu a consideração nos autos do benefício de apoio judiciário requerido por ela após a prolacção da decisão final de mérito, que lhe concedeu a exoneração do passivo restante).
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Custas pela Requerente recorrente (conforme art.º 304.º, II parte, do CIRE).
(…)»
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1.2. Pedido de reforma
1.2.1. Face ao dito acórdão, a Insolvente (AA) veio pedir a respectiva reforma quanto a custas, defendendo que «a decisão promanada incorre em lapso no que concerne a Custas, uma vez que condena a Apelante nas mesmas», «quando a Apelação da recorrente, aqui Requerente, foi julgada procedente».
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1.2.2. Não foi apresentada qualquer resposta nos autos.
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II - QUESTÕES QUE IMPORTA DECIDIR

Mercê do exposto, uma única questão é agora submetida à apreciação deste Tribunal:

· Questão Única - Incorreu o acórdão proferido em erro na condenação em custas, nomeadamente por ter cometido a custas da apelação a cargo da Insolvente (AA) que obtivera provimento no recurso (justificando a sua reforma, nos termos do art.º 616.º, n.º 1, do CPC)?
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III - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Com interesse para a apreciação da questão única enunciada, encontram-se assentes nos autos (mercê do seu próprio conteúdo) os factos referidos em «I - RELATÓRIO» antecedente, que - por economia - aqui se dão por integralmente reproduzidos.
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IV - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

4.1. Reforma quanto a custas 
4.1.1. Esgotamento do poder jurisdicional - Alteração subsequente da decisão proferida
Lê-se no art.º 613.º, n.º 1, do CPC, que, proferida «a sentença, fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa».
Quer isto significar que, tendo o juiz proferido decisão, não a pode em regra rever, alterando a decisão da causa, ou modificando os seus fundamentos, ficando esta susceptibilidade de modificação reservada para a sede própria, de recursos.
Contudo, apesar de extinto o poder jurisdicional com a prolação da sentença, ressalva-se a possibilidade, a pedido das partes [3]: da sua reforma, nas hipóteses do art.º 616.º, n.º 1 e n.º 2, do CPC; e a reparação de nulidades cometidas, elencadas no art.º 615.º, n.º 1, do CPC.
A disciplina contida nos art.ºs 613.º a 617.º, do CPC, é aplicável aos próprios despachos (por força do n.º 3, do art.º 613.º), bem como aos acórdãos (por força do art.º 666.º, do mesmo diploma).
           
Precisa-se, porém (e nos termos dos art.ºs 616.º, n.º 1 e 666.º, n.º 2, ambos do CPC), que sendo pedida a reforma do acórdão quanto a custas, caberá à conferência de juízes que inicialmente o proferiu apreciá-la e decidi-la.
Se, porém, a conferência de juízes deferir o pedido de reforma, considera-se a decisão proferida como complemento e parte integrante do prévio acórdão (art.ºs 617.º, n.º 2 e 666.º, n.º 1, ambos do CPC).
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4.1.2. Reforma (quanto a custas) 
Lê-se no art.º 616.º, n.º 1, do CPC, e no que ora nos interessa, que a «parte pode requerer, no tribunal que proferiu a sentença [aqui, leia-se acórdão], a sua reforma quanto a custas».
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4.1.2.1. Custas (definição) 
As custas processuais (lato sensu) compreendem a taxa de justiça [4], os encargos [5] e as custas de parte [6] (art.º 529.º, n.º 1, do CPC).
Do mesmo modo se dispõe no art.º 3.º, n.º 1, do RCP, onde se lê que as «custas processuais compreendem a taxa de justiça, os encargos e as custas de parte».
Com efeito, está pacificamente aceite que a garantia constitucional do acesso ao Direito (art. 20.º da CRP) não postula a gratuidade no acesso à justiça: a actividade jurisdicional não é exercida gratuitamente, impendendo sobre os litigantes o ónus de pagar determinadas taxas para que possam pôr em marcha a máquina da justiça; e têm de satisfazer, no final do processo, todas as quantias de que o Tribunal se não haja embolsado por meio daquele adiantamento (conforme José Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Volume II, Coimbra Editora, 1981, pág. 199).
Reconhece-se, assim, uma certa liberdade ao legislador, na determinação dos concretos encargos (espécie e montantes) a suportar pelo utente do serviço [7].

Contudo, importa que o concreto encargo a suportar não se converta numa barreira intransponível, ou excessivamente dificultadora, do acesso aos tribunais, tendo nomeadamente em conta a capacidade económica do vulgar cidadão; e, nesta aferição, são precisamente as imposições constitucionais da proporcionalidade (art.º 18.º, n.º 2, II parte, do CRP) e da tutela do acesso ao direito e à justiça (art.º 20.º, da CRP) que constituem os limites inultrapassáveis da liberdade conformadora do legislador ordinário [8].
Interdita-se, deste modo, a fixação de taxas de tal modo elevadas, desfasadas do custo e da utilidade do serviço prestado, que, na prática, possam inibir o cidadão comum de aceder à justiça, comprometendo a tutela jurisdicional efetiva dos direitos subjetivos e interesses legalmente protegidos [9].
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4.1.2.2. Responsabilidade pelas custas (critérios de cometimento)
Lê-se no art.º 527.º, do CPC, que a «decisão que julgue a ação ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da ação, quem do processo tirou proveito» (n.º 1); e entende-se «que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for» (n.º 2).
Precisa-se, antes de mais, que, envolvendo «o conceito de custas (…) um sentido lato abrangente da taxa de justiça, dos encargos e das custas de parte, e um sentido estrito, este apenas reportado aos encargos e às custas de parte», é este último «o sentido a que o normativo em análise se reporta» (Salvador da Costa, As Custas Processuais - Análise e Comentário, 8.ª edição, Almedina, pág. 8, com bold apócrifo).

Prosseguindo, no art.º 527.º, do CPC, procura-se uma correspondência entre a responsabilidade pelo pagamento das custas e o resultado da actividade processual dos sujeitos intervenientes no processo: a responsabilidade pelo pagamento das custas assenta precisamente na ideia de que um processo não deve causar prejuízos à parte que tem razão, sendo por isso as mesmas pagas pela parte vencida, e na medida em que o for [10]; ou, não havendo vencimento, pela parte que tirou proveito da demanda [11]. Logo, procura-se não se impor um sacrifício patrimonial à parte em benefício da qual a actividade do tribunal se realizou, uma vez que é do interesse do Estado que a utilização do processo não cause prejuízo ao litigante que tem razão.
Compreende-se, por isso, que se afirme que, no regime de custas definido pelo legislador ordinário para o processo civil, a responsabilidade pela dívida de custas em sede cível assenta, a título principal, no princípio da causalidade (indiciado pelo princípio da sucumbência), isto é, as custas serão suportadas pela parte que a elas houver dado causa, entendendo-se como tal a parte vencida, na proporção em que o for [12]. Só subsidiariamente a responsabilidade pelas custas apelará ao princípio da vantagem ou do proveito resultante do processo, isto é, só quando, pela natureza da acção, não haja lugar a vencimento por qualquer das partes, as custas serão suportadas por quem do processo tirou proveito (conforme Ac. do TC, publicado no DR n.º 130/2015, Série II, de 02.07.2015) [13].
Compreende-se ainda que, se as custas da parte vencedora são suportadas pela parte vencida, na proporção do seu decaimento, se consagre o princípio da justiça tendencialmente gratuita para quem obtém ganho de causa.

Concretizando, o «critério para determinar quem dá causa à ação, incidente ou recurso, prescinde, em princípio, de qualquer indagação autónoma: dá-lhe causa quem perde». Assim, e quanto «à ação, perde-a o réu quando e condenado no pedido; perde-a o autor quando o réu é absolvido do pedido ou da instância». Já no «caso dos recursos, as custas ficam por conta do recorrido ou do recorrente, conforme o recurso obtenha ou não provimento; mas, se o recorrido não tiver contra-alegado e a decisão do recurso, favorável ao recorrente, não se refletir negativamente na esfera jurídica do recorrido, será responsável pelas custas do recurso quem for condenado nas custas da ação no final» [14]. «Se o êxito for apenas parcial, o encargo das custas é repartido entre ambas as partes, na proporção em que cada uma tenha ficado vencida». Por fim, nos «processos cuja decisão não implica o vencimento de qualquer das partes» - v.g. acção de divisão de coisa comum -, «atende-se ao proveito que cada um tenha tirado do resultado do processo, ou seja, ao valor atribuído a cada interessado» (José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Volume 2.º, 3.ª edição, Almedina, Março de 2018, págs. 419 e 420).
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Mais se lê, no art.º 535.º, n.º 1, do CPC que, quando «o réu não tenha dado causa à acção e a não conteste, são as custas pagas pelo autor». Logo, em «tais circunstâncias, a imputação dos custos da demanda à parte favorecida pressupõe cumulativamente os seguintes requisitos: que o réu não tenha dada causa à acção (causalidade pré-processual) e que a não conteste (causalidade processual)» (António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Volume I, Almedina, Setembro de 2018, pág. 588).
Entende-se nomeadamente que «o réu não deu causa à ação» quando «o autor se proponha exercer um mero direito potestativo, que não tenha origem em qualquer facto ilícito praticado pelo réu», quando «a obrigação do réu só se vencer com a citação ou depois de proposta a ação», quando «o autor, munido de um título com manifesta força executiva, recorra ao processo de declaração» e quando «o autor, podendo logo interpor recurso de revisão, faça uso sem necessidade do processo de declaração» (n.º 2, do art.º 535.º citado).

O disposto no art.º 535.º, do CPC, faz cessar a aplicação do critério do vencimento previsto no art.º 527.º, do mesmo diploma. Compreende-se que assim seja, já que o «critério do vencimento repousa na ideia de que, na normalidade dos casos, a parte vencida dá causa à ação, ou pelo comportamento dentro do processo, peticionando ou contestando sem razão, ou pelo seu comportamento antes do processo, ainda que não contestando a ação contra si proposta. Por isso, deve ser afastado quando o réu nem intervém no processo, contestando, nem teve, antes dele, um comportamento de que resulte ser-lhe imputável a propositura da ação» (José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Volume 2.º, 3.ª edição, Almedina, Março de 2018, pág. 440).   
Contudo, embora se aplique aqui a regra «do proveito ou do beneficio retirado da procedência da ação», a «causalidade não deixa de estar presente nas diversas situações prefiguradas pelo legislador, não sendo já encontrada através do binómio vencimento-decaimento, mas por via de outros fatores: a irresponsabilidade do réu pelos factos invocados pelo autor em apoio de um direito potestativo; a antecipação injustificada da propositura da ação; a desnecessidade da ação declarativa em face ao caminho mais direto e mais eficaz da ação executiva ou do recurso de revisão» (António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Volume I, Almedina, Setembro de 2018, pág. 588, com bold apócrifo).

Concluindo, a matéria de custas judiciais «obedece aos seguintes princípios fundamentais: onerosidade da atividade jurisdicional, responsabilização da parte causadora da demanda pelas custas do processo e proporcionalidade entre o montante global e a natureza, valor e tramitação da ação» (António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Volume I, Almedina, Setembro de 2018, pág. 579) [15].
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4.1.2.3. Responsabilidade pelas custas no incidente de exoneração do passivo restante
Lê-se no art.º 248.º, do CIRE (sob a actual epígrafe de «Custas» [16]), que: o «devedor que apresente um pedido de exoneração do passivo restante beneficia do diferimento do pagamento das custas até à decisão final desse pedido, na parte em que a massa insolvente e o seu rendimento disponível durante o período de cessão sejam insuficientes para o respectivo pagamento integral, o mesmo se aplicando à obrigação de reembolsar o organismo responsável pela gestão financeira e patrimonial do Ministério da Justiça das remunerações e despesas do administrador da insolvência e do fiduciário que o organismo tenha suportado» (n.º 1); vindo a ser-lhe «concedida a exoneração do passivo restante, o disposto no artigo 33.º do Regulamento das Custas Processuais é aplicável ao pagamento das custas e à obrigação de reembolso referida no número anterior» (n.º 2); mas se «a exoneração for posteriormente revogada, caduca a autorização do pagamento em prestações, e aos montantes em dívida acrescem juros de mora calculados como se o benefício previsto no n.º 1 não tivesse sido concedido, à taxa previstas no n.º 1 do artigo 33.º do Regulamento das Custas Processuais» (n.º 3).

Precisa-se - nomeadamente, face ao n.º 1, do art.º 248.º citado - que o devedor não terá que suportar, na pendência do incidente de exoneração do passivo restante, quaisquer custas, isto é, não só as pertinentes ao dito incidente, como também as relativas a todo o processo de insolvência [17].
Assim, deduzindo o dito incidente, não terá desde logo de pagar a taxa de justiça devida por esse impulso, diferindo-se o seu pagamento para final, quando lhe for concedida ou recusada a mesma, na ausência ou insuficiência da massa insolvente ou dos rendimentos cedidos para esse efeito [18].

Precisa-se ainda - nomeadamente, face ao n.º 2, do art.º 248.º citado - que o legislador afirmou expressamente que aquele pagamento de custas terá de ser feito, caso seja concedida a exoneração do passivo restante: disse-o numa altura em que o futuro pagador das custas se apresenta à insolvência, quando está absolutamente incapacitado de cumprir as suas obrigações e de pagar aos seus credores, quando atingiu o limite mínimo de sobrevivência, quando o seu grau de indigência chegou ao limiar do razoável.
Contudo, e depois de proferida a decisão final no âmbito desse incidente, só será chamado a pagar as custas que eventualmente não tenham sido já pagas à custa da massa e do rendimento disponibilizado ao abrigo da cessão feita ao fiduciário, podendo então fazê-lo em prestações, se se mostrarem reunidos os requisitos previstos para o efeito no art.º 33.º, do RCP.
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4.1.2.4. Compatibilização do regime próprio do processo de insolvência com as regras gerais de responsabilização por custas
Ora, este regime próprio de atribuição da responsabilidade por custas na exoneração do passivo restante não contende, nem com o art.º 304.º, do CIRE, nem com os critérios gerais da lei processual civil, aplicáveis ex vi do art.º 17.º, do CIRE (onde se lê que o «processo de insolvência rege-se pelo Código de Processo Civil em tudo o que não contrarie as disposições do presente Código»).

Com efeito, lendo-se no art.º 304.º, do CIRE, que as «custas do processo de insolvência são encargo da massa insolvente ou do requerente, consoante a insolvência seja ou não decretada por decisão com trânsito em julgado», entende-se que o regime aqui exposto se aplica apenas ao próprio processo de insolvência, deixando incólumes aqueles incidentes que sejam eventuais (não de dedução sistemática e obrigatória) e processados autonomamente [19].
Entende-se, ainda, que apenas serão devidas pela massa insolvente as custas que hajam de ficar a seu cargo, isto é, as que sejam devidas na medida da respetiva sucumbência, atento o disposto no art.º 527º, do CPC, aplicável ex vi do art.º 17 do CIRE. Logo, a decisão que julgue algum incidente ou recurso condena em custas a parte que a elas houver dado causa (isto é, a parte vencida na proporção que o for), ou, não havendo vencimento, quem do processo tirou proveito.
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4.2. Caso concreto (subsunção do Direito aplicável)
Concretizando, verifica-se que, tendo a Insolvente (AA) vindo requerer a exoneração do passivo restante, beneficiou do diferimento do pagamento da taxa de justiça que seria devida pela dedução de um tal incidente.
Mais se verifica que, vindo a dita exoneração a ser-lhe concedida, e sendo a massa insolvente e o rendimento disponível entregue à fidúcia insuficientes para o pagamento das custas devidas, foi notificada para as pagar, no valor de € 3.040,38.
Verifica-se ainda que, pedindo então a concessão do benefício de apoio judiciário, na modalidade de dispensa de pagamento de taxa de justiça e demais encargos, e sendo-lhe o mesmo concedido, foi proferido despacho pelo Tribunal a quo, declarando que o dito benefício não poderia ser considerado nos autos, por ter sido requerido já depois de ter sido decretada a insolvência respectiva.
Por fim, verifica-se que, tendo a Insolvente (AA) recorrido daquela decisão, que não foi contra-alegada por quem quer que fosse, obteve vencimento, mantendo-se, por isso, os efeitos da concessão do apoio judiciário requerido e concedido.
Ora, inexistindo quaisquer contra-alegações nos autos deste recurso, e tendo a sua decisão sido favorável à Recorrente (AA), sem que se pudesse reflectir negativamente na esfera jurídica de qualquer (inexistente) recorrido, teria aquela de ser responsabilizada pelo pagamento das custas respectivas, já que do recurso tirou proveito, cabendo-lhe ainda a responsabilidade pelas custas do incidente de exoneração do passivo restante.

Contudo, estando correcta a decisão que assim a condenou no acórdão sob reforma, certo é que o fundamento legal que então se invocou («art.º 304.º, II parte, do CIRE») resultou de involuntário - mas não manifesto - lapso, já que o que ali deveria constar seria o art.º 527.º, n.º 1, do CPC, aplicável ex vi do art.º 17.º, do CIRE.

O exposto em nada contende com os efeitos do benefício de apoio judiciário que já lhe foi concedido, e que, por força do decidido no acórdão agora sob reforma, terá efectivamente que ser considerado pelo Tribunal a quo.
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Importa, assim, decidir em conformidade, pela parcial procedência da reforma quanto a custas pedida pela Insolvente (AA).
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V - DECISÃO

Pelo exposto, e nos termos das disposições legais citadas, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar parcialmente procedente e parcialmente improcedente a reforma quanto a custas pedida pela Insolvente (AA) e, em consequência, em:

· Alterar o segmento decisório quanto a custas do acórdão proferido em 07 de Dezembro de 2023, por alteração da indicação da norma legal que fundamentou a condenação da Recorrente nas custas da apelação (que se mantém), já que a mesma é correctamente o art.º 527.º, n.º 1, do CPC, aplicável ex vi do art.º 17.º. do CIRE (e não, como ali consta originalmente, o art.º 304.º, II parte, do CIRE), passando a ler-se no mesmo - «Custas da apelação pela Requerente recorrente (conforme art.º 527.º, n.º 1, do CPC, aplicável ex vi do art. 17.º, do CIRE), sem prejuízo do benefício de apoio judiciário que lhe foi concedido nos autos».
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Guimarães, 01 de Fevereiro de 2024.
O presente acórdão é assinado electronicamente pelos respectivos

Relatora - Maria João Marques Pinto de Matos;
1.ª Adjunta - Alexandra Maria Viana Parente Lopes;
2.º Adjunto - José Alberto Martins Moreira Dias.



[1] Recorda-se que CIRE é Código de Insolvência e da Recuperação de Empresas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 53/04, de 18 de Março, objecto desde então de sucessivas alterações.
[2] O regime do Acesso ao Direito e aos Tribunais foi aprovado pela Lei n.º 34/2007, de 29 de Julho, objecto desde então de sucessivas alterações.
[3] O juiz não pode, aqui, agir oficiosamente, sob pena de violação do princípio do esgotamento do poder jurisdicional.
Neste sentido, Ac. da RC, de 20.10.2015, Maria Domingas Simões, Processo n.º 231514/11.3YIPRT.C1 (in www.dgsi.pt, como todos os demais citados sem indicação de origem).
[4] Lê-se no art.º 529.º, n.º 2, do CPC, que a taxa de justiça «corresponde ao montante devido pelo impulso processual de cada interveniente e é fixado em função do valor e complexidade da causa, nos termos do Regulamento das Custas Processuais».
Do mesmo modo se dispõe no art.º 6.º, n.º 1, do RCP, onde se lê que a «taxa de justiça corresponde ao montante devido pelo impulso processual do interessado e é fixada em função do valor e complexidade da causa de acordo com o presente Regulamento, aplicando-se, na falta de disposição especial, os valores constantes da tabela I-A, que faz parte integrante do presente Regulamento».
Mais se lê, no art.º 530.º, n.º 1, do CPC, que a «taxa de justiça é paga apenas pela parte que demande na qualidade autor ou réu, exequente ou executado, requerente ou requerido, recorrente e recorrido, nos termos do disposto no Regulamento das Custas Processuais».
Logo, a taxa de justiça é suportada exclusivamente pelo requerente (para promoção de acções e recursos, bem como de determinados incidentes, ou para os contraditar), enquanto impulsionador do processo (isto é, quer do lado activo, quer do lado passivo) e à medida que o faz. A obrigação do seu pagamento não é, por isso, exclusiva da parte vencida: a parte vencedora também está obrigada ao seu pagamento, como contrapartida da prestação de um serviço público.
Ora, sendo a taxa de justiça suportada exclusivamente pelo requerente, enquanto impulsionador do processo, e à medida que o faz, vindo o mesmo a obter vencimento na acção, terá então o direito a ser ressarcido pela parte vencida das custas que teve de suportar (ocorrendo esse ressarcimento precisamente no quadro do regime das custas de parte).
[5] Lê-se no art.º 529.º, n.º 3, do CPC, que são encargos «do processo todas as despesas resultantes da condução do mesmo, requeridas pelas partes ou ordenadas pelo juiz da causa».
Mais se lê, no art.º 532.º, do CPC, que «cada parte paga os encargos a que tenha dado origem e que se forem produzindo no processo» (n.º 1), exceptuando-se porém «os encargos com a realização de diligências manifestamente desnecessárias e de carácter dilatório», que são «exclusivamente suportadas pela parte requerente, independentemente do vencimento ou da condenação em custas» (n.º 4).
Do mesmo modo se dispõe no art.º 20.º, n.º 1, do RCP, onde se lê que os «encargos são pagos pela parte requerente ou interessada, imediatamente ou no prazo de 10 dias a contar da notificação do despacho que ordene a diligência, determine a expedição ou cumprimento de carta rogatória ou marque a data da audiência de julgamento».
Compreende-se, por isso, que se afirme que decorre «da lei que o critério concernente à responsabilidade pelo pagamento dos encargos com o processo, ou seja, das despesas relativas à sua tramitação, é essencialmente o da causalidade» (Salvador da Costa, Regulamento das Custas Processuais, 4.ª edição, Almedina, 2012, pág. 92). 
[6] Lê-se no art.º 529.º, n.º 4, do CPC, que as custas de parte «compreendem o que cada parte haja despendido com o processo e tenha direito a ser compensada em virtude da condenação da parte contrária, nos termos do Regulamento das Custas Processuais».
Mais se lê, no art.º 533.º, do CPC, que «as custas da parte vencedora são suportadas pela parte vencida, na proporção do seu decaimento e nos termos previstos no Regulamento das Custas Processuais» (n.º 1), nelas se compreendendo as «taxas de justiça pagas», os «encargos efectivamente suportados pela parte», as «remunerações pagas ao agente de execução e as despesas por este efectuadas» e os «honorários do mandatário e as despesas por este efectuadas» (n.º 2).
Do mesmo modo se dispõe no art.º 26.º, n.º 3, do RCP, onde se lê que nas custas de parte - em que é condenada a parte vencida - se contêm: os valores de taxa de justiça pagos pela parte vencedora, na proporção do vencimento; os valores pagos pela parte vencedora a título de encargos, incluindo as despesas do agente de execução; 50% do somatório das taxas de justiça pagas pela parte vencida e pela parte vencedora, para compensação a esta última das despesas com honorários do mandatário judicial, desde que sejam discriminados na nota justificativa e não excedam aquele montante; e os valores pagos a título de honorários de agente de execução [6].
Logo, a parte vencedora pode proceder ao acerto da distribuição das custas em função do vencimento verificado a final, sendo este apenas apurado com o trânsito em julgado da decisão que o defina; e repercutindo-se (v.g. alterando-as) nas custas provisórias das eventuais e anteriores instâncias, inclusive recursivas. Exigirá, então, da parte vencida aquilo que pagou em excesso (face ao dito vencimento). 
[7] Neste sentido, Ac. do TC, n.º 227/2007, de 28.03.2007, Paulo Mota Pinto (in www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos, como todos os demais citados deste Tribunal).
[8] Neste sentido, Ac. do TC, n.º 421/2013, de 15.07.2013, Carlos Fernandes Cadilha, onde se lê que, dispondo o legislador de «uma larga margem de liberdade de conformação em matéria de definição do montante das taxas», é, porém, necessário que «a causa e justificação do tributo possa ainda encontrar-se, materialmente, no serviço recebido pelo utente, pelo que uma desproporção manifesta ou flagrante com o custo do serviço e com a sua utilidade para tal utente afeta claramente uma tal relação sinalagmática que a taxa pressupõe».
[9] Neste sentido, Ac. do TC, n.º 361/2015, de 09.07.2015, Fernando Vaz Ventura, onde se lê que, dispondo o legislador «de uma larga margem de liberdade de conformação, competindo-lhe repartir os pesados custos do funcionamento da máquina da justiça, fixando a parcela que deve ser suportada pelos litigantes e a que deve ser inscrita no orçamento do Estado», não pode «postergar, porém, a vinculação decorrente da tutela do acesso ao direito e à justiça, direito fundamental consagrado no artigo 20.º da Constituição, incompatível com a fixação de taxas de tal forma elevadas que percam um mínimo de conexão razoável com o custo e a utilidade do serviço prestado e, na prática, impeçam pela sua onerosidade a generalidade dos cidadãos de aceder aos Tribunais.
Assim, e sempre que se pronunciou sobre o domínio de regulação em apreço, o Tribunal não afastou a solvabilidade constitucional, em geral, de critério normativo de fixação do montante da taxa de justiça radicado no valor da causa, enquanto padrão de aferição da correspetividade do tributo. Daí que não tenham merecido censura soluções legais de tributação que, mesmo que determinadas em exclusivo por critérios de valor da ação, não conduziram, nos concretos casos em apreço, à fixação de taxa de justiça evidentemente desproporcionada (cfr. Acórdãos n.ºs 349/2001, 151/2009, 301/2009 e 534/2011). Mas, por outro lado, sempre que o funcionamento do critério tributário assente no valor da ação - maxime a ausência de um teto máximo ou de mecanismos moderadores do seu crescimento linear em ações de maior valor levou a uma manifesta desproporção entre o valor cobrado de taxa de justiça e o custo implicado no serviço de justiça, o Tribunal considerou as normas que a tal conduziram merecedoras de censura constitucional (cfr. Acórdãos n.ºs 227/2007, 471/2007, 116/2008, 301/2009, 266/2010, 421/2013, 604/2013, 179/2014 e 844/2014)».
[10] «Vencido» é aquele que não viu os seus interesses satisfeitos, em cuja esfera jurídica se repercutem negativamente os efeitos da decisão judicial; e se os ditos interesses ficaram totalmente postergados, o vencimento da parte contrária é total, enquanto se aqueles interesses ficaram parcialmente satisfeitos, este vencimento é parcial.
[11] Tira proveito da demanda a parte cuja esfera jurídica se mostre favorecida em face da decisão de mérito proferida.
[12] Com efeito, «existindo um vencedor, por princípio e natureza, não lhe pode ser imputada a responsabilidade pela obrigação do pagamento das custas por ser de afastar, naturalmente, a causalidade. Ou seja, por regra, o vencedor é aquele que obteve ganho de causa» (Ac. da RL, de 22.01.2019, Micaela Sousa, Processo n.º 45824/18.8YIPRT-A.L1, inédito).
[13] Na aplicação destes princípios e critérios, a diferentes fases processuais, veja-se o Ac. da RC, de 17.10.2018, Vasques Osório, Processo n.º 128/15.2T9CDN.C2, o Ac. da RL, de 06.02.2020, Carlos Castelo Branco, Processo n.º 2775/19.4T8FNC-A.L1-2, e o Ac. da RG, de 23.04.2020, Lígia Venante, Processo n.º 4/16.1T8VRL.G1.
[14] Contudo, Salvador da Costa, in Blogue IPPC (https://blogippc.blogspot.com), Notas, entrada de 31.10.2020 insurge-se contra condenações em sede de recurso de apelação de decisões interlocutórias que diferem as custas respectivas para a decisão que vier a ser proferida a final na acção, por entender que esse entendimento contraria a lei, nomeadamente o art.º 527.º, do CPC (aplicável quer aos recurso de mérito, quer aos recursos de decisões de forma lato sensu) e o art.º 1.º, n.º 2, do RCP (que expressamente considera os recursos como processos autónomos para efeito de custas).
Assim, e ainda que o recorrido não tenha contra-alegado, podendo porém tê-lo feito, desde que a decisão de procedência da Relação lhe seja potencialmente desfavorável, deverá ser responsabilizado pelo pagamento das custas do recurso, mas estas em sentido estrito (isto é, abrangendo apenas eventuais encargos e as custas de parte liquidandas, estas nos termos do art.º 26.º, n.ºs 1 e 3, als. a) e c), do RCP), uma vez que a taxa de justiça devida pela interposição o recurso se encontra necessariamente já paga.
Defende, por isso, que nestes casos o «segmento relativo às custas do acórdão devia expressar: “Condena-se o recorrido no pagamento das custas do recurso, na vertente das custas de parte liquidandas”».
O entendimento exposto (de que as custas do recurso não podem ser deferidas para a decisão a proferir na acção) já tinha sido defendido pelo mesmo Autor, no mesmo blogue, em Notas, com entrada de 13.07.2020, desta feita a propósito de acórdão da Relação que, anulando a sentença recorrida (que julgara improcedente a acção) e determinando o prosseguimento dos autos, decidiu que as custas do recurso  (onde os réus tinham contra-alegado, pugnando pela manutenção da decisão impugnada) seriam pela parte que viesse a ficar vencida a final.
Defende Salvador da Costa que, neste caso, a «decisão da Relação sobre as custas, na sequência imediata da pertinente justificação de facto e de direito, devia ter sido no sentido de condenar os recorridos no pagamento das custas do recurso na vertente das custas de parte, nos termos do artigo 26.º, nºs 1 e 3, alíneas a) e c), do Regulamento das Custas Processuais».
Ainda do mesmo Autor, no mesmo local, e relativo a custas em recursos, podem ver-se com interesse a entrada de 03.07.2020 (quanto a custas no recurso que revoga o indeferimento liminar de procedimento cautelar e em que a parte contrária não foi citada para os termos do recurso e da causa, tendo aquelas sido cometidas ao recorrente) e a entrada de 28.11.2020 (quanto a custas no recurso que revoga o indeferimento liminar de acção de divisão de coisa comum e em que a parte contrária não foi citada para os termos do recurso e da causa, tendo aquelas sido cometidas ao recorrido).
Defende Salvador da Costa, em ambos os casos, que o recurso não justificaria o pagamento de custas em qualquer uma das suas vertentes (lendo-se, no primeiro, que o «segmento decisório do tribunal da Relação quanto às custas do recurso (…) devia declarar que na espécie não havia dívidas de custas» e, no segundo, que o «segmento decisório da Relação quanto às custas do recurso devia ser no sentido de que o recurso não justificava o pagamento de custas em qualquer das suas duas vertentes»).
[15] No mesmo sentido, mas invocando expressamente o princípio da proporcionalidade,  Ac. do TC, n.º 608/99, de 09.11.1999, Paulo Mota Pinto, onde se lê que o mesmo exigirá, em matéria de custas: o «equilíbrio entre a consagração do direito de acesso ao direito e aos tribunais e os custos inerentes a tal exercício»; a «responsabilização de cada parte pelas custas, de acordo com a regra da causalidade, da sucumbência ou do proveito retirado da intervenção jurisdicional»; e o «ajustamento entre os quantitativos globais das custas a determinados critérios relacionados com o valor do processo, com a respectiva tramitação, com a maior ou menor complexidade da causa e até com os comportamentos das partes».
[16] A epígrafe original do art.º 248.º, do CIRE era «Apoio judiciário», tendo sido alterada para «Custas» com a Lei n.º 9/2022, de 11 de Janeiro, que igualmente revogaria o seu n.º 4. 
[17] No mesmo sentido: Ac. do STJ, de 15.11.2012, Abrantes Geraldes, Processo n.º 1617/11.3TBFLG.G1.S1; Ac. da RG, de 17.05.2012, Manso Raínho, Processo n.º 1617/11.3TBFLG.G1; ou Ac. da RE, de 13.05.2021, Mário Silva, Processo n.º 66/21.0T8FTR.E1.
 [18] Neste sentido, Ac. da RE, de 13.05.2021, Mário Silva, Processo n.º 66/21.0T8FTR.E1, onde se lê que o «benefício do diferimento do pagamento das custas previsto no artigo 248.º, n.º 1, do CIRE, em casos de formulação do pedido de exoneração do passivo restante, abarca a taxa de justiça devida pela apresentação do processo de insolvência».
[19] Neste sentido:
. Ac. do STJ, de 29.04.2014, Ana Paula Boularot, Processo n.º  919/12.6TBGRD - onde se lê que «o processo de insolvência, na esteira do que se encontra legalmente estipulado para qualquer outro tipo de processo,  não é tendencialmente gratuito para os respectivos intervenientes, pois, existem regras especiais e específicas que afastam expressis verbis essa asserção, a começar por aquele artigo 303º do CIRE quando nos diz que para efeitos de tributação o processo de insolvência abrange todo o processado autónomo ali referenciado cujas custas tenham de ficar a cargo da massa, o que significa que não são todas e quaisquer custas que estarão a cargo da massa, mas apenas aquelas que esta haja de suportar e a massa insolvente só suportará as custas na medida da sua sucumbência, por força das disposições processuais gerais aqui aplicáveis subsidiariamente, ex vi do artigo 17º do CIRE que para elas nos remete».
. Ac. do STJ, de 15.02.2023, Maria José Mouro, Processo n.º 1641/20.5T8AMT-C.P1.S1 - onde se lê que o art.º 303.º do CIRE «não autoriza que se entenda que no processo de insolvência, para os possíveis intervenientes, o processo possa ser gratuito, ou mesmo tendencialmente desonerado de custas, suportando a massa insolvente todas as custas contabilizadas». Assim, a regra que deve prevalecer nos apensos do processo de insolvência «deve ser a prevista no artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPC; ou seja, a responsabilidade das custas é daquele que foi vencido na causa, ou, não havendo vencimento, daquele que tirou proveito do processo. Isto, naturalmente, se não dever aí aplicar-se outra regra mais específica, de entre as constam do regime geral. Mas, não sendo esse o caso, é de aplicar o princípio que começámos por enunciar, baseado no vencimento ou, subsidiariamente, no proveito».