Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1197/16.3T8BRG.G1
Relator: PAULO REIS
Descritores: SEGURO DE GRUPO
CLÁUSULAS CONTRATUAIS GERAIS
DECLARAÇÕES INEXACTAS
OMISSÕES
CIRCUNSTÂNCIA RELEVANTE NA AVALIAÇÃO DO RISCO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/14/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I- Deve ser rejeitada a junção de documento requerida pelos recorrentes com as alegações de recurso se os apelantes não demonstram a novidade da questão decisória justificativa de tal junção, como questão só revelada pela decisão recorrida, pretendendo antes com tal documento comprovar a falta de credibilidade de determinada testemunha e a alegada falsidade do seu depoimento, pois que o recurso não é o momento oportuno nem o meio adequado para apresentação de novos meios de prova destinados a abalar a credibilidade ou a veracidade do depoimento de testemunha.
II- A nulidade prevista no artigo 615.º, n.º 1, al. d), “1.ª parte”, do CPC (“omissão de pronúncia”), só se verifica quando determinada questão colocada ao tribunal - e relevante para a decisão do litígio por se integrar na causa de pedir ou em alguma exceção invocada - não é objeto de apreciação, não já quando tão só ocorre mera ausência de discussão das “razões” ou dos “argumentos" invocados pelas partes para concluir sobre as questões suscitadas, sendo que o conhecimento de uma questão pode fazer-se tomando posição direta sobre ela, ou resultar de ponderação ou decisão de outra conexa que a envolve ou exclui.
III- Se a matéria que vem concretamente impugnada em sede de recurso sobre a matéria de facto não pode integrar os factos provados constantes da decisão recorrida, por consubstanciar juízos conclusivos ou de direito que encerram parte essencial da controvérsia que constitui o objeto do litígio, deve a Relação, mesmo oficiosamente, sancionar como não escrita tal matéria, ficando prejudicada a apreciação da impugnação da matéria de facto quanto a esses concretos pontos da decisão recorrida.
IV- Os seguros de grupo (ramo vida) em causa nos presentes autos foram ajustados com base em cláusulas contratuais previamente definidas entre a seguradora e o tomador do seguro (o banco), como acontece em geral neste tipo de contratos, sendo-lhes aplicáveis o regime jurídico das cláusulas contratuais gerais, estabelecido no Dec. Lei n.º 446/85 de 25-10, não exonerando a seguradora, que com o banco foi demandada na ação, dos deveres que decorrem de tal regime, assim como dos inerentes deveres de boa-fé perante os aderentes.
V- Ocorrido o sinistro, a obrigação de amortização do mútuo deixou de assentar na esfera dos autores para se situar na esfera da 1.ª ré seguradora, competindo à 2.ª ré (banco tomador), como parte no contrato de seguro de grupo e na qualidade de beneficiário designado no mesmo, reaver diretamente da seguradora (a outra parte naquele contrato) o capital seguro (correspondente ao valor ainda não amortizado pelos autores no âmbito do referido contrato de mútuo à data do sinistro), por verificação do risco coberto.
VI- Daí que, sendo todos os intervenientes no referido contrato também partes na ação, concretamente, a seguradora (1.ª ré), o tomador/beneficiário do seguro (2.ª ré/mutuante) e os aderentes (autores), ficam tais questões definitivamente resolvidas no confronto com todos os intervenientes que compõem a relação trilateral que caracteriza o contrato de seguro de grupo, assim legitimando os pedidos formulados pelos autores (reconhecimento de que os autores estão dispensados de amortização das quantias mutuadas, a partir da data do sinistro, e a consequente restituição das prestações relacionadas com o empréstimo que continuaram a ser efetivamente descontadas pela ré mutante CAIXA ... na conta dos autores desde a data do sinistro).
VII- Aos seguros de grupo (ramo vida) celebrados ao tempo da vigência do artigo 429.º do Código Comercial é aplicável o regime dele constante relativamente ao efeito das declarações inexatas ou reticentes do segurado já que tal matéria respeita, no essencial, à formação do contrato, em especial à sua validade, e não ao conteúdo ou à execução do vínculo, atento o regime transitório previsto no artigo 2.º, n.º 1, do Dec. Lei n.º 72/2008, de 16-04 e em sintonia com o artigo 12.º do Código Civil.
VIII- A omissão pela segurada, no preenchimento do questionário clínico junto à adesão a contrato de seguro de grupo (ramo vida) associado a um contrato de mútuo, de determinada patologia de que já padecia (diabetes) e de que necessariamente tinha conhecimento, que naquele aparecia explicitamente mencionada, configura circunstância relevante na avaliação do risco, podendo determinar a anulabilidade do contrato de seguro caso a seguradora demonstre que as declarações inexatas ou reticentes da autora foram determinantes para a sua celebração, nos moldes que foram clausulados, com o consequente afastamento da cobertura do sinistro ao abrigo de tal contrato por aplicação do artigo 429.º do Código Comercial.
Decisão Texto Integral: Acordam na 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães:

I. Relatório

J. M., e mulher M. F., melhor identificados nos autos, intentaram ação declarativa de condenação sob a forma de processo comum contra: X - Companhia de Seguros, SA (X); e Caixa ..., SA (CAIXA ...), pedindo: 1 - a condenação das rés a reconhecerem como válidos e vigentes os contratos de seguro titulados pelas apólices 5001 202 e 5000 906, à data do sinistro em 01-01-2012 para todos os efeito legais e, por via disso, reconhecer aos autores a dispensa de amortização ou pagamento das quantias mutuadas; 2 - a condenação da ré CAIXA ... a devolver aos autores a quantia de €14.353,07, correspondente às prestações, juros e despesas que descontou na conta dos autores e recebeu, desde a data do sinistro em 01-01-2012 e até 29-02-2016, bem como o que a esse título continue a receber ou descontar, acrescida aquela quantia dos juros de mora, à taxa legal, que se vencerem desde a data da citação e até à data do reembolso, bem como dos mesmos juros contados sobre as quantias que eventualmente continuar a receber, desde as datas desses recebimentos e até à do reembolso.

Para tanto, alegaram, em síntese: celebraram com a CAIXA ... dois contratos de mútuo, o primeiro no valor correspondente a €49.879,79, mediante amortização em 25 anos; e o segundo de €35.000,00, mediante amortização em 29 anos. Mais se obrigaram a celebrar contratos de seguro, com a subscrição dos quais junto da primeira ré passaram a gozar da cobertura de risco de morte ou invalidez permanente, obrigando-se a seguradora a efetuar o reembolso do capital em dívida à CAIXA ... em casos determinados de incapacidade de um dos mutuários. Alegaram ainda os autores que, em setembro de 2009, a autora começou a sofrer de diabetes que lhe afetavam a visão, sendo que, quando em 29-01-2014 foi sujeita a junta médica, veio a ser-lhe atribuída uma incapacidade permanente global de 80%, com efeitos desde 2012. Apesar disso, a 2.ª ré continuou a proceder ao desconto na conta dos autores das prestações de juros e amortização dos empréstimos, em vez de ter exigido à 1.ª ré o reembolso do total em dívida naquela data. Sustentam estar verificado o risco coberto pelo seguro e reunidas as condições para o reembolso do capital em dívida à CAIXA ..., e consequentemente o direito à restituição das quantias suportadas pelos autores desde a data do sinistro.

Ambas as rés apresentaram contestação, sustentando a total improcedência da ação. A 1.ª ré/seguradora impugnou o essencial dos factos alegados pelos autores. Arguiu a ilegitimidade ativa dos autores para os termos da lide, por dever ser a CAIXA ... a demandante, enquanto beneficiária dos contratos de seguro. Mais arguiu a anulação dos contratos de seguro, por falta de pagamento dos respetivos prémios. Arguiu, ainda, a exclusão contratual inserta no contrato 5000 906 quanto a invalidez decorrente de doença pré-existente. E, quanto ao contrato 5001 202 arguiu a anulabilidade por falsas declarações no preenchimento do questionário clínico, aquando da respetiva adesão, posto que a autora nele omitiu a sua história clínica, nomeadamente a diabetes de que padecia. A ré CAIXA ... sustentou que o pedido de dispensa de amortização das quantias mutuadas é infundado, posto que o contrato de mútuo não se extingue; bem como o é o pedido de restituição das quantias liquidadas, posto que a ré somente após receber o capital assegurado poderia devolver as prestações vencidas e na medida do que viesse a receber.

Foi realizada audiência prévia, após o que veio a ser proferido despacho saneador, no qual, além do mais, se julgou improcedente a exceção dilatória da ilegitimidade invocada pela 1.ª ré, bem como a invocada exceção perentória de resolução dos contratos de seguro por falta de pagamento dos prémios de seguro. Identificado o objeto do litígio e selecionados os temas da prova, foram admitidos os meios de prova, tendo sido determinada e realizada perícia médico-legal para avaliação da incapacidade permanente da autora, com os resultados que constam dos autos.

Realizou-se a audiência final, após o que foi proferida sentença julgando a ação improcedente e absolvendo as rés dos pedidos formulados.

Inconformados, vieram os autores recorrer, pugnando no sentido da revogação da sentença, terminando as respetivas alegações com as seguintes conclusões (que se transcrevem):

«1 - A Sentença considerou que os Autores tinham que demandar a Seguradora e não o Banco tomador por sub rogação do direito deste sobre aquela em relação ao capital em divida à data do sinistro, na parte em que, (e é esse o pedido contra o Banco) os Autores segurados continuaram a pagar o valor da prestação após a data do sinistro.
2 – Mas a quantia que os Autores peticionaram contra o Banco não é mais que a devolução dos montantes que após o sinistro, e pendencia da presente acção, os Autores continuaram a pagar, ou melhor, o Banco continuou a descontar na conta deles ora Apelantes.
3 – Tal devolução não seria mais em termos gerais que a repetição do indevido. Isto duma quantia que não era devida, não tinha causa.

Porém,
4 – O Banco, ele mesmo, é que não cumpriu a obrigação de informar os segurados, sobre eventuais exclusões e demais cláusulas, sendo ainda dele o onús da prova, violando os nrs. 1, 2 e 3, do Art. 4º do Dec. Lei 176/1995.
5 – E por isso teria que ser demandado o Banco, como foi, (Cfr. Acordão da Relação de Lisboa de 17 de Novembro de 2009 – in C.J.T.V. P. 68), e no mesmo sentido de ter que ser demandada a Instituição de Crédito tomadora do Seguro C.F.R. o esclarecido Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12 de Outubro de 2010 (CJSTJ.T.III,P.116).

Da invocada exclusão contratual da Apólice 5000906
6 – em 21 de Janeiro de 1997 os Apelantes aderiram a um seguro de Grupo – Apólice 5000500 - destinado a garantir o pagamento de um empréstimo de Habitação que foi formalizado e outorgado, nove dias depois, em 30 de Janeiro de 1997 (Doc. junto à Petição sob os nrs. 1, 2 e 3) – Itens 1 a 10 dos factos provados.
7 – Em 14/11/2001 os Autores subscreveram nova adesão (com o nr. 18558) a seguro de Grupo com as mesmas coberturas pela Apólice 5000906, item 12 dos factos provados, com excepção do termo inicial “pelo que”.
8 – Uma vez que o item 11 anterior se refere a matéria não alegada pelas partes em nenhum articulado, tendo de ser eliminado e considerado não escrito, dado que não se trata de um facto notório nem conhecido do Tribunal por virtude do exercicio das suas funções (Art. 412º do CPC).
9 – A adesão nº 18558 com o nº de Apólice 5000906 foi junta pela Ré Seguradora à Contestação, não tendo sido entregue cópia antes aos Autores por nenhuma das Rés (item 20 dos factos provados), e
10 – da matéria articulada pelos Autores e Rés não consta nenhum facto que traduza ou esclareça porque é que a Apólice 5000500, teria sido substituida pela 5000906.
11 – Ter vindo – a testemunha M. P. declarar, sem mais, que o seguro sob a apólice 5000500 fora cancelado em Setembro de 1998 por falta de pagamento é matéria que nos termos do citado Art. 412º do CPC terá que ser eliminada.
12 – Além disso dos próprios Autos constam elementos que contrariam tal depoimento:
a) No documento nº 12, junto à Petição a fls. 38 e 38 verso consta que o seguro da Apólice nr. 5000500 só seria anulado (sem se dizer porquê) em 20/05/2008!
b) A mesma testemunha ao declarar que em 2001 a Apólice 5000500 deixara de ser comercializada é contrariada pelo Doc. 14 junto a fls. 83 verso da Contestação da Seguradora, onde consta que em 17/03/2011 outro cliente mantinha o seguro em vigor e aderira a esse seguro com o número elevadissimo de Aderente 65273, que é superior a todas adesões trazidas aos Autos.
13 – É que nada existe no processo que prove ou legitíme que o contrato de seguro e suas claúsulas é o de 1997, é o de Novembro de 2001, ou é o de 01/06/2003 como consta no doc. junto à Petição a fls. 22.
14 – Isto sem prejuizo de ser verdade como ficou provado, não só pelos Relatórios Médicos como pela confissão da própria Autora de lhe serem detectadas Diabetes em 1998.
15 – Os Autores apenas alegaram na Petição que a Apólice 5000500 passou a ter o nr. 5000906, mas considerando que o contrato de seguro – de que não foram entregues nem lidas as suas cláusulas – item 20 dos factos provados – seria o mesmo e não que este fosse substituido
16 – E a Sentença não apreciou esta questão, e sem fundamentar limitou-se a esquecer o seguro da Apólice 5000500 e optou por considerar que o empréstimo de 1997 passou a estar seguro apenas pelo seguro da Apólice 5000906 de 14/01/2001 (ou desde 03/01/2003?).
17 – Se tal contrato teve inicio em 01/06/2003, não foi explicado, ou alegado porque é que sendo a adesão, junto à Contestação de 14/11/2001, só passado mais de um ano e meio é que teve inicio à sua vigência,
18 – pelo que a Senhora Juiza ao se limitar a esquecer o seguro de Apólice 5000500 deixou de se pronunciar sobre a questão que devia apreciar o que nos termos da alinea d) do Art. 615º do C.P.C. torna a Sentença nula nesta parte da execpão invocada, nulidade que aqui se invoca.

Sem prescindir, se dirá que:

19 – É sabido que o facto da Autora, à data da adesão em 2001, já sofrer de Diabetes desde 1998 não significa que a doença iria provocar a quase cegueira da Autora (para usar um termo comum).
20 – As Diabetes são passiveis de tratamento e na maioria dos casos não causam nenhuma incapacidade, nomeadamente para o trabalho, até à morte.
21 – Pode ser um factor de risco, mas o contrato de Seguro é um “contrato aleatório” de assunção de risco, sujeito a tutela e interesse publico, no caso das Companhias de Seguro,
22 – e só poderia ser excluido esse risco na data da sua inclusão em 1997, ou 2001, se tal fosse expressamente contratado, com o acordo ou aceitação dos Autores.
23 – Não se pode concluir da existência da exclusão por presunção, ou com base num documento emitido pela companhia em 2014 ou em 06/03/2012, sem intervenção ou adesão dos Autores,
24 – e no caso de tais documentos, de fls. 73 a 78, e o de fls. 87, até sem a propria intervenção ou assinatura da Ré Caixa.
25 – A verdade é que a incapacidade total e permanente ocorreu reconhecidamente em 01/01/2012, antes pois das datas da emissão de tais documentos (resposta ao item 28).
26 – Por outro lado a Autora que estava reformada por invalidez desde 28/10/2010 (resposta ao item 24), comunicará à Ré Caixa o seu estado de saúde e a incapacidade que padecia(resposta ao item 25), e em data não concretamente apurada a Autora fora informada por funcionária da Caixa ... que se a incapacidade fosse permanente a Caixa seria paga do crédito pela X (resposta ao item 27), tendo a Autora, na sequência dessa informação requerido junta médica em que efectuada em 29/01/2014 lhe atribuiu essa incapacidade permanente calculada de acordo com a T.N.I., anexo, aprovada pelo DL. 352/2007 de 23/10, com efeitos desde 2012 (resposta ao item 28).
27 – Tem, assim, se ser dada como não provada a matéria dos itens 36 e 37.
28 – Não se tendo provada a existencia da cláusula de exclusão na data da inclusão ou inicio da vigência do seguro, e não tendo nessa data sido explicado, lido, nem sequer entregues cópias aos Autores de qualquer claúsula contratual, como ficou provada na resposta ao item 20, quando até era à Ré Caixa que detinha o onús da prova de ter prestado as explicações e a entrega das cópias que era obrigada a fazê-lo, violou os nrs. 1, 2 e 3 do Art. 4º do Dec. Lei 176/95 de 25/07/1995, em vigor à data da adesão, não podendo ser imputada à Autora nenhuma claúsula de exclusão (cfr. acordãos atrás citados).

Da exclusão por falsas declarações:
29 – Ficou provado que o contrato titulado pela Apólice 5001202 teve inicio em 28/05/2008 – resposta ao item 38, e essa é a data da celebração do contrato de mútuo pela escritura de fls. 23 a 27 que fundamentou a prova dos itens 13, 14 e 15.
30 – Apesar dessa matéria provada a Sentença, seguindo a confusão alegada pela Ré Seguradora na Contestação, acaba por dar como provado que a adesão ao contrato de seguro junto pela Ré se referiu à apólice 5001202, (vide item 16) quando essa adesão se refere expressamente à Apólice 5001152.
31 – Quer na impugnação dos documentos de fls. 98 a 100, quer na resposta à excepção de fls. 118 a 125, os Autores, sob impugnação, claramente alegaram que o boletim de adesão junto não se referia à Apólice 5001202 que foi alegado na Petição e que é a unica que se manteve em vigor em relação ao mutuo outorgado em 28/05/2008.
32 – Ora, na Decisão da Matéria de facto a Sentença nem uma única vez refere a Apólice com o nr. 50011252.
33 – A Sentença esqueçe e omite totalmente esse facto alegado pelos Autores e baseado no documento junto pela própria Ré.
34 – É matéria que foi alegada pelos Autores, sob impugnação do alegado por excepção pela Ré, de que a Meretissima era obrigada a pronunciar-se e apreciar nos termos do Art. 615º nº 1 alinea d) do CPC, pelo que nesses precisos termos a Sentença também nessa parte é nula.
35 – Na sequência dessa confusão ou inquivoco plasmado no item 16, a Senhora Juiza dá como provada a matéria dos itens 39, 40, 41 42, 43, 44, 45, 46, 47 e 48 (este último é conclusivo), como referente à Apólice 5001202, quando toda essa matéria consta sim mas na Adesão à Apólice 5001152.
36 – Dos Articulados nada mais consta ou se extrai.
37 - Sendo a questão trazida apenas na Audiência pela testemunha M. P., mostrando outra vez “coerência a mais”, e sem proposito, declarando que: Foram usados os boletins de adesão da apólice 5001152 que estava “descontinuada” e a Caixa não possuia ainda os impressos da Apólice 5001202.
38 – Tal matéria não consta dos Articulados, nem consta da Decisão da matéria de facto, mas consta da Motivação desta decisão.
39 – Pelo que em abono e rigor da verdade a testemunha não se apercebeu que a Seguradora teve que substituir a adesão à apólice 5001152 por outra adesão por estar incorrecta em relação ao facto da Autora já sofrer de diabetes, e apesar de incorrecta sobre o inquerito clinico, nessa adesão de fls. 70 a 72 verso, no seu item 6 sob o titulo “Coexistência de Seguros” e sob o pergunta “tem seguros de vida em vigor na companhia?” a resposts foi “SIM”.
40 – Também a declaração da testemunha – que constitui um facto novo não alegado na Contestação e de que não pôde haver contraditório – o da “descontinuidade” da Apólice 5001152, e de que se serviram dos boletins porque a Caixa ainda não tinha impressos do seguro novo, é outra descarada mentira da testemunha, mentira que se revela nos documentos nº 10 e 14 juntos pela propria Ré seguradora a fls. 81 e 83 verso da Contestação, onde consta como devedor o segurado J. P. aderente 44.278 da Apólice 5001.152, quando na adesão mal preenchida de 07/02/2008 os Autores figuram como aderentes nº 23182 do mesmo seguro, pelo que terá de se concluir que a Apólice 5001.152 nessa data não tinha sido “descontinuada”, antes continuou a admitir aderentes, pelo menos mais 21096, pois 44278 – 23182 = 21096.
41 - Devia haver, pois, outro boletim de adesão, com o mesmo número 23182, que devia ter sido preenchido correctamente. (Aos Autores não foram entregues nenhumas cópias - resposta ao item 20)
42 - Se a Ré na sua Contestação tivesse alegado os factos que a testemunha M. P. declarou, os Autores exerceriam na Resposta o contraditório e até juntariam um documento que comprova que em 04/04/2008, a propria proposta de adesão já com o número da Apólice 5001202 tinha sido considerada sem efeito por falta de elementos solicitados conforme, carta recebida da Ré X, acabando por ser aceite só em 28/05/2008 conforme de resto foi dado por provado.
43 - Requer-se a junção desse documento, não propriamente para prova nem contraprova da matéria em discussão, mas apenas como mais um elemento que comprova a falta de credibilidade da testemunha M. P. e falsidade do seu depoimento, junção esta, além do mais, legitimada no facto de poder ser tornada necessária em virtude do julgamento da 1ª Instancia, ou seja, nomeadamente do facto da testemunha em causa declarar que a adesão com preenchimento incorrecto de 07/02/2008 fora validada, quando afinal em Abril a proposta do seguro tinha sido dada sem efeito (Art. 651º do CPC).
44 – A Sentença violou, pelos menos o Art. 4º nrs. 1, 2 e 3 do Dec. Lei 176/95, de 25/07/1995, e os Arts. 412º e 615 nº 1 alinea d) do CPC, devendo ser eliminado o item 11 e o termo “pelo que” do item 12, dos factos provados, e dada como não provada a matéria dos itens 39, 40, 41, 42, 43, 44, 45, 46, 47 e 48, e em consequência e conformidade também com a matéria do item 38, de o item 16 passar a ter a seguinte redacção “Em 28/05/2008 teve inicio sob adesão dos Autores (adesão23182) um seguro de Grupo sob a Apólice que no ato da subscrição teve o nr. 5001202, com a cobertura de risco de morte e invalidez total e permanente por acidente ou doença”».

A ré X - Companhia de Seguros, S.A., apresentou contra-alegações, nas quais pede a rejeição do recurso no que à impugnação da matéria de facto se reporta, por violação do ónus imposto pelo artigo 640.º do CPC, sustentando ainda a improcedência da nulidade suscitada quanto à sentença recorrida, bem como a improcedência do recurso interposto e a consequente manutenção do decidido.

II. Delimitação do objeto do recurso

Face às conclusões das alegações da recorrente e sem prejuízo do que seja de conhecimento oficioso - artigos. 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil (CPC) -, o objeto do presente recurso circunscreve-se às seguintes questões:

A) Questão prévia: da admissibilidade do documento apresentado pelos apelantes em sede de alegações de recurso;
B) Da nulidade da decisão recorrida;
C) Impugnação da decisão sobre a matéria de facto;
D) Reapreciação jurídica da causa: Saber se os autores/apelantes estão dispensados de amortização das quantias mutuadas pela 2.ª ré, a partir de 01-01-2012; se os autores têm o direito a obter da entidade bancária, ora 2.ª ré, a restituição das quantias que lhes foram cobradas para amortização dos mútuos, concretamente a título de prestações, juros e despesas descontadas na sua conta desde 1-01-2012, bem como o que a esse título continue a descontar; o que implica a reapreciação das seguintes questões:
i) Da (in) validade dos contratos de seguro titulados pelas apólices 5000 906 e 5001 202, à data do alegado sinistro em 01-01-2012, em especial a exceção de anulabilidade da apólice 5001 202 por omissão de circunstâncias relevantes para o apuramento do risco, invocada pela 1.ª ré;
ii) Da verificação das condições contratuais de acionamento da cobertura complementar do risco de invalidez absoluta e definitiva por doença (5000 906) e invalidez total e permanente por doença (5001 202), em especial a exceção invocada pela 1.ª ré a propósito da exclusão contratual prevista nas condições particulares do contrato titulado pela apólice 5000 906.

Corridos os vistos, cumpre decidir.

III. Fundamentação

1. Os factos
1.1.Os factos, as ocorrências e elementos processuais a considerar na decisão deste recurso são os que já constam do relatório enunciado em I. supra relevando ainda os seguintes factos considerados provados pela 1.ª instância na decisão recorrida:
1.1.1. Em 30/01/1997, a CAIXA ..., no exercício da sua atividade financeira celebrou com os autores um contrato de mútuo nos termos do qual pôs à disposição destes a quantia de 10.000.000$00 (€49. 879,79).
1.1.2. O que fez através de várias frações, em função da necessidade dos autores, para efeitos de custearem a construção do edifício da sua habitação a implantar no lote 10, sito no Lugar … ou …, atual Rua …, da Freguesia de …, da cidade de Braga.
1.1.3. Por seu lado, os autores após receberem o montante total emprestado, obrigaram- se a proceder ao seu reembolso à segunda ré em prestações mensais, constantes de capital e juros pelo prazo de vinte e cinco anos.
1.1.4. Entre os demais direitos e obrigações, obrigaram-se ainda os autores a ter o contrato seguro, a desembolsar as despesas do mesmo e a designar a CAIXA ... como sua beneficiária.
1.1.5. Na sequência do acordado os autores subscreveram na agência de Braga da CAIXA ... a adesão de um seguro de grupo na ré X.
1.1.6. Esta empresa de seguros pertencia à data, ao mesmo grupo de sociedades comercias de direito privado detidas pelo Estado ou por institutos Públicos, pelo menos na maioria do seu grémio, como a CAIXA ....
1.1.7. Os autores aderiram ao seguro de grupo sob a apólice que, no ato de subscrição, teve o número 5000 500, com cobertura do risco de morte, invalidez total e permanente por acidente e invalidez absoluta e definitiva por doença.
1.1.8. O valor seguro foi de 10.000.000$00, anual e automaticamente atualizável.
1.1.9. Foi designada a CAIXA ... como beneficiária, até ao limite do capital em dívida e, do remanescente, os herdeiros das pessoas seguras, no caso de morte, ou as próprias pessoas seguras, no caso de invalidez.
1.1.10. Em caso de sinistro ou doença, enquadrável nos termos do contrato, obrigou-se a seguradora a efetuar o reembolso do capital em dívida à CAIXA ....
1.1.11. Em setembro de 1998, a apólice 5000 500 foi anulada, por falta de pagamento do prémio de seguro.
1.1.12. Pelo que, em 14/11/2001, os autores subscreveram nova adesão (com o n.º 18556) a seguro de grupo, com as mesmas coberturas, pela apólice 5000 906.
1.1.13. No dia 28/05/2008 a CAIXA ..., no exercício da sua atividade comercial de crédito, celebrou com os autores outro contrato de mútuo nos termos do qual pôs à disposição destes a quantia de €35.000,00, com destino a serem aplicados em investimentos ou benfeitorias em bens imóveis.
1.1.14. Por sua vez os autores obrigaram-se perante a CAIXA ... a proceder ao reembolso do montante do empréstimo no prazo de 29 anos, em frações de prestação mensais de valor constante, incluindo capital e juros, vencendo-se a primeira no dia 28/06/2008 e as restantes em igual dia dos meses seguintes.
1.1.15. Nos termos do mesmo contrato os autores obrigaram-se a subscrever não só um seguro do tipo multirriscos, como também um seguro de vida, ambos em seguradora do então denominado “Grupo Caixa …”.
1.1.16. Em 07/02/2008, os autores aderiram (adesão n.º 23182) ao seguro de grupo sob a apólice que, no ato de subscrição, teve o número 5001 202, com cobertura do risco de morte e invalidez total e permanente por acidente ou doença.
1.1.17. O valor seguro foi de €35.000,00, anual e automaticamente atualizável.
1.1.18. Foi designada a CAIXA ... como beneficiária, até ao limite do capital em dívida e, do remanescente, os herdeiros das pessoas seguras, no caso de morte, ou as próprias pessoas seguras, no caso de invalidez.
1.1.19. Quer as frações mensais da prestação de amortização e pagamento de juros dos dois empréstimos, quer o pagamento dos prémios dos seguros, eram pagos por débito direto autorizado pelos autores na conta destes n.º 0171136703500, ou noutra que possuíssem.
1.1.20. Nenhuma das rés explicou aos autores ou leu as cláusulas dos contratos de seguro, nem lhes foram entregues cópias.
1.1.21. Em 1998 foi diagnosticada à autora diabetes mellitus tipo 2.
1.1.22. Em 2009 a diabetes passou a afetar a visão da autora.
1.1.23. O seu estado de saúde agravou-se, passando a sofrer de Retinoplastia Proliferativa Grave.
1.1.24. Em 28/10/2010 foi-lhe atribuída pensão por invalidez relativa.
1.1.25. A autora comunicou à CAIXA ... o seu estado de saúde e a incapacidade de que padecia.
1.1.26. A autora deixou de trabalhar e passou a receber a pensão de invalidez de €327,87 mensais.
1.1.27. Em data não concretamente apurada, a autora foi informada por funcionária da CAIXA ... que se a incapacidade fosse permanente a CAIXA ... seria paga do crédito pela X.
1.1.28. Na sequência dessa informação, a autora requereu junta médica que, efetuada em 29/01/2014, lhe atribuiu uma incapacidade permanente de 80%, calculada de acordo com a TNI, Anexo I, aprovada pelo DL 352/2007, de 23.10, com efeitos desde 2012.
1.1.29. Em data não concretamente apurada, a autora dirigiu-se à agência de Braga da CAIXA ... para entregar o comprovativo da incapacidade permanente, tendo sido informada, então, pela funcionária P. O. que as apólices 5000 906 e 5001 202 se encontravam anuladas desde 16/08/2012 e 08/09/2011, respetivamente.
1.1.30. A CAIXA ... continuou até hoje a proceder ao desconto na conta dos autores das prestações de juros e amortização dos empréstimos.
1.1.31. Os prémios dos contratos de seguro em causa nestes autos eram integralmente suportados pelos autores.
1.1.32. O risco coberto, que para o caso importa, é, para o contrato titulado pela apólice n.º 5001 202 o de invalidez total e permanente por doença, que se verifica quando a pessoa segura apresenta um grau de desvalorização igual ou superior a 66,6% de acordo com a tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais; e para o contrato titulado pela apólice n.º 5000 906 o de invalidez absoluta e definitiva por doença, que se verifica quando a pessoa segura apresente uma grau de desvalorização igual ou superior a 50% de acordo com a tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais.
1.1.33. Na “Declaração de Estado de Saúde” anexa ao Boletim de Adesão com o n.º 18556, correspondente ao contrato titulado pela apólice 5000 906 a demandante mulher refere ser diabética.
1.1.34. Escrevendo a doença no campo “Estado de Saúde Actual”.
1.1.35. O que reafirmou no campo “Antecedentes Pessoais”, apondo um X na quadrícula “SIM”, relativa à doenças: Diabetes, Bócio.
1.1.36. Destarte, a demandada aceitou a adesão com “Exclusão de Invalidez resultante de qualquer incapacidade ou doença que pessoa segura, eventualmente, seja portadora à data da sua inclusão no contrato e suas consequências”.
1.1.37. O que resulta do próprio contrato – condições particulares -: “… não entrando para o seu cálculo quaisquer incapacidades ou patologias preexistentes”.
1.1.38. O contrato titulado pela apólice 5001 202 teve início em 28 de maio de 2008.
1.1.39. A adesão/proposta foi aceite pela seguradora à tarifa normal (de prémio), sem qualquer agravamento, pelos seus serviços de tarifação; ou exclusão pelos seus serviços técnicos.
1.1.40. Na proposta de adesão e no “questionário clínico”, a autora omitiu a sua história clínica e de saúde.
1.1.41. Na verdade, no preenchimento do Questionário Clínico da(s) Pessoa(s) Segura(s) junto àquela adesão, em 07/02/2008, a aderente/proponente omitiu que sofria de quaisquer sequelas de que âmbito/valência fosse, nomeadamente de diabetes;
1.1.42. Dado que nos Antecedentes Pessoais quanto à questão se sofre ou sofreu de Diabetes, Bócio, foi aposto um X na quadrícula “NÃO”;
1.1.43. Quanto à questão de nos últimos seis meses sofreu de alguma doença, foi aposto um X na quadrícula “NÃO”;
1.1.44. Quanto à questão de “Terapêuticas”, nomeadamente se já tomou alguns medicamentos como insulina, foi aposto um X na quadrícula “NÃO”;
1.1.45. E, por fim, quanto à questão se fez análises, ao sangue e à urina, foi aposto um X na quadrícula respeitante ao “NÃO”;
1.1.46. sendo que quanto à questão: “Tem alguma alteração física ou funcional, teve algum acidente grave, …?”, foi aposta uma cruz na quadrícula “NÃO”.
1.1.47. Os aderentes, demandante e marido referiram no questionário supra citado: “Declaro que respondi com verdade e completamente a todas as perguntas, consciente que quaisquer declarações incompletas, inexactas ou omissas, que possam induzir a Seguradora em erro, tornam este contrato nulo e de nenhum efeito, qualquer que seja a data em que a Seguradora delas tome conhecimento.
Tomei conhecimento de que está excluída das garantias qualquer incapacidade física pré-existente à data do Boletim de Adesão”.
1.1.48. A ser aquela patologia conhecida da seguradora, no momento da subscrição da proposta de seguro da apólice 5001 202, determinaria que a seguradora nunca tivesse contratado nos termos referidos em 39.
1.1.49. A autora padece de uma incapacidade permanente parcial de, pelo menos 71,80 % por hipovisão bilateral acentuada, que é consequência da diabetes de que padece.
1.2. O Tribunal recorrido pronunciou-se sobre a matéria de facto não provada, nos seguintes termos:

«Factos não provados:
i) Aquando das propostas de adesão formuladas pelos autores a cada um dos contratos de seguro, foi-lhe entregue um anexo ligado por “picotado” à proposta constituído por duas páginas e onde se explicavam as principais cláusulas do contrato, mormente quais os riscos assegurados pelo contrato respetivo e em que condições eles se verificariam (no que concerne a incapacidades).
ii) Os questionários clínicos de fls. 86 e 88 foram assinados em branco.

E todos os demais, vertidos nos articulados, com relevância para as questões decidendas, a que se não fez referência expressa, tidos aqueles como expurgados de todas as alegações repetidas, conclusivas ou que encerram matéria de direito».

2. Apreciação sobre o objeto do recurso

2.1. Questão prévia: da admissibilidade do documento apresentado pelos apelantes em sede de alegações de recurso.

Vêm os apelantes, nas alegações apresentadas, requerer a junção de um documento, o qual, segundo sustentam, constitui uma carta recebida da ré X, destinada a comprovar que, em 04-04-2008, a proposta de adesão já com o número da apólice 5001 202 tinha sido considerada sem efeito por falta de elementos solicitados, acabando por ser aceite só em 28-05-2008 conforme foi dado por provado. Na fundamentação que apresentam para a requerida junção documental referem que a mesma não se destina propriamente à prova ou contraprova da matéria em discussão, mas apenas como mais um elemento que comprova a falta de credibilidade da testemunha M. P. e a falsidade do seu depoimento. Defendem que a mesma se tornou necessária em virtude do julgamento da 1.ª Instância, nomeadamente pelo facto de a testemunha em causa declarar que a adesão com preenchimento incorreto de 07-02-2008 fora validada, quando afinal em abril a proposta do seguro tinha sido dada sem efeito.
Cumpre apreciar da admissibilidade do documento apresentado pelos recorrentes.
A possibilidade de apresentação de documentos na fase de recurso encontra-se prevista no artigo 651.º, n.º 1, do CPC, ao dispor que «as partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excecionais a que se refere o artigo 425.º ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância».
Da análise conjugada do artigo 651.º, n.º 1, com os artigos 423.º e 425.º, todos do CPC decorre que a admissibilidade da apresentação de documentos na apelação assume natureza excecional, só sendo admissível em duas situações: quando se trate de documentos cuja apresentação não tenha sido possível em momento anterior ou quando a junção se tenha tornado necessária em virtude do julgamento proferido. Com efeito, a junção de prova documental deve ocorrer preferencialmente na 1.ª instância, regime que se compreende na medida em que os documentos visam demonstrar certos factos, antes de o tribunal proceder à sua integração jurídica (1). Por conseguinte, incumbe à parte que pretenda proceder à junção de documentos na fase de recurso o ónus de demonstrar a impossibilidade de apresentação dos documentos anteriormente ao recurso ou a novidade da questão decisória justificativa da junção do documento com o recurso, como questão só revelada pela decisão recorrida (2).

No caso vertente não está em causa, desde logo, a situação excecional a que alude o artigo 425.º do CPC, nem tal foi alegado pelos apelantes, resultando indiscutível que não se encontra preenchido o primeiro dos indicados requisitos de admissibilidade dos documentos, ou seja, a superveniência do documento reportada ao momento do encerramento da discussão da causa na audiência final.
Acresce que também não resulta dos autos que a junção documental agora em apreciação se tenha tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª Instância. Assim, tal como esclarecem Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta, Luís Filipe Pires de Sousa (3), «[a] jurisprudência tem entendido, de modo uniforme, que não é admissível a junção, com a alegação de recurso, de um documento potencialmente útil à causa, mas relacionado com factos que já antes da decisão a parte sabia estarem sujeitos a prova, não podendo servir de pretexto a mera surpresa quanto ao resultado.
(…) No que tange à parte final do n.º 1, tem-se entendido que a junção de documentos às alegações da apelação só poderá ter lugar se a decisão da 1.ª instância criar, pela primeira vez, a necessidade de junção de determinado documento, quer quando a decisão se baseie em meio probatório não oferecido pelas partes, quer quando se funde em regra de direito com cuja aplicação ou interpretação as partes não contavam».

No caso vertente, tendo sido discutido logo nos articulados a questão do preenchimento do boletim de adesão n.º 23182 - junto a fls. 72 - datado de 7-02-2008 e a sua correspondência à adesão ao contrato de seguro titulado pela Apólice n.º 5001 202 julgamos que tal junção documental não se mostra justificada à luz da novidade da questão em apreciação na decisão recorrida, porquanto já então os apelantes sabiam estar esses factos sujeitos a prova e nada juntaram para o efeito, inexistindo fundamento legal para admitir tal junção em sede de alegações de recurso.
Deste modo, não lograram os apelantes demonstrar a novidade da questão decisória justificativa da junção do documento com o recurso, como questão só revelada pela decisão recorrida.
De resto, pretendendo os recorrentes com a requerida junção documental comprovar a falta de credibilidade da testemunha M. P. e a alegada falsidade do seu depoimento, nunca seria o recurso o momento oportuno nem o procedimento adequado à apresentação de novos meios de prova destinados a questionar a veracidade de tal depoimento, já que o mesmo foi oportunamente produzido em sede de audiência final, nada tendo então sido requerido pelos ora apelantes.
Assim, não demonstrando os recorrentes que se verifica qualquer das situações excecionais em que a lei permite a junção de documentos em fase de recurso, inexiste fundamento legal para admitir tal junção.
Pelo exposto, decide-se rejeitar a junção do documento apresentado pelos recorrentes com as alegações de recurso, não se atendendo ao mesmo.

2.2. Das nulidades da sentença recorrida

Os recorrentes suscitaram a nulidade da sentença recorrida, imputando-lhe o vício previsto no artigo 615.º, n.º 1, al. d), do CPC (conclusões 15 a 18 e 31 a 34 das alegações de recurso).

Para o efeito, alegaram, em síntese:


i) os autores apenas alegaram na petição inicial que a apólice 5000 500 passou a ter o n.º 5000 906; mas considerando que o contrato de seguro seria o mesmo e não que este fosse substituído; a sentença não apreciou esta questão, e sem fundamentar limitou-se a esquecer o seguro da apólice 5000 500 e optou por considerar que o empréstimo de 1997 passou a estar seguro apenas pelo seguro da Apólice 5000 906; se tal contrato teve início em 01-06-2003, não foi explicado, ou alegado porque é que sendo a adesão, junto à contestação de 14-11-2001, só passado mais de um ano e meio é que teve início a sua vigência, pelo que a Senhora Juíza ao se limitar a esquecer o seguro de apólice 5000 500 deixou de se pronunciar sobre a questão que devia apreciar o que nos termos da alínea d), do artigo 615.º do CPC;
ii) quer na impugnação dos documentos de fls. 98 a 100, quer na resposta à exceção de fls. 118 a 125, os autores, sob impugnação, alegaram que o boletim de adesão junto não se referia à apólice 5001 202 que foi alegado na petição e que é a única que se manteve em vigor em relação ao mútuo outorgado em 28-05-2008; na decisão da matéria de facto a sentença nem uma única vez refere a apólice com o 5001 152 matéria que foi alegada pelos autores, sob impugnação do alegado por exceção pela ré, de que a Meritíssima era obrigada a pronunciar-se e apreciar nos termos do artigo 615.º, n.º1, al. d) do CPC, pelo que nesses precisos termos a sentença também nessa parte é nula.

O Tribunal a quo pronunciou-se sobre as nulidades que foram suscitadas nas alegações da apelação, ao abrigo do disposto no artigo 617.º, n.º1, CPC, entendendo, no essencial, o seguinte:

«Percorrida a sentença proferida cremos que todas as questões que se impunha resolver, identificadas na sentença, foram apreciadas e decididas.
Em nosso entender, na arguição da nulidade em causa confundem os recorrentes questões com factos, argumentos ou considerações. Todavia, as questões a decidir estão intimamente ligadas aos pedidos formulados e à respetiva causa de pedir. Na sua definição relevam as pretensões deduzidas e os elementos integradores do pedido e da causa de pedir. O facto material é um elemento para a solução da questão; não é a própria questão.
Pelo exposto, considerando que o tribunal não omitiu o tratamento e a solução das questões suscitadas na ação, atenta a causa de pedir e os pedidos, julgo inverificada a arguida nulidade».

Neste domínio, importa considerar o artigo 615.º, n.º 1, do CPC, que dispõe, na parte que aqui interessa:

«É nula a sentença quando; (…)
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento».

A nulidade prevista no artigo 615.º, n.º 1, al. d), “1.ª parte”, do CPC, deriva do incumprimento do disposto no artigo 608.º, n.º 2, “1.ª parte”, do CPC, onde se prevê: «O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; (…)».

A propósito do fundamento de nulidade enunciado na alínea d) do n.º 1, do artigo 615.º do CPC referem Lebre de Freitas/Isabel Alexandre (4), «[d]evendo o juiz conhecer de todas as questões que lhe são submetidas, isto é, de todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e exceções invocadas e todas as exceções de que oficiosamente lhe cabe conhecer (608-2), o não conhecimento de pedido, causa de pedir ou exceção cujo conhecimento não esteja prejudicado pelo anterior conhecimento de outra questão constitui nulidade, já não a constituindo a omissão de considerar linhas de fundamentação jurídica, diferentes da da sentença, que as partes hajam invocado (…)». Nas palavras do Prof. Alberto dos Reis (5), «[s]ão, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão». Daí que, a par da doutrina, também a jurisprudência tem vindo a considerar que a referida nulidade só se verifica quando determinada questão colocada ao tribunal - e relevante para a decisão do litígio por se integrar na causa de pedir ou em alguma exceção invocada - não é objeto de apreciação, não já quando tão só ocorre mera ausência de discussão das “razões” ou dos “argumentos" invocados pelas partes para concluir sobre as questões suscitadas (6), sendo que o conhecimento de uma questão pode fazer-se tomando posição direta sobre ela, ou resultar de ponderação ou decisão de outra conexa que a envolve ou exclui (7).

Em idêntico sentido, pronunciou-se o Ac. do STJ de 3-10-2017 (8), com o seguinte sumário: «(…) II - A nulidade consistente na omissão de pronúncia ou no desrespeito pelo objecto do recurso, em directa conexão com os comandos ínsitos nos arts. 608.º e 609.º do CPC, só se verifica quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões ou pretensões que devesse apreciar e cuja apreciação lhe foi colocada. III - A expressão «questões» prende-se com as pretensões que os litigantes submetem à apreciação do tribunal e as respectivas causas de pedir e não se confunde com as razões (de facto ou de direito), os argumentos, os fundamentos, os motivos, os juízos de valor ou os pressupostos em que as partes fundam a sua posição na controvérsia».

Revertendo ao caso em apreciação cumpre constatar que, contrariamente ao sustentado pelos apelantes, a sentença recorrida pronunciou-se expressamente sobre a apólice 5000 500. Tanto assim é que deu como provados factos que a ela se reportam direta (1.1.11) ou indiretamente (1.1.12), sendo porém sobre a apólice 5000 906 (a que os autores/apelantes assumidamente aderiram através da adesão n.º 18556 aludida no ponto 1.1.12) que incide o pedido formulado pelos autores, assim delimitando o objeto da presente ação (9). Acresce que os factos que foram concretamente alegados na petição inicial também não permitem sustentar qualquer direito que os autores se proponham fazer declarar relativamente à apólice 5001 152 ou mesmo à apólice 5000 500. Deste modo, não tinha o Tribunal que se pronunciar sobre tais apólices, apesar de o ter feito relativamente a ambas, já que também quanto à primeira (5001 152), enunciou em sede de motivação da decisão sobre a matéria de facto quais os elementos probatórios que entendeu relevantes para justificar o contexto em que surgiram no processo as referências a tal apólice.

Dispõe o artigo 5.º, n.º 1, do CPC, que cabe às partes legar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as exceções invocadas, correspondendo aquela ao facto ou factos jurídicos concretamente invocados para sustentar o direito que o autor se propõe fazer declarar, o efeito jurídico pretendido ou o pedido formulado - cfr. artigo 581.º, n.ºs 3 e 4 CPC. Assim sendo, era relativamente às apólices 5000 906 (a que os autores/apelantes assumidamente aderiram através da adesão n.º 18556 aludida no ponto 1.1.12) e 5001 202 que o Tribunal tinha que se pronunciar na sentença recorrida, o que fez efetivamente e em moldes que necessariamente afastam ou excluem os argumentos que foram invocados no processo pelos autores/ora apelantes em sede de impugnação de documentos ou em resposta à matéria de exceção, a propósito de tais apólices, ainda que traduzidos em circunstâncias que envolvem referências a outras apólices (5001 152 e 5000 500).

Também eventuais vícios ou omissões da decisão sobre a matéria de facto não configuram, sem mais, a invocada causa de nulidade, considerando que «a invocação de vários dos vícios que a esta dizem respeito é feita nos termos do art. 640 e porque a consequência desses vícios não é necessariamente a anulação do ato (cf. os n.ºs 2 e 3 do art. 662)» (10). Como tal, «o não atendimento de um facto que se encontre provado ou a consideração de algum facto que não devesse ser atendido nos termos do artigo 5.º, n.º 1 e 2, do CPC, não se traduzem em vícios de omissão ou de excesso de pronúncia, dado que tais factos não constituem, por si, uma questão a resolver nos termos do artigo 608.º, n.º 2, do CPC» (11).

De resto, a arguição de nulidade antes enunciada em ii) revela-se manifestamente inconcludente porquanto não se alcança, nem os apelantes especificam, qual a decisão eventualmente a proferir em sede de matéria de facto contendo a referência à apólice 5001 152.

Nesta conformidade, resta concluir que a arguição de nulidades suscitada pelos recorrentes é totalmente destituída de fundamento, antes traduzindo a sua discordância quanto ao mérito da decisão proferida.

Deste modo, cumpre concluir que a sentença recorrida não enferma das invocadas nulidades por omissão de pronúncia, improcedendo, nesta parte, a apelação.

2.3. Da impugnação da decisão sobre a matéria de facto

Os autores/apelantes impugnam a decisão relativa à matéria de facto incluída na sentença recorrida, nos seguintes termos:

i) Deve «ser eliminado o item 11 e o termo “pelo que” do item 12, dos factos provados» (conclusão 44.ª das alegações);
ii) Deve « ser dada como não provada a matéria dos itens 36 e 37» (conclusão 27.ª das conclusões);
iii) Deve «ser dada como não provada a matéria dos itens 39, 40, 41, 42, 43, 44, 45, 46, 47 e 48»; em consequência, e em conformidade também com a matéria do item 38, deve o item 16 passar a ter a seguinte redação: «[e]m 28/05/2008 teve início sob adesão dos Autores (adesão 23182) um seguro de Grupo sob a Apólice que no ato da subscrição teve o nr. 5001202, com a cobertura de risco de morte e invalidez total e permanente por acidente ou doença» (conclusão 44.ª das alegações).

A ré X, nas contra-alegações apresentadas, pronuncia-se pela rejeição do recurso, no que à impugnação da matéria de facto se reporta, por violação do ónus imposto pelo artigo 640.º do CPC. Sustenta que da leitura das alegações não se percebe que concretos meios probatórios justificariam a alteração da decisão de facto, apesar de discriminados os factos concretamente impugnados. Acrescenta que quando os meios probatórios em questão tenham sido gravados, devem os recorrentes indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o recurso, defendendo que deveriam esses concretos meios probatórios (e as ditas passagens) também constar das conclusões.

Efetivamente, a impugnação da decisão relativa à matéria de facto obedece a determinadas exigências, cujo incumprimento pode determinar a respetiva rejeição, pelo que deverá a questão do cumprimento dos ónus impostos ao recorrente ser apreciada em momento prévio à pretendida reapreciação da decisão proferida.

Tal como resulta da análise conjugada do preceituado nos artigos 639.º e 640.º do CPC, os recursos para a Relação tanto podem envolver matéria de direito como de facto, sendo este último o meio adequado e específico legalmente imposto ao recorrente que pretenda manifestar divergências quanto a concretas questões de facto decididas em sede de sentença final pelo Tribunal de 1.ª instância que realizou o julgamento, o que implica o ónus de suscitar a revisão da correspondente decisão.

O artigo 640.º do CPC, prevê diversos ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto, prescrevendo o seguinte:

«Ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto

1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3 - O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º».

Relativamente ao alcance do regime decorrente do preceito legal acabado de citar, refere Abrantes Geraldes (12), que «a) Em quaisquer circunstâncias, o recorrente deve indicar sempre os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões; b) Quando a impugnação se fundar em meios de prova constantes do processo ou que nele tenham sido registados, o recorrente deve especificar aqueles que, no seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos; c) Relativamente a pontos da decisão da matéria de facto cuja impugnação se funde, no todo ou em parte, em provas gravadas, para além da especificação obrigatória dos meios de prova em que o recorrente se baseia, cumpre ao recorrente indicar, com exactidão as passagens da gravação relevantes e proceder, se assim o entender, à transcrição dos excertos que considere oportunos; d) O recorrente deixará expressa a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, como corolário da motivação apresentada, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos, exigência nova que vem na linha do reforço do ónus de alegação, por forma a obviar à interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente, também sob pena de rejeição total ou parcial da impugnação da decisão da matéria de facto».

No que concerne ao circunstancialismo aludido em i), sustentam os recorrentes, em síntese, que o item 11 dos “Factos provados” se refere a matéria não alegada pelas partes em nenhum articulado, tendo de ser eliminado e considerado não escrito, o mesmo devendo suceder com o termo “pelo que” do item 12, dado que não se trata de um facto notório nem conhecido do Tribunal por virtude do exercício das suas funções. Apesar disso, nas conclusões 9.ª a 12.ª das correspondentes alegações, tal como no corpo das mesmas, tecem os apelantes considerações genéricas sobre diversos meios de prova (documento n.º 12, junto à petição a fls. 38 e 38 verso, depoimento da testemunha M. P. e documento junto a fls. 83 verso da contestação da ré/seguradora) a propósito de tal matéria de facto, sem que especifiquem, nas conclusões ou no corpo das alegações, a concreta decisão que, no seu entender, deverá ser proferida tendo por base a eventual reapreciação de tais meios de prova.

O incumprimento de tal ónus conduz à rejeição do recurso respeitante à eventual reapreciação dos meios de prova relevantes no que concerne à matéria de facto na parte respeitante às conclusões da apelação que se reportam aos pontos 11 e 12 (este apenas quanto ao termo “pelo que”) dos “Factos provados”, nos termos que decorrem do disposto no artigo 640.º, n.º 1 do CPC, sem prejuízo da apreciação da questão concreta e expressamente suscitada pelos apelantes, no sentido de averiguar se os factos enunciados em i) supra, que os apelantes pretendem ver eliminados e considerados “não escritos”, se incluem nos poderes de cognição do Tribunal em matéria de facto, questão que é, aliás, passível de ser conhecida, mesmo oficiosamente, por este Tribunal.

No corpo das alegações os apelantes aludem à «matéria do quesito 32» como devendo ser dada como não provada. Sucede que os apelantes não mencionam tal matéria nas conclusões das alegações, nem especificam, no referido segmento conclusivo, qualquer concreta modificação ou aditamento que preconizem introduzir à decisão de facto constante da sentença recorrida relativamente ao concreto ponto em referência. O incumprimento dos aludidos ónus conduz à rejeição do recurso respeitante à decisão da matéria de facto na parte em que se reportam, no corpo das alegações, ao ponto 32 dos “Factos provados”, nos termos que decorrem do disposto no artigo 640.º, n.º 1 do CPC, o que se decide.

No que se reporta à impugnação aludida em ii) e iii) supra, verifica-se que recorrentes indicam, na motivação e nas conclusões das alegações, os concretos pontos da matéria de facto que consideram incorretamente julgados, nos termos enunciados supra. Mais se observa que também especificam, na motivação e nas conclusões das alegações, a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre os pontos da impugnação da matéria de facto, tal como também decorre do antes enunciado.

Por último, os apelantes também indicaram minimamente os elementos que permitem identificar com suficiência os concretos meios probatórios que, no seu entender, determinam uma decisão diversa da proferida, ainda que se verifique, em grande parte das alegações, que o âmbito probatório do recurso está enunciado de forma genérica e dispersa, designadamente ao remeter para o contexto do discurso da sentença, para o alegado pelas partes nos articulados ou quando recorre a conjeturas sobre a eventual existência de outros documentos não concretamente juntos ao processo (conclusão 41.ª das alegações). Estas circunstâncias são suscetíveis de dificultar de forma relevante a possibilidade de o Tribunal de recurso refazer o percurso ou raciocínio lógico-jurídico que era exigível aos próprios recorrentes empreender para concluir de forma diferente daquilo que a 1.ª instância decidiu (sobretudo tendo em conta a motivação já exarada na decisão recorrida), mas não levam à rejeição da impugnação da matéria de facto quanto aos concretos pontos impugnados em ii) e iii). Acresce que, no essencial, os apelantes baseiam as alterações que preconizam aos referidos pontos da matéria de facto impugnada na reapreciação de determinados documentos e em determinados factos tidos por assentes, sendo que a única referência que permite basear a modificação da decisão de facto na reapreciação de meios probatórios gravados reporta-se, em determinados pontos, à testemunha M. P.. Relativamente a esta testemunha, verifica-se que os recorrentes indicam, no corpo das alegações, as passagens da gravação que entendem relevantes, mencionando ainda, nas conclusões das alegações, os meios probatórios mais relevantes que entendem impor as pretendidas alterações.
Ora, diferentemente do que deve suceder com a indicação dos concretos pontos da matéria de facto que os apelantes consideram incorretamente julgados, os quais devem ser objeto de enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões, entendemos não ser exigível que a especificação dos meios de prova, nem, muito menos, a indicação das passagens das gravações devam constar da síntese conclusiva, bastando que figurem no corpo das alegações (13), tal como sucede nos presentes autos.

Nestes termos, considera-se suficientemente cumprido o ónus imposto pelo artigo 640.º do CPC quanto à matéria vertida em ii) e iii).

Resulta do disposto no artigo 662.º, n.º 1, do CPC, com a epígrafe Modificabilidade da decisão de facto, que a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa. Tal como ressalta do preceito legal antes citado, a reapreciação da decisão proferida sobre determinados pontos da matéria de facto deve ter a mesma amplitude que o julgamento efetuado em 1.ª instância, dispondo para tal a Relação de autonomia decisória de forma a assegurar o duplo grau de jurisdição.

Porém, previamente à reapreciação da decisão de facto proferida tendo por base os factos tidos como assentes e a prova produzida no que respeita à matéria impugnada em ii) e iii), cumpre analisar se a matéria objeto de impugnação integra os poderes de cognição do tribunal em sede de decisão sobre a matéria de facto.

Neste domínio, importa em primeiro lugar regressar à impugnação enunciada em i) supra, porquanto como já vimos os apelantes sustentam que a matéria do item 11 se refere a matéria não alegada pelas partes em nenhum articulado. Defendem que foi falada pela primeira vez no depoimento da testemunha M. P., devendo tal matéria - «Em setembro de 1998, a apólice 5000.500 foi anulada, por falta de pagamento do prémio de seguro» - e o termo «pelo que…» do ponto 12 dos factos provados - «Pelo que, em 14/11/2001, os autores subscreveram nova adesão (com o n.º 18556) a seguro de grupo, com as mesmas coberturas, pela apólice 5000.906») -, ser eliminada ou dada por não escrita.

Já a recorrida X - Companhia de Seguros, S.A., nas contra-alegações apresentadas, sustenta, em síntese, que foram os próprios demandantes, na sua petição inicial, a fazer menção aos dois contratos, omitindo (propositadamente ou não) o fundamento da sua sucessão, limitando-se então a testemunha M. P. a explicar o motivo da mudança. Conclui, por isso, que se trata de um mero facto instrumental conexo com a causa de pedir e o objeto do litígio.

A sentença recorrida não esclarece expressamente qual o valor probatório do facto em causa, vertido no ponto 1.1.11 supra, ainda que resulte da motivação atinente à decisão da matéria de facto que a circunstância ali enunciada, atinente à delimitação da causa da substituição da apólice 5000 500 pela apólice 5000 906, resultou efetivamente da instrução da causa, concretamente do depoimento da testemunha M. P. (profissional de seguros por conta da X há 31anos, e responsável pela área de sinistros do ramo vida), do qual resultou a explicação, que aquele tribunal entendeu completamente coerente e adequada à razão de ciência invocada, no sentido de que «apólice 5000 500 feita na CAIXA ... para garantir o primeiro empréstimo terminou por falta de pagamento em setembro de 1998, tendo sido substituída, a impulso da CAIXA ..., pela apólice 5000 906, na sequência de nova adesão, posto que, à data, a apólice 5000 500 já não era comercializada».

Analisando o teor da petição inicial, claramente se verifica que a circunstância atinente à concreta causa da substituição da apólice 5000 500 pela apólice 5000 906 não foi alegada pelos autores, ainda que daquele articulado conste efetivamente a menção aos dois contratos, ou apólices, com o sentido evidente e indubitável da sua sucessão ou substituição e não da pluralidade ou vigência simultânea e cumulativa, tal como decorre da vaga alegação que os autores/apelantes fizeram constar do ponto 8 da petição inicial (14), e é complementado com alguns dos documentos que os próprios autores juntaram com a petição inicial (designadamente os documentos 2, 3, 4 e 12 da petição inicial) que, por isso, não podiam deixar de conhecer, dos quais resulta inclusivamente a existência de adesões autónomas às referidas apólices. Tanto assim é, que se mostra definitivamente assente nos autos parte substancial da matéria vertida no ponto 1.1.12. supra, sobre o qual não incide a impugnação suscitada no presente recurso, com o seguinte segmento: «(…) em 14/11/2001, os autores subscreveram nova adesão (com o n.º 18556) a seguro de grupo, com as mesmas coberturas, pela apólice 5000.906».

Sob a epígrafe «Ónus de alegação das partes e poderes de cognição do tribunal», dispõe o já aludido artigo 5.º do CPC, no n.º 1, o seguinte: «[à]s partes cabe alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as exceções invocadas». Acrescenta o n.º 2 do referido preceito que, «[a]lém dos factos articulados pelas partes, são ainda considerados pelo juiz: a) Os factos instrumentais que resultem da instrução da causa; b) Os factos que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado e resultem da instrução da causa, desde que sobre eles tenham tido a possibilidade de se pronunciar; c) Os factos notórios e aqueles de que o tribunal tem conhecimento por virtude do exercício das suas funções».

Decorre deste regime que se incluem nos poderes de cognição do tribunal determinados factos não alegados pelas partes nos respetivos articulados: os factos instrumentais que resultem da instrução da causa; os factos que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado e resultem da instrução da causa, neste último caso desde que sobre eles tenham tido a possibilidade de se pronunciar; os factos notórios e aqueles de que o tribunal tem conhecimento por virtude do exercício das suas funções.

Explica Lopes do Rego (15), em anotação ao artigo 264.º do anterior Código de Processo Civil, a qual se mantém atual na parte relativa à qualificação dos factos - que o regime se baseia numa fundamental distinção entre factos essenciais e factos instrumentais, esclarecendo, a propósito, o seguinte: «Os factos essenciais são os que concretizando, especificando e densificando os elementos da previsão normativa em que se funda a pretensão do autor ou do reconvinte, ou a excepção deduzida pelo réu como fundamento da sua defesa, se revelam decisivos para a viabilidade ou procedência da acção, da reconvenção ou da defesa por excepção, sendo absolutamente indispensáveis à identificação, preenchimento e substanciação das situações jurídicas afirmadas e feitas valer pelas partes. Os factos instrumentais destinam-se a realizar a prova indiciária dos factos essenciais, já que através deles se poderá chegar, mediante presunção judicial, à demonstração dos factos essenciais correspondentes - assumindo, pois, em exclusivo uma função probatória e não uma função de preenchimento e substanciação jurídico-material das pretensões e da defesa».

Perante este enquadramento, resulta manifesto que as circunstâncias atinentes à concreta causa da substituição da apólice 5000 500, pela apólice 5000 906, as quais não foram alegadas, devem ser analisadas à luz das pretensões deduzidas pelos autores nos presentes autos. Como se viu, a presente ação tem por objeto as apólices 5000 906 e 5001 202, sendo sobre estas que incide o pedido formulado pelos autores. Deste modo, os factos concretamente alegados na petição inicial não permitem sustentar qualquer direito que os autores se proponham fazer declarar relativamente à apólice 5000 500 assumidamente com início em 1997, conforme alegado pelos próprios autores no articulado apresentado 2-12-2016. Assim, as circunstâncias atinentes à concreta causa da substituição da apólice 5000 500 pela apólice 5000 906 não permitem configurar factos decisivos para a viabilidade ou procedência da presente ação, pelo que não seguem o regime dos factos essenciais, servindo, eventualmente, para a formação da convicção sobre os demais factos e para enquadramento da matéria alegada que constitui o objeto da presente ação.

Daí que se conclua que o teor da matéria de facto que foi aditada pelo Tribunal a quo no ponto 1.1.11 dos “Factos provados”, ainda que não concretamente alegada pelas partes, pode fazer parte do elenco dos factos provados, assim improcedendo, nesta parte, a impugnação apresentada pelos apelantes.

Questão diversa, de conhecimento oficioso por esta Relação, reside em saber se tal matéria pode integrar os factos provados ou deve sancionar-se como não escrita por se traduzir em juízos conclusivos ou de direito.

Conforme resulta do disposto no artigo 607.º, n.º 4, do CPC, o Tribunal só deve responder aos factos que julga provados e não provados, não envolvendo esta pronúncia aqueles pontos que contenham matéria conclusiva, irrelevante ou de direito.

Tal como salienta o Ac. do STJ de 28-09-2017 (16), «[m]uito embora o art. 646.º, n.º 4, do anterior CPC tenha deixado de figurar expressamente na lei processual vigente, na medida em que, por imperativo do disposto no art. 607.º, n.º 4, do CPC, devem constar da fundamentação da sentença os factos julgados provados e não provados, deve expurgar-se da matéria de facto a matéria susceptível de ser qualificada como questão de direito, conceito que, como vem sendo pacificamente aceite, engloba, por analogia, os juízos de valor ou conclusivos». Daí que a inclusão na fundamentação de facto constante da sentença de matéria de direito ou conclusiva configure uma deficiência da decisão, vício que é passível de ser conhecido, mesmo oficiosamente, pelo Tribunal da Relação, tal como decorre do artigo 662.º, n.º 2, al. c), do CPC.

Neste âmbito, deve entender-se como questão de facto «tudo o que tende a apurar quaisquer ocorrências da vida real, quaisquer eventos materiais e concretos, quaisquer mudanças operadas no mundo exterior», sendo que os «quesitos não devem pôr factos jurídicos; devem pôr unicamente factos materiais», entendidos estes como «as ocorrências da vida real, isto é, ou os fenómenos da natureza, ou as manifestações concretas dos seres vivos, nomeadamente os actos e factos dos homens», enquanto por factos jurídicos devem entender-se os factos materiais vistos à luz das normas e critérios do direito (17).

Analisando o ponto da matéria de facto provada em apreciação - «Em setembro de 1998, a apólice 5000.500 foi anulada, por falta de pagamento do prémio de seguro» - não pode deixar de entender-se que o mesmo enuncia uma conclusão quanto à efetiva anulação da apólice 5000 500 a qual pressupõe a prévia aferição dos requisitos legalmente previstos para operar a resolução do contrato de seguro em referência, o que configura uma questão de direito. Porém, saber como a apelada/ré X considerou ou qualificou a falta de pagamento do prémio devido pela apólice em referência no ponto em apreciação, tal como também resulta indubitável da motivação sobre a decisão da matéria de facto, já poderá constituir uma questão de facto, ainda que, como já se viu, não essencial no contexto da presente ação.

Como tal, decide-se restringir a matéria enunciada no ponto 1.1.11., embora não pelas razões indicadas pelos recorrentes, o qual passará a ter a seguinte redação:

«1.1.11. Em setembro de 1998, a ré X - Companhia de Seguros, S.A., considerou a apólice 5000 500 anulada, por falta de pagamento do prémio de seguro».

No mais, decide-se manter integralmente o teor do ponto 1.1.12.

No enquadramento antes enunciado, entendemos ainda que o vertido nos pontos 36 (1.1.36 supra) - «Destarte, a demandada aceitou a adesão com “Exclusão de Invalidez resultante de qualquer incapacidade ou doença que pessoa segura, eventualmente, seja portadora à data da sua inclusão no contrato e suas consequências”» -, 40 (1.1.40 supra) - «Na proposta de adesão e no “questionário clínico”, a autora omitiu a sua história clínica e de saúde» - e 41 dos “factos provados” (1.1.41 supra) - «Na verdade, no preenchimento do Questionário Clínico da (s) Pessoa (s) Segura (s) junto àquela adesão, em 07/02/2008, a aderente/proponente omitiu que sofria de quaisquer sequelas de que âmbito/valência fosse, nomeadamente de diabetes» -, configura matéria de índole conclusiva, por dever ser retirada como consequência da apreciação da matéria de facto provada, consubstanciando, por isso, juízos valorativos que encerram parte essencial da controvérsia que constitui o objeto do litígio a apreciar e decidir na presente ação.

Assim, quanto à expressão contida no ponto 36 dos “Factos provados” (1.1.36. supra), relevará saber o que consta efetivamente das condições ou cláusulas do contrato em referência, pressupondo ou envolvendo uma apreciação ou juízo valorativo sobre outros factos, alguns dos quais se mostram, aliás, elencados como factos provados constantes da sentença recorrida - como é o caso do ponto 1.1.37 supra (relativamente ao que consta efetivamente dos termos das condições gerais e particulares do contrato de seguro titulado pela apólice 5000 906, a que corresponde o boletim de adesão com o n.º 18556 e com referência à data da adesão e não a momento posterior).

Acresce que da redação dada ao referido ponto 1.1.36 transparece o sentido de traduzir uma conclusão relativamente às premissas ou proposições vertidas nos pontos 1.1.33., 1.1.34., e 1.1.35. Porém, tal conclusão não decorre como consequência lógica de tais premissas, posto que da análise da “Declaração de Estado de Saúde” anexa ao Boletim de Adesão com o n.º 18556, correspondente ao contrato titulado pela apólice 5000 906 a que se reportam aqueles pontos, não resulta qualquer enunciado que permita concluir que a autora (e não «demandada» como certamente por lapso consta do facto enunciado no ponto 36), ao subscrever aquela declaração, aceitou a adesão com «Exclusão de Invalidez resultante de qualquer incapacidade ou doença que pessoa segura, eventualmente, seja portadora à data da sua inclusão no contrato e suas consequências».

Por outro lado, mesmo não se entendendo tal formulação como manifestamente conclusiva, tal formulação sempre resultaria em contradição com o vertido no ponto 1.1.20 (Nenhuma das rés explicou aos autores ou leu as cláusulas dos contratos de seguro, nem lhes foram entregues cópias). Com efeito, tal como esclareceu o Tribunal a quo na motivação da decisão de facto constante da sentença recorrida, a propósito da valoração das declarações de parte prestadas pela autora M. F., «já quanto ao desconhecimento do teor das cláusulas contratuais, afigurou-se-nos que as declarações prestadas foram sinceras, decorrendo, de forma transversal, do seu depoimento, e da forma como atuou quando confrontada com a sua incapacidade, que a autora não se mostrava informada quanto aos termos do contrato e ao modo de proceder, tanto mais que referiu um valor da incapacidade mínima de 65% para o acionamento do seguro que sequer corresponde à realmente contratada. Neste particular, as suas declarações contribuíram para a consideração como não provado do facto mencionado em i)».

Também as referências consignadas nos pontos 1.1.40 e 1.1.41 pressupõem a análise de um conjunto de circunstâncias de facto que permitam consubstanciar o juízo de valor empreendido quanto à “omissão” de determinados factos ou situações concretas compreendidas nos antecedentes clínicos e de saúde da autora, e a concreta delimitação do que não foi por esta referenciado, tal como aliás consta dos pontos de outros pontos da matéria de facto provada (1.1.21., 1.1.22., 1.1.23., 1.1.42., 1.1.43, 1.1.44., 1.1.45., 1.1.46., 1.1.48., e 1.1.49).

Nestes termos, por conterem juízos conclusivos ou de direito, relevantes para a solução do litígio, que importa avaliar em função dos factos que venham a resultar provados, decide-se dar por não escritos os pontos 1.1.36., 1.1.40., e 1.1.41., determinando-se a respetiva eliminação dos “Factos provados”.

Em consequência, fica prejudicada a apreciação da impugnação da matéria de facto quanto a estes concretos pontos da decisão recorrida, relegando-se eventuais alterações complementares a dar aos restantes pontos da matéria de facto, que se tornem necessárias em função das alterações agora determinadas, para o momento da apreciação da restante impugnação da decisão da matéria de facto, no sentido de evitar insuficiências ou dúvidas quanto ao contexto ou sentido dos restantes factos.

Cumpre, então proceder à reapreciação da decisão proferida pela 1.ª instância relativamente à restante factualidade impugnada pela recorrente.

No que concerne à impugnação aludida em ii) supra, reportada apenas ao ponto 37 dos “Factos provados”, verifica-se que os apelantes defendem se considere o mesmo como não provado (conclusão 27.ª das conclusões).

Neste aspeto, os apelantes parecem discordar da relevância atribuída pelo Tribunal a quo ao teor dos documentos de fls. 73 a 78 (que constituem os documentos juntos à contestação apresentada pela ré/seguradora sob os n.ºs 6 e 7), sustentando que tais documentos não possuem credibilidade para servir de meio de prova de um contrato quando deles não consta a assinatura do representante da tomadora Caixa ..., S.A., e têm a data de 1 de janeiro de 2014.

O impugnado ponto reporta-se ao teor de um segmento retirado do documento referente às “condições particulares” da apólice n.º 5000 906 correspondente ao “seguro de vida grupo”, no qual figuram como “Segurador” a ora ré X e como “Tomador do Seguro” a ora ré CAIXA ..., do qual consta efetivamente a data de 1 de janeiro de 2014 e apenas uma assinatura no local correspondente ao “Segurador”.

Analisando a sentença recorrida, verifica-se que o Tribunal a quo justificou a sua convicção, para dar como provado aquele facto, do seguinte modo: «Ao teor das condições particulares de fls. 73-78, quanto aos factos mencionados em 32 e 37», reportando-se ainda aos depoimentos das testemunhas M. P. e M. M. (médica, responsável pela assessoria clínica da X no ramo vida, há 24 anos, relatou que todas as subscrições e regularizações de sinistros passam pelo seu aval),enquanto coadjuvantes da prova de tal facto. Tais depoimentos não foram, porém, concretamente invocados pelos ora apelantes no contexto da impugnação da matéria de facto agora em referência, pelo que importa analisar se os fundamentos enunciados pelos apelantes para desvalorizar o documento em referência são suficientes para permitir consubstanciar o alegado erro de julgamento invocado pelos apelantes a propósito da concreta matéria de facto em apreciação.

Está em causa um documento particular (artigo 363.º CC) relativamente ao qual se verifica não ter sido posta em causa a autoria da letra e da assinatura dele constante, já que não foi concretamente impugnado pelos ora apelantes aquando da sua junção aos autos. Assim sendo, tal como estabelece o artigo 376.º, n.º 1, CC, e tratando-se de documento cuja declaração assume natureza essencialmente narrativa ou informativa, o mesmo faz prova plena quanto às declarações atribuídas ao seu autor sendo que relativamente ao seu conteúdo ou aos factos compreendidos na declaração deve entender-se que no contexto dos autos os mesmos valem como elemento de prova a apreciar livremente pelo Tribunal.

Dos factos apurados resulta definitivamente provado que, em 14-11-2001, os autores subscreveram nova adesão (com o n.º 18556) a seguro de grupo, com as mesmas coberturas, pela apólice 5000 906. De resto, como se viu, a presente ação tem por objeto as apólices 5000 906 e 5001 202, sendo sobre estas que incide o pedido formulado pelos autores. Com efeito, vêm os autores, ora apelantes, formular como primeira pretensão «a condenação das rés a reconhecerem como válidos e vigentes os contratos de seguro titulados pelas apólices 5001 202 e 5000 906, à data do sinistro em 01-01-2012 (…)». E não impugnaram concretamente o documento agora em apreciação, através do qual a ré X veio explicitar ou documentar nos autos as condições particulares da apólice 5000 906, que os autores pretendem se reconheça como válida no pedido formulado. De resto, uma dessas condições já consta da matéria de facto definitivamente assente, como é o caso do ponto do ponto 1.1.32 supra.

Deste modo, nenhum reparo temos a fazer à decisão proferida sobre a matéria de facto que consta do ponto 1.1.37 dos “Factos provados”, atento o documento analisado e que serviu para formar a convicção do Tribunal a quo. Trata-se, manifestamente, de um documento pré-elaborado, de caráter uniforme. Atenta a sua natureza, é aplicável a todos os contratos de seguro sujeitos àquele tipo de apólice e, como tal, destinado a um universo não determinado de contraentes, independentemente da data aposta no concreto documento junto aos autos ou de o mesmo se mostrar ou não assinado pelo banco tomador, ora 2.º réu, o qual, de resto, também não pôs em causa tal documento nem o seu conteúdo, nem se vendo razão alguma para que a ré/seguradora, ora apelada, retirasse ou acrescentasse ao seu texto determinada (s) cláusula (s), designadamente aquela que o ponto 1.1.37 da matéria de facto provada pretende reproduzir parcialmente.
Daí que se entenda que os argumentos utilizados pelos ora recorrentes no sentido de desvalorizar o relevo probatório do documento de fls. 73 a 75 (que constitui o documento junto à contestação apresentada pela ré/seguradora sob o n.º 6, que os próprios apelantes não impugnaram oportunamente), não se revelam suficientemente idóneos para abalar o relevo probatório que dele efetivamente resulta, circunscrito ao teor das condições particulares que compõem a apólice n.º 5000 906 relativa a «Seguro de Vida Grupo».

Resulta do exposto que a matéria de facto constante do ponto 1.1.37 deve permanecer nos “Factos provados”, improcedendo, assim, nesta parte, a impugnação deduzida pelos apelantes, ainda que se imponha complementar a sua redação, atenta a eliminação já determinada quanto ao ponto 1.1.36 e em consonância com o que consta do documento 6 junto com a contestação (fls. 73-75), passando assim a ter a seguinte redação:

«1.1.37. Consta das Condições Particulares do contrato titulado pela apólice n.º nº 5000 906, no âmbito do risco coberto enunciado no ponto 1.1.32, a seguinte condição: «…não entrando para o seu cálculo quaisquer incapacidades ou patologias preexistentes».

No que concerne à matéria de facto aludida em iii) supra, reportada aos pontos 16, 39, 40, 41, 42, 43, 44, 45, 46, 47 e 48 dos “factos provados”, observa-se que o Tribunal a quo justificou a sua convicção, para dar como provados tais factos, do seguinte modo: «- Ao teor do certificado de adesão de fls. 31, quanto ao referido em 16 (…) e 39»; «- Ao teor dos boletins de adesão de fls. 71 e 72, quanto aos factos referidos em (…), 16 (…)»; «-Ao teor da declaração do estado de saúde de fls. 86, quanto aos factos aludidos em (…) 47»; «- Ao teor do questionário clínico de fls. 88, quanto aos factos vertidos em 40-47». Mais aludiu às declarações prestadas pela autora M. F., em especial, no que agora releva, que «[n]o decurso da instância acabou por reconhecer a autoria das assinaturas (designadamente do documento de fls. 88), reiterando a ausência de preenchimento aquando da aposição da sua assinatura», explicitando ainda: «Quanto ao preenchimento das propostas e à sua assinatura em branco, as respostas dadas pela autora não convenceram o Tribunal. Com efeito, a autora revelou hesitação, sendo notória a tentativa de procurar (sem êxito) reforço visual no seu mandatário, acabando por entrar em contradição. Outrossim, mesmo na sua tese, a não ter sido preenchido por si, teria o questionário de fls. 88 sido preenchido pelo seu marido, conhecedor das suas limitações de saúde, ou por alguém a mando deste, de acordo com as informações pela autora ou pelo seu marido fornecidas. Com efeito, no aludido questionário constam elementos pessoais (como o peso, altura e tensão arterial) que exigem intervenção, ainda que indireta, do declarante. Nessa medida se deu como não provado o referido em ii)». Reportou-se ainda aos depoimentos das testemunhas M. P. e M. M., a primeira enquanto coadjuvante da prova dos factos referidos em 16 (…), 33-46 e 48» e a segunda enquanto coadjuvante da prova dos factos referidos em (…), 33-46 e 48».

No âmbito probatório em referência estamos perante meios de prova sujeitos à livre apreciação do Tribunal. Trata-se, efetivamente, de documentos sem valor probatório pleno, o mesmo sucedendo quanto aos depoimentos das testemunhas e às declarações de parte, tudo em conformidade com o disposto nos artigos 341.º a 396.º do CC, e 466.º, n.º 3, do CPC.

O depoimento da testemunha M. P. vem agora concretamente invocado pelos ora apelantes no contexto da impugnação da matéria de facto, a par da referência aos boletins de adesão de fls. 72 e verso, bem como ao documento n.º 14 juntos pela própria ré seguradora, a fls. 83 verso da contestação, pelo que importa analisar se os fundamentos enunciados pelos apelantes, por referência aos indicados meios de prova, são suficientes para permitir consubstanciar o erro de julgamento alegado a propósito da concreta matéria de facto em apreciação.

Os apelantes parecem centrar a respetiva discordância numa alegada confusão ou num equívoco em que entendem ter incorrido o Tribunal a quo, o qual, segundo alegam, ficou plasmado no referido ponto 16, levando aquele tribunal a dar como provada a matéria dos pontos 39, 40, 41 42, 43, 44, 45, 46, 47 e 48 (sustentando ainda que este último ponto é “conclusivo”) como referente à apólice 5001 202, quando toda essa matéria consta sim mas na adesão à apólice 5001 152.

Com base nesse alegado equívoco, vêm os apelantes questionar que a adesão n.º 23182 (que os próprios recorrentes aceitam ter servido de base à adesão ao contrato titulado pela apólice 5001 202) corresponda ao boletim de adesão que foi junto aos autos pela 1.ª ré, a fls. 72. Para o efeito, reportam-se ao depoimento da testemunha M. P. sobre tal questão, com indicação das respetivas passagens da gravação, resultando dos fundamentos enunciados que os apelantes pretendem desvalorizar tal depoimento com base essencialmente nos seguintes argumentos: a) As circunstâncias narradas pela testemunha constituem um facto novo não alegado na contestação e de que não pôde haver contraditório - o da “descontinuidade” da apólice 5001 152, e de que se serviram dos boletins porque a CAIXA ... ainda não tinha impressos do seguro novo (conclusão 40.ª das alegações); b) Tal facto «é outra descarada mentira da testemunha, mentira que se revela nos documentos n.º 10 e 14 juntos pela própria ré seguradora, a fls. 81 e 83 verso da contestação, onde consta como devedor o segurado J. P. aderente 44.278 da Apólice 5001.152, quando na adesão mal preenchida de 07/02/2008 os autores figuram como aderentes n.º 23182 do mesmo seguro, pelo que terá de se concluir que a apólice 5001.152 nessa data não tinha sido “descontinuada”, antes continuou a admitir aderentes, pelo menos mais 21096, pois 44278 - 23182 = 21096» (conclusão 40.ª das alegações). Concluem que devia haver outro boletim de adesão, com o mesmo número 23182, que devia ter sido preenchido corretamente, já que aos apelantes não foram entregues nenhumas cópias (conclusão 41.ª das alegações) e que «a testemunha não se apercebeu que a Seguradora teve que substituir a adesão à apólice 5001152 por outra adesão por estar incorrecta em relação ao facto da Autora já sofrer de diabetes, e apesar de incorrecta sobre o inquerito clinico, nessa adesão de fls. 70 a 72 verso, no seu item 6 sob o titulo “Coexistência de Seguros” e sob o pergunta “tem seguros de vida em vigor na companhia?” a resposta foi “SIM”» (conclusão 39.º das alegações), bem como que a demora de mais de três meses entre 7-02-2008 e 28-05-2008 para a certificação do seguro dever-se-á necessariamente ao facto de a seguradora ou a CAIXA ... mandar retificar a pretensão de adesão.

Passando então à reapreciação do depoimento da testemunha M. P., um dos meios de prova em que os recorrentes baseiam a presente impugnação da decisão da matéria de facto, verifica-se que tal depoimento foi oportunamente ponderado pelo Tribunal a quo com a perceção que só a imediação permite e de acordo com o princípio da livre apreciação da prova. E, neste domínio, importa considerar que a necessária ponderação dos princípios da imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova implica que «o uso, pela Relação, dos poderes de alteração da decisão da 1.ª instância sobre a matéria de facto só deve ser usado quando seja possível, com a necessária segurança, concluir pela existência de erro de apreciação relativamente a concretos pontos de facto impugnados» (18).

Através da audição da gravação do depoimento prestado pela testemunha M. P. na sessão da audiência final realizada a 7 de fevereiro de 2019 constata-se que o âmbito material do depoimento prestado pela mesma compreende, no essencial, as concretas passagens vertidas nas transcrições e assinaladas no corpo das alegações de recurso como sendo relevantes para a pretendida alteração. Contudo, entendemos que da análise das referidas declarações, quando apreciadas integralmente e por confronto com a restante prova produzida, não resulta qualquer constatação relevante que nos permita divergir da análise crítica e ponderada de toda a prova produzida feita pelo Tribunal a quo a propósito da concreta matéria de facto agora em apreciação.

A propósito de tal depoimento, a decisão recorrida começou por enfatizar - e bem - que esta testemunha esclareceu que «aquando da subscrição do segundo contrato, foram usados os boletins de adesão da apólice 5001 152, que estava descontinuada, mas que tinha as mesmas garantias da apólice 5001 2002. Quando foi feito o registo, foi-o na apólice correta, ou seja a 5001 202». Mais se verifica que a versão dos factos apresentada pela testemunha em referência foi narrada de forma uniforme e coerente, mostrando-se consubstanciada nos documentos que constam dos autos, concretamente, no boletim de adesão que foi junto aos autos pela 1.ª ré, a fls. 72 (do qual consta efetivamente o n.º 23182, a data de 7 de fevereiro de 2008, bem como a assinatura da ora apelante como “pessoa a segurar”, mas também surge assinalada como “Modalidade de seguro a contratar”, a designação «Caixa Seguro Vida - Proteção ITP Apólice 5001 152»). Note-se que a própria autora/apelante aceitou, em sede de declarações de parte prestadas em audiência, ter assinado o referido boletim de adesão, datado de 7 de fevereiro de 2008 e que constitui o documento n.º 4 junto com a contestação (de fls. 72), confirmando que o documento com essa data se reportava ao âmbito do segundo empréstimo. Idênticos esclarecimentos adiantou a apelante relativamente ao “Questionário clínico” que constitui o documento n.º 20 junto com a contestação (de fls. 88), com a mesma data de 7 de fevereiro de 2008, nada referindo quanto a ter voltado a assinar a mesma adesão ou o respetivo questionário em data posterior à indicada nos documentos de fls. 72 e 88 dos autos.

Por outro lado, revelam-se manifestamente inconsequentes as referências agora enunciadas pelos recorrentes a propósito da “novidade” da questão trazida aos autos pela testemunha M. P.. Com efeito, foram os próprios autores/apelantes a suscitar a questão atinente ao número de apólice que consta dos documentos 4 e 5 (5001 152) ser diferente do n.º da apólice em causa nos autos (5001 202), questão que, aliás, foi vertida em sede de «Temas da Prova». Ora, a testemunha em causa limitou-se a responder às questões que lhe foram formuladas a propósito de tal matéria, de uma forma que nos pareceu espontânea e convincente, não se eximindo a prestar todos os esclarecimentos necessários, nem sendo detetadas quaisquer circunstâncias que permitam infirmar as afirmações que produziu perante o Tribunal a quo.

De resto, quanto às circunstâncias que resultaram dos esclarecimentos prestados pela referida testemunha em sede de audiência de julgamento, estamos perante factos resultantes da instrução da causa e que assumem uma função probatória pois visam contribuir para a formação da convicção sobre os demais factos e para enquadramento da matéria alegada que constitui o objeto da presente ação. Justifica-se, assim, a valoração feita na motivação da decisão recorrida quanto às circunstâncias narradas pela testemunha, na medida em que também resultam credivelmente evidenciadas no confronto com outros meios de prova disponíveis no processo.

Acresce que o depoimento testemunhal em causa foi oportunamente produzido em sede de audiência final, tendo sido por isso sujeito ao normal interrogatório e às instâncias necessárias pelos mandatários das partes bem como aos esclarecimentos julgados convenientes por parte do Tribunal a quo.

Rejeitam-se, deste modo, os argumentos destinados a afastar o relevo probatório do depoimento desta testemunha bem como a relevância da alegação de que as circunstâncias narradas pela mesma constituem factos novos não alegados na contestação e relativamente aos quais não pôde haver contraditório.

Os apelantes pretendem ainda abalar a credibilidade conferida pelo Tribunal a quo ao depoimento da aludida testemunha M. P. baseando-se para o efeito na análise do teor do documento n.º 14 da contestação, a fls. 83 verso dos autos, por constar do mesmo a referência a um outro devedor, o segurado J. P., aderente 44.278 da apólice 5001 152, quando na adesão de 07-02-2008, em causa nos presentes autos, os apelantes figuram como aderentes n.º 23182 do mesmo seguro, do que entendem dever concluir-se que «a apólice 5001 152 nessa data não tinha sido “descontinuada”, antes continuou a admitir aderentes, pelo menos mais 21096 (44278 - 23182 = 21096)».

Reapreciado este meio de prova, entendemos que dele nada se extrai de relevante que permita pôr em causa a veracidade da versão apresentada pela testemunha M. P.. Com efeito, do aludido documento apenas resulta a referência à data em que seguradora, ora apelada, considerou anuladas as adesões que nele vêm mencionadas, por alegada falta de pagamento dos prémios. Ora, desconhecendo-se as circunstâncias e o momento em que o referido segurado, que não é parte no processo, aderiu ao contrato de seguro com a aludida apólice, não é possível extrair qualquer conclusão idónea que possa infirmar de forma relevante a valoração que a propósito da prova produzida foi feita pelo Tribunal a quo. De resto, os próprios apelantes admitem, nas alegações de recurso, que «os números de adesão não se refiram especificamente a uma certa apólice, mas sejam números que seguem em relação a adesões de todas as apólices».

Deste modo, os meios probatórios indicados pelos apelantes não impõem se proceda à indicada modificação que pretendem se introduza à decisão de facto, nem tal resulta da análise dos boletins de adesão de fls. 72 e v.º, ambos assinados pelos apelantes e datados de 7 de fevereiro de 2008, sendo certo que nos autos nunca foi questionado por qualquer das partes qual o número do contrato de seguro associado ao segundo mútuo contraído pelos autores/apelantes junto da 2.ª ré/apelada, nem o número da respetiva adesão.

Daí que as conclusões extraídas pelos apelantes a propósito do alegado motivo da dilação verificada entre a data que consta dos referidos boletins de adesão (7 de fevereiro de 2008) e a data em que o contrato titulado pela apólice 5001 202 teve início (28 de maio de 2008) - no sentido de que «devia haver outro boletim de adesão, com o mesmo número 23182, que devia ter sido preenchido corretamente, já que aos apelantes não foram entregues nenhumas cópias» ou que, «a testemunha não se apercebeu que a Seguradora teve que substituir a adesão à apólice 5001152 por outra adesão por estar incorrecta em relação ao facto da Autora já sofrer de diabetes, e apesar de incorrecta sobre o inquerito clinico, nessa adesão de fls. 70 a 72 verso, no seu item 6 sob o titulo “Coexistência de Seguros” e sob o pergunta “tem seguros de vida em vigor na companhia?” a resposta foi “SIM”» -, não resultem minimamente consubstanciadas nos meios de prova produzidos e analisados nos autos, traduzindo, por isso, meras conjeturas sobre determinadas ocorrências e suposições sobre a eventual existência de outros documentos não concretamente juntos ao processo.

Nestes termos, os concretos meios de prova indicados pelos apelantes como relevantes para a alteração da decisão da matéria de facto contida na decisão recorrida no que concerne à impugnação aludida em iii) supra, não permitem infirmar de forma decisiva a valoração que a propósito foi feita pelo Tribunal a quo, a qual se afigura acertada e absolutamente adequada à prova produzida.

Por último, referem-se os apelantes ao ponto 48 dos “Factos provados” como sendo “conclusivo” (conclusão 35.ª das alegações). Ainda que não fundamentem as razões de tal alegação, importa apreciar a questão suscitada, porquanto, como se viu, independentemente da impugnação das partes, pode o Tribunal da Relação sancionar como não escrito todo o facto que se traduza num juízo conclusivo ou de direito, por configurar uma deficiência da decisão, vício que é passível de ser conhecido, mesmo oficiosamente, por este Tribunal.

O ponto 48 dos “Factos provados” tem o seguinte teor:

«1.1.48. A ser aquela patologia conhecida da seguradora, no momento da subscrição da proposta de seguro da apólice 5001 202, determinaria que a seguradora nunca tivesse contratado nos termos referidos em 39».

No ponto em apreciação estamos perante circunstâncias que relevam indiscutivelmente para a decisão a proferir sobre a matéria de exceção invocada, como facto impeditivo da validade do contrato de seguro em apreciação (19). Por outro lado, trata-se de circunstâncias apenas aparentemente conclusivas, já que revestem a natureza de verdadeiros enunciados de facto que não podem ser percecionados e apreendidos para o processo de outra forma. Tal como salienta o Ac. do STJ de 17-12-2019 (20), «não é, por si só, a feição conclusiva de um enunciado que permite excluí-lo da factualidade dada como provada, antes sendo de ajuizar se determinados enunciados linguísticos correspondem ou não à descrição de realidades factuais».

Neste domínio, vem ainda afirmando o Supremo Tribunal de Justiça, que, «[n]o âmbito da matéria de facto, processualmente relevante, inserem-se todos os acontecimentos concretos da vida, reais ou hipotéticos, que sirvam de pressuposto às normas legais aplicáveis, não obstando, por conseguinte, que se considere, como realidades suscetíveis de averiguação e demonstração, as ocorrências virtuais ou factos hipotéticos quando constituem uma consequência lógica retirada de factos simples e apreensíveis, não decorram da interpretação e aplicação de regras de direito e não contenham, em si, uma valoração jurídica que, de algum modo, represente o sentido da solução final do litígio» (21).

No enquadramento traçado, resulta manifesto que o facto vertido no ponto agora impugnado, não reproduz conceitos normativos nem juízos valorativos indeterminados, antes consubstanciando factos hipotéticos que se inserem ainda na área dos factos na medida em que representam um juízo de facto a formular necessariamente a partir de determinados factos simples e apreensíveis.

Por conseguinte, não pode proceder a impugnação suscitada pelos recorrentes quanto a este ponto, uma vez que se considera que o mesmo constitui matéria de facto.

Improcede, assim, a impugnação da decisão de facto, na parte em apreciação, sem prejuízo do já decidido quanto à eliminação dos pontos 1.1.36., 1.1.40 e 1.1.41. dos “Factos provados.

Atenta a eliminação já determinada quanto aos pontos 1.1.36., 1.1.40., e 1.1.41., dos “Factos provados”, e no sentido de evitar insuficiências ou dúvidas quanto ao contexto ou sentido dos restantes factos enunciados nos pontos 1.1.42 a 1.1.47, importa complementar a redação dos pontos 1.1.42., a 1.1.46., em consonância com a matéria vertida no ponto 1.1.47., e documento 20 junto com a contestação (fls. 88), a que respeitam, passando assim a ter a seguinte redação:

1.1.42. No preenchimento do Questionário Clínico da (s) Pessoa (s) Segura (s) junto àquela adesão, em 07/02/2008, nos «antecedentes pessoais» referidos pela autora, foi aposto um X na quadrícula “NÃO” quanto à questão se sofre ou sofreu de Diabetes, Bócio;
1.1.43. No preenchimento do Questionário Clínico da (s) Pessoa (s) Segura (s), junto àquela adesão, em 07/02/2008, no segmento «Declaração de Estado de Saúde» referida pela autora, foi aposto um X na quadrícula “NÃO” quanto à questão se nos últimos seis meses sofreu de alguma doença ou sofreu acidente com recurso a tratamento médico;
1.1.44. No preenchimento do Questionário Clínico da (s) Pessoa (s) Segura (s), junto àquela adesão, em 07/02/2008, no segmento «Terapêuticas», referido pela autora, foi aposto um X na quadrícula “NÃO” quanto à questão se já tomou alguns medicamentos como insulina.
1.1.45. No preenchimento do Questionário Clínico da (s) Pessoa (s) Segura (s), junto àquela adesão, em 07/02/2008, no segmento «Exames Complementares de Diagnóstico», referido pela autora, foi aposto um X na quadrícula “NÃO” quanto à questão se fez análises, ao sangue e à urina.
1.1.46. No preenchimento do Questionário Clínico da (s) Pessoa (s) Segura (s), junto àquela adesão, em 07/02/2008, no segmento «Declaração de Estado de Saúde» referida pela autora, foi aposto um X na quadrícula “NÃO” quanto à questão se teve ou tem qualquer doença.

Pelo exposto, relativamente à decisão relativa à matéria de facto, decide-se:

- Alterar a redação do ponto 11 dos “Factos provados” que consta da sentença recorrida (1.1.11.), que passará a ter a seguinte redação: «1.1.11. Em setembro de 1998, a ré X - Companhia de Seguros, S.A., considerou a apólice 5000 500 anulada, por falta de pagamento do prémio de seguro»;
- Dar por não escrito o ponto 36 dos “Factos provados” que consta da sentença recorrida (1.1.36.), em consequência do que se determina a respetiva eliminação dos “Factos provados”, julgando-se prejudicada a apreciação da impugnação da matéria de facto quanto a este ponto;
- Alterar a redação do ponto 37 dos “Factos provados”, que consta da sentença recorrida (1.1.37.), que passará a ter a seguinte redação: «1.1.37. Consta das Condições Particulares do contrato titulado pela apólice n.º 5000 906, no âmbito do risco coberto enunciado no ponto 1.1.32, a seguinte condição: “…não entrando para o seu cálculo quaisquer incapacidades ou patologias preexistentes”».
- Dar por não escrito o ponto 40 dos “Factos provados” que consta da sentença recorrida (1.1.40.), em consequência do que se determina a respetiva eliminação dos “Factos provados”, julgando-se prejudicada a apreciação da impugnação da matéria de facto quanto a este ponto;
- Dar por não escrito o ponto 41 dos “Factos provados” que consta da sentença recorrida (1.1.41.), em consequência do que se determina a respetiva eliminação dos “Factos provados”, julgando-se prejudicada a apreciação da impugnação da matéria de facto quanto a este ponto;
- Alterar a redação do ponto 42 dos “Factos provados”, que consta da sentença recorrida (1.1.42.), que passará a ter a seguinte redação: «1.1.42. No preenchimento do Questionário Clínico da (s) Pessoa (s) Segura (s) junto à adesão ao contrato titulado pela apólice 5001 202, em 07-02-2008, nos “antecedentes pessoais” referidos pela autora, foi aposto um X na quadrícula “NÃO” quanto à questão se sofre ou sofreu de Diabetes, Bócio»;
- Alterar a redação do ponto 43 dos “Factos provados”, que consta da sentença recorrida (1.1.43.), que passará a ter a seguinte redação: «1.1.43. No preenchimento do Questionário Clínico da (s) Pessoa (s) Segura (s), junto à adesão ao contrato titulado pela apólice 5001 202, em 07-02-2008, no segmento “Declaração de Estado de Saúde” referida pela autora, foi aposto um X na quadrícula “NÃO” quanto à questão se nos últimos seis meses sofreu de alguma doença ou sofreu acidente com recurso a tratamento médico»;
- Alterar a redação do ponto 44 dos “Factos provados”, que consta da sentença recorrida (1.1.44.), que passará a ter a seguinte redação: «1.1.44. No preenchimento do Questionário Clínico da (s) Pessoa (s) Segura (s), junto à adesão ao contrato titulado pela apólice 5001 202, em 07/02/2008, no segmento “Terapêuticas”, referido pela autora, foi aposto um X na quadrícula “NÃO” quanto à questão se já tomou alguns medicamentos como insulina»;
- Alterar a redação do ponto 45 dos “Factos provados”, que consta da sentença recorrida (1.1.45.), que passará a ter a seguinte redação: «1.1.45. No preenchimento do Questionário Clínico da (s) Pessoa (s) Segura (s), junto à adesão ao contrato titulado pela apólice 5001 202, em 07-02-2008, no segmento “Exames Complementares de Diagnóstico”, referido pela autora, foi aposto um X na quadrícula “NÃO” quanto à questão se fez análises, ao sangue e à urina»;
- Alterar a redação do ponto 46 dos “Factos provados”, que consta da sentença recorrida (1.1.46.), que passará a ter a seguinte redação: «1.1.46. No preenchimento do Questionário Clínico da (s) Pessoa (s) Segura (s), junto à adesão ao contrato titulado pela apólice 5001 202, em 07-02-2008, no segmento “Declaração de Estado de Saúde” referida pela autora, foi aposto um X na quadrícula “NÃO” quanto à questão se teve ou tem qualquer doença».
- Julgar improcedente a impugnação da decisão da matéria de facto deduzida pelos apelantes, mantendo-se, no mais, o elenco de factos que constam do ponto 1.1. supra, com a numeração nele enunciada.

2.3. Reapreciação da decisão de mérito da ação.

Na presente ação estão em causa dois contratos de seguro de grupo (ramo vida), titulados pelas apólices 5000 906 e 5001 202, nos quais intervieram a 1.ª ré/apelada - X - como seguradora, a 2.ª ré/apelada - CAIXA ... -, como tomadora/mutuante, e os autores, ora recorrentes, como aderentes/segurados.

Trata-se de contratos celebrados com a finalidade de assegurar o cumprimento das obrigações assumidas pelos autores para com a CAIXA ..., em dois contratos de mútuo, sendo cada um dos contratos de seguro reportado a um contrato de mútuo, o primeiro destes (no valor de € 49.879,79) destinado a custear construção do edifício da habitação dos autores e o segundo (no valor de € 35.000,00) destinado a investimentos ou benfeitorias em bens imóveis.

Não obstante o primeiro mútuo ter sido celebrado em 30-01-1997 (ponto 1.1.1.) e, nessa sequência, terem os autores aderido a seguro de grupo sob a apólice que, no ato de subscrição, teve o número 5000 500, com cobertura do risco de morte, invalidez total e permanente por acidente e invalidez absoluta e definitiva por doença (1.1.7), verifica-se que, em setembro de 1998, a ré X - Companhia de Seguros, S.A., considerou tal apólice anulada, por falta de pagamento do prémio de seguro» (1.1.11.), pelo que, em 14-11-2001 os autores subscreveram nova adesão (com o n.º 18556) a seguro de grupo, com as mesmas coberturas, pela apólice 5000 906 (1.1.12).

Deste modo, resultando dos autos que os autores aceitaram e subscreveram adesões autónomas a apólices distintas, ainda que com as mesmas coberturas e relativas ao mesmo mútuo outorgado em 30-01-1997, revela-se indiscutível que apenas a nova adesão, de 14-11-2001, com o n.º 18556, através da qual aderiram ao contrato de seguro titulado pela apólice 5000 906, releva para o objeto da presente ação. Aliás, a lei apenas admite situações de pluralidade de seguros com vários seguradores, o que impede se considere a vigência simultânea da apólice 5000 500 (por ser a mesma a seguradora em ambos os contratos), pois tal traduziria uma situação de pluralidade imprópria de seguros, não se vendo razão para considerar que a autonomia privada não deva prevalecer mesmo nessa situação, com a validade do segundo contrato (22).

Assim sendo, a aceitação de nova adesão à apólice 5000 906 (que os autores/apelantes assumidamente subscreveram em 14-11-2001 através da adesão n.º 18556) implica a constatação da indubitável sucessão ou substituição de seguros mas também a respetiva autonomia. De resto, os autores vêm demandar judicialmente as rés com vista ao reconhecimento da validade e vigência dos contratos de seguro titulados pelas apólices 5000 906 e 5001 202, à data do sinistro, alegadamente ocorrido a 01-01-2012 (e não pedem o reconhecimento da validade da apólice 5000 500).

Sendo assim, só se pode concluir que foram celebrados dois contratos de seguro de vida de grupo, em 14-11-2001 e 07-02-2008, associados aos contratos de mútuo, de que era tomador e beneficiário o banco mutuante e que garantia os montantes dos empréstimos concedidos, em caso de morte (cobertura principal) e de invalidez total e permanente por acidente e absoluta e definitiva ou total e permanente por doença (cobertura complementar) dos autores, na qualidade de pessoas seguras (cfr. 7, 12 e 16 dos factos provados), tal como se fez na sentença recorrida.

Improcedem, assim, nesta parte, as conclusões da apelação.

O «Seguro de grupo» vem definido no artigo 1.º, al. g), do Dec. Lei n.º 176/95, de 26-07 (23), como «seguro de um conjunto de pessoas ligadas entre si e ao tomador do seguro por um vínculo ou interesse comum».

Por sua vez, o atual artigo 76.º, n.º 1, do Regime Jurídico do Contrato de Seguro (RJCS), aprovado pelo Dec. Lei n.º 72/2008, de 16-04, enuncia que «[o] contrato de seguro de grupo cobre riscos de um conjunto de pessoas ligadas ao tomador do seguro por um vínculo que não seja o de segurar», explicitando ainda, no respetivo artigo 77.º, que o seguro de grupo pode ser contributivo ou não contributivo, sendo contributivo quando do contrato de seguro resulta que os segurados suportam, no todo ou em parte, o pagamento do montante correspondente ao prémio devido pelo tomador do seguro (artigo 77.º, n.º 2, do RJCS).

A respeito da peculiar natureza e fisionomia do seguro de grupo, refere o Ac. do STJ de 11-02-2017 (24): «Um contrato de seguro de grupo (ramo vida) em que são intervenientes uma seguradora, uma instituição financeira (como tomadora e credora beneficiária) e uma pessoa singular (como aderente-segurada) constitui um contrato celebrado no âmbito de um esquema contratual com uma estrutura tripartida complexa, tendo por base um plano de seguro e, na sua execução, várias adesões/celebrações de contratos de seguro concretizados nas declarações de vontade das pessoas seguras de aderirem ou fazerem parte do referido plano de seguro.

(…) Nestas situações, a seguradora e o tomador do seguro (a instituição bancária) celebram entre si um contrato de seguro que vai funcionar como o quadro em que, posteriormente, se estabelecem as situações ou relações de seguro (situações de risco) propriamente ditas».

Ultrapassada a questões antes considerada, observa-se que a qualificação dos contratos em apreciação nos presentes autos, como seguros de grupo, não vem questionada pelas partes no presente recurso.
A 2.ª ré/seguradora excecionou a exclusão contratual prevista nas condições particulares do contrato titulado pela apólice 5000 906 e a anulabilidade da apólice 5001 202, por omissão de circunstâncias relevantes para o apuramento do risco.

A 1.ª instância, julgando procedente a matéria de exceção invocada relativamente a ambos os contratos, entendeu:
.
a) Excluída a responsabilidade contratual da ré seguradora relativamente à apólice 5000 906 por considerar que a cláusula de exclusão foi contratualmente estabelecida e aceite pelos contratantes, bem como por decorrer dos autos que a incapacidade da autora resultou da evolução da diabetes;
b) Que a autora omitiu, no questionário de saúde junto à adesão ao seguro de grupo titulado pela apólice 5001 202, em 07-02-2008, circunstâncias relevantes para o apuramento do risco e que tal omissão influenciou causalmente a celebração do concreto contrato de seguro, nos termos clausulados, concluindo que as aludidas declarações inexatas ou reticentes da autora, enquanto factos impeditivos da validade do contrato de seguro, permitiam consubstanciar o vício previsto no artigo 429.º do Código Comercial, determinando a anulabilidade da adesão ao seguro de vida, com o consequente afastamento da cobertura do sinistro ao abrigo de tal contrato.

Em consequência, julgou a ação improcedente, absolvendo as rés X e CAIXA ... dos pedidos formulados.

Tal como decorre dos factos provados, a adesão aos seguros de grupo sob as apólices 5000 906 e 5001 202 foram subscritas pelos autores em 14-11-2001 e 07-02-2008, respetivamente (pontos 1.1.12. e 1.1.16), como tal ainda na vigência do Dec. Lei n.º 176/95, de 26-07 (25). Julgamos, assim, concretamente aplicável às questões suscitadas em a) e b) supra, o regime previsto neste último diploma legal e o regime geral estabelecido nos artigos 425.º e seguintes do Código Comercial, entretanto substituídos pelo RJCS, aprovado pelo Dec. Lei n.º 72/2008, de 16-04 (26), atento o regime transitório previsto neste último diploma (artigos 2.º, n.º 1, e 3.º, n.º 1, do Dec. Lei n.º 72/2008), e em sintonia com o artigo 12.º do Código Civil, já que se reportam, no essencial, à formação dos contratos (27), em especial à sua validade e ao cumprimento dos deveres de informação sobre coberturas contratadas e suas exclusões.
Relativamente à questão supra enunciada em a), verificamos que parte substancial dos argumentos apresentados pelos ora apelantes em sede de recurso incidia sobre a reapreciação da correspondente matéria de facto, nos moldes já apreciados.

O quadro factual relevante com vista à reapreciação do mérito é essencialmente idêntico ao que serviu de base à decisão recorrida, com exceção da eliminação determinada quanto ao ponto 1.1.36 dos “Factos provados” por se ter considerado que este assumia natureza conclusiva ou de direito. Vejamos se a eliminação determinada quanto ao ponto 1.1.36 dos “Factos provados” tem implicações relevantes no âmbito da decisão da questão efetivamente apreciada pelo Tribunal a quo a propósito do funcionamento da cláusula de exclusão que se revela no ponto 1.1.37. com o seguinte teor:

«1.1.37. Consta das Condições Particulares do contrato titulado pela apólice n.º 5000 906, no âmbito do risco coberto enunciado no ponto 1.1.32, a seguinte condição: “…não entrando para o seu cálculo quaisquer incapacidades ou patologias preexistentes”».

Neste contexto, resultam indiscutíveis as considerações feitas na sentença recorrida a propósito da exclusão dos riscos cobertos no âmbito da apólice n.º 5000 906, na parte em que analisa os pressupostos da aplicabilidade ao caso concreto da cláusula de exclusão contratualmente estabelecida, o mesmo sucedendo no que toca ao juízo subjacente à conclusão ali formulada.

Com efeito, a referida cláusula de exclusão mostra-se estabelecida no quadro contratual aplicável, pois está prevista nas condições particulares da apólice (ponto 1.1.37), devendo, além do mais, atender-se ao disposto na respetiva apólice para fixação do conteúdo do contrato de seguro, tal como decorre do art.º 427.º do Código Comercial. Por outro lado, uma cláusula contratual como a que se mostra enunciada no ponto 1.1.37 significa necessariamente que «ficam excluídas do âmbito do contrato de seguro as incapacidades resultantes de doenças pré-existentes, considerando a data de outorga do mesmo contrato, quer existisse ou não consciência da doença por parte da autora, segurada» (28).

Deste modo, tendo resultado da matéria de facto provada que a autora, ora apelante, já sofria, aquando da sua adesão à apólice n.º 5000 906 (em 14-11-2001), da doença (diabetes) que veio posteriormente a determinar a sua incapacidade (ponto 1.1.49.), afiguram-se reunidos os pressupostos para fazer atuar a cláusula de exclusão de responsabilidade prevista nas Condições Particulares da apólice (1.1.37), tal como entendeu a decisão recorrida.

Contudo, à luz dos factos que resultaram provados, já não podemos sufragar o entendimento vertido na sentença recorrida quando conclui que tal exclusão obteve efetiva aceitação por parte dos contratantes, designadamente dos aderentes, aqui autores/apelantes. Tal constatação implica consequências relevantes, que analisaremos de imediato.

Sobre a exclusão da responsabilidade contratual da ré/seguradora relativamente à apólice 5000 906 importa considerar que os apelantes invocaram nas alegações uma questão com relevância direta em sede de recurso (29), e que condensaram na conclusão 28 das respetivas alegações, ainda que complementada com o alegado nas conclusões 4.ª e 5.ª, nos seguintes termos: «Não se tendo provada a existência da cláusula de exclusão na data da inclusão ou inicio da vigência do seguro, e não tendo nessa data sido explicado, lido, nem sequer entregues cópias aos Autores de qualquer cláusula contratual, como ficou provada na resposta ao item 20, quando até era à Ré Caixa que detinha o ónus da prova de ter prestado as explicações e a entrega das cópias que era obrigada a fazê-lo, violou os nrs. 1, 2 e 3 do Art. 4º do Dec. Lei 176/95 de 25/07/1995, em vigor à data da adesão, não podendo ser imputada à Autora nenhuma cláusula de exclusão (cfr. acordãos atrás citados)».

Mediante tal alegação suscitam os apelantes a questão da falta de comunicação/informação sobre o conteúdo e alcance da cláusula de exclusão contratual em referência, alegando, no essencial, a violação do cumprimento do dever de comunicação e explicação das cláusulas do contrato, mas delimitando expressamente as eventuais consequências decorrentes do incumprimento desse dever à cláusula de exclusão, o que de resto resulta implícito da pretensão deduzida pelos autores quanto ao reconhecimento da validade dos contratos de seguro em apreciação.

Mais se verifica que tal questão já havia sido suscitada pelos autores no âmbito dos articulados apresentados no processo, tal como decorre da análise da petição inicial e do articulado de resposta às exceções apresentado nos autos, tendo, aliás, tal matéria, integrado expressamente os “Temas da prova”, designadamente a propósito da referida exclusão contratual.

Daí que não se trate de questão nova, que tenha sido colocada pela primeira vez em sede de recurso, posto que se observa ter sido submetida previamente à apreciação da 1.ª Instância. Tanto assim é que se verifica que o Tribunal a quo atendeu a factos que a ela se reportam diretamente, tal como resulta dos “Factos provados” (ponto 1.20. «Nenhuma das rés explicou aos autores ou leu as cláusulas dos contratos de seguro, nem lhes foram entregues cópias») e dos “Não provados” (ponto i. «Aquando das propostas de adesão formuladas pelos autores a cada um dos contratos de seguro, foi-lhe entregue um anexo ligado por “picotado” à proposta constituído por duas páginas e onde se explicavam as principais cláusulas do contrato, mormente quais os riscos assegurados pelo contrato respetivo e em que condições eles se verificariam (no que concerne a incapacidades)».

Deste modo, resta concluir que este Tribunal pode tomar conhecimento da enunciada questão.

A este propósito, verificamos que o Tribunal a quo baseou a decisão recorrida nos seguintes fundamentos: «(…) afigura-se-nos inequívoca a vigência da exclusão contratual, aliás, decorrente das declarações prestadas pela própria autora aquando do preenchimento do questionário clínico anexo ao boletim de adesão, em 14/11/2001, junto a fls. 86.

Ao assinar o questionário, a autora subscreveu o conteúdo das respostas dadas, assumindo toda a responsabilidade daí resultante, independentemente de ter sido ela (ou não) a proceder ao seu prévio preenchimento. (vide Ac. do STJ de 14/02/2017, Proc. nº 2294/12.0TVLSB.L1.S1, in www.dgsi.pt).

Tal exclusão veio a ser expressamente mencionada no certificado de adesão (cfr. fls. 87) e é consentânea com a própria essência do contrato de seguro».

Ora, em primeiro lugar, importa sublinhar que relativamente a esta questão não está em causa a veracidade das declarações prestadas pela autora aquando do preenchimento do questionário clínico anexo ao boletim de adesão de 14-11-2001, junto a fls. 86, o que, aliás, se mostra pacificamente assente nos pontos 1.33., 1.1.34., e 1.1.35.

Por outro lado, também não decorre do questionário clínico anexo ao boletim de adesão, de 14-11-2001, junto a fls. 86, qualquer referência expressa ou menção à referida exclusão contratual.

Por último, a circunstância de tal exclusão ter sido expressamente mencionada no certificado de adesão junto a fls. 87, que se mostra datado de 6-03-2012, revela-se irrelevante, à luz da matéria de facto provada, para efeitos do conhecimento da cláusula de exclusão contratual em apreciação, porquanto a mesma consta das condições particulares da apólice (1.1.37), à qual os autores aderiram a 14-11-2001 (1.1.12), e uma vez provado nos autos que nenhuma das rés explicou aos autores ou leu as cláusulas dos contratos de seguro, nem lhes foram entregues cópias (ponto 1.1.20).

Tal como considerou a decisão recorrida, ainda que a propósito das questões suscitadas relativamente à apólice 5001 202, os seguros de grupo (ramo vida) em causa nos presentes autos foram ajustados com base em cláusulas contratuais previamente definidas entre a seguradora e o tomador do seguro (o banco), como acontece em geral neste tipo de contratos, sendo-lhe aplicáveis, para além do regime do Dec. Lei n.º 176/95, de 26-07 antes aludido, o regime jurídico das cláusulas contratuais gerais, estabelecido no Dec. Lei n.º 446/85 de 25-10 (30). Com efeito, tais contratos revestem a natureza de contratos de adesão, no sentido que as cláusulas contratuais gerais que o regem não são sujeitas a negociação, mas apresentadas como um formulário que o destinatário do seguro se limita a subscrever (31), qualificação que as partes também não contestam.

É certo que, nos termos do referido artigo 4.º, n.º 2, do Dec. Lei n.º 176/95, de 26-07 (32), o dever de informação recai, primordialmente, sobre o tomador do seguro (o banco, aqui 2.ª ré), sobre o qual impende o ónus da prova de ter fornecido as informações referidas no n.º 1 do mesmo preceito, segundo o qual, nos seguros de grupo, o tomador do seguro deve obrigatoriamente informar os segurados sobre as coberturas e exclusões contratadas, as obrigações e direitos em caso de sinistro e as alterações posteriores que ocorram neste âmbito, em conformidade com um espécimen elaborado pela seguradora. Não desconhecendo que a questão atinente à eventual repercussão na esfera jurídica da seguradora da omissão culposa do dever de informação e esclarecimento a que estava vinculado o banco/tomador de seguro, aqui 2.ª ré, aquando da adesão das pessoas seguras, não é pacífica na jurisprudência dos tribunais superiores (33), entendemos que no caso em apreciação essa obrigação é oponível pelos aderentes à seguradora, o que de resto também não foi suscitado por qualquer das rés. Com efeito, tal como se refere no Ac. do STJ de 14-04-2015 (34), em moldes que julgamos de sufragar inteiramente, «a fonte do dever de informação da seguradora, para além do princípio da boa fé, é a lei – artigos 5.º e 6.º do DL n.º 446/85, de 25 de Outubro - em virtude de o segurado praticar um acto de adesão, limitando-se a aceitar ou a rejeitar em bloco o contrato. Este acto de adesão do segurado é uma manifestação de vontade do aderente, o que significa que, nos contratos de seguro de grupo, em que existe um acto de adesão do segurado, estamos perante um contrato individual entre cada aderente e a seguradora. Sendo assim, é aplicável ao caso o DL n.º 446/85, de 25/10 para regular as relações entre o segurado e a seguradora.

O facto de o legislador ter fixado, no art. 4.º, n.º 1 do DL n.º 176/95, de 26 de Julho, deveres de informação a cargo do tomador de seguro, não significa que tenha querido onerar exclusivamente o banco com estes deveres e exonerar a seguradora, perante o aderente, dos deveres que já decorriam dos arts 5.º e 6.º do DL n.º 446/85, de 25 de Outubro». Daí que «a falta de comunicação da cláusula de exclusão pelo tomador do seguro aos aderentes tem como efeito a sua eliminação do conteúdo contratual, nos termos do artigo 8º, alíneas a) e b) do DL 446/85, não podendo a seguradora prevalecer-se dessa falta para se eximir da sua responsabilidade de ressarcir pela ocorrência do risco sob cobertura, com fundamento no disposto no artigo 4º, nºs 1 a 3, do DL 176/95» (35).

No caso, a presente ação foi instaurada quer contra a seguradora (1.ª ré) quer contra o banco tomador/beneficiário do seguro (2.ª ré), podendo qualquer deles, ou ambos, fazer prova do cumprimento dos deveres de comunicação/informação relativamente aos aderentes/segurados, não se vislumbrando qualquer justificação atendível para não estender à seguradora ao regime jurídico dos contratos de adesão e os deveres de informação a cargo do predisponente, assim como os inerentes deveres de boa-fé. De resto, afigura-se que a matéria de facto enunciada no ponto 1.1.20 permite mesmo imputar de forma direta à própria ré seguradora a omissão do dever de informação do conteúdo da cláusula contratual de que se pretende prevalecer.

Deste modo, julgamos inexistir justificação para dispensar a seguradora do regime instituído pelo Dec. Lei n.º 446/85 de 25-10 pelo que aderimos à orientação que defende que «[n]a vigência do artigo 4º do DL. 176/95, de 26 de Julho, não tendo o Banco tomador e beneficiário do seguro, provado ter cumprido o ónus de informação “sobre as coberturas exclusões contratadas”, não pode a seguradora, demandada como Ré, e o Banco que na acção foi interveniente principal, opor ao aderente do contrato de seguro de grupo do ramo vida, as cláusulas que não foram informadas, para se eximirem do pagamento do capital seguro, verificado o risco previsto», por se entender que «[a] interpretação que protege o consumidor, como parte mais fraca, deverá considerar que, nos casos em que tiver sido demandada na acção a seguradora, mas nela tenha intervindo o Banco tomador do seguro, e não conseguindo este (nem aquela, diga-se) provar que cumpriu o ónus de informar o aderente do contrato de seguro de grupo, ante a dialéctica discussão, é oponível pelo aderente, que para nada contribuiu nem violou o contrato, a falta de cumprimento do ónus de informação, e, consequentemente, deve ser excluído o clausulado em relação ao qual o tomador do seguro violou o dever de informação» (36).

A este propósito, prevê o artigo 5.º do Dec. Lei n.º 446/85 de 25-10, sob a epígrafe «Comunicação»: «1 - As cláusulas contratuais gerais devem ser comunicadas na íntegra aos aderentes que se limitem a subscrevê-las ou a aceitá-las. 2 - A comunicação deve ser realizada de modo adequado e com a antecedência necessária para que, tendo em conta a importância do contrato e a extensão e complexidade das cláusulas, se torne possível o seu conhecimento completo e efectivo por quem use de comum diligência. 3 - O ónus da prova da comunicação adequada e efectiva cabe ao contratante que submeta a outrem as cláusulas contratuais gerais».

Por outro lado, o respetivo artigo 6.º, sob a epígrafe «Dever de informação», preceitua que: «1 - O contratante determinado que recorra a cláusulas contratuais gerais deve informar, de acordo com as circunstâncias, a outra parte dos aspectos nelas compreendidos cuja aclaração se justifique. 2 - Devem ainda ser prestados todos os esclarecimentos razoáveis solicitados».

Relativamente ao citado artigo 5.º, o objetivo da norma é claro: «a lei determina que o predisponente das cláusulas tem de comunicar à outra parte todas e cada uma das cláusulas que pretende ver integradas no contrato, por forma a possibilitar o seu conhecimento completo e efectivo por quem use de comum diligência. Isto significa que essa comunicação tem de permitir ao bom pai de família - como paradigma da diligência juridicamente exigível – esse conhecimento completo e efectivo. Da norma retira-se que, se bem que não se explicite qualquer elemento do conteúdo da obrigação de comunicação, os elementos contratuais essenciais e todos os outros são objecto dela, pelo que o desconhecimento, a incerteza ou o engano acerca de disposições contratuais por parte do aderente – que não sejam devidos a culpa deste – significam que aquela obrigação não foi pontualmente cumprida» (37).

Como consequência, estabelece o artigo 8.º do Dec. Lei n.º 446/85 de 25-10:

«consideram-se excluídas dos contratos singulares: a) As cláusulas que não tenham sido comunicadas nos termos do artigo 5.º; b) As cláusulas comunicadas com violação do dever de informação, de molde que não seja de esperar o seu conhecimento efectivo; c) As cláusulas que, pelo contexto em que surjam, pela epígrafe que as precede ou pela sua apresentação gráfica, passem despercebidas a um contratante normal, colocado na posição do contratante real; d) As cláusulas inseridas em formulários, depois da assinatura de algum dos contratantes». Ou seja, tal como decorre da lei, sempre que incumprida a obrigação de comunicação ou a de informação relativamente a cláusulas contratuais gerais aos aderentes que se limitem a subscrevê-las ou a aceitá-las, as cláusulas não comunicadas ou aclaradas consideram-se excluídas do contrato:

«Há, pois, uma redução ope legis do contrato, uma amputação deste das cláusulas, que não são consideradas nele integradas, por violação das obrigações pré-contratuais que a lei enuncia» (38).
A propósito do conteúdo de aludido dever de comunicação, refere o Ac. do STJ de 13-09-2016 (39): «Bem sabemos que as exigências especiais da promoção do efectivo conhecimento das cláusulas contratuais gerais e da sua precedente transmissão ou comunicação, decorrentes dos deveres que oneram o predisponente, para que estes possam ser completamente cumpridos, têm como contrapartida, também por imposição do princípio da boa-fé, o aludido dever de diligência média por banda do aderente e destinatário da informação: deste se espera um comportamento leal, correcto e diligente, nomeadamente pedindo esclarecimentos, uma vez materializado que seja o seu efectivo conhecimento e informação sobre o conteúdo de tais cláusulas.

Porém, essa constatação, em caso algum, poderá levar a admitir que o predisponente fique eximido dos deveres que o oneram, ou a conceber como legítimas uma sua completa passividade na promoção do efectivo conhecimento das cláusulas contratuais gerais e, sobretudo, uma ausência de comunicação destas ao aderente com a antecedência necessária ao conhecimento completo e efectivo, até para que o mesmo possa exercitar aquele seu dever de diligência, p. ex., pedindo esclarecimentos».

No âmbito da questão em apreciação, verificamos que mesmo no âmbito da jurisprudência que faz uma interpretação menos rígida do conteúdo do dever de comunicação, de que é exemplo o Ac. TRP de 08-03-2012 (40), «[o] dever de comunicação imposto pelo art.º 5.º do DL n.º 446/85, de 25/10, é cumprido quando se proporcione ao outro contratante a possibilidade razoável de, usando de comum diligência, tomar real e efectivo conhecimento do teor das cláusulas», não cumprindo esse dever «o contratante que não demonstre que a minuta do contrato foi entregue ao aderente, ainda que por intermédio de terceiro, com a antecedência razoável que permitisse a uma pessoa normalmente diligente a efectiva e real possibilidade de ler e analisar todas as cláusulas e pedir os esclarecimentos que entendesse necessários à sua exacta compreensão».

No caso vertente, encontra-se efetivamente demonstrado que nenhuma das rés explicou aos autores ou leu as cláusulas dos contratos de seguro, nem lhes foram entregues cópias (1.1.20). Perante este enquadramento fáctico, resulta indiscutível que as rés não só não provaram o cumprimento do dever de comunicação como ficou demonstrado que não criaram as condições para que os autores tivessem a possibilidade de conhecer efetivamente as condições do contrato titulado pela apólice n.º 5000 906, independentemente da respetiva complexidade, concretamente a condição particular em causa que prevê a exclusão das incapacidades resultantes de patologias preexistentes (ponto 1.1.37).

Por conseguinte, não comprovando as rés o cumprimento do ónus legal da devida comunicação aos autores da cláusula contratual geral de exclusão de responsabilidade que serve de base à exceção invocada nos presentes autos pela 1.ª ré/seguradora, não pode agora esta ré prevalecer-se da mesma uma vez que se terá de ter por excluída do contrato de seguro em causa, ou seja, tem-se por não escrita, nos termos e para os efeitos previstos nos artigos 5.º, n.º1, e 8.º, al. a), do Dec. Lei n.º 446/85 de 25-10.

O artigo 9.º do Dec. Lei n.º 446/85 de 25-10, sob a epígrafe «Subsistência dos contratos singulares», prevê que nos casos previstos no artigo anterior os contratos singulares mantêm-se, vigorando na parte afetada as normas supletivas aplicáveis, com recurso, se necessário, às regras de integração dos negócios jurídicos (n.º 1), acrescentando o seu n.º 2 que os referidos contratos são, todavia, nulos quando, não obstante a utilização dos elementos indicados no número anterior, ocorra uma indeterminação insuprível de aspetos essenciais ou um desequilíbrio nas prestações gravemente atentatório da boa-fé.

Tal como refere Ana Prata (41), em anotação ao artigo 9.º do Dec. Lei n.º 446/85 de 25-10, «[a]exclusão de cláusulas nos termos do artigo anterior não conduz à aplicação do regime geral da redução previsto no artigo 292.º do Código Civil, já que este preceito impõe uma redução automática (…) do contrato, compreensível face à ratio do diploma: a tutela do aderente que terá, em princípio, vantagem em continuar a ter vigente o contrato despojado das cláusulas em relação às quais não houve aceitação».

Ora, nada tendo sido alegado para o efeito, nem se considerando, que o dito contrato de seguro de grupo não possa subsistir sem a dita cláusula contratual geral assim excluída, designadamente por se ter então tornado indeterminável em aspeto essencial, ou implicar agora um desequilíbrio de prestação gravemente atentatório da boa-fé, permanece a 1.ª ré/seguradora obrigada à sua contraprestação.

Não podendo a 1.ª ré/seguradora prevalecer-se da cláusula de exclusão de responsabilidade prevista nas Condições Particulares da apólice (« 1.1.37. Consta das Condições Particulares do contrato titulado pela apólice n.º 5000.906, no âmbito do risco coberto enunciado no ponto 1.1.32, a seguinte condição: “…não entrando para o seu cálculo quaisquer incapacidades ou patologias preexistentes”»), uma vez que se entendeu já excluída do contrato de seguro em causa, resulta manifesto que se encontram preenchidos todos os restantes requisitos cumulativos previstos na cláusula das condições particulares (“Riscos cobertos”), enunciada no ponto 1.1.32., em relação ao risco seguro: «O risco coberto, que para o caso importa, é, (…) para o contrato titulado pela apólice nº 5000 906 o de invalidez absoluta e definitiva por doença, que se verifica quando a pessoa segura apresente um grau de desvalorização igual ou superior a 50% de acordo com a tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais», o que a autora logrou demonstrar.

Daí que no contexto antes enunciado, uma vez demonstrada a verificação do sinistro – cfr. os pontos 1.1. 22., a 1.1.29., e 1.1.49. – e considerando-se abrangido pelo seguro o sinistro participado, com a inerente obrigação da 1.ª ré em pagar o capital seguro garantido nas condições da apólice, correspondente ao reembolso do capital em dívida à CAIXA ... à data do sinistro, forçoso será concluir que o evento participado preenche os requisitos da cobertura de invalidez absoluta e definitiva por doença, o que impõe se considere abrangido pelo seguro o referido sinistro, com a inerente responsabilidade da ré/seguradora relativamente o contrato titulado pela apólice n.º 5000 906 correspondente ao reembolso do capital em dívida à CAIXA ..., à data do sinistro, quanto ao contrato de mútuo celebrado a 30-01-1997.

Atenta a improcedência da exceção relativa à exclusão contratual prevista nas condições particulares do contrato titulado pela apólice 5000 906 resta julgar procedente, nesta parte, a apelação.

Importa, porém, apreciar se os autores têm o direito a ver reconhecidas as pretensões concretamente formuladas nos autos, ainda que na parte correspondente às obrigações decorrentes do contrato titulado pela apólice n.º 5000 906: «reconhecer aos autores a dispensa de amortização ou pagamento das quantias mutuadas» e ainda o pedido de condenação da ré CAIXA ... a devolver aos autores as quantias correspondentes às prestações, juros e despesas que descontou na conta dos autores e recebeu, desde a data do sinistro em 01-01-2012 (42), bem como o que a esse título continue a receber ou descontar, acrescida dos juros de mora, à taxa legal, desde a data da citação e até à data do reembolso, bem como dos mesmos juros contados sobre as quantias que eventualmente continuar a receber, desde as datas desses recebimentos e até à do reembolso, quanto às obrigações emergentes da referida apólice 5000 906.

A questão agora em referência foi apreciada na sentença recorrida, ainda que sem qualquer influência no desfecho da ação porquanto o Tribunal a quo julgou integralmente procedente da matéria de exceção invocada pela 1.ª ré relativamente a ambos os contratos. Contudo, entendeu o Tribunal a quo explicitar desde logo o seu entendimento no sentido de que o reconhecimento da validade e vigência dos contratos titulados pelas apólices 5000 906 e 5001 202 à data do sinistro, em 01-01-2012, não tem a consequência que os autores dela pretendem retirar, mesmo que improcedessem as exceções arguidas pela 1.ª ré. Para o efeito, sustentou, no essencial, que os contratos de seguro não implicam a dispensa da amortização das quantias mutuadas e que, no caso, os autores cumpriram voluntariamente as obrigações do mútuo que se venceram e a que estavam vinculados. Assim, invocando a autonomia funcional e os objetivos próprios os dois contratos (mútuo e seguro de grupo vida), concluiu não haver fundamento legal para condenar a ré CAIXA ... a reconhecer a dispensa de amortização ou pagamento das quantias mutuadas pois que a obrigação de pagamento mantém-se face ao contrato de mútuo, não obstante a inércia da ré X na assunção do risco. Mais entendeu que tal dispensa e o consequente reembolso pela CAIXA ... aos autores das quantias recebidas a título de amortização do empréstimo desde a data do sinistro apenas poderiam proceder caso a ré X fosse condenada a pagar à ré CAIXA ... o capital em dívida à data do sinistro. Mas como tal pedido não foi concretamente formulado pelos autores nos presentes autos, concluiu aquele Tribunal não poder nele condenar, sob pena de violação do princípio consagrado no artigo 609.º, n.º 1, do CPC, por constituir objeto diverso.

Contra este entendimento insurgem-se os recorrentes nas alegações da apelação, sustentando, em síntese, que a quantia que peticionaram contra o banco, ora 2.ª ré, não é mais que a devolução dos montantes que após o sinistro, e na pendência da presente ação, os autores continuaram a pagar após a data do sinistro, ou melhor, o banco continuou a descontar na conta deles. Concluem que tal devolução não seria mais do que a repetição do indevido, já que se reporta a uma quantia que não era devida, que não tinha causa.

Vejamos como decidir.

Como se viu, estamos perante dois contratos de seguro de grupo (ramo vida), titulados pelas apólices 5000 906 e 5001 202, nos quais intervieram a 1.ª ré/apelada - X - como seguradora, a 2.ª ré/apelada - CAIXA ... -, como tomadora/mutuante, e os autores, ora recorrentes, como aderentes/segurados. Trata-se de contratos celebrados com a finalidade de assegurar o cumprimento das obrigações assumidas pelos autores/aderentes para com a ré CAIXA ..., em dois contratos de mútuo, sendo cada um dos contratos de seguro reportado a um contrato de mútuo, o primeiro destes (no valor de € 49.879,79) destinado a custear construção do edifício da habitação dos autores e o segundo (no valor de € 35.000,00) destinado a investimentos ou benfeitorias em bens imóveis.
Daí que, verificado o risco que o contrato de seguro titulado pela apólice 5000 906 visou acautelar, no caso a invalidez absoluta e definitiva por doença da aderente/autora, ficou a ré seguradora obrigada a cumprir o contrato, realizando a prestação que lhe cabe, ou seja, a pagar ao beneficiário/tomador (a ré CAIXA ...), o valor do capital seguro, correspondente ao valor em dívida pelos autores no âmbito do referido contrato de mútuo à data do sinistro (1-01-2012).
Ora, considerando a já referida estrutura triangular do analisado contrato de seguro de grupo (ramo vida), entendemos que o banco (mutuante/tomador) não pode assumir uma postura de total alheamento da relação que se estabelece entre a seguradora e os aderentes/segurados, até porque a adesão ao seguro é efetuada através daquele, que não pode, assim, ser considerado como um mero beneficiário do contrato de seguro (43). Com efeito, tal como decorre da matéria de facto provada, foi à CAIXA ... que a autora comunicou o seu estado de saúde e a incapacidade de que padecia (1.1.25). Mais se demonstrou que a autora deixou de trabalhar e passou a receber a pensão de invalidez de € 327,87 mensais (1.1.26), e que, em data não concretamente apurada, a autora foi informada por funcionária da CAIXA ... que se a incapacidade fosse permanente a CAIXA ... seria paga do crédito pela X (1.1.27.); na sequência dessa informação, a autora requereu junta médica que, efetuada em 29-01-2014, lhe atribuiu uma incapacidade permanente de 80%, calculada de acordo com a TNI, Anexo I, aprovada pelo Dec. Lei n.º 352/2007, de 23-10, com efeitos desde 2012 (1.1.28). Em data não concretamente apurada, a autora dirigiu-se à agência de Braga da CAIXA ... para entregar o comprovativo da incapacidade permanente, tendo sido informada, então, pela funcionária P. O. que as apólices 5000 906 e 5001 202 se encontravam anuladas desde 16/08/2012 e 08/09/2011, respetivamente (1.1.29.).

Deste modo, perante a verificação do risco previsto, surge diretamente no património do banco/tomador um direito de crédito sobre o capital seguro que aquele, na qualidade de beneficiário, pode exercer sobre a seguradora. Daí que, impendendo sobre a seguradora/1.ª ré a obrigação de pagar à entidade bancária, ora 2.ª ré, o capital seguro em dívida à data do sinistro, ao banco cabia, como parte no contrato de seguro, a obrigação de solicitar à seguradora (1.ª ré), a outra parte naquele contrato, o cumprimento das obrigações derivadas do mesmo, nada podendo exigir dos aderentes/autores a partir daquele momento (44).

Em sentido idêntico, refere o Ac. TRL de 26-02-2015 (45) «a obrigação da amortização, ocorrido o sinistro, deixou de estar na esfera da autora para estar na esfera da ré seguradora, sendo certo que se o sinistro lhe tivesse sido logo comunicado, as prestações referentes à amortização não teriam sido cobradas», para depois concluir que «[t]endo a mutuante continuado a cobrar à pessoa segura, após o sinistro, as prestações relacionadas com o empréstimo, terá que proceder à sua devolução, porquanto irá reaver da seguradora o valor ainda em dívida relativamente à quantia mutuada».

Em consequência, entendemos também manifesto que a única hipótese que poderia permitir à entidade bancária, ora 2.ª ré, continuar a cobrar as prestações relacionadas com o empréstimo seria a de se ter verificado algum tipo de incumprimento por parte dos autores/aderentes das obrigações que sobre si recaíam no âmbito do contrato celebrado (46), o que, no caso em apreciação, não se comprovou. Com efeito, tal como salientou - e bem - a sentença recorrida, «[q]uanto à vigência de tais contratos, o Tribunal apreciou a questão aquando da decisão da exceção de resolução dos contratos por falta de pagamento dos prémios de seguro, a que os autores tinham umbilicalmente ligado o pedido ora em foco. Face ao decidido, no sentido de não poder considerar-se validamente resolvidos os contratos de seguro em causa, não obstante se verificar a falta de pagamento de prémios, há que concluir que à data da participação do sinistro os mesmos mantinham-se válidos e em vigor, por recusada a resolução por falta de pagamento».

Apesar disso, verifica-se que a ré Caixa ..., SA continuou até hoje a proceder ao desconto na conta dos autores das prestações de juros e amortização dos empréstimos (1.1.30), não obstante o atraso na liquidação dever ser imputável à conduta da 2.ª ré seguradora, conforme decorre da análise já efetuada no presente recurso quanto à apólice 5000 906.

Neste enquadramento, não podemos sufragar o entendimento vertido na sentença recorrida quando considerou que o pedido de dispensa de amortização das quantias mutuadas e o consequente reembolso pela ré CAIXA ... aos autores das quantias recebidas a título de amortização do empréstimo apenas poderiam proceder caso a seguradora fosse condenada a pagar à CAIXA ... o capital em dívida à data do sinistro, pretensão que os autores não formularam.

Com efeito, julgamos que tal argumento é afastado desde logo pela circunstância de todos os intervenientes no referido contrato serem partes na presente ação, concretamente, a seguradora (1.ª ré), o tomador/beneficiário do seguro (2.ª ré/mutuante) e os aderentes (autores). Assim, uma vez verificado que a obrigação de amortização, logo que ocorrido o sinistro, deixou de assentar na esfera dos autores para se situar na esfera da 1.ª ré seguradora, e competindo à 2.ª ré (banco tomador), como parte no contrato de seguro e na qualidade de beneficiário designado no mesmo, reaver diretamente da seguradora (a outra parte naquele contrato) o capital seguro (correspondente ao valor ainda não amortizado pelos autores no âmbito do referido contrato de mútuo à data do sinistro, em 1-01-2012), por verificação do risco coberto, ficam tais questões definitivamente resolvidas no confronto com todos os intervenientes que compõem a relação trilateral que caracteriza o contrato de seguro de grupo, assim legitimando os pedidos formulados pelos autores na presente ação.

Como tal, o pedido de reconhecimento da dispensa de amortização ou do pagamento das prestações ainda em dívida no âmbito do referido contrato de mútuo revela-se legítimo e legalmente admissível, ainda que com referência à data do sinistro, em 1-01-2012 (tal como aliás resulta da interpretação do pedido formulado em 1).

Por outro lado, tendo a mutante CAIXA ... continuado a cobrar aos autores as referidas prestações após o sinistro, procedendo ao desconto na conta dos autores das prestações de juros e amortização dos empréstimos (1.1.30), quando a obrigação de tais valores incumbia à apelada seguradora e não já aos autores, mostra-se inevitável a peticionada devolução ou restituição integral aos autores das quantias indevidamente cobradas após a verificação do sinistro (a partir de 1-01-2012) e que foram debitadas na conta dos recorrentes. Com efeito, o reconhecimento perante todos os intervenientes no contrato do direito dos autores à dispensa de amortização e à consequente restituição das prestações relacionadas com o empréstimo (indevidamente cobradas após 1-01-2012) impõe-se mesmo como condição para que o banco tomador (ora 2.ª ré), na qualidade de beneficiária designada no contrato de seguro, possa vir a exercer o direito de crédito próprio que lhe assiste sobre a seguradora, no sentido de reaver desta o valor ainda não amortizado pelos autores à data do sinistro, no âmbito do contrato de mútuo garantido pelo seguro titulado pela apólice 5000 906.

Porém, relativamente à quantificação do valor correspondente às prestações, juros e despesas que foram efetivamente descontadas pela ré mutante CAIXA ... na conta dos autores, ora apelantes, desde a data do sinistro em 01-01-2012 e até 29-02-2016, tal como peticionado, facilmente se verifica que os elementos de facto disponíveis nos autos não são suficientes para a quantificação ou determinação do valor efetivamente cobrado, posto que apenas se provou que a CAIXA ... continuou até hoje a proceder ao desconto na conta dos autores das prestações de juros e amortização dos empréstimos (1.1.30.). Mas tal não obsta a que se relegue para liquidação ulterior o apuramento de tal valor, com referência às prestações emergentes do contrato de mútuo celebrado a 30-01-1997 (garantido pelo seguro titulado pela apólice 5000 906), sendo por isso aplicável a faculdade prevista no artigo 609.º, n.º 2, do CPC.

Procedem, assim, nesta parte, ainda que parcialmente, as conclusões dos apelantes.

Resta proceder à reapreciação do mérito da decisão recorrida na parte em que julgou verificada a exceção perentória de anulabilidade da adesão ao seguro de grupo do ramo vida titulado pela apólice 5001 202, por declarações inexatas ou deficientes, enquanto circunstância impeditiva da produção dos efeitos jurídicos pretendidos pelos autores relativamente a este contrato de seguro.

Tal como resulta das alegações apresentadas pelos recorrentes, a totalidade das questões nelas desenvolvidas visavam a alteração da decisão no que concerne às concretas questões de facto enunciadas a propósito desta matéria pelo Tribunal a quo, nos moldes já reapreciados. Com efeito, as alterações pretendidas pelos apelantes partiam essencialmente das dúvidas suscitadas por estes a propósito da alegada falta de correspondência entre a adesão n.º 23182 (que os próprios recorrentes aceitam ter servido de base à adesão ao contrato titulado pela apólice 5001 202) e o boletim de adesão que foi junto aos autos pela 1.ª ré, a fls. 72, baseando-se no argumento apresentado em sede de recurso de que devia haver outro boletim de adesão, com o mesmo n.º 23182, que devia ter sido preenchido corretamente, e que a seguradora teve que substituir a adesão à apólice 5001 152 por outra adesão por estar incorreta, devido ao facto de a autora já sofrer de diabetes.

Porém, o quadro fáctico relevante para a reapreciação do mérito da exceção invocada relativamente ao contrato titulado pela apólice 5001 202 mantém-se, no essencial, idêntico ao que serviu de base à decisão recorrida, atenta a improcedência da impugnação da decisão sobre a matéria de facto já decidida, com exceção da eliminação determinada quanto aos pontos 40 e 41 dos “Factos provados”.

Com efeito, apesar de termos entendido que a matéria antes vertida nos pontos 40 - «Na proposta de adesão e no “questionário clínico”, a autora omitiu a sua história» - e 41 dos “Factos provados” - «Na verdade, no preenchimento do Questionário Clínico da (s) Pessoa (s) Segura (s) junto àquela adesão, em 07/02/2008, a aderente/proponente omitiu que sofria de quaisquer sequelas de que âmbito/valência fosse, nomeadamente de diabetes» - não tinha cabimento em sede de decisão de facto, julgamos que a conclusão ali efetivamente enunciada mostra-se agora adequada no contexto da reapreciação da decisão de mérito, revelando-se evidente e facilmente apreensível mediante a análise de um conjunto de circunstâncias de facto que permitam consubstanciar tal juízo valorativo, patente na negação expressa de determinados factos ou situações concretas compreendidas nos antecedentes clínicos e de saúde da autora, e a concreta delimitação do que não foi por esta referenciado, tal como aliás consta dos pontos de outros pontos da matéria de facto provada (1.1.21., 1.1.22., 1.1.23., 1.1.42., 1.1.43, 1.1.44., 1.1.45., 1.1.46., 1.1.48., e 1.1.49).

Neste contexto, não merecem qualquer reparo ou censura as considerações feitas a tal propósito na sentença recorrida, designadamente quando conclui que a autora omitiu a diabetes de que padecia no questionário anexo ao boletim de adesão n.º 23182, posto que nessa data - em 7-02-2008 - forçosamente conhecia, desde há muito, tal circunstância (cfr. o ponto 1.1.21. do qual consta que em 1998, foi diagnosticada à autora diabetes mellitus tipo 2), e no preenchimento do Questionário Clínico da (s) Pessoa (s) Segura (s) junto àquela adesão, em 07-02-2008, nos “antecedentes pessoais” referidos pela autora, foi aposto um X na quadrícula “NÃO” quanto à questão se sofre ou sofreu de Diabetes, Bócio» (1.1.42).

Deste modo, resulta indiscutível que na adesão ao contrato de seguro, em 07-02-2008, a segurada/autora omitiu, no preenchimento do questionário clínico que lhe foi apresentado, determinada patologia que já então a afetava e que vinha explicitamente mencionada naquele questionário clínico (pontos 1.1.42 a 1.1.46.), sendo que tal patologia era por ela perfeitamente conhecida (1.1.21.).

Como se viu, o contrato de seguro em análise foi celebrado no domínio da vigência do artigo 429.º do Código Comercial, sendo aplicável o regime previsto nesta norma relativamente ao efeito das declarações inexatas ou reticentes do segurado já que tal matéria respeita, no essencial, à formação do contrato, em especial à sua validade, e não ao conteúdo ou à execução do vínculo, atento o regime transitório previsto no artigo 2.º, n.º 1, do Dec. Lei n.º 72/2008, de 16-04 e em sintonia com o artigo 12.º do Código Civil.

Neste domínio, o artigo 429.º do Código Comercial dispunha o seguinte:

«Toda a declaração inexacta, assim como toda a reticência de factos ou circunstâncias conhecidas pelo segurado ou por quem fez o seguro, e que teriam podido influir sobre a existência ou condições do contrato tomam o seguro nulo.
§ único. Se da parte de quem fez as declarações tiver havido má fé o segurador terá direito ao prémio».
Apesar da terminologia usada pelo citado artigo 429.º do Código Comercial, é atualmente pacífico o entendimento de que tal preceito prevê um regime de anulabilidade e não de nulidade (47).

No âmbito da peculiar natureza e fisionomia do contrato de seguro, revela-se fundamental a confiança nas declarações emitidas pelos contraentes. Daí que «para prevenir as eventuais tentativas de fraude, a lei sanciona com a invalidade os contratos em que tenha havido declarações inexactas, incompletas ou prestadas com reticências, com omissões por parte do tomador do seguro e que influam sobre a existência ou condições do contrato, sendo inócua a intenção do segurado, artigo 429.º do Código Comercial» (48).

Neste contexto, e tal como também tem vindo a ser amplamente entendido pela doutrina e jurisprudência, a sanção da anulabilidade do contrato contemplada no referido artigo 429.º do Código Comercial não é mais do que a previsão de um caso de erro-vício que incide sobre os motivos determinantes da vontade, pois as declarações falsas ou as omissões relevantes incidem sobre a própria formação do contrato, impedindo a formação da vontade real da contraparte (seguradora) na medida em que essa formação assenta em factos ou circunstâncias ignorados, por não revelados ou revelados de forma deficiente (49). Tal como salienta o Ac. do STJ de 8-11-2018 (50) «[m]ostra-se pertinente, pois, saber se o erro foi factor determinante da declaração negocial emitida – essencialidade do elemento sobre que incidiu o erro – e se o destinatário da declaração conhecia ou devia conhecer essa essencialidade, sendo estes os requisitos comuns de anulabilidade exigidos para o erro-vício e para o erro na declaração, por remissão do art.º 251º para o art.º 247º, ambos do Código Civil».

Deste modo, tal como decorre do citado artigo 429.º do Código Comercial, a anulabilidade do seguro por declarações inexatas ou reticentes está dependente da prova da essencialidade do facto inverídico ou omitido para influenciar a formação da vontade contratual do segurador, sendo necessário que tais declarações influam na existência ou nas condições do contrato, de tal modo que, se o segurador as conhecesse, não contrataria ou teria contratado em condições diversas. Porém, já não revela exigível o nexo causal entre o sinistro e o facto omitido (51).

Resta sublinhar que o regime legal agora em causa não exige o dolo do declarante, relativamente às suas declarações inexatas ou reticentes, para que a anulação do contrato possa operar. Assim, tal como refere o Ac. do STJ de 4-03-2004 (52), «não se exigindo que o declarante tenha agido com dolo, sendo suficiente que a omissão ou a declaração inexacta se devam a culpa daquele - o que resulta claro do disposto no § único do citado art. 429º - é, todavia, necessário que o segurado ou o tomador tenha conhecimento dos factos ou circunstâncias inexactamente declaradas ou omitidas. A lei exige que se trate de "circunstâncias conhecidas pelo segurado ou por quem fez o seguro" - só neste caso é que o seguro é anulável. E esse conhecimento deve, obviamente, reportar-se ao momento da subscrição da proposta contratual».

Em síntese, a propósito do regime jurídico aplicável ao caso em apreciação, podemos assentar nas seguintes conclusões, tal como enunciadas no sumário do Ac. do STJ de 27-03-2014 (53):

«(…) A seguradora goza do direito de anulação do contrato, celebrado com erro-vício da vontade , nos termos previstos no art. 429º do CCom., quando o segurado:

- omitiu, no preenchimento do questionário clínico que lhe foi apresentado, determinada patologia actual e consumada, explicitamente mencionada naquele questionário clínico;
- sendo essa patologia por ele perfeitamente conhecida, não podendo razoavelmente desconhecer que, pela sua gravidade e relevância, era – segundo as regras da experiência comum - significativa para a aferição do risco pela seguradora;
- e tal omissão influenciou causalmente a celebração do concreto contrato de seguro, nos termos clausulados.
(…). No âmbito do regime definido pelo citado art. 429º, não impede o efeito anulatório a circunstância de o sinistro (…) ter decorrido causalmente de uma patologia diversa e autónoma da que foi omitida à seguradora.
(…). Não se tendo provado a má fé ou o dolo do segurado nas declarações inexactas ou reticentes, prestadas à seguradora – radicando estas em simples inconsideração ou negligência – funciona de pleno o típico efeito retroactivo da anulabilidade do contrato, não havendo fundamento para a seguradora reter os prémios pagos como contrapartida de um risco que não teve de assumir».

Ora, ponderando o que decorre da matéria de facto assente, à luz do regime jurídico aplicável ao caso, verificamos que a decisão recorrida ponderou - e bem - que, independentemente da autoria do preenchimento do dito questionário, ao assiná-lo, a autora subscreveu o conteúdo das respostas dadas, assumindo toda a responsabilidade daí resultante.
Com efeito, tal como se refere naquela sentença, «ainda que se tivesse limitado a assiná-lo (o que não se provou), o que releva decisivamente não é a autoria material do escrito, mas o ter ou não o documento assinado pelo interessado sido preenchido de acordo com informação esclarecida e conscientemente prestada pela autora da assinatura do documento». Efetivamente, releva o facto de tal documento estar assinado por quem tinha de prestar as informações solicitadas no questionário, tanto mais que as mesmas se reportam à respetiva situação de saúde, com menção de características estritamente pessoais e particulares dos segurados (peso, altura, tensão arterial).
De resto, a assinatura do documento sempre faz presumir o conhecimento e aprovação do documento e a assunção da sua autoria, ficando o autor da assinatura vinculado nos termos que fez constar do documento (54).
Assim sendo, tal como salienta o citado Ac. do STJ de 27-03-2014, «[n]ão é plausível, nem razoável, face ao critério normativo da impressão do destinatário e ao princípio da boa fé contratual, que - ao assinar questionário clínico, essencial para o apuramento do risco subjacente à celebração de seguro de vida, preenchido com letra de impressão - o subscritor não se devesse ter necessariamente apercebido da natureza desse documento (ou seja: que estava em causa um questionário clínico e que das respostas nele inseridas resultava, cabal e categoricamente, que o segurado não padecia de qualquer patologia relevante e conhecida) (…)».

Por conseguinte, no contexto dos autos e perante o facto que resultou provado em 1.1.47, julgamos indiscutível que a sua subscritora, ora autora, teve necessariamente consciência, no momento da sua assinatura, da natureza do documento e da essencialidade ou relevância do seu conteúdo efetivo para a 1.ª ré.

Importa ainda considerar que a declaração ou questionário de saúde constitui efetivamente um inquérito sobre a saúde de cada um dos aderentes ao contrato, não podendo ser entendido como uma condição contratual (sem prévia negociação individual) que um destinatário (indeterminado) se limita a subscrever ou aceitar.

Neste domínio, a jurisprudência vem entendendo uniformemente que a declaração constante de um questionário ou inquérito sobre a saúde de cada um dos aderentes ao contrato não deve ser entendida como uma cláusula contratual geral, não podendo ser sujeito ao regime das cláusulas contratuais gerais (55).

Como salienta o Ac. do STJ de 14-02-2017, «a declaração de saúde, embora tenha sido previamente preenchida, não pode ser entendida como uma cláusula contratual geral, pois o seu conteúdo não tinha que ser, sem discussão, aceite pelos contratantes/segurados, antes pelo contrário, a estes competia (…) expressar a verdade em relação às respostas efectuadas. Pré-elaborado estava o questionário, mas os segurados não tinham que aderir a ele, mas sim fornecer à Seguradora os elementos (reais) relativos à sua saúde de forma a permitir a esta as condições de aceitação do contrato».

Por outro lado, revela-se ainda manifesto que a negação expressa de determinados factos ou situações concretas compreendidas nos antecedentes clínicos e de saúde da autora não é irrelevante para a 1.ª ré seguradora, influindo necessariamente para a correta avaliação do risco assumido. Com efeito, o questionário apresentado ao segurado apresenta-se como o elemento decisivo para a celebração do contrato na medida em que se presume não serem aí feitas perguntas inúteis e, através dele, é o próprio segurador que indica ao tomador quais as circunstâncias que julga terem influência no contrato, traduzindo-se numa facilitação concedida pelo segurador ao segurado e não parece justo que possa redundar em prejuízo daquele; as respostas ao questionário são o repositório das declarações de risco da pessoa segura em que a seguradora deve confiar e em função das quais aceita o não o contrato e fixa as respetivas condições, não se concebendo a formulação de perguntas inúteis ou irrelevantes (56). Assim, o questionário «é uma das formas de declaração inicial do risco pelo candidato tomador do seguro ou pessoa segura que tem por objectivo a ponderação por parte da seguradora dos riscos a correr com a celebração do contrato que lhe é proposto. As respostas a esse questionário correspondem ao «repositório das declarações da pessoa segura, declarações em que a seguradora deve confiar e em função das quais aceita ou não o contrato e fixa as respectivas condições» (57).

Tanto basta para se conclua, à luz dos factos provados, que a autora omitiu, no preenchimento do questionário clínico que lhe foi apresentado, determinada patologia de que já padecia (diabetes) e que naquele aparecia explicitamente mencionada (pontos 1.1.21., 1.1.42., 1.1.43., 1.1.44., 1.1.45., 1.1.46., 1.1.47.). Com efeito, à data do preenchimento do questionário (reportado a 7-02-2008), a segurada necessariamente sabia que padecia de tal doença crónica, pois que a mesma foi diagnosticada em 1998 (1.1.21.).

Deste modo, ao responder negativamente às questões relevantes para o completo esclarecimento do seu historial clínico, a autora prestou declarações inexatas ou reticentes sobre factos e circunstâncias dela conhecidos.

Acresce que a autora não podia, razoavelmente, desconhecer a gravidade e relevância de tal informação para a ré seguradora, porque tal lhe era expressamente perguntado no questionário clínico. Tanto assim é que os aderentes, demandante e marido referiram no aludido questionário clínico: “Declaro que respondi com verdade e completamente a todas as perguntas, consciente que quaisquer declarações incompletas, inexactas ou omissas, que possam induzir a Seguradora em erro, tornam este contrato nulo e de nenhum efeito, qualquer que seja a data em que a Seguradora delas tome conhecimento. Tomei conhecimento de que está excluída das garantias qualquer incapacidade física pré-existente à data do Boletim de Adesão” (ponto 1.1.47.). Nestes termos, é manifesto que a autora agiu com consciência da referida inexatidão e da relevância da mesma para a seguradora, o que permite configurar uma atuação negligente por parte da apelante ao prestar tais informações.

Por último, também ficou provado que, a ser aquela patologia conhecida da 1.ª ré, no momento da subscrição da proposta de seguro da apólice 5001 202, determinaria que a seguradora nunca tivesse contratado nos termos referidos em 39 (ponto 1.1.48), atenta a relevância daqueles elementos na avaliação do risco. Como tal, resta concluir que as declarações inexatas ou reticentes da autora influenciaram causalmente a celebração do contrato de seguro em referência, nos termos clausulados, já que também se demonstrou que «a adesão/proposta foi aceite pela seguradora à tarifa normal (de prémio), sem qualquer agravamento, pelos seus serviços de tarifação; ou exclusão pelos seus serviços técnicos» (1.1.39).

Daí que não mereça censura a decisão recorrida quando concluiu que a 1.ª ré/ seguradora goza do direito potestativo de anular o contrato em referência, já que provou tê-lo celebrado com base em vício da vontade, determinante para a sua celebração nos moldes acordados com a aderente/segurada, com a consequente improcedência dos pedidos formulados pelos autores/apelantes quanto a este contrato (apólice 5001 202).

Mostram-se, assim, reunidos os pressupostos de que o artigo 429.º do Código Comercial faz depender a anulabilidade do contrato de seguro titulado pela apólice 5001 202, o que implica a procedência da exceção invocada pela 1.ª ré quanto a este contrato.

Em consequência, resta confirmar, nesta parte, a sentença recorrida, improcedendo as correspondentes conclusões da apelação.

Pelo exposto, na parcial procedência da apelação, resta julgar parcialmente procedente a ação revogando a sentença recorrida no segmento em que julgou procedente a exceção perentória invocada pela 1.ª ré relativamente ao contrato de seguro titulado pela apólice 5000 906 e absolveu as rés dos pedidos formulados.

Tal como resulta da regra enunciada no artigo 527.º, n.º 1, do CPC, a responsabilidade por custas assenta num critério de causalidade, segundo o qual, as custas devem ser suportadas, em regra, pela parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento, pela parte que tirou proveito do processo.

Neste domínio, esclarece o n.º 2 do citado preceito, entende-se que dá causa às custas a parte vencida, na proporção em que o for.

No caso em apreciação, como a apelação foi julgada parcialmente procedente, ambas as partes ficaram parcialmente vencidas no recurso, pelo que devem as mesmas ser responsabilizadas pelo pagamento das custas do recurso (bem como da ação).
Quantificando o respetivo decaimento à luz das concretas pretensões formuladas, decide-se fixar as custas da ação e da apelação a cargo dos autores/apelantes e das rés/apeladas, na proporção de metade.

Síntese conclusiva:

I - Deve ser rejeitada a junção de documento requerida pelos recorrentes com as alegações de recurso se os apelantes não demonstram a novidade da questão decisória justificativa de tal junção, como questão só revelada pela decisão recorrida, pretendendo antes com tal documento comprovar a falta de credibilidade de determinada testemunha e a alegada falsidade do seu depoimento, pois que o recurso não é o momento oportuno nem o meio adequado para apresentação de novos meios de prova destinados a abalar a credibilidade ou a veracidade do depoimento de testemunha.
II - A nulidade prevista no artigo 615.º, n.º 1, al. d), “1.ª parte”, do CPC (“omissão de pronúncia”), só se verifica quando determinada questão colocada ao tribunal - e relevante para a decisão do litígio por se integrar na causa de pedir ou em alguma exceção invocada - não é objeto de apreciação, não já quando tão só ocorre mera ausência de discussão das “razões” ou dos “argumentos" invocados pelas partes para concluir sobre as questões suscitadas, sendo que o conhecimento de uma questão pode fazer-se tomando posição direta sobre ela, ou resultar de ponderação ou decisão de outra conexa que a envolve ou exclui.
III - Se a matéria que vem concretamente impugnada em sede de recurso sobre a matéria de facto não pode integrar os factos provados constantes da decisão recorrida, por consubstanciar juízos conclusivos ou de direito que encerram parte essencial da controvérsia que constitui o objeto do litígio, deve a Relação, mesmo oficiosamente, sancionar como não escrita tal matéria, ficando prejudicada a apreciação da impugnação da matéria de facto quanto a esses concretos pontos da decisão recorrida.
IV - Os seguros de grupo (ramo vida) em causa nos presentes autos foram ajustados com base em cláusulas contratuais previamente definidas entre a seguradora e o tomador do seguro (o banco), como acontece em geral neste tipo de contratos, sendo-lhes aplicáveis o regime jurídico das cláusulas contratuais gerais, estabelecido no Dec. Lei n.º 446/85 de 25-10, não exonerando a seguradora, que com o banco foi demandada na ação, dos deveres que decorrem de tal regime, assim como dos inerentes deveres de boa-fé perante os aderentes.
V - Ocorrido o sinistro, a obrigação de amortização do mútuo deixou de assentar na esfera dos autores para se situar na esfera da 1.ª ré seguradora, competindo à 2.ª ré (banco tomador), como parte no contrato de seguro de grupo e na qualidade de beneficiário designado no mesmo, reaver diretamente da seguradora (a outra parte naquele contrato) o capital seguro (correspondente ao valor ainda não amortizado pelos autores no âmbito do referido contrato de mútuo à data do sinistro), por verificação do risco coberto.
VI - Daí que, sendo todos os intervenientes no referido contrato também partes na ação, concretamente, a seguradora (1.ª ré), o tomador/beneficiário do seguro (2.ª ré/mutuante) e os aderentes (autores), ficam tais questões definitivamente resolvidas no confronto com todos os intervenientes que compõem a relação trilateral que caracteriza o contrato de seguro de grupo, assim legitimando os pedidos formulados pelos autores (reconhecimento de que os autores estão dispensados de amortização das quantias mutuadas, a partir da data do sinistro, e a consequente restituição das prestações relacionadas com o empréstimo que continuaram a ser efetivamente descontadas pela ré mutante CAIXA ... na conta dos autores desde a data do sinistro).
VII - Aos seguros de grupo (ramo vida) celebrados ao tempo da vigência do artigo 429.º do Código Comercial é aplicável o regime dele constante relativamente ao efeito das declarações inexatas ou reticentes do segurado já que tal matéria respeita, no essencial, à formação do contrato, em especial à sua validade, e não ao conteúdo ou à execução do vínculo, atento o regime transitório previsto no artigo 2.º, n.º 1, do Dec. Lei n.º 72/2008, de 16-04 e em sintonia com o artigo 12.º do Código Civil.
VIII – A omissão pela segurada, no preenchimento do questionário clínico junto à adesão a contrato de seguro de grupo (ramo vida) associado a um contrato de mútuo, de determinada patologia de que já padecia (diabetes) e de que necessariamente tinha conhecimento, que naquele aparecia explicitamente mencionada, configura circunstância relevante na avaliação do risco, podendo determinar a anulabilidade do contrato de seguro caso a seguradora demonstre que as declarações inexatas ou reticentes da autora foram determinantes para a sua celebração, nos moldes que foram clausulados, com o consequente afastamento da cobertura do sinistro ao abrigo de tal contrato por aplicação do artigo 429.º do Código Comercial.

IV. Decisão

Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar parcialmente procedente a apelação, revogando a sentença recorrida no segmento em que julgou procedente a exceção perentória invocada pela 1.ª ré relativamente ao contrato de seguro titulado pela apólice 5000 906 e absolveu as rés dos pedidos formulados.

Em consequência, decide-se:
a) Condenar as rés a reconhecer como válido e vigente o contrato de seguro titulado pela apólice 5000 906, em 01-01-2012 e, por via disso, reconhecer que os autores estão dispensados de amortização da quantia mutuada pelo contrato de mútuo celebrado a 30-10-1997, a partir daquela data (1-01-2012);
b) Condenar a ré CAIXA ... a devolver aos autores o valor correspondente às prestações, juros e despesas que foram efetivamente descontadas por esta ré na conta dos apelantes, desde a data do sinistro, em 01-01-2012, até à presente data, e que tenham como causa a quantia mutuada pelo contrato de mútuo celebrado a 30-01-1997, bem como o que a esse título aquela ré continue a receber ou descontar, em montante a liquidar em incidente de liquidação, ao abrigo da faculdade prevista no artigo 609.º, n.º 2, do CPC, acrescido de juros de mora, à taxa legal, desde a data da citação para a presente ação e até à data do reembolso sobre as quantias debitadas até à data da citação, bem como dos mesmos juros contados sobre as quantias cobradas pela ré posteriormente à citação, desde as datas desses recebimentos e até à data do efetivo do reembolso;
c) Confirmar, no mais, a sentença recorrida.
Custas da ação e da presente apelação a cargo dos autores/apelantes e das rés/apeladas, na proporção de metade.
Guimarães, 14 de maio de 2020
(Acórdão assinado digitalmente)

Paulo Reis (relator)
Espinheira Baltar (1.º adjunto)
Luísa Duarte Ramos (2.º adjunto)



1. Cfr. António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Coimbra, Almedina, 2013, p. 184.
2. Cfr. neste sentido, o Ac. do TRC de 18-11-2014 (relator: Teles Pereira), p. 628/13.9TBGRD.C1 disponível em www.dgsi.pt .
3. Cfr. Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta, Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Coimbra, Almedina, 2018, p. 786.
4. Cfr. José Lebre de Freitas/Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, volume 2.º - 3.ª edição - Coimbra, Almedina, 2017, p. 737.
5. Cfr. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil anotado, Vol. V, Coimbra, 1984 - Coimbra Editora, pg. 143.
6. Cfr. por todos, os Acs. do STJ de 8-11-2016 (relator: Nuno Cameira) - revista n.º 2192/13.0TVLSB.L1.S1– 6.ª Secção; de 21-12-2005 (relator: Pereira da Silva), revista n.º 05B2287; ambos disponíveis em www.dgsi.pt.
7. Cfr. o Ac. do STJ de 6-06-2000 (relator: Ferreira Ramos), revista n.º 00A251, disponível em www.dgsi.pt.
8. Ac. do STJ de 3-10-2017 (relator: Alexandre Reis), revista n.º 2200/10.6TVLSB.P1.S1 - 1.ª Secção, Sumários de Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, Secções Cíveis, p. 1, www.stj.pt/wp-content/uploads/2018/01/Civel_2017_10.pdf.
9. No primeiro dos pedidos formulados, que serve de pressuposto à pretensão formulada em 2 da petição inicial, os autores pedem a condenação da rés a reconhecerem como válidos e vigentes os contratos de seguro titulados pelas apólices 5001 202 e 5000 906, à data do sinistro em 01-01-2012 e, por via disso, serem os autores dispensados de amortização das quantias mutuadas.
10. Cfr. José Lebre de Freitas/Isabel Alexandre, Ob. cit., p. 734.
11. Cfr. o Ac. do STJ de 23-03-2017 (relator: Tomé Gomes), revista n.º 7095/10.7TBMTS.P1.S1 – 2.ª Secção, disponível em www.dgsi.pt.
12. Cfr. António Santos Abrantes Geraldes, Ob. cit. p. 126.
13. Neste sentido, cfr. o Ac. do STJ de 19-02-2015 (relator: Manuel Tomé Soares Gomes), revista n.º 299/05.6TBMGD.P2.S1 - 2.ª Secção, disponível em www.dgsi.pt.
14. O teor do artigo 8.º da petição inicial é o seguinte: «Mediante a subscrição e adesão ao referido seguro, sob a Apólice que no acto de subscrição teve o número 5000500, e mais tarde passou a ter o número 5000906, passaram a gozar os Autores da cobertura de risco de Morte ou Invalidez permanente, (Doc. juntos sob os nrs. 2 e 3)».
15. Cfr. Lopes do Rego, Comentário do Código de Processo Civil, Coimbra, Almedina, 1999, p. 200-201.
16. Relatora: Fernanda Isabel Pereira, revista n.º 809/10.7TBLMG.C1.S1 – 7.ª Secção, disponível em www.dgsi.pt.
17. Cfr. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil anotado, Vol. III, 4.ª edição (Reimpressão), Coimbra, 1985 - Coimbra Editora, pgs. 206 e 209.
18. Neste sentido, cfr. por todos, o Ac. TRG de 30-11-2017 (relator: António Barroca Penha) p. 1426/15.0T8BGC-A.G1, disponível em www.dgsi.pt.
19. Neste sentido, cfr., por todos, o Ac. do STJ de 26-01-2017 (relator: Lopes do Rego), revista n.º 1937/11.7TBBNV.E1.S1, 7.ª Secção, disponível em www.dgsi.pt.
20. Relatora: Maria da Graça Trigo, revista n.º 756/13.0TVPRT.P2.S1, 2.ª Secção, disponível em www.dgsi.pt.
21. Cfr. o Ac. do STJ de 18-10-2018 (relatora: Maria Rosa Oliveira Tching), revista n.º 3499/11.6TJVNF.G1.S2, 2.ª Secção, disponível em www.dgsi.pt.
22. Cfr., João Paulo Vasconcelos Raposo, Pluralidade de seguros: Conceito, extensão e valência, Julgar Online, abril de 2016, pgs. 22-23, a propósito do artigo 133.º, n.º 1, do RJCS, aprovado pelo Dec. Lei n.º 72/2008, de 16-04, acessível em http://julgar.pt/wp-content/uploads/2016/04/texto-seguros-Julgar.pdf.
23. Entretanto revogado pelo artigo 6.º do RJCS.
24. Relatora: Fernanda Isabel Pereira, revista n.º 620/09.8TBCNT.C1.S1, 7.ª Secção, disponível em www.dgsi.pt.
25. Dado que o regime atual, aprovado pelo Dec. Lei n.º 72/2008, de 16-04, só entrou em vigor em 1-01-2009 (cfr. o artigo 7.º).
26. Cfr. o artigo 6.º, n.º 2, als. a) e e), do Dec. Lei n.º 72/2008, de 16-04.
27. Neste sentido, cfr. entre outros, o Ac. do STJ de 30-11-2017 (relatora: Maria do Rosário Morgado), revista n.º 608/14.7TVLSB.L1.S1; e os Acs. do TRE de 30-01-2020 (relatora: Albertina Pedroso), p. 126/18.4T8ORM.E2; TRP de 4-10-2010 (relatora: Maria Adelaide Domingos), p. 1793/09.5TJPRT.P1; acessíveis em www.dgsi.pt.
28. Cfr. o Ac. do STJ de 11-02-2017, supra citado.
29. Para além da questão suscitada nas conclusões 1 a 3, que será adiante objeto de apreciação.
30. Cujo âmbito de aplicação está definido pelo artigo 1.º, que dispõe o seguinte: «1 - As cláusulas contratuais gerais elaboradas sem prévia negociação individual, que proponentes ou destinatários indeterminados se limitem, respectivamente, a subscrever ou aceitar, regem-se pelo presente diploma. 2 - O presente diploma aplica-se igualmente às cláusulas inseridas em contratos individualizados, mas cujo conteúdo previamente elaborado o destinatário não pode influenciar. 3 - O ónus da prova de que uma cláusula contratual resultou de negociação prévia entre as partes recai sobre quem pretenda prevalecer-se do seu conteúdo».
31. Cfr. o Ac. do STJ de 11-02-2017, supra citado.
32. Entretanto substituído pelo artigo 78.º do RJCS, o qual mantém, contudo, o ónus do tomador do seguro de informar e esclarecer os aderentes sobre as cláusulas de cobertura e de exclusão do risco, ainda que estendendo ao segurador a obrigação de facultar, a pedido dos segurados, todas as informações necessárias para a efetiva compreensão do contrato (n.º 4).
33. A propósito das orientações que têm vindo a ser defendidas no âmbito da jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça sobre esta matéria, elucida o Ac. do STJ de 20-06-2017 (relator: Júlio Gomes), revista n.º 1709/13.4TBFLG.P1.S1 – 6.ª Secção, disponível em www.dgsi.pt: «alguns Acórdãos orientam-se no sentido de que o dever de informação aos aderentes nos seguros de grupo cabe exclusivamente ao tomador do seguro; outros, por força da aplicação do regime das cláusulas contratuais gerais, defendem que também o segurador tem deveres de informação; e outros, ainda, que mesmo que tal dever recaia em primeira linha sobre o tomador do seguro, não se pode afastar que no caso concreto, por força da ambiguidade das cláusulas contratuais gerais predispostas pelo segurador, o incumprimento do dever de informação lhe seja também imputável».
34. Relatora: Maria Clara Sottomayor, revista n.º 294/2002.E1.S1, 1.ª Secção, disponível em www.dgsi.pt.
35. Cfr. o Ac. do STJ de 10-05-2018 (relator: Henrique Araújo), revista n.º 261/15.0T8VIS.C1.S2, 6.ª Secção, disponível em www.dgsi.pt.
36. Cfr. o Ac. do STJ de 29-11-2016 (Relator: Fonseca Ramos, revista n.º 1274/15.8T8GMR.S1, 6.ª Secção, disponível em www.dgsi.pt.
37. Cfr., Ana Prata, Contratos de Adesão e Cláusulas Contratuais Gerais, Anotação ao Decreto-Lei 446/85 de 25 de Outubro, Almedina, 2010, pgs. 238-239.
38. Cfr., Ana Prata, Ob. Cit., p. 266.
39. Relator: Alexandre Reis, revista n.º 1262/14.1T8VCT-B.G1.S1, 1.ª Secção, disponível em www.dgsi.pt.
40. Relator: Leonel Serôdio, p. n.º 3055/07.3TVLSB.P1, disponível em www.dgsi.pt.
41. Cfr., Ana Prata, Ob. Cit., p. 283.
42. Valor que os autores contabilizaram em €14.353,07 no âmbito do pedido formulado na petição inicial, com referência a ambos os contratos.
43. Neste sentido, cfr. o Ac. TRG de 16-02-2017 (relator: Pedro Alexandre Damião e Cunha) p. 396/14.7T8PRT.G1, acessível em www.dgsi.pt.
44. Cfr. o Ac. TRG de 16-02-2017, antes citado.
45. Relatora: Carla Mendes, p. 2176/12.5TVLSB.L1-8; acessível em www.dgsi.pt.
46. Neste sentido, cfr. o Ac. TRG de 16-02-2017, antes referenciado.
47. Na jurisprudência, cfr., por todos, os Acs. do STJ de 12-07-2018 (Relator: Paulo Sá), revista n.º 3016/15.9T8CSC.L1.S1 – 1.ª Secção; de 17-10-2006 (Relator: Urbano Dias, revista n.º 06A2852; de 11-06-2007 (relator: Nuno Cameira), revista n.º 07A3447, disponíveis em www.dgsi.pt.
48. Cfr. o Ac. do STJ n.º 10/2001, de 21-11-2001 (relator: José Mesquita), p. 00S3313, (Acórdão uniformizador) - Diário da República, I A, de 27-12-2001, e também disponível em www.dgsi.pt.
49. Cfr. o Ac. do STJ de 6-07-2011 (Relator: Alves Velho), revista n.º 2617/03.2TBAVR.C1.S1, 1.ª Secção, disponível em www.dgsi.pt.
50. Relator: Oliveira Abreu, revista n.º 399/14.1TVLSB.L1.S1, 7.ª Secção, disponível em www.dgsi.pt.
51. Neste sentido, cfr. entre outros, os Acs. do STJ de 17-10-2019 (relator: Ilídio Sacarrão Martins), revista n.º 3546/16.5T8CSC.L1.S1; de 12-07-2018 (Relator: Paulo Sá), revista n.º 3016/15.9T8CSC.L1.S1 – 1.ª Secção; de 6-07-2011 (relator: Alves Velho), revista n.º 2617/03.2TBAVR.C1.S1 – 1.ª Secção; de 27-05-2008 (relator: Moreira Camilo), revista n.º 08A1373; de 12-02-2008 (relator: Sebastião Póvoas), revista n.º 08A3737; de 11-06-2007 (relator: Nuno Cameira, revista n.º 07A3447; de 17-10-2006 (relator: Urbano Dias), revista n.º 06A2852; acessíveis em www.dgsi.pt.
52. Relator: Santos Bernardino, revista n.º 03B36317, disponível em www.dgsi.pt.
53. Relator: Lopes do Rego, revista n.º 2971/12.5TBBRG.G1.S, 7.ª Secção, disponível em www.dgsi.pt.
54. Neste sentido, cfr., por todos, o acórdão desta Relação, de 14-03-2019 (relator: Joaquim Boavida) - p. 4644/16.0T8BRG.G1, acessível em www.dgsi.pt.
55. Neste sentido, cfr. entre outros, os Acs. do STJ de 14-02-2017 (Garcia Calejo, revista n.º 2294/12.0TVLSB.L1.S1, 1.ª Secção; de 6-07-2011 (relator: Alves Velho); de 27-05-2008 (relator: Moreira Camilo), p. n.º 08A1373; acessíveis em www.dgsi.pt.
56. Cfr. o Ac. do STJ de 19-06-2019 (relator: Ilídio Sacarrão Martins), revista n.º 4702/15.9T8MTS.P1.S1, 7.ª Secção, disponível em www.dgsi.pt.
57. Cfr. o já referido Ac. do STJ de 12-07-2018.