Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
956/14.6TBVRL-AB.G1
Relator: JOSÉ CARLOS DUARTE
Descritores: VENDA EM PROCESSO DE INSOLVÊNCIA
PROPOSTA
DIREITO DE RETENÇÃO
VANTAGEM PARA A MASSA INSOLVENTE
COMPETÊNCIAS DO TRIBUNAL
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 06/30/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I. Cumprido o disposto no art.º 164º n.º 2 do CIRE e apresentada uma proposta pelo credor reclamante que alega ser titular de um direito de retenção, nos termos da 1ª parte do n.º 3 e do n.º 4, do art.º 164º do CIRE, cabe em exclusivo ao administrador de insolvência, sem prejuízo das situações em que é necessário obter o consentimento da comissão de credores para a venda ( alínea g) do n.º 3 do art.º 161º do CIRE), decidir se aceita a proposta do credor e concomitantemente rejeita a alienação projectada ou, ao invés, rejeita a proposta do credor e aceita a alienação projectada.
II. Não cabe nas competências do tribunal pronunciar-se previamente quanto a tal questão, nem a decisão que venha a ser adoptada pelo AI é suscpetível de impugnação junto do juiz do processo.
Decisão Texto Integral:
ACORDAM OS JUÍZES DA 1ª SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES

1. Relatório

No âmbito do Processo Especial de Revitalização da X – Imobiliária, Ldª, que correu termos sob o n.º 100/14.0TBVRL do 3º Juízo do Tribunal Judicial de Vila Real, D. G. apresentou Reclamação de créditos formulando o seguinte pedido:

a) Declarar-se resolvido o contrato promessa de compra e venda, celebrado em 07 de Julho de 2005 e acordo celebrado em 05 de Novembro de 2012, entre o aqui reclamante e a aqui insolvente;
b) Condenar-se a insolvente a reconhecer tal resolução e, consequentemente, reconhecer o reclamante credor da quantia de € 231.000,00 (…) a título de restituição em dobro do montante de sinal, sempre acrescido de juros, á taxa legal;
c) Reconhecer-se ao reclamante direito de retenção sobre o prédio urbano constituído pela fracção autónoma designada pela letra ”V” correspondente a uma habitação tipo T2 no primeiro andar direito, com entrada pelo número ... Rua ..., garagem individual na cave, assinalada com a respectiva letra, com entrada pelo n.º ... da referida rua, freguesia da ..., concelho de ... descrito na competente conservatória do registo predial sob o número ... – ..., inscrito na matriz sob o artigo ..., para garantia do seu crédito de € 231.000,00 (…9 e bem assim, dos respectivos juros, tudo como consta no PE, sob a designação de “Bloco de notas “, de 08/10/2020.
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Entretanto, por sentença de 01/08/2014, foi declarada a insolvência da X – Imobiliária, Lda.
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Nos autos de apreensão de bens, que constituem o apenso C ao referido processo de insolvência, foi objecto de arrolamento a fracção autónoma correspondente a habitação de tipologia T2, no primeiro andar direito com a área de 112,5 m2, com entrada pelo número ... da Rua ... e garagem individual na cave assinalada com a respectiva letra, descrito na 1ª CRP de ... sob o n.º .../20000120-V, inscrita na matriz predial urbana sob o artigo ..., da freguesia da ..., concelho de ....

E no auto de arrolamento consta:
“Reclama o credor D. G. o direito de retenção do imóvel, sob o pretexto de que com a assinatura do contrato de promessa de compra e venda operou-se também a tradição material da fracção, vindo a atuar como se fosse [o seu] proprietári[o] e exercendo a posse sobre a mesma, de forma pública e sem qualquer oposição desde aquela data”.
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Nos autos de reclamação de créditos, que constituem o apenso D ao já referido processo de insolvência, a 01/06/2015 veio o Sr. AI apresentar a “Lista de Créditos Definitiva” onde consta como credor reconhecido, sob o n.º 11, D. G., pelo valor de € 231.000,00 e, no que respeita á natureza do crédito, uma remissão para uma alínea b) que tem o seguinte teor: “Credores reclamantes do direito de retenção, cujas averiguações decorrem para a sua eventual concessão”.
Da mesma lista consta como credor reconhecido, sob os n.ºs 19 a 21, o Y Banco, SA.
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A 16/06/2015, com a referência no ….1, veio a ... Bancaria, SA, antes denominado Y Banco, SA, impugnar o crédito reclamado pelo credor D. G., em que, além do mais, refere:

“12. Segundo a douta listagem do Ilustre Administrador desta insolvência, o crédito que ora se impugna tem a natureza de crédito garantido, conferida pela errónea interpretação de que existe direito de retenção por parte do Reclamante, conferido pela aplicação do artigo 755º, n.º 1, alínea f) do Código Civil, que desde já se impugna…”
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No desenvolvimento dos autos, a 17/07/2019, foi proferida sentença que julgou procedente a impugnação deduzida pela ... Bancaria, SA relativamente ao crédito reclamado por D. G. e não o reconheceu.
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Foi interposto recurso da referida sentença pelo credor reclamante D. G., tendo este TRG, por Acordão de 28/11/2019 anulado a mesma.
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A 04/06/2020 foi proferida nova sentença que julgou procedente a impugnação deduzida pela ... Bancaria, SA relativamente ao crédito reclamado por D. G. e não o reconheceu.
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Foi interposto recurso da referida sentença pelo credor reclamante D. G., tendo este TRG, por Decisão Sumária de 29/10/2020, foi anulada a decisão recorrida, determinando-se o prosseguimento dos autos para julgamento com vista ao apuramento da factualidade controvertida.
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A 11/01/2021 foi proferido despacho saneador.
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A 08/06/2022 foi designado julgamento para 01/07/2022.
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Nos autos de liquidação, que constituem o apenso H ao já referido processo de insolvência, a 13/02/2020 a credora reclamante ... Bancaria veio dizer que, “[n]o tocante à fracção autónoma designada pela letra “V”, a mesma constitui o objecto de impugnação deduzida pela ora expoente contra o credor D. G., pelo que se concebe que, por ora, atenta a pendência do litigio, não se promova a respectiva venda.”
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No desenvolvimento dos autos, a 16/11/2020 o Sr. AI veio informar: “No que se refere às fracções ainda sujeitas a venda, informa-se o digníssimo Tribunal que das 5 (…) fracções restantes, 4 (…) estão já adjudicadas, identificadas com as letras AJ, AI, V e U, carecendo apenas de despacho ou sentença judicial que permita ao Administrador de insolvência a execução das respectivas escrituras…..”
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A 05/01/2021, o Sr. AI veio informar, além do mais, que a fracção “V” havia sido “adjudicada” a 15/10/2020, aguardando decisão judicial para que seja efectuada a respectiva escritura pública de compra e venda, o que reiterou a 03/04/2021.
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A 06/04/2021 a Mmª Juiz a quo proferiu o seguinte despacho:
“Requerimentos de 16.11.2020, 05.01.2021 e 03.04.2021: Pese embora não se descortinar o requerimento datado de 23.10.2020 a que faz menção o administrador da insolvência, por dos autos não resultar, sempre se dirá que a decisão quanto à venda e realização da escritura da fracção em referência, não compete ao Tribunal decidir, mas ao administrador da insolvência enquanto órgão de liquidação, a quem compete proceder às diligências de liquidação, com a coadjuvação dos credores.
No mais, tendo em conta o exposto nos requerimentos em epígrafe, convoca-se o administrador da insolvência para o próximo dia 20 de abril de 2021, pelas 9h30, para esclarecimentos das questões suscitadas.”
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A 14/04/2021 veio o Sr. AI dizer, em síntese:
“ (…)
O crédito de D. G. foi reclamado e inicialmente reconhecido, importando decidir sobre o direito de retenção reivindicado e cujo desfecho prevalecerá ou não sobre direitos inscritos em registo público como a hipoteca (artigo 759º, n.º 2, Código Civil).
(…)
O bem em causa já foi apreendido para a massa insolvente.
Conforme já anunciado à comissão de credores e aos autos, a fração autónoma correspondente à habitação de tipologia T2 no primeiro andar direito, descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial de ... sob o nº .../20001020-V, inscrito na matriz predial sob o artigo ..., da freguesia de ..., concelho de ..., foi adjudicado pelo preço de venda atribuído de 165.000,00 €, (cento e sessenta e cinco mil euros) em 15 de outubro de 2020 através da celebração de contrato promessa de compra e venda.
Contudo o credor D. G. nunca apresentou proposta de valor superior nem a isso de dispôs com o argumento assente no direito de retenção reclamado.
E com base nesse argumento, expõe também a sua indisponibilidade em sair da fração identificada.
E por um outro lado o promitente-comprador recusa-se a concretizar a escritura pública de compra e venda enquanto o imóvel não se encontrar devoluto de pessoas e bens.
Perante o impasse e o extremismo das partes, impõe-se promover às diligências conclusivas para a venda do imóvel, de que o signatário já promoveu ao cumprimento inicial dada a sua concretizada adjudicação, nomeadamente pela sua desoneração de pessoas e bens, atribuindo o Tribunal ao Administrador de insolvência as capacidades para celebrar escritura de acordo com as condições impostas pelo promitente-comprador.
Face ao exposto, requer-se mui dignamente a V. Exa do seguinte:
Notificação ao credor D. G., diretamente e através do seu mandatário o Dr. M. S., para exibirem ao Administrador de insolvência no prazo máximo de 15 (quinze) dia, proposta de aquisição por preço superior ao adjudicado, com entrega de cheque caução correspondente a 20% do preço, sujeito a eventuais ajustes acrescidos decorrentes de melhoria de proposta pela parte do promitente-comprador originário, e celebração de escritura de compra e venda através do pagamento da totalidade do preço.
Na ausência de cumprimento da alínea precedente, requer-se a V.Exa despacho que capacite ao Administrador de insolvência a utilização das forças policiais locais, (…) para que se proceda ao imediato acesso ao interior do imóvel e alteração da fechadura, nos termos definidos na alínea c) do nº 4 do art. 150º do CIRE, considerando a posição daquele força policial para o cumprimento do nº 4 do artigo 757º, do CPC, dado o facto do imóvel se encontrar habitado, à semelhança de situações anteriores e expostas a este Tribunal e com deferimento assertório.”
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A 16/04/2021 o credor reclamante D. G. apresentou requerimento dizendo desconhecer a apresentação de qualquer proposta de venda da fracção” designada pela letra “V”, invocando a nulidade do acto de adjudicação da referida fracção autónoma, por não ter sido notificado nos termos do art.º 164º do CIRE, terminando pedindo:

a) Requer que a nulidade invocada seja julgada procedente por provada, e em consequência anulada a alegada adjudicação da fração autónoma correspondente à habitação de tipologia T2 no primeiro andar direito, descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial de ... sob o nº .../20001020-V, inscrito na matriz predial sob o artigo ..., da freguesia de ..., concelho de ..., de 15 de outubro de 2020.
b) Requer a V.ª Exa. se digne ordenar a suspensão da venda da V de que é possuidor o ora requerente, até que a decisão que vier a ser proferida na acção de impugnação de créditos transite em julgado, aliás em consonância com a posição no processo relativamente a situações similares.
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A 20 de Abril de 2021, realizou-se a “Prestação de Esclarecimentos” ao Sr. AI, tendo sido proferido o seguinte despacho:
“(…)
No mais, quanto aos requerimentos juntos aos 14-04-2021 e 16-04-2021, o Tribunal passa, desde já, a sobre eles tomar posição:
Veio o credor D. G. invocar a nulidade da adjudicação da fracção V, por falta de notificação da respectiva proposta e requerer a suspensão da venda dessa fracção apreendida a favor da massa, até que seja proferida decisão quanto à impugnação por si deduzida à lista de créditos reconhecidos, com fundamento no alegado direito de retenção de que beneficia decorrente da outorga de um contrato promessa de compra e venda da aludida fracção.
Convém desde já consignar que o direito de retenção de que se arroga o requerente é uma garantia (legal, especial e real) da obrigação. Em virtude dela o credor adquire o direito de se fazer pagar, com a preferência estabelecida na lei, pelo valor ou pelos rendimentos de certos bens do próprio devedor (ou até de terceiro). E como tal, o direito de retenção não impede a apreensão (tal como não impediria a penhora em execução singular) para a massa insolvente dos bens a que respeita e a sua entrega ao administrador da insolvência, como, de resto, resulta dos art.s 36.º, alínea g), 46.º, n.º 1, 149.º, n.º 1 e 151.º, n.º 1 do CIRE. E compreende-se que assim seja: só com tal apreensão e com tal entrega se cumprem as finalidades próprias do processo de insolvência, e que são (a menos que haja aprovação de um plano de insolvência) a liquidação do património do insolvente e a repartição do produto obtido pelos credores (art. 1.º do CIRE).
Uma vez proferida a sentença declaratória de insolvência, procede-se à imediata apreensão de todos os bens integrantes da massa insolvente ainda que estes tenham sido penhorados, ou por qualquer forma apreendidos ou detidos (artigo 149º do CIRE), devendo o administrador de insolvência diligenciar no sentido de os bens lhe serem imediatamente entregues para que deles fique depositário, com a aplicação das regras que regem o depósito judicial de bens penhorados (artigo 150º nº1 do CIRE), destinando-se a massa insolvente, que abrange todo o património do devedor e que os bens apreendidos vão integrar, à satisfação dos credores da insolvência (artigo 46º do CIRE).
No caso vertente não opera em toda a sua extensão o direito de retenção previsto no art. 755.º, n.º 1, alínea f) do CCivil, de molde a impedir a venda e a entrega da fração em causa, como é requerido. A posição jurídica da contraparte no contrato-promessa não revestido de eficácia real cede perante os interesses da massa insolvente e dos credores, não se admitindo, à luz de tais interesses, a possibilidade do requerente poder manter-se na detenção do bem pertença da massa insolvente, em prejuízo desta, opondo-se à respetiva apreensão e venda para satisfação dos credores da insolvência.
Na realidade, a garantia de que possam beneficiar os requerentes releva apenas para efeitos de reclamação, graduação e satisfação do seu crédito, não autorizando de forma alguma a manutenção da detenção da fracção. Diz a propósito Soveral Martins (Um Curso de Direito da Insolvência, 2.ª ed., p. 194): “Existindo direito de retenção, isso não afasta a apreensão da coisa pelo administrador da insolvência. O que permite, isso sim, é reclamar um crédito garantido que será assim tratado no processo de insolvência”. No mesmo sentido aponte-se o acórdão da Relação de Coimbra de 15 de janeiro de 2015 (processo n.º 511/10.0TBSEI-E.C1, disponível em www.dgsi.pt), de cujo sumário se pode ler que “Declarada a insolvência do dono da coisa, o retentor terá que a entregar ao administrador, dado que se tratando de bem do insolvente, e, portanto, integrante da massa, aquele terá que a apreender, mas sem que aquele direito real de extinga (artºs 46º, nº 1, 149º e 150º do CIRE)”.
De resto, constituindo o crédito em causa um crédito sobre a insolvência (art. 102.º, n.º 3, alínea c) do CIRE), e não um crédito sobre a massa (v. art. 51.º do CIRE) - e note-se que em relação aos créditos sobre a massa não se pode sequer falar de direito de retenção [cfr. Catarina Serra, Lições de Direito da Insolvência, p. 239 e 24, nota 346 (parte final)], e é precisamente disso que estamos aqui a falar – caso contrário levaria á perpetuação da detenção dos imóveis em causa e à sua não entrega ao Administrador da Insolvência para a respetiva submissão aos fins próprios da insolvência. Cair-se-ia inclusivamente na situação absurda do Administrador da Insolvência nunca poder satisfazer o crédito do próprio requerente. É que, tratando-se de crédito da insolvência, o crédito só pode ser satisfeito, e de acordo com a sentença de graduação dos créditos, em sede de liquidação do ativo. E isto só é possível mediante a prévia apreensão e liquidação dos bens.
Deste modo, no cumprimento destas disposições legais, deverá o administrador da insolvência diligenciar pela liquidação e posterior entrega dos bem apreendido, apesar do direito de retenção de que possa beneficiar o requerente e ainda não reconhecido (cfr. neste sentido ac. RL de 20/12/2018 e STJ de 30/04/2019, em www.dgsi.pt), cujos procedimentos já se mostram iniciados.
Pelo exposto, indefere-se a requerida suspensão.
Quanto à invocada falta de notificação ao credor da proposta de adjudicação, importa referir que o administrador deve sempre ouvir previamente os credores que tenham garantia real sobre os bens alienar acerca do meio pelo qual devem ser vendidos, contudo a pronúncia dos credores notificados não é vinculativa. Do que fundamentalmente se trata é de criar uma tutela do credor assistido de garantia e não de qualquer outro interesse que, paralelamente pudesse assistir ao credor garantido na compra do bem objecto da garantia (cfr. Carvalho Fernandes e João Labareda, in Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, I vol., p. 556).
Isto posto, pese embora não estar ainda reconhecida a garantia de que se arroga o credor, tem […] que se equacionar a sua possível existência, até para evitar futuros e eventuais vícios decorrentes da inobservância do disposto no art. 164º n.º 2 do CIRE, por reconhecimento do direito de retenção, devendo, por isso, dar a possibilidade ao identificado credor de se pronunciar sobre a venda.
Compulsado o requerimento apresentado pelo administrador da insolvência (datado de 14.04.2021), do qual resulta o pedido de notificação do mesmo credor para efeitos de cumprimento do art. 164º e bem assim a audição que se impõe ao credor quanto à venda, não se verificando a apontada nulidade.
Importa, a propósito dos pedidos formulados pelo administrador no seu requerimento último, apenas e por ora consignar, que o Tribunal não pode determinar alguém a apresentar uma proposta, sendo esse um acto voluntário, sem olvidar que o direito de retenção não é um direito de propriedade, não podendo o credor obstar à venda, devendo proceder à entrega do bem, com a sua concretização, admitindo-se a sua ocupação enquanto aquela não ocorrer.
Assim, deverá o administrador da insolvência diligenciar pela venda no que a tal fracção concerne, ouvindo o identificado credor em conformidade, observando o disposto no art. 164º n.º 2 do CIRE.”
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O referido despacho foi notificado ao Ilustre Mandatário do credor reclamante D. G. a 21/04/2021.
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A 21/04/2021 veio o credor reclamante D. G. requerer a sua notificação nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 164º do CIRE e sejam consideradas inoponíveis quanto a si as alegadas diligências de venda ocorridas até aquele momento.
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O Sr. AI foi notificado do referido requerimento a 22/04/2021, nada tendo dito nos autos quanto ao mesmo.
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A 12/11/2021 veio o credor reclamante D. G. “apresentar Reclamação do Ato do Administrador de Insolvência” dizendo que:

- a 29/04/2021 o Sr. AI notificou-o nos termos do art.º 164º n.º 2 do CIRE;
- a 18 de Maio de 2021 comunicou ao Sr. AI uma proposta de aquisição pelo valor de € 166.000,00, junto com a referida proposta enviou um cheque referente a 20% do preço, requerendo ainda a dispensa do depósito do pagamento do preço;
- o Sr. AI não respondeu, pelo que a 26/10/2021 remeteu e-mail ao Sr. AI solicitando resposta á proposta apresentada;
- a 27/10/2021 o Sr. AI respondeu solicitando que o requerente disponibilizasse sentença que o considerou como credor com garantia real e que face às responsabilidades assumidas pela massa insolvente através do CPCV, iria promover leilão presencial cujas condições daria a conhecer;
- na mesma data respondeu ao Sr. AI requerendo resposta á proposta apresentada;
- o Sr. AI respondeu dizendo que o promitente comprador, com quem a massa insolvente celebrou o CPCV, havia manifestado a intenção de diligenciar por uma acção contra a massa insolvente caso seja excluído das diligências da venda, o que não seria desejável;
- o requerente respondeu dizendo que o CPCV não lhe era oponível, reiterando o pedido de resposta á proposta apresentada;
- o Sr. AI respondeu sugerindo que o requerente enviasse requerimento aos autos para decisão “da Juíza” do processo no sentido do afastamento do promitente comprador com o qual a massa insolvente assinou um CPCV e dessa forma “desresponsabilizar-me pessoalmente de eventuais ações de responsabilidade civil” e que não sendo feito isso, dava por concluído este assunto e iria promover o leilão presencial;
- o Sr. AI incumpriu o disposto no art.º 164º n.º 2 do CIRE.
E termina requerendo que o Sr. Administrador seja notificado para na sequência da notificação que fez ao credor aceitar a sua proposta.
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A 22/11/2021 veio o Sr. AI pronunciar-se dizendo, com relevo, que:
“ (…)
- Sobre as questões invocadas pelo requerente, pouco haverá que acrescentar, nomeadamente o facto da massa insolvente ter já celebrado um contrato promessa relativo à venda desta fração e da total dispensa de notificação ao requerente D. G. nos termos pretendidos por este.
- (…) tendo [o credor] sido notificado para melhorar a proposta expressa no contrato promessa e celebrado em 15/10/2020 com a entidade W – Unipessoal, Lda., tendo este manifestado interesse na manutenção na sua aquisição e melhorado a proposta exibida pelo requerente credor.
(…)
- É assim visível que a contraparte não retira a devida noção do despacho de V.Exa datado de 20/04/2021, em que atribui ao credor D. G. a possibilidade de confrontar uma entidade e com a qual a massa insolvente já assumiu um compromisso sério e válido através da celebração de um contrato promessa de compra e venda, pela melhoria do preço de venda da identificada fração.
- Ou seja, o Tribunal não atribuiu àquele uma decisão final de compra e pelo preço que o credor entendeu como válido e satisfatório apenas para si.
(…)
- À não atribuição da condição de credor com garantia real, não está sequer em causa o incumprimento do disposto no nº 2 do art. 164º do CIRE, conforme é também assumido pela decisão deste Tribunal em 20/04/2021.
(…)
- E mesmo que se assuma indiretamente a possibilidade do credor D. G. dispor a seu favor do nº 2 do art. 164º do CIRE, reconhecerá também aquele que a modalidade de venda seria de leilão presencial e envolvendo as partes compradores supra identificadas e de que foi deviamente notificado.
E termina requerendo a “notificação à Comissão de credores sobre o propósito da venda promovida pelo Administrador de insolvência, decidindo em conformidade com os melhores interesses da massa insolvente, o da venda pelo maior possível a obter…”
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A 30/11/2021 foi proferido o seguinte despacho:
“ Pese embora o Tribunal já ter tomado posição quanto à venda em curso da fracção V, por despacho último, em face das posições entretanto assumidas, por um lado pelo credor D. G. e por outro pelo administrador da insolvência, no tocante à concretização da dita venda, notifique-se a Comissão de Credores para se pronunciar quanto ao exposto nos requerimentos datados de 12.11.2021 e 22.11.2021, pronunciando-se quanto à admissibilidade da proposta de aquisição apresentada pelo identificado credor.”
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A 16/12/2021 a ... Bancaria – Corporacion Bancária, SA, Sucursal em Portugal, na qualidade de Presidente da Comissão de Credores, veio informar que:
“(…) notificada do douto despacho antecedente, vem informar V.ª Ex.ª que a Comissão deliberou considerar que, apesar de não conhecer o teor do instrumento outorgado pelo Sr. Administrador de Insolvência em representação da massa insolvente, inexistem fundamentos para que o contrato definitivo correspondente ao contrato-promessa celebrado entre a massa insolvente e a promitente-compradora não tenha sido celebrado até ao presente (votos a favor da Presidente da Comissão e da Autoridade Tributária e voto contra da K - Compra e venda de Imóveis, S.A.).”
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A 17/01/2022 foi proferido o seguinte despacho:
“ Na sequência da posição manifestada pela Comissão de Credores e ao já decidido nos autos (despacho proferido em acta datada de 20.04.2021), deverá o administrador da insolvência diligenciar pela venda da fracção V, em conformidade.”
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O referido despacho foi notificado ao credor reclamante a 18/01/2022.
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A 18/01/2022 veio o credor reclamante D. G. requerer a notificação do Sr. AI para “esclarecer se promoverá à venda da referida fração V por leilão presencial ou se cumprirá o alegado-contrato promessa com o promitente comprador” e juntar cópia do alegado contrato-promessa de compra e venda da fração V.
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A 02/02/2022 veio o credor reclamante D. G. interpor recurso do despacho proferido a 17/01/2022, pedindo a sua revogação e considerando violado o disposto nos n.ºs 2, 3 e 4 do art.º 164º do CIRE e o n.º 1 do art.º 195º do CPC tendo terminado as suas alegações com as seguintes conclusões:

a) Reiteramos, por cautela de patrocínio, que o ora Recorrente é credor de um crédito com garantia real, uma vez que o seu crédito e qualidade foi devidamente reconhecido - a saber direito de retenção-, crédito esse impugnado pela Credora ... Bancaria que deu origem ao apenso D e sem decisão final até ao presente momento.
b) Foi, pelo tribunal ora Recorrido proferido o seguinte despacho com referência citius 36386087 datado de 17-01-2022: “Na sequência da posição manifestada pela Comissão de Credores e ao já decidido nos autos (despacho proferido em acta datada de 20.04.2021), deverá o administrador da insolvência diligenciar pela venda da fracção V, em conformidade.”
c) Salvo o devido respeito por opinião contrária, não podemos concordar com a decisão proferida, nomeadamente com a venda da fracção V nos termos nela constantes, porquanto a mesma viola o disposto no artigo 164.º n.º 2.º 3.º e 4.º do CIRE, razão pela qual interpõe o ora. Recorrente o presente recurso.
d) Teve o ora Recorrente conhecimento no presente apenso que o Sr. Administrador de Insolvência havia celebrado um contrato-promessa com um terceiro, referente à fracção V correspondente à habitação de tipologia T2 no primeiro andar direito, descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial de ... sob o nº .../20001020-V, inscrito na matriz predial sob o artigo ..., da freguesia de ..., concelho de ..., de 15 de outubro de 2020, habitação esta que está na sua posse desde 05/11/2012, procedendo assim à promessa da sua adjudicação a um terceiro. - Contrato-promessa de compra e venda da fraçção V (prazos, preço, identificação do alegado promitente-comprador) que não consta dos presentes autos.
e) Confrontado com a decisão de adjudicação da fração V (sua casa de morada de família), veio o Credor, ora Recorrente através de requerimento com referência citius 2559493 datado de 16 de abril de 2021: “Requer que a nulidade invocada seja julgada procedente por provada, e em consequência anulada a alegada adjudicação da fração autónoma correspondente à habitação de tipologia T2 no primeiro andar direito, descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial de ... sob o nº .../20001020-V, inscrito na matriz predial sob o artigo ..., da freguesia de ..., concelho de ..., de 15 de outubro de 2020.”
f) Por ata, com referência citius 35432699, datada de 20 de abril de 2021 decidiu o tribunal: “Isto posto, pese embora não estar ainda reconhecida a garantia de que se arroga o credor, temo que se equacionar a sua possível existência, até para evitar futuros e eventuais vícios decorrentes da inobservância do disposto no art. 164º n.º 2 do CIRE, por reconhecimento do direito de retenção, devendo, por isso, dar a possibilidade ao identificado credor de se pronunciar sobre a venda.
(…)
Assim, deverá o administrador da insolvência diligenciar pela venda no que a tal fracção concerne, ouvindo o identificado credor em conformidade, observando o disposto no art.º. 164º n.º 2 do CIRE.
Notifique.”.
g) Contrariamente ao referido no douto despacho encontra-se sim reconhecida a garantia de que se arroga o ora Recorrente, porquanto tal crédito com garantia real foi reconhecido pelo próprio Administrador de Insolvência, crédito este impugnado pela Credora ... Bancaria, e que até à presente data não obteve decisão (corre termos no apenso D dos presentes autos), pelo que, salvo o devido respeito por opinião contrária, à presente data encontra-se devidamente reconhecida a garantia do Credor ora Recorrente, uma vez que a sua impugnação ainda não obteve decisão.
h) Dando alegadamente “cumprimento” ao disposto no artigo 164.º n.º 2 do CIRE, o Ilustre Sr. Administrador de Insolvência enviou a 29 de abril de 2021 comunicação ao Recorrente, conforme documento já junto e que aqui se deverá dar como integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais. – (“alegadamente”, porquanto, da análise das comunicações trocadas entre o Credor ora Recorrente e o Administrador de Insolvência que juntamos aos presentes autos e que se encontram integralmente reproduzidas nas alegações, devendo dar-se igualmente por integralmente reproduzidas para os devidos efeitos legais nas presentes conclusões, claramente se verifica que o praticado pelo Administrador de Insolvência constitui uma simulação de cumprimento do legalmente estabelecido, inócua, como melhor trataremos.)
i) Na sequência da referida comunicação, o Credor ora Recorrente D. G., no dia 18 de maio de 2021 procedeu ao envio de proposta de aquisição da fracção autónoma designada pela letra “V” pelo preço de 166.000,00 cento e sessenta e seis mil euros). (valor superior), tendo enviado junto com a referida proposta de aquisição, um cheque (ainda na posse do Sr. Administrador de Insolvência) referente a 20% do preço.
j) Atenta a ausência de resposta do Ilustre Administrador de Insolvência, o Credor, ora Recorrente, via email, procedeu ao envio de comunicação na data de 26 de outubro de 2021, requerendo resposta à proposta apresentada, resposta que não obteve, obteve sim respostas evasivas à proposta enviada, conforme resulta de todas as comunicações juntas aos autos, constantes nas alegações e que aqui se deverão dar como integralmente reproduzidas para os devidos efeitos legais.
k) Alegou ainda o Senhor administrador de Insolvência através de requerimento com referência citius 2756605 datado de 22-11-2021 que aqui se deverá dar como integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais, relativamente à posição do Credor nos presentes autos: “A insistência de um assunto já clarificado e decidido pelo Tribunal deverá ser entendido como de má-fé e de abuso processual, devendo-se manter as diligências do signatário para a venda do imóvel nos termos decididos em 20/04/2021, não sendo concebível a teimosia pretendida pelo credor de que lhe deve ser concedida a posição de credor com garantia real, que o mesmo reconhece em contradição não existir e por conseguinte da desnecessidade de cumprimento do disposto no nº 2 do art. 164º do CIRE para consigo.
(…)
E mesmo que se assuma indiretamente a possibilidade do credor D. G. dispor a seu favor do nº 2 do art. 164º do CIRE, reconhecerá também aquele que a modalidade de venda seria de leilão presencial e envolvendo as partes compradores supra identificadas e de que foi deviamente notificado.”
l) Refere o Recorrente desde já, que não foi notificado para participar em qualquer leilão presencial. – Pelo que, é falso o alegado.
m) Mais, da análise do último requerimento apresentado pelo Senhor Administrador de Insolvência, dúvidas não poderão restar de que o mesmo, quando notificou o Recorrente para dar cumprimento ao disposto no artigo 164.º n.º 2 do CIRE, alegadamente apenas o fez, para, de forma inócua e simulada fazer crer o tribunal que cumpriu devidamente as exigências legais;
n) Não obstante o Sr. Administrador de Insolvência ter procedido à alegada notificação do Recorrente, dando, mais uma vez, alegado cumprimento ao disposto no artigo 164.º n.º2 do CIRE, dúvidas não poderão restar (bastando uma análise atenta às comunicações entre o mandatário do Recorrente e o Sr. Administrador de Insolvência) de que o Sr. Administrador havia já tomado uma decisão, e que a notificação do Recorrente nos termos do artigo 164.º n.º 2 do CIRE não passou de uma simulação, manobra processual suscetível de o constituir como litigante de má fé, por fazer mau uso do processo e das disposições legais.
o) O Sr. Administrador procedeu à notificação do Recorrente nos termos do artigo 164.º n.º 2 somente para evitar a invocação de nulidade, nulidade que se verifica, não obstante os artifícios utilizados, resultando dos autos prova suficiente para demonstrar e provar a alegada NULIDADE QUE EXPRESSAMENTE SE ARGUI.
p) Neste sentido, vejamos o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 13-11-2019:
“I - O fim visado pelo n.º 2 do artigo 164.º do CIRE em combinação com o n.º 3 do mesmo preceito é o dar ao credor o poder de influenciar a venda dos bens que garantem o seu crédito e, dessa forma, obter a melhor satisfação do seu direito.
II – A inobservância, pelo administrador da insolvência, do que lhe é prescrito pelo n.º 2 do artigo 164.º produz a nulidade da venda, por aplicação subsidiária do n.º 1 do artigo 195.º do CPC.
III – A nulidade da venda não está dependente da demonstração, pelo credor, em termos razoáveis de que, na hipótese de ter sido informado pelo administrador nos termos prescritos pelo n.º 2 do artigo 164.º, exerceria efetivamente as faculdades que o n.º 3 do mesmo preceito lhe reconhece e que desse exercício resultaria para ele uma situação mais favorável do que a interviria na ausência de cumprimento de tais deveres.”. (negritos e sublinhados nossos).
q) Constando ainda do Acórdão supra mencionado: “Vê-se, assim, que o fim visado pelo n.º 2 do artigo 164.º do CIRE em combinação com o n.º 3 do mesmo preceito é dar ao credor o poder de influenciar a venda dos bens que garantem o seu crédito e dessa forma obter a melhor satisfação possível do seu direito de crédito. Na hipótese de os deveres prescritos pela norma não serem cumpridos pelo administrador da insolvência, a consequência imediata é óbvia: aquele não poderá exercer as faculdades que a lei lhe atribui no n.º 3 do artigo 164.º, ou seja, pronunciar-se sobre a modalidade da alienação, propor a aquisição do bem, por si ou por terceiro, por preço superior ao da alienação projectada ou ao valor base fixado. E as consequências mediatas também são óbvias: fica frustrada a possibilidade de o credor influenciar a venda e de obter a melhor satisfação possível do seu direito de crédito. Assim sendo, a conclusão a retirar é a de que a inobservância de tais deveres pode influir na venda dos bens. É quanto basta aos olhos do n.º 1 do artigo 195.º do CPC para que a omissão de um acto ou formalidade que a lei prescreva produzam nulidade.”
r) A simulação - nos termos do artigo 240.º do Código Civil “divergência entre a declaração negocial e a vontade real do declarante, o negócio diz-se simulado” – da notificação nos termos do artigo 164.º n.º 2 do CIRE praticada pelo Sr. Administrador de Insolvência é nula.
SEM PRESCINDIR,
s) Tendo o ora Recorrente apresentado uma proposta de valor superior ao valor constante na notificação nos termos do artigo 164.º n.º 2 deveria ter sido a mesma aceite, sem necessidade de ser levada à comissão de credores, na medida em que cabe ao Sr. Administrador de Insolvência a tomada de decisões na liquidação da massa, desde que, seja a decisão mais vantajosa para a massa insolvente. – Como o é, atento o montante superior da mesma, e atento o facto da adjudicação da aludida fracção ao ora Recorrente fazer cessar todos e quaisquer litígios contra a massa, contra o Sr. Administrador de Insolvência (por violação dos seus deveres), tudo decorrente da sua posição de Credor com garantia real decorrente do seu direito de retenção.
t) Sendo a proposta do ora Recorrente uma proposta validamente apresentada, de valor superior ao da proposta do terceiro, uma proposta do credor com garantia real sob a aludida fracção, dúvidas não poderão restar de que a aceitação da proposta apresentada pelo Recorrente, diga-se mais uma vez, validamente apresentada, constitui a proposta que melhor servirá interesse da massa insolvente- sendo o critério decisivo o critério da plausibilidade de vantagem para a massa insolvente e respetivamente, dos credores.
u) Não obstante o supra mencionado, decidiu o tribunal recorrido, mediante despacho com referência citius 36211521 datado de 30-11-2022: “Pese embora o Tribunal já ter tomado posição quanto à venda em curso da fracção V, por despacho último, em face das posições entretanto assumidas, por um lado pelo credor D. G. e por outro pelo administrador da insolvência, no tocante à concretização da dita venda, notifique-se a Comissão de Credores para se pronunciar quanto ao exposto nos requerimentos datados de 12.11.2021 e 22.11.2021, pronunciando-se quanto à admissibilidade da proposta de aquisição apresentada pelo identificado credor.”
v) Pronuncia da comissão de credores junta aos presentes autos sob requerimento com referência citius 2780709 datado de 16/12/2021 que aqui se deverá dar como integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais, e sobre a qual podemos retirar as seguintes conclusões:
- A comissão de credores desconhece os termos e condições do alegado contrato promessa de compra e venda da aludida fracção V a terceiro.
- Desconhece o preço, os prazos e forma de pagamento, a identidade do(s) promitente(s) comprador(es);
- “P. B. <....@sociedadeadvogados.eu> escreveu no dia quarta, 15/12/2021 à(s) 10:47:
Exmos. Co-membros da Comissão de Credores
Registo a posição veiculada pela Ilustre Representante da Autoridade Tributária, sendo que a Presidente da Comissão subscreve na íntegra o entendimento vertido, no sentido em que, apesar deste órgão não conhecer o teor do contrato-promessa que aparentemente terá sido outorgado entre o Sr. Administrador de Insolvência (…)”
w) Verificando ainda que um dos elementos da Comissão de Credores se pronunciou favoravelmente à adjudicação da fracção V ao ora Recorrente por ser a proposta de valor mais elevado e como tal a mais vantajosa para a massa insolvente: “A Massa Insolvente terá todo o interesse em resolver este assunto o mais breve possível, podendo, digo eu, efetuar a venda por valor mais alto possível.”
x) Apesar de todo o exposto, decidiu o tribunal ora recorrido, proferir o despacho do qual se recorre, com os fundamentos supra mencionados e que aqui se deverão dar como integralmente reproduzidos para os devidos efeitos legais.
y) O Recorrente apresentou uma proposta de adjudicação mais vantajosa para a massa insolvente, vantajosa porque é de valor superior, mas não só. Encontrando-se a correr termos ação – apenso D- de impugnação do Crédito do ora Recorrente, a adjudicação do imóvel ao ora Recorrente seria benéfica à massa insolvente porquanto os montantes daqui decorrentes seriam transferidos para a massa insolvente sem mais litígios ou longos hiatos temporais.
*
Contra-alegou a Massa Insolvente, pugnando pela improcedência do recurso e requerendo que este tribunal declare que cabe em exclusivo ao administrador da insolvência a competência para decidir qual a modalidade de venda, assim como o fixar o preço base dos bens a vender, tendo terminado as suas alegações com as seguintes conclusões:

a) Faz parte integrante do acervo de bens que constitui a Massa Falida da X, Lda a fracção autónoma designada pela letra “ V”, correspondente a uma habitação tipo T2, no … andar …, com entrada pelo número ... da Rua ..., garagem individual na cave, assinalada com a respectiva letra, com entrada pelo nº ... da referida rua, freguesia da ..., concelho de ..., descrito na competente conservatória do registo predial sob o número ... – ... , inscrito na matriz sob artigo ….
b) No âmbito dos poderes de fiscalização dos actos do Administrador da Insolvência conferidos pelo artigo 58º do C.I.R.E foi proferido o seguinte despacho:
“ Na sequência da posição manifestada pela Comissão de Credores e ao já decidido nos autos ( despacho proferido em acta datada de 20.04.2021) deverá o administrador da insolvência diligenciar pela venda da fracção V, em conformidade “;
c) Do qual o Recorrente D. G., discorda, sem qualquer fundamentação legal pelo que o RECURSO deve IMPROCEDER.
d) O recorrente D. G. suporta a legitimidade para interpor o presente Recurso enquanto credor da Massa Insolvente X, lda;
e) Inclusive, alega que é titular do DIREITO DE RETENÇÃO sobre o imóvel identificado em a)
f) Créditio este, tal como o direito de retenção, que ainda não se encontra estabelecido, visto ter sido impugnado no processo de insolvência, aguardando-se por uma decisão judicial final.
g) A vir a proceder o DIREITO DE RETENÇÃO, este só confere ao Apelante D. G., o direito de ver o seu crédito ser pago com preferência com os demais credores – cfr. A.Rel. Lisboa – procº 10078/2006-6, Rel. Pereira Rodrigues, in dgsi.
h) Cabe ao administrador da insolvência a competência exclusiva para decidir qual a modalidade da venda dos bens, bem como para fixar o preço base dos bens, como dispõe o artº 164º, nº 1, do CIRE;
Ainda:
i) O Recurso para o Tribunal da Relação, a admitir-se, tem que incidir sobre uma decisão do Tribunal ad quo proferida no processo e, desde que observados todos os requisitos para o efeito.
Porém;
j) O presente recurso não preenche os requisitos a que se reportam os artigos 639.º e 640º do C.P.Civil, por força do artigo 17.º do C.I.R.E., razão para o mesmo IMPROCEDER.
k) Com o devido respeito o ora Recorrente D. G. parece confundir decisões judiciais com os actos ou omissões hipoteticamente praticadas pelo Admnistrador de Insolvência.
Ora;
l) Só é possível recorrer de Apelação dos actos judicias, conforme artigo 627.º, nº 1, do C.P.Civil e artigos 14.º e 17.º do C.I.R.E.
Assim;
m) Na medida em que tudo o que exorbita o despacho judicial antes transcrito, e que é alegado pelo Apelante D. G. e diz respeito à actividade do administrador de insolvência, sobre a qual não recaíu qualquer decisão judicial em tempo de dela se recorrer deve ser ignorado no presente Recurso, dado tal matéria não ser passível de recorrer.
*
2. Questão prévia

Nas suas contra-alegações a Massa insolvente invoca que o recurso interposto não preenche os requisitos previstos nos artigos 639º n.º 2 e 640º n.º 1 do CPC.

O art.º 639º n.º 2 do CPC
2 - Versando o recurso sobre matéria de direito, as conclusões devem indicar:
a) As normas jurídicas violadas;
b) O sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas;
c) Invocando-se erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, devia ter sido aplicada.
Na conclusão c) o recorrente indica terem sido violados o disposto nos n.ºs 2, 3 e 4 do art.º 164º do CIRE e nas conclusões p) e q), indica, ainda que de forma indirecta, a violação do n.º 1 do art.º 195º do CPC.
Quanto à indicação do sentido com que tais normas deviam ter sido invocadas, a mesma resulta da leitura global e integrada das conclusões no que diz respeito aos n.ºs 2, 3 e 4 do art.º 164º - a proposta de compra da fracção autónoma que o mesmo apresentou, devia ter sido aceite pelo Sr. Administrador – e, quanto ao n.º 1 do art.º 195º, tal sentido resulta das conclusões p) e q).

Quanto ao n.º 1 do art.º 640º dispõe:
1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

No presente recurso não há impugnação da matéria de facto, pelo que não tinha de ser observado o disposto no normativo citado, cuja invocação carece, assim, de fundamento.
Em face do exposto, improcede a questão prévia suscitada pela Massa insolvente.
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3. Questões a apreciar

O objecto do recurso, é balizado pelo teor do requerimento de interposição (artº 635º nº 2 do CPC), pelas conclusões (art.ºs 608º n.º 2, 609º, 635º n.º 4, 637º n.º 2 e 639º n.ºs 1 e 2 do CPC), pelas questões suscitadas pelo recorrido nas contra-alegações em oposição àquelas, ou por ampliação (art.º 636º CPC) e sem embargo de eventual recurso subordinado (art.º 633º CPC) e ainda pelas questões de conhecimento oficioso cuja apreciação ainda não se mostre precludida.
A questão essencial colocada no recurso é a de saber se o despacho proferido a 17/01/2022 viola o disposto nos n.ºs 2, 3 e 4 do art.º 164º do CIRE e o n.º 1 do art.º 195º do CPC.
*
4. Fundamentação de facto

A factualidade relevante a considerar é a que consta do Relatório supra.
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5.Direito
5.1. Enquadramento jurídico

Dispõe o art.º 1º do CIRE (sublinhado nosso) que o processo de insolvência é um processo de execução universal que tem como finalidade a satisfação dos credores pela forma prevista num plano de insolvência, baseado, nomeadamente, na recuperação da empresa compreendida na massa insolvente, ou, quando tal não se afigure possível, na liquidação do património do devedor insolvente e a repartição do produto obtido pelos credores.

E consta do ponto 10) do Preâmbulo do CIRE:
“A afirmação da supremacia dos credores no processo de insolvência é acompanhada da intensificação da desjudicialização do processo.
Por toda a parte se reconhece a indispensabilidade da intervenção do juiz no processo concursal, tendo fracassado os intentos de o desjudicializar por completo. Tal indispensabilidade é compatível, todavia, com a redução da intervenção do juiz ao que estritamente releva do exercício da função jurisdicional, permitindo a atribuição da competência para tudo o que com ela não colida aos demais sujeitos processuais.
É assim que, por um lado, ao juiz cabe apenas declarar ou não a insolvência, sem que para tal tenha de se pronunciar quanto à recuperabilidade financeira da empresa (como actualmente sucede para efeitos do despacho de prosseguimento da acção). A desnecessidade de proceder a tal apreciação permite obter ganhos do ponto de vista da celeridade do processo, justificando a previsão de que a declaração de insolvência deva ter lugar, no caso de apresentação à insolvência ou de não oposição do devedor a pedido formulado por terceiro, no próprio dia da distribuição ou nos três dias úteis subsequentes, ou no dia seguinte ao termo do prazo para a oposição, respectivamente.
Ainda na vertente da desjudicialização, há também que mencionar o desaparecimento da possibilidade de impugnar junto do juiz tanto as deliberações da comissão de credores (que podem, não obstante, ser revogadas pela assembleia de credores), como os actos do administrador da insolvência (sem prejuízo dos poderes de fiscalização e de destituição por justa causa).”
Neste sentido afirma-se no Ac. do STJ de 04/04/2017, processo 1182/14.0T2AVR-H.P1, consultável in www.dgsi.pt/jstj, que o “CIRE é norteado pela desjudicialização, ampla autonomia dos credores, latos poderes do administrador, mormente, no que respeita à liquidação do activo do insolvente.”
O Administrador de insolvência é um dos órgãos da insolvência, cujo estatuto está plasmado na Secção I, do Capítulo II e que compreende os artigos 52º a 66º do CIRE.
Desse estatuto relevam as suas funções, plasmadas no art.º 55º e concretamente, a alínea a) do n.º 1, donde resulta que cabe ao administrador da insolvência, com a cooperação e sob a fiscalização da comissão de credores, se existir, “Preparar o pagamento das dívidas do insolvente à custa das quantias em dinheiro existentes na massa insolvente, designadamente das que constituem produto da alienação, que lhe incumbe promover, dos bens que a integram.” (sublinhado nosso) ou, dito de forma mais singela, promover a venda dos bens do insolvente, tendo em vista o pagamento das dívidas do insolvente.

A este respeito referem Carvalho Fernandes e João Labareda, in CIRE Anotado, 3ª edição, pág. 332:
“Os poderes do Administrador têm em vista a satisfação de interesses que não são próprios: corresponde-lhe, por isso, a natureza de verdadeiros poderes funcionais, que ele não só pode, como, sobretudo, deve desempenhar com a diligência de um gestor criterioso e ordenado (cfr. artigo 59º, in fine). Mesmo quando a lei lhe atribui a possibilidade de opção entre várias alternativas, o administrador deve agir de acordo com aquela que, segundo as circunstâncias concretas e ao olhar de um gestor criterioso e ordenado, se evidenciar como a mais favorável e proveitosa para a melhor tutela dos interesses dos credores. É a esta luz que têm sempre que ser avaliadas as faculdades múltiplas que cabem ao administrador, bem como os deveres que sobre ele impendem. E a essa mesma luz será apreciado o seu procedimento e, correspondentemente, medida a sua responsabilidade.”
Por outro lado, no exercício das suas funções, além de estar sujeito à fiscalização da comissão de credores (art.º 55º n.ºs 1 e 5 e 68º do CIRE), o administrador está também sujeito à fiscalização do juiz do processo, dispondo o art.º 58º do CIRE que o administrador de insolvência exerce a sua actividade sob a fiscalização do juiz, que pode, a todo o tempo, exigir-lhe informações sobre quaisquer assuntos ou a apresentação de um relatório da actividade desenvolvida e do estado da administração e da liquidação.

A este respeito referem os mesmos autores, in ob. cit., pág. 340-341 (sublinhados nossos):
“Com efeito, no art.º 141º do CPEREF cometia-se ao liquidatário judicial a administração dos bens componentes da massa falida, mas ela era sujeita à direcção do juiz.
Ora, este poder directivo do juiz desapareceu com o actual Código, atribuindo-se, em alternativa, ao tribunal competência fiscalizadora de toda a actividade do administrador.
(…)
Este ajustamento estratégico da posição do juiz tem a virtualidade de acentuar dois valores fundamentais do processo de insolvência, que se haviam desenhado com a publicação do CPEREF.
Um, o da crescente privatização do processo, significando isso que é deixada aos credores uma larga margem de intervenção para melhor tutela dos seus interesses que, de resto, constitui a única finalidade expressamente assumida pela lei logo em sede do art.º 1º do Código. (…)
Outro vetor complementar e não menos importante é o da crescente confinação do papel do juiz ao garante da legalidade, aí em todos os aspectos em que ela se projecta.
(…)
Mas o facto de não lhe caber a direcção da administração tem como reflexo fundamental a circunstância de, fora dos poderes que lhe estão concretamente assinados, o juiz não dispor da faculdade de instruir o administrador sobre o modo de proceder, não poder impedi-lo de actuar, nem, por contrapartida, o administrador estar sujeito a cumprir indicações que, nesses domínios, o juiz seja tentado a dar-lhe
Finalmente refira-se que o administrador da insolvência é civilmente responsável pelos danos causados ao devedor e aos credores da insolvência e da massa insolvente pela inobservância culposa dos deveres que lhe incumbem (art. 59º, n.º 1 do CIRE), podendo ser destituído, a todo o tempo, pelo juiz se fundadamente se considerar existir justa causa, depois de ouvidos a comissão de credores, o devedor e o próprio administrador da insolvência (art. 56º, n.º 1 do CIRE).
No que à liquidação diz respeito, o n.º 1 do art.º 158º do CIRE dispõe que Transitada em julgado a sentença declaratória da insolvência e realizada a assembleia de apreciação do relatório, o administrador da insolvência procede com prontidão à venda de todos os bens apreendidos para a massa insolvente, independentemente da verificação do passivo, na medida em que a tanto se não oponham as deliberações tomadas pelos credores na referida assembleia, apresentando nos autos, para o efeito, no prazo de 10 dias a contar da data de realização da assembleia de apreciação do relatório, um plano de liquidação de venda dos bens, contendo metas temporalmente definidas e a enunciação das diligências concretas a encetar.
No âmbito da liquidação, dispõe o art.º 164º n.º 1 do CIRE, na redacção que lhe foi conferida pelo DL 79/2017, de 30/06 que o administrador da insolvência procede à alienação dos bens preferencialmente através de venda em leilão eletrónico, podendo, de forma justificada, optar por qualquer das modalidades admitidas em processo executivo ou por alguma outra que tenha por mais conveniente.

Importa referir que na redacção anterior, do DL 282/2007, de 07/08, o referido n.º 1 dispunha:
1 - O administrador da insolvência escolhe a modalidade da alienação dos bens, podendo optar por qualquer das que são admitidas em processo executivo ou por alguma outra que tenha por mais conveniente.
O n.º 1 do art.º 164º estabelece uma forma preferencial de o administrador alienar os bens que compõem a massa, mas o mesmo pode, justificadamente, optar por outra modalidade de venda.
O n.º 2 do art.º 164º dispõe que o credor com garantia real sobre o bem a alienar é sempre ouvido sobre a modalidade da alienação, e informado do valor base fixado ou do preço da alienação projectada a entidade determinada.
E o n.º 3 dispõe que, se, no prazo de uma semana, ou posteriormente, mas em tempo útil, o credor garantido propuser a aquisição do bem, por si ou por terceiro, por preço superior ao da alienação projectada ou ao valor base fixado, o administrador da insolvência, se não aceitar a proposta, fica obrigado a colocar o credor na situação que decorreria da alienação a esse preço, caso ela venha a ocorrer por preço inferior.
Na 1ª parte deste n.º 3 encontra-se a finalidade do n.º 2: facultar ao credor garantido – entenda-se, ao credor com garantia real - a possibilidade de no prazo de uma semana, ou posteriormente, mas em tempo útil, propor a aquisição do bem, por si ou por terceiro, por preço superior ao da alienação projectada.
Finalmente, o n.º 4 dispõe que a proposta prevista no número anterior só é eficaz se for acompanhada, como caução, de um cheque visado à ordem da massa insolvente, no valor de 10 /prct. do montante da proposta, aplicando-se, com as devidas adaptações, o disposto nos artigos 824.º e 825.º do Código de Processo Civil.

A propósito dos n.ºs 2 e 3 mais uma vez acolhe-se o referido por Carvalho Fernandes e João Labareda, in CIRE Anotado, 3ª edição, pág. 617:
“Do que fundamentalmente se trata é de criar um procedimento peculiar de tutela do credor assistido de garantia para, em primeira mão, melhor lhe permitir cuidar da satisfação do seu crédito, embora isso se possa traduzir na possibilidade de aquisição do bem onerado, por si próprio ou por terceiro.”

E mais adiante, na mesma página, referem (sublinhados nossos):
“Uma vez notificado, o credor pode adotar um de três comportamentos diferentes.
Nada diz; oferece um valor superior (…) ao da alienação projectada; oferece um valor igual ou inferior a este ultimo.
(…)
Na segunda hipótese, se não aparecer atempadamente uma proposta superior à do credor oferente e a venda lhe for feita, nada mais há a considerar. Se, entretanto, surgir uma melhor proposta e, ainda assim, o administrador decidir vender nos termos oferecidos pelo credor, este nada terá a reclamar, mas pode, nos termos gerais, haver responsabilidade do administrador para com os demais credores na eventualidade de, com a concretização da melhor proposta, a massa obter um excesso relativamente ao crédito garantido, aproveitável aos demais credores.
Sucede que, segundo resulta do regime do n.º 3, o facto de o administrador não aceitar a proposta do credor garantido e proceder à venda por pior valor não afecta a validade da alienação, nem a sua eficácia. Mas então o administrador “fica obrigado a colocar o credor na situação que decorreria da alienação” ao preço por ele oferecido.
Em termos práticos, isto significa que o administrador da insolvência fica responsável perante o credor oferente, pela diferença entre o preço oferecido e o preço do negócio, na medida em que essa diferença caiba na satisfação do direito de crédito garantido.
Com efeito, só pode ser este o sentido útil da última parte do n.º 3, porquanto, sendo a venda feita pelo administrador válida e eficaz, não há como colocar o credor na titularidade do bem [alienado], como teria sucedido se a sua própria proposta tivesse sido aceite e a venda lhe tivesse sido feita.
Isto significa que, verdadeiramente, o intuito da norma, como já acima assinalámos, é o da tutela do direito de crédito e não de qualquer outro interesse que, paralelamente, pudesse assistir ao credor garantido na compra do bem objecto de garantia.”
Como se refere, no Ac. da RC de 07/09/2020, processo 1958/15.0T8LRA-K.C1, “a exigência de comunicação do valor base ou do preço da alienação projetada, [serve] o propósito de permitir ao credor garantido atuar de forma a defender o valor do bem, promovendo a satisfação do seu crédito…”
Do n.º 3 do art.º 164º extrai-se que é ao administrador que cabe decidir, de forma exclusiva, se aceita a proposta do credor com garantia real e concomitantemente rejeita a alienação projectada ou rejeita a proposta do credor com garantia real e aceita a alienação projectada, tendo em conta o que entenda ser melhor para os interesses da massa, eventualmente coadjuvado pela comissão de credores e sem prejuízo das situações em que é necessário o consentimento da Comissão de credores, como sucede com “ a alienação de qualquer bem da empresa por preço igual ou superior a (euro) 10000 e que represente, pelo menos, 10% do valor da massa insolvente, tal como existente à data da declaração da insolvência, salvo se se tratar de bens do activo circulante ou for fácil a sua substituição por outro da mesma natureza”, nos termos do disposto na alínea g) do n.º 3 do art.º 161º do CIRE.
O AI não está vinculado a aceitar a proposta do credor com garantia real, ainda que a mesma seja de preço superior ao da alienação projectada - vd. Ac. da RC de 17/11/2015, processo 631/13.9TBGRD-Q.C1 - consultável in www.dgsi.pt/jtrc, assim como os que se seguem - o Ac. da mesma Relação, de 19/12/2018, processo 444/06.4TBCNT-AC.C1 e ainda o Ac. da RC de 07/09/2020, processo 1958/15.0T8LRA-K.C1, onde a dado passo se afirma (sublinhado nosso): “Tal como sucede no âmbito do processo executivo, o CIRE impõe a audição prévia dos credores com garantia real sobre o bem a vender, acerca da modalidade de alienação, audição esta que não é vinculativa. Assim como, tal como resulta da última parte do nº 3 do artigo 164º, se informado do valor base fixado ou do preço da alienação projetada, o credor vier a apresentar uma proposta (necessariamente de valor superior), o administrador de insolvência nem sequer é obrigado a aceitar tal proposta, ficando, tão só, obrigado a “colocar o credor na situação que decorreria da alienação a esse preço, caso ela venha a ocorrer por preço inferior”.
Não existe qualquer norma que imponha ao administrador a aceitação do valor proposto pelo credor com garantia real.
E sendo da competência exclusiva do AI aceitar ou não a proposta do credor garantido e, inversamente, não aceitar ou aceitar a alienação projectada, essa opção não é impugnável judicialmente.
Muito embora o AI esteja sujeita á fiscalização do juiz do processo, não cabe em tal poder sindicar da aceitação ou não da proposta do credor garantido, na sequência do cumprimento do disposto do art.º 164º n.º 2 do CIRE.
Neste âmbito e quanto ao juiz como garante da legalidade, a jurisprudência mais recente vem admitindo a possibilidade de ser decretada a anulação da venda, à luz do disposto no n.º 1 do art.º 195º do CPC, aplicável ex vi art.º 17º do CIRE, se forem violadas regras procedimentais, como seja o não cumprimento, pelo administrador de insolvência, do disposto no n.º 2 do art.º 164º, desde que as circunstâncias do caso concreto, permitam concluir ter tal incumprimento tido influência “no exame ou decisão da causa”, ou seja, na venda ou no resultado da liquidação (cfr. Ac. do STJ de 04/04/2017, processo 1182/14.0T2AVR-H.P1, Ac. do STJ de 15/02/2018, processo 4488/11.6TBLRA-M.C1.S1, ambos consultáveis in www.dgsi.pt/jstj, Ac. RE de 08/02/2018, processo 6426/12.0TBSTB-F.E1 e que foi objecto de recurso para o Tribunal Constitucional que pelo Acordão nº 616/2018, de 21/11/2018, consultável in www.tribunalconstitucional.pt, que decidiu “julgar inconstitucional, por violação do artigo 20.º, n.º 4, conjugado com o artigo 18.º, n.º 2, da Constituição, a norma contida nos artigos 163.º e 164.º, n.os 2 e 3, do CIRE, na interpretação segundo a qual o credor com garantia real sobre o bem a alienar não tem a faculdade de arguir, perante o juiz do processo, a nulidade da alienação efetuada pelo administrador com violação dos deveres de informação do valor base fixado ou do preço da alienação projetada a entidade determinada”., Ac. da RL de 23/05/2019, processo 1094/11.9TYLSB.R.L1-2, e que foi objecto de recurso para o STJ, que por Ac. de 09/07/2020, consultável in www.dgsi.pt/jstj, o confirmou, o Ac. desta RG de 13/06/2019, processo 231/17.4T8VNF-C.G1, consultável in www.dgsi.pt/jtrg, o Ac. da RP de 24/10/2019, processo 264/15.5T8VNG-E.P1, consultável in www.dgsi.pt/jtrp, o Ac. da RC de 07/09/2020, processo 1958/15.0T8LRA-K.C1, consultável in www.dgsi.pt/jtrc, o Ac. desta RG de 22/10/2020, processo 1942/19.5T8GMR-F.G1, consultável in www.dgsi.pt/jtrg e Ac. da RL de 08/03/2022, processo 150/19.0T8BRR-C.L1-1, consultável in www.dgsi.pt/jtrl).
Este é, no entanto, um simples apontamento, já que não está em causa nos autos a anulação de qualquer venda, pelo que não cabe aqui desenvolver o tema.
Se o administrador decidir não aceitar a proposta do credor garantido, as consequências directas são apenas e tão só as previstas no n.º 3 do art.º 164º do CIRE.
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5.2. Da situação dos autos
5.2.1. Antes de mais impõe-se verificar que algumas das questões suscitadas no recurso não podem ser objecto de apreciação.
Nas conclusões d) e e) o recorrente alude ao facto de ter requerido a nulidade da “adjudicação” por requerimento de 16/04/2021.
Trata-se de questão apreciada no despacho de 20 de Abril de 2021, de que não foi interposto recurso e que além disso é irrelevante na economia do presente recurso.
Na conclusão f) o recorrente alude ao despacho proferido a 20 de Abril de 2021, em que se afirma “não estar ainda reconhecida a garantia de que se arroga o credor”, declarando na alínea g) das conclusões não concordar com o mesmo.
Como claramente resulta do requerimento de interposição de recurso, o recorrente apenas manifestou a vontade de impugnar o despacho proferido a 17/01/2022.
Destarte e à luz do disposto no art.º 635º do CPC, o recurso apenas tem por objecto esse despacho.
Nas conclusões h), m), n) e r) o recorrente invoca a “simulação” da notificação que o Sr. AI lhe fez a 29/04/2021 e nas conclusões o), p) e q) a “nulidade” da referida notificação.
Estas questões não podem ser conhecidas por este tribunal.
Em primeiro lugar e como resulta do disposto no art.º 627º do CPC, os actos que podem ser impugnados por meio de recurso são as decisões judiciais e não os actos do Sr. AI. E o que está patente nestas conclusões é, apenas e tão só, a impugnação do acto/notificação do Sr. AI.
Como já referido, o único objecto do recurso é apenas e tão só o despacho proferido a 17/01/2022.
Independentemente disso, as invocadas “simulação” e “nulidade” da referida notificação são questões novas, no sentido em que não foram suscitadas em 1ª instância e objecto de pronúncia pela mesma.
Nos recursos de reponderação, sistema que vigora em Portugal (cfr. Amâncio Ferreira, Manual dos recursos em processo civil, 8ª edição, 147) não é concedida às partes a possibilidade de questões novas (ius novorum).
Os recursos destinam-se a permitir a reponderação da decisão recorrida, constituindo, assim, um instrumento para reapreciar questões concretas, de facto ou de direito, que foram objecto de decisão e que se consideram mal decididas e não para conhecer de questões novas, não apreciadas e discutidas nas instâncias.
Os recursos não visam criar decisões sobre questões novas, isto é, questões não levantadas no tribunal recorrido, sendo o seu âmbito delimitado pelo acto recorrido.
Ensina Miguel Teixeira de Sousa, in Estudos Sobre o Novo Processo Civil, 2ª ed., LEX, Lisboa 1997, pág. 395, que no direito português, os recursos ordinários visam a reapreciação da decisão proferida dentro dos mesmos condicionalismos em que se encontrava o tribunal recorrido no momento do seu proferimento. Isto significa que, em regra, o tribunal não pode ser chamado a pronunciar-se sobre matéria que não foi alegada pelas partes na instância recorrida ou sobre pedidos que nela não foram formulados. Os recursos são meios de impugnação de decisões judiciais e não meios de julgamento de questões novas.
E Abrantes Geraldes, in Recursos em processo civil, 6ª edição, pág. 139, refere também que “a natureza do recurso, como meio de impugnação de uma anterior decisão judicial, determina uma importante limitação ao seu objecto decorrente do facto de, em termos gerais, apenas poder incidir sobre questões que tenham sido anteriormente apreciadas, não podendo confrontar-se o tribunal ad quem com questões novas.
Na verdade, os recursos constituem mecanismos destinados a apreciar decisões proferidas, e não a analisar questões novas, salvo quando (…) estas sejam de conhecimento oficioso, e, além disso, o processo contenha os elementos imprescindíveis.”
Por outro lado, cremos, é jurisprudência unânime do STJ (para uma recensão da mesma, Abrantes Geraldes, ob cit. notas 226 a 230, pág. 136-138) que os recursos ordinários visam o reexame da decisão proferida dentro dos mesmos pressupostos em que se encontrava o tribunal recorrido no momento em que a proferiu. Por conseguinte, os recursos são meios de impugnação e de correcção de decisões judiciais e não constituem instrumentos processuais para obter decisões novas e daí não pode o tribunal de recurso ser chamado a pronunciar-se sobre questões não suscitadas ao tribunal recorrido (a titulo exemplificativo o Ac. do STJ de 25 de Março de 2010, processo 5521/03.0TBALM.S1, consultável in www.dgsi.pt/jstj)
O recurso ordinário consubstancia-se, pois, num pedido de reapreciação de uma decisão, não transitada em julgado, dirigido tribunal hierarquicamente superior e com fundamento na ilegalidade da decisão, visando revoga-la ou substituí-la por outra mais favorável ao recorrente. Desta forma, os recursos ordinários incidem ou têm por objecto o juízo ou julgamento realizado pelo tribunal recorrido.
No entanto, a impossibilidade de conhecer questões novas não é absoluta, já que comporta excepções como sejam as questões de conhecimento oficioso ainda não decididas com trânsito em julgado, como, por exemplo, o abuso do direito ou os pressupostos processuais, gerais ou especiais, oficiosamente cognoscíveis.
Não tendo sido invocadas em 1ª instância as alegadas “simulação” e “nulidade” da notificação efectuada pelo Sr. AI a 29/04/2021, não pode esta Relação conhecer das mesmas.

5.2.2. Do despacho proferido a 17/01/2022.

A 17/01/2022 o tribunal recorrido proferiu o seguinte despacho:
“Na sequência da posição manifestada pela Comissão de Credores e ao já decidido nos autos (despacho proferido em acta datada de 20.04.2021), deverá o administrador da insolvência diligenciar pela venda da fracção V, em conformidade.”
Analisando o despacho de per si, a primeira constatação que se impõe é que o mesmo não apresenta um conteúdo bem definido, que não suscite dúvidas, suscitando-se logo uma interrogação: qual o conteúdo útil da locução “em conformidade”?
Há, no entanto, um aspecto em que o despacho recorrido não suscita dúvidas: a Sr.ª Juiz a quo determina que o Sr. AI diligencie pela venda: “…deverá o administrador da insolvência diligenciar pela venda da fracção V…”
Mas a Sr.ª Juiz acrescentou “em conformidade”.
A referida expressão tem como referencial a “venda”.
E, sob pena de ser uma expressão vazia, estabelece uma correspondência com determinado modo de venda, que não ficou expresso.
De referir que o despacho não é interpretável no sentido de se extrair dele que o tribunal a quo se limitou a determinar ao Sr. AI que diligenciasse, em abstracto e como é da sua função, pela venda porque o tribunal acrescentou “em conformidade
De referir que nos termos do disposto no art.º 130º do CPC, aplicável ex vi art.º 17º do CIRE, não é licito realizar no processo actos inúteis.
E daqui decorre que as decisões judiciais devem ter um conteúdo útil.
Estabelecendo a referida expressão uma correspondência com determinado modo de venda, que não ficou concretamente expresso, a questão que se coloca é determinar a que “modo” de venda se queria o despacho referir.
A decisão judicial é o ato processual pelo qual o tribunal, a requerimento ou oficiosamente, enuncia uma solução para uma pretensão ou questão jurídicas, de mérito ou processual – Rui Pinto in Manual do Recurso Civil, AAFDL Editora, pág. 194.
Os despachos, à semelhança das sentenças, são actos jurídicos (são actos a que a lei atribui relevância e efeitos jurídicos), a que se aplicam as regras reguladoras dos negócios jurídicos (ex vi art.º 295º do Código Civil), pelo que as normas que disciplinam a interpretação da declaração negocial (artigos 236º, nº 1 e 238º, nº 1, do CC), são igualmente válidas para a interpretação daquela.
Assim a interpretação dos despachos e das sentenças deve fazer-se de acordo com o sentido que um declaratário normal, colocado na situação do real declaratário, possa deduzir do conteúdo nela expresso, ainda que menos perfeitamente (artºs 236º, nº. 1 e 238º, nº. 1 do Código Civil)
Mas sendo um acto formal, não pode a mesma valer com um sentido que não tenha na respectiva letra um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.
Além disso, a sua interpretação não pode assentar, apenas, no teor literal da respetiva parte decisória, impondo-se também considerar os respectivos fundamentos, os quais são constitutivos e determinantes da decisão, ou seja, a decisão só se compreende à luz dos respectivos fundamentos e os seus antecedentes lógicos.
Neste sentido o Ac. desta RG de 27/06/2009, processo 606/06.4TBMNC-D.G1 consultável in www.dgsi.pt/jtrg e mais recentemente o Ac. do STJ de 01/07/2021, processo 726/15.4T8PTM.E1.S1, consultável in www.dgsi.pt/jstj, que se pronunciam quanto à interpretação da sentença, mas que são aplicáveis aos despachos.

Consta do sumário do citado Ac. do STJ:
II. Sendo a sentença um ato jurídico formal, regulamentado pela lei de processo e implicando uma objetivação da composição dos interesses nela contida, a sua interpretação deve ser feita de acordo com os critérios estabelecidos nos artigos 236º, nº 1 e 238º, nº 1, ambos do Código Civil, ou seja, tem de ser interpretada com o sentido que um declaratário normal, colocado na situação do real declaratário, possa deduzir do conteúdo nela expresso, não podendo valer com um sentido que não tenha no documento que a corporiza um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.
III. Para alcançarmos o verdadeiro sentido de uma sentença, a sua interpretação não pode assentar exclusivamente no teor literal da respetiva parte decisória, impondo-se também considerar e analisar todos os antecedentes lógicos, que a suportam e a pressupõem, dada a sua íntima interdependência bem como outras circunstâncias, mesmo posteriores à respetiva elaboração.
A expressão “antecedentes lógicos” tem, naturalmente, em vista os actos – requerimentos das partes ou de qualquer interveniente processual - ou factos – uma exigência processual a impor uma actuação oficiosa - que determinaram a prolação do despacho.

No caso, o despacho recorrido tem como antecedentes lógicos:
- o despacho proferido a 20 de Abril de 2021 em que se determinou que “deverá o administrador da insolvência diligenciar pela venda no que a tal fracção concerne, ouvindo o identificado credor em conformidade, observando o disposto no art. 164º n.º 2 do CIRE.”
- a “reclamação” do credor reclamante D. G. de 12/11/2021, em que o mesmo requer a notificação do Sr. AI para aceitar a sua proposta, dizendo que:
> a 29/04/2021 o Sr. AI notificou-o nos termos do art.º 164º n.º 2 do CIRE;
> a 18 de Maio de 2021 comunicou ao Sr. AI uma proposta de aquisição pelo valor de € 166.000,00, junto com a referida proposta enviou um cheque referente a 20% do preço, requerendo ainda a dispensa do depósito do pagamento do preço;
> o Sr. AI não respondeu, pelo que a 26/10/2021 remeteu e-mail ao Sr. AI solicitando resposta á proposta apresentada;
> a 27/10/2021 o Sr. AI respondeu solicitando que o requerente disponibilizasse sentença que o considerou como credor com garantia real e que face às responsabilidades assumidas pela massa insolvente através do CPCV, iria promover leilão presencial cujas condições daria a conhecer;
> na mesma data respondeu ao Sr. AI requerendo resposta á proposta apresentada;
> o Sr. AI respondeu dizendo que o promitente comprador, com quem a massa insolvente celebrou o CPCV, havia manifestado a intenção de diligenciar por uma acção contra a massa insolvente caso seja excluído das diligências da venda, o que não seria desejável;
> o requerente respondeu dizendo que o CPCV não lhe era oponível, reiterando o pedido de resposta á proposta apresentada;
> o Sr. AI respondeu sugerindo que o requerente enviasse requerimento aos autos para decisão “da Juíza” do processo no sentido do afastamento do promitente comprador com o qual a massa insolvente assinou um CPCV e dessa forma “desresponsabilizar-me pessoalmente de eventuais ações de responsabilidade civil” e que não sendo feito isso, dava por concluído este assunto e iria promover o leilão presencial;
> o Sr. AI incumpriu o disposto no art.º 164º n.º 2 do CIRE.
- a pronuncia do Sr. AI de 22/11/2021, em que requer a “notificação à Comissão de credores sobre o propósito da venda promovida pelo Administrador de insolvência, decidindo em conformidade com os melhores interesses da massa insolvente, o da venda pelo maior possível a obter…”.
Impõe-se aqui referir que esta pronúncia do Sr. AI é manifestamente dúbia, no sentido em que não se descortina no mesmo uma posição definida e clara quanto á questão suscitada pelo credor D. G., pois por um lado parece ir no sentido de ser dado cumprimento ao cumprimento do contrato promessa por si celebrado a 15/10/2020 – como parece resultar do seguinte excerto: “(…) tendo [o credor] sido notificado para melhorar a proposta expressa no contrato promessa e celebrado em 15/10/2020 com a entidade W – Unipessoal, Lda., tendo este manifestado interesse na manutenção na sua aquisição e melhorado a proposta exibida pelo requerente credor – mas por outro parece propugnar a venda em leilão electrónico - como parece resultar deste excerto: “E mesmo que se assuma indiretamente a possibilidade do credor D. G. dispor a seu favor do nº 2 do art. 164º do CIRE, reconhecerá também aquele que a modalidade de venda seria de leilão presencial e envolvendo as partes compradores supra identificadas e de que foi deviamente notificado.”
E a dúvida adensa-se porque termina a sua pronúncia requerendo a “notificação à Comissão de credores sobre o propósito da venda promovida pelo Administrador de insolvência, decidindo em conformidade com os melhores interesses da massa insolvente, o da venda pelo maior possível a obter…”, sem que se alcance qual o caminho que pretende adoptar para a venda.
- o despacho de 30/11/2021 em que se ordena a notificação da “Comissão de Credores para se pronunciar quanto ao exposto nos requerimentos datados de 12.11.2021 e 22.11.2021, pronunciando-se quanto à admissibilidade da proposta de aquisição apresentada pelo identificado credor.”
- a pronuncia da Comissão de Credores de 16/12/2021, em que a mesma declara que” inexistem fundamentos para que o contrato definitivo correspondente ao contrato-promessa celebrado entre a massa insolvente e a promitente-compradora não tenha sido celebrado até ao presente”.
Sendo este o contexto, sendo estes os antecedentes lógicos, o despacho recorrido, ao decidir que “ Na sequência da posição manifestada pela Comissão de Credores e ao já decidido nos autos (despacho proferido em acta datada de 20.04.2021), deverá o administrador da insolvência diligenciar pela venda da fracção V, em conformidade.”, não pode deixar de ser entendido como estando a pronunciar-se no sentido de determinar que o Sr. AI proceda à venda da fracção “V” ao promitente comprador do contrato-promessa celebrado a 15/10/2020, ou seja, dê cumprimento ao contrato-promessa por si celebrado.
Tendo em consideração o referido contexto não é possível considerar que o despacho se limitou a considerar que a venda deveria ser feita em cumprimento do já ordenado nos autos, ou seja, mediante o prévio cumprimento do disposto no art.º 164º n.º 2 do CPC porquanto, muito embora faça referência ao “já decidido nos autos (despacho proferido em acta datada de 20.04.2021)”, o despacho começa por afirmar que é proferido “Na sequência da posição manifestada pela Comissão de Credores…” e seria uma inutilidade porque essa questão já havia sido decidida a 20/04/2021.
Se assim fosse ter-se-ia limitado a afirmar o que consta da parte inicial do despacho de 30/11/2021 – o tribunal já havia tomado posição quanto á venda em curso da fracção V no despacho último, ou seja, no despacho de 20/04/2021.
Por outro lado, impõe-se considerar que, implicitamente, o despacho recorrido afasta a pretensão do recorrente formulada no requerimento de 12/11//2021, de ser ordenada a notificação do Sr. AI para aceitar a proposta que lhe endereçou.
Mas aqui chegados a questão que se coloca – e que de certo modo perpassa nas contra-alegações da Massa insolvente, como resulta da alínea H) das respectivas conclusões e da sua parte final - é a de saber se cabia nos poderes do tribunal pronunciar-se quanto aos termos em que a venda deveria ser realizada, ou seja, rejeitando a proposta do aqui recorrente e cumprindo o contrato-promessa celebrado pelo Sr. AI a 15/10/2020 ou se a mesma está no exclusivo âmbito dos poderes do Sr. AI.
Tendo em consideração tudo o exposto em sede de enquadramento jurídico podemos facilmente concluir que no âmbito da liquidação o tribunal apenas pode apreciar o cumprimento da legalidade e, concretamente, a violação de normas procedimentais, não cabendo nos seus poderes pronunciar-se quanto á questão de saber se a venda de determinado bem deve ser feita, como ocorre no caso, mediante cumprimento de contrato promessa celebrado antes de ter sido dado cumprimento ao disposto no art.º 164º n.º 2 ou mediante a aceitação da proposta apresentada pelo credor reclamante que se arroga titular de um direito de retenção, na sequência do ordenado cumprimento pelo Sr. AI do n.º 2 do art.º 164º do CIRE.
Trata-se de matérias da exclusiva competência do Sr. AI, sem prejuízo das situações em que é necessário o consentimento da Comissão de credores, como sucede com “ a alienação de qualquer bem da empresa por preço igual ou superior a (euro) 10000 e que represente, pelo menos, 10% do valor da massa insolvente, tal como existente à data da declaração da insolvência, salvo se se tratar de bens do activo circulante ou for fácil a sua substituição por outro da mesma natureza”, nos termos do disposto na alínea g) do n.º 3 do art.º 161º do CIRE.
E sendo assim não podem ser objecto de reclamação/impugnação para o juiz do processo e, portanto, não podem ser objecto de apreciação pelo mesmo e, naturalmente, não podem ser objecto de apreciação por esta Relação.

Face a tudo o exposto, a decisão recorrida, entendida como determinando que o Sr. AI proceda à venda da fracção “V” ao promitente comprador do contrato-promessa celebrado a 15/10/2020, ou seja, dê cumprimento ao contrato-promessa por si celebrado e implicitamente rejeita a pretensão do ora recorrente no sentido de ser aceite a proposta por ele apresentada, violou o disposto no art.º 164º n.º 3 do CIRE, entendido este no sentido de que cabe ao administrador de insolvência decidir, de forma exclusiva, se aceita a proposta do credor com garantia real e concomitantemente rejeita a alienação projectada ou rejeita a proposta do credor com garantia real e aceita a alienação projectada, tendo em conta o que entenda ser melhor para os interesses da massa, eventualmente coadjuvado pela comissão de credores, sem prejuízo das situações em que é necessário o consentimento da Comissão de credores, como sucede com “ a alienação de qualquer bem da empresa por preço igual ou superior a (euro) 10000 e que represente, pelo menos, 10% do valor da massa insolvente, tal como existente à data da declaração da insolvência, salvo se se tratar de bens do activo circulante ou for fácil a sua substituição por outro da mesma natureza”, nos termos do disposto na alínea g) do n.º 3 do art.º 161º do CIRE.
O decidido excede os poderes jurisdicionais do juiz titular do âmbito das diligências tendentes á venda dos bens que integram a massa insolvente e por isso impõe-se a sua revogação.
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6. Decisão

Termos em que acordam os Juízes da 1ª secção da Relação de Guimarães em julgar a apelação procedente e em consequência revogar a decisão recorrida (despacho de 17/01/2022).
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Sem custas
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Notifique-se
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Guimarães, 30/06/2022
(O presente acórdão é assinado electronicamente)

Juiz Desembargador Relator: José Carlos Pereira Duarte
Juízes Desembargadores Adjuntos: José Fernando Cardoso Amaral
Eduardo José Oliveira Azevedo