Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1734/23.7T8VNF.G1
Relator: SANDRA MELO
Descritores: REQUERIMENTO EXECUTIVO
INDEFERIMENTO LIMINAR
INEPTIDÃO
RECONHECIMENTO DA DÍVIDA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 02/29/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO DO EXEQUENTE IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
.1- A subscrição de um reconhecimento de dívida não é a causa dessa dívida, embora a faça presumir, nos termos do artigo 458º, nº 1 do Código Civil.
.2- Quando do reconhecimento da dívida não resulta o negócio subjacente o exequente tem que o invocar no requerimento executivo, sob pena do requerimento executivo ser inepto, nos termos do artigo 724º, nº 1 , alínea e) do Código de Processo Civil.
Decisão Texto Integral:
Acórdão
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

. I - Relatório

Exequente e Recorrente: AA,
Executada e Recorrida: BB
Apelação em: execução para pagamento de quantia certa com forma sumária
A Recorrente instaurou execução contra a Recorrida para pagamento da quantia de 7.400,00 €. No requerimento executivo, a Exequente invocou nos pontos 1 a 5:
“1. Por documento particular de confissão de dívida com termo de autenticação celebrado em ../../2018, a Executada, BB, confessou-se devedora ao Exequente, CC, da quantia de € 4.200,00 (quatro mil e duzentos euros), quantia que lhe foi entregue na mesma data – cfr. documento que ora se junta sob o número 1.
2. Nos termos do documento de confissão de dívida junto a Executada obrigou-se a pagar à Exequente a quantia em dívida em doze prestações no valor de € 350,00 cada uma, vencendo-se a primeira no dia 17/10/2018 e as restantes em igual dia dos meses imediatamente subsequentes.
3. Decorre ainda dos termos do documento de confissão de dívida junto, que a falta de pagamento, total ou parcial, nas datas fixadas de qualquer uma das prestações importa o vencimento imediato de todas as restantes prestações, as quais se tornam imediatamente exigíveis, legitimando o Exequente a atuar judicialmente contra o Executado, 4. Bem como a obrigação de pagamento, por parte da Executada, a título de cláusula penal, de quantia equivalente ao montante em dívida.
5. Nos termos da confissão de dívida junta, ficou ainda determinado que ficariam por conta da Executada e seriam por ela pagas quaisquer despesas relacionadas com a celebração da confissão de dívida, bem como as emergentes do seu incumprimento, designadamente despesas bancárias, judiciais, honorários de advogados, solicitadores e agentes de execução.
6. A Executada apenas procedeu ao pagamento das primeiras duas prestações, não tendo pago qualquer outro montante, nem data do respetivo vencimento nem posteriormente, apesar de ter sido devidamente interpelada para tal, apesar de devidamente interpelados para tal.
7. Encontra-se, por isso, em dívida para com o Exequente pelo valor de € 3.500,00 (três mil e quinhentos euros).”

Foi proferido despacho liminar com a seguinte decisão: “rejeito liminarmente o requerimento executivo com fundamento na ineptidão do mesmo. cfr. artigos 186.º, 196.º, 278.º, n.º 1, al. b) e 577.º, al. b) e 726.º, do C.P.C..”, afirmando-se no mesmo, em síntese, que “nada concretizando o exequente no requerimento executivo quanto à causa dessa putativa dívida, é manifesta a ineptidão do requerimento executivo.”

É desta decisão que o Exequente apela, formulando, para tanto, as seguintes
conclusões:

 “I.  O presente recurso vem interposto da sentença que rejeitou liminarmente o requerimento executivo com fundamento na ineptidão do mesmo.
II.   Porém, no requerimento executivo o recorrente alegou os factos concretos que permitem aferir da existência do seu crédito; que a executada se confessou devedora ao exequente da quantia de € 4.200,00 (quatro mil e duzentos euros), quantia que lhe foi entregue na mesma data, e se obrigou a pagá-la em 12 prestações, o que tudo resulta da declaração de confissão de dívida, com termo de autenticação, título executivo dado à execução (cfr. alínea b) do n.º 1 do artigo 703.º do CPC).
III.  Título que se encontra assinado pelo devedor, devidamente autenticado, importando a constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias, prevê a obrigação do pagamento/restituição do valor entregue/emprestado, bem como o pagamento de uma cláusula penal em caso de incumprimento, assim determinando os fins e os limites da acção executiva (cfr. n.º 5 do artigo 10.º do CPC)
IV. Pelo que tendo a factualidade subjacente à emissão do título sido alegada no requerimento executivo, não padece pois de qualquer vício, mormente da imputada ineptidão, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 186.º do CPC, ou qualquer exceção dilatória, de conhecimento oficioso, nos termos do postulado nos artigos 577.º, alínea b) e 578.º, ambos do CPC.
V.  Na verdade o recorrente procedeu à indicação circunstanciada e motivada dos factos que justificam precisamente o petitório formulado a final, no qual se pretendeu ver a executada condenada no pagamento da quantia exequenda.
VI. E indicou e juntou os documentos que fundamentam a obrigação exequenda, os seus obrigados, a data a partir do qual a executada deixou de cumprir a sua obrigação, e ainda, a notificação que lhe fez para que procedesse à regularização dos montantes em dívida.
VII. Mas ainda que assim se não entendesse (o que se coloca por mera hipótese) o documento dado à execução vale como declaração unilateral de reconhecimento de uma dívida, mesmo que no documento ou no requerimento executivo não se indique a sua causa, presumindo-se a existência da obrigação, competindo ao executado (se assim o entender) ilidir tal presunção, como bem ensinam Almeida Costa, Direito das Obrigações, 11ª Edição, Revista e Actualizada, Almedina, páginas 467, Inocêncio Galvão Teles, Direito das Obrigações, 7.ª Edição reimpressão, páginas 182.
VIII. E o determina o n.º 1 do artigo 458º. do CC que expressamente dispensa o exequente de invocar os factos constitutivos do direito invocado, fazendo recair sobre o executado o ónus de ilidir ou afastar tal presunção no âmbito da oposição à execução que eventualmente deduza.
IX. Porquanto, os termos do artigo 352.º do Código Civil, se trata do “reconhecimento que a parte faz da realidade de um facto que lhe é desfavorável e favorece a parte contrária”.
X.  Tanto mais que não decorre, quer do disposto do artigo 703.º, n.º 1, b) quer do artigo 724.º, n.º 1, e) do CPC, a exigência de o exequente indicar a causa da dívida (contrariamente ao estipulado na al. c) do 703.º).
XI. A causa de pedir é o acto ou facto jurídico concreto e preciso, o facto material de que deriva o direito que se invoca ou no qual assenta o direito invocado e que este se propõe fazer valer. E ao exequente alegou que a executada se confessou devedora da quantia que lhe foi entregue pelo exequente, daqui decorrendo que a executada se obrigou a restituir ao exequente o valor que lhe foi por esta disponibilizado/emprestado.
XII. Não se verificando nos autos a ineptidão do requerimento executivo nos termos do artigo 186.º, n.º 2, al. a) do CPC, pois o pedido formulado pelo Recorrente é compatível com a exposição fática que corresponde à causa de pedir, não se verificando qualquer incongruência ou ininteligibilidade do pedido ou da causa de pedir.
XIII. Tudo ao encontro dos ensinamentos de Alberto dos Reis e Abílio Neto que parafrasea aquele, Novo Código de Processo Civil Anotado, 2ª ed. Coimbra, Almedina, 2014, p. 239; Paulo Pimenta, Processo Civil Declarativo, 2.ª ed., Coimbra, Almedina, 2017, p. 155, José Lebre de Freitas, Introdução ao processo civil, Conceito e princípios fundamentais à luz do código revisto, 3ª ed., Coimbra, 2013, p. 71; Rui Pinto, A Ação Executiva, Lisboa, AAFDL, 2020, pp. 311-314,
XIV. Não se vislumbra pois qualquer falta de indicação ou ininteligibilidade do pedido ou da causa de pedir, os quais, em abono da verdade, são naturalmente compatíveis.
XV. Mas ainda que assim não tivesse entendido o Tribunal a quo, sempre, por força do estipulado no artigo 726.º, n.º 4 do CPC., se impunha que tivesse convidado o exequente a suprir a hipotética irregularidade, convidando-a a alegar factos em que fundamenta a obrigação exequenda.
Termos em que deve o presente recurso ser julgado totalmente procedente e, por via disso, ser a sentença recorrida revogada e substituída por outro que ordene o prosseguimento da execução, assim se fazendo a costumada Justiça.”

II- Objeto do recurso

O objeto do recurso é definido pelas conclusões das alegações, mas esta limitação não abarca as questões de conhecimento oficioso, nem a qualificação jurídica dos factos (artigos 635º nº 4, 639º nº 1, 5º nº 3 do Código de Processo Civil).
Este tribunal também não pode decidir questões novas, exceto se estas forem de conhecimento oficioso ou se tornaram relevantes em função da solução jurídica encontrada no recurso e os autos contenham os elementos necessários para o efeito. - artigo 665º nº 2 do mesmo diploma.
Atento o teor das alegações e conclusões cumpre decidir:
- se o requerimento executivo padece de ineptidão.

III- Fundamentação de Facto

A matéria de facto necessária para a decisão do recurso é de natureza estritamente processual e já de se encontra enunciada no Relatório.

III- Fundamentação de Direito

 A necessidade da existência de um título executivo não se confunde com a necessidade de invocação da causa de pedir no requerimento executivo, seja indiretamente, seja pela apresentação de um título onde a mesma venha expressa.
O artigo 724º, nº 1, alínea e) do Código de Processo Civil determina que no requerimento executivo o exequente deve expor sucintamente os factos que fundamentam o pedido, quando não constem do título executivo.
Do teor desta norma resulta que os factos constitutivos do direito se não confundem com o título.
O título executivo é o documento que certifica a constituição da obrigação executiva e é por ele que se verificam o fim e os elementos objetivos e subjetivos da execução. Está sujeito ao princípio da tipicidade e tem uma função probatória e constitutiva.
Já a causa de pedir são os factos de onde deriva o direito invocado. No que toca à causa de pedir na execução há que ter em conta que as obrigações podem ter como fonte factos jurídicos de diferente natureza, nomeadamente contratos ou negócios unilaterais, mas também atos ilícitos.
 Pode de forma mais materializada afirmar-se que “o título executivo é o invólucro sem o qual não é possível executar a pretensão do direito que está dentro”, como se expressou no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19/2/2009, no processo nº 07B427, em www dgsi.pt. e que a indicação da causa de pedir se funda nos factos de onde este emerge. Se estes não estão retratadas no título têm que ser expostos no requerimento executivo.
São raríssimos os casos em que o direito admite o recurso a obrigações abstratas, tendo nesse caso que estar bem patente esse carater excecional, como os títulos de crédito no âmbito do direito comercial. É que a lei apenas tutela a vontade se esta tiver suporte num interesse da pessoa que possa ter acolhimento na ordem jurídica, o qual consiste na causa do negócio. Não há que esquecer que a lei impõe a invalidade a negócios jurídicos que considera ilícitos e ilegais, pelo que não lhe é, de todo, irrelevante a sua causa ou a inexistência desta.
Enfim, apenas em situações excecionais, são admitidos pela lei civil negócios abstratos, válidos independentemente da respetiva causa ou relação subjacente. O caso típico mais comum é o dos títulos de crédito.
Da mesma forma, também no que toca aos negócios jurídicos unilaterais a nossa lei assumiu uma postura restritiva. O artigo 451º do Código Civil estipula que “A promessa unilateral de uma prestação só obriga nos casos previstos na lei”.
No Código Civil, o artigo 458º estabelece que “1. Se alguém, por simples declaração unilateral, prometer uma prestação ou reconhecer uma dívida, sem indicação da respetiva causa, fica o credor dispensado de provar a relação fundamental, cuja existência se presume até prova em contrário. 2. A promessa ou reconhecimento deve, porém, constar de documento escrito, se outras formalidades não forem exigidas para a prova da relação fundamental.”
Daqui resulta desde logo que se exige que o negócio tenha uma causa: o que se permite é que por mera declaração unilateral, se possa criar título que faça presumir a existência da obrigação e logo de uma causa, sem que se tenha que mencionar essa causa, a qual se presume, mas admite prova em contrário. A referencia à admissão de prova em contrário logo leva à necessidade da sua invocação, face à necessidade de tutelar esse direito ao contraditório (para que a parte possa exercer devidamente a contraprova de factos tem que saber os factos que são objeto desse ónus).
Destarte, o artigo 458º, nº 1 do Código Civil prevê um caso em que o título executivo não menciona os factos de onde provem a obrigação (embora a pressuponha). Esta declaração não titula uma obrigação abstrata, mas uma obrigação que tem que ter uma causa, material e processualmente relevante, pelo que desonera o credor de provar a relação fundamental, cuja existência se presume até prova em contrário, mas não o dispensa de a alegar.
Se o devedor não alega os factos que deram origem à obrigação, o tribunal fica sem a possibilidade de definir o objeto da ação e a parte contrária fica muito limitado na possibilidade de exercer o seu direito ao contraditório: porque o devedor tem o ónus da prova dos factos que afastam a existência de uma relação causal válida e operante, tem que ter definida pelo credor a relação causal que pretende negar.
Segue-se, assim, o entendimento do acórdão de 11 Junho 2012, no processo 1615/10.4TBAMT-A.P1: “I - Ao permitir-se que em relação à promessa de cumprimento e reconhecimento de dívida unilaterais, o devedor possa ilidir a existência de relação fundamental, invocando, consequentemente, excepções ex causa, demonstrado fica que as declarações e promessas unilaterais não são abstratas mas relativas a negócios causais. II - Como a relação causal não tem de constar do documento com carácter recognitivo, apresentado como título executivo, não fica o credor desonerado do ónus de alegação da relação fundamental.”
Assim, é para nós claro que “Quando o título executivo consista numa declaração de reconhecimento de dívida, a qual, nos termos do art. 458.º do CC, reveste a natureza de negócio unilateral presuntivo de causa, cabe ao exequente o ónus de, em sede de requerimento executivo, alegar sucintamente factos que integrem a relação causal subjacente a tal declaração (cfr. art. 724.º, n.º 1, al. e), do CPC)” como tão bem se sintetizou no acórdão de 02/16/2023 do Supremo Tribunal de Justiça no processo 30218/15.5T8LSB-A.L1.S1, no que foi seguido pelo 22108/18.6T8LSB-A.L1.S1 de 05/30/2023, na sequência da doutrina também trazida pelo 02/04/2021 no processo 2829/17.1T8ACB-A.C1.S1.
Por outro lado, “I- Beneficiando o credor dum reconhecimento de dívida, tem a seu favor a inversão do ónus da prova da causa de pedir, mas não fica dispensado de a indicar, caso o título a não contenha, nos termos gerais do artigo 724, nº 1, e) do CPC. II- Não sendo indicada no requerimento executivo a causa ou fundamento da obrigação exequenda, ocorre ineptidão do requerimento executivo quando a mesma não constar do título (cfr. o art 724º, nº 1, e) do CPC). III- A nulidade de todo o processo por ineptidão do requerimento executivo constitui exceção dilatória não suprível (salvo na hipótese legalmente no nº 3 do art. 186º, nº 3 do CPC e bem assim na hipótese, de cariz jurisprudencial, a que se referem aos artigos 264º e 265º do CPC). IV- A ineptidão do requerimento executivo por falta de indicação da causa de pedir, por constituir vício enquadrável na alínea b) do nº 2 do art. 726º do CPC, não é susceptível de convite ao aperfeiçoamento (art. 726º, nº 4 do CPC) - a eventual correcção ou aperfeiçoamento não é modo legalmente admissível de sanação do vício.”, também como se sintetizou no acórdão desta Relação de 07/09/2020, no processo 5620/18.4T8VNF.G1.
Como argutamente se mostrou no acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 05/11/2017 no processo 1047/14.5TBABF-A.E1 : “não alegando o exequente, no respectivo requerimento executivo, a causa da obrigação subjacente ao documento de reconhecimento de dívida, não pode vir a fazê-lo em momento posterior, sem o acordo do executado, uma vez que se trata de alteração da causa de pedir, até aí inexistente (art.ºs 186º, n.º2, a) e 265º, n.º1, ambos do CPC)”.
Assim, tem que constar do requerimento executivo ou do próprio título os factos que terão dado causa á obrigação peticionada: não basta a declaração de que existe a obrigação, é necessário que um destes documentos contenha a indicação da causa da obrigação, o que determinou o seu nascimento.
O Recorrente cita a seu favor o entendimento que a promessa de cumprimento e/ou reconhecimento de dívida é um negócio jurídico atípico, a meio caminho entre os negócios causais e os negócios abstratos, em que a causa de pedir é simplesmente a promessa da prestação e/ou o reconhecimento da dívida, como declaração unilateral do devedor, devidamente formalizada, citando o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 11/12/2019, no processo 6667/18.6T8VNG.P1, mas como vimos a atipicidade do título não se estende à própria execução: se o título nestes específicos casos pode ser omisso quanto à causa da obrigação reconhecida, o mesmo já não ocorre no requerimento executivo, visto que o título se não confunde com a sua causa.
O artigo 703º, alínea c ) do Código de Processo Civil, é demonstrativo desta exigência, ao permitir que se considere como título executivo um título de crédito prescrito, o qual vale como o reconhecimento de uma obrigação, beneficiando da presunção de causa consagrada no nº 1, do artigo 458º, do Código Civil, desde que “os factos constitutivos da relação subjacente constem do próprio documento ou sejam alegados no requerimento executivo”.
Quando a causa de pedir é a celebração de um contrato e o seu incumprimento, compete ao credor concretizar tal contrato, quer quanto à sua celebração, quer quanto ao seu conteúdo, indicando pelo menos as cláusulas essenciais definidoras do negócio celebrado e as que deram origem à obrigação peticionada e que terão sido violadas, bem como os factos (ações ou omissões) em que se traduziu o incumprimento por parte do requerido.
A consequência da violação grave deste dever está prevista no artigo 186.º, n.ºs 1 e 2, al. a), do Código de Processo Civil: a falta de indicação da causa de pedir importa a ineptidão da petição inicial e conduz à nulidade de todo o processo.
Veja-se que o despacho de aperfeiçoamento destina-se aos casos em que foi indicado o objeto da ação de forma suficientemente identificadora, mas se omitiram alguns dos factos necessários para a procedência da ação, não para os casos em que a omissão de factos foi de tal modo vasta que não se pode considerar que a parte chegou a definir a causa de pedir nos seus aspetos essenciais.

Assim, a ineptidão do requerimento executivo por falta de indicação da causa de pedir, constitui um dos vícios previstos na alínea b), do nº 2, do artigo 726º, do Código de Processo Civil, os quais, também nos termos do nº 4, deste diploma, não é suscetível de convite ao aperfeiçoamento.

Concretização
Foi apresentado como título executivo um documento, acompanhado de termo de autenticação, com o título “Confissão de Dívida”, no âmbito da qual a executada se declarou devedora da quantia de 4200€, afirmando que este montante inclui juros á taxa legal de 8%. Por outro lado, declara que “na presente data, recebeu a totalidade do valor, supramencionado, em numerário”, o que se mostra contraditório com a menção que tal quantia já incluía juros.
Nesse documento, sem se dizer porquê, a executada obriga-se a pagar à Exequente essa quantia em prestações e a pagar cláusulas penais no caso de incumprimento. Enfim, impõe-se a forma como pagará a quantia de que se declarou devedora e as consequências do incumprimento dessas estipulações, mais se obrigando a não se apresentar à insolvência enquanto não pagar a dívida.
Também não afirma a que título lhe foi entregue tal quantia e não se aflora qualquer contrato subjacente a tal entregue: em lado algum se refere qualquer relação entre a entrega de uma quantia (acrescida de juros?) e a assunção da obrigação da sua devolução. Ora, a simplicidade da alegação de um contrato de mutuo demonstra que esta omissão teve alguma razão de ser, sendo que o tribunal não pode com um mínimo de segurança retirar conclusões que não têm na letra do texto qualquer correspondência.
Visto que não se vislumbra a causa de pedir no próprio título, vejamos se tal foi explicado no requerimento executivo:
No artigo 1º a o exequente firma que a executada subscreveu documento em que se declarou devedora: tal significa que há título executivo, mas nada nos diz quanto à fonte dessa dívida, o que lhe deu causa.
Afirma ainda que lhe foi entregue quantia na data da assinatura do documento, mas refere, já de forma diferente do título, que lhe foi entregue a quantia de 4.500,00 € (no título afirma-se que esta quantia incluía juros à taxa de 8%). Após, impõe-se a forma como pagará a quantia de que se declarou devedora e as consequências do incumprimento dessas estipulações, mais se obrigando a não se apresentar à insolvência enquanto não pagar a dívida.
No requerimento executivo nada se adianta para além da existência da declaração de dívida e o seu teor.
Assim, não sendo a simples subscrição de uma declaração de dívida a causa dessa divida, não se vislumbra do título executivo, nem do requerimento executivo, qual a causa do negócio, pelo que, por total falta de indicação da causa de pedir a execução não pode prosseguir.
Mais não há que confirmar a sentença proferida a qual, aliás, se mostrou claríssima e muito completa na sua fundamentação, com amplo contexto jurisprudencial e doutrinal.

V- Decisão

Por todo o exposto, julga -se a apelação improcedente e em consequência mantém-se a decisão recorrida.
Custas da apelação pelo Apelante. (artigo 527º, nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil)
Guimarães, 29-02-2024

Sandra Melo
Jorge dos Santos
Fernanda Proença Fernandes