Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2010/20.2T8GMR-A.G1
Relator: ANTÓNIO BARROCA PENHA
Descritores: PROCESSO DE INSOLVÊNCIA
IMPUGNAÇÃO DE CRÉDITOS
CADUCIDADE DO CONTRATO DE TRABALHO
ENCERRAMENTO TOTAL E DEFINITIVO DA EMPRESA
INCUMPRIMENTO DO AVISO PRÉVIO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 12/17/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I- Não obstante a inobservância das exigências procedimentais (art. 346º, n.º 3, do CT) e/ou do cumprimento do aviso prévio ou pagamento da compensação devida (art. 346º, nºs 4 e 5, do CT), a caducidade do contrato, por encerramento total e definitivo da empresa, operará de per se, indiferente a tais formalismos, cujo incumprimento não determina a aplicação das consequências da ilicitude do despedimento coletivo.
II- O incumprimento de aviso prévio (cfr. diversas alíneas do n.º 1 e n.º 2 do art. 363º, do CT) não integra nenhuma das causas de ilicitude do despedimento coletivo, mormente a prevista na al. b) do art. 383º, do CT.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães:

I. RELATÓRIO

No âmbito do processo de insolvência principal apenso veio, em 28.04.2020, I. C., Unipessoal, Lda. requerer a sua declaração de insolvência, designadamente alegando que encerrou a sua atividade, por determinação e consequência da declaração do estado de emergência no país, a 20.03.2020, sucedendo que tal encerramento, que seria temporário e por curto espaço de tempo, se mostra inultrapassável, tanto quanto é certo que anteriormente a tal encerramento já registava graves dificuldades financeiras que a impossibilitavam de cumprir com as suas obrigações, designadamente junto da segurança social, não tendo qualquer capacidade de endividamento (cfr. ref.ª citius 10020722 do processo principal).
Mais alegou que, quando encerrou o estabelecimento, registava 5 trabalhadores, incluindo a própria gerente.
Foi proferida sentença a 08.05.2020, transitada em julgado, declarando a insolvência da requerente.
O administrador da insolvência nomeado apresentou o relatório a que se refere o disposto no art. 155º, do Código de Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE), designadamente dando conta que a requerente já se encontrava em situação de insolvência no final de 2018, situação que se confirmou com o encerramento do estabelecimento no final de Março de 2020 (cfr. ref.ª citius 10157632 do processo principal).
Em sede de assembleia de credores realizada a 23.06.2020, foi proferido despacho a, designadamente, declarar encerrada a atividade da insolvente, nos termos do disposto no art. 156º, n.º 1, do CIRE (cfr. ref.ª citius 168652782 do processo principal).
Foi apresentada pelo administrador da insolvência a lista de credores a que alude o disposto no art. 129º, do CIRE, onde – entre outros – se reconheceu parcialmente os créditos reclamados por D. M. e I. S. (cfr. fls. 2 a 6).
Estes fundaram a sua reclamação de créditos a título de valores devidos por perdas laborais a que têm direito, com fundamento na caducidade do contrato por encerramento definitivo do estabelecimento, que reportaram à data de 08.06.2020 (cfr. fls. 8 a 24).
Na respetiva lista de credores reconhecidos pelo administrador da insolvência consta o credor D. M. com um crédito reclamado de € 7.921,73 e reconhecido de € 5.508,75; e a credora I. S. com um crédito reclamado de € 9.446,25 e reconhecido de € 7.033,25 (cfr. fls. 4 e 4 v).
Estes credores vieram deduzir impugnação à lista de credores reconhecidos (por indevida exclusão de créditos reclamados), pugnando os reclamantes D. M. e I. pelo reconhecimento integral dos seus créditos reclamados, nos valores de € 7.921,73 e € 9.446,25, respetivamente (cfr. fls. 8 a 24).
O AI respondeu, explicitando que não reconhece integralmente os créditos reclamados por aqueles, mormente porque, sendo a causa de despedimento a declaração de insolvência, não podem os reclamantes virem invocar ausência de justa causa para o despedimento, bem como a ausência de aviso prévio, assim como não podem vir reclamar férias não gozadas, porque o direito a férias é intransmissível e inalienável.
Na sequência, não reconheceu o montante reclamado a título de férias não gozadas (€ 635,00), por ilegal; o montante reclamado a título de compensação por falta de aviso prévio (€ 635,00), por falta de fundamento; e o montante reclamado de € 1.905,00, correspondente a 3 meses de compensação por antiguidade, por não se tratar de um despedimento sem justa causa, tendo considerado apenas 12 dias por cada ano completo (cfr. fls. 25 a 34).
No que se refere à reclamante I. ainda veio invocar que não lhe reconhece o montante reclamado a título de formação profissional (€ 146,40), não obstante depois de, no crédito reconhecido, ter feito incluir tal montante, tal como aliás já resultava do requerimento de fls. 6.

Por despacho de 28.09.2020, foi o AI notificado para vir esclarecer se entre a sentença da insolvência e o encerramento definitivo do estabelecimento rescindiu o contrato de trabalho da impugnante I. (cfr. ref.ª citius 169730331).
O administrador da insolvência respondeu, requerendo a junção aos autos da notificação e declaração para efeitos do Fundo de Garantia Salarial, datada de 29.06.2020 e enviada à impugnante em 01.07.2020, em resposta à comunicação da impugnante, na qual fez constar designadamente que “o despedimento foi promovido pelo AJ antes do encerramento definitivo do estabelecimento e não por resolução com justa causa, conforme se envia declaração para o fundo de desemprego, devidamente corrigida e assinada” (cfr. ref.ª citius 10540361).

Uma vez realizada uma tentativa de conciliação, que se frustrou, foi proferida a 02.10.2020, a seguinte decisão:
Impugnação de D. M.:
O impugnante reclamou créditos no montante de € 7921,73, mas o Sr. A.I. reconheceu apenas € 5508,75.
Não reconheceu o montante a férias no valor de € 635,00; o montante de € 635,00 por falta de aviso prévio; o montante reclamado de € 1905,00 referente a indemnização por 3 meses de antiguidade, dado que o despedimento não é ilícito e a indemnização é calculada sobre 12 dias de cada ano completo de trabalho.
O Sr. A.I. juntou documento que se traduz na declaração para obtenção de subsídio de desemprego em que a causa é despedimento promovido pelo A.I. antes do encerramento definitivo de estabelecimento.
Sobre o montante a título de férias que não é o subsídio sufragamos o entendimento do Sr. A.I. no sentido de que o mesmo não é transmissível e como tal não é indemnizável nestes termos, pelo que, aquela quantia não é devida.
Sobre o aviso prévio de facto o mesmo não foi cumprido nos termos legais, pelo que é devida a quantia de € 635,00 nos termos reclamados.
Sobre o cálculo da indemnização por antiguidade, a mesma está correta dado que não se trata de despedimento ilícito.
Assim sendo, é parcialmente procedente a presente impugnação devendo ser aditado o valor de € 635,00 ao valor do crédito deste impugnante.
Sem custas.
Notifique.

Impugnação de I. S.:
O impugnante reclamou créditos no montante de € 9446,25, mas o Sr. A.I. reconheceu apenas € 7033,25.
Não reconheceu o montante a férias no valor de € 635,00; o montante de € 635,00 por falta de aviso prévio; o montante reclamado de € 1905,00 referente a indemnização por 3 meses de antiguidade, dado que o despedimento não é ilícito e a indemnização é calculada sobre 12 dias de cada ano completo de trabalho, nem o montante de € 146,40 a título de formação profissional dado que a mesma detinha também a qualidade de empregadora.
O Sr. A.I. juntou documento que se traduz na declaração para obtenção de subsídio de desemprego em que a causa é despedimento promovido pelo A.I. antes do encerramento definitivo de estabelecimento.
Sobre o montante a título de férias que não é o subsídio sufragamos o entendimento do Sr. A.I. no sentido de que o mesmo não é transmissível e como tal não é indemnizável nestes termos, pelo que, aquela quantia não é devida.
Sobre o aviso prévio de facto o mesmo não foi cumprido nos termos legais, pelo que é devida a quantia de € 635,00 nos termos reclamados.
Sobre o cálculo da indemnização por antiguidade, a mesma está correta dado que não se trata de despedimento ilícito.
Também se concorda que face à sua particular posição dentro da insolvente não é devido o valor reclamado a título de formação profissional.
Assim sendo, é parcialmente procedente a presente impugnação devendo ser aditado o valor de € 635,00 ao valor do crédito deste impugnante.
Sem custas.
Notifique. (…)

Inconformada com o assim decidido, veio I. S. interpor recurso de apelação, do qual se extraem as seguintes
CONCLUSÕES

1. A Recorrente era trabalhadora da Insolvente com a categoria de gerente;
2. A Insolvência foi declarada em 12/05/2020;
3. A Recorrente a 09/06/2020 resolveu o contrato de trabalho com a Insolvente, tendo remetido comunicação ao designado Administrador de Insolvência;
4. Na mesma data, 09/06/2020, reclamou os seus créditos laborais;
5. A 26/06/2020 o Administrador de Insolvência ainda não tinha emitido o modelo RP5044;
6. O Administrador de Insolvência admitiu que só a 01/07/2020 enviou o modelo RP5044 a 01/07/2020;
7. O modelo RP5044 é uma declaração de situação de desemprego para efeitos de requerimento de subsídio de desemprego;
8. O modelo RP504 não é uma comunicação de cessação de contrato de trabalho ao abrigo do disposto no artigo 347.º n.º 2 do CT;
9. Por outro lado, dado que o contrato cessou com a comunicação da Recorrente, não poderia “voltar a cessar” com qualquer que fosse a comunicação do Administrador de Insolvência;
10. Mesmo que o modelo RP5044 que o Administrador de Insolvência enviou à Recorrente fosse a cessação de contrato de trabalho, sempre estaríamos perante uma cessação ilícita por violação de procedimento legal;
11. A violação do procedimento legal implica ter ocorrido uma cessação ilícita, nos termos do disposto no artigo 383.º alínea b) do CT;
12. A liquidação da compensação terá que ser liquidada nos termos conjugados no artigo 389.º n.º 1 alínea a); artigo 391.º; e parte final do número 1 do artigo 396.º, todos do CT, ou seja, com referência a três vencimentos base, 1.905€;
13. Quanto ao direito a férias, previsto e liquidado nos termos conjugados do disposto nos artigos 237.º, n.º 1 e, n.º 2; 245.º, n.º 1, alínea a) e b), ambos do CT, o Tribunal a quo não reconheceu qualquer valor;
14. Ora, dada a natureza da obrigação, que é retribuição, sempre teria que ser a sociedade a apresentar o respetivo comprovativo de pagamento, o que não fez;
15. Sendo que o Tribunal a quo sempre teria que reconhecer o pagamento nos precisos termos reclamados, pois outra forma não tinha para decidir;
16. Isto é, 635 € de férias vencidas a 01/01/2020 referente ao trabalho prestado no ano anterior;
17. Proporcional de férias, com a cessação a 09/06/2020 de 278,68 €;
18. Compensação por não ter gozado férias de 635 €;
19. Pelo mesmo motivo, mas desta com suporte no disposto no artigo 131.º n.º 2 do CT, teria o Tribunal a quo de reconhecer o valor reclamado quanto a formação profissional, de 146,40 €;

Finaliza, pugnando pela procedência total da impugnação da lista de créditos, por serem devidos os créditos reclamados e não reconhecidos à recorrente.
*
De igual modo, D. M. veio interpor recurso de apelação, apresentando as seguintes
CONCLUSÕES

1. O Recorrente era trabalhador da Insolvente;
2. A Insolvência foi declarada em 12/05/2020;
3. O Recorrente a 09/06/2020 resolveu o contrato de trabalho com a Insolvente, tendo remetido comunicação ao designado Administrador de Insolvência;
4. Na mesma data, 09/06/2020, reclamou os seus créditos laborais;
5. A 26/06/2020 o Administrador de Insolvência ainda não tinha emitido o modelo RP5044;
6. O Administrador de Insolvência admitiu que só a 01/07/2020 enviou o modelo RP5044 a 01/07/2020;
7. O modelo RP5044 é uma declaração de situação de desemprego para efeitos de requerimento de subsídio de desemprego;
8. O modelo RP504 não é uma comunicação de cessação de contrato de trabalho ao abrigo do disposto no artigo 347.º n.º 2 do CT;
9. Por outro lado, dado que o contrato cessou com a comunicação da Recorrente, não poderia “voltar a cessar” com qualquer que fosse a comunicação do Administrador de Insolvência;
10. Mesmo que o modelo RP5044 que o Administrador de Insolvência enviou á Recorrente fosse a cessação de contrato de trabalho, sempre estaríamos perante uma cessação ilícita por violação de procedimento legal;
11. A violação do procedimento legal implica ter ocorrido uma cessação ilícita, nos termos do disposto no artigo 383.º alínea b) do CT;
12. A liquidação da compensação terá que ser liquidada nos termos conjugados no artigo 389.º n.º 1 alínea a); artigo 391.º; e parte final do número 1 do artigo 396.º, todos do CT, ou seja, com referência a três vencimentos base, 1.905€;
13. Quanto ao direito a férias, previsto e liquidado nos termos conjugados do disposto nos artigos 237.º, n.º 1 e n.º 2; 245.º, n.º 1, alínea a) e b), ambos do CT, o Tribunal a quo não reconheceu qualquer valor;
14. Ora, dada a natureza da obrigação, que é retribuição, sempre teria que ser a sociedade a apresentar o respetivo comprovativo de pagamento, o que não fez;
15. Sendo que o Tribunal a quo sempre teria que reconhecer o pagamento nos precisos termos reclamados, pois outra forma não tinha para decidir;
16. Isto é, 635 € de férias vencidas a 01/01/2020 referente ao trabalho prestado no ano anterior;
17. Proporcional de férias, com a cessação a 09/06/2020 de 278,68 €;
18. Compensação por não ter gozado férias de 635 €;

Finaliza, pugnando também pela procedência total da impugnação da lista de créditos, por serem devidos os créditos reclamados e não reconhecidos ao recorrente.

Não consta dos autos que tenham sido apresentadas contra-alegações.
*
*
II. DO OBJETO DO RECURSO:

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente (arts. 635º, n.º 4, 637º, n.º 2 e 639º, nºs 1 e 2, do C. P. Civil), não podendo o Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (art. 608º, n.º 2, in fine, aplicável ex vi do art. 663º, n.º 2, in fine, ambos do C. P. Civil).

No seguimento desta orientação, cumpre fixar o objeto do presente recurso.

Neste âmbito, a questão decidenda essencial traduz-se na seguinte:

- Saber se assiste direito aos recorrentes no pagamento integral dos créditos por si reclamados e não reconhecidos.
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III. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Factos Provados
Os acima consignados no Relatório.
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IV) FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Aqui chegados, cumpre então averiguar se o tribunal a quo cuidou de interpretar corretamente as disposições legais aplicáveis ao caso em apreço, mais concretamente no que se refere aos créditos reclamados pelos credores recorrentes e que não foram reconhecidos pelo administrador da insolvência e que obteve a confirmação por parte do tribunal a quo, no âmbito da decisão recorrida.

A) Do crédito reclamado pela recorrente I. S. a título de compensação por falta de formação profissional

Pois bem, desde logo cumpre esclarecer que o valor reclamado pela recorrente I. , a título de compensação por falta de formação profissional (€ 146,40), mostra-se já incluído pelo AI no âmbito do valor global dos créditos reconhecidos – e a nosso ver bem, atento ao disposto nos arts. 131º e 134º do Código do Trabalho(1) –, conforme melhor resulta do teor da resposta apresentada pelo AI, datada de 25.06.2020 (cfr. fls. 6).
Na realidade, se atentarmos ao montante reclamado pela recorrente I. (no valor global de € 9.446,25), o AI reconheceu a esta reclamante o montante global de € 7.033,25.
Ou seja, conforme melhor resulta da resposta de fls. 6, o AI apenas não reconheceu os montantes reclamados a título de indenização por falta de aviso prévio (€ 635,00) e de férias não gozadas (€ 635,00), dando ainda conta que a reclamante não tem direito à totalidade do valor reclamado, a título de indemnização por antiguidade (€ 1.905,00 – 3 meses completos), mas apenas ao valor de € 762,00, correspondente a 12 dias de retribuição por cada ano completo de antiguidade (3 anos).
Assim, com facilidade, concluímos que o AI reconhece à reclamante o valor global de € 7.033,25, calculado da seguinte forma: ([9.446,25 – 1.270,00] – [1.905,00 – 762,00]).
Por conseguinte, não existindo na decisão recorrida qualquer reparo quanto aos montantes anteriormente reconhecidos pelo AI – que no caso da reclamante I. ascenderam àquele montante de € 7.033,25 – teremos que concluir que a questão da inclusão do valor devido à reclamante I. , a título de compensação por falta de formação profissional, mostra-se ultrapassada e/ou prejudicada, porquanto tal valor já se encontra reconhecido pelo AI, sendo certo igualmente que o mesmo lhe é legalmente devido.
*
B) Da indemnização por falta de gozo de férias

Os recorrentes vieram reclamar o montante de € 635,00, a título de compensação por “férias não gozadas”.
Na decisão recorrida não lhe é reconhecido tal montante, por se concluir que não se trata de subsídio de férias e que o mesmo não é transmissível e, como tal, não é indemnizável.
Muito embora não compreendamos aquilo que o tribunal a quo quis dizer com o facto de estarmos perante um montante “não transmissível”, desde já se adianta que não assiste razão aos recorrentes.
De facto, não existem dúvidas que, tal como é invocado pelos próprios reclamantes recorrentes, por via do encerramento definitivo da empresa, ocorreu a cessação (por caducidade) do contrato de trabalho (art. 346º, n.º 3, do CT), então vigente entre a entidade empregadora insolvente e os trabalhadores recorrentes. (2)

Neste sentido, dispõe o art. 245º, do CT, sob a epígrafe “Efeitos da cessação do contrato de trabalho no direito a férias”, que:

1 - Cessando o contrato de trabalho, o trabalhador tem direito a receber a retribuição de férias e respetivo subsídio:
a) Correspondentes a férias vencidas e não gozadas;
b) Proporcionais ao tempo de serviço prestado no ano da cessação.
2 - No caso referido na alínea a) do número anterior, o período de férias é considerado para efeitos de antiguidade.
(…).

Por sua vez, conforme melhor resulta do disposto no n.º 1 do art. 240º, do CT, “as férias são gozadas no ano civil em que se vencem, sem prejuízo do disposto nos números seguintes.”; ressalvando-se, neste caso, a possibilidade das férias ainda poderem ser gozadas até 30 de Abril do ano civil seguinte, por acordo entre o empregador e trabalhador ou sempre que este as pretenda gozar com familiar residente no estrangeiro (art. 240º, n.º 2, do CT), assim como poderão ser cumuladas o gozo de metade do período de férias vencido no ano anterior com o vencido no ano em causa, mediante acordo entre o empregador e trabalhador (art. 24ºº, n.º 3, do CT).
Estas ressalvas não estão, porém, em causa nesta ação, até porque nada foi dito pelos recorrentes neste conspecto.
Deste modo, não tendo os recorrentes gozado o seu período de férias relativo ao trabalho prestado no ano de 2019, vencido em 01.01.2020, e, por conseguinte, auferido a retribuição correspondente ao período de férias e ao respetivo subsídio de férias, tal direito venceu-se com a cessação do contrato de trabalho, assistindo-lhe, nos termos daquele art. 245º, do CT, o direito a receber a retribuição de férias e respetivo subsídio correspondente às férias vencidas em 01.01.2020 e não gozadas (art. 245º, n.º 1, al. a) do CT), acrescidos dos respetivos proporcionais ao tempo prestado no ano de 2020 (art. 245º, n.º 1, al. b), do CT).
Por conseguinte, não tem o recorrente D. M. direito a receber o montante de € 635,00 reclamado sob o ponto 37º do seu requerimento de reclamação de créditos, junto a fls. 26 e 26 v; assim como não tem a recorrente I. direito a receber o mesmo montante reclamado, a esse título, sob o ponto 41º do seu requerimento de reclamação de créditos, junto a fls. 31 v e 32.
Os restantes montantes reclamados a este título, e que os recorrentes têm efetivamente direito por força do disposto no citado art. 245º, do CT, foram já devidamente reconhecidos pelo AI (cfr. pontos 36º, 38º, 39º e 40º da reclamação do recorrente D. M. e pontos 40º, 42º, 43º e 44º da reclamação da recorrente I. ).

Improcede, pois, neste segmento, a apelação em causa.
*
C) Da compensação por antiguidade

O administrador da insolvência calculou a indemnização por antiguidade devida aos reclamantes tendo por base o disposto no art. 366º, n.º 1, do CT, ou seja a compensação devida a este título corresponde a 12 dias de retribuição base por cada ano completo de antiguidade.
Na sequência, calculou aqueles 12 dias de retribuição e multiplicou por 3 anos de antiguidade de cada um dos recorrentes, assim conferindo aos mesmos a compensação de € 762,00 a cada um.
Tal cálculo foi considerado correto por parte do tribunal recorrido, por concluir que não estamos perante um despedimento ilícito.
Insurgem-se os recorrentes quanto ao assim decidido, na medida em que, tendo o tribunal a quo reconhecido que é devida a quantia reclamada pelos recorrentes a título de falta de aviso prévio, então sempre teria que concluir que estamos perante um despedimento ilícito, mais concretamente com fundamento no disposto no art. 383º, al. b), do CT. Na sequência, defendem os recorrentes que o cálculo da compensação por antiguidade nunca poderia ter sido efetuado com fundamento no disposto no art. 366º, do CT, mas antes, por estarmos perante um despedimento ilícito, com base no disposto no arts. 389º, n.º 1, al. a), 391º e 396º, n.º 1, parte final, do CT, assim reclamando o pagamento de € 1.905,00, correspondentes a três meses de retribuição.

No caso em apreço, conforme já dissemos supra, a cessação do vínculo laboral ocorreu em resultado do encerramento total e definitivo da empresa insolvente (que os recorrentes reportaram a 08.06.2020), o que conduz à caducidade do contrato de trabalho (arts. 343º, al. b) e 346º, n.º 3, do CT), sendo, pois, irrelevante a referida declaração do AI emitida para efeitos do “Fundo de Garantia Salarial”, o que aqui também não está em causa.
Nos termos do disposto no art. 346º, n.º 3, do CT, “o encerramento total e definitivo de empresa determina a caducidade do contrato de trabalho, devendo seguir-se o procedimento previsto nos artigos 360º e seguintes, com as necessárias adaptações.
Tal preceito legal é inaplicável a “microempresas”, sendo apenas necessário, neste caso, que o trabalhador tenha a informação do encerramento com a antecedência prevista nos nºs 1 e 2 do art. 363º, do CT, a qual varia, assim, entre 15 a 75 dias, consoante a antiguidade do trabalhador (art. 346º, n.º 4, do CT).
Na opinião de Pedro Romano Martinez (3), “em qualquer caso, pretende-se que, não obstante a verificação dos pressupostos da caducidade, o trabalhador não seja confrontado de imediato com a cessação do vínculo. Este regime resulta, em parte da Diretiva n.º 98/59/CE do Conselho, de 20.07, que, não distinguindo caducidade de despedimento coletivo, impõe este procedimento em situações qualificáveis como sendo de caducidade do contrato.” (4)
Outra aproximação do regime da caducidade por encerramento total e definitivo da empresa ao regime do despedimento coletivo reside no direito de os trabalhadores afetados receberem a compensação calculada nos termos do artigo 366º, pela qual responde o património da empresa” (art. 346º, n.º 5, do CT).

Porém, diferentemente do que sucede no regime do despedimento coletivo, em caso de caducidade por encerramento total e definitivo da empresa, a lei não esclarece quais são as eventuais consequências, no plano da validade da cessação dos vínculos laborais, do incumprimento das regras procedimentais aplicáveis ao despedimento coletivo. (5)

Analisadas as posições em apreço (cfr. nota 5), sufragamos aquela, que nos parece ser a posição maioritária, que defende que, não obstante a inobservância das exigências procedimentais (art. 346º, n.º 3, do CT) e/ou do cumprimento do aviso prévio ou pagamento da compensação devida (art. 346º, nºs 4 e 5, do CT), a caducidade do contrato, por encerramento total e definitivo da empresa, operará de per se, indiferente a tais formalismos, cujo incumprimento não determina a aplicação das consequências da ilicitude do despedimento coletivo (tanto quanto é certo também que tal não resulta explicitamente da lei). (6)
Pois bem, esta querela doutrinária e jurisprudencial, sequer se mostra relevante no caso em apreço.
De facto, a empresa em questão, à data do seu encerramento, apenas contava com cinco trabalhadores, entre eles a própria gerente, ou seja empregava menos de 10 trabalhadores, assim se concluindo que estamos perante uma “microempresa” (art. 100º, n.º 1, al. a), do CT).
A ser assim, não é aplicável in casu o procedimento previsto nos arts. 360º e segs. do CT, sendo apenas exigível que o trabalhador seja informado com a antecedência (de 15 a 75 dias consoante a sua antiguidade) prevista nos nºs 1 e 2 do art. 363º, do CT.

Por sua vez, constitui objeto do presente recurso a ausência do cumprimento de tal aviso prévio aos recorrentes trabalhadores. Na sequência, exatamente com base nesse mesmo incumprimento (falta de aviso prévio ao encerramento da empresa e à cessação do contrato por caducidade), os recorrentes concluem que estamos perante um despedimento ilícito, por força do disposto no art. 383º, al. b), do CT (cfr. n.º 11 das conclusões de recurso dos apelantes).
Ora, de acordo com o disposto na al. b) do art. 383º, do CT, o despedimento coletivo é ilícito se o empregador “não tiver observado o prazo para decidir o despedimento, referido no n.º 1 do artigo 363º.” (sublinhámos)

Por seu turno, estipula o art. 363º, n.º 1, do CT, que: “Celebrado o acordo ou, na falta deste, após terem decorrido 15 dias sobre a prática do ato referido nºs 1 ou 4 do artigo 360º ou, na falta de representantes dos trabalhadores, da comunicação referida no n.º 3 do mesmo artigo, o empregador comunica a cada trabalhador abrangido a decisão de despedimento, com menção expressa do motivo e da data de cessação do contrato e indicação do montante, forma, momento e lugar de pagamento da compensação, dos créditos vencidos e dos exigíveis por defeito da cessação do contrato de trabalho, por escrito e com a antecedência mínima, relativamente à data da cessação, de:

a) 15 dias (…)
b) 30 dias (…)
c) 60 dias (…);
d) 75 dias (…)
(…)

Daqui resulta, pois, que, conforme é entendimento pacífico, o que determina a ilicitude do despedimento coletivo, nos termos do disposto na al. b) do art. 383º, do CT, não é falta do cumprimento pelo empregador do aviso prévio contido naquelas alíneas do n.º 1 do art. 363º, do CT; mas antes quando o empregador, “na falta de acordo, não tiver respeitado o prazo para decidir o despedimento constante do n.º 1 do artigo 363º, isto é, que tenha feito a comunicação antes do decurso do prazo de quinze dias.” (7) (sublinhámos)

Pelo exposto, para além de se nos afigurar que carece de fundamento ou base legal aplicar, na caducidade do contrato de trabalho por encerramento definitivo e total de “microempresa”, ao incumprimento da obrigação de pagamento da compensação a que se reporta o art. 346º, n.º 5, do CT, as consequências da ilicitude do despedimento coletivo, muito mais, carece de fundamento legal (que é aqui o que ora nos interessa) a aplicação de tais consequências à inobservância do aviso prévio a que se reporta o n.º 4 do art. 346º, do CT, pois que nem tão pouco em caso de despedimento coletivo conduziria à sua ilicitude.
Concluindo, se nem num autêntico e típico despedimento coletivo a violação do dever de aviso prévio culmina a ilicitude do despedimento, carece de qualquer fundamento legal a pretensão dos recorrentes em aplicar tal consequência à inobservância do disposto no n.º 4 do art. 346º, do CT.
Porque assim é, por não estarmos perante qualquer ilicitude da cessação dos contratos de trabalho em apreço, mormente por falta de aviso prévio, os trabalhadores recorrentes terão direito à compensação calculada nos termos do disposto no art. 366º, do CT (ex vi do art. 346º, n.º 5, do CT), correspondente a 12 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo de antiguidade, tal como se decidiu na decisão recorrida.
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V. DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar parcialmente procedente a apelação apresentada pela recorrente I. S. e, consequentemente, revoga-se o despacho recorrido na parte que não admite o crédito reclamado a título de compensação por falta de formação profissional (€ 146,40), o qual já se mostra reconhecido pelo administrador da insolvência.
No mais, por improcedência de ambas as apelações em presença, mantem-se a decisão recorrida.

Custas pelos apelantes, sendo a apelante I. na proporção do respetivo decaimento (art. 527º, nºs 1 e 2, do C. P. Civil).
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Guimarães, 17.12.2020

Este acórdão contém a assinatura digital eletrónica dos Desembargadores:
Relator: António Barroca Penha.
1º Adjunto: José Manuel Flores.
2º Adjunto: Sandra Melo.


1. Doravante designado abreviadamente por CT.
2. A este propósito, cfr, por todos, Pedro Romano Martinez, “Caducidade do Contrato de Trabalho”, in Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Raúl Ventura, Vol. II, Faculdade de Direito de Lisboa, 2003, págs. 709 e segs.
3. Código do Trabalho Anotado, Almedina, 13ª edição, 2020, pág. 822 (em anotação ao art. 346º, do CT).
4. A propósito desta Diretiva, cfr. Bernardo Xavier, O Despedimento Colectivo no Dimensionamento da Empresa, Verbo, 2000, págs. 289 e segs.
5. Para Maria do Rosário Palma Ramalho (in Tratado de Direito de Trabalho, Parte II, Situações Laborais Individuais, Almedina, 6ª edição, 2016, pág. 774), “… a lei nada esclarece sobre as consequências da inobservância das formalidades processuais previstas no art. 346º nºs 3 e 4, sendo certo, todavia, que não faz grande sentido aplicar aqui as consequências gerais da ilicitude do despedimento por falta ou irregularidade de procedimento (art. 389º a) e b) do CT), já que a reintegração do trabalhador na empresa é inviabilizada, na prática, pelo encerramento desta, e que a compensação do trabalhador está assegurada pelo art. 346º, n.º 5”. No mesmo sentido, cfr. Pedro Furtado Martins, in Cessação do Contrato de Trabalho, Principia Editora, 4ª edição, pág. 100; Manuel Cavaleiro Brandão, Algumas notas (interrogações) em torno da cessação de contratos de trabalho em caso de “encerramento da empresa” e de “insolvência e recuperação de empresa”, acessível em http://www.cej.mj.pt/cej/recursos/ebooks/trabalho/o_contrato_de_trabalho_no_contexto_da_empresa_do_direito_comercial_e_do_direito_das_sociedades_comerciais.pdf. Em sentido diverso, concluindo pela aplicabilidade das consequências de um despedimento coletivo ilícito, cfr. Júlio Manuel Viera Gomes, “Da inobservância dos procedimentos na caducidade por encerramento total e definitivo da empresa”, in Direito do Trabalho + Crise = Crise do Direito do Trabalho? – Actas do Congresso de Direito do Trabalho, Coimbra Editora, 2011, págs. 421-440. Ao nível da jurisprudencial, secundando a primeira das posições, cfr. por todos, Ac. STJ de 20.05.2009, proc. 08S3258, relator Sousa Grandão; Ac. RG de 24.06.2020, proc. 2139/19.0T8VCT-A.G1, relatora Ana Cristina Duarte, e Ac. RP de 29.05.2017, proc. 3080/16.3T8MTS.P1, relatora Paula Leal de Carvalho. E, em sentido diverso, vide por todos, Ac. RG de 15.03.2016, proc. 814/14.4TJVNF-F.G1, relatora Isabel Rocha; e Ac. RG de 31.10.2019, proc. 7861/17.2T8VNF-BK.G1, relatora Margarida Almeida Fernandes, todos disponíveis em www.dgsi.pt.
6. Neste sentido, para melhor esclarecimento, cfr. João Leal Amado e Catarina Gomes Santos (“Cessação do Contrato”, in Direito do Trabalho, Relação Individual, Almedina, 2019, pág. 930), citando o próprio João Leal Amado [in Contrato de Trabalho, Noções Básicas, Almedina, 3ª edição, pág. 313] quando este considera que “segundo a nossa lei, o encerramento total e definitivo da empresa (com ou sem fundamentos válidos, com ou sem respeito pelas exigências procedimentais, com ou sem aviso prévio) determinará a caducidade dos contratos de trabalho (…). Esclarecendo, de seguida, os mesmos Autores: “Destaque-se, porém, que, no plano contraordenacional, o não pagamento da compensação devida sempre fará incorrer o empregador em contraordenação grave (art. 346º, n.º 7), ao passo que o incumprimento das exigências procedimentais acarretará responsabilidade penal (arts. 315º e 316º do CT). E sufragando o entendimento de Pedro Romano Martinez [in Direito do Trabalho, Almedina, 8ª edição, pág. 955] não será de excluir a hipótese de responsabilidade indemnizatória do empregador se a causa determinante da caducidade lhe for imputável ou se não for respeitado o procedimento exigido, contanto se mostrem verificados no caso todos os pressupostos da responsabilidade civil.
7. Cfr. Pedro Romano Martinez, ob. citada, pág. 893 (em anotação ao art. 383º, do CT).