Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
413/20.1T8PTL-B.G1
Relator: MARIA JOÃO MATOS
Descritores: RECURSO DE REVISÃO
TRIBUNAL COMPETENTE
RECLAMAÇÃO PARA A CONFERÊNCIA
TRÂNSITO EM JULGADO
CASO JULGADO FORMAL
DESPACHO LIMINAR DO RECURSO DE REVISÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 02/01/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I. A sentença ou despacho que haja recaído unicamente sobre a relação processual e que não seja mais susceptível de recurso ordinário ou de reclamação fica a ter força obrigatória dentro do processo (caso julgado formal), impedindo que o mesmo tribunal, na mesma acção, possa alterar a decisão proferida.

II. Tendo sido interposto um recurso de revisão no Tribunal da Relação e tendo o seu relator determinado que a decisão a rever era a sentença proferida em 1.ª instância e caber a competência para tramitar e decidir o recurso ao Tribunal que a proferira, ordenando a remessa dos autos ao mesmo, não tendo a sua decisão sido posteriormente objecto de reclamação para a conferência de juízes que o relator integrava, transitou em julgado.

III. Comportando o recurso de revisão uma primeira fase, de apreciação liminar (em que o juiz verifica se deve indeferir o requerimento in limine ou se deve, pelo contrário, admitir o recurso), ultrapassada a mesma (com a sua admissão e notificação do recorrido para lhe responder), os fundamentos que deveriam ter levado à sua rejeição liminar podem posteriormente justificar a respectiva improcedência, na fase seguinte, rescindente (em que o juiz examina e julga se o fundamento invocado para o recurso procede e, consequentemente, se a decisão a rever subsiste ou é afastada).

IV. Tendo sido proferido, pelo Tribunal de 1.ª instância, autor da sentença a rever, despacho de admissão liminar do recurso de revisão e tendo sido notificado o recorrido para lhe responder, não sendo aquele despacho recorrível, ultrapassou-se definitivamente a primeira fase da tramitação do dito recurso.

V. A decisão posterior do Tribunal de 1.ª instância, determinando que a decisão a rever é, afinal, o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação e indeferindo liminarmente o recurso de revisão, por incompetência absoluta própria para o tramitar e decidir, viola o caso julgado anteriormente formado (sobre a identificação da decisão a rever e sobre a determinação do Tribunal competente para o efeito) e o prévio despacho que admitira liminarmente o dito recurso de revisão.

VI. Mercê das violações referidas, tem de ser desconsiderada, por totalmente ineficaz, a decisão do Tribunal a quo que violou, quer o caso julgado formal (formado sobre o despacho a identificar a decisão a rever e a determinar o Tribunal competente para o efeito), quer a prévia decisão que versara sobre a mesma questão processual (de apreciação liminar do recurso de revisão), ainda que não tenha transitado em julgado (por ser irrecorrível).
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães
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ACÓRDÃO

I - RELATÓRIO

1.1. Decisão impugnada
1.1.1. AA (aqui Recorrente), propôs neste Tribunal da Relação de Guimarães o presente recurso de revisão, dizendo-o «do acórdão proferido nos presentes autos», pedindo que o mesmo fosse admitido e julgado procedente.
Alegou para o efeito, em síntese, ter sido proferido acórdão por este Tribunal da Relação de Guimarães, em 16 de Março de 2023, que julgou parcialmente procedente a prévia acção que tinha sido intentada contra si por EMP01..., Limitada e improcedente a reconvenção por ele deduzida, declarando, em consequência, aquela Sociedade proprietária de áreas de terreno que ele próprio defendia (e defende) integrarem prédios seus.
Mais alegou ter agora na sua posse documento superveniente (que então não conhecia) que, não só prova precisamente o contrário do ali decidido, como atesta igualmente a falsidade das declarações de parte prestada em audiência de julgamento pela legal representante da Autora e das plantas e levantamentos topográficos por esta juntos aos autos.

1.1.2. Em 22 de Maio de 2023 foi proferido despacho pela Relatora neste Tribunal da Relação de Guimarães (a quem fora endereçado o dito recurso de revisão), que ordenou a notificação do Recorrente (AA) para esclarecer se pretendia interpor recurso do acórdão proferido em 16 de Março de 2023 ou da sentença proferida pelo Tribunal de 1.ª instância em 24 de Julho de 2022, lendo-se nomeadamente na sua decisão (que aqui se dá por integralmente reproduzida):
«(…)
Ora, lendo o acórdão proferido em 16.3.2023, verifica-se que não foi no mesmo que se proferiu a aludida decisão. A decisão transcrita na 1ª conclusão foi proferida pelo Tribunal de 1ª instância, sendo também essa decisão que contém a fundamentação quanto à matéria de facto que o recorrente invoca e que supra se transcreveu.
O Tribunal da Relação, no âmbito do recurso que foi interposto quanto a essa decisão, limitou-se:
I - a apreciar a nulidade da sentença proferida em 1ª instância, concluindo pela não ocorrência desse vício;
II - a apreciar a impugnação da matéria de facto unicamente quanto aos factos não provados a) e b), tendo rejeitado a impugnação quanto aos restantes factos por incumprimento dos ónus impugnatórios, e tendo concluído pela improcedência da impugnação deduzida;
III - a não reapreciar a decisão jurídica por considerar que a mesma dependia da prévia alteração da matéria de facto, pretensão que não obteve sucesso.
Apreciadas as referidas questões, julgou os recursos independente e subordinado improcedentes.
Assim, face à invocação do teor da decisão que se quer rever e à decisão que se pretende obter, fica a dúvida sobre se o recorrente pretende interpor recurso de revisão do acórdão, o qual só apreciou o que se acabou de expor e se limitou a ”julgar os recursos independente e subordinado improcedentes”, ou se pretende interpor recurso de revisão da sentença de 1ª instância, que foi a decisão em que efetivamente foi fixada a matéria de facto que o recorrente quer ver alterada (pois a Relação só se pronunciou sobre os factos não provados a) e b)) e que efetivamente apreciou juridicamente a pretensão da autora (pois a Relação não apreciou tal questão).
Antes de prosseguir, importa previamente esclarecer esta questão.
*
Pelo exposto, determina-se que o recorrente seja notificado para esclarecer expressamente se pretende interpor recurso de revisão do acórdão proferido em 16.3.2023 por este Tribunal da Relação ou se pretende interpor recurso de revisão da decisão proferida em 24.7.2022 pelo tribunal de 1ª instância.
(…)»

1.1.3. Em 01 de Junho de 2023 o Recorrente (AA) veio esclarecer pretender interpor recurso de revisão da sentença proferida pelo Tribunal de 1.ª instância em 24 de Julho de 2022, pedindo que os autos fossem remetidos «para o tribunal de 1.ª instância, a fim de ser alterada decisão proferida» (conforme articulado respectivo, que aqui se dá por integralmente reproduzido).
Alegou para o efeito ser essa a decisão que «se fundamentou na prova documental existente nos autos, na prova pericial, nas declarações de parte da legal representante da A. e nos depoimentos das testemunhas»; e que o documento que agora «tem na sua posse» é, «por si só, (…) suficiente para modificar a decisão em sentido totalmente favorável, quanto à parte em que (…) ficou vencido», demonstrando ainda «que a Autora faltou à verdade na petição inicial e nas declarações que prestou na audiência final» (conforme articulado respectivo que aqui se dá por integralmente reproduzido).

1.1.4. Em 02 de Junho de 2023 EMP01..., Limitada (aqui Recorrida) - notificada que foi do requerimento do Recorrente de 01 de Junho de 2023 - veio pedir que o recurso de revisão fosse liminarmente indeferido, com fundamento na incompetência absoluta do Tribunal da Relação em razão da hierarquia (conforme articulado respectivo, que aqui se dá por integralmente reproduzido).

1.1.5. Em 02 de Junho de 2023 foi proferido despacho pela Relatora no Tribunal da Relação de Guimarães, determinando a remessa dos autos ao Tribunal de 1.ª instância, por, face à indicação pelo Recorrente (AA) da decisão a rever, ter entendido que lhe caberia a competência para os tramitar, lendo-se nomeadamente na sua decisão (que aqui se dá por integralmente reproduzida):
«(…)
De acordo com o disposto no art. 697º, nº 1, do CPC, o recurso de revisão é interposto no tribunal que proferiu a decisão a rever, sendo que o mesmo corre por apenso ao processo onde foi proferida essa decisão (art. 698º, nº 1, do CPC).
Tendo em conta que, conforme expressamente esclarecido pelo recorrente, a decisão que se pretende rever é a que foi proferida em 24.7.2022 pelo Tribunal de 1ª instância é a este que compete apreciar o recurso de revisão interposto, em conformidade com a norma citada.
Os autos principais, aos quais o presente recurso de revisão se encontra apenso e nos quais foi proferida a decisão a rever, ainda não tinham sido remetidos ao Tribunal de 1ª instância, após a prolação do acórdão, já transitado em julgado, encontrando-se neste Tribunal da Relação quando o recurso de revisão foi apresentado.
Assim sendo, quer estes autos quer os autos principais devem ser remetidos ao Tribunal de 1ª instância, ao qual competirá tramitar o recurso de revisão, o que se determina.
(…)»

1.1.6. Notificada a decisão ao Recorrente (AA) e à Recorrida (EMP01..., Limitada) no próprio dia da sua prolação, nenhum deles reagiu, nomeadamente reclamando da mesma para a conferência de juízes desembargadores que integravam o colectivo da Relatora.

1.1.7. Em 26 de Junho de 2023, recebidos os autos na 1.ª instância, foi proferido despacho pela sua titular, pedindo novamente ao Recorrente (AA) que esclarecesse de que decisão recorria - da sentença ou do acórdão proferidos nos autos -, lendo-se nomeadamente no mesmo (que aqui se dá por integralmente reproduzido):
«(…)
Ora neste momento, a signatária encontra-se na dúvida se o recurso de revisão pretende incidir sobre a Sentença que decidiu a matéria em causa ou se pretende incidir sobre o Acórdão que a confirmou, uma vez que em todo o corpo das alegações é sempre referido “Acórdão” e não Sentença.
Desta forma ouça-se a recorrente, para que informe qual a sua pretensão e sendo sobre a sentença, reforme as suas alegações.
(…)»

1.1.8. Em 06 de Julho de 2023 o Recorrente (AA) veio novamente esclarecer «que pretende interpor recurso de revisão da decisão proferida em 24.07.2022, pelo tribunal de 1ª instância», reiterando ipsis verbis o teor do anterior articulado apresentado no Tribunal da Relação de Guimarães quando prestara igual esclarecimento (conforme articulado respectivo, que aqui se dá por integralmente reproduzido).

1.1.9. Em 13 de Julho de 2023 foi proferido despacho pela actual titular dos autos na 1.ª instância, ordenando que os mesmos fossem conclusos a quem tinha proferido a sentença a rever, lendo-se nomeadamente no mesmo (que aqui se dá por integralmente reproduzido):
«(…)
Visto o recurso interposto e atenta a resposta dada ao nosso pedido de esclarecimento, dela resulta que: “O Réu pretende interpor recurso de revisão da decisão proferida em 24.07.2023, pelo tribunal de 1ª instância.
Com efetividade, o presente recurso tem por objeto a douta sentença proferida pelo Tribunal de 1.ª instância”.
Assim, deverão os presentes autos ser apresentados ao Mmº Juiz Titular do processo e que proferiu a decisão, de forma a que afira, se existem motivos ou não para a pretendida revisão da sentença
(…)»

1.1.10. Em 13 de Julho de 2023 a Recorrida (EMP01..., Limitada) - notificada que foi do requerimento do Recorrente (AA) de 06 de Julho de 2023 - veio pedir que o recurso de revisão fosse liminarmente indeferido, com fundamento, quer na incompetência absoluta do Tribunal de 1.ª instância em razão da hierarquia, quer na sua manifesta improcedência (conforme articulado respectivo que aqui se dá por integralmente reproduzido).

1.1.11. Em 05 de Setembro de 2023 foi proferido despacho pela autora da sentença dita a rever, admitindo o recurso de revisão e ordenando a notificação da parte contrária para lhe responder, lendo-se nomeadamente no mesmo (que aqui se dá por integralmente reproduzido):
«(…)
Admito o recurso interposto nos termos do art. 699º CPC
Notifique o recorrido para responder em 20 dias.
(…)»

1.1.12. Em 03 de Outubro de 2023 a Recorrida (EMP01..., Limitada), veio fazê-lo, pedindo que, não tendo sido o recurso liminarmente indeferido (como reiterou dever ter acontecido), teria agora de ser julgado improcedente, por não provado, mantendo-se inalterada a decisão recorrida.
Apresentou as devidas alegações, com os fundamentos do seu pedido.

1.1.13. Em 12 de Outubro de 2023 foi proferido despacho pela actual titular dos autos na 1.ª instância, ordenando que os mesmos fossem apresentados à autora da sentença a rever, lendo-se nomeadamente no mesmo (que aqui se dá por integralmente reproduzido):
«(…)
Considerando que o presente recurso tem por objecto a sentença proferida pelo Tribunal de 1.ª instância, deverão os presentes autos ser apresentados à Mma. Juiz que proferiu a decisão recorrida.
(…)»

1.1.14. Em 23 de Outubro de 2023 foi proferido despacho pela autora da sentença dita a rever, ordenando a devolução dos autos à actual titular dos mesmos, por entender ser ela a competente para conhecer do recurso de revisão em causa, lendo-se nomeadamente no mesmo (que aqui se dá por integralmente reproduzido):
«(…)
A signatária esteve a acumular funções no Tribunal ..., tendo proferido a sentença constante dos autos.
Estando já no exercício de novas funções foi avisada de que tinha um processo para despacho.
Confesso e penitencio-me, que apenas li o despacho da Mª Juiz titular do processo e, de forma, quase automática, mandei dar cumprimento ao art. 669º CPC.
Parece-nos evidente que a competência para despachar este processo competiria ao Sr. Juiz que, no momento, está a exercer funções e não à signatária.
Trata-se de um caso em que o poder jurisdicional já se extinguiu – art. 613º CPC - não tendo aplicação o disposto no art. 605º do CPC uma vez que não é nenhum dos exemplos ali referidos.
Além disso, a última decisão proferida foi a decisão da Relação de Guimarães, sendo que não pode cindir-se o Acórdão para determinar a competência para o recurso de revisão. Competente é sempre o tribunal da ultima decisão que pode, se houver diligências a efectuar, pedir ao tribunal de 1ª instância que o faça - art. 700º nº 3 do CPC.
Ver a título de exemplo, Acórdão do STJ de 04-05-2021 “ - O recurso extraordinário de revisão é interposto no tribunal que proferiu a última decisão, a decisão a rever, donde resulta poder ser competente o Tribunal de 1ª Instância, o Tribunal da Relação ou, o Supremo Tribunal de Justiça. II - Quer nos casos de confirmação quer nos casos de revogação, o tribunal decisor em última instância é o que confirma ou revoga (caso tenha havido recurso, ou recursos). Acórdão da Relação de lisboa de 28-06-2023 “O recurso extraordinário de revisão é interposto para o mesmo – e no - tribunal que proferiu a decisão cuja revisão é pedida (isto é, a decisão a rever) – art.º 697º, nº 1 do Cód. Proc. Civil. Ou seja, o tribunal competente é o tribunal que proferiu a decisão que se pretende pôr em causa com a interposição do recurso de revisão. O que significa que a competência para a apreciação dos recursos de revisão pode pertencer ao tribunal de 1ª instância, à Relação ou ao Supremo Tribunal de Justiça, conforme o órgão jurisdicional que proferiu a decisão cuja revisão é pedida. E assim é, independentemente do sentido da decisão dos tribunais superiores, de confirmação ou de revogação. Ou seja, o recurso de revisão, quando estiverem em causa decisões (ou acórdãos) confirmatórios ou revogatórios de decisões (ou acórdãos) de tribunais inferiores, deve ser apreciado pelo tribunal (superior) que proferiu aquelas e não pelo tribunal (inferior) que proferiu estas. É que, em caso de recurso, as decisões ouacórdãos transitados em julgado são sempre os proferidos pelos tribunais superiores (Tribunal da Relação ou STJ) que apreciaram decisões de instâncias inferiores - estas, bem como as da Relação que foram impugnadas em recurso perante o STJ, não transitaram em julgado. Cfr., neste sentido, na doutrina, António Abrantes Geraldes, in ob. cit., p. 502; Ribeiro Mendes, in “Recursos em Processo Civil – Reforma de 2007”, p. 201; José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, in “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. 3º, Tomo I, 2ª ed., Coimbra Editora, 2008, p. 222 e 233; e Alberto dos Reis, in ob. cit., p. 378. É também este o entendimento consolidado na jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, podendo consultar-se, neste sentido, entre outros: Acórdão de 19/10/2017, Relatora Fernanda Isabel Pereira; Acórdão de 05/06/2019, Relator Chambel Mourisco, e ampla jurisprudência aí citada; Acórdão de 07/09/2020, Relatora Maria Olinda Garcia; e Acórdão de 04/05/2021, Relator Jorge Dias - todos acessíveis em www.dgsi.pt.”
Deste modo e em conclusão, devolva os autos ao Sr. Juiz titular do processo a quem caberá decidir os termos deste recurso.
(…)»

1.1.15. Em 28 de Outubro de 2023 foi proferido despacho pela actual titular dos autos em 1.ª instância, indeferindo liminarmente o recurso de revisão, lendo-se nomeadamente no mesmo (que aqui se dá por integralmente reproduzido):
«(…)
Considerando que a última decisão proferida nos presentes autos, foi o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães, declaramos este tribunal de primeira instância absolutamente incompetente para a tramitação do presente recurso de revisão.
Competente é o tribunal da última decisão que pode, se houver diligências a efectuar, pedir ao tribunal de 1ª instância que o faça - art. 700º nº 3 do CPC.
Assim, indeferimos liminarmente o recurso de revisão, conforme art. 99º, nº 1 do CPC.
Custas pelo recorrente.
Notifique.
 (…)»
*
1.2. Recurso
1.2.1. Fundamentos
Inconformado com esta decisão, o Recorrente (AA) interpôs o presente recurso de apelação, pedindo que fosse julgado procedente e se revogasse o despacho impugnado.
 
Concluiu as suas alegações da seguinte forma (aqui se reproduzindo as respectivas conclusões ipsis verbis, com excepção da concreta grafia utilizada e de manifestos e involuntários erros e/ou gralhas de redacção):

1. O presente recurso tem por objeto o douto despacho proferido pelo Tribunal a quo, com a referência ...04, que indeferiu liminarmente o recurso de revisão, por incompetência absoluta, nos termos do art. 99.º, n.º 1 do CPC. 

2. É sobre tal despacho que recai o presente recurso, por se crer que não foi feita justiça, uma que vez que enferma de vícios de facto e de direito. 

Isto, porque:

3. O recorrente, no seu articulado de recurso de revisão, referiu que vem interpor recurso de revisão da sentença proferida em 24.7.2023 [1], pelo tribunal de 1ª instância, nos termos do art. 696º, alíneas b) e c) do CPC.

4. Na sua 1ª conclusão afirma que:
“1. O presente recurso tem por objeto a douta sentença proferida pelo Tribunal a quo, e que determinou:
- julgar a presente acção parcialmente procedente e em consequência.
1. condenam-se os RR. a:
- reconhecer que a autora “EMP01..., LDA” é dona e legítima possuidora do prédio MISTO sito na Rua ..., da freguesia ..., concelho ..., com as matrizes prediais rústicas n.ºs ...62 e ...39 e matriz predial urbana n.º ...78, descrito na Conservatória do Registo Predial de ... ...26, com a ÁREA TOTAL de 16.842 M2, ÁREA COBERTA de 902 M2 e ÁREA DESCOBERTA de 15940 M2,prédio com a configuração física representada graficamente com a delimitação a cor-de-laranja na Planta Topográfica que se junta como Doc. n.º ...;
- reconhecer que antes da anexação que deu origem ao novo prédio a autora EMP01... era dona e legítima possuidora dos seguintes prédios da freguesia ...: - Artigo matricial ...39/ descrição 1228 com área total de 3063 m2, conforme resulta, respectivamente, da Ap. ...07 de 2019/06/04 do registo predial (Docs. ... e ...), e - Artigo matricial ...62/ descrição 1229 com área total de 4353 m2, conforme resulta, respectivamente, da Ap. ...07 de 2019/06/04 do registo predial (Docs. ... e ...), respectivamente com as configurações físicas graficamente representadas a linha azul (...39/...28 e ... (562/1229) na Planta Topográfica correspondente ao desenho no ...75-...9 de Agosto de 2019 efectuado pela “EMP02..., LDA” que se junta como Doc. n.º ....
- reconhecer que previamente à aquisição desses dois prédios (linha azul ...39/...28 e ... 562/1229) para anexar à propriedade previamente existente da EMP01..., esta já totalizava 9.426 m2, correspondente ao artigo matricial ...78 com a descrição 942 (linha cor-de-laranja), este, por sua vez, “Formado pela anexação dos prédios n.os 931/...18, 934/...18 e 732/...23/...”, com a configuração física graficamente representada a linha corde-laranja no Doc. n.o ....
- reconhecer que os prédios dos RR. inscritos no artigo matricial ...63/descrição 1230, o artigo matricial ...65/descrição ...32 e artigo matricial ...64/descrição 1231, têm a área conjunta de 10.457 m2 do lado nascente da Rua ... e ainda a área de cerca de 4.000 m2 da parte poente dessa Rua, devendo o RR. proceder à correcção das descrições na CRP e inscrições na matriz.
[...]
3. Julgar a reconvenção improcedente e em consequência absolver a A. dos pedidos contra si formulados”.

5. Decisão esta, conforme declarado no recurso de revisão e constante da sentença, que se fundamentou “na prova documental existente nos autos, na prova pericial, nas declarações de parte da legal representante da A. e nos depoimentos das testemunhas”.

6. O objetivo do recorrente com o presente recurso de revisão, é que: 
“- Seja declarado que os prédios ...63..., ...64... e ...65º têm a configuração e áreas descritas nas certidões prediais juntas sob os documentos n.º ..., ... e ..., do articulado de contestação; - Condenar-se a Autora a reconhecer que os prédios dos Réus têm a configuração e as áreas que se encontram registadas;
- Seja declarado serem os Réus os legítimos proprietários dos prédios rústicos da freguesia ..., inscritos na matriz predial sob os artigos ...63, ...64 e ...65;
- Seja declarado que os artigos rústicos ...39 e ...62 da freguesia ... têm a configuração, limites e áreas descritas no levantamento topográfico junto sob o documento n.º... do articulado de contestação e, igualmente, de acordo com as plantas juntas pela Autora a 25 de junho de 2019, na Câmara Municipal ...;
- Condenar-se a Autora a reconhecer que os prédios rústicos ...39 e ...62 têm a configuração, limites e áreas descritas no levantamento topográfico junto sob o documento n.º ... do articulado de contestação e, igualmente, de acordo com as plantas juntas pela Autora a 25 de junho de 2019, na Câmara Municipal ...;
- Condenar-se a Autora a reconhecer que o prédio inscrito sob o artigo ...78  tem a área e a configuração que se situa entre a estrada nacional e o limite do artigo 562 conforme levantamento topográfico junto sob o documento n.º ... do articulado de contestação e, igualmente, de acordo com as plantas juntas pela Autora a 25 de junho de 2019, na Câmara Municipal ...”;

7. A última decisão constante nos presentes autos é o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães, datado de 13.03.2023, todavia, lendo o mesmo, verifica-se que não foi neste onde se proferiu a aludida decisão que se pretende rever. 

8. A decisão transcrita e que se pretende rever foi proferida pelo Tribunal de 1ª instância, sendo também essa decisão que contém a fundamentação quanto à matéria de facto que o recorrente invoca e que supra se transcreveu.

9. O Tribunal da Relação, no âmbito do recurso que foi interposto quanto a essa decisão, limitou-se:
I - a apreciar a nulidade da sentença proferida em 1ª instância, concluindo pela não ocorrência desse vício;
II - a apreciar a impugnação da matéria de facto unicamente quanto aos factos não provados a) e b), tendo rejeitado a impugnação quanto aos restantes factos por incumprimento dos ónus impugnatórios, e tendo concluído pela improcedência da impugnação deduzida;
III - a não reapreciar a decisão jurídica por considerar que a mesma dependia da prévia alteração da matéria de facto, pretensão que não obteve sucesso.

10. Face à invocação do teor da decisão que se quer rever e à decisão que se pretende obter, conclui-se que se pretende interpor recurso de revisão da sentença de 1.ª instância, que foi a última decisão em que efetivamente foi fixada a matéria de facto que o recorrente quer ver alterada. 

11. O Tribunal da Relação não apreciou, nem se pronunciou, sobre tal matéria de facto, apenas se pronunciou sobre os factos não provados a) e b). 

12. O art. 697º, nº 1, do CPC preceitua que o recurso de revisão é interposto no tribunal que proferiu a decisão a rever, sendo que o mesmo corre por apenso ao processo onde foi proferida essa decisão (art. 698º, nº 1, do CPC).

13. Ora, a decisão que se pretende rever é a que foi proferida em 24.7.2022 pelo Tribunal de 1ª instância é a este que compete apreciar o recurso de revisão interposto, em conformidade com a norma citada.

14. Esta questão da competência para tramitar e apreciar o presente recurso, já foi objeto de decisão pelo Tribunal da Relação de Guimarães, no âmbito dos autos n.º 413/20..... 

15. O aqui recorrente, equivocado, a 6.5.2023, interpôs recurso de revisão do dito acórdão, por apenso à ação nº 413/20...., exatamente com o mesmo conteúdo e teor do presente recurso (Cfr. Doc. n.º ...).

16. Como tal recurso tinha por objeto a decisão acima transcrita, proferida pelo tribunal de 1.ª instância, o Tribunal da Relação por despacho proferido em 22.5.2023, determinou que o recorrente fosse notificado para esclarecer expressamente se pretendia interpor recurso de revisão do acórdão proferido em 16.3.2023 por este Tribunal da Relação ou se pretendia interpor recurso de revisão da decisão proferida em 24.7.2022, pelo Tribunal de 1ª instância. (Cfr. Doc. n.º ...).

17. Na sequência desta notificação, o recorrente veio, em 1.6.2023, dizer que pretendia interpor recurso de revisão da decisão de 24.7.2022, proferida pelo Tribunal de 1ª instância e requereu a remessa dos autos a esse Tribunal para a sua apreciação (Cfr. Doc. n.º ...).

18. Notificada deste requerimento, a parte contrária veio dizer que o recurso de revisão devia ser liminarmente indeferido, com fundamento na incompetência absoluta do Tribunal da Relação, em razão da hierarquia (Cfr. Doc. n.º ...).

19. O Tribunal da Relação de Guimarães, por despacho datado de 2.6.2023, veio decidir em favor do recorrente, decidindo que:
“A decisão que se pretende rever é a que foi proferida em 24.7.2022 pelo Tribunal de 1ª instância é a este que compete apreciar o recurso de revisão interposto, em conformidade com a norma citada”. Pelo que, “quer estes autos quer os autos principais devem ser remetidos ao Tribunal de 1ª instância, ao qual competirá tramitar o recurso de revisão, o que se determina.” (Cfr. Doc. n.º ...).

20. Após tal decisão, aqueles autos foram remetidos para o Tribunal de 1.ª instância, que, aliás, são os presentes autos, identificados em epigrafe (413/20....).

21. Há um conflito entre o despacho de que se recorre e a decisão proferida pelo Tribunal da Relação, datada de 2.6.2023, assistindo aqui, total razão ao Tribunal da Relação.

22. Pois o Tribunal da 1.ª instância, com aquele despacho, viola a norma jurídica consagrada no art. 697.º, n.º 1 do CPC que preceitua que: “O recurso é interposto no tribunal que proferiu a decisão a rever”

23. A decisão que se pretende rever, foi proferida pelo tribunal de 1.ª instância, pelo que é este o tribunal competente para tramitar e apreciar o presente recurso de revisão e não o Tribunal da Relação de Guimarães.

24. Posto isto, deve ser o presente recurso admitido, e ser considerado procedente, com todas as consequências legais, nomeadamente, revogando-se a sentença proferido, só assim se fazendo INTEIRA JUSTIÇA! 
*
1.2.2. Contra-alegações
A Recorrida (EMP01..., Limitada) contra-alegou, pedindo que o recurso fosse julgado improcedente e se mantivesse o despacho recorrido. 
*
II - QUESTÕES QUE IMPORTA DECIDIR

2.1. Objecto do recurso - EM GERAL
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente (art.ºs 635.º, n.º 4 e 639.º, nºs. 1 e 2, ambos do CPC), não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (art.º 608.º, n.º 2, in fine, aplicável ex vi do art.º 663.º, n.º 2, in fine, ambos do CPC).

Não pode igualmente este Tribunal conhecer de questões novas (que não tenham sido objecto de apreciação na decisão recorrida) [2], uma vez que os recursos são meros meios de impugnação de prévias decisões judiciais (destinando-se, por natureza, à sua reapreciação/reponderação e consequente alteração e/ou revogação, e não a um novo reexame da causa).
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2.2. QUESTÕES CONCRETAS a apreciar

2.2.1. Questões incluídas no objecto do recurso
Mercê do exposto, e do recurso de apelação interposto pelo Recorrente (AA), uma única questão foi submetida à apreciação deste Tribunal ad quem:

· Questão Única - Fez o Tribunal a quo uma errada interpretação e aplicação do Direito (ao indeferir liminarmente o recurso de revisão, entendendo ser absolutamente incompetente para dele conhecer), devendo ser alterada a decisão de mérito proferida (por lhe caber efectivamente a competência para conhecer do dito recurso de revisão) ?
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2.2.2. Questão PRÉVIA de CONHECIMENTO OFICIOSO
Contudo, e pese embora o Recorrente (AA) não tenha extraído do modo como foram processados os autos, até à prolação do despacho recorrido, todos os efeitos jurídicos respectivos, certo é que não deixou de assinalar no seu recurso que «a questão do tribunal competente para apreciar do presente recurso de revisão já foi alvo de apreciação e devida pronúncia pelo Tribunal da Relação de Guimarães», pelo que «não se compreende o indeferimento liminar do presente recurso, com base na incompetência absoluta do tribunal», defendendo inclusivamente existir «um conflito entre o despacho de que se recorre e a decisão proferida pelo Tribunal da Relação, datada de 2.6.2023».
Sendo real esse conflito, poderá o mesmo consubstanciar uma violação do caso julgado, a qual é de conhecimento oficioso (art.ºs 577.º, al. i) e 578.º, ambos do CPC); e a sua violação comina de nula a decisão assim proferida, nomeadamente por consubstanciar a prática de um acto que a lei não admite (art.º 195.º, n.º 1, do CPC).

Importa, pois, conhecer - igual e previamente - esta questão, face à sua natureza de questão prejudicial, face à outra objecto do recurso interposto (art.º 608.º, n.º 2, do CPC).
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III - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Com interesse para a apreciação das questões enunciadas, encontram-se assentes (mercê do conteúdo dos próprios autos) os factos já discriminados em «I - RELATÓRIO», que aqui se dão por integralmente reproduzidos.
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IV - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

4.1. Recurso de revisão
4.1.1. Natureza
Lê-se no art.º 696.º, do CPC, que a «decisão transitada em julgado (…) pode ser objecto de [recurso de] revisão».
Logo, enquanto «que com a interposição de qualquer recurso ordinário pretende-se evitar o trânsito em julgado duma decisão desfavorável, através do recurso extraordinário [assim qualificado no art.º 627.º, n.º 2 do CPC] de revisão visa-se a rescisão duma sentença transitada». Será, por isso, «o último remédio contra os erros que atingem uma decisão judicial, já insusceptível de impugnação por via dos recursos ordinários» (Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, Almedina, 8.ª edição, Abril de 2008, pág. 306).
Compreende-se, assim, que se afirme que, bem «consideradas as coisas, estamos perante uma das revelações do conflito entre as exigências da justiça e a necessidade da segurança ou da certeza. Em princípio, a segurança jurídica exige que, formado o caso julgado, se feche a porta a qualquer pretensão tendente a inutilizar o benefício que a decisão atribuiu à parte vencedora». Contudo, «pode haver circunstâncias que induzam a quebrar a rigidez do princípio. A sentença pode ter sido consequência de vícios de tal modo corrosivos, que se imponha a revisão como recurso extraordinário para um mal que demanda consideração e remédio» (Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Volume VI, Coimbra Editora, págs. 335 e 336, com bold apócrifo) [3].
Logo, no recurso de revisão «estamos em presença de casos cuja gravidade justifica, de “per si”, a prevalência das exigências da justiça sobre as exigências da segurança» (José João Baptista, Dos Recursos, Universidade Lusíada, 1988, pág. 131); e que justificam este «incidente póstumo de reabertura da instância para revogação de uma decisão transitada em julgado» (Rui Pinto, Notas ao Código de Processo Civil, Volume II, 2.ª edição, Coimbra Editora, Novembro de 2015, pág. 202).
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4.1.2. Tribunal competente
4.1.2.1. Regra legal
Mais se lê, no art.º 697.º, n.º 1, do CPC, que o «recurso é interposto no tribunal que proferiu a decisão a rever».
A regra é, pois, que a competência se defere ao tribunal onde se verificou a anomalia da decisão a rever.

Contudo, nos casos em que a sentença proferida em 1.ª instância tenha sido alvo de recurso, discute-se qual o tribunal competente para a rever, se aquele que primeiro a proferiu, se o Tribunal superior que sobre ela se pronunciou depois.

Precisa-se, porém, que a situação só suscita dúvidas no caso de decisões confirmativas da original, uma vez que, «se o autor perdeu em 1.ª instância, mas triunfou na Relação, a decisão a rever é a decisão revogatória e, por isso, a Relação é competente para a revisão. O mesmo acontece, mutatis mutandis, no caso do Supremo ter reconhecido razão ao autor que perdera nos 1.º e 2.º graus. Neste caso, é claro que o tribunal competente para a revisão é o Supremo» (Luís Correia de Mendonça e Henrique Antunes, Dos Recursos (Regime do Decreto-Lei nº 303/2007), Quid Juris, pág. 361).
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4.1.2.2. Entendimentos possíveis
Estando-se, então, perante uma sentença proferida em 1.ª instância que foi alvo de recurso e perante um posterior acórdão de um Tribunal superior que se pronunciou depois sobre ela, confirmando-a, revelaram-se possíveis vários e divergentes entendimentos.

Assim, defendeu-se que a determinação do tribunal que seria competente para o recurso dependeria do entendimento que se professasse relativamente à natureza da decisão de recurso confirmatória, isto é, se se considerava a mesma como sobrepondo-se e absorvendo a sentença prévia (nesta radicando a fonte de caso julgado e de exequibilidade) [4], ou apenas como um seu aditamento, confirmativo.

Outros, porém, defendiam que o recurso de revisão só deveria ser conhecido no tribunal superior se a anomalia respeitasse a vício ocorrido nesse contexto; e invocava-se a identidade do juiz nas fases rescindente e rescisória.
Logo, situações de erro de facto ou de procedimento processual ocorridos na 1.ª instância implicariam que fosse aí que tivesse lugar a revisão, compreendendo-se, por isso, que, quando se tratasse de recurso de revisão fundado em documento superveniente essencial, fosse quase sempre aí requerida [5]
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4.1.2.3. Entendimento actual dominante
Veio, porém, a jurisprudência do STJ, progressiva e maioritariamente, defender que, sendo a alusão ao trânsito em julgado um pressuposto da revisão (só é susceptível de revisão a decisão transitada em julgado) e não de atribuição de competência, resultaria, porém, do art.º 772.º, n.º 1, do CPC de 1961 e do seu congénere art.º 697.º, n.º 1, do actual CPC (onde se lê que o recurso de revisão «é interposto no tribunal que proferiu a decisão a rever») - e ainda que indirectamente - que a instância competente para apreciar o recurso de revisão seria a que proferiu, em último grau, a decisão a rever, pois só nela a mesma transitou em julgado.
Com efeito, e em caso de recurso, as decisões ou acórdãos transitados em julgado serão sempre os proferidos pelos tribunais superiores (Relação ou Supremo Tribunal de justiça) que apreciaram decisões de instâncias inferiores (já que, apoditicamente, tendo estas sido recorridas…não transitaram em julgado).
Ponderou, ainda, a mesma jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça que não faria sentido deferir à 1ª instância a competência para a revisão (e eventual revogação) de acórdão proferido pela Relação ou pelo Supremo Tribunal de Justiça, por aquele ser hierarquicamente inferior a estes [6].

A doutrina actual inclina-se no mesmo sentido, nomeadamente quando afirma que do art.º 697.º, n.º 1, do CPC, «decorre que a competência para a apreciação do recurso de revisão pode pertencer ao tribunal de 1ª instância, à Relação ou ao Supremo Tribunal de Justiça. Tudo depende do órgão jurisdicional que proferiu a decisão transitada em julgado» (António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2013, Almedina, Julho de 2013, pág. 408) [7].
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4.1.3. Tramitação - Apreciação liminar

Lê-se no art.º 699.º, do CPC, que «o tribunal a que for distribuído o requerimento indefere-o quando não tenha sido instruído nos termos do artigo anterior ou quando reconheça de imediato que não há motivo para a revisão» (n.º 1); e, admitido «o recurso, notifica-se pessoalmente o recorrido para responder no prazo de 20 dias» (n.º 2).
Logo, estamos perante a  fase de admissão, primeira do recurso de revisão, em que o juiz verifica se deve inferir o requerimento in limine ou deve, pelo contrário, admitir o recurso [8].
O juiz deverá indeferi-lo liminarmente, desde logo nas hipóteses gerais do art.º 641.º, n.º 2 do CPC, isto é, quando verifique que a decisão não admite recurso, que foi interposto fora de prazo, que o recorrente não tem as condições necessárias para recorrer, ou que não contém a alegação do recorrente; mas já não quando as alegações omitam conclusões (em regra necessárias - conforme art.º 639.º, n.º 1 e n.º 2 do CPC - mas que neste tipo de recurso não são exigidas - art.º 698.º do CPC).
O juiz deverá ainda indeferir liminarmente o recurso de revisão nas hipóteses particulares de não ter sido alegado um dos fundamentos de revisão previstos no art.º 696.º do CPC, ou do recurso não ter sido instruído conforme imposto no art.º 698.º do CPC (nomeadamente, com certidão do documento em que se funda o pedido), ou quando o juiz reconheça de imediato que não há motivo para a revisão (v.g. os factos alegados não preenchem os pressupostos da revisão, designadamente quando não conduzam ao resultado pretendido ou quando inexista uma relação de causalidade entre o facto e a decisão revidenda [9]).

Contudo, sendo o despacho de indeferimento liminar reclamável para a conferência e, posteriormente (caso esta confirme a decisão singular do relator) recorrível (conforme art.º 629.º, n.º 3, al. c), do CPC, para uns, ou art.º 644.º, n.º 1, al a), do mesmo CPC, para outros), já o despacho que admita liminarmente o recurso não o é (conforme art.º 226.º, n.º 5, do CPC).
Com efeito, lê-se no art.º 629.º, n.º 3, al. c), do CPC, que, independentemente «do valor da causa e da sucumbência, é sempre admissível recurso para a Relação» das «decisões de indeferimento liminar da petição de ação ou do requerimento inicial de procedimento cautelar» (para quem enfatiza a proximidade do recurso de revisão a uma acção [10]); e lê-se no art.º 644.º, n.º1, al. a), do CPC, que cabe «recurso de apelação» da «decisão proferida em 1ª instância, que ponha termo (…) a incidente processado autonomamente» (para quem assim qualifica o recurso de revisão [11]).
Mais se lê, no art.º 226.º, n.º 5, do CPC que não «cabe recurso do despacho que mande citar os réus ou requeridos, não se considerando precludidas as questões que podiam ter sido motivo de indeferimento liminar». Logo, o «despacho de citação é irrecorrível, mas, por outro lado, não forma caso julgado formal sobre as questões que podem justificar o indeferimento liminar, o que se compreende numa fase liminar unilateral em que ainda não foi observado o contraditório» (António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Volume I, Almedina Setembro de 2018, pág. 260).

Sendo o recurso de revisão fundado na apresentação de «documento de que a parte não tivesse conhecimento, ou de que não tivesse podido fazer uso, no processo em que foi proferida a decisão a rever e que, por si só, seja suficiente para modificar a decisão em sentido mais favorável à parte vencida» (art.º 696.º, al. c), do CPC), lê-se no art.º 700.º, n.º 1, do CPC, que «o tribunal, logo em seguida à resposta do recorrido ou ao termo do prazo respetivo, conhece do fundamento da revisão, precedendo as diligências consideradas indispensáveis».
Abre-se, assim, a fase rescindente (judicium rescindens), em que o Tribunal examina e julga se o fundamento invocado para o recurso procede e, consequentemente, se a decisão a rever subsiste ou é afastada (rescindida) [12].
           
Por fim, e ainda com este fundamento de revisão, lê-se no art.º 701.º, n.º 1, al. a), do CPC, que, «se o fundamento da revisão for julgado procedente, é revogada a decisão recorrida» e «profere-se nova decisão, procedendo-se às diligências absolutamente indispensáveis e dando-se a cada uma das partes o prazo de 20 dias para alegarem por escrito».
Está-se, aqui, perante a fase rescisória (judicium rescindens), que visa obter uma decisão  que substitua a rescindida ou anulada, destinada, por isso, a um novo exame e a um novo julgamento da causa [13].
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4.2. Caso julgado
4.2.1. Definição
Lê-se no art.º 619.º, n.º 1, do CPC, que, transitada «em julgado a sentença ou o despacho saneador que decida do mérito da causa, a decisão sobre a relação material controvertida fica a ter força obrigatória dentro do processo e fora dele nos limites fixados pelos artigos 580.º e 581.º, sem prejuízo do disposto nos artigos 696.º a 702.º».
Mais se lê, no art.º do 628.º, do CPC, que uma decisão judicial «considera-se transitada em julgado logo que não seja susceptível de recurso ordinário ou de reclamação».
Quando assim seja, segundo o critério da eficácia e nos termos dos art.ºs 619.º, n.º 1 e 620.º, n.º 1, ambos do CPC, terá força obrigatória: dentro do processo e fora dele, se for sentença ou despacho saneador que decida do mérito da causa, impedindo que o mesmo ou qualquer outro tribunal possa definir em termos diferentes o direito concreto aplicável à relação material litigada (caso julgado material ou substancial); ou apenas dentro do processo, se for sentença ou despacho que haja recaído unicamente sobre a relação processual, impedindo que o mesmo tribunal, na mesma acção, possa alterar a decisão proferida, mas não impedindo que, noutra ação, a mesma questão processual concreta seja decidida em termos diferentes pelo mesmo tribunal ou por outro entretanto chamado a apreciar a causa (caso julgado formal).

Melhor precisando o caso julgado formal, enfatiza-se que «as decisões de forma desfrutam de força vinculativa de caso julgado apenas dentro do processo», excepto no caso previsto no n.º 1 do art. 101.º do CPC (Remédio Marques, A acção declarativa à luz do Código revisto, Coimbra Editora, pág. 646).
Logo, a questão só se levanta se existir uma primeira decisão proferida (de forma) no mesmo processo em que venha ser proferida uma segunda com o mesmo objecto. Compreende-se, por isso, que se afirme que o caso julgado formal «só é vinculativo no próprio processo (e respectivos incidentes que correm por apenso) em que a decisão foi proferida, obstando a que o juiz possa na mesma acção, alterar a decisão proferida - mas não impede que a mesma questão processual seja decidida em outra acção, de forma diferente pelo mesmo tribunal ou por outro tribunal» (Remédio Marques, A acção declarativa à luz do Código revisto, Coimbra Editora, pág. 644) [14].
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Mais se lê, no art.º 625.º, do CPC, que, havendo «duas decisões contraditórias sobre a mesma pretensão, cumpre-se a que passou em julgado em primeiro lugar» (n.º 1); e é «aplicável o mesmo princípio à contradição existente entre duas decisões que, dentro do processo, versem sobre a mesma questão concreta da relação processual» (n.º 2).
Logo, ocorrendo casos julgados contraditórios, a lei resolve apelando ao critério da anterioridade: vale a decisão contraditória sobre o mesmo objecto que tenha transitado em primeiro lugar, e ainda que estejam em causa decisões que, dentro do mesmo processo, versem sobre a mesma questão concreta [15].
Reforça-se, assim, com este artigo, a ideia de que o caso julgado formal previsto no art.º 620.º, do CPC, se refere à vinculação do Tribunal ao julgamento que fez sobre uma questão concreta da relação processual. Compreende-se, por isso, que se afirme que existe «violação do caso julgado formal, previsto no art. 620º, do Código de Processo Civil, quando o Tribunal, no mesmo processo, com as mesmas partes e reportando-se aos mesmos factos, verificados e atendidos já na primeira decisão, volta a decidir a mesma questão, nesse mesmo contexto processual, de forma diversa», outro tanto não sucedendo em hipótese inversa (Ac. da RG, de 17.05.2018, José Flores, Processo n.º 1053/15.2T8GMR-C.G1). 

Reitera-se que do mesmo modo se terá de decidir quando, no mesmo processo, sejam proferidas sucessivamente duas decisões que, apreciando a mesma concreta questão processual, a decidem de forma contraditória.
«Assim, por exemplo, se o tribunal para o qual o processo seja remetido, por incompetência territorial daquele em que a ação é proposta (art. 105-3), se declarar incompetente em razão do território, contrariando a decisão anteriormente proferida, esta prevalecerá» (José Lebre de Freitas e Isabel Alexandra, Código de Processo Civil Anotado, Volume 2.º, 3.ª edição, Almedina, Março de 2018, pág. 766).
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4.2.2. Fundamento
O caso julgado é um instituto com raízes no direito fundamental, constitucional, intimamente ligado ao princípio do Estado de Direito Democrático, por ser uma garantia basilar dos cidadãos onde deve imperar a segurança e a certeza; é hoje um valor máximo de justiça, aliado ao princípio da separação de poderes (Miguel Pimenta de Almeida, A intangibilidade do Caso Julgado na Constituição (Brevíssima Análise), pág. 18, disponível em http://miguelpimentadealmeida.pt/wp-content/uploads/2015/06/A-INTANGIBILIDADE-DO-CASO-JULGADO-NA-CONSTITUI%C3%87%C3%83O.pdf).
«O fundamento do caso julgado reside, por um lado, no prestígio dos tribunais, o qual “seria comprometido em alto grau se mesma situação concreta uma vez definida por eles em dado sentido, pudesse depois ser validamente definida em sentido diferente” e, por outro lado, numa razão de certeza ou segurança jurídica [16], pois “sem o caso julgado estaríamos caídos numa situação de instabilidade jurídica verdadeiramente desastrosa. (…) Seria intolerável que cada um nem ao menos pudesse confiar nos direitos que uma sentença lhe reconheceu”.
“Se assim não fosse, os tribunais falhariam clamorosamente na sua função de órgãos de pacificação jurídica, de instrumentos de paz social”» (Ac. da RG, de 17.05.2018, José Flores, Processo n.º 1053/15.2T8GMR-C.G1, citando inicialmente Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, pág. 306, e depois Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2.ª edição, Coimbra Editora, 1985, pág. 705).
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4.2.3. Efeitos
Do caso julgado decorrem dois efeitos essenciais (distintos, mas provenientes da mesma realidade jurídica): um negativo (excepção dilatória de caso julgado), de impossibilidade de qualquer tribunal, incluindo o que proferiu a decisão, voltar a emitir pronúncia sobre a questão decidida, isto é, impedindo que a causa seja novamente apreciada em juízo; e um positivo (força e autoridade de caso julgado), de vinculação do mesmo tribunal e, eventualmente de outros (estando em causa o caso julgado material), à decisão proferida [17].
  Logo (e face aos art.ºs 576.º, n.º 1 e n.º 2, 577.º, al. i), 580.º e 581.º, todos do CPC), a excepção dilatória de caso julgado pressupõe o confronto de duas acções (uma delas contendo uma decisão já transitada em julgado), e a tríplice identidade entre ambas de sujeitos, de causa de pedir e de pedido; e visa o efeito negativo da inadmissibilidade da segunda acção, por forma a evitar a repetição de causas.
Já a força e autoridade de caso julgado decorre de uma anterior decisão que haja sido proferida, designadamente no próprio processo, sobre a matéria em discussão, e prende-se com a sua força vinculativa; e visa o efeito positivo de impor a primeira decisão, como pressuposto indiscutível da segunda decisão de mérito (podendo funcionar independentemente da tríplice identidade exigida pela excepção) [18].
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4.2.4. Decisão singular (do relator) - Reclamação para a conferência
4.2.4.1. Apreciação liminar da instância recursiva (despacho do relator)
Lê-se no art.º 652.º, n.º 1, al. b), do CPC, que, o «juiz a quem o processo for distribuído fica a ser o relator, incumbindo-lhe deferir todos os termos do recurso até final, designadamente», verificar «se alguma circunstância obsta ao conhecimento do recurso».

Contudo, a «apreciação genérica e tabelar de aspectos formais relacionados com a admissibilidade ou com o regime do recurso não produz efeitos de caso julgado formal, não precludindo a possibilidade de posterior pronúncia de sentido diverso, seja por iniciativa o próprio relator, seja por sugestão dos adjuntos.
Por exemplo, o facto de o relator ter declarado na intervenção liminar que não se verificavam obstáculos à admissibilidade do recurso não impede que posteriormente inverta o sentido da decisão, concluindo que obsta ao prosseguimento do recurso o facto de a acção ter um valor inferior ao da alçada do tribunal ou de o recorrente não ter a posição de vencido. Já nos casos em que o relator tenha decidido especificamente sobre alguma questão, a título oficioso ou a requerimento de alguma das partes, sem reclamação para conferência, estará impedida a posterior modificação, na medida em que por aquela via se esgotou o poder jurisdicional» (António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2013, Almedina, Julho de 2013, págs. 187 e 188).
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4.2.4.2. Reclamação para a Conferência (do despacho do relator)
Lê-se no art.º 652.º, n.º 3, do CPC, que, «quando a parte se considere prejudicada por qualquer despacho do relator, que não seja de mero expediente, pode requerer que sobre a matéria do despacho recaia um acórdão; o relator deve submeter o caso à conferência, depois de ouvida a parte contrária».
Com efeito, «a decisão individual do relator, seja qual for o seu objeto, não é diretamente recorrível para o Supremo. Nos termos dos arts. 652º, nº 2, e 671º, nº 1, a interpretação de recurso de revista apenas pode incidir sobre acórdãos da Relação. Por isso, discordando a parte de alguma decisão do relator, deve solicitar a intervenção da conferência, e apenas do acórdão que vier a ser proferido poderá interpor recurso de revista quando este seja admissível» (António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Volume I, Almedina, Setembro de 2018, pág. 789).

Contudo, não é necessário que o Reclamante apresente «motivação, já que a lei prevê simplesmente que a parte prejudicada por algum despacho do relator requeira que sobre o mesmo “recaia um acórdão”, sem exigir expressis verbis (mas também sem vedar) qualquer justificação para essa iniciativa ou sequer a motivação que a leva a sustentar uma posição diversa». Dir-se-á mesmo que «o facto de ter sido proferido despacho sobre qualquer questão delimita suficientemente o objeto do posterior acórdão, dispensando outros desenvolvimentos» (António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código e Processo Civil Anotado, Volume I, Almedina 2018, págs. 789).
Pondera-se, para o efeito, que, se a «natureza colegial dos tribunais superiores implica que, em regra, a formação de julgamento integre, no mínimo, três juízes e a tomada de decisão exija, também no mínimo, dois votos conformes», o facto de «a lei, por óbvias razões de economia e celeridade processuais», admitir que «certas decisões sejam tomadas individualmente pelo relator», «não podia», porém, esta possibilidade «deixar de ser acompanhada pela outorga à parte que se sinta prejudicada com tais decisões da faculdade de as fazer reexaminar pela conferência, de composição colegial. Assim sendo, a circunstância de o reclamante não ter explicitado as razões pelas quais discorda do despacho reclamado não conduz inexoravelmente ao indeferimento da reclamação (e muito menos ao seu não conhecimento), antes se impõe que a conferência repondere a questão, bem podendo acontecer que, mesmo na ausência de críticas do reclamante ao despacho reclamado, no colectivo de juízes acabe por prevalecer entendimento diverso do inicialmente assumido pelo relator» (Acórdão n.º 514/2003, de 28 de Outubro de 2003, Mário Torres, Processo n.º ...3, in https://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20030514.html ).
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4.3. Caso concreto (subsunção ao Direito aplicável)
4.3.1. Identificação da decisão a rever - Determinação do Tribunal competente (para a conhecer e decidir)
Concretizando, tendo sido interposto um recurso de revisão, com base na alegada superveniência de documento essencial, dirigido aos «VENERANDOS JUÍZES DESEMBARGADORES DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES», e tendo neste a respectiva Relatora tido dúvidas sobre qual a decisão a rever (se a sentença de 24 de Julho de 2022 proferida em primeira instância, se o acórdão de 16 de Março de 2023 daquele mesmo Tribunal Superior que parcialmente a confirmara), pediu ao Recorrente (AA) que a esclarecesse.
Mais se verifica que o mesmo veio fazê-lo, informando pretender interpor recurso de revisão da sentença proferida pelo Tribunal de 1.ª instância em 24 de Julho de 2022: e pedindo ainda que os autos fossem remetidos «para o tribunal de 1.ª instância, a fim de ser alterada a decisão proferida».
Verifica-se ainda que a mesma Relatora, em 2 de Junho de 2023, proferiu despacho, onde, tendo «em conta que, conforme expressamente esclarecido pelo recorrente, a decisão que se pretende rever é a que foi proferida em 24.7.2022 pelo Tribunal de 1ª instância», decidiu ser «a este que compete apreciar o recurso de revisão interposto»; e, como os «autos principais, aos quais o presente recurso de revisão se encontra apenso e nos quais foi proferida a decisão a rever, ainda não tinham sido remetidos ao Tribunal de 1ª instância, após a prolação do acórdão, já transitado em julgado, encontrando-se neste Tribunal da Relação quando o recurso de revisão foi apresentado», determinou que, «quer estes autos quer os autos principais devem ser remetidos ao Tribunal de 1ª instância, ao qual competirá tramitar o recurso de revisão».
Por fim, verifica-se que, tendo esta decisão sido notificada, quer ao Recorrente (AA), quer à Recorrida (EMP01..., Limitada), no próprio dia da sua prolação, nenhum deles reagiu, nomeadamente reclamando da mesma para a Conferência de juízes que integravam o colectivo da Relatora.
Logo, transitou aquela decisão em julgado, ficando definitivamente assente nos autos de recurso de revisão que: a decisão a rever era a sentença proferida em 24 de Julho de 2022; e a competência para o tramitar e decidir cabia ao Tribunal de 1.ª instância onde a mesma tinha sido proferida.
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Contudo, tendo os autos (de revisão e principais) sido efectivamente devolvidos ao Tribunal a quo, veio o mesmo: por despacho de 26 de Junho de 2023, pedir de novo ao Recorrente (AA) que esclarecesse qual a decisão que pretendia ver revista (se a sentença que ele próprio proferira, se o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães que parcialmente a confirmara) e, «sendo sobre a sentença», determinando-lhe ainda que «reforme as suas alegações»; por despacho de 13 de Julho de 2023 considerar que, com «efetividade, o presente recurso tem por objeto a douta sentença proferida pelo Tribunal de 1.ª instância»; por despacho de 12 de Outubro de 2023 reafirmar essa sua consideração, afirmando expressamente «que o presente recurso tem por objecto a sentença proferida pelo Tribunal de 1.ª instância»;  e, finalmente, por despacho de 28 de Outubro de 2023 declarar-se absolutamente incompetente para conhecer do recurso de revisão, por entender que essa competência caberia ao Tribunal da Relação de Guimarães (já que a decisão a rever seria o acórdão por ele proferido em 16 de Março de 2023).
Com esta última decisão o Tribunal a quo violou o juízo definitivo que sobre as concretas questões em causa (identificação da decisão a rever e determinação do tribunal competente para tramitar e decidir o recurso de revisão) já tinha sido emitido nos autos.
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4.3.2. Admissão liminar do recurso de revisão
Concretizando novamente, verifica-se que, sendo os autos de revisão conclusos à autora da decisão a rever, a mesma, por despacho proferido em 05 de Setembro de 2023, admitiu «o recurso interposto nos termos do art. 699º CPC» e ordenou a notificação do «recorrido para responder em 20 dias».

Mais se verifica que, em 03 de Outubro de 2023, a Recorrida (EMP01..., Limitada), veio fazê-lo, pedindo que, não tendo o recurso sido liminarmente indeferido (como pedira em 02 de Junho de 2023 e em 13 de Setembro de 2023, reiterando agora na sua resposta ter-se justificado o mesmo), teria agora de ser julgado improcedente, por não provado, mantendo-se inalterada a decisão recorrida.
Verifica-se ainda que a autora da sentença a rever, por despacho de 23 de Outubro de 2023, decidiu «que a competência para despachar este processo competiria ao Sr. Juiz que, no momento, está a exercer funções e não à signatária», uma vez que se trataria «de um caso em que o poder jurisdicional já se extinguiu – art. 613º CPC - não tendo aplicação o disposto no art. 605º do CPC uma vez que não é nenhum dos exemplos ali referidos»; e, por isso, ordenou a devolução dos mesmos «ao Sr. Juiz titular do processo a quem caberá decidir os termos deste recurso».
Logo, foi proferido nos autos de recurso de revisão um despacho de admissão liminar e a ordenar a notificação a respectiva Recorrida (EMP01..., Limitada) para, querendo, lhe responder; a mesma, vindo fazê-lo, não obstante discordar daquela admissão liminar do recurso (por defender ter existido fundamento bastante para o seu indeferimento liminar), reconheceu que, estando aquela fase inicial da instância recursiva ultrapassada, só poderia vir o mesmo a ser julgado manifestamente improcedente; e a autora daquela admissão liminar procedeu depois de forma conforme com este entendimento, uma vez           que, sendo-lhe os autos conclusos para decisão (após a alegação do Recorrente e a resposta da Recorrida) ordenou que os mesmos fossem conclusos à sua actual titular, por considerar ser a mesma (e não ela própria) a competente para esse efeito.
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Contudo, tendo os autos de revisão sido efectivamente conclusos à sua actual titular, veio a mesma, por despacho de 28 de Outubro de 2023, decidir que «indeferimos liminarmente o recurso de revisão, conforme art. 99º, nº 1 do CPC».
Com esta decisão o Tribunal a quo violou o anterior despacho que já o tinha admitido liminarmente, não podendo a sua contrária decisão repristinar uma fase processual então ultrapassada (sem prejuízo de, tendo aquele concreto despacho de admissão liminar do recurso de revisão natureza meramente tabelar, poder posteriormente qualquer uma das razões idóneas para o efeito, que ali pudessem ter sido conhecidas, fundar um juízo de improcedência do dito recurso) [19].
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Face ao exposto, é quase despiciendo acrescentar que, tendo a identificação da decisão a rever, bem como a determinação do Tribunal competente para conhecer e decidir o recurso de revisão, sido questões expressamente invocadas nos autos e sido expressamente conhecidas e decididas nos mesmos, tendo essas decisões transitado em julgado, formou-se sobre elas caso julgado formal; e, por ele estava o Tribunal a quo, e está este Tribunal da Relação de Guimarães, impedido de as conhecer novamente, ali e aqui, tendo de ser desconsiderada a decisão do Tribunal a quo que, ignorando-o, voltou a conhecê-las e a decidi-las (e de forma contrária ao juízo primitivo), nos termos do art.º 625.º, n.º 1, do CPC [20].
É igualmente despiciendo acrescentar que versando ambas as decisões emitidas sobre a admissão ou rejeição liminar do recurso de revisão, não obstante a primeira não tenha transitado em julgado (por ser irrecorrível), prevalece sobre a segunda, sendo esta totalmente ineficaz, nos termos do art.º 625.º, n.º 2, do CPC [21].
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Fica, do mesmo passo, prejudicado o conhecimento da remanescente questão enunciada como integrando o objecto do recurso, que pressupunha a eficácia da decisão recorrida, o que aqui se declara, nos termos do art.º 608.º, n.º 2 do CPC, aplicável ex vi do art.º 663.º, n.º 2, in fine, do mesmo diploma.
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Deverá, assim, decidir-se em conformidade, pela procedência total do recurso de apelação do Recorrente (AA), pese embora com distinto fundamento do por ele invocado.
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V - DECISÃO

Pelo exposto, e nos termos das disposições legais citadas, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar procedente o recurso de apelação interposto pelo Recorrente (AA), pese embora com distinto fundamento do por ele invocado, e, em consequência, em

· Desconsiderar e declarar ineficaz a decisão recorrida, por violadora do caso julgado antes formado sobre o despacho proferido em 02 de Junho de 2023 (que ordenou a remessa dos autos de recurso de revisão ao Tribunal de 1.ª instância, por entender que lhe caberia a competência para os tramitar) e por contradizer o despacho proferido em 05 de Setembro de 2023 (que admitiu liminarmente o recurso de revisão), ordenando a conforme devolução do recurso de revisão ao Tribunal a quo, a quem definitivamente cabe a competência para o apreciar e decidir, na fase rescindente em que o mesmo actualmente se encontra. 
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Custas da apelação pela Recorrida (art.º 527.º, n.º 1 e n.º 2, do CPC).
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Guimarães, 01 de Fevereiro de 2024.

O presente acórdão é assinado electronicamente pelos respectivos

Relatora - Maria João Marques Pinto de Matos;
1.º Adjunto - Pedro Manuel Ribeiro Quintas Maurício;
2.º Adjunto - Gonçalo Magalhães.



[1] A sentença em causa foi proferida no ano de 2022 e não de 2023, como por lapso se escreveu então.
[2] Neste sentido, numa jurisprudência constante, Ac. da RG, de 07.10.2021, Vera Sottomayor, Processo n.º 886/19.5T8BRG.G1 - in www.dgsi.pt, como todos os demais citados sem indicação de origem -, onde se lê que questão nova, «apenas suscitada em sede de recurso, não pode ser conhecida por este Tribunal de 2ª instância, já que os recursos destinam-se à apreciação de questões já levantadas e decididas no processo e não a provocar decisões sobre questões que não foram nem submetidas ao contraditório nem decididas pelo tribunal recorrido».
[3] No mesmo sentido, Luís Filipe Brites Lameiras, Notas Práticas ao Regime dos Recursos em Processo Civil, 2.ª edição, Almedina, Outubro de 2009, pág. 292, onde se lê que, não «fora este mecanismo, haveria decisões manipuladas ou injustas que, porque transitadas em julgado, jamais poderiam ser modificadas, pese o reconhecimento daquela sua manipulação ou inequívoca injustiça».
[4] Neste sentido, João de Castro Mendes, Direito Processual Civil, III Volume, AAFDL, 1989, pág. 62, onde se lê que se suscita «a questão de saber se a decisão de recurso confirmatória da recorrida se sobrepõe a esta, absorvendo-a, ou meramente se lhe adita como acto confirmativo. Proferida pelo tribunal de 1.ª instância sentença de mérito, por exemplo, e confirmada esta sentença em apelação por acórdão da Relação, o caso julgado respectivo (e a exequibilidade, e os demais efeitos da sentença) reportam-se à decisão da 1.ª instância ou ao acórdão da Relação?
Se a decisão proferida em recurso for diversa da recorrida, claro que a revoga e se lhe substitui. Quando é meramente confirmativa, parece-nos que a fonte do caso julgado e da exequibilidade é a decisão da 1.ª instância». 
[5] Neste sentido:
.  Prof. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Coimbra Editora, Volume VI, 1985, pág. 379 - onde se lê que, nos «casos dos n.ºs 2.º e 3.º é que a revisão terá, quase sempre, de ser requerida na 1.ª instância. O fundamento da revisão é uma questão de facto; se a matéria de facto ficou arrumada na 1.ª instância e a Relação e o Supremo só conheceram de questões de direito, o que se pretende realmente rever é a sentença de 1.ª instância».
. José João Baptista, Dos Recursos, Universidade Lusíada, Lisboa 1988, pág. 135, onde se lê que «já não é um Tribunal Superior que julga o objecto do recurso, ma sim aquele que proferiu a decisão recorrida».
[6] No mesmo sentido, na jurisprudência:
. Ac. do STJ, de 19.09.2013, Fernando Bento, Processo n.º 663/09.1TVLSB - onde se lê que, «quando estiverem em causa decisões (ou acórdãos) confirmatórios de decisões (ou acórdãos) de tribunais inferiores», o recurso de revisão «deve (…) ser apreciado pelo tribunal (superior) que proferiu aquelas e não pelo tribunal (inferior) que proferiu estas; neste sentido, os acs STJ de 01-07-1969, BMJ 189, p. 214 e de 17-12-1992, BMJ 422, p. 330)».
. Ac. do STJ, de 19.10.2017, Fernanda Isabel Pereira, Processo n.º 181/09.8TBAVV-A.G1.S1 - onde se lê que, «tendo a sentença proferida em 1.ª instância sido impugnada e tendo a Relação proferido acórdão confirmatório da mesma, apreciando definitivamente a questão de facto e de direito controvertida, é à Relação que cabe conhecer do recurso extraordinário de revisão por ter proferido a decisão a rever (art. 697.º, n.º 1, do CPC)».
. Ac. do STJ, de 05.06.2019, Chambel Mourisco, Processo n.º 15/10.0TTPRT-B.P1.S1 (com extensa citação de jurisprudência anterior - e conforme - do STJ) - onde se lê que, nos «termos do art.º 697.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, o recurso extraordinário de revisão deve ser interposto no tribunal que proferiu a decisão a rever, que é o Tribunal da Relação nos casos em que este confirmou uma sentença do Tribunal de 1ª instância».
. Ac. do STJ, de 07.09.2020, Maria Olinda Garcia, Processo n.º 3606/12.1T8BBRG-A.G1.S1 - onde se lê que o «tribunal competente para o recurso de revisão é o tribunal que proferiu a decisão objeto deste recurso (art.697º, n.1 do CPC). Tendo existido recurso de apelação ou de revista, o tribunal competente é, respetivamente, o da Relação ou o STJ, independentemente de o sentido da decisão ser confirmatório ou revogatório da decisão anterior».
Pondera, nesse sentido, que a «revogação de uma decisão transitada em julgado não deve caber a um tribunal hierarquicamente inferior àquele que proferiu essa decisão. O desvio ao princípio do esgotamento do poder jurisdicional, excecionalmente permitido pelo art.627º, n.2 do CPC, tem como consequência lógica a devolução desse poder ao órgão que proferiu a decisão objeto de revisão (e não a um tribunal hierarquicamente inferior)».
Logo, ainda que «o fundamento do recurso de revisão» seja «a falsidade de um depoimento testemunhal, o argumento segundo o qual a competência para tal recurso pertenceria à primeira instância, por ter sido esse o tribunal onde o vício se teria verificado, carece de fundamento legal, pois o tribunal da Relação (que proferiu a decisão a rever) pode requisitar ao tribunal de primeira instância as diligências necessárias que na Relação não possam ter lugar (como determina o art.700º, n.3)».
. Ac. do STJ, de 04.05.2021, Jorge Dias, Processo n.º 7361/15.5T8CBR-D.C1.S1 - onde se lê que o «recurso extraordinário de revisão é interposto no tribunal que proferiu a última decisão, a decisão a rever, donde resulta poder ser competente o Tribunal de 1ª Instância, o Tribunal da Relação ou, o Supremo Tribunal de Justiça». Ora, quer «nos casos de confirmação quer nos casos de revogação, o tribunal decisor em última instância é o que confirma ou revoga (caso tenha havido recurso, ou recursos)».
[7] No mesmo sentido, na doutrina, José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, Código de Processo Civil Anotado, Volume 3.º. Tomo I, 2.ª edição, Coimbra Editora, 2008, págs. 233 - onde se lê que, em «nosso entender, não há razão para distinguir» entre acórdãos que hajam confirmado ou que hajam revogado a decisão recorrida, «sendo em ambos os casos competente o tribunal de recurso, que, confirmando a decisão, a cobriu com a sua autoridade».
[8] Neste sentido, Prof. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Coimbra Editora, Volume VI, 1985, pág. 393.
[9] Conforme António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2013, Almedina, Julho de 2013, pág. 413.
Na jurisprudência, Ac. da RE, de 31.01.2019, Vítor Sequinho, Processo n.º 704/14.0TBTNV-A.E1, onde se lê que deverá «ser liminarmente indeferido, nos termos do no n.º 1 do artigo 699.º do CPC, um recurso de revisão interposto ao abrigo do disposto na alínea c) do artigo 696.º do mesmo Código, se for, desde logo, evidente a inexistência, sequer, de alguma divergência entre o conteúdo da sentença revidenda e o dos novos elementos apresentados pelo recorrente».
[10] Neste sentido, Ac. do STJ, de 14.01.2014, Fonseca Ramos, Processo n.º 5078-H/1993.L2.S1, onde se lê que, se «analisarmos o regime jurídico deste recurso, concluiremos que são raras as normas dos recursos ordinários que se lhes aplicam, estando mais perto a sua estrutura de uma acção autónoma – apesar de intimamente ligada a um processo anterior transitado em julgado» 
[11] Neste sentido, Ac. do STJ, de 05.05.2022, Catarina Serra, Processo n.º 2714/18.0T8VCT-D.S1, onde se lê que, não «se qualificando o recurso de revisão como uma acção, ele é susceptível de ser configurado como um incidente processado autonomamente.
Por sua vez, a decisão de indeferimento liminar do recurso de revisão é uma decisão que põe termo a um incidente processado autonomamente; daí que seja uma decisão abrangida pelo artigo 644.º, n.º 1, al. a), do CPC».
[12] Neste sentido: Prof. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Coimbra Editora, Volume VI, 1985, pág. 393; ou José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, Código de Processo Civil Anotado, Volume 3.º. Tomo I, 2.ª edição, Coimbra Editora, 2008, pág. 223.
[13] Neste sentido: Prof. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Coimbra Editora, Volume VI, 1985, pág. 394; ou José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, Código de Processo Civil Anotado, Volume 3.º. Tomo I, 2.ª edição, Coimbra Editora, 2008, pág. 223.
[14] No mesmo sentido, Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, pág. 704, onde se lê que «o caso julgado formal tem força obrigatória apenas dentro do processo, obstando a que o Juiz possa na mesma acção, alterar a decisão proferida, mas não impedindo que, noutra acção, a mesma questão processual concreta seja decidida em termos diferentes pelo mesmo Tribunal ou por outro entretanto chamado a apreciar a causa».
[15] Fica paralisada a eficácia da decisão contraditória proferida em segundo lugar, conforme Prof. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Volume V, Coimbra Editora, pág. 196, não sendo, contudo, pacífica a qualificação do vício de que padece.
[16] O art.º 2502.º, do CC de Seabra, de 1867, afirmava cristalinamente que o caso julgado é o facto ou o direito, tornado certo por sentença de que não há recurso.
O art.º 580º, n.º 2, do CPC, dispõe hoje no mesmo sentido, quando afirma que tanto «a excepção da litispendência como a do caso julgado têm por fim evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou de reproduzir uma decisão anterior».
[17] Neste sentido, Prof. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Volume III, Coimbra Editora, 1985, págs. 92-93.
[18] No mesmo sentido:
. José Lebre de Freitas, A. Montalvão Machado e Rui Pinto, Código de Processo Civil Anotado, Volume 2.º, 2.ª edição, Coimbra Editora, 2008, págs. 713 e 714 - onde se lê que, seja «qual for o seu conteúdo, a sentença produz, no processo em que é proferida, o efeito de caso julgado formal, não podendo mais ser modificada (…). Mas, quando constitui uma decisão de mérito (“decisão sore a relação material controvertida”), a sentença produz também, fora do processo, o efeito de caso julgado material: a conformação das situações jurídicas substantivas por ela reconhecidas como constituídas impõe-se, com referência à data da sentença, nos planos substantivo e processual (…), distinguindo-se, neste, o efeito negativo da inadmissibilidade duma segunda acção (proibição de repetição: excepção de caso julgado) e o efeito positivo da constituição da decisão proferida em pressuposto indiscutível de outras decisões de mérito (proibição de contradição: autoridade de caso julgado)».
. Miguel Teixeira de Sousa, «O Objecto da Sentença e o Caso Julgado Material», BMJ, n.º 325, pág. 49 -  onde se lê (com bold apócrifo) que «a excepção de caso julgado visa evitar que o órgão jurisdicional duplicando as decisões sobre idêntico objecto processual, contrarie na decisão posterior o sentido da decisão anterior ou repita na decisão posterior o conteúdo da decisão anterior», enquanto que «quando vigora como autoridade e caso julgado, o caso julgado material manifesta-se no seu aspecto positivo de proibição de contradição da decisão transitada: a autoridade de caso julgado é o comando de acção, a proibição de omissão respeitante à vinculação subjectiva à repetição do processo subsequente do conteúdo da decisão anterior e à não contradição no processo posterior do conteúdo da decisão anterior».
[19] No mesmo sentido, Prof. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Volume VI, Coimbra Editora, 1985, págs. 397 e 398, onde se lê que se compreende «que o tribunal possa e deva, na fase rescindente, julgar improcedente o fundamento se só então verificar que o documento não é novo», já que o «juiz pode ter admitido o recurso, apesar de o documento não ser novo, porque o fez, in limine, um exame superficial e desatento».
[20] Ac. da RP, de 17.05.2022, João Ramos Lopes, Processo n.º 1320/14.2TMPRT.P1, onde e lê que o «caso julgado formal duma decisão obsta a que no processo seja tomada (pelo tribunal que a proferiu ou por qualquer outro) nova decisão (seja renovando, seja modificando a anterior) - e, assim que uma ‘pretensão já decidida, em contexto meramente processual’, e não recorrida, seja objecto de repetida decisão (se tal acontecer, a segunda decisão deve ser desconsiderada por violação do caso julgado formal assente na prévia decisão)».
[21] Precisa-se que, sendo perfeitamente defensável o entendimento da ineficácia do inicial despacho de admissão liminar do recurso de revisão, proferido pela autora da sentença a rever, por a mesma carecer de poder jurisdicional para o efeito (precisamente por já não ser titular dos autos), certo é que o mesmo não foi seguido pelo Tribunal a quo (que reiteradamente lhe devolveu o processo, para decisão).
Com efeito, lendo-se no art.º 32º n.º 9, da CRP, que nenhuma «causa pode ser subtraída ao tribunal cuja competência esteja fixada em lei anterior» (assim se consagrando o princípio do juiz natural), lê-se igualmente no art.º 605.º, do CPC, que, em regra, o «juiz que for transferido, promovido ou aposentado conclui o julgamento» (n.º 3) e, nos «casos de transferência ou promoção, o juiz elabora também a sentença» (n.º 4).
Dir-se-á que, se é certo que a hipótese dos autos não cai em nenhuma destas previsões de extensão do poder jurisdicional do juiz transferido ou promovido, certo é igualmente que o Tribunal a quo não conheceu a questão (nomeadamente, declarando a ineficácia do despacho de admissão liminar do recurso de revisão, proferido pela autora da sentença dele objecto, em momento prévio à prolação do seu próprio - e contrário - despacho, de indeferimento liminar do dito recurso).
Ora, face a todo o anómalo processado, este Tribunal ad quem, na verificação do acerto do juízo de indeferimento liminar da actual titular dos autos, optou então (nomeadamente por razões de economia processual) por fundar a sua sindicância nos mesmos pressupostos por ela considerados.