Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
175/19.5T8AVV-C.G1
Relator: PURIFICAÇÃO CARVALHO
Descritores: ÓNUS DO RECORRENTE
CONCLUSÕES DO RECURSO
INCUMPRIMENTO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 03/25/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REJEIÇÃO DE RECURSO
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I- As alegações propriamente ditas (motivação stricto sensu) destinam-se à apresentação dos argumentos pelos quais se sustenta a alteração da decisão.
II- As conclusões são a enumeração clara e enxuta dos fundamentos pelos quais a parte entende que se justifica a alteração da decisão, a que, quanto muito, acresce um resumo muito sintético das preposições que configuram a exposição dos argumentos relativos a cada um desses fundamentos.
III- Mais do que isso significa repetição de argumentos o que configura uma atuação processual inútil e prejudicial ao fim visado, e como tal proibida.
Decisão Texto Integral:
- Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães –

I. RELATÓRIO

M. O. e J. V. deduziram, por apenso, oposição mediante embargos de executado à execução que lhes move M. C., dizendo que cumpriram integralmente o teor da sentença que figura como título executivo e ainda que a aludida segunda entrada para o prédio da Exequente/Embargada não foi objecto dos autos que originaram o título executivo. Pediram a condenação desta como litigante de má fé.
Devidamente notificada, a Exequente/Embargada contestou os fundamentos da oposição, defendendo que o título executivo abrange toda e qualquer entrada para o seu prédio, desde que efectuada a partir do caminho descrito nos autos.

Efectuada audiência de julgamento seguiu-se a sentença que terminou com o seguinte dispositivo:
Pelas considerações acima expostas, julga-se procedente a oposição à execução mediante embargos de executado e, em consequência, determina-se a extinção da execução.
Mais se julga improcedente o pedido de condenação como litigante de má-fé.
Custas pela Exequente/Embargada (artigo 527º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil).
Registe e notifique.

Inconformada a exequente apresenta recurso que termina com as seguintes conclusões:

1.A ora Apelante, não concorda com a aliás, Douta Sentença, aqui posta em crise, porquanto esta, salvo melhor opinião, enferma de erro na apreciação da matéria de facto e na aplicação do direito.
2. A Apelante, intentou a presente ação executiva contra M. O. e J. V. porquanto, por sentença de 29 de Abril de 2005, já transitada em julgado, que deverá dar-se por reproduzida, foram os ali réus, M. O. e J. V., condenados:
- “ a reconhecer que { os Autores J. C. e M. C. } são os únicos e legítimos possuidores do prédio rústico sito no lugar de …, Arcos de Valdevez, descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob o n.º …/010897 e inscrito na matriz predial respetiva no art.º …;
- a reconhecer que, desde tempos imemoriais, o acesso a este prédio, a pé ou de carro, é feito pelo caminho denominado Caminho ...;
- a reconhecer que este caminho é o único acesso daquele prédio à Estrada Municipal n.º ….
- a abster-se de praticar quaisquer atos que impeçam a circulação, apé ou de carro, naquele caminho, .”

Resultou ainda provado que “14. No inicio do mês de Setembro de 1998 os réus colocaram estacas no lado direito do caminho atento o seu sentido ascendente, desde o prédio de que são proprietários até à estrada, e uniram-nas com arame.”
E que “16. os autores ficaram impedidos de entrar ou sair do prédio que utilizam e ficaram impedidos de utilizar o barracão que construíram, sofrendo diversos prejuízos”
E, por último, “19. O prédio que os autores utilizam confronta do norte apenas com o caminho denominado Caminho ...”

Na Douta Sentença, agora posta em crise, refere-se como Factos Não Provados
a) que as pedras estejam depositadas no leito do Caminho ... que impeçam a circulação, a pé ou de carro, no referido caminho.
b) que as pedras impeçam o acesso da Exequente/Embargada ao seu prédio pela entrada identificada nos autos principais.
3. A Apelante estranha o Facto Não Provado na alínea a) porquanto não consta do requerimento executivo tal facto mas antes “ (…) a exequente diligenciou pela retirada das pedras mas logo estas foram recolocadas pelos executados na entrada de acesso, junto ao Caminho ...”
4. A Douta Sentença refere que “A abstenção de actos que impeçam o acesso ao prédio inscreve-se na esfera de qualquer pessoa por virtude das características do direito absoluto de que se reveste o direito de propriedade.

Ora, a “segunda entrada” e respetivas características não foram alegadas nem, consequentemente, objeto de apreciação em sede declarativa. (…) Não há qualquer elemento do qual se possa extrair que, quer à data da propositura da ação, quer à data da prolação da sentença, existiam duas entradas para o prédio da Exequente/Embargada.
As pedras de grande porte não estão colocadas no leito do caminho identificado nos autos como Caminho ....
Desconhece-se a quem pertence o tracto de terreno onde as pedras foram colocadas, mas é certo que as pedras observadas no local não impedem a circulação, a pé ou de carro, no caminho descrito nos autos como Caminho ....
Da mesma forma não impedem (por completo) o acesso da Exequente ao seu prédio, dado que o mesmo possui (pelo menos) uma entrada desanuviada, e que é a única entrada que foi considerada na ação declarativa.
Tanto basta para que se considere inexistir título executivo bastante que sustente a exata pretensão da Exequente (retirada das pedras que não estão implantadas no leito do caminho nem em frente à entrada objecto de discussão na acção declarativa)
5. A Apelante não pode concordar com esta decisão, o que motiva o presente recurso.
6. A decisão posta em crise e que este Venerando Tribunal da Relação deverá dilucidar é se a sentença proferida em 29 de Abril de 2005, já transitada em julgado, e em que os ali réus, M. O. e J. V., foram condenados entre outros “abster-se de praticar quaisquer atos que impeçam a circulação, a pé ou de carro, naquele caminho, designadamente o acesso dos autores àquele prédio” é título bastante para sustentar a presente execução.
7. A apelante entende que sim e até a Meritíssima Juiz “a quo” admite ser viável tal entendimento.
8. Daí a instauração da presente execução e o pedido para que os ali executados em cumprimento daquela obrigação negativa removam tudo quanto colocaram e que impede o acesso da apelante ao seu prédio.
9. Os réus/embargantes foram condenados a abster-se de praticar quaisquer atos que impeçam a circulação, a pé ou de carro, naquele caminho, designadamente o acesso dos autores/exequente àquele prédio.
10. Os embargantes não cumpriram com a sentença condenatória e procederam à colocação de pedras de grande porte no acesso ao prédio da Apelante.
11. A questão em causa não é do número de entradas como, erradamente, se entende na douta sentença em crise, nem tão pouco do local onde estas entradas estão colocadas.
12. O que há a determinar é qual o tipo de atuação dos executados e se essa atuação é ilícita, se viola ou não o disposto na douta sentença de 29 de abril de 2005.
13. Está afinal em causa o alcance da sentença condenatória, designadamente do disposto no pedido final: condenados a abster-se de praticar quaisquer atos que impeçam a circulação, a pé ou de carro, naquele caminho, designadamente o acesso dos autores àquele prédio.
14. Ao contrário do defendido na douta sentença não se trata aqui do reflexo de um direito absoluto de propriedade da exequente.
15. Para afirmação desse direito bastaria à sentença reconhecer o direito como tal e a abstenção que resulta para os demais tem alcance na sua característica de direito absoluto.
16. É da natureza desse direito absoluto usá-lo da forma que o beneficiário entenda desde que não contenda com o direito de outro, entre estas virtualidades da propriedade, está a utilização de todo o terreno e a capacidade de a ele aceder de forma livre desde o caminho.
17. Essa abstenção declarada pela douta sentença resulta da necessidade de afirmar o carácter coativo da sentença condenatória perante a atuação ilícita dos réus, agora executados/embargantes.
18. É a exteriorização da força coativa e da absoluta necessidade dos Réus reajustarem a sua atuação de acordo com o direito dos Autores.
19. Uma condenação genérica, emerge como um dever de sujeição dos executados.
20. A colocação daquelas pedras foi feita pelos executados ou não?
Foi !
21. A colocação das pedras impede que a Exequente aceda ao seu prédio, sim ou não?
22. Seguramente que sim, pelo menos àquela parte, como seja, a exequente não pode aceder livremente, àquela parte do prédio desde o caminho.
23. O título é certo e é exigível: a abster-se de praticar quaisquer atos que impeçam a circulação, a pé ou de carro, naquele caminho, designadamente o acesso dos autores àquele prédio.
24. Não será necessário à exequente, sempre que se dirija do caminho a uma parte diferente do seu prédio, demandar novamente os executados, por atos impeditivos praticados por estes
25. Não é esse o alcance daquela sentença condenatória, como não é esse o alcance do direito absoluto da Exequente, mas é sim o dever dos executados de se conformarem com o direito da exequente.
Ao não decidir assim a Douta Sentença recorrida violou do disposto no Art.º 703º, n.º 1 alínea a) do NCPC.
Assim, com a revogação da decisão do Tribunal “a quo” que julgou procedente a oposição à execução mediante embargos de executado e que, em consequência determinou a extinção da execução, ordenando-se, assim, o prosseguimento dos autos de ação executiva.
Farão Vossas Excelências
INTEIRA JUSTIÇA

Não foram apresentadas contra-alegações.

O recurso foi admitido como de apelação, sobe imediatamente, nos próprios autos e tem efeito meramente devolutivo (artigos 644º, n.º 1, 645º, n.º 1, al. a) e 647º, n.º 1 do Código de Processo Civil).

Por este Tribunal foi proferido com data de14.01.2010 despacho com a cumprir o contraditório quanto á possibilidade de rejeição do recurso com o seguinte teor:

Analisando, em pormenor, a alegação de recurso apresentada pela apelante, verifica-se que a recorrente no que faz constar sob “conclusões”, limita-se a reproduzir, integralmente e ipsis verbis, - no relevante- o corpo das suas alegações, aí “colando” o que, já havia escrito anteriormente, com insignificantes alterações de pormenor na redação e agrupamento.
Como vem sendo entendido por forte corrente jurisprudencial de todas as Relações (1) a repetição nas conclusões, do que é dito na motivação, traduz-se em falta de conclusões, pois é igual a nada, repetir o que se disse antes na motivação- negrito nosso. - o que não pode deixar de conduzir à rejeição do recurso, por aplicação da al. B do nº2 do artigo 641º do CPC.
Com vista ao exercício do contraditório notifique as partes desta pretensão e para no prazo de 10 dias se pronunciarem, querendo.

Pronunciou -se a recorrente em requerimento com o seguinte Teor:

1. No douto despacho que precede é entendido que “a repetição nas conclusões, do que é dito na motivação, traduz-se em falta de conclusões, pois é igual a nada, repetir o que se disse antes na motivação o que não pode deixar de conduzir à rejeição do recurso, por aplicação da al.B do n.º 2 do Art.º 641º do CPC”
2. Com o devido respeito que é muito, a apelante discorda desse entendimento.
3. Na verdade, existe uma corrente jurisprudencial (cfr. Acs do STJ de 6/4/17, 297/13, de 9/7/2015, 818/07 e, ainda, de 13/10/2016, 5048/14.5TENT-A. E1.S1) e doutrinária (v. Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Pires de Sousa) vem considerando que “Apesar de constituir uma técnica manifestamente errada e violadora das exigências de sistematização impostas pelo preceito, a circunstância de, em sede de conclusões, o recorrente reproduzir a motivação vertida na alegação propriamente dita não configura um caso de falta de conclusões”, não podendo, por isso, o recurso ser rejeitado de imediato, devendo ser proferido despacho de convite ao aperfeiçoamento, com fundamento na apresentação de conclusões complexas ou prolixas.”
4. E existe também a orientação jurisprudencial já consolidada no Supremo Tribunal de Justiça que segue nesse mesmo sentido de que são exemplo os seguintes:
- Acórdão de 09/07/2015 (proc. nº 818/07.3TBAMD.L1. S1), consultável em www.dgsi.pt, em cujo sumário se lê:
“A reprodução nas “conclusões” do recurso da respectiva motivação não equivale a uma situação de alegações com “falta de conclusões”, de modo que em lugar da imediata rejeição do recurso, nos termos do art. 641º, nº 2, al. b), do NCPC, é ajustada a prolação de despacho de convite ao aperfeiçoamento, com fundamento na apresentação de conclusões complexas ou prolixas, nos termos do art. 639º, nº 3, do NCPC.”
- Acórdão de 13/10/2016 (proc. nº 5048/14.5TENT-A. E1.S1), consultável em www.dgsi.pt, em cujo sumário se pode ler:
“I -Do facto de as conclusões serem uma repetição das alegações do recurso não se pode retirar que aquelas conclusões não existam, mas apenas que não assumem a forma sintética legalmente imposta pelo art. 639.º, n.º 1, do CPC.
II - Perante tal irregularidade, deve o tribunal convidar o recorrente a aperfeiçoar as conclusões no sentido de proceder à sua sintetização, com respeito pelo objeto do recurso que ficou definido nas alegações originais, nos termos do n.º 3 do citado normativo.”
- Acórdão de 25/05/2017 (proc. nº 2647/15.1T8CSC.L1. S1), consultável em www.dgsi.pt, de cujo sumário consta o seguinte:
“I -A reprodução nas conclusões do recurso da respectiva motivação não equivale a uma situação de alegações com falta de conclusões.
II - Nestas circunstâncias, não há lugar à prolação de um despacho a rejeitar liminarmente o recurso, impondo-se antes um convite ao seu aperfeiçoamento, nos termos do nº3 do artigo 639º do CPCivil, atenta a sua complexidade e/ou prolixidade.”
- Acórdão de 06/07/2017 (proc. nº 297/13.6TTTMR.E1. S1), consultável em www.dgsi.pt, de cujo sumário consta o seguinte:
“I -A reprodução nas conclusões do recurso da respectiva alegação não equivale a uma situação de falta de conclusões, estando-se antes perante um caso de conclusões complexas por o recorrente não ter cumprido as exigências de sintetização
impostas pelo nº 1 do artigo 639º do CPC.
II - Assim, não deve dar lugar à imediata rejeição do recurso, nos termos do artigo 641º, nº 2, alínea b) do CPC, mas à prolação de despacho de convite ao seu aperfeiçoamento com fundamento na apresentação de conclusões complexas ou prolixas, conforme resulta do nº 3 do artigo 639º do mesmo compêndio legal.”
- Acórdão de 27/11/2018 (proc. nº 28107/15.2T8LSB.L1. S1), consultável em www.dgsi.pt, em cujo sumário se pode ler:
“I. Quando as conclusões de um recurso são a mera reprodução, ainda que parcial, do corpo das alegações, não se pode, em rigor, afirmar que o Recorrente não deu cumprimento ao ónus previsto no artigo 641.º, n.º 2, alínea b) do CPC.
II. Em tal circunstância não há que rejeitar imediatamente o recurso, podendo convidar-se ao seu aperfeiçoamento, por força do disposto no n.º 1 do artigo 659.º do CPC.”
- Acórdão de 19/12/2018 (proc. nº 10776/15.5T8PRT.P1. S1), consultável em www.dgsi.pt, assim sumariado:
“I - A reprodução da motivação nas conclusões do recurso não equivale à falta de conclusões, fundamento de indeferimento do recurso – art. 641.º, n.º 2, al. b), do CPC.
II - Neste caso, impõe-se prévio convite ao recorrente para aperfeiçoar as conclusões, no sentido de lhes conferir maior concisão – art. 639.º, n.º 3, do CPC.”
- Acórdão de 07/03/2019 (proc. nº 1821/18.3T8PRD-B. P1.S1), consultável em www.dgsi.pt, de cujo sumário consta o seguinte:
“II. A reprodução nas “conclusões” do recurso da respetiva motivação não equivale a uma situação de alegações com “falta de conclusões”, inexistindo, por isso, fundamento para a imediata rejeição do recurso, nos termos do art. 641º, nº 2, al. b) do Código de Processo Civil.
III. Uma tal irregularidade processual mais se assemelha a uma situação de apresentação de alegações com o segmento conclusivo complexo ou prolixo, pelo que, de harmonia com o disposto no artigo 639º, nº 3 do Código Processo Civil, impõe-se a prolação de despacho a convidar a recorrente a sintetizar as conclusões apresentadas.”
- Acórdão de 02/05/2019 (proc. nº 7907/16.1T8VNG.P1. S1), consultável em www.dgsi.pt, assim sumariado:
“A reprodução nas “conclusões” do recurso da respectiva motivação não equivale a uma situação de alegações com “falta de conclusões”, de modo que em lugar da imediata rejeição do recurso, nos termos do art. 641º, nº 2, al. b), do NCPC, é ajustada a prolação de despacho de convite ao aperfeiçoamento, com fundamento na apresentação de conclusões complexas ou prolixas, nos termos do art. 639º, nº 3, do NCPC.”
Por outro lado,
5. Tem sido prática dos tribunais, aliás em obediência ao princípio da colaboração e no âmbito dos seus poderes de gestão processual, na vertente consagrada no nº 2 do artigo 6º do Código de Processo Civil, formular prévio convite à parte no sentido de aperfeiçoar a sua peça recursiva.
6. Entendendo-se ser esta prática a mais curial com os objetivos pretendidos pela nossa lei do processo, face ao princípio da cooperação e a ideia que, havendo entraves meramente formais, ainda sanáveis, ao conhecimento da pretensão das partes, deve o tribunal providenciar, até oficiosamente, “pelo suprimento da falta de
pressupostos processuais suscetíveis de sanação, determinando a realização dos atos necessários à regularização da instância ou, quando a sanação dependa de ato que deva ser praticado pelas partes, convidando estas a praticá-lo” como decorre da citada norma.
7. A apelante penitencia-se pela extensão e forma de apresentação das suas conclusões mas crê que é possível corrigi-las, sintetizando-as e assim fazer prevalecer a justiça material sobre a forma,
8. assim o Venerando Tribunal seja sensível a estes considerandos proferindo despacho de convite ao aperfeiçoamento, e desse modo
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INTEIRA JUSTIÇA

II. FUNDAMENTOS

Fundamentação de facto.

A factualidade a considerar é a que resulta do relatório supra exarado cujo teor se dá por reproduzido.
*
Fundamentação de direito.

Considerando o supra exposto cumpre nesta sede apreciar da verificação de circunstância que obste à apreciação do recurso (art.º 652º, nº 1, b) do C.P.C.) sendo certo que o despacho que na 1ª instância admitiu a apelação não vincula este tribunal (art.º 641, nº 5, do C.P.C.).

O art.º 639, do C.P.C. estabelece para o recorrente um ónus que se decompõe (i) no da apresentação tempestiva da alegação e (ii) no de formulação de conclusões (Cf. Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, Novo Regime, 2ª edição revista e actualizada, p. 126).

Alegar e concluir num recurso perante tribunal superior implica, assim, particularmente nos tempos actuais em que tanto se reclama simplicidade, celeridade e eficácia, ter presente as regras de senso comum, da boa técnica forense e, claro, as jurídicas.

E, no cumprimento delas, não esquecer os princípios gerais estruturantes do processo civil (como o do dispositivo, que se desdobra no de alegar e de pedir) nem os de natureza mais prática. Entre estes, os abrangidos na boa gestão dos meios de cooperação, economia, necessidade, utilidade, adequação- artºs 6º, 7º, 130º, 131º, 547º. Do CPC.
Sempre, incluindo na elaboração de um recurso especiais deveres de clareza, precisão e objectividade.
Nestes se analisa o ónus de síntese e de especificação resultante dos artºs 639º e 640º, todos do CPC.

A este respeito atente-se no que pertinentemente João Aveiro Pereira (2) observa e escreve:

“Uma prática usual é a reprodução informática do corpo das alegações na área do documento que deveria ser preenchida com as conclusões. Sob esta epígrafe duplica-se e repisa-se o texto expositivo, sem se apresentarem verdadeiras conclusões. A adopção deste desembaraço, do ponto de vista da advocacia, pode explicar-se, desde logo, por um anelo de rapidez, necessária ao cumprimento dos prazos; pode ser induzida pela lei do menor esforço, mas também pode dever-se quiçá ao receio de que o tribunal, também ele acossado pela exigência de celeridade, não leia senão as conclusões e deixe de atentar no corpo alegatório. Nesta última hipótese, duplicando, o recorrente sente-se provavelmente mais confiante em que serão sempre lidas as conclusões e também as alegações.

Em boa verdade, o recurso a este expediente de copy paste, para duplicar as alegações como se fosse para concluir, revela um uso abusivo dos meios automáticos de processamento de texto e conduz à inexistência material de conclusões, pois se, sob este título, apenas se derrama sobre papel o teor da parte analítica e argumentativa, o que de facto se oferece ao tribunal de recurso é uma fraude. Por consequência, apesar de aqui ou ali se mudar, cosmeticamente, uma ou outra palavra ou locução, o que realmente permanece, inelutável, é um vazio conclusivo, mau grado as habituais dezenas de folhas, com frequência metade do total da peça, e um número de artigos ditos de conclusões desnecessariamente a roçar ou a ultrapassar a centena.”

E mais adiante, em face da atitude indulgente que detectou na jurisprudência, lamentou:

“Este laisser faire, laisser passer em relação, não só à prolixidade das conclusões, mas também quanto a outras irregularidades na elaboração das conclusões das alegações de recurso, pode evitar alguma morosidade pontual, mas tem um assinalável efeito perverso que é a instalação de uma certa indisciplina no cumprimento do ónus de concluir, de repercussões dilatórias gerais. Isto porque a sucessão de decisões permissivas vai cimentando uma rotina de cedência, que se torna praticamente impossível reverter no sentido da observância criteriosa das regras na feitura das alegações.

Por outro lado, exarar juízos reprovadores, mais ou menos veementes, sobre a prolixidade ou outras anomalias das conclusões, e depois não adoptar as consequências lógicas e legais, é confrangedor, pois dá a imagem de uma justiça que, embora veja o que está mal, não é capaz de se impor. Mais vale os tribunais superiores se absterem deste tipo de juízos quando não estiverem dispostos a reter um recurso, à espera do aperfeiçoamento, ou quando não pretendam aplicar a extrema sanção do não conhecimento.”

Também Abrantes Geraldes a pág 133 do livro “Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2016, 3ª edição pp 133 nos dá conta que (…) a experiência confirma que se entranhou na prática judiciária um verdadeiro círculo vicioso: em face do número de conclusões, os Tribunais Superiores acabem por deixá-las passar em claro, preferindo, por razões de celeridade avançar para a decisão …. Agindo deste modo, Os Tribunais Superiores colocam os valores da justiça, da celeridade e da eficácia acima de aspectos de ordem formal.

Contudo se a forma não deve confundir-se com a substância, também não pode de todo ser-lhe indiferente. Por um lado, a falta de cumprimento daquele ónus torna mãos difícil a execução da tarefa de delimitação das questões correndo-se o risco de algumas não serem apreciadas, por outro a apresentação de alegações atabalhoadas acaba por constituir muitas vezes, um sinal claro da falta de fundamento do recurso.

No caso ora em apreço promovendo uma leitura integral das alegações e das intituladas “conclusões” apresentadas pela Recorrente, somos surpreendidos pela circunstância destas, ao arrepio do que seria suposto, não serem senão uma reprodução quase – no que releva- integral e literal da motivação dividindo não por números, mas por alíneas, o texto até aí alegado.
Significa isto que ao arrepio daquilo que pretendeu o legislador, a Recorrente permitiu-se confundir a alegação com a delimitação do objecto do recurso, olvidando, todavia, que esta deve ocorrer em termos claros, concisos e sintéticos, sob pena de precludir o cumprimento do desiderato a que aquela se destina.
Incumprimento que a recorrente admite no ponto 7 do requerimento supra descrito no qual exerce o contraditório referindo que A apelante penitencia-se pela extensão e forma de apresentação das suas conclusões.

Ora como vem sendo entendido por forte corrente jurisprudencial de todas as Relações (3) a repetição nas conclusões, do que é dito na motivação, traduz-se em falta de conclusões, pois é igual a nada, repetir o que se disse antes na motivação, sendo que as coisas não deixam de ser o que são pelo facto de serem apelidadas duma forma que não tem qualquer correspondência com a sua substância.
(…) não pode ficcionar-se que o copy past do corpo das alegações para um capítulo sugestivamente intitulado conclusões representa uma tentativa frustrada de cumprir o ónus de síntese, merecedora de convite a correcção e aperfeiçoamento, mediante um exercício de aparente interpretação generosa da lei preconizado como hábil e tolerante, inspirado em razões de oportunidade não contempladas na respectiva letra (in claris non fit injuria) e contrárias ao pensamento legislativo, com apelo a um poder de criar normas que, por princípio, não cabe aos tribunais (como já se alertou em sumário do Acórdão do STJ, de 13-11-2014 (4)).
Tal método conduz ao nada. E o nada não é perfeito nem imperfeito. É nada. Por isso, não corrigível. De onde nem sequer existe um esboço de algo, não pode pretender-se tirar-se esse algo. A não ser, ficcionando o convite, conceder nova oportunidade para orientadamente, contornando a preclusão, cumprir um ónus que as partes têm obrigação de conhecer e espontaneamente observar.
Contornar esta evidência, é atentar contra o claro desígnio do legislador, normativamente plasmado no regime de recursos e, entre outros, nos artigos 637º a 639º e 641º, do CPC, de regular, com disciplina e rigor, o exercício do inerente direito, impondo consequências preclusivas fatais compreensivelmente justificadas pelo acesso ao tribunal superior e com patrocínio obrigatório presumivelmente apto e responsável pelo seu cumprimento.- neste sentido acórdão desta relação proferido com data de 04 de Abril de 2019 no processo nº 3652/17.9T8VCT.G1 ( José Amaral)
Note-se que não se trata aqui de aferir da qualidade das conclusões, nomeadamente se as mesmas são mais extensas ou menos concisas do que podiam ou deviam ser, mas de determinar se as mesmas contêm em si aquele mínimo do qual se possa extrair que o recorrente, embora de modo deficiente ou prolixo, através delas tentou enunciar as questões a submeter ao conhecimento do tribunal de recurso.
E não se argumente que nestes casos se justificava o convite ao aperfeiçoamento.
É certo que o despacho de aperfeiçoamento traduz um reflexo ou corolário do dever de cooperação, princípio estruturante do processo civil português. Mas esse dever de cooperação impõe a colaboração de todos os intervenientes processuais com vista a alcançar com brevidade e eficácia, a justa composição do litígio, sendo certo que a lei não quis impasses e tergiversações, impondo no domínio dos ónus a cargo do recorrente um rigor e auto-responsabilidade por parte deste.

Daí que se entenda que o convite ao aperfeiçoamento existe actualmente na nossa lei adjectiva, e só aí encontra a sua razão de ser, para aquelas situações em que parte, de facto, tentou efectuar uma síntese do que por si foi dito na motivação, mas em que a falta de clareza ou de outro vício que afecta a sua compreensibilidade num ponto ou noutro, ou até na sua totalidade.
Ademais como se alertou no aresto do Tribunal Constitucional- Acórdão n.º 462/2016-Diário da República n.º 197/2016, Série II de 2016-10-13. “o convite ao aperfeiçoamento de deficiências formais não pode ser instrumentalizado pelo respectivo destinatário, de forma a permitir-lhe, de modo enviesado, obter um novo prazo para, reformulando substancialmente a pretensão ou impugnação que optou por deduzir, obter um prazo processual adicional para alterar o objecto do pedido ou impugnação deduzida, só então cumprindo os ónus que a lei de processo justificadamente coloca a seu cargo”.

É certo que, em sentido contrário, existe, como refere a recorrente posição distinta, sobretudo ao nível do Supremo Tribunal de Justiça.
Sucede que, como resulta do que antes se expôs, sem prejuízo do devido respeito por opinião em contrário e da douta corrente de sentido oposto sufragada pelo nosso mais Alto Tribunal, não a acompanhamos.
Diga-se, aliás, que só temos decidido pela rejeição do recurso nos casos – como o presente – em que não existe qualquer condensação ou sintetização, por mínima que seja, limitando-se o recorrente a reproduzir ipsis verbis tudo o antes vertido nas alegações, pois que, em nosso ver, nestas hipóteses, não existem verdadeiras conclusões.
Como assim, e com todo o respeito por opinião em contrário, nestas hipóteses, a conduta do Recorrente não pode justificar outra consequência que não seja a rejeição do recurso, não se antevendo razões bastantes para lhe conceder prazo suplementar para a condensação ou síntese de conclusões que não existem.
Ademais para a afirmação desta consequência jurídica não é alheio a consideração do leque de princípios norteadores da mais recente reforma legislativa levada a cabo; é que, não obstante «o “propiciar a obtenção de decisões que privilegiem o mérito ou a substância sobre a forma” referidos na exposição de motivos constante do preâmbulo do novo Código de Processo Civil [seja real, o mesmo] não implicou a derrogação dos princípios da preclusão e da autorresponsabilidade das partes», como , o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, proferido em 17 de março 2016, no Processo n.º 147733/14.4 YIPRT.L1 relatado pelo Exmo. Senhor Juiz Desembargador Ezagüy Martins y Martins.
E este modo de decidir nada tem de inconstitucional ou violador de disposições legais.

Ainda a propósito desta temática não deixaremos de citar, com a devida vénia, e que é dito no acórdão do Tribunal Constitucional, datado de 15 de Novembro de 2011, proferido no processo nº 191/2011, da 1ª secção com seguinte teor”:

“tudo conjugado encontram-se preenchidas duas condições – utilidade do ónus imposto e cumprimento não excessivamente oneroso para as partes para que se possa concluir não estar violado nem o direito de acesso aos Tribunais nem o princípio da proporcionalidade, não se justificando um qualquer juízo de inconstitucionalidade”, considerações estas que, a nosso ver, e “mutatis mutandi”, têm também inteiro cabimento no caso em apreço.

Em suma:
Perdoe-se-nos a rudeza da expressão, mas há que acabar, de uma vez por todas, com o estafado argumento de violação do artigo 20º da C. R. Portuguesa, salientando-se, por outro lado, que nada há na Lei que obrigue ou imponha ao Tribunal de recurso, como sucede, o dever de procurar ou “catar” (…) aquilo que é verdadeiramente uma conclusão por forma a distingui-la daquilo que, no fundo, mais não constitui do que matéria própria do que uma alegação, operação essa que, no caso em apreço, se revelaria praticamente inviável dada a extensão de cada uma daquelas conclusões…
De todo o modo, sempre se dirá que, se assim não fosse, então seria caso para dizer que, em sede de recurso, não haveria nem há necessidade de formular conclusões, isto com o sentido acima referenciado.
Ora, se o legislador entendeu que o recorrente deve cumprir o ónus que lhe é imposto pelo nº 1 do artigo 690º do C. P. Civil (na citada redacção) temos, então, que o seu incumprimento, como ora sucede, tem como consequência, o não conhecimento do recurso, tudo nos termos do artigo 690º nº 4 do citado diploma legal.

E ainda
O acesso ao direito e à tutela judicial efetiva processa-se num quadro de regras processuais, regras sem as quais, aliás, não seria possível corresponder aos imperativos de celeridade, igualdade das partes e equidade que – entre outros valores - enformam a disciplina jus-constitucional desta matéria (art. 20.º, CRP).
Ora, em nenhuma das suas dimensões, é beliscado o direito de acesso aos tribunais e a uma tutela judicial efetiva pelas normas processuais subjacentes à decisão recorrida, uma vez que as soluções legislativas nelas consagradas se destinam a agilizar o julgamento dos recursos e - nada contendo de desproporcionado ou intolerável - não afetam os direitos das partes normalmente diligentes e atentas aos ditames legais. (5)
Sentenciava MANUEL DE ANDRADE in Noções elementares de processo civil, colaboração de Antunes Varela, ed. revista e actualizada por Herculano Esteves, Coimbra Editora, Coimbra, 1976 (1ª ed.: 1956), pág. 376.: “As partes é que conduzem o processo a seu próprio risco. Elas é que têm de deduzir e fazer valer os meios de ataque e de defesa que lhes correspondam (incluídas as provas), suportando uma decisão adversa, caso omitam algum. A negligência ou inépcia das partes redunda inevitavelmente em prejuízo delas porque não pode ser suprida pela iniciativa e actividade do juiz.”
Uma vez que o vício afecta a totalidade das conclusões, nada exige que se avalie especificamente se a rejeição devia ser total ou parcial, ou seja, sendo de natureza global o vício que afecta as conclusões da alegação da recorrente, está obviamente excluída a possibilidade de operar a redução prevista no art.º 639º, nº 3, do CPC e ao abrigo do disposto no artigo 639, nº 3, do C.P.C., não se conhece do recurso interposto.
***
Sumário – artigo 663, nº 7, do C.P.C.

I- As alegações propriamente ditas (motivação stricto sensu) destinam-se à apresentação dos argumentos pelos quais se sustenta a alteração da decisão.
II- As conclusões são a enumeração clara e enxuta dos fundamentos pelos quais a parte entende que se justifica a alteração da decisão, a que, quanto muito, acresce um resumo muito sintético das preposições que configuram a exposição dos argumentos relativos a cada um desses fundamentos.
III- Mais do que isso significa repetição de argumentos o que configura uma actuação processual inútil e prejudicial ao fim visado, e como tal proibida.
***
III. DECISÃO.

Diante do exposto e considerando-se que as alegações apresentadas pela apelante não contêm verdadeiras conclusões, rejeita-se o recurso interposto, nos termos preceituados no artigo 641º, nº 2, al. b), do CP Civil.
Custas pela apelante (artigo 527.º, nº 1 do CP Civil).
Notifique
Guimarães, 25 Março de 2021
(processado em computador e revisto, antes de assinado, pela relatora)

O presente acórdão é assinado eletronicamente pelos respectivos

Maria Purificação Carvalho (Relatora)
Maria dos Anjos Melo Nogueira (1ª adjunta)
José Cravo (2º adjunto)



1. Por todos Ac. da Relação do Porto de 23/4/2018, processo 6818/14.0YIPRT.P1(relator Manuel Domingos Fernandes)
2. O ónus de concluir nas alegações de recurso em processo civil DESEMBARGADOR DOUTOR JOÃO AVEIRO PEREIRA acessível no site http://www.trl.mj.pt/PDF/Joao%20Aveiro.pdf .
3. Acórdão do TRL de 15/02/2013; de 12/10/2016 de 07/02/2016; Relação do Porto de 23,04,2018; de 09.11.2020 processo nº 18625/18.6PRT.P1; da Relação de Coimbra de 05/05/2015, de 10/11/2015 e de 14/03/2017; da Relação de Évora de 22/03/2018 e ainda os recentes acórdãos desta Relação de 24/01/2018 e 08/03/2018 e 27.02.2020 todos em www.dgsi.pt.( este último por nós relatado)
4. Processo 415/12.1TBVV-A.E1.S1
5. Ver acórdão do STJ de 22.05.2014 proferido no processo nº 684/2002.L2. S1 disponível em www.dgsi.pt