Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2440/21.2T8VCT-B.G1
Relator: ANTÓNIO FIGUEIREDO DE ALMEIDA
Descritores: NULIDADE
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
IMPUGNAÇÃO PAULIANA
AMPLIAÇÃO DO PEDIDO
LITISCONSÓRCIO NECESSÁRIO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 03/21/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
1) São requisitos do exercício da impugnação pauliana a existência de determinado crédito, a anterioridade desse crédito em relação à celebração do ato ou, sendo posterior, que o dito ato tenha sido realizado dolosamente com vista a impedir a satisfação do direito do credor, que resulte do ato a impossibilidade para o credor de obter a satisfação plena do seu crédito ou o agravamento dessa impossibilidade exigindo-se, ainda, que tenha havido má-fé, tanto da parte do devedor como do terceiro, tratando-se de ato oneroso, entendendo-se por má-fé a consciência do prejuízo que o ato cause;
2) Não é admissível a ampliação do pedido em que este, ab initio, não tem condições para proceder, sob pena de, assim não se entendendo, se estar a permitir a prática no processo de atos inúteis, que a lei, manifestamente, não consente.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I. RELATÓRIO

A) AA, veio instaurar ação declarativa, com processo comum, contra:
1. BB;
2. EMP01..., Lda; e
3. CC,
deduzindo impugnação pauliana, onde conclui pedindo que a ação seja julgada procedente, por provada e, em consequência, declarada a ineficácia em relação ao autor dos negócios identificados na PI, em concreto:
a) do negócio realizado entre o primeiro réu e a terceira ré, que implicou a transmissão da quota (única) de que aquele era titular na sociedade DTC Inc Unipessoal, Lda, também aqui ré, para a sua mãe, a terceira ré; e
b) do negócio de aquisição de mobiliário, formalmente concretizado pela segunda ré, dos bens já discriminados, mas de que foi materialmente beneficiário o primeiro réu.
Para tanto alega, em síntese, que lhe foi proposto pelo primeiro réu a aquisição de metade do capital de uma sociedade comercial de que aquele era sócio, bem como 50% do imóvel onde aquela desenvolvia a sua atividade comercial e, atendendo às informações que lhe foram veiculadas pelo primeiro réu, o autor acabou por aceitar, tendo entregue àquele a quantia de €130.000,00, tendo o réu omitido ao autor que a referida sociedade se encontrava em falência técnica e o imóvel pertencia a uma sociedade financeira, com a qual o primeiro réu, juntamente com outras duas pessoas, estabelecera um contrato de locação financeira.
Em face do exposto, o autor intentou ação declarativa com processo comum, que correu termos junto do Juiz ... do Juízo Central Cível de Viana do Castelo, sob o nº 1002/18...., contra o primeiro réu, em 19 de março de 2018, tendo este sido condenado, por decisão proferida em 09 de setembro de 2019, que transitou em julgado, após recurso, a pagar ao autor a quantia de €130.000,00 (cento e trinta mil euros), quantia essa acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4%, contados desde a citação em relação a si promovida nos autos em que a sobredita decisão foi proferida, até efetivo e integral pagamento, e a pagar ainda a quantia de €1.000,00 (mil euros), também ela acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4%, contados desde o trânsito em julgado da decisão, até integral pagamento.
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Os réus DTC Inc., Unipessoal, Lda e CC apresentaram contestação onde concluem entendendo que deve a presente ação ser julgada inteiramente improcedente, por não provada, dela se absolvendo os 2º e 3º réus do pedido formulado pelo autor.
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B) Foi elaborado despacho saneador onde se decidiu julgar parcialmente nulo o processo, com fundamento na parcial ineptidão da petição inicial, relativamente ao peticionado na alínea b), do petitório, e, consequentemente, foi absolvida a ré EMP01..., Lda da instância relativamente a esse pedido.
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C) Inconformado, veio o autor AA interpor recurso que foi admitido como sendo de apelação, tendo sido proferido Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães que decidiu julgar procedente a apelação e revogar a decisão recorrida, na parte em que declara a ineptidão parcial da petição por contradição entre a causa de pedir e o pedido.
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D) Os autos baixaram à 1ª instância tendo sido proferido o despacho de 08/01/2023, com o seguinte teor:
Na sequência do acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães proferido nos presentes autos (no apenso A) e do despacho de 07.10.2022, passa-se a conhecer da manifesta inviabilidade do peticionado na alínea b), do petitório.
O autor peticionou, na referida alínea e estribando-se no regime da impugnação pauliana (cfr. artigos 610º, e seguintes, do Código de Processo Civil), a ineficácia “do negócio de aquisição de mobiliário, formalmente concretizado pela segunda ré, dos bens já discriminados, mas de que foi materialmente beneficiário o primeiro réu”.
Ainda que perfunctoriamente passemos os olhos pelo regime da impugnação pauliana.
Os atos que envolvam diminuição da garantia patrimonial do crédito e não sejam de natureza pessoal podem ser impugnados pelo credor se concorrerem as circunstâncias seguintes:
a) ser o crédito anterior ao ato ou, sendo posterior, ter sido o ato realizado dolosamente com o fim de impedir a satisfação do direito do futuro credor;
b) resultar do ato a impossibilidade, para o credor, de obter a satisfação integral do seu crédito ou agravamento dessa possibilidade (artigo 610º do Código Civil) (Cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, V. I, 4ª Ed., Coimbra Editora, 1987, pp. 625 e seguintes).
Através da impugnação pauliana o credor reage contra os atos celebrados pelo devedor em seu prejuízo. O devedor vende ou doa os seus bens, tornando-se insolvente ou criando uma situação de provável insolvência. Tais atos poderão ser impugnados pelo credor.
Exige a lei, como primeiro requisito, que o ato envolva diminuição da garantia patrimonial, isto é, diminuição dos valores patrimoniais que, nos termos do artigo 601º do Código Civil, respondem pelo cumprimento da obrigação. Essa diminuição tanto pode resultar da diminuição do ativo como do aumento do passivo. Mas esta exigência deve ser interpretada em harmonia com o disposto na alínea b). É necessário que resulte do ato a impossibilidade para o credor de obter a satisfação integral do seu crédito ou o agravamento dessa impossibilidade. Conforme se decidiu no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19 de dezembro de 1972, “é à data do ato impugnado que se deve atender para determinar se dele resulta a impossibilidade, para o credor, de obter a satisfação integral do seu crédito, ou agravamento dessa impossibilidade; por isso, se, nessa data, o obrigado ainda possuía bens de valor bastante superior ao montante do crédito, a impugnação deve ser julgada improcedente”.
Exige ainda o artigo que o ato praticado pelo devedor não seja de natureza pessoal.
Exige, por último, a alínea a) que o crédito seja anterior ao ato ou, sendo posterior, tenha sido o ato realizado dolosamente com o fim de impedir a satisfação do direito do futuro credor.
Conforme preceitua o artigo 611º do Código Civil, “incumbe ao credor a prova do montante das dívidas e ao devedor ou a terceiro interessado na manutenção do ato a prova de que o obrigado possui bens penhoráveis de igual ou maior valor”. Quando no artigo 611º do Código Civil se estipula que, numa ação de impugnação pauliana, incumbe ao credor a prova do «montante das dívidas», tal preceito deve ser interpretado em termos hábeis, relacionando-o, na sua apreciação, com o artigo 610º, alínea b), do mesmo diploma legal. Assim, e porque nesse dispositivo não se encontra consagrado o puro e simples requisito da insolvência ou do seu agravamento, apenas compete ao credor, em tal ação, fazer prova, além dos requisitos previstos nas alíneas a) e b) do citado artigo 610º, do montante da sua própria dívida.
A procedência da impugnação pauliana proposta dependerá da data da constituição dos créditos aqui em causa, do carácter oneroso ou gratuito do ato impugnado e, também, da intenção e conhecimento dos intervenientes sobre o negócio em causa – cfr. artigos 610º e 612º do Código Civil -, salientando-se aqui a diferença entre o carácter doloso pressuposto na alínea a), do artigo 610º, da má-fé pressuposta no artigo 612º, ambos do Código Civil.
Lida e relida a petição inicial, e de acordo com o alegado, não houve nenhum negócio entre o primeiro réu (alegado devedor do autor) e a segunda ré. O que existiu foi uma aquisição de mobiliário pelo primeiro réu a uma empresa/sociedade que comercializa mobiliário (e que nem sequer é parte nos autos), com dinheiro do primeiro réu e que este "faturou" à segunda ré, sendo que, sempre de acordo com o alegado, tais móveis se encontram na residência do primeiro réu.
Sendo a impugnação pauliana, como se referiu, um instituto que visa tornar ineficaz relativamente ao credor negócios celebrados pelo devedor que ofendam a respetiva garantia patrimonial, torna-se patente que o peticionado na alínea b) do petitório carece de objeto, uma vez que a causa de pedir não sustenta o pedido formulado.
Em face do exposto, e por manifesta inviabilidade, julgo improcedente o pedido enunciado na alínea b) do petitório e, consequentemente, absolvo a ré EMP01..., Lda. do mesmo.
Custas pelo autor.
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E) Inconformado, veio o autor AA interpor recurso (ref. ...06), o qual foi admitido como sendo de apelação, a subir imediatamente, em separado, com efeito devolutivo, tendo o Senhor Juiz sustentado a inexistência da invocada nulidade (ref. ...05).
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Nas alegações de recurso do apelante AA, são formuladas as seguintes conclusões:

I. A sentença agora proferida, julgando improcedente o pedido formulado pelo autor na alínea b) do petitório, e absolvendo, por inerência, a ré EMP01..., Lda. do mesmo, é nula.
II. Na verdade, o Senhor Juiz, tendo optado por tomar conhecimento de parte do objeto da lide, fê-lo, todavia, desconsiderando em absoluto os termos em que a parte, no caso, o autor, a definiu, seja por via da petição, seja, ulteriormente, perante o pedido de ampliação de pedido que apresentou.
III. Efetivamente, o autor, em 02 de novembro de 2022, requereu a ampliação do pedido por si formulado nos autos (cfr. documento com a referência eletrónica ...04).
IV. Ora, o Tribunal recorrido, ao conhecer parcialmente do mérito da ação, concluindo pela improcedência do pedido enunciado na alínea b) do petitório, fê-lo ignorando por completo o pedido que fora formulado pelo autor no desenvolvimento da instância recorrida.
V. O Tribunal recorrido estava obrigado a resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras (primeira parte do nº 2 do artigo 608º do C.P.C.).
VI. Facto é que até ao momento o Tribunal de 1ª instância não emitiu qualquer pronúncia sobre a requerida ampliação, sendo que, ao conhecer da (im)procedência do pedido concretamente por si identificado na sentença recorrida, fê-lo tomando em atenção o seu figurino inicial, isto é, tal como esboçado na petição inicial, e não já com a roupagem que lhe foi dada no pedido de ampliação formulado.
VII. O conhecimento daquele pedido de alteração da instância era, em nosso humilde entendimento, um antecedente lógico e necessário para que o Senhor Juiz de 1ª instância pudesse apreciar da (in)viabilidade da pretensão do autor.
VIII. Facto é que, tendo o autor demandado os réus com determinada finalidade, a qual, no decurso da sua tramitação normal, ampliou, pretendendo o Senhor Juiz de 1ª instância emitir uma pronúncia sobre esse mesmo pedido não podia, de antemão, proceder à apreciação sobre a (in)admissibilidade da ampliação requerida, sob pena de condicionar, necessariamente, o julgamento realizado.
IX. É sabido que a omissão de pronúncia significa ausência de decisão sobre questões que a lei impõe que sejam conhecidas, abrangendo, assim, aquelas que são de conhecimento oficioso, mas também as colocadas à apreciação do Tribunal pelos sujeitos processuais.
X. Porque a omissão de pronúncia é o silêncio sobre uma questão que o Tribunal devia conhecer, e que, atenta a sentença agora produzida, posteriormente não pode mais vir a conhecer, urge desde já invocar o vício que dessa omissão decorre, o qual assume, aqui, laivos de nulidade, tudo como mais bem se alcança da alínea d) do nº 1 do artigo 615º do C.P.C.
XI. Acautelando sempre a possibilidade de não vir a ser julgada procedente a invocação feita, ou, caso entendam Vossas Excelências estar em condições de suprir a omissão havida em 1ª instância, sempre se diga que, s.m.o., pelos motivos oportunamente apresentados, que aqui se dão por reproduzidos, importa admitir a ampliação formulada do pedido da alínea b) do petitório, nos termos e para os efeitos previstos no nº 2 do artigo 265º do C.P.C.
XII. De facto, na sequência do veiculado anteriormente nos autos por este Alto Tribunal, o autor ampliou o pedido inicialmente deduzido, dotando-o de contornos adequados a permitir que o mesmo seja devidamente conhecido pelo Tribunal “a quo”, produzida que seja a fase instrutória necessária à demonstração da causa de pedir que a suporta.
XIII. Aliás, e bulindo já com o mérito da decisão sindicada, não se pode deixar de referir que, em qualquer circunstância a mesma é criticável, pois que dúvidas não há de que o autor pôs em causa a validade substancial dos negócios realizados, no caso em concreto, pelo primeiro réu, utilizando, para tanto, a distinta personalidade jurídica da segunda ré.
XIV. Efetivamente, alegou-se – e procura fazer-se prova disso mesmo, em sede instrutória – que o primeiro réu, por ter de pagar um crédito substancialmente elevado ao autor, louvou-se da segunda ré para, em nome desta, adquirir um conjunto de bens móveis, faturando-os em nome dela, bens esses cujo destinatário final seria o primeiro réu.
XV. Para sustentar essa tese, mais alegou que utilizou a sua condição de gerente, e até pouco tempo antes de sócio único, da sociedade segunda ré, para, assim, adquirir bens cuja natureza não seria compatível com o objeto social daquela, destinando-os o primeiro réu à sua utilização e afetação particular, por serem bens próprios de uma sala-de-estar e de sala de jantar, finalidade essa que os mesmos se acham a cumprir na habitação daquele.
XVI. É manifesto que, atendendo ao exposto, o autor entende que o real titular dos bens, o seu beneficiário ou titular “material”, é o primeiro réu; daí procura retirar ilações, pugnando não só pela ineficácia em relação a si do negócio concretizado através da esfera de terceiro e ainda a restituição do bem à esfera do primeiro réu.
XVII. Obviamente que em termos formais não existiu um negócio entre os primeiro e o segundo réu; o que existiu, isso sim, foi um aproveitamento daquele em relação a esta da sua personalidade jurídica.
XVIII. Isto é, louvando-se nas relações mantidas entre ambos, e da interconexão dos respetivos patrimónios promoveu a uma aquisição de mobiliário através da esfera jurídica da segunda ré, obviando a que os credores pudessem, legitimamente, obter através da penhora e venda de tais bens a cobrança dos seus créditos.
XIX. No caso falamos de um ato manifestado na utilização da personalidade jurídica daquela ré em claro prejuízo para o autor, sendo que se pretende naturalmente ver declarada ineficaz a concretização do mesmo em tais moldes, porque suscetíveis de ofender a garantia patrimonial que o património do réu podia gerar em relação ao autor.
XX. Consequentemente, porque falece a fundamentação aduzida pelo Senhor Juiz e, necessariamente, a conclusão que o mesmo alcança sobre falta de objeto em relação ao pedido formulado na alínea b), deve ser revogada a sentença recorrida, determinando-se o prosseguimento dos autos tendo em vista o efetivo e integral conhecimento do petitório, designadamente na parte agora afetada por via da decisão sindicada.
Termina entendendo que, na procedência da presente apelação deve ser declarada por verificada a nulidade por omissão de pronúncia supra invocada, retirando-se daí as devidas ilações legais e, em qualquer circunstância, sempre deverá ter-se por procedente, no mais, a presente apelação e, pelos fundamentos de facto e de direito aventados, deve ser revogada a sentença proferida, por via da qual a segunda ré foi absolvida, e, nessa conformidade, deverá ser determinado o prosseguimento dos autos em 1ª instância, para que a final seja apreciado do mérito da causa.
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Não foi apresentada resposta.
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F) Foram colhidos os vistos legais.
G) As questões a decidir na apelação são as de saber:
1) Se a decisão recorrida padece de nulidade;
2) Se deverá ser revogada a decisão recorrida e determinado o prosseguimento dos autos em 1ª Instância para que, a final, seja apreciado o mérito da causa. 
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II. FUNDAMENTAÇÃO

A) Os factos a considerar são os que constam do relatório que antecede.
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B) O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente, não podendo o tribunal conhecer de outras questões, que não tenham sido suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.
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C) O apelante veio invocar a nulidade da decisão recorrida, entendendo que tal vício se verifica na parte em que julga improcedente o pedido formulado pelo autor na alínea b) do petitório, absolvendo a ré DTC Inc, Unipessoal, Lda, do mesmo, referindo que tal nulidade advém do facto de o autor, no prazo concedido pelo Tribunal, ter apresentado, em 02/11/2022, um requerimento de ampliação do pedido que no seu entender pôs em causa a intenção manifestada pelo Tribunal em julgar improcedente o pedido formulado sob a alínea b) do petitório, nos termos do disposto no artigo 615º nº 1 alínea d) NCPC.
Vejamos.
A omissão de pronúncia, constitui a nulidade prevista no artigo 615º nº 1 alínea d) NCPC, onde se estabelece que é nula a sentença quando ( … ) o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões que não podia tomar conhecimento.
A propósito da referida nulidade, conforme se refere no Código de Processo Civil anotado, Volume 2º, 3ª Edição, dos Drs. José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, a páginas 737, “devendo o juiz conhecer de todas as questões que lhe são submetidas, isto é, de todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e exceções invocadas e todas as exceções de que oficiosamente lhe cabe conhecer (artigo 608º nº 2), o não conhecimento de pedido, causa de pedir ou exceção cujo conhecimento não esteja prejudicado pelo anterior conhecimento de outra questão constitui nulidade, já não a constituindo a omissão de considerar linhas de fundamentação jurídica, diferentes da sentença, que as partes hajam invocado.”
Como se refere no Código de Processo Civil anotado, Vol. I, António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, a páginas 764, “… é pacífica a jurisprudência que o dever de decidir tem por referência as questões suscitadas e bem assim as questões de conhecimento oficioso, mas que não obriga a que se incida sobre todos os argumentos, pois que estes não se confundem com “questões” (STJ 27-3-14, 555/2002). Para determinar se existe omissão de pronúncia há que interpretar a sentença na sua totalidade, articulando fundamentação e decisão (STJ 23-1-19, 4568/13).”
Importa referir que, efetivamente, o Tribunal a quo não se pronunciou diretamente, anteriormente à decisão recorrida, sobre a ampliação do pedido suscitada pelo autor, conforme reconhece, implicitamente, o despacho (datado de 05/10/2023, referência ...05) em que se pronuncia sobre a invocada nulidade, onde se refere que “inexiste a nulidade apontada porque inexiste qualquer questão que o Tribunal devesse conhecer antes de conhecer da inviabilidade do pedido (alínea b), do petitório). Com efeito, o conhecimento da inviabilidade do pedido deve preceder o conhecimento da licitude da ampliação do mesmo. Esta encontra-se revista e regulamentada no artigo 265º, nº 2, do Código de Processo Civil, e só pode ser admitida se consubstanciar um mero desenvolvimento ou consequência do pedido primitivo. Metodologicamente, então, só poderá conhecer-se da ampliação, depois de conhecida da viabilidade ou inviabilidade do pedido formulado inicialmente, porque a ampliação não pode assentar num pedido inviável. Consubstanciando a ampliação um mero desenvolvimento ou consequência do pedido primitivo, não pode servir para emendar, corrigir ou suprir os termos essenciais em que assenta a ação.
Consequentemente, o conhecimento da requerida ampliação do pedido quedou prejudicada com a decisão proferida – cfr. artigo 608º, nº 2, do Código de Processo Civil.”
O autor, ao vir invocar a nulidade da decisão final, nos termos em que o faz (artigo 615º nº 1 alínea d) NCPC), necessariamente pressupõe que esta peça processual decisória omitiu a apreciação do requerimento de ampliação do pedido.
Ora, a nulidade decorrente da omissão de pronúncia pressupõe, efetivamente, que  o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar, sendo certo que, embora, em princípio, o Tribunal estivesse obrigado a conhecer tal questão, se a mesma se mostrar prejudicada pelo conhecimento de uma outra que afete a apreciação daquela, por se ter tornado inútil ou prejudicado o seu conhecimento, deixa de estar obrigado a conhecê-la, embora se possa colocar a questão de saber se devia o Tribunal a quo, atempadamente, esclarecer das razões pelas quais não apreciou o requerimento de ampliação do pedido.
Importa, assim, apreciar o mérito da decisão recorrida, para se apurar se, de facto, o conhecimento da pretensão da ampliação do pedido se mostra prejudicada, por aquela decisão.
Estava em causa na ação uma impugnação pauliana, em que o autor pretende que se declare a ineficácia de um negócio de aquisição de móveis.
A este propósito estipula o artigo 610º do Código Civil que:
“Os atos que envolvam diminuição da garantia patrimonial do crédito e não sejam de natureza pessoal podem ser impugnados pelo credor, se concorrerem as circunstâncias seguintes:
a) Ser o crédito anterior ao ato ou, sendo posterior, ter sido o ato realizado dolosamente com o fim de impedir a satisfação do direito do futuro credor;
b) Resultar do ato a impossibilidade, para o credor, de obter a satisfação integral do seu crédito, ou agravamento dessa impossibilidade.”

Acresce que, por força do disposto no artigo 612º do Código Civil,
“1. O ato oneroso só está sujeito à impugnação pauliana se o devedor e o terceiro tiverem agido de má-fé; se o ato for gratuito, a impugnação procede, ainda que um e outro agissem de boa-fé.
2. Entende-se por má-fé a consciência do prejuízo que o ato causa ao credor.”
São, assim, requisitos do exercício da impugnação pauliana a existência de determinado crédito, a anterioridade desse crédito em relação à celebração do ato ou, sendo posterior, que o dito ato tenha sido realizado dolosamente com vista a impedir a satisfação do direito do credor, que resulte do ato a impossibilidade para o credor de obter a satisfação plena do seu crédito ou o agravamento dessa impossibilidade exigindo-se, ainda, que tenha havido má-fé, tanto da parte do devedor como do terceiro, tratando-se de ato oneroso, entendendo-se por má-fé a consciência do prejuízo que o ato cause.
Por outro lado, exige-se, conforme se referiu, que resulte do ato a impossibilidade para o credor de obter a satisfação plena do seu crédito ou o agravamento dessa impossibilidade.
Ora, “a impossibilidade para o credor de obter a satisfação integral do seu direito de crédito é uma das consequências de atos que envolvam diminuição da garantia patrimonial do direito de crédito (artigo 610º, proémio, e alínea b), do Código Civil).
O termo impossibilidade, diverso de dificuldade, é polissémico, assumindo um sentido empírico significante do que se não pode fazer ou executar e um sentido jurídico, também com diversos significados, conforme se trate de impossibilidade originária ou superveniente, física ou jurídica, executória moral ou material.
Diz-se impossibilidade executória material quando estiverem destruídos ou suprimidos todos os meios de que o devedor se podia socorrer para cumprir a sua obrigação no confronto do credor.
O conceito de impossibilidade a que se reporta o mencionado normativo está utilizado em sentido jurídico, certo que se traduz em circunstância derivada de atos de diminuição da garantia patrimonial em si de natureza jurídica” (Ac. STJ de 31/05/2005, disponível na Base de Dados do Ministério da Justiça, no endereço www.dgsi.pt).
O Professor Vaz Serra, in “Responsabilidade Patrimonial”, in BMJ, nº 48, página 199, entende que há prejuízo para o credor, face a uma dada alienação, “quando os outros bens do devedor são de impossível, difícil ou dispendiosa execução, ao contrário dos alienados, de modo a tornar-se praticamente impossível a sua execução”.
Por seu turno, o Professor Antunes Varela, considera suscetíveis de impugnação pauliana os atos que, sem provocarem a insolvência do devedor “podem criar para o credor a impossibilidade de facto (real, efetiva) de satisfazer integralmente o seu crédito, através da execução forçada” (cfr. Das Obrigações em Geral, vol. II, 7ª ed., pág. 448).
Ao credor incumbe o ónus da alegação e prova do montante do passivo e ao devedor e/ou terceiro interessado na subsistência do ato impugnado a alegação e a prova de que o devedor possui bens suscetíveis de penhora de igual valor (cfr. Acórdão do STJ de 13/05/2004, no mesmo endereço atrás citado).
Refere-se na decisão recorrida que “não houve nenhum negócio entre o primeiro réu (alegado devedor do autor) e a segunda ré. O que existiu foi uma aquisição de mobiliário pelo primeiro réu a uma empresa/sociedade que comercializa mobiliário (e que nem sequer é parte nos autos), com dinheiro do primeiro réu e que este "faturou" à segunda ré, sendo que, sempre de acordo com o alegado, tais móveis se encontram na residência do primeiro réu.
Sendo a impugnação pauliana, como se referiu, um instituto que visa tornar ineficaz relativamente ao credor negócios celebrados pelo devedor que ofendam a respetiva garantia patrimonial, torna-se patente que o peticionado na alínea b) do petitório carece de objeto, uma vez que a causa de pedir não sustenta o pedido formulado.
Deve dizer-se, desde já, que a pretensão do autor carece de fundamento, uma vez que se pretende declarar a ineficácia de um negócio em que um dos intervenientes - o vendedor dos móveis - não é parte na ação.
Atendendo à situação concreta dos autos, não pode deixar de se dar razão à afirmação constante da douta decisão recorrida relativa à inexistência de qualquer negócio entre o primeiro réu (alegado devedor do autor) e a segunda ré, verificando-se, antes, a existência de uma aquisição de mobiliário pelo primeiro réu a uma empresa/sociedade que comercializa mobiliário (e que não é parte nos autos), com dinheiro do primeiro réu e que foi faturado à segunda ré, sendo que, sempre de acordo com o alegado, tais móveis se encontram na residência do primeiro réu.
Recorde-se que na parte que aqui diretamente interessa, o autor peticiona que a ação seja julgada procedente, por provada e, em consequência, declarada a ineficácia em relação ao autor dos negócios identificados na PI, em concreto:
( … )
b) do negócio de aquisição de mobiliário, formalmente concretizado pela segunda ré, dos bens já discriminados, mas de que foi materialmente beneficiário o primeiro réu.
Importa ainda que se tenha em consideração que nunca a pretensão constante da PI atrás reproduzida poderia proceder na medida em que a empresa vendedora não é sequer parte no processo e, como tal nunca seria possível a ação proceder, de resto, verifica-se uma situação de ilegitimidade decorrente da preterição de litisconsórcio necessário passivo, que implicaria a absolvição da instância dos dois primeiros réus e relativamente à terceira ré nada é alegado que a afete.
Com efeito, conforme se refere no Acórdão desta Relação de Guimarães de 28 de maio de 2020, no processo nº 4278/19.8T8GMR.G1, relatado pela Desembargadora Raquel Baptista Tavares e disponível em www.dgsi.pt, “o litisconsórcio necessário corresponde a uma pluralidade de partes que obrigatoriamente devem estar na ação sob pena de ilegitimidade, não dependendo da vontade das partes.
Conforme decorre do preceituado no artigo 33º do Código de Processo Civil se a lei ou o negócio exigir a intervenção dos vários interessados na relação controvertida, a falta de qualquer deles é motivo de ilegitimidade (nº 1), sendo igualmente necessária a intervenção de todos os interessados quando, pela própria natureza da relação jurídica, ela seja necessária para que a decisão a obter produza o seu efeito útil normal (nº 2) e produzindo a decisão o seu efeito útil normal sempre que, não vinculando embora os restantes interessados, possa regular definitivamente a situação concreta das partes relativamente ao pedido formulado (nº 3).
O litisconsórcio necessário pode ter origem na lei ou no negócio ou ter por base a natureza da relação jurídica em causa, sendo essencialmente dois “os critérios que presidem à previsão do litisconsórcio necessário” (Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, 2018, página 62): “o critério da indisponibilidade individual ou da disponibilidade plural do objeto do processo para o litisconsórcio legal ou convencional e o critério da compatibilidade dos efeitos produzidos para o litisconsórcio natural” (v. Teixeira de Sousa, As Partes, o Objeto e a Prova na Ação declarativa, página 65).
Conforme se pronunciam Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa (ob. cit. página 63) são pouco comuns os casos de litisconsórcio necessário de origem negocial, sendo mais frequentes os de origem legal, que pode ser expressa ou implícita, dando como exemplo quanto a este, de acordo com o entendimento maioritário, o caso da impugnação pauliana.
Tanto quanto nos é dado conhecer julgamos ser efetivamente entendimento maioritário o que considera a existência de litisconsórcio necessário na impugnação pauliana.
Quanto à legitimidade passiva do terceiro adquirente e do sub-adquirente julgamos não se suscitarem quaisquer dúvidas pois é sobre os mesmos que recai o “dever de restituição”, no sentido de que o bem foi transmitido para eles e são diretamente afetados pela impugnação e, quanto ao devedor, o mesmo não só é parte no ato impugnado, como a lei exige que tenha atuado de má-fé juntamente com o terceiro; e relativamente à transmissão posterior a lei exige também a verificação dos requisitos da impugnabilidade quanto à primeira transmissão.
O artigo 612º do Código Civil remete-nos efetivamente para a necessidade da presença na ação de impugnação pauliana do devedor e do terceiro adquirente ao impor como requisito (quanto ao ato oneroso) que ambos tenham agido de má-fé; e o artigo 613º impõe como requisito no caso de transmissões posteriores que, relativamente à primeira transmissão, se verifiquem os requisitos da impugnabilidade [nº 1 alínea a)], designadamente que o devedor e o adquirente tenham agido de má-fé.
Entendemos, por isso, que estamos perante um caso de litisconsórcio passivo de origem legal (implícita) cuja preterição determina a ilegitimidade passiva.
Neste sentido, afirma João Cura Mariano (ob. cit. página 288 e seguintes) que a “legitimidade passiva pertence ao terceiro adquirente sobre quem incide o “dever de restituição” que resulta da impugnação, e também ao devedor, enquanto participante no ato impugnado”.
Para João Cura Mariano no Código de Seabra era indiscutível a existência de uma situação de litisconsórcio necessário passivo em face dos efeitos anulatórios da impugnação pauliana, e no regime atual suscitam-se algumas dúvidas em face dos efeitos da impugnação não atingirem imediata e diretamente a posição do devedor, apesar de Vaz Serra ter defendido a imposição expressa de litisconsórcio necessário. Ainda que não conste expressamente, entende que implicitamente o legislador reconheceu a exigência do litisconsórcio no artigo 611º do Código Civil ao impor ao devedor ou a terceiro interessado na manutenção do ato o ónus da prova de que o obrigado possui bens penhoráveis de igual ou maior valor, tal imposição pressupõe necessariamente que o devedor é parte na ação, “até porque é ele que está em melhor situação para conhecer o se património”. Assim, “(…) deve reconhecer-se que a situação de litisconsórcio passivo necessário resulta da própria lei (…) E esta exigência tanto se verifica na impugnação pauliana direcionada a obter autorização para o credor executar o bem transmitido no património do terceiro (art. 616º, nº 1, C.C.) como naquela em que apenas se pretende obter o valor do bem transmitido ou o enriquecimento obtido (art. 616º, nº 2 e 3, do C.C.). ( … )
É este também o entendimento de Pedro Romano Martinez e Pedro Fuzeta da Ponte (ob. cit. página 40 e 41) que de forma assertiva afirmam que existe litisconsórcio necessário passivo em ação de impugnação pauliana relativa a negócio jurídico oneroso, pois a ação só poderá proceder se vendedor e comprador tiverem agido de má-fé, devendo, assim, a ação ser intentada contra ambos, acrescentando ainda a conveniência da dedução da ação contra todos os intervenientes na relação jurídica quer estejam em causa negócios onerosos e gratuitos; para estes autores “a relação controvertida, pelos diversos aspetos que envolve, diz respeito a três sujeitos: ao devedor e ao terceiro interessados na eficácia do negócio, quanto ao ato de diminuição da garantia patrimonial; ao credor impugnante e ao devedor, quanto à relação de crédito cuja garantia patrimonial se pretenda acautelar.”
Pelo exposto, sempre teria de se julgar os réus parte ilegítima por preterição de litisconsórcio necessário passivo, absolvendo-os da instância, dado não ser parte no processo o alegado vendedor do negócio que se pretende que se declare ineficaz.
Assim sendo, como é, mostrando-se juridicamente inviável a pretensão constante da PI, ora em reapreciação, no que não se mostra significativamente alterada no requerimento de ampliação do pedido, que limita a que a ampliação seja o desenvolvimento ou a consequência do pedido primitivo (artigo 265º nº 2 NCPC), daí resulta que a douta decisão recorrida terá de se manter, daí decorrendo que face à inviabilidade da pretensão formulada na PI, fica prejudicado o conhecimento do pedido do requerimento de ampliação do pedido, pelo que inexiste a invocada nulidade da decisão.
Com efeito, mal se compreenderia que fosse admissível uma ampliação do pedido em que este, reconhecidamente, não tivesse condições para proceder ab initio, sob pena de, assim não se entendendo, se estar a permitir a prática no processo de atos inúteis, que a lei, manifestamente, não consente (cfr. artigo 130º NCPC).
Face ao decaimento total da sua pretensão, sobre o apelante recai o encargo do pagamento das custas (artigo 527º nº 1 e 2 NCPC).
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III. DECISÃO

Pelo exposto, tendo em conta o que antecede, acorda-se em julgar a apelação improcedente, confirmando-se a douta decisão recorrida.
Custas pelo apelante.
Notifique.
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Guimarães, 21/03/2024

  Relator: António Figueiredo de Almeida
1º Adjunto: Desembargador Joaquim Boavida
2ª Adjunta: Desembargadora Maria dos Anjos Nogueira