Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1867/14.0TBBCL-F.G1
Relator: JOSÉ ALBERTO MOREIRA DIAS
Descritores: NULIDADE DA DECISÃO
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
CITAÇÃO NO ESTRANGEIRO
FORMALIDADES
NULIDADE DA CITAÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 12/17/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
Sumário (elaborado pelo relator):

1- Ocorre nulidade de decisão por omissão de pronúncia quando o tribunal não conheça de todos os pedidos, de todas as causas de pedir e/ou de todas as exceções invocadas pelas partes e cujo conhecimento não tenha ficado prejudicado pelo anterior conhecimento de outra questão.

2- Ocorre essa nulidade quando o apelante arguiu a nulidade da sua citação para os termos da ação declarativa por, entre outros fundamentos, incumprimento do disposto no art. 233º do CPC e quando, na decisão recorrida, se omitiu totalmente qualquer pronúncia quanto ao invocando incumprimento do disposto nesse art. 233º, considerando-se improcedente o incidente da nulidade da citação do apelante.

3- Verificada a nulidade da decisão recorrida por omissão de pronúncia, cumpre ao tribunal ad quem, no exercício dos seus poderes de substituição, sempre que disponha dos elementos necessários, suprir esse vício. De contrário, deverá anular a decisão recorrida e remeter os autos à 1ª Instância para apuramento desses elementos, seguida de decisão quanto ao incidente.

4- Uma coisa é a “falta de citação”, o que pressupõe a inexistência, pura e simples, do ato de citação ou a verificação de uma das situações enunciadas no art. 188º, n.º 1 do CPC, em que a lei equipara essas situações à falta de citação, e outra, diversa, é “a nulidade de citação” a que se reporta o art. 191º, n.º 1 do CPC, a qual pressupõe a efetivação da citação embora com preterição de formalidades prescritas na lei para a respetiva realização.

5- A “falta de citação” é do conhecimento oficioso (art. 187º) e só se sana com a intervenção do preterido sem que a argua de imediato (art. 189º), enquanto a “nulidade da citação”, em regra, apenas é arguível pelo interessado e dentro do prazo indicado para a contestação (art. 191º, n.º 1).

6- Dada a equiparação decorrente dos arts. 567º, 696º, al. e), 729º, al. d) e 851º do CPC, entre “falta de citação” e “nulidade de citação”, sempre que seja preterida, na citação, formalidade legal de que resulte prejudicado, ou possa resultar prejudicado, o direito de defesa do citando, a “nulidade da citação” deve ser equiparada à “falta de citação”.

7- O envio da carta a que alude o art. 233º do CPC é uma diligência complementar e confirmativa da citação, destinada a garantir que, por essa via, o citando venha a tomar conhecimento da citação de que foi alvo para o caso de ainda não ter tomado conhecimento da mesma, tratando-se de uma derradeira formalidade imposta pelo legislador com vista a atingir a efetiva citação do citando e garantir o seu direito de defesa.

8- Não obstante a total omissão da formalidade prevista no art. 233º do CPC, não constitua a omissão de uma formalidade essencial da citação, geradora de “falta de citação”, mas apenas determinativa de “nulidade de citação”, na medida em que a total omissão dessa formalidade prejudica, ou pode prejudicar, o direito de defesa do citando, quer pela equiparação referida em 6), quer pela consideração que o prazo de contestação apenas se inicia com o cumprimento do art. 233º do CPC e a presunção de receção dessa carta por parte do citando, ao citando assiste o direito de arguir a nulidade da citação com fundamento na total omissão dessa formalidade do art. 233º, enquanto a mesma não estiver cumprida aquando da sua intervenção no processo.

9- O Regulamento (CE) n.º 1393/2007, do Parlamento e do Conselho de 13 de novembro de 2007, não tem por finalidade restringir os direitos de defesa dos citandos ou notificandos, mas apenas promover a celeridade e eficácias desses atos no espaço intra comunitário, estabelecendo as condições mínimas em que essas citações e notificações se podem processar diretamente entre os Estados-Membros, citações e notificações essas que, em tudo que não é contrariado pelas disposições daquele Regulamento, têm de ser efetudas de acordo com as leis processuais dos Estados-Membros que efetuam essas citações ou notificações.
Decisão Texto Integral:
Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Guimarães.

I. RELATÓRIO

Massa insolvente de F. N., instaurou a presente ação declarativa, com processo comum, contra F. N. e J. F. e mulher, M. N., pedindo que:

1- seja declarado nulo, por simulado, o contrato de compra e venda realizado entre o 1º e os 2ºs Réus;
2- seja ordenada a restituição do direito de propriedade que incide sobre os imóveis identificados no item 6º da petição inicial na esfera patrimonial alienante insolvente, para, afinal, serem apreendidos à ordem da massa insolvente, aqui Autora;
3- seja ordenado o cancelamento dos registos efetuados com base na transmissão dos imóveis identificados no item 6º da petição inicial.

Os Réus não contestaram, pelo que por despacho proferido a fls. 98, consideraram-se confessados os factos articulados pela Autora.

A Autora alegou por escrito.

Foi proferida sentença julgando a ação totalmente procedente, constando essa sentença da seguinte parte dispositiva:

“Termos em que, vistos aqueles factos e direito, lido este à luz dos ensinamentos jurisprudenciais e doutrinais analisados:

a) Declaro nulo, por simulado, o contrato de compra e venda realizado entre os 1ºs e 2ºs Réus;
b) Ordeno a restituição do direito de propriedade que incide sobre os imóveis identificados em 1 dos factos provados na esfera patrimonial alienante insolvente, para, afinal, serem apreendidos à ordem da massa insolvente, aqui Autora;
c) Determino o cancelamento dos registos efetuados com base na transmissão dos identificados imóveis.

Por vencidos, pagarão os RR. as custas, nos termos dos arts. 527º, n.º1 e 2 do CPC e Tabela I-A do RCP”.

O Réu F. N. veio arguir a nulidade da citação, sustentando, em síntese, que apenas teve agora conhecimento, por mera casualidade, quando compulsou os autos principais, da existência do presente processo;

Tendo indagado junto da Secção onde teria sido citado, foi informado que a citação teria sido levada a cabo por via postal, remetida para a xx …, França, e que os serviços postais tinham confirmado que a referida citação tinha sido realizada em 07/12/2017 e teriam junto um aviso escrito em língua francesa, em nome do réu, datado do referido dia e no qual se encontra escrito o nome de L. S.;

Acontece que o Réu nunca recebeu aquela citação e, nessa data, encontrava-se em Portugal;
O Réu apenas se manteve intermitentemente em França até ao natal de 2017, passando, a partir daí, a residir definitivamente em Portugal;
Em França o Réu compartilhava casa com outro emigrante, o qual poderá ter recebido a citação, mas se o fez não a entregou àquele;
O distribuidor postal não terá advertido expressamente o terceiro que terá recebido a citação de que tinha o dever de pronta entrega da mesma ao citando;
Acresce que desde o final de novembro que o Réu não teve mais contacto com a pessoa com quem residia em França;
Tendo a carta de citação sido rececionada por pessoa diversa do Réu, a Secção não deu cumprimento ao disposto no art. 233º do CPC.
Para prova do alegado, juntou aos autos um documento (ata de discussão e julgamento que teve lugar no dia 04/12/2017, no âmbito dos autos de Processo Comum (Tribunal Singular) n.º 231/14.6TAVVD, do Tribunal Judicial da Comarca de Braga, Juízo Local Criminal de Vila Verde, onde consta que o Réu esteve presente nessa audiência – fls. 117 verso e 118) e arrolou duas testemunhas, cuja notificação requer.

Observado o contraditório, a Autora veio pugnar pela improcedência da arguida nulidade da citação, sustentando que a morada onde o Réu foi citado foi por ele indicada, através do seu mandatário, por correio eletrónico, remetido ao administrador judicial em 02/11/2016 e que, desde então, o Réu nunca mais informou os autos de insolvência de outra morada;

Impugnou parte dos factos alegados pelo Réu.

Proferiu-se decisão em que se indeferiu a requerida nulidade da citação do Réu, constando essa decisão do seguinte:

“Por requerimento de fls. 114 veio o requerido insolvente F. N. invocar nulidade do processado por não ter sido citado para a presente ação.
Para tanto invocou que a sua morada não é coincidente com aquela onde foi efetuada a citação. Conclui requerendo que seja verificada a invocada nulidade e ordenada a repetição da citação, anulando-se todo o processado ulterior à petição inicial.
Juntou documentos e indicou prova testemunhal.
Pronunciando-se sobre a invocada nulidade, a A. Massa Insolvente de F. N. pugnou pela sua improcedência.
O Tribunal é competente em razão da nacionalidade, da matéria, da hierarquia e do território.
O incidente é próprio e não há nulidades que invalidem o seu processado.
As partes têm personalidade, capacidade judiciárias, são legítimas.
Não existem outras exceções dilatórias, nulidades ou questões prévias que obstem à apreciação do mérito da causa incidental.

Nos termos do disposto no artigo 228 CPC, a citação de pessoa singular faz-se por meio de carta registada com AR, dirigida para a sua morada, podendo ser entregue ao citando ou a qualquer pessoa que lá se encontre.

No caso em apreço, após o insucesso de citação do insolvente para a morada constante do processo de insolvência, foi indicada nova morada, em França, morada essa que já teria sido usada na comunicação com aquele pelo Sr. AI.
Foi enviada carta registada, com aviso de receção, aviso esse constante de fls. 97, devidamente assinado, e com a data de 7-12-17.

Ora o insolvente assume que tinha residência nessa morada, onde residiu até ao final do Verão de 2017, de forma contínua. Nas suas palavras “passou a residir, alternadamente, em França e Portugal”, até ao Natal de 2017, quando se fixou definitivamente em Portugal.
O art.º 230,1 CPC faz presumir a citação na data de assinatura do aviso de receção, mesmo que seja assinado por terceiro, o que ocorreu.
No caso, não restam dúvidas, portanto, que a carta registada com aviso de receção para citação do reu foi remetida para o local da sua residência, e recebida por quem conhecia o mesmo.

Não pode o insolvente/réu vir invocar que não chegou a ter conhecimento do ato de citação, por facto que lhe não é imputável (cfr. art.º 188,1,e) CPC), uma vez que:

- esta foi a sua residência efetiva, até data posterior à citação;
- não cuidou o insolvente de atualizar a sua morada, nem junto do Sr. AI, nem dos próprios autos de insolvência.
Em suma, foram observadas as formalidades legais previstas para a citação do réu, que não logrou demonstrar que não teve conhecimento da citação por facto imputável a terceiro.
Por tudo o exposto, julgo improcedente o presente incidente de falta de citação.
Custas do incidente a cargo do réu, fixando-se o valor deste incidente no valor da ação.
Notifique”.

Inconformado com o assim decidido, veio o Réu F. N. interpor o presente recurso de apelação, em que apresenta as seguintes conclusões:

1. O presente Recurso vem interposto do douto despacho da Meritíssima Senhora Doutora Juiz a quo, proferido após a prolação da Sentença, que apreciou e decidiu o incidente de arguição de nulidade da citação suscitado pelo ora Recorrente antes daquela Decisão final.
2. O Recorrente não se conforma com o douto Despacho, o qual julgou improcedente o referido incidente, porquanto, em primeira análise, o Tribunal a quo, ao decidir o incidente sem que, previamente, observasse o estatuído nos artigos 294.º e 295.º do CPC, omitiu um ato ou uma formalidade que a lei prescreve e a referida irregularidade cometida teve influência no exame e na decisão do incidente, o que consequentemente determina a sua nulidade, atento o disposto no n.º 1 do artigo 195.º do CPC.
3. Num segundo ponto entende o Recorrente que a Meritíssima Senhora Doutora Juiz a quo no despacho recorrido deixou de se pronunciar sobre uma questão que o aqui Recorrente submeteu à sua apreciação, o que constitui fundamento de nulidade da decisão recorrida por omissão de pronúncia, face ao estatuído nos artigos 608.º n.º 2 e 615.º n.º 1 al. d) do CPC aplicável ex vi por força do disposto no artigo 613.º n.º 3 do mesmo diploma legal.
4. Consequentemente, atentas as questões supra mencionadas, fez o Tribunal recorrido uma errada interpretação dos factos e incorreta aplicação do Direito e, assim, julgou improcedente o referido incidente de arguição de nulidade de citação, que o Recorrente não aceita.
5. Verificada a completa omissão pela secretaria do envio da advertência a que alude o artigo 233.º do CPC, só por si, deveria a Meritíssima Juiz a quo determinar a nulidade da citação do ora Recorrente e, em consequência anular todos os atos subsequentes que dele dependam absolutamente, como é o caso da Sentença final entretanto proferida, e ordenar a repetição do ato, por preterição da referida formalidade, o que não sucedeu.
6. O Recorrente foi considerado citado para a presente ação, em virtude de um terceiro ter recebido a citação postal a si dirigida, efetuada nos termos do artigo 228.º do CPC, e assinado o respetivo aviso de receção, considerando-se, para esse efeito, citado na própria pessoa, ao abrigo do disposto no artigo 230.º n.º 1 do CPC.
7. Acontece que, desconhecia o Recorrente por completo a existência dos presentes autos.
8. Assim que deles teve conhecimento, de imediato apresentou requerimento em que suscitou o presente incidente de arguição da nulidade da sua citação, por falta de citação nos termos dos artigos 187.º al. a) e 188.º n.º 1 al. e) ambos do CPC e pela nulidade da citação, nos termos do artigo 195.º do CPC, por preterição da formalidade a que alude o artigo 233.º do CPC.
9. O Recorrente, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 293.º do CPC, requereu a produção de prova no referido incidente e aí indicou testemunhas para prova da falta de conhecimento do ato de citação, por facto que não lhe era imputável, designadamente pelo facto de o recetor daquela citação nunca a ter entregado ao Recorrente.
10. Acontece que, ainda antes de decidir o predito incidente, foi proferida Sentença nos presentes autos, que julgou regularmente citados todos os Réus e, face à inexistência de contestação pelos mesmos, julgou a presente ação totalmente procedente, considerando-se confessados os factos articulados pela autora.
11. Posteriormente, veio a Meritíssima Juiz a quo se pronunciar sobre o requerimento do ora Recorrente e, numa clara violação do disposto nos artigos 294.º e 295.º do CPC, conheceu o presente incidente sem produção de qualquer meio de prova, designadamente a prova testemunhal indicada pelo Recorrente, e assim decidiu o mesmo tendo apenas por base os documentos que se encontram juntos aos autos e dos quais resulta o cumprimento das formalidades dos artigos 228.º e 230.º n.º 1 do CPC, em virtude da presunção aí estabelecida, que o Recorrente, pela omissão da produção de prova, não logrou ilidir.
12. Acresce que, não se pronunciou a Meritíssima Juiz a quo acerca da invocada nulidade da citação, nos termos do artigo 195.º do CPC, por completa omissão do envio da advertência a que alude o artigo 233.º do CPC, a qual, só por si, determinaria a nulidade da citação, por preterição de formalidade essencial e, consequentemente a nulidade de todo o processado depois do referido ato.
13. Não se pronunciando sobre uma concreta questão submetida à sua apreciação, a decisão recorrida é nula, por omissão de pronúncia, conforme o disposto nos artigos 608.º n.º 2 e 615.º n.º 1 al. d) do CPC, aplicável ex vi por força do disposto no artigo 613.º n.º 3 do mesmo diploma legal.
14. Em virtude da referida preterição de formalidades, o presente incidente foi decidido com base em factos que se presumiram e que em nada correspondem à realidade e que de todo o modo o Tribunal recorrido incorretamente considerou.
15. O ato de citação tem natureza recetícia, constituindo pressuposto necessário do exercício do direito de defesa, constitucionalmente garantido no artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa.
16. A não citação do réu implica a nulidade do processado depois da petição inicial, salvando-se apenas esta, conforme estatui o artigo 187.º al. a) do CPC.
17. Conforme é consabido, existem duas modalidades de nulidade de citação: a falta de citação propriamente dita, prevista no artigo 188.º do CPC e a nulidade da citação, em sentido estrito, regulado no artigo 191.º do CPC.
18. A arguição da nulidade do ato processual constitui, no caso, um incidente da instância.
19. A omissão da produção de prova no incidente suscitado pelo citando outra consequência não produz que não a verificação de uma nulidade processual, nos termos do artigo 195.º n.º 1 do CPC.
20. Atento o alegado pelo citando no seu requerimento, o seu direito à prova e, ainda, ao disposto nos artigos 293.º n.º 1, 294.º e 295.º todos do CPC, parece claro que se impunha a inquirição da prova testemunhal indicada, com vista à adequada decisão do incidente suscitado.
21. Através da prova indicada, o ora Recorrente, enquanto destinatário da citação pessoal, pretendia provar que não chegou a ter conhecimento do ato, por facto que não lhe é imputável, nos termos do artigo 188.º n.º 1 al. e) do CPC e, assim, afastar a presunção juris tantum dos artigos 225.º n.º 4 e 230.º n.º 1 ambos do CPC, que, em face da omissão da referida produção de prova, aquele não logrou afastar.
22. Não se pode aceitar a alegação da Meritíssima Juiz a quo de que o ora Recorrente se considera citado na morada constante do processo de insolvência e que já tinha sido usada na comunicação com aquele e o Senhor Administrador de Insolvência, só por essa ser considerada a sua “residência”.
23. Ainda que se considere citado na sua residência, em nada tal circunstância estabelece uma presunção absoluta de que o citando recebeu a citação a si dirigida e assinada por um terceiro nessa morada, uma vez que tal presunção não existe, nem tão pouco é o que decorre da lei quanto à citação e às suas formalidades!
24. Não pode a Meritíssima Juiz a quo pretender dar à morada indicada no processo insolvência como a da sua residência, o mesmo efeito de um Termo de Identidade e Residência (doravante, TIR) no processo penal.
25. Salvo o devido respeito por diversa opinião, não tem o insolvente o dever de atualizar a sua morada, seja junto do Senhor Administrador de Insolvência ou mesmo dos próprios autos de insolvência, pois tal obrigação existe apenas caso seja proferido despacho inicial de exoneração do passivo restante e durante o período da cessão, nos termos do disposto no artigo 239.º n.º 4 al. d) do CIRE.
26. Não colhem, pois, os argumentos invocados pelo Tribunal recorrido para julgar improcedente o presente incidente de nulidade de citação e, dessa forma, considerar que a mesma foi corretamente efetuada na pessoa de um terceiro, por violação do disposto nos artigos 225.º n.º 4, 230.º n.º 1 e 187.º al. a) e 188.º n.º 1 al. e) todos do CPC.
27. Deveria ter sido conhecida a prova indicada pelo ora Recorrente para prova do alegado desconhecimento da citação efetuada na pessoa de terceiro, por este não lhe ter entregado ou comunicado a referida citação, o que, não sucedendo, gera a nulidade do Despacho recorrido, nos termos do disposto no artigo 195.º n.º 2 do CPC, o que se requer.
28. Acresce que, não sendo a citação pessoal realizada na pessoa do citando, mas de terceiro, incumbe ao Tribunal cumprir a “formalidade complementar da citação”, através do envio de carta, agora registada, ao citando, em que lhe comunica que a citação se considera realizada na data em que o terceiro a recebeu, comunicando-lhe ainda, novamente, os elementos essenciais previstos no artigo 227.º do CPC, acrescido da indicação da pessoa em quem o ato foi realizado, cumprindo assim a advertência a que alude o artigo 233.º do CPC.
29. Conforme jurisprudência unânime, a completa omissão da formalidade do artigo 233.º do CPC só implica a nulidade da citação, nos termos do artigo 195.º n.º 1 do CPC.
30. Nos presentes autos, a formalidade prevista no artigo 233.º do CPC foi totalmente omitida pela secretaria, que, no prazo de dois dias úteis e nos dias a seguir a esses, nunca chegou a remeter carta registada ao citando com a referida advertência e, tão pouco, os elementos essenciais da citação que aquele artigo prescreve.
31. Atentos os fundamentos invocados pelo ora Recorrente no requerimento em que suscitou o presente incidente, resulta claro que a omissão da referida formalidade prevista no artigo 233.º do CPC prejudicou a sua defesa, que não conseguiu apresentar, motivo pelo qual aquela omissão deve ter como única consequência a nulidade da citação, devendo ser ordenada a sua repetição, com todas as devidas e legais consequências,
32. Anulando-se, conforme o estatuído no n.º 2 do artigo 195.º do CPC, além do ato, os termos subsequentes que dele dependam absolutamente, no caso concreto, a sentença e o despacho recorrido, o que se requer.
33. Assim, não obstante as nulidades do despacho recorrido por omissão de pronúncia e, ainda, pela omissão de um ato ou formalidade essencial que a lei prescreve e que influiu no exame e na decisão da causa, sempre deve o Tribunal superior conhecer aquela nulidade da citação do ora Recorrente, na previsão do artigo 195.º n.º 1 do CPC, que, não sendo de conhecimento oficioso, foi arguida pelo Recorrente em primeira instância.

Nestes termos e nos melhores de Direito, e sempre com o mui douto suprimento de V.ªs Ex.ªs, deve o presente Recurso ser julgado totalmente procedente, por provado, e, em consequência, se determine a revogação, na íntegra, do despacho recorrido, decidindo-se pela procedência do incidente de nulidade da citação suscitado pelo ora Recorrente, por nulidade da sua citação para os presentes autos, devendo ser ordenada a repetição do ato e a anulação dos termos subsequentes que delem dependam absolutamente.

A apelada contra-alegou pugnando pela improcedência da presente apelação, em que apresenta as seguintes conclusões:

I. A questão decidenda que o Tribunal da Relação é chamado a pronunciar-se consiste em apurar se a citação a pessoa singular efetuada em pessoa diversa do citando operada nos presentes autos enferma de qualquer vício que inquine a sua validade e eficácia.
II. Diz a lei que a citação postal se considera feita no dia em que se mostre assinado o aviso de receção e tem-se por efetuada na própria pessoa do citando, mesmo quando o aviso de receção tenha sido assinado por terceiro, presumindo-se, salvo demonstração em contrário, que a carta foi oportunamente entregue ao destinatário.
III. Não se evidencia dos autos que tenha sido expedida a carta nos termos do art.º 233, porém, em abono da verdade sempre se dirá que tal missiva como formalidade complementar, não se traduz numa segunda citação, antes se configura como uma confirmação da citação já oportuna e validamente celebrada na data em que o terceiro a recebeu, no atendimento de uma situação em que se poderá presumir uma menor segurança e certeza no efetivo conhecimento, por parte do citado, dos elementos essenciais do ato.
IV. A citação postal efetuou-se através do envio de carta registada com AR para a morada que em juízo (processo de insolvência) era conhecida como sendo a residência do insolvente, sendo que foi efetivada em pessoa diversa do citando.
V. Não colhe o argumento de que o citado, aqui recorrente, não teve conhecimento da citação, porquanto se a morada para onde foi expedida a citação não correspondia à sua residência, era àquele que incumbia informar os autos de insolvência de nova morada para notificações, o que nunca fez.
VI. Não resulta evidenciado que o desconhecimento que possa ter advindo ao Recorrente do ato de citação, numa possível falta de comunicação pronta da mesma, por parte do terceiro que a rececionou, não seja imputável àquele, sendo certo que a expedição para a morada em causa assentou em dados constantes dos autos de insolvência a que este processo está apenso.
VII. Porém, conforme resulta da sua própria alegação, o recorrente teve residência em França, ainda que alternada com a residência sita em Portugal, até final do mês de Dezembro de 2017. Ora, a ser assim, concluímos que a citação dos presentes autos ocorreu em momento anterior, concretamente, em 07-12-2017, pelo que, improcede todas as alegações de desconhecimento do ato de citação sem culpa por parte do recorrente.
VIII. Destarte, não há qualquer nulidade no ato de citação suscetível de inquinar a citação do recorrente, pelo que

Termos em que se requer a V/ Exa se digne julgar improcedente, por não provada a arguição da nulidade de citação e, em consequência, manter-se a sentença já proferida in totum por não se encontrar ferida de qualquer vício que inquine a sua validade e eficácia.
*
Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
*
II- FUNDAMENTOS

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do apelante, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - cfr. artigos 635.º, nº 4, e 639.º, nºs 1 e 2, do CPC.

No seguimento do que se caba de dizer, as questões que se encontram submetidas pelo apelante à apreciação desta Relação resumem-se ao seguinte:

a- se a decisão recorrida é nula por violação do disposto nos arts. 294º e 295º do CPC, ao ter nela o tribunal a quo conhecido do pedido sem ter inquirido as testemunhas arroladas pelo apelante e tendo essa decisão por base apenas os documentos juntos aos autos;
b- se essa decisão é nula por omissão de pronúncia ao não se ter pronunciado quanto ao pretenso incumprimento pela Secção do disposto no art. 233º do CPC; e
c- se essa decisão padece de erro de direito quanto à decisão de mérito nela proferida:
c.1- ao ter considerado para efeitos de citação do apelante no âmbito dos presentes autos a morada indicada no processo de insolvência e ao considerar que sobre aquele impendia o dever de atualizar a sua morada junto do administrador de insolvência ou, mesmo, nos próprios autos de insolvência, quando essa obrigação apenas existe caso seja proferido despacho inicial de exoneração do passivo restante e durante o período da cessão; e
c.2- quando não foi dado cumprimento do disposto no art. 233º do CPC.
*
A- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Tendo em consideração os documentos juntos aos autos e, bem assim, aos autos de insolvência, relevam para a decisão a proferir no âmbito da presente apelação, os seguintes factos:

A- G., Lda. (…), requereu a declaração de insolvência de F. N., nos autos principais a que estes se encontram apensos, que correram termos sob o n.º 1867/14.0TBBCL, do Tribunal Judicial de Barcelos, 4º Juízo Cível – cfr. p.i. dos autos de insolvência.
B- Por sentença proferida em 12/08/2014, foi declarada, pelas 13h00m, desse dia 12/08/2014, a insolvência de F. N., divorciado, contribuinte n.º xxxxxx892, residente na Rua …., e foi-lhe fixada esta residência, tendo sido nomeado administrador da insolvência o Dr. F. D. indicado pela requerente – cfr. sentença proferida nos autos de insolvência, cuja cópia se encontra junta a fls. 11 e 12 dos presentes autos.
C- A sentença identificada em B) foi notificada, via Citius, em 13/08/2014, ao ilustre mandatário do insolvente F. N. – cfr. autos de insolvência.
D- Por requerimento entrado em juízo em 11/08/2014, o insolvente requereu a exoneração do passivo restante – cfr. autos de insolvência.
E- Por requerimento de 08/06/2018, o administrador judicial opôs-se à concessão da exoneração do passivo restante ao insolvente – cfr. autos de insolvência.
F- Por despacho proferido em 25/10/2018, foi indeferido liminarmente o pedido de exoneração do passivo restante apresentado pelo insolvente – cfr. autos de insolvência.
G- Por requerimento remetido em 02/11/2016, ao incidente de liquidação dos autos de insolvência identificados em A), o insolvente F. N., informou o seguinte:

“F. N., insolvente melhor id. nos autos supra referenciados, notificado para o efeito, vem informar que a sua atual morada é: xx …, em França” – cfr. incidente de liquidação, requerimento este cuja cópia se encontra junta a fls. 123 a 124 dos presentes autos.
H- Após o requerimento identificado em G), o insolvente F. N. não informou nos autos de insolvência e respetivos apensos qualquer alteração da morada indicada em G) – cfr. autos de insolvência e apenso de insolvência.
I- A apelada, Massa insolvente de F. N., instaurou a presente ação em 11 de outubro de 2017, contra o insolvente F. N. e J. F. e mulher, M. Fernandes, indicando F. N. como sendo residente na Rua …, xxx, Braga – cfr. fls. 1 a 82.
J- Tentada a citação de F. N., por carta regista com aviso de receção, enviada para a morada referida em I), a mesma frustrou-se – cfr. fls. 87.
K- Por requerimento de 16 de novembro de 2017, a apelada requereu que se notificasse o insolvente na “xx … – France, sustentando que “O AJ nomeado nos autos de insolvência de F. N. logrou apurar nova morada para contacto do insolvente, tendo inclusivamente obtido resultados positivos no envio de notificações” – cfr. fls. 91 e 92.
L- Tentada a citação do insolvente nesta última morada, foi reclamado o respetivo aviso de receção junto dos CTT, que, por oficio de 29/03/2018, entrado em juízo em 05/04/2018, informaram que “Concluídas as averiguações necessárias, apuramos que o mesmo foi entregue em 07-12-2017, conforme documento enviado em anexo”, constando deste documento, além do mais, o seguinte:

“… 24/11/17…”, seguindo-se um carimbo em que consta a data de “07/12/17”; e os dizeres: “destinatário: F. N.”. No canto superior direito desse documento lê-se: “Ok …)”- cfr. fls. 95 a 97”.
M- Na sequência do referido em L), não foi dado cumprimento ao disposto no art. 233º do CPC, tendo, em 11/04/2018, a Secção de processos aberta conclusão à Meritíssima Juiz do Tribunal a quo, que proferiu o seguinte despacho:

“Visto o disposto no n.º 1 do art. 567º CPC, porque os RR., regularmente citados, não contestaram, considero confessados os factos articulados pela A.
Cumpra-se o disposto no n.º 2 do art. 567º do CPC” – cfr. Citius e fls. 98.
*
B- FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA

Já se elencaram supra quais as concretas questões que o apelante submete à apreciação da presente Relação.

Estabelece o art. 663º, n.º 2 do CPC que o acórdão principia pelo relatório, em que se enunciam sucintamente as questões a decidir no recurso, expõe de seguida os fundamentos e conclui pela decisão, observando-se, na parte aplicável, o preceituado nos artigos 607º a 612º”.

Por sua vez, estatui o art. 608º, C.P.C. que, sem prejuízo do disposto no n.º 3 do art. 278º, a sentença conhece, em primeiro lugar, das questões processuais que possam determinar a absolvição da instância, segundo a ordem imposta pela sua precedência lógica (n.º 1) e que o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras (n.º 2).

Como é bom de ver, são razões de economia e de celeridade processual que impõem a solução enunciada neste n.º 1 do art. 608º, dado que em caso de procedência de alguma exceção que leve à absolvição da instância, automaticamente ficará prejudicado o conhecimento dos restantes fundamentos de recurso invocados pelo apelante.

Dentro desta filosofia compreende-se que sendo suscitadas nulidades da sentença recorrida, a jurisprudência considere que se deverá conhecer dessas nulidades, antes de se entrar no conhecimento dos restantes fundamentos de recurso, uma vez que a procederem as nulidades invocadas, tal poderá impedir, tornando inútil, o conhecimento daqueles outros fundamentos recursórios (1).

Decorre do que se vem dizendo que tendo o apelante invocado a nulidade da decisão recorrida com fundamento na violação do disposto nos arts. 294º e 295º do CPC, decorrente de nela ter sido proferida decisão tendo exclusivamente em consideração os documentos juntos aos autos, sem se proceder à inquirição das testemunhas arroladas por aquele no âmbito do incidente da nulidade da sua citação para os termos da ação declarativa e, bem assim, com fundamento em alegada omissão de pronúncia, decorrente de, nessa decisão, o tribunal a quo não se ter pronunciado quanto à omissão, pela Secção, da formalidade prescrita no art. 233º, n.º 1 do CPC, se imponha conhecer, de imediato, desses invocados vícios, uma vez que, reafirma-se, caso procedam, tal poderá implicar que os demais fundamentos de recurso que aduz quanto à decisão de mérito proferida fiquem prejudicados.

Note-se, no entanto, que a pretensa nulidade da decisão recorrida com fundamento em pretensa violação dos arts. 294º e 295º do CPC, encontra-se intimamente conexionada com o invocado erro de direito quanto à decisão de mérito proferida na decisão recorrida que o apelante imputa à mesma, posto que, para que se conclua pela existência dessa nulidade é necessário verificar quais os requisitos legais que, no caso, eram legalmente exigíveis para que se pudesse considerar o apelante devidamente citado para os termos da presente ação e se os factos já evidenciados e provados pela prova documental junta aos autos era suficiente ou não para que se pudesse concluir pelo preenchimento desses requisitos legais ou se dependia da produção da prova testemunhal arrolada pelo apelante no âmbito do requerimento inicial com que suscitou o incidente da falta da sua citação válida para os termos da presente ação.

Diversamente, o vício da nulidade da decisão recorrida com fundamento em pretensa omissão de pronúncia coloca-se ao nível puramente processual, no sentido de que reclama apenas que se verifique se o apelante suscitou, em sede de requerimento inicial em que deduziu o incidente da falta da sua citação válida para os termos da presente ação, o incumprimento, pela Secção, das formalidades legais prescritas no art. 233º, n.º 1 do CPC, e, no caso positivo, se o tribunal a quo omitiu ou não pronúncia quanto a essa concreta questão.

Significa do que se vem dizendo que, dentro da filosofia atrás enunciada prosseguida pelo legislador com a solução jurídica propugnada no n.º 1 do art. 608º do CPC, se imponha, em primeiro lugar, apreciar da pretensa nulidade por falta de pronúncia.

B.1- Da nulidade da decisão recorrida por falta de pronúncia

As decisões judiciais proferidas pelos tribunais no exercício da sua função jurisdicional podem ser viciadas por duas causas distintas, obstando qualquer delas à sua eficácia ou validade, a saber: a) por se ter errado no julgamento dos factos e do direito, sendo então a respetiva consequência a sua revogação; e b) como atos jurisdicionais que são, por se ter violado as regras próprias da sua elaboração e estruturação, ou as que balizam o conteúdo e os limites do poder à sombra do qual são decretadas, sendo então passíveis de nulidade, nos termos do art. 615.º do CPC (2).

Os vícios determinativos de nulidade da sentença, encontram-se taxativamente enunciados no referido art. 615º do CPC. e reportam-se à estrutura ou aos limites da sentença, tratando-se de defeitos de atividade ou de construção da própria sentença, ou seja, a vícios formais da sentença ou relativos à extensão do poder jurisdicional por referência ao caso submetido ao tribunal.

Respeitam a vícios da estrutura da sentença os fundamentos enunciados nas alíneas b) - falta de fundamentação - e c) - oposição entre os fundamentos e a decisão -, e respeitam a vícios atinentes aos limites da sentença, os enunciados nas alíneas d) - omissão ou excesso de pronúncia - e e) - pronuncia ultra petitum.

Trata-se de vícios que “afetam formalmente a sentença e provocam a dúvida sobre a sua autenticidade, como é o caso da falta de assinatura do juiz, ou a ininteligibilidade do discurso decisório por ausência total de explicação da razão por que se decide de determinada maneira (falta de fundamentação), quer porque essa explicação conduzir logicamente a resultado oposto do adotado (contradição entre os fundamentos e a decisão), ou uso ilegítimo do poder jurisdicional em virtude de pretender resolver questões de que não podia conhecer (excesso de pronúncia) ou não tratar de questões que deveria conhecer (omissão de pronúncia)” (3).

Diferentemente desses vícios, são os erros de julgamento (error in iudicando), os quais contendem com erros ocorridos ao nível do julgamento da matéria de facto ou ao nível da decisão de mérito proferida na sentença/decisão recorrida, decorrentes de uma distorção da realidade factual (error facti) e/ou na aplicação do direito (error iuris), de forma que o decidido não corresponde à realidade ontológica ou normativa.

Nos erros de julgamento assiste-se a uma deficiente análise crítica das provas produzidas ou a uma deficiente enunciação e/ou interpretação dos institutos jurídicos aplicados ao caso concreto, sendo que esses erros, por não respeitarem já a defeitos que afetam a própria estrutura da sentença (vícios formais), sequer do poder à sombra do qual a sentença é proferida, mas ao mérito da relação material controvertida nela apreciada, não a inquinam de invalidade, mas de error in iudicando, atacáveis em via de recurso (4).

Acresce precisar que conforme decorre do que se vem dizendo, os vícios da decisão da matéria de facto constituem erros de julgamento na vertente de “error facti” e como tal nunca constituem causa de nulidade da sentença com fundamento no art. 615º do CPC.

Na verdade, a matéria de facto encontra-se sujeita a um regime de valores negativos – a deficiência, a obscuridade ou a contradição dessa decisão ou a falta da sua motivação -, a que corresponde um modo diferente de controlo e de impugnação, não constituindo, por conseguinte, causa de nulidade da sentença, mas antes sendo suscetíveis de dar lugar à atuação pela Relação dos poderes de rescisão ou de cassação da decisão da matéria de facto operada pela 1ª Instância, nos termos do disposto nos n.º 1 e 2 do art. 662º do CPC (5).

Dispõe o art. 615º, n.º 1, al. d) que a sentença é nula quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse conhecer ou quando conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.

Os vícios a que se reporta este preceito – omissão e excesso de pronúncia - encontram-se em consonância com o comando do n.º 2 do art. 608º do CPC, em que se prescreve que “o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras (…)”.

Trata-se da concretização prática do princípio do dispositivo, que na sua conceção clássica e tradicional significava que “o processo é coisa ou negócio das partes”, é “uma luta, um duelo entre as partes, que apenas tem de decorrer segundo certas normas”, cumprindo ao juiz arbitrar “a pugna, controlando a observância dessas normas e assinalando e proclamando o resultado”, princípio esse de que, entre outras consequências, decorre que cabe às partes, através do pedido, causa de pedir e da defesa, circunscreverem o thema probandum e decidendum (6), mas também do princípio do contraditório, que na sua atual dimensão positiva proíbe a prolação de decisões surpresa (art. 3º, n.º 3 do CPC), ao postergar a indefesa e, consequentemente, ao reconhecer às partes o direito de conduzirem ativamente o processo e contribuírem ativamente para a decisão a ser nele proferida.

Como consequência, devendo o tribunal conhecer de todas as questões que lhe são submetidas (art. 608º, n.º 2 do CPC), isto é, de todos os pedidos deduzidos e todas as causas de pedir e exceções invocadas e, bem assim de todas as exceções de que oficiosamente lhe cabe conhecer, o não conhecimento de pedido, causa de pedir ou exceção, desde que suscitada/arguida pelas partes – logo se o tribunal não conhecer de exceção ou exceções do conhecimento oficioso, mas não suscitada(s) pelas partes, o não conhecimento desta(s), não invalida a decisão por omissão de pronúncia -, cuja conhecimento não esteja prejudicado pelo anterior conhecimento de outra questão, constitui nulidade, já não a constituindo a omissão de considerar linhas de fundamentação jurídica diferentes da decisão, que as partes tenham invocado, uma vez que o juiz não se encontra sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (art. 5º, n.º 3 do CPC), sequer a não apreciação de todos os argumentos aduzidos pelas mesmas para sustentarem a sua pretensão.

No caso, as questões que foram submetidas pelo apelante em sede do presente incidente da nulidade da sua citação para os termos da apresente ação de simulação que contra ele (e outros) foi intentada pela apelada, traduzia-se no facto daquele não ter alegadamente rececionado aquela carta, porquanto, na data em que terá sido realizada a citação (07/12/2017), tinha residência alternada em França e em Portugal, mas encontra-se, na altura, em Portugal; em França, o apelante compartilhava casa com outro emigrante, que poderá ter recebido a carta de citação, mas este não lha entregou e aquele não teve, desde a terceira semana de novembro de 2017, qualquer contacto com esse indivíduo; o distribuidor postal não terá advertido expressamente o terceiro que recebeu a carta de citação que tinha o dever de pronta entrega da mesma ao apelado; e não foi dado cumprimento ao disposto no art. 233º do CPC.

Decorre do que se vem dizendo que um dos fundamentos invocados pelo apelante e que, consequentemente, constituem causa de pedir da pretensa nulidade de citação que invocou e, por conseguinte, constitui “questão” necessariamente a apreciar pelo tribunal a quo na decisão recorrida, em que apreciou da verificação ou não da invocada falta de citação do mesmo para os termos da presente ação declarativa, foi o pretenso incumprimento pela Secção de Processos da formalidade prescrita no disposto no art. 233º do CPC.

Acontece que lida a decisão recorrida, verifica-se que nela o tribunal a quo omitiu, total e absolutamente, qualquer pronúncia quanto a essa concreta questão, não se pronunciado quanto à necessidade/desnecessidade do cumprimento da formalidade prescrita no enunciado art. 233º do CPC e sobre se essa formalidade, em caso de necessidade do respetivo cumprimento, foi ou não cumprida.

Decorre do exposto que o tribunal a quo, na decisão recorrida não conheceu efetivamente de questão que lhe era imposta que conhecesse – pretensa necessidade de cumprimento da formalidade prevista no art. 233º do CPC e pretenso incumprimento dessa formalidade -, o que determina, nos termos do disposto no art. 615º, n.º 1, al. d) do CPC, a nulidade da decisão recorrida com fundamento em omissão de pronúncia.
Nesta conformidade, declara-se a nulidade da decisão recorrida, com fundamento em omissão de pronúncia.

B.1.1- Consequências da nulidade da decisão recorrida por omissão de pronúncia.

A nulidade da decisão recorrida com fundamento em omissão de pronúncia não determina, necessariamente, a baixa dos autos à 1ª Instância, cabendo antes, ao tribunal ad quem, no exercício dos seus poderes de substituição, suprir essa nulidade, mediante a prolação da decisão que se impunha proferir.

Neste sentido estabelece o art. 665º do CPC, que ainda que declare nula a decisão que põe termo ao processo, o tribunal de recurso deve conhecer do objeto da apelação (n.º 1) e que se o tribunal recorrido tiver deixado de conhecer certas questões, designadamente por as considerar prejudicadas pela solução dada ao litígio, a Relação, se entender que a apelação procede e nada obsta à apreciação daquelas, delas conhece no mesmo acórdão em que revogar a decisão recorrida, sempre que disponha dos elementos necessários (n.º 2).

O exercício do enunciado poder de substituição pelo tribunal ad quem apenas não será possível quando os autos não contenham todos os “elementos necessários” que permita a prolação dessa decisão de substituição, caso em que, nos termos da al. c), do n.º 1 do art. 662º do CPC., se impõe anular a decisão recorrida e determinar a ampliação do julgamento à matéria de facto necessária à prolação dessa decisão.

Neste sentido pronuncia-se Abrantes Geraldes, ao escrever que “… a anulação da decisão (v.g. por contradição de fundamentos ou por omissão de pronúncia) não tem como efeito invariável a remessa imediata do processo para o tribunal a quo, devendo a Relação proceder à apreciação do objeto do recurso, salvo se não dispuser dos elementos necessários. Só nesta eventualidade se justifica a devolução do processo para o tribunal a quo. O mesmo ocorre nos casos em que, apesar de não se verificar uma situação de nulidade da sentença, o tribunal a quo tenha deixado de apreciar determinada questão considerada prejudicada pela solução dada a outra. Neste caso, se existirem elementos para conhecer das questões que ficaram excluídas da primitiva decisão a Relação apreciá-las-á também, sem necessidade sequer de expressa iniciativa das partes. (…) o juiz omitiu na sentença uma questão essencial que as partes suscitaram ou ignorou um dos pedidos formulados. Interposto recurso da sentença, se acaso a nulidade não tiver sido sanada no despacho que admitiu o recurso e a Relação entender que foi cometida a nulidade arguida pelo recorrente, cumpre declará-la e imediatamente prosseguir com a correção do vício” (7).

No caso, os autos contêm todos os elementos necessários à prolação, por esta Relação, de decisão quanto à alegada necessidade ou não da Secção de dar cumprimento às formalidades enunciadas no art. 233º do CPC e quanto ao pretenso incumprimento dessas formalidades, na medida em que se provou a forma como foi levada a cabo a citação do apelante para os termos da ação declarativa da nulidade do contrato que foi celebrado entre aquele e os restante Réus, por simulação, pelo que nada obsta, mas antes impõe, que se profira decisão, suprindo o vício da omissão de pronúncia em que incorreu a 1ª Instância.

B.1.2- Do incumprimento das formalidades do art. 233º do CPC.

Constituindo princípios nucleares do processo civil nacional, o princípio do dispositivo, do qual decorre, entre outras consequências processuais, que o processo só se inicia sob o impulso da parte, mediante o respetivo pedido e a alegação da causa de pedir em que o fundamenta (art. 1º, n.º 1, 1ª parte do CPC), mas também no sentido de que é às partes que através do pedido e da defesa, cabe circunscrever o thema decidendum (8) (art. 5º do CPP), e, bem assim o princípio do contraditório, nos termos do qual o processo reveste a forma de um debate ou discussão entre as partes, pelo que estas têm de ser chamadas a deduzir as razões de facto e de direito, a oferecer as suas provas, a controlar as provas do adversário e a discretar sobre o valor e resultado de umas e de outras (9), não sendo lícito, por isso, ao tribunal resolver o conflito de interesses que a ação pressupõe e que é chamado a solucionar sem que a outra parte seja devidamente chamada para deduzir oposição e fazer esse controlo (art. 1º, n.º1, parte final do CPC), mas que na sua versão atual positiva proíbe a prolação de decisões surpresa e, consequentemente, a indefesa, pelo que se reconhece às partes um direito a conhecer todas as condutas assumidas pela sua contraparte e a tomar posição expressa sobre elas, assistindo-lhes, por isso, um direito de resposta e de controlo de todo o iter processual, com vista a influir positivamente na decisão final a proferir no processo (10), compreende-se que se a petição inicial é a peça que “desempenha uma função de capital importância” no processo, já que “nenhum processo se inicia sem o prévio impulso de uma das partes”, podendo mesmo afirmar-se que “a petição inicial é o articulado mais importante, a base do processo” (11), a citação do Réu é o ato inicial e primordial do processo.

Na verdade, a citação é o ato através do qual se dá a conhecer ao Réu de que foi proposta contra ele determinada ação e se chama o mesmo ao processo para se defender (art. 219º, n.º 1 do CPC), pelo que é pela citação que se assegura o cumprimento do princípio do contraditório e o inerente exercício do direito de defesa pelo Réu, implicando, aliás, o ato de citação a remessa ou entrega ao citando do duplicado da petição inicial e da cópia dos documentos que a acompanhem, a indicação do tribunal, juízo e secção por onde corre o processo, se já tiver havido distribuição, bem como a indicação do prazo dentro do qual aquele pode oferecer a sua defesa, a necessidade ou não de patrocínio judiciário e as cominações em que incorre no caso de revelia (arts. 227º e 563º do CPC).

Acresce que é pela citação que se concretiza a relação jurídica controvertida, sendo que, por regra, a propositura da ação, apenas produz efeitos em relação ao réu a partir do momento da citação deste (art. 259º do CPC).

Além de produzir relevantes efeitos processuais, a citação produz importantíssimos efeitos materiais (12), compreendendo-se, por isso, não só que a lei regule exaustivamente o ato de citação e comine com sanções processuais severas a preterição dessas formalidades processuais.

Assim, é que será nulo o que se processe depois da petição inicial, salvando-se apenas esta quando o réu não tenha sido citado (art. 187º, al. a) do CPC), considerando-se que há falta de citação, além do mais, quando o ato tenha sido completamente omitido (al. a), do n.º 1 do art. 188º), quando tenha havido erro de identidade do citando (al. b), do mesmo normativo), ou quando se demonstre que o destinatário da citação não chegou a ter conhecimento do ato, por facto que não lhe seja imputável (respetiva al. e)).

A nulidade decorrente de “falta de citação” pode ser arguida em qualquer estado do processo e enquanto não se considerar sanada, devendo entender-se que essa sanação ocorre quando o Réu intervier no processo sem arguir de imediato a falta da sua citação (art. 189º do CPC).

Note-se que conforme decorre do referido art. 189º do CPC, para estes efeitos considera-se que o réu intervêm no processo quando aquele se apresenta efetivamente no mesmo a praticar um qualquer ato judicial, não bastando que o mesmo tenha conhecimento de algum ato ou atos nele praticados (13).

Para além dos casos acabados de enunciar em que ocorre “falta de citação”, isto é, casos em que a citação foi pura e simplesmente omitida ou em que o ato de citação padece dos vícios enunciados nas alíneas b) a d), do n.º 1 do art. 188º, ou em que ocorre a circunstância da al. d) desse n.º 1 do art. 188º - o citando não chegou a ter conhecimento do ato de citação, regularmente efetuado, por facto que não lhe seja imputável -, em que a lei processual civil equipara estas situação à pura e simples “falta de citação”, o art. 191º do CPC prevê que a citação é nula quando não haja sido, na sua realização, observadas as formalidades prescritas na lei (n.º1), devendo essa nulidade ser arguida no prazo indicado para a contestação, exceto se a citação tiver tido lugar por via edital ou caso não tiver no ato de citação sido indicado prazo para a defesa, situação em que a nulidade da citação pode ser arguida aquando da primeira intervenção do citado no processo (n.º 2).

Precise-se que conforme decorre do que se acaba de escrever, uma coisa é a “falta de citação” e outra, diversa, é a “nulidade de citação” a que alude o art. 191º do CPC.

A “falta de citação” traduz-se na inexistência pura e simples do ato de citação ou quando se verifiquem determinadas situação (as já atrás identificadas) que são legalmente equiparadas a essa falta de citação, enquanto a “nulidade de citação” pressupõe a realização da citação, embora tenha havido preterição de formalidades prescritas na lei no respetivo cumprimento (14).

A “falta de citação” é do conhecimento oficioso (art. 187º) e só se sana com a intervenção do preterido no processo sem que a argua de imediato (art. 189º), enquanto a “nulidade da citação” só é, em regra, arguível pelo interessado e dentro do prazo indicado para a contestação, ressalvados os casos de citação edital e de não indicação do prazo para contestar (arts. 191º, n.ºs 1 e 2 e 196º).

No entanto, dada a equiparação resultante dos arts. 567º (verificação oficiosa da falta ou da nulidade da citação após a revelia absoluta), 696º, al. e) (revisão com fundamento em falta ou nulidade da citação), 729º, al. d) (oposição à execução baseada em sentença baseada em falta ou nulidade da citação), 851º (anulação da execução por falta ou nulidade de citação do executado) entre “falta de citação” e “nulidade de citação”, defende Lebre de Freitas, na esteira do entendimento propugnado por Castro Mendes, que o regime da simples “nulidade da citação” é incongruente e deverá, por isso, ser equiparado à “falta de citação”, sem prejuízo de a omissão cometida só dever ser atendida se tiver prejudicado ou pudesse prejudicar a defesa do citando (15), posição esta que aqui se perfilha, sob pena de patente incongruência da lei processual civil, que não obstante considere sanada a nulidade da citação a que alude o art. 191º, quando a mesma não tenha sido arguida pelo citando no prazo de contestação, no entanto, prevê a possibilidade do citando requerer a revisão da sentença com fundamento em “nulidade da citação” e, uma vez instaurada execução em que o título executivo é a sentença proferida na ação declarativa, a possibilidade do mesmo deduzir oposição a essa execução com fundamento na “nulidade de citação” ocorrida ao nível da ação declarativa que culminou com a prolação da sentença que serve de título executivo à execução.

Posto isto, revertendo ao caso em análise, a apelada Massa Insolvente de F. N. instaurou ação declarativa contra o apelante F. N. e os Réus J. F. e mulher, M. N., por apenso aos autos de insolvência, em que o apelante tinha sido declarado insolvente, pedindo que se declare a nulidade, com fundamento em simulação, da escritura de compra e venda outorgada em 08 de junho de 2012, em que o apelante e insolvente declarou vender àqueles Réus, que declaram comprar-lhe, os prédios que se encontram identificados no art. 5º da petição inicial.

Frustrada a citação do apelante, por carta registada com aviso de receção, na morada que a apelada indicou na petição inicial como sendo a morada do apelante, a apelada requereu que se procedesse à citação do último na …, França, residência essa que o apelante informou, em sede de incidente de liquidação dos autos de insolvência, em 02/11/2016, ser a sua então residência e sem que nesses autos de insolvência e respetivos apensos tivesse informado qualquer alteração posterior dessa sua residência assim por ele indicada (alíneas I, J, K, G e H da matéria provada).

Independentemente de se saber se se devia citar o apelante, por carta registada com aviso de receção, na morada que aquele indicou, em 02/11/2016, nos autos de insolvência, como constituindo a sua residência, sem que tivesse indicado qualquer alteração posterior desta (matéria que não cabe, neste momento processual, tratar, por não contender com a questão da preterição da formalidade legal prevista no art. 233º do CPC, mas que incumbirá apenas apreciar caso se conclua pela não verificação do vício da preterição dessa formalidade legal, respetiva irrelevância jurídica ou intempestividade na arguição desse vício, em sede de alegados vícios quanto à decisão de mérito proferida na decisão recorrida que o apelante lhe imputa), o certo é que se procedeu à citação do apelante, por carta registada, naquela morada, sita em França (al. L da matéria provada).

O apelante é uma pessoa singular, pelo que uma das modalidades legalmente previstas para a efectivação da respetiva citação, é a citação por carta regista com aviso de receção (art. 225º, n.ºs 1 e 2, al. b) do CPC).

Essa citação tinha de ser efetuada em França.

Neste contexto, impõe-se ter presente que nos termos do disposto no n.º 1 do art. 239º do CPC, em sede de citação do apelante em França há que se observar o que estiver estipulado nos tratados e convenções internacionais.

Como é sabido Portugal e a França são estados membros da União Europeia, pelo que à citação do apelante em França é aplicável o Regulamento (CE) n.º 1397 do Parlamento e do Conselho de 13/11/2007, relativo à citação e à notificação dos atos judiciários e extrajudiciais em matéria civil e comercial nos Estados Membros (art. 1º do referido Regulamento).

O art. 14º desse Regulamento permite que se proceda à citação do apelante, por carta registada com aviso de receção ou equivalente, ao estabelecer que “os Estado-Membros podem proceder diretamente pelos serviços postais à citação ou notificação de atos judiciais a pessoas que residam noutro Estado-Membro, por carta registada com aviso de receção ou equivalente”.

Resulta das comunicações dos Estados-Membros em conformidade com o disposto no art. 23º, n.º 1, que o Estado Francês aceitou as citações e as notificações por via postal, desde que sejam feitas por meio de “carta registada com aviso de receção, do qual constem os documentos enviados, ou qualquer outro modo que permita identificar as datas de envio e de receção, bem como o respetivo conteúdo” (16).

No que respeita aos termos em que se processa a comunicação por via postal em França, a “notificação por via postal deve fazer-se em sobrescrito fechado. Quando a notificação é feita por carta simples, o empregado dos correios deixa a carta na caixa de correio do destinatário. Caso a notificação seja feita por carta registada com aviso de receção, o empregado dos correios apresenta carta ao destinatário” (17).
A carta registada com aviso de receção destinada a citar o apelante em França foi entregue na morada que aquele tinha indicado nos autos de insolvência como constituindo a sua residência em 07/12/2017 (cfr. alínea L da matéria provada).

No entanto, conforme claramente se alcança do teor da cópia do aviso de receção junta aos autos a fls. 97, essa carta destinada a citar o apelante, não foi entregue ao próprio, mas sim a um L. S., conforme decorre de no canto superior direito, desse aviso de receção, se ler: “Ok …)” (cfr. alínea L da matéria provada).

Na ordem jurídica interna processual civil nacional, a carta registada com aviso de receção destinada à citação pode ser entregue pelo distribuidor postal ao próprio citando ou a qualquer pessoa que se encontre na residência ou local de trabalho deste e que declare encontrar-se em condições de a entregar prontamente ao citando (art. 228º, n.º 2 do CPC), devendo, antes da assinatura do aviso de receção, o distribuidor postal proceder à identificação do citando ou do terceiro a quem a carta seja entregue, anotando os elementos constantes do cartão do cidadão, bilhete de identidade ou outro documento oficial que permita a identificação (n.º 3 do art. 228º) e advertir expressamente o terceiro recetor da carta do dever de pronta entrega daquela ao citando (seu n.º 4).

Significa isto que, de acordo com a lei processual civil interna portuguesa, a carta com aviso de receção destinada a efetuar a citação pode ser entregue ao próprio citando ou a qualquer pessoa que se encontre no local da citação, como seja, filho, ainda que menor mas dotado de razão, cônjuge, familiar, patrão, colega de trabalho, que declarem encontrar-se em condições de entregar a carta prontamente ao citando.

Neste caso, a que alguns autores chamam de “citação quase pessoal”, o distribuidor postal terá de proceder à identificação do terceiro, nos mesmos termos em que identificaria o citando, caso fosse ele o recetor da carta de citação e, assinado por esse terceiro o aviso de receção, é-lhe entregue a carta de citação, cabendo ao distribuidor advertir expressamente o terceiro de que está sujeito a entregar prontamente a carta ao citando (18).

A citação pessoal ou quase pessoal efetuada por carta registada com aviso de receção, nos termos do disposto no n.º 1 do art. 230º do CPC, considera-se feita no dia em que se mostre assinado o aviso de receção e tem-se por efetuada na própria pessoa do citando, mesmo quando o aviso de receção haja sido assinado por terceiro, presumindo-se, salvo demonstração em contrário, que a carta foi oportunamente entregue ao destinatário.

No entanto, nestes casos de citação quase pessoal, em que a carta de citação não é entregue ao próprio citando, mas a um terceiro que declarou estar em condições de a entregar prontamente ao citando, estabelece o art. 233º do CPC, impender sobre o agente de execução ou a secretaria, o ónus legal de, no prazo de dois dias úteis, enviar carta registada ao citando, comunicando-lhe: a) a data e o modo por que o ato de citação se considera realizado; b) o prazo para o oferecimento da defesa e as cominações aplicáveis à falta desta; c) o destino dado ao duplicado; e d) a identidade da pessoa em que a citação foi realizada.

Ao estabelecer este ónus sobre a Secção de processos, conforme realça a generalidade da doutrina e da jurisprudência, está-se perante uma “diligência complementar e cautelar”, consistente no envio ao citando, no caso de citação quase-pessoal, realizada na pessoa de terceiro (arts. 228º, n.º 2 e 232º, n.º 2, al. b)) ou mediante afixação da nota de citação (art. 232º, n.º 4), de uma carta registada em que ele é informado da data e do modo por que se considera realizada a citação, do prazo para deduzir oposição, das cominações em que incorrerá em caso de revelia, do destino dado ao duplicado e da identidade da pessoa a quem a citação foi realizada, destinada a adverti-lo desses factos para o caso de, por qualquer motivo, ainda não ter tomado conhecimento da citação, nomeadamente, por o terceiro não lhe ter chegado a entregar a carta da citação.

Trata-se de uma derradeira formalidade imposta pelo legislador com vista a salvaguardar que a citação chega efetivamente ao conhecimento do citando e a garantir a efetiva possibilidade deste exercer o direito ao contraditório que lhe assiste ou, sendo caso disso, poder ilidir a presunção do art. 230º, n.º 1 do CPC (19).

O facto de neste art. 230º, n.º 1 se estabelecer que o citando presume-se citado na data em que se mostre assinado o aviso de receção na sua própria pessoa, mesmo nos casos em que esse aviso de receção se encontre assinado por terceiro, salvo demonstração em contrário, que a carta foi oportunamente entregue ao destinatário, leva a que a generalidade da doutrina e da jurisprudência considerem que a formalidade enunciada no referido art. 233º do CPC, não é um ato essencial da citação, posto que esta se considera realizada e o prazo para a dedução da oposição pelo citando se inicia independentemente do cumprimento ou não desta formalidade.

Dentro desta perspetiva, tem-se entendido que o não cumprimento do preceituado no art. 233º do CPC, quando seja legalmente imposto, não gera a “falta de citação”, mas que se está perante a mera omissão de uma diligência complementar, cautelar ou confirmativa da citação quase-pessoal antes efetuada e que, por conseguinte, a omissão dessa diligência por parte da Secção não determina a “falta de citação” prevista nos arts. 187º, al. a), 188º, n.º 1, als. a), b) ou e) e 189º do CPC, mas apenas poderá determinar a “nulidade da citação” a que aludem os arts. 191º, n.ºs 1 e 2 do CPC, apenas arguível pelo citando, dentro do prazo indicada para oferecer a sua contestação, dependendo a procedência dessa nulidade de citação da alegação e prova pelo citando de que a carta destinada à citação não lhe foi oportunamente entregue pelo terceiro que a rececionou e que, por isso, por motivo que não lhe é imputável, não teve conhecimento da citação (20).

No entanto, outra corrente jurisprudencial chama a atenção para a necessidade de se distinguir entre a preterição pura e simples da formalidade a que alude o art. 233º do CPC, daquelas outras situações em que essa carta é enviada ao citando mas, no respetivo envio, foram preteridas formalidades a que alude esse normativo, sustentando-se que “não sendo hoje considerada pela lei uma formalidade essencial, a expedição da carta registada a que se refere o art. 241º (atual vigente art. 233º) está longe de ser uma inutilidade; se o fosse não teria consagração legal nem se justificava o reforço da exigência do envio de carta em dois dias úteis após a citação. A sua preterição pode ser fonte de nulidade nos termos do art. 198º, n.º 1 (atual art. 191º), e deve ser atendida se puder prejudicar a defesa do citado (n.º 3). Basta a mera possibilidade de causar aquele prejuízo; não é necessário que se demonstre prejuízo efetivo para a defesa do réu, nem nexo causal entre este a preterição da formalidade. Aquela expedição de carta registada constitui uma diligência complementar e cautelar, uma forma de reforçar a probabilidade do réu tomar conhecimento cabal de que foi proposta contra ele determinada ação, das condições em que deve intervir no processo, assim como das consequências mais prementes da sua inércia. Sendo essencial o direito de defesa na ação judicial, importa que, ao demandado, seja dado efetivo conhecimento da pretensão jurídica contra si apresentada e se lhe faculte as condições adequadas para exercer o contraditório (…)”. Obviamente, há relevante preterição de formalidades quando a secretaria nem sequer envia a carta registada a que se refere o art. 241º. O ato é completamente omitido. Há preterição completa da referida exigência cautelar e de segurança destinada a garantir os direitos de defesa do réu (…)”, sendo “também importante que, tanto quanto possível, a carta registada que o comporta seja expedida pela secretaria no prazo de dois dias úteis a contar daquela afixação, assim reforçando a possibilidade de exercício do contraditório e de uma defesa preparada, efetiva e fundamentada (…) num e noutro caso (não envio da carta do art. 233º ou envio para além do prazo de dois dias úteis), todos os interesses que a lei do processo visa salvaguardar com o envio da carta registada se mantém sob o risco inerente ao exclusivo cumprimento das formalidades da citação mediante afixação da nota do legislador. Quis o legislador considerar insuficiente aquela citação quando não seguida da advertência registada posterior em tempo útil”, concluindo que, nestes casos, a citação apenas se tem como realizada com o envio da carta a que alude o art. 233º do CPC, contando-se, a partir da receção desta carta, o prazo para o Réu contestar (21).

Num caso idêntico sobre que versam os presentes autos, em que a secção de processos não enviou a carta a que alude o art. 233º do CPC, este Tribunal da Relação, desenvolvendo a mesma linha de raciocínio do anterior aresto, também considerou que o envio daquela carta para além do prazo de dois dias úteis equivale ao seu não envio para efeitos de cômputo do prazo de oposição que entretanto se esgotara, mas foi mais além que o anterior aresto ou, pelo menos, desenvolveu e clarificou a linha de raciocínio nele seguida, ao sustentar que “essa omissão produz efeitos ex tunc, afetando o próprio ato de citação, no que concerne à eficácia do tempo decorrido para ser deduzida a oposição, na sequência do envio da carta registada com aviso de receção, recebida por terceiro, precisamente para efeitos de início de contagem desse prazo, tornando nulo – art. 198º”, concluindo que “nesta perspetiva, aflorada pelo recorrente, uma vez que, no caso em questão, o envio da carta registada prevista no art. 241º se verificou após se ter esgotado o prazo da oposição definido na carta registada com aviso de receção enviada para citação do requerido e recebido por terceiro, é defensável que esse prazo para a dedução de oposição se inicie com o recebimento estabelecido no aludido art. 241º” (atual art. 233º), posto que, “de outro modo esvaziar-se-ia a utilidade de cumprimento do art. 241º, tornando tal preceito inócuo, em prejuízo do direito de defesa do requerido e ao arrepio de uma tutela jurisdicional efetiva, sem se olvidar que, em termos de garantias do direito de defesa e de observância das formalidades da citação, deve acolher-se o padrão de proteção máxima do citando, dadas as consequências nefastas para este, por via da preclusão legal, como vem sendo, aliás, entendimento constantes da jurisprudência europeia, inclusive”. Em consonância com o assim expandido neste aresto, nele considerou-se que o ato de oposição à injunção foi apresentado em tempo, devendo os autos prosseguir os seus trâmites legais, anulando-se em conformidade a sentença recorrida (22).

Já no aresto do Tribunal da Relação de Évora de 11/05/2017 (23), chamando-se à atenção para a necessidade de se estabelecer a diferenciação entre “falta de citação” e “nulidade de citação” e da diferença de regimes que informam estas duas figuras, sufragou-se o entendimento propugnado por Lebre de Freitas e Castro Mendes, já acima enunciado, de que, sob pena de se incorrer na contraditoriedade de regimes acima referido, nos casos em que ocorre omissão de formalidade processual em sede de citação que tenha prejudicado ou possa prejudicar a defesa do citando, há que se equiparar o regime da “nulidade da citação” ao regime legal da “falta de citação”.

No caso, apesar da carta regista com aviso de receção enviada para a morada do apelante, sita em França, que este indicou nos autos de insolvência como sendo a sua residência, destinada a citá-lo para os termos da ação declarativa não ter sido entregue pelo distribuidor postal ao próprio apelante (citando), mas a um tal L. S., a Secção de processos não deu cumprimento às formalidade previstas no enunciado art. 233º do CPC., omitindo totalmente esta formalidade.

Analisadas as várias teses em confronto que atrás se enunciaram, não obstante o regime legal consagrado no art. 230º, n.º 1 do CPC., que considera que o prazo para o citando contestar, querendo, a ação declarativa se conta a partir da assinatura do aviso de receção, tendo-se essa citação como efetuada na própria pessoa do citando, mesmo quando o aviso de receção haja sido assinado por terceiro, presumindo-se, salvo demonstração em contrário, que a carta foi oportunamente entregue ao destinatário, não podemos deixar de sufragar o entendimento de que embora o envio da carta a que alude o art. 233º do CPC, não consubstancie uma formalidade essencial da citação, essa carta não constitui uma inutilidade, na medida em que traduz um ato complementar ou confirmatório da citação, destinada a garantir os direitos de defesa do citando.

Como tal, não podemos deixar de entender que sem o cumprimento desse ato confirmatório ou complementar da citação prescrito no aludido art. 233º do CPC, não estão cumpridas todas as formalidades cautelares consideradas indispensáveis pela lei para que se poderá considerar que o citando tomou efetivo conhecimento do processo para que possa exercer plenamente o seu direito de defesa.

É certo que o art. 230º do CPC estabelece a enunciada presunção, mas essa presunção, como não podia deixar de ser, sob pena de se estar a esvaziar de utilidade o enunciado art. 233º do CPC, tornando-o inócuo, e de se estar a contornar as cautelas processuais consideradas indispensáveis pelo legislador para que se possa garantir o conhecimento efetivo do processo por parte do citando para que o mesmo possa exercer cabalmente o seu direito de defesa, e que reclamam que “quanto mais precária seja a forma de citação, maior seja a soma de formalidades” a observar em sede de citação (24), exige o efetivo envio da carta ao citando a que alude o art. 233º do CPC.

Nos casos em que essa exigência processual a que alude o art. 233º do CPC tenha sido, pura e simplesmente, omitida, quer se postule o entendimento propugnado por Lebre de Freitas e por Castro Mendes, que em caso de total omissão do envio da carta registada a que alude o art. 233º do CPC, porque essa omissão prejudica, ou pode prejudicar, a defesa do citando (o apelante), sustentam dever equiparar-se o regime da “nulidade da citação” a que alude o art.191º, n.ºs 1 e 2 do CPC, ao regime da “falta de citação” a que se reportam os arts. 187º, als. a), 188º, n.º 1 e 189º do CPC, quer se propugne o entendimento de que, nesse caso, não obstante se impor operar a distinção entre “falta de citação” e “nulidade de situação”, e, por conseguinte, há que se reconhecer que nos termos daquele art. 191º, n.ºs 1, a omissão do envio da carta a que alude o art. 233º não pode ser conhecida oficiosamente pelo tribunal, mas terá de ser arguida pelo citando em relação ao qual foi preterida essa formalidade, que terá de o fazer dentro do prazo indicado para a contestação, mas que a contagem desse prazo de contestação não se inicia sem que se cumpra aquela exigência do art. 233º do CPC, sem o que, reafirma-se, não estarão cumpridas todas as formalidades cautelares consideradas indispensáveis pela lei processual civil para que se possa considerar que o citando tomou efetivo conhecimento do processo para poder exercer plenamente o seu direito de defesa, podendo, consequentemente, o citando, aqui apelante, arguir a preterição dessa formalidade e, por conseguinte, a nulidade da citação de que foi alvo no âmbito da ação declarativa, enquanto a mesma não estiver cumprida aquando da sua intervenção no processo – interpretação esta que se nos afigura preferível face à letra da lei, que opera a enunciada distinção entre “falta de citação” e “nulidade de citação” -, impõe-se reconhecer que o aqui apelante arguiu tempestivamente a preterição da formalidade prevista no art. 233º do CPC para a sua citação.

Consequentemente, de acordo com a lei processual civil nacional, perante os fundamentos fácticos e jurídicos acabados de enunciar, impõe-se reconhecer que, nos termos do disposto nos arts. 191º, n.ºs 1 e 2 do CPC, o apelante arguiu tempestivamente a nulidade da sua citação para os termos daquela ação declarativa, impondo-se, por conseguinte, anular a citação de que foi alvo, com a consequente anulação dos atos processuais subsequentes, a saber: despacho proferida a fls. 98 e sentença de fls. 104 a 113, e determinar a regular citação do mesmo, por carta registada com aviso de receção, a enviar para a morada que indica no ponto 37 de fls. 116 verso.

Sendo este o regime processual que, salvo o devido respeito por entendimento contrário, à luz da lei processual civil que vigora na ordem jurídica nacional se impõe observar no caso presente, a questão que agora se suscita é a de saber se tendo o apelante sido citado em França de acordo com o Regulamento (CE) n.º 1393/2007, do Parlamento e do Conselho de 13 de novembro de 2007, onde, como referido, com exceção de se prever, no respetivo, art. 14º, que os Estados-Membros podem proceder diretamente pelos serviços postais à citação ou notificação de atos judiciais a pessoas que residam noutro Estado-Membro, por carta registada com aviso de receção ou equivalente, e em relação ao que a França impôs como única condição que essa citação ou notificação se processe através de sobrescrito fechado, não se prevendo, nesse Regulamento, o cumprimento do disposto no art. 233º do CPC, se esta diligência prescrita no ordenamento jurídico interno nacional é igualmente aplicável à citação do apelante em França e, bem assim, se as consequência jurídicas prevista para a omissão dessa formalidade na ordem jurídica interna também é aplicável a esta concreta citação.

A resposta a esta questão carece de ser indiscutivelmente positiva quando conforme resulta dos considerandos n.ºs 1, 2, 6 e 7 daquele Regulamento, o objetivo prosseguido pelo legislador comunitário não foi o de enfraquecer as garantias de defesa dos citandos no espaço intra comunitário, mas apenas adotar “medidas no domínio da cooperação judiciária em matéria civil, necessárias ao bom funcionamento do mercado interno”, o que exige que “se melhore e torne mais rápida a transmissão entre os Estados-Membros de atos judiciais e extrajudiciais em matéria civil ou comercial para efeitos de citação e notificação”, o que exige “eficácia e a celeridade” desses atos.

O propósito do legislador comunitário foi, assim, o de promover a celeridade e a eficácia dos atos judiciais ou extrajudiciais em material civil ou comercial para efeitos de citação e notificação, com vista a garantir o bom funcionamento do mercado interno na União Europeia, impondo as condições mínimas em que essas citações e notificações se processariam diretamente entre os Estados-Membros, citações e notificações essas que, no entanto, em tudo que não é contrariado pelas disposições daquele Regulamento, têm de ser efetuadas de acordo com as leis processuais dos Estados-Membros que efetuam essas citações ou notificações.

É que, reafirma-se, o objetivo do legislador comunitário não foi o de restringir as garantias de defesa dos citandos ou dos notificandos, mas apenas implementar medidas de celeridade desses atos judiciais dentro do espaço da União, estabelecendo as condições mínimas em que esses atos podem ser realizados diretamente pelos Estados-Membros quando os citandos ou notificandos residam noutro Estado-Membro.

Este foi de resto o entendimento seguido por esta Relação no seu aresto de 08/06/2010, Proc. 302/07.5TBVVD.G1, in base de dados da DGSI, onde se conclui que as exigências da lei processual civil portuguesa, que exigem que o distribuidor do serviço postal proceda à correta identificação da pessoa a quem entrega a carta, seja o destinatário seja um terceiro, pelo que faltando esse elemento e desconhecendo-se quem recebeu a carta, omitiu-se uma formalidade prescrita por lei e não pode dar-se como validamente efetuado o ato de citação, é igualmente aplicável à “citação de pessoas singulares, de nacionalidade portuguesa, residentes no estrangeiro (França), tendo em conta o disposto no art. 247º, n.ºs 1 e 2 do CPC (atual art. 239º, n.ºs 1 e 2) e o Regulamento (CE) n.º 1348/2000, do Conselho, de 29 de maio de 2000 (arts. 14º e 23º), aplicável aos autos, porquanto era o vigente à data em que se processou a diligência de citação”.

Aqui chegados, independentemente dos restantes fundamentos de recurso deduzidos pelo apelante, cujo conhecimento fica assim prejudicado, impõe-se concluir pela procedência da presente apelação, impondo-se a revogação da decisão recorrida, com a anulação da citação de que foi alvo e do despacho proferida a fls. 98 e, bem assim, da sentença proferida a fls. 104 a 113, e determinar a regular citação do mesmo, por carta registada com aviso de receção, a enviar para a morada que indica no ponto 37 de fls. 116 verso, com o ulterior prosseguimento dos autos.
**
Decisão:

Nestes termos, os Juízes desta Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães acordam em julgar a presente apelação procedente e, em consequência:

- revogam a decisão recorrida e determinam a anulação da citação de que foi alvo o apelante e, bem assim, do despacho proferida a fls. 98 e da sentença proferida a fls. 104 a 113, e determinam a regular citação do apelante, por carta registada com aviso de receção a enviar para a morada que indica no ponto 37 de fls. 116 verso, com o ulterior prosseguimento dos autos.
*
Custas pela apelada (art. 527º, n.ºs 1 e 2 do CPC).
Notifique.
*
Guimarães, 17 de dezembro de 2018

José Alberto Moreira Dias
António José Saúde Barroca Penha
Eugénia Maria Marinho da Cunha


1. Ac. RL de 29/10/2015, Proc. n.º 161/09.3TCSNT.L1-2, in base de dados da DGSI.
2. Ac. STA. de 09/07/2014, Proc.00858/14, in base de dados da DGSI.
3. Abílio Neto, in “Novo Código de Processo Civil Anotado”, 2ª ed., janeiro/2014, pág. 734.
4. Ac. STJ. 08/03/2001, Proc. 00A3277, in base de dados da DGSI.
5. Ac. RC de 20/01/2015, Proc. 2996/12.0TBFIG.C1, in base de dados da DGSI.
6. Manuel de Andrade, “Noções Elementares de Processo Civil”, Coimbra Editora, 1979, págs. 373 e 374.
7. António Geraldes, “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 2017, 4ª ed., Almedina, págs. 321 a 324.
8. Manuel Andrade, ob.cit., pág. 374.
9. Manuel Andrade, ob. cit., pág. 379.
10. Miguel Teixeira de Sousa, “Estudos Sobre o Novo Processo Civil”, Lex, 1997, pág. 47.
11. Paulo Pimenta, “Processo Civil Declarativo”, 4ª ed., Almedina, pág. 135.
12. Para maiores desenvolvimentos, Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, “Manuel de Processo Civil”, 2ª ed., Coimbra Editora, 1985, págs. 273 a 284.
13. Ac. STJ. de 02/10/2003, CJ/STJ, 2003, t. 3º, pág. 76.
14. Ac. RG. de 25/11/2010, CJ., 2010, t. 5º, pág. 287.
15. Lebre de Freitas, “Código de Processo Civil Anotado”, vol. 1º, Coimbra Editora, 1999, págs. 331 e 332. Ainda Lebre de Freitas, “Introdução ao Processo Civil Conceito e Princípios Gerais, à Luz do Código Revisto”, Coimbra Editora, 1996, pág. 84, nota 18.
16. Jornal Oficial das Comunidades Europeias, C 151/4, de 22 de maio de 2001.
17. Ac. RG. de 08/06/2010, Proc. 302/07.5TBVVD.G1, base de dados da DGSI.
18. Lebre de Freitas, “Código de Processo Civil”, vol. 1º, ob.cit., pág. 407.
19. Lebre de Freitas, Código Civil já identificado, pág. 416.
20. Acs. RL. de 02/07/2009, Proc. 4100/07.8TBVFX-A.L1-6; RP. de 08/11/2004, Pro. 00037342; TCAN de 12/02/2015, Proc. 00309/13.3BECBR; de 29/01/2015, Proc. 00307/13.7BECBR, in base de dados da DGSI.
21. Ac. RP. de 15/04/2010, Proc. 2544/08.7TJPRT.P1, in base de dados da DGSI.
22. Ac. RG. de 18/04/2013, Proc. 2168/12.4YIPRT.G1, in base de dados da DGI.
23. AC. RE. de 11/05/2017, Proc. 6176/15.5T8STB-A.E1, na mesma base de dados.
24. Alberto dos Reis; “comentário ao Código de Processo Civil”, vol. 2º, pág. 231.