Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
422/21.9T8GMR.G2
Relator: MARIA LEONOR BARROSO
Descritores: NULIDADES
PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO
RETRIBUIÇÕES INTERCALARES
DEDUÇÃO DE RENDIMENTOS AUFERIDOS APÓS O DESPEDIMENTO
SUBSÍDIO DE DESEMPREGO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 02/15/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO SOCIAL
Sumário:
Não ocorre nulidade de processo, nem nulidade de sentença por violação do principio do contraditório, se a condenação da ré nas retribuições intercalares era uma “questão” a decidir, se a ré não deduziu na contestação a excepção de direito material referente a deduções que o autor pudesse ter auferido após o despedimento, se a senhora juiz marcou uma primeira audiência prévia, se a senhora juíza, após já ter decidido o pedido principal de ilicitude de despedimento por decisão transitado em julgado, anunciou implicitamente que iria decidir a questão das consequências de tal ilicitude notificando o autor para declarar se optava pela indemnização ou reintegração e, ainda assim, apesar de também notificada deste despacho, a ré nada opôs.
Para que haja lugar à dedução das importâncias auferidas pelo trabalhador em actividades cuja execução só se tornou possível em virtude do despedimento tem o empregador de alegar e provar que o autor obteve esses rendimentos - 390º, 2, a) CT.
A dedução dos montantes recebidos pelo autor a título de subsídio de desemprego em virtude do despedimento e o seu reembolso pelo empregador à Segurança Social deve ser determinada oficiosamente, por estar em causa interesses de ordem publica.
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Social da Relação de Guimarães

I - RELATÓRIO

AA instaurou a ação declarativa sob a forma de processo comum laboral contra EMP01... (...) Área de serviço, Unipessoal Lda.
Sustentou a nulidade do termo que foi aposto no seu contrato de trabalho e, consequentemente, que a sua pretensa caducidade equivale a despedimento. Deduziu os seguintes pedidos (por reporte apenas aos que ora contendem com o recurso):

“1. Decretado – e a ré condenada a reconhecer – que o contrato de trabalho celebrado com o autor em 18/01/2019 se converteu num contrato sem termo;
2. Declarado – e a ré condenada a reconhecer – a ilicitude do despedimento do autor                                           e consequentemente:
a)  Ser a ré condenada a reintegrar o autor no seu posto de trabalho, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade, ou;
b) Ser o autor assim optar, ser a ré condenada no pagamento de uma indemnização correspondente a 3 meses de retribuição base e diuturnidades, devendo atender-se a todo o tempo decorrido desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da decisão judicial, no montante de € 3.719,25;
c) Ser a ré condenada a pagar ao autor a importância correspondente ao valor das retribuições que deixou de auferir desde 30 dias antes da propositura da presenta ação, até à data da sentença final que vier a ser proferida, como se estivesse estado ao serviço do réu, que perfaz, até esta data, a quantia de € 826,42;
..3.Ser a ré condenada a pagar ao autor os juros ....”
A ré contestou. Admitiu a existência do contrato de trabalho, mas sustenta que este contém todos os elementos necessários para justificar o termo aposto. Excepciona abuso de direito por parte do autor na invocação da nulidade do contrato e violação do princípio da confiança. Pede a absolvição total do pedido. Neste articulado a ré não alega matéria, nem requer prova no que tange à dedução de quantias que o autor haja recebido e que não receberia caso não fosse o despedimento.
Realizou-se audiência prévia e, nela se frustrando a conciliação, as partes aceitaram a possibilidade de o Tribunal, por escrito e em despacho saneador, apreciar de imediato o mérito dos primeiros pedidos deduzidos relativos à questão da validade do termo aposto no contrato.
Foi proferida sentença datada de 13-06-2022 que julgou a ação procedente nos seguintes termos
 “IV. Dispositivo
Assim e nos termos expostos, julgo a ação procedente por provada e, consequentemente:
a) declaro que o contrato de trabalho celebrado em 18.01.2019 entre o autor AA e a ré EMP01... (...) Área de serviço, Unipessoal Lda., é um contrato por tempo indeterminado;
b) declaro ilícito o despedimento do autor AA, levado a cabo pela ré EMP01... (...) Área de serviço, Unipessoal Lda., em 17.01.2020.
A responsabilidade por custas será determinada a final.”

Logo de seguida, fez-se constar:
“Devem os autos prosseguir apenas para apreciação dos pedidos remanescentes deduzidos pelo autor, reintegração ou indemnização em substituição da reintegração e retribuições intercalares.*
Atento o conjunto de factos que ainda se mostram controvertidos, entendo que os autos não têm complexidade que justifique a identificação do objeto do processo e dos temas da prova - art.º 49.º, n.º 3 do Código de Processo do Trabalho, cingindo-se o objeto do litigio à apreciação dos pedidos deduzidos nas als. a) e b) do ponto 2, da petição inicial que revestem natureza de direito.*
Notifique a o autor para em 10 (dez dias) exercer o seu direito de opção (pela reintegração ou pela indemnização), ao abrigo do disposto no artº 391º C. Trabalho artº 7º do CPC, n.º2, do art.º 61.º do CPT, e n.ºs 3 e 4, do art.º 3.º do CPC.”
A sentença foi alvo de recurso pela ré quanto aos pontos a) e b), tendo este tribunal da Relação confirmado a decisão (acórdão de 2-02-2023)
 No entretanto, o autor apresentou requerimento a optar pela indemnização. A ré nada respondeu a este propósito.

Foi então proferida decisão ora recorrida nos seguintes termos (dispositivo):

“Assim e nos termos expostos, julgo a ação procedente por provada e, consequentemente, condeno a ré EMP01... (...) Área de serviço, Unipessoal Lda., a pagar ao autor AA:
i. €1905,00 a título de indemnização em substituição da reintegração;
ii. o montante das retribuições que deveria ter auferido desde .../.../2021 até .../.../2023, data do trânsito em julgado da sentença que declarou nulo o termo do contrato, no valor mensal de €826,42;
iii. tudo acrescido de juros de mora vencidos e vincendos à taxa legal de 4%, desde a data de cessação do contrato (quanto à subalínea i.) e desde a data de vencimento de cada retribuição (quanto à subalínea ii.) até integral pagamento.*
Custas da ação pela ré.
Valor da ação: €6.540,11.””

FOI INTERPOSTO RECURSO PELA RÉ –CONCLUSÕES:

I Entende, a ora recorrente, existir, na decisão de ora em apreço, existir claro desrespeito do princípio do contraditório;
II – da sentença em causa, resulta que as questões a decidir se cingem à determinação do valor da indemnização pelo despedimento ilícito do autor e das retribuições intercalares;
III – por tal motivo, considera a Meritíssima Senhora Juíz a quo que os autos não têm complexidade que justifique a identificação do objecto do processo e dos temas de prova;
IV – nessa medida, proferiu decisão sem designar data para realização da audiência de julgamento;
V – não pode, a ora recorrente conformar-se com esta decisão;
VI – estabelece o artigo 390º nº 2 do Código do Trabalho – se assim for considerado – que ao valor respeitante às prestações intercalares devem ser deduzidas, designadamente, as importâncias que o trabalhador aufira com a cessação do contrato e que não receberia se não fosse o despedimento e o subsídio de desemprego que, eventualmente, lhe tenha sido atribuído;
VII – na decisão de que se recorre, nenhuma menção é feita a este respeito;
VIII – tão pouco dos autos resulta qualquer indicação que permita aferir da existência ou não destes valores;
XIX – à recorrente, nenhuma hipótese restava de contrariar esta pretensão do A. recorrido, senão inquirindo, em sede de audiência de julgamento, a sua prova testemunhal, pois só assim poderia provar que o trabalhador auferiu tais montantes com vista à sua dedução;
X – não sendo possível, à ora recorrente, esmiuçar estes condicionalismos, comprometido se mostra, não só o seu direito ao contraditório como, também e por via disso, a condenação terá que considerar-se, absolutamente, injusta;
XI – não pode recair sobre a recorrente a responsabilidade de pagamento ao recorrido das retribuições em causa, por si só;
XII – ainda que o direito às mesmas seja reconhecido, tal Direito não é absoluto, devendo ser afastado no caso do trabalhador arranjar um novo emprego ou receber o subsidio de desemprego;
XIII – O trabalhador não pode ser colocado numa situação mais vantajosa do que aquela em que estaria se o contrato de trabalho que celebrou com a recorrente ainda estivesse em vigor;
XIV – não sendo, como entende a recorrente não terem sido respeitados os princípios do contraditório, assim como o da descoberta da verdade, pois que a decisão ora recorrida se pronuncia sobre algo que não podia conhecer antes de ouvidas as partes sobre a matéria,
XV – a decisão padece de um vício de conteúdo e, por via disso, é nula, nos termos do artigo 615º nº 1 al. d) do CPC, devendo, em consequência,
XVI – a mesma ser substituída por outra que designa data para a realização da audiência de julgamento.
Nestes termos e nos mais de Direito que V. Exªs doutamente suprirão, deverá ser revogada a decisão recorrida, com as legais consequências.”

CONTRA-ALEGAÇÃO - Não consta.

PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO – sustenta-se que deve ser dado provimento parcial ao recurso no que respeita à dedução do subsídio de desemprego.

RESPOSTA AO PARECER - a ré reitera que só em julgamento poderia, através de testemunhas, provar os rendimentos que o autor possa ter auferido.
O recurso foi apreciado em conferência – art. 659º, do CPC.

QUESTÕES A DECIDIR [1]: dedução de eventuais retribuições intercalares que o autor tenha auferido e de subsídio de desemprego; nulidade da sentença por decisão surpresa pronunciando-se sobre uma questão “antes do tempo”, isto é, vedando à ré a possibilidade de provar que o autor recebeu tais montantes.

II - FUNDAMENTAÇÃO

A) FACTOS- A factualidade que releva consta do relatório do acórdão.
B) NULIDADE DO DESPACHO RECORRIDO POR DECISÃO SURPRESA; DEDUÇÕES NAS RETRIBUIÇÕES INTERCALARES DE IMPORTÂNCIAS RECEBIDAS/SUBSÍDIO DE DESEMPREGO E POSSIBILIDADE DE SOBRE ELAS PRODUZIR PROVA

As duas questões interligam-se, pelo que serão tratadas em conjunto.
Sustenta a recorrente que ocorre nulidade por decisão surpresa ao ser proferido despacho condenando-a no pagamento das chamadas “retribuições intercalares”, tudo, supostamente, sem prévio contraditório, sem marcação de audiência de julgamento, o que a terá impedido de produzir prova sobre esta matéria.

Aponta a nulidade prevista no artigo 615º, 1, d, CPC na vertente de excesso de pronúncia:
615º - Causas de nulidade da sentença-1 - É nula a sentença quando:...d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”;
Esta norma conjuga-se com uma outra, a saber o artigo 608º CPC (“2 - O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras”.)
É completamente consensual na jurisprudência que a omissão de pronúncia sobre “questões” refere-se aos pedidos deduzidos, causas de pedir e excepções (acórdãos do STJ de 13-01-2005, 12-05-2005 e 6-11-2019, www.dgsi.pt). As “questões” não são, portanto nem os argumentos, nem a retórica invocada pelas partes para alicerçarem a sua pretensão (Francisco Manuel Lucas Ferreira de Almeida, Direito de Processo Civil, vol. II, 2ª ed., p 437).
Para que o juiz, em consonância, se ocupe das questões sobre as partes recai o ónus de alegação dos factos essenciais que integram a causa de pedir (autor) e daqueles que integram as excepções (réu)- 5ºº, CPC. Cada parte tem o ónus de alegação e de prova dos factos que a beneficiam, capazes de levarem à procedência ou improcedência da acção.
Atente-se para o efeito, no que ao autor respeita, no artigo 552º, 1, CPC que refere: ” - Na petição, com que propõe a ação, deve o autor:..d) Expor os factos essenciais que constituem a causa de pedir e as razões de direito que servem de fundamento à ação)”.
E atente-se, agora do lado do réu, no artigo 572º CPC que refere: “Elementos da contestação- Na contestação deve o réu: ...b) Expor as razões de facto e de direito por que se opõe à pretensão do autor; c) Expor os factos essenciais em que se baseiam as exceções deduzidas, especificando-as separadamente, sob pena de os respetivos factos não se considerarem admitidos por acordo por falta de impugnação; d) Apresentar o rol de testemunhas e requerer outros meios de prova...) e atente-se, ainda, nos artigos 576º, 3 (excepções peremptórias), CPC e 342º CC.
É neste quadro fáctico que o juiz se move, sendo, no entanto, livre na parte de direito (indagação, interpretação e aplicação).
Este cerceamento da actividade do juiz (exceto em assuntos de ordem pública e, por isso, de conhecimento oficioso) encontra razão de ser no principio do dispositivo, do lado activo entendido como ónus de impulso inicial (é a parte que decide agir para resolver um conflito e deduz uma pretensão ao tribunal) e, do lado passivo, entendido como direito de defesa (a contraparte tem o direito de ser ouvida e deduzir oposição).

Para o efeito do afirmado atente-se agora no artigo 3º CPC:
Necessidade do pedido e da contradição
1 - O tribunal não pode resolver o conflito de interesses que a ação pressupõe sem que a resolução lhe seja pedida por uma das partes e a outra seja devidamente chamada para deduzir oposição....
3 - O juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem.
4 - Às exceções deduzidas no último articulado admissível pode a parte contrária responder na audiência prévia ou, não havendo lugar a ela, no início da audiência final.”

Do exposto decorre que a nulidade da sentença em caso de “excesso de pronúncia” é um vício formal que respeita aos limites da decisão (sentença e/ou despacho) que está balizada nos termos acima referidos, mormente pela circunstância de a “questão” ter sido arguida por alguma das partes, não sendo tarefa do tribunal ocupar-se de aspectos fácticos que as partes não convocam, por não serem o “conflito” que as divide e que querem ver resolvido - CPC Anotado, José Lebre de Freitas e outros, Vol. 2, 4ª ed. Almedina, pág.735. Trata-se, portanto, de um vício de forma e não de uma errada aplicação do direito ou de erro de julgamento, caso em que o mecanismo de reacção adequado será o recurso.
Aqui chegados, importa anotar, agora em termos substantivos, que a lei laboral estipula que em caso de despedimento ilícito, além da reintegração ou indemnização, o trabalhador tem direito a receber as retribuições que deixar de auferir desde o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão do tribunal que declare a ilicitude do despedimento. Às retribuições referidas deduzem-se, quer as importâncias que o trabalhador aufira com a cessação do contrato e que não receberia se não fosse o despedimento, quer o subsídio de desemprego referente ao mesmo período, devendo o empregador entregar essa quantia à segurança social- 390º, 1, CT.
Ora, no caso, no rigor da teoria acima exposta, não há qualquer excesso de pronúncia, pois na verdade o autor desenhou a causa de pedir como um despedimento e formulou os pedidos dele decorrentes, entre eles o pagamento de retribuições intercalares, pelo que esta era uma precisamente “questão” a decidir e, como tal, bem identificada desde o início do processo.
Diga-se, inclusive, que a ré coloca as coisas ao contrário.
Se a senhora juíza tivesse oficiosamente determinado a dedução nas retribuições intercalares das importâncias que o autor eventualmente tivesse recebido, e que não receberia caso não fosse o despedimento, então sim, ao invés do defendido pela ré, ocorreria nulidade da decisão por “excesso de pronúncia. Isto porque na contestação a ré não aborda sequer tal questão. Não a alega.
As importâncias que o trabalhador aufira com a cessação do contrato e que não receberia se não fosse o despedimento têm de ser alegadas e provadas pelo empregador, por corresponderem a uma exceção impeditiva/modificativa do direito invocado. A jurisprudência do STJ, com a qual concordamos, tem vindo a defender uniformemente que aquele é um ónus que recai sobre o empregador (ac.s STJ de 12-07.2007, p. 4104/06, 17-06-2010, p.  615-B/2001.E1.S1, e 18.06.2014, p. 450/07.1TTCSC.L1.S1, 17-03-2022, p. 16995/17.2T(LSB.L2.S1, todos em www.dgsi.pt).
Ora, como referimos, não consta na contestação uma única palavra sobre esta matéria de excepção, nem, consequentemente, foi requerida pela ré prova com vista a obter informação concreta sobre os valores (mormente notificação da parte contrária, junção de declaração da declaração de rendimentos do autor ou em poder de terceiro, requisição de documentos junto da AT ou SS)- 417º, 429º, 432, 436 CPC. As provas, requeridas nos articulados, visam demonstrar a realidade dos factos, o que pressupõe a sua prévia alegação no que tange à causa de pedir e exceções - 63º, 1, CPT e 341º CC. Sublinhe-se também que a ré não necessitaria de alegar valores concretos, nem na normalidade das coisas os empregadores dispõem dessa informação, mas sempre teria de deduzir essa excepção assinalando que pretende essas deduções, o que não fez.
Também carece de sentido a invocação da violação do principio do contraditório e de decisão surpresa e, por arrastamento, a nulidade da sentença na modalidade de “excesso de pronúncia”. ~
A omissão pelo juiz do acto de contraditório é abstractamente uma nulidade processual por omissão de formalidade que a lei prescreve (3º, 3, CPC), por regra a arguir na instância onde é praticada e no prazo geral- 195º, CPC.  Mas por vezes as partes não a arguem e/ou não estão em condições de o fazer, porque a mesma só se revela “tarde de mais”, o que complica a aparente simplicidade da distinção entre nulidade processual por omissão de acto e a nulidade de decisão por “excesso de pronúncia”
Assim, a jurisprudência, inclusive desta RG, tem equiparado e/ou englobado nesta modalidade de nulidade da sentença/despacho casos em que, embora a “questão” faça parte do objecto do processo, o juiz dela conhece “antecipadamente”, sem dar às partes o direito de se pronunciarem, portando, quando ainda não estava em condições de ser conhecida, em violação do contraditório. Caso a nulidade só se revele e chegue ao conhecimento da parte com a notificação da decisão da qual se vem a recorrer, por economia, eficiência e razoabilidade, a jurisprudência concebe que a mesma possa ser arguida, não autonomamente, mas no próprio requerimento de recurso e no seu prazo, ao abrigo do 615º, 4, CPC 
Este entendimento, a priori, foge às previsões clássicas de nulidade de sentença tipificadas nas várias alíneas do artigo 615º CPC, sendo apelidado de “generoso” por alguma doutrina - José Lebre de Freitas, vol. 2, 4ª ed., Almedina, pág.  739, 740.
Porém, esta parece ser uma das opções possíveis e aceitáveis, não fazendo sentido vir arguir a nulidade por omissão de acto, quando depois deste já outro foi praticado. Estando a omissão e decisão surpresa coberta por posterior decisão judicial, a questão deixará de ter o tratamento das nulidades processuais, pois o que releva é a impugnação por via de recurso de uma decisão, de algum modo, contrária à lei, também em homenagem ao aforismo “das nulidades reclama-se, dos despachos recorre-se” (ac.s RG de 19-04-2019, p. 533/04.0TMBRG-K.G1, de 2-03-2023, p. 6266/21.5T8BRG.G1, de 20-01-2022, p. 1167/20.7T8VRL.G1, 18-01-2024, p. 1731/23.2T8GMR.G1, entre muitos outros, in www.dgsi.pt).
Mas, no caso, não se vislumbra violação do contraditório, inexistindo nulidade, qualquer que seja a forma que a equacionemos, processual ou de sentença.
Primeiro, porque a questão em causa fazia parte do pedido sendo mais do que previsível que a ré nela fosse condenada. A ré, com a diligência devida, poderia e deveria sobre ela ter-se pronunciado e invocação a excepção de direito material de dedução das importâncias auferidas, vindo a despropósito a invocação de “surpresa”.
Depois, o desenrolar do processo demonstra que a ré teve diversas oportunidades para se pronunciar sobre a questão. Desde logo, na contestação, onde a deveria ter arguido e não o fez, pelo que não faz qualquer sentido que a ré invoque não lhe ter sido possível produzir prova sobre algo que previamente não alegou.
Também teve lugar audiência prévia, cuja acta é omissa na matéria, nada nela sendo espelhado sobre a questão.
Finalmente, refira-se que a decisão do processo foi “seccionada” pela senhora juiz em duas decisões de mérito, primeiro a referente à nulidade de contrato e ilicitude do despedimento, e depois a referente às respectivas consequências, não obstante na sua óptica nenhuma das questões depender de prova (diga-se, em condução pouco eficiente do processo dando azo a dois recursos autónomos). Mas, no que ora importa, antes de proferir a segunda decisão, a senhora juiz anunciou essa intenção ao ordenar a notificação do autor para informar se optaria pela indemnização ou reintegração, despacho notificado a ambas as partes e que fazia prever claramente que iria ser proferida decisão final. Também aqui poderia a ré ter vindo levantar a questão e não o fez.
Carece assim a recorrente de razão.

A específica questão do subsídio de desemprego:
Neste ponto, tem razão a recorrente, embora com fundamento diferente do arguido.
Não é que ocorra nulidade da decisão. Mas, é pacífico na jurisprudência que a dedução nas retribuições intercalares do subsídio de desemprego atribuído ao trabalhador no período em causa e a consequente obrigação do empregador entregar essa quantia à segurança social diz respeito a um interesse público, e não privado do empregador, pelo que esta dedução é oficiosa - 390º, 3, c), CT, e ac. STJ 12-09-2012, p. 154/06.2TTMTS-C.P1.S1, www.dgsi.pt
De resto na fundamentação de direito da sentença consta:
Além desta indemnização, deve ainda o autor receber da ré o montante das retribuições que deveria ter auferido desde 30 dias antes da propositura da ação (ou seja, desde .../.../2021), no valor mensal de € 826,42 (€ 635,00 de vencimento base, € 154,14 de subsídio noturno, € 26,00 de abono para falhas e 4,77 de subsídio de alimentação por cada dia de trabalho prestado) até .../.../2023, data do trânsito em julgado da sentença que declarou nulo o termo do contrato, deduzida do montante de subsídio de desemprego eventualmente atribuído ao autor, devendo a ré  entregar essa quantia à Segurança Social, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde, quanto às retribuições que se venceram anteriormente, a data da citação da ré  e, relativamente às que se vencerem posteriormente, a data do seu vencimento, sempre até efetivo e integral pagamento.
 Ou seja, parece apenas ter ocorrido um esquecimento em fazer constar no dispositivo o que na fundamentação se expressou.

III - DECISÃO

Pelo exposto, acorda-se em conceder parcial provimento ao recurso:
a) alterando-se o ponto ii do dispositivo passando a constar “....o montante das retribuições que deveria ter auferido desde .../.../2021 até .../.../2023, data do trânsito em julgado da sentença que declarou nulo o termo do contrato, no valor mensal de €826,42, devendo deduzir-se o valor de subsídio de desemprego que o autor tenha recebido no período em causa ficando a cargo do empregador a entrega dessa quantia à segurança social nos termos do artigo 390º, 1, c), CT.”
b) No mais, mantém-se o decidido.
Custas na proporção de 70% para o recorrente e 30% para a recorrida.
Notifique.

Maria Leonor Chaves dos Santos Barroso (relatora)
Francisco Sousa Pereira
Antero Dinis Veiga


[1] Segundo os artigos 635º/4, e 639º e 640º do CPC, o âmbito do recurso é balizado pelas conclusões do/s recorrente/s salvo as questões de natureza oficiosa.