Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
867/19.9T8BRG.G1
Relator: JORGE SANTOS
Descritores: CONTRATO DE MEDIAÇÃO IMOBILIÁRIA
CONTRATO VERBAL
NULIDADE
ABUSO DE DIREITO
RESTITUIÇÃO DO VALOR DA COMISSÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 12/17/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
- Não age em abuso de direito na modalidade de “venire contra factum proprium”, nos termos do art. 334º do CC, a autora que pretende obter a restituição da comissão que pagou à Ré, no âmbito de um contrato verbal de mediação imobiliária, no pressuposto que se iria concretizar o negócio visado pelo exercício da mediação, negócio esse que não veio a celebrar-se por facto não imputável à autora.

- Por efeito da declaração de nulidade do contrato de mediação imobiliária existente entre a autora e a ré, a restituição a favor da ré (mediadora) de tudo o que a mesma prestou no âmbito da execução desse contrato, não sendo possível em espécie, deverá consistir no valor correspondente aos serviços prestados, mesmo com recurso à equidade, ao abrigo do disposto no art. 289º, nº 1, do CC.
Decisão Texto Integral:
Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães

I – RELATÓRIO

A. O., residente na Rua …, Braga, intentou a presente acção de processo comum, contra X-MEDIAÇÃO E GESTÃO LIMITADA, com sede na Rua …, em Braga, através da qual peticiona que: seja declarado nulo o contrato de mediação imobiliária celebrado verbalmente entre a A. e a Ré., por falta de forma de acordo com o estatuído no nº 1 do artigo 16º do RJAMI; seja condenada a Ré a restituir à A. o montante que indevidamente recebeu da A. no montante de 22.447,50€, acrescido dos juros às taxa legal, contados desde a data do recebimento – 17/12/2018 e até efetivo e integral pagamento; Ou, se assim não se entender, seja declarado e reconhecido que a quantia de 22.447.50€ entregue pela A. à Ré corresponde a um enriquecimento injusto e sem causa da Ré à custa do empobrecimento da A.; seja a Ré condenada a reconhecer tal enriquecimento sem causa à custa do empobrecimento da A.; seja considerado que o negociou que a Ré intermediou não se concretizou, e, por isso, ser declarado que o montante recebido de 22.447,50€ é ilícito e não possui qualquer suporte legal, impondo em consequência a restituição do referido montante à A., acrescido dos juros à taxa legal, contados desde a data do seu recebimento – 17/12/2018 e até efetivo e integral pagamento, ou, então seja fixado a favor da Ré um montante pelo trabalho que prestou à A., montante esse que se deve situar nos 500,00€, condenando-se a Ré a restituir à A. a parte restante dos 22.447.50€, acrescido dos juros à taxa legal.
Alegou, para tanto, em síntese, que é dona e legítima proprietária de uma fração autónoma composta por casa de rés-do-chão e andar, destinada a habitação, com anexo para garagem e logradouro, sita na Rua …, da freguesia de ..., concelho de Braga, descrita na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº ... e inscrita na matriz predial respetiva sob o artigo ..., com licença de utilização nº 135, emitida pela Câmara Municipal ... em 07/06/2016, e com o certificado energético nº SCE124974936, válido até 09/05/2016 e que a Ré é uma sociedade imobiliária que se dedica a intermediação imobiliária de venda e compra de imóveis. Que a dado momento porque pretendia vender o prédio supra referido acordou verbalmente com a R que esta intermediasse tal venda, sendo que tal acordo não foi reduzido a escrito. Mais alega que na sequência da actividade de promoção de venda do imóvel pela R. acabou por celebrar CPCV relativo a tal imóvel, ainda que no mesmo não constasse a intervenção da R., tendo nessa altura logo pago à R. a quantia de 22.447,50€.
Prossegue invocando que o contrato definitivo jamais se realizou, por desistência do promitente comprador, razão pela qual entende que tal valor não é devido, devendo ser-lhe restituído, tanto mais, que o acordo de vontades subjacente a essa entrega é nulo por falta de forma, uma vez que nos termos do artº 16º do RJAMI, está sujeito a forma escrita, impondo-se a restituição de tudo o que foi prestado.
Conclui referindo que já interpelou a R. para proceder à devolução do montante por si entregue aquando da celebração do CPCV, mas a mesma reusa faze-lo, sendo certo, que reconhecendo que a R. desenvolveu diligências no âmbito do acordo celebrado, deverá ser paga pelos mesmos, em montante não superior a 500,00€, devendo devolver, a quantia entregue que excede esse montante. Subsidiariamente invoca o instituto do enriquecimento sem causa.

Regularmente citada, veio a R. apresentar contestação defendendo que lhe assiste o direito à comissão recebida, porquanto à A. foi apresentado um contrato escrito, que lhe foi lido e explicado, onde além do mais constava que a R. apenas trabalhava em regime de exclusividade, que nessa conformidade iria promover a venda do imóvel por 380mil euros, assistindo-lhe o direito de receber 5%, mais IVA, do valor da venda que fosse efectuada a interessado angariado pela R., mais refere que foi explicado à A. que caso o negócio com interessado angariado não se concretizasse por causa imputável ´A. teria que proceder ao pagamento daquela comissão.
Mais refere que à A. foi explicado que o contrato era por 9 meses, e que a comissão seria paga na outorga do CPCV, se existisse, defendendo que a A. aceitou todas estas condições e pediu para logo promoverem a venda.
Prossegue invocando que entregou à A. o contrato escrito com as condições supra indicadas e já preenchido, apenas faltando a assinatura da A., que na ocasião, referiu ter pressa, ficando depois de o assinar e entregar nas instalações da R., situação que nunca veio a suceder, apesar das várias solicitações da R. para tal efeito. Continua referindo que angariou cliente para o imóvel, tendo sido formalizado o CPCV a 11.9.2018, e nesse acto à A. foi entregue a quantia de 70mil de sinal, na sequencia do que, procedeu ao pagamento à R. da comissão acordada. Refere, ainda, que a escritura não se realizou mas pode ainda realizar-se, sendo certo, que se ainda não foi efectuada só à A. se deve, que desistiu do negócio, pelo que sempre assiste à R. o direito á comissão nos termos contratualmente estabelecidos.
Finalmente, chama à colação o instituto do abuso de direito atenta a nulidade peticionada, porquanto a A. sempre se comportou como se contrato válido houvesse, tendo pago a comissão e actuando nos termos acordados, apenas não existindo contrato escrito porque a A. não o entregou assinado à R.
Mais pugnou pela improcedência total da acção peticionando a condenação da A. como litigante de má fé.

Realizou-se audiência prévia, onde foi fixado o valor da acção, proferido despacho saneador, identificado o objecto do litigio e enunciados os temas de prova, admitiram-se os meios de prova e designou-se data para julgamento.

Procedeu-se à realização de audiência de discussão e julgamento, com observância das formalidades legais que a respectiva acta documenta.

Foi proferida sentença que decidiu julgar parcialmente procedente por provada a presente acção:

- declarando a nulidade, por falta de forma, do contrato de mediação imobiliária verbalmente celebrado entre as partes;
- declarando que assiste à R. o direito a fazer sua a quantia de 2447,50€, a título de retribuição compensatória pelos serviços prestados à A., no âmbito do contrato cuja nulidade por via desta decisão vai declarada;
- condenando a R. a proceder à restituição à A. da quantia de 20.000,00€, acrescida de juros de mora à taxa legal de 4%, contados desde a data do trânsito em julgado desta sentença até integral pagamento.

Inconformada com a sentença, dela veio recorrer a Ré, formulando as seguintes conclusões:

1º - A decisão da matéria de facto proferida pela Sra. Juiz a quo merece censura por considerar como provados e não provados determinados factos que estão em contradição com a prova produzida nos autos, as regras da experiência, do senso comum e da normalidade do acontecer, devendo em consequência esta decisão ser alterada, no sentido constante das alegações produzidas em relação a cada facto e a merecer revisão;

- Estão em causa o segundo segmento do ponto de facto nº 5 dos factos provados e os factos constantes dos artigos 16º, 17º e 38º da contestação, estes considerados não provados;

- A prova produzida nos autos inculca a alteração da matéria de fato preconizada nas conclusões antecedentes, e a considerar a alteração daquele provado e os não provados como para provados, com a seguinte redação:

FACTO PROVADO:

5) alterado
Tendo a R. direito a uma comissão”;
A considerar como FACTOS PROVADOS e a aditar:
(parte dos artºs 16º, 17º e 38º da contestação)
“A Ré cobraria à Autora uma comissão de 5% do valor da venda, acrescido do IVA à taxa legal”;

4º - Na revisão da matéria fáctica e sua alteração, nos termos anteriormente enunciados, a considerar como relevante na reapreciação da prova as declarações de parte da Autora e os depoimentos prestados pelas testemunhas D. F., E. S., com registo de gravação digital indicado no corpo das alegações, e o documento a fls 9 dos autos e a sua conjugação com os factos provados 11º, 12º e 13º;

- Em sede de reapreciação da prova não se opõe a fundamentação da douta sentença quanto à matéria de facto cuja alteração se preconiza, a revelada convicção do Tribunal e da Meretíssima Sra. Dra. Juiz a quo;

6º - Em sede da requerida revisão da matéria de facto a prova a considerar, para além da indicada pela Apelante, é, ainda, o universo da prova nos autos, a cristalizada nos documentos e a sua temperança com os depoimentos das testemunhas, conformando-as com as regras da experiência, do senso comum e da normalidade do acontecer;

7º- A prova dos factos alegado pela Ré/Apelante não é posta em crise por qualquer documento ou os depoimentos prestados por outras testemunhas não permitem extrair e fundamentar as conclusões condicional e as negativas em matéria de facto que a douta sentença acolheu;

8º - alteração e modificabilidade da matéria fáctica que advém dos factos enunciados nos pontos anteriores, revendo-se na consideração da prova obtida e ali indicada, e a alteração que se preconiza relativamente a esta factualidade, pois estará demonstrado pela Ré a existência do acordo quanto à comissão e a fixação/determinação do seu montante e pagamento a solicitação da Ré;

9º - Da matéria fáctica relevante nos autos, alterado aquela objeto do pedido de revisão em apelação, resultará a obrigação de pagamento por parte da Ré daquela remuneração acordada entre as partes;

10º - Na parte relativa à decisão de direito, consideramos que a sentença em crise quanto ao reconhecimento da nulidade do contrato de mediação imobiliária, por inobservância da forma escrita, e a determinação da compensação, com redução do valor pago, não fez uma correta ponderação do direito aplicável à situação sub judicie, pelo que, no nosso modesto entendimento, carece de revisão;

11º - Nos autos está demonstrado a atividade, de mediação imobiliária, desenvolvida pela Ré de mediação e dúvidas não restam de que a sua intervenção foi essencial, por via da sua diligência e promoção, para a angariação de um cliente que quis comprar o imóvel nas condições definidas pela Autora e prestou um sinal de montante avultado;

12º - A intervenção da Ré foi essencial para lograr obter aquele interessado na compra do imóvel, que manifestou um interesse na conclusão do negócio, sendo da sua autoria o contrato promessa de compra e venda celebrado, com entrega, efectiva, de uma quantia a título de sinal, e o contrato prometido de compra e venda somente não se logrou concretizar por recusa da Autora na sua celebração e por motivos a si imputáveis, dos quais a Apelante é totalmente alheia e não podia controlar;

13º - Da matéria de facto provada não restam dúvidas de que a intervenção da Apelante foi determinante na conclusão do negócio, foi ela quem efectuou a promoção do imóvel no seu site, nas páginas de venda, folhetos, na sua loja e junto da carteira de clientes (facto provado nº21); deslocou-se ao imóvel pelo menos 5 vezes, para reunir com a Autora, tirar fotografias e acompanhar A. N. nas visitas (facto provado nº20); logrou obter daquela interessada proposta de compra do imóvel no valor de 365.000,00€, tendo em vista a sua aquisição, que a Ré aceitou (facto provado nº8); foi responsável pela elaboração do contrato promessa de compra e venda, convocação das partes para o mesmo, que foi outorgado nas suas instalações (facto provado nº22);

14º - Ainda não subsistem dúvidas que na data da contratação com aquele interessado não existia qualquer facto conhecido da Apelante ou do promitente comprador de forma a obstar ao cumprimento do contrato prometido, mostrando-se este alguém genuinamente interessado e pronto a celebrar o contrato prometido;

15º - Invocada a nulidade, por falta de forma, do contrato de mediação imobiliária verbalmente celebrado pelas partes, e como tal reconhecido na douta sentença, e provado que a Apelante prestou serviços de mediação, não restará dúvida quanto ao direito à remuneração, nos termos do disposto no art.º 289.º do Código Civil;

16º - A doutrina e a jurisprudência divergem quanto ao valor da remuneração:
a) a corrente minoritária entende que a compensação devida deve corresponder ao valor dos serviços efetivamente prestados pelo mediador;
b) a corrente maioritária entende que a compensação devida deve equivaler ao valor da remuneração acordada;

17º - No nosso modesto entendimento, tendo presente que a questão jurídica em apreço tem dividido a doutrina e a jurisprudência, a corrente maioritária preconiza a solução mais justa e adequada ao caso sub judicie, solução também sufragada em diversos acórdãos proferidos em casos similares;

18º - Atenta a matéria de facto apurada, esta solução jurídica afigura-se a mais correta ao caso concreto, uma vez declarada a nulidade do contrato de mediação por não ter sido reduzido a escrito a remuneração devida à Apelante, “não sendo possível a restituir a prestação de facto positiva (“…o que tiver sido prestado”), o critério para encontrar o valor a restituir deverá ser o da retribuição/comissão que foi acordada pelas partes contratantes, pois parece ser a única quantia que, de forma objetiva, se poderá reconduzir ao conceito de “valor correspondente” previsto no nº1 do artigo 289º do Código Civil – Dr. Fernando Batista de Oliveira, CEJ, outubro de 2016 -;

19º - In casu, o valor pago pela Autora à Ré/Apelante corresponde ao valor da comissão acordada, pelo que não há lugar a restituição de 20.000,00€;

20º - Se outro for o douto entendimento de VV.,Exªs, optando pela determinação da remuneração conforme a corrente minoritária, certo é que o valor da compensação atribuído pelo tribunal a quo ao serviço prestado pela Apelante é manifestamente insuficiente;

21º - considerando os factos assentes nos autos e cuja revisão não é suscitada, a Apelante desenvolveu todos os atos de mediação, remunerou em 50% do valor da comissão o profissional que, ao seu serviço, angariou e logrou obter o interessado, e não foi por culpa deste profissional, da Ré ou do interessado angariado que não se realizou o contrato prometido de compra e venda;

22º - Nestas circunstâncias, a compensação devida à Ré não pode ser liquidada no valor de 2.447,50%, com IVA, por não corresponder ao valor dos serviços efetivamente prestados pela Apelante, o qual carece de revisão, a considerar que para o exercício profissional da atividade de mediação imobiliária há custos fixos elevados, em instalações, veículos automóveis, deslocações, sites de promoção própria e institucional, publicidade estática própria e institucional, profissionais habilitados com formação adequada e continua, remunerações conforme a prática do mercado, correspondente a 50% do valor da comissão, seguros e encargos com a obtenção dos documentos e formação dos contratos;

23º - Fazendo uso do critério adotado pelo tribunal a quo, ainda a compensação devida à Ré, determinada conforme a equidade, não poderá ser inferior ao valor da comissão acordada e valor pago voluntariamente pela Autora e a sua solicitação (facto provado 11);

24º - Há abuso do direito sempre que o exercício do direito excede os limites ditados pela boa fé e fim económico desse direito, nos termos do disposto no artigo 334º do Código Civil, sendo de considerar clamorosa ofensa do direito quando resulta do seu exercício um injustificado e ilegítimo interesse ou pretensão;

25º - Na presente ação a Autora/Apelada faz-se valer da nulidade por vício de forma do contrato, invocam aquele vício com claro abuso do direito, o que é impeditivo do conhecimento de tal nulidade;

26º - A faculdade que tem um cliente num contrato de mediação de arguir uma nulidade não tem carácter absoluto, estando limitada pelas regras da boa fé e do abuso de direito;

27º - A arguição da nulidade deverá ser vedada quando o cliente o faça em contradição com a finalidade pela qual lhe é concedida, e, nomeadamente, quando o faça apenas para evitar o pagamento da remuneração, neste caso, com a agravante de pedir a restituição da prestação que, de forma voluntária e sem reservas, cumpriu no âmbito de um contrato sinalagmático;

28º - Nestas circunstâncias, a invocação da nulidade formal, não tendo outro propósito que não seja o de a Autora/Apelada se libertar de um vínculo que sabia existir e que a Apelante cumpriu com a sua prestação, traduz inaceitável venire contra factum proprium, abuso do direito que torna inoperante aquele vício formal.

29º - A arguição da nulidade do contrato de mediação imobiliária por vício de forma pode e deve ser paralisada pela figura do abuso do direito, o que expressamente se invoca.

30º - Deverá ser proferido douto Acórdão de procedência da Apelação e, em consequência, a absolvição da Ré dos pedidos formulados.

31º - A douta decisão em crise violou, nomeadamente, o disposto nos preceitos jurídicos da lei substantiva: Código Civil: artºs 289.º e 334.º;

NESTES TERMOS, deve o presente recurso ser julgado integralmente procedente e, em consequência, alterada a decisão da matéria de facto e revogada a douta sentença em crise, com a consequente absolvição da Ré dos pedidos formulados no requerimento inicial, assim farão VV Exªs, Senhores DESEMBARGADORES, a habitual JUSTIÇA!

Houve contra-alegações, nas quais se pugna pela improcedência do recurso e manutenção da sentença recorrida.

II – OBJECTO DO RECURSO

A – Sendo o objecto do recurso definido pelas conclusões das alegações, impõe-se conhecer das questões colocadas pela recorrente, bem como das que forem do conhecimento oficioso, sem prejuízo daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras, importando notar que, em todo o caso, o tribunal não está vinculado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, atenta a liberdade do julgador na interpretação e aplicação do direito.

B – Deste modo, considerando a delimitação que decorre das conclusões formuladas pelos, cumpre apreciar:

- Da pretendida alteração da matéria de facto;
- Se deve ser julgada totalmente improcedente a acção, com absolvição da Ré dos pedidos.

III - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO:

Matéria de facto julgada provada na sentença:

1. A A. foi dona e legítima proprietária de uma fração autónoma composta por casa de rés-do-chão e andar, destinada a habitação, com anexo para garagem e logradouro, sita na Rua …, da freguesia de ..., concelho de Braga, descrita na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº ... e inscrita na matriz predial respetiva sob o artigo ..., com licença de utilização nº 135, emitida pela Câmara Municipal ... em 07/06/2016, e com o certificado energético nº SCE124974936, válido até 09/05/2016.

2. A Ré é uma sociedade imobiliária que se dedica a intermediação imobiliária de venda e compra de imóveis.

3. Em junho de 2018 porque pretendia vender o prédio supra referido a A. acordou verbalmente com a R que esta intermediasse tal venda.

4. Na ocasião combinaram que o preço de venda seria de 380.000,00€.

5. Tendo a R. direito a uma comissão caso a venda fosse efectuada.

6. A A. ficou de informar a R. da data a partir da qual poderia promover a venda.

7. Em meados de agosto de 2018, a A. informou a R. que podia avançar com a promoção.

8. Na sequência da promoção efectuada pela R. do imóvel e das visitas efectuadas com a R, A. N. apresentou proposta de compra no valor de 365.000,00€, que a A. aceitou.

9. No dia 11.9.2018, entre a A. e A. N., foi celebrado CPCV, junto a fls. 6v e ss, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

10. A A. aquando da assinatura do CPCV recebeu da promitente compradora 70,000,00€ a título de sinal.

11. E convencida que venderia o imóvel aquela pessoa, logo solicitou à R que emitisse a factura para pagamento da comissão.

12. O que a R. fez emitindo a factura de fls 9., com vencimento a 17.9.2018, no valor de 22447,50€, correspondente a 5% do valor da venda mais IVA.

13. A A. pagou tal quantia à Ré.

14. A e promitente compradora, na sequência de defeitos que o imóvel apresentava, mormente ao nível da piscina acordaram na revogação do CPCV, comprometendo-se a A. a devolver o sinal entregue.

15. A A. já devolveu à promitente compradora a quantia de 58.756,50€.

16. Estando a devolução do remanescente dependente do desfecho da presente acção.

17. A A. após a celebração do CPCV intentou acção contra o construtor do imóvel aludido em 1., reclamando, além do mais, a reparação de várias desconformidade das moradia aludida em 1 – ver certidão de fls. 43 e ss.

18. No âmbito daquela acção por transação efectuada na audiência prévia que teve lugar no dia 13.3.2019, a A. desistiu dos pedidos ali formulados, comprometendo-se o construtor a adquirir o imóvel aludido em 1.

19. Em circunstâncias não concretamente apuradas o escrito de fls. 46 foi deixado pela R. na residência da A.

20. A R. na sequência do acordo verbal celebrado com a A. deslocou-se ao imóvel pelo menos 5 vezes, para reunir com a A., tirar fotografias e acompanhar A. N. nas visitas.

21. Efectuou a promoção do imóvel no seu site, páginas de venda, folhetos, na sua loja e junto da sua carteira de clientes.

22. Foi responsável pela elaboração do CPCV, convocação das partes para o mesmo, que foi outorgado nas suas instalações.

Factos julgados não provados:

-que o documento de fls. 46 foi preenchido à frente da A. e que lhe foram explicados os seus termos;
- que após o documento de fls. 46 foi entregue em mão pelo legal representante da R. à A. para esta o assinar e devolver;
- que várias vezes a R. solicitou à A. a devolução do documento de fls. 46;
- que aquando da celebração do acordo verbal entre A. e R., tenham acordado que só a R. podia promover a venda do imóvel,
- e que caso a venda não se concretizasse por motivo imputável à A. teria que pagar a comissão.

IV – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Da impugnação da matéria de facto

Cumpre começar por analisar se a recorrente cumpriu os requisitos de ordem formal que permitam a este Tribunal apreciar a impugnação que faz da matéria de facto, nomeadamente se indica os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões; se especifica na motivação dos meios de prova constantes do processo ou que nele tenham sido registados que, no seu entender, impõem uma decisão diversa quanto a cada um dos factos; fundando-se a impugnação em parte na prova gravada, se indica na motivação as passagens da gravação relevantes; apreciando criticamente os meios de prova, se expressa na motivação a decisão que no seu entender deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas; tudo conforme resulta do disposto no artº. 640º, nºs. 1 e 2, do Código Processo Civil (C.P.C.) e vem melhor mencionado na obra de Abrantes Geraldes “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina, 4ª Edição, pags. 155 e 156.

A apreciação de facto, em sede de recurso, tendo por base a gravação e/ou transcrição dos depoimentos prestados em audiência, não pode aniquilar a livre apreciação da prova do julgador, construída dialecticamente na base da imediação e da oralidade.
Com efeito, a garantia do duplo grau de jurisdição da matéria de facto não subverte o princípio da livre apreciação da prova que está deferido ao tribunal da 1ª instância, previsto no art. 607º, nº5, do CPC, sendo que, na formação da convicção do julgador não intervêm apenas elementos racionalmente demonstráveis, já que podem entrar também elementos que em caso algum podem ser importados para a gravação vídeo ou áudio, pois que a valoração de um depoimento é algo absolutamente imperceptível na gravação/transcrição (veja-se nestes sentido, Abrantes Geraldes in “Temas de Processo Civil”, II Vol., pg. 201).
Diversamente do que acontece no sistema da prova legal, em que a conclusão probatória é prévia e legalmente fixada, no sistema da livre apreciação da prova, o julgador detém a liberdade de formar a sua convicção sobre os factos, objecto do julgamento, com base apenas no juízo que fundamenta no mérito objectivamente concreto do caso, na sua individualidade histórica, adquirido representativamente no processo O juiz, no seu livre exercício de convicção, tem de indicar os fundamentos que, segundo as regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa sindicar da razoabilidade da decisão sobre o julgamento do facto como provado ou não provado (neste sentido, Miguel Teixeira de Sousa, in Estudos Sobre o Novo Código de Processo Civil, Lex, 1997, pg. 348).
Na verdade, o art. 607º, nº4, do C.P.Civil, prevê expressamente a exigência de objectivação, através da imposição da fundamentação da matéria de facto, devendo o tribunal analisar criticamente as provas e especificar os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador.
Tal como se sustenta no Ac. da Relação do Porto, de 22.05.2019, (…)”na reapreciação dos meios de prova, a Relação procede a novo julgamento da matéria de facto impugnada, em busca da sua própria convicção, desta forma assegurando o duplo grau de jurisdição sobre essa mesma matéria, com a mesma amplitude de poderes da 1.ª instância.[3]
Impõe-se-lhe, assim, que “analise criticamente as provas indicadas em fundamento da impugnação, quer a testemunhal, quer a documental, conjugando-as entre si, contextualizando-se, se necessário, no âmbito da demais prova disponível, de modo a formar a sua própria e autónoma convicção, que deve ser fundamentada”.[4]
Importa, porém, não esquecer que, como atrás se referiu, se mantêm vigorantes os princípios da imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova e guiando-se o julgamento humano por padrões de probabilidade e nunca de certeza absoluta, o uso, pela Relação, dos poderes de alteração da decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto deve restringir-se aos casos de flagrante desconformidade entre os elementos de prova disponíveis e aquela decisão, nos concretos pontos questionados.[5]
Revertendo para o caso vertente, verifica-se que a recorrente, nas suas alegações e motivação do recurso, considera que foram incorrectamente julgados determinados factos aí discriminados, indicando a redacção que, no seu entender, tais pontos devem passar a ter e indicando para o efeito os concretos meios probatórios constantes do processo, cumprindo as exigências legais para fundamentar a pretendida alteração factual, de harmonia com o citado art. 640º, nº1, do CPC.

Pugna a Recorrente que o ponto 5 dos factos provados – “Tendo a R. direito a uma comissão caso a venda fosse efectuada”, passe a ter a seguinte redacção:
- “5. Tendo a R. direito a uma comissão”.
Pretende ainda a Recorrente que passe a constar como provada parte da factualidade alegada nos arts. 16º, 17º e 38º da contestação, nos seguintes termos:
- “A Ré cobraria à Autora uma comissão de 5% do valor da venda, acrescido do IVA à taxa legal”.

Funda a prova de tais factos nas declarações de parte da Autora e do Representante legal da Ré, bem como nos depoimentos das testemunhas D. F., E. S. e A. N. e os documentos juntos, com especial relevo para a factura emitida pela Ré e o subsequente pagamento efectuado pela Autora.

Vejamos.

O tribunal a quo motivou a decisão sobre a matéria de factos nos seguintes termos:
- “O tribunal fundou a sua convicção na prova documental junta aos autos (já devidamente referida no elencar dos factos provados), na prova testemunhal e nas declarações de parte, prestadas.
A questão central que se debateu em julgamento prende-se com as circunstâncias da celebração do contrato entre as partes e os seus exactos termos, sendo que neste âmbito, resultou da prova que apenas verbalmente foi efectuado o acordo de vontades entre as partes no sentido da R. promover a venda do imóvel da A., sendo-lhe devida uma comissão caso a A. lograsse vender imóvel a cliente angariado pela R.
Determinante para a nossa convicção foram as declarações prestadas pela A. que mostrando grande à vontade e descomprometimento, mantendo um discurso coerente e preciso explicou o modo como entrou em contacto com a R. para que esta promovesse a venda do imóvel. Destaco aqui a lisura e franqueza destas declarações, precisando a A. que foi por intermédio de um familiar que chegou à fala com o legal representante da R., explicando detalhadamente que apenas acordaram o valor pelo qual venderia e que se conseguisse vender com a intermediação da R., seria devida uma comissão, logo a A. tendo transmitido que a casa estava já noutra imobiliária.
Ora, este ponto foi efectivamente confirmado de forma cabal e séria pelas testemunhas C. B. ( namorado da A) e D. F. ( funcionário da imobiliária Imofreitas onde a A. já tinha colocado o imóvel, também, à venda), note-se que ambos, aludiram a um negócio que esteve em vias de concretização envolvendo esta imobiliária e um jogador de futebol, informando D. F., que já depois da celebração do CPCV entre a A. e a cliente angariada pela R., chegou a contactar a A. no sentido de ter pessoa interessada pelo imóvel, tendo na altura a A. informado que já tinha a venda da moradia acordada, foi claro em dizer que nunca a A. aceitou qualquer exclusividade.
Prosseguindo, relatou a A. que ficou convencida que apenas se a venda fosse feita teria que pagar, confiando no legal representante da R., dadas as referências que lhe haviam sido dadas, não estranhando que o contrato não tivesse sido reduzido a escrito, até porque na outra imobiliária tinha, também, sido tudo verbal (situação que D. F., confirmou).
Mais a A. explicou que esta conversa, este acordo com a R., foi em junho, data em que deixou fotografar o imóvel e em que houve deslocações por banda de funcionários da R, sendo que, na altura, referiu que a promoção não poderia avançar de imediato, ao que a R anuiu, sendo que, só em meados de Agosto autorizou a promoção pela R. através de contacto com o seu legal representante, que logo nos dias imediatos houve visitas, e que a R. lhe comunicou que havia uma pessoa que oferecia 365.000,00€, tendo a A. anuído na venda, no seguimento do que celebrou o CPCV, recebeu 70 mil de sinal, e convencida que iria vender a casa pagou a comissão pedida pela R., 5% mais iva do valor da venda.
Expressamente questionada referiu que jamais lhe foi exibido ou explicado qualquer contrato escrito, tendo já no final do ano encontrado em sua casa – num móvel – o documento que consta de fls 46, que nunca assinou, nem leu, uma vez que perentoriamente afirma que tudo acordou verbalmente com a R., nunca tal elemento lhe tendo sido exibido ou entregue em mão.
A seriedade da A. foi deveras impressiva para nós, pois, como resultou das suas declarações apercebendo-se de defeitos na moradia ao nível da piscina, ao invés de se calar e formalizar, sem mais a venda, chamou a promitente compradora e informou-a em conformidade, tendo interposto acção contra o empreiteiro em virtude do mesmo se recusar a efectuar a reparação, é certo, que como referiu em julgamento a A. e a promitente compradora e seu companheiro ( A. N. e B. P.), num primeiro momento a A. disse que repararia e se entenderia com o empreiteiro, no entanto, e face ao litigio com empreiteiro teve que voltar atrás nessa opção, deixando a acção correr termos sem qualquer intervenção ao nível das desconformidades.
Aqui chegados, e das declarações da A., da promitente compradora e do seu marido, resulta de forma inequívoca – ainda que tentem imputar culpas uns aos outros – que efectivamente a sua relação contratual findou por mutuo acordo, tendo acordado em desfazer o negócio, revogar o CPCV, comprometendo-se a A. a devolver o sinal, o que já sucedeu parcialmente, faltando devolver cerca de 11.000,00€, que as partes fizeram depender do desfecho desta acção.
Nestes termos, demonstrado está que pela prova produzida que a venda mediada pela R. não chegou a ocorrer, sendo que tal deve-se a uma acordo entre as partes, não resultando demonstrada qualquer culpa da A. na não celebração do contrato de compra e venda, antes um acordo de vontades entre os contraentes, no sentido de porem fim ao negócio, com devolução do sinal entregue, assim se gorando a venda intermediada pela R..
Aliás, tal situação, a desvinculação deste CPCV, possibilitou à A. resolver o diferendo com o empreiteiro, vendendo-lhe a moradia, conforme decorre da certidão junta aos autos relativa ao processo nº 5700/8.6T8BRG – acordo alcançado na audiência prévia de 13.3.2019.
Voltando ao teor de fs. 42, a A. refere que terá sido deixado por representante da R. em sua casa, à sua empregada, que jamais lho exibiu, sendo que como as coisas se desenrolaram tão rápido e tudo correu bem, quando o encontro nenhuma importância lhe deu ( nem o leu) ou questionou a R., até porque para ela tudo foi verbalmente acordado e estava resolvido com a R., uma vez que pagara a comissão convencida que venderia a casa ao cliente arranjado pela R..
Ora, esta versão da A. é totalmente oposta à do legal representante da R. que afiança que o acordado foi o regime de exclusividade ( diz só trabalhar nesses termos com particulares), o prazo do contrato era de 9 meses, a comissão de 5% do valor da venda mais IVA, e que deixou contrato escrito de mediação por si totalmente preenchido, com estas condições nas mãos da A., que ficou de o assinar e devolver, referindo que, por várias vezes, o solicitou à A., que nunca o entregou, mesmo após a assinatura do CPCV.
Noto que esta situação é logo estranha, se explicou, preencheu e tudo estava acordado, porque a A. não o assinou logo? são escassos segundo que se levam a assinar um documento.
Nas suas declarações confirmou, ainda, o legal representante da A., que após a assinatura do CPCV a A. logo perguntou quanto lhes devia da comissão, tendo pago 5% mais iva do valor da venda, sendo que meses mais tarde foi informado que a venda não se tinha feito por problemas colocados pela A., razão pela qual e como acordara com a A. a exclusividade e a comissão ser devida se a venda não ocorresse por culpa da A., nada lhe devolveu da comissão paga.
O legal representante da A. repetidamente refere que tudo explicou à A. quanto à exclusividade e demais termos do contrato e que esta ficou ciente que mesmo que não vendesse teria que pagar a comissão acordada, caso a culpa da frustração da venda fosse da A.
Aqui chegados, e pese embora, no essencial esta versão tenha sido confirmada pela funcionária da R. E. S. ( quem arranjou a compradora), que refere que esteve no local e que o legal representante da R. leu o contrato, explicou-o, preencheu-o e entregou-o a A., que apenas o ficou de assinar e devolver, o certo é que, muitas dúvidas aqui se nos colocam, note-se que se num primeiro momento esta pessoa diz que tudo foi lido e explicado e preenchido, em sede de esclarecimentos na sequência da junção do teor de fls. 46, acaba por admitir que não assistiu, não tomou atenção, ao preenchimento e conversa do legal representante da R. com a A., uma vez que estava a tirar fotografias, alterando a versão antes apresentada, à semelhança do sucedido com o legal representante da R., que confrontado com o teor de fls. 46 já vem dizer que afinal não preencheu na totalidade e que terá sido a A. à sua revelia a colocar o x na quadrícula da não exclusividade, mas o acordo foi de exclusividade.
Nesta conformidade, muitas dúvidas se nos colocam, contrariando frontalmente o teor de fls. 46 versão da R. nos articulados e do seu legal representante em julgamento, note-se que o escrito que alegadamente a A. não assinou de má fé e não devolveu apesar das múltiplas solicitações, afinal não está em conformidade com o que a R. diz que foi acordado, desde logo, o mais importante para a R., a exclusividade ( também o prazo de duração difere).
Veja-se que é a não exclusividade que lá consta e são 6 meses e não 9 a sua duração, de nada valendo, a argumentação – agora - no sentido que se esqueceu de preencher aquela quadrícula, e que foi a A. abusivamente que colocou o x na não exclusividade, como que adaptando a versão dos factos à realidade que vem aparecendo em julgamento, situação que, friso, com a A. não sucedeu, a sua versão foi sempre coerente, não andou ao sabor da prova que se foi produzindo.
Resumindo, as circunstâncias em que o escrito de fls. 46 chegou à posse da A. não foram apuradas, de modo algum, se demonstrando como defendeu a R. que o mesmo foi entregue à A. em mão, preenchido ( com regime de exclusividade contratado), e após cabal esclarecimento à A., para o assinar, sendo que esta nunca o assinou e entregou deliberadamente, nem tão pouco convence a versão adaptada à realidade que surgiu no julgamento, no sentido, que afinal não estava tudo preenchido e a A., contrariamente ao acordado colocou o x na não exclusividade.
Outrossim, e o que ficou demonstrado foi a celebração de um acordo verbal no sentido da R. promover a venda do imóvel da A., sendo-lhe devida uma comissão caso a venda se realizasse, sendo certo, que apesar da celebração e CPCV com cliente angariado pela R., o certo é que a A. não vendeu imóvel, tendo acordado com a promitente compradora na revogação daquele CPCV.”
Ora, ouvidas as declarações das partes, os depoimentos das testemunhas indicadas e analisados os documentos referidos, bem como ouvida a demais prova testemunhal, não vislumbramos fundamento para alterar o julgamento que sobre a matéria de facto foi efectuado pela primeira instância.
Com efeito, resulta das declarações de parte da Autora a existência de um acordo verbal entre si e a Ré mediante o qual esta intermediaria na venda da casa daquela, promovendo essa venda pelo preço que acordaram, ficando a Autora com a obrigação de pagamento de uma comissão, a título de remuneração, pelos serviços de mediação imobiliária a desenvolver pela Ré e que essa comissão seria devida apenas no pressuposto da concretização do negócio. Mais resulta dessas declarações que a Autora não estranhou que o aludido contrato não tivesse sido reduzido escrito, uma vez que na anterior imobiliária onde tinha colocado o mesmo imóvel à venda, também tinha tudo ocorrido verbalmente (o que foi confirmado pela testemunha D. F.).
Cumpre notar que a Autora prestou as suas declarações de forma espontânea, detalhada e coerente, de modo que se nos afigura autêntica e verdadeira.
Esta versão (declarações) da Autora foi corroborada pelo depoimento da testemunha D. F. (funcionário da Imobiliária Imofreitas, onde a A. também havia colocado à venda o seu imóvel), ao explicar que também no seu caso, a Autora apenas pagava a comissão, com a concretização do negócio, realçando, ainda, que relativamente a si, a Autora nunca aceitou qualquer contrato de exclusividade, contrariando frontalmente o depoimento do legal representante da Ré, que afiançou ao Tribunal que o acordado com a Autora, foi em regime de exclusividade.
É de salientar que o depoimento desta testemunha afigura-se-nos prestado de modo sincero, objectivo e também ele coerente.
Por sua vez, o depoimento da testemunha E. S. (funcionária da Ré e angariadora do negócio da projectada venda da casa da Autora), não merece credibilidade, na medida em que beneficiaria da aludida comissão, revelou interesse e comprometimento com o desfecho da lide e, além disso, acabou por se contradizer, afirmando num primeiro momento que presenciou a leitura e explicação do contrato entre a Autora e o legal representante da Ré, e mais tarde, quando confrontada com esse documento, referiu que afinal não tinha assistido a tudo, já que entretanto foi tirar fotografias ao imóvel.
De resto, no que tange à coerência e credibilidade das declarações de parte da Ré, corroboramos as considerações que na sentença delas são feitas, pelo que, nesta matéria, não se de considerar positivamente.
Finalmente, cumpre assinalar que não se vê como possa existir a alegada contradição entre a factualidade provada no ponto 5, na versão constante da sentença, e a factualidade constante nos factos provados 11), 12) e 13).
Na verdade, como bem refere a Recorrida a este propósito, a Autora, convencida que venderia o imóvel aquela pessoa – promitente compradora, logo solicitou à R. que emitisse a factura para pagamento da comissão, ou seja, a Autora só solicitou à Ré a factura para pagamento da comissão, por estar plenamente convencida de que o negócio se ia concretizar.
Donde se conclui que não existe qualquer contradição entre o facto do ponto 5 e os factos provados sob os pontos 11º, 12º e 13º.
Deste modo, deve manter-se inalterada a sentença relativamente à factualidade provada e não provada, assim improcedendo totalmente a a impugnação da matéria de facto.
*

Aqui chegados, vejamos o enquadramento jurídico dos factos no direito.
A sentença recorrida subsumiu os factos em apreço à existência entre as partes de um contrato de prestação de serviços na modalidade de mediação imobiliária, de harmonia com o disposto no art. 2º, nº 1, da Lei 15/2013 de 08/02 (RJAMI).
Nos termos desta normativo, “a atividade de mediação imobiliária consiste na procura, por parte das empresas, em nome dos seus clientes, de destinatários para a realização de negócios que visem a constituição ou aquisição de direitos reais sobre bens imóveis, bem como a permuta, o trespasse ou o arrendamento dos mesmos ou a cessão de posições em contratos que tenham por objeto bens imóveis.”
Estamos, assim, perante um contrato pelo qual uma parte - o mediador - se vincula para com a outra - o comitente ou solicitante - a, de modo independente e mediante retribuição, preparar e estabelecer uma relação de negociação entre este último e terceiros (os solicitados) com vista à eventual conclusão definitiva de negócio jurídico.
Deste modo, a atividade de mediação imobiliária consiste na procura, por parte das empresas, em nome dos seus clientes, de destinatários para a realização de negócios que visem a constituição ou aquisição de direitos reais sobre bens imóveis, bem como a permuta, o trespasse ou o arrendamento dos mesmos ou a cessão de posições em contratos que tenham por objeto bens imóveis (art. 2º, nº 1, do RJAMI).
O contrato de mediação imobiliária é aquele em que uma parte se obriga a diligenciar pela aproximação de duas pessoas com vista à celebração de um dos indicados negócios relativamente a um imóvel.
Este contrato é formal, por força do artigo 16º nº 1 RJAMI, porquanto deve ser obrigatoriamente reduzido a escrito, devendo dele constar os elementos discriminados no nº 2.
É de salientar que a remuneração da empresa (aqui Ré) é devida com a conclusão e perfeição do negócio visado pelo exercício da mediação (art. 19º, nº 1, do RJAMI).
O contrato de mediação incorpora uma condição atípica, ou circunstância de eventualidade, cuja ocorrência é necessária à produção de um dos seus efeitos jurídicos principais, o dever de remunerar. Por causa desta circunstância, que coloca a remuneração na dependência do contrato visado, o mediador corre um risco específico de não ser remunerado, mesmo tendo cumprido escrupulosamente a sua prestação (cf. Higina Castelo in Regime Jurídico da Atividade de Mediação Imobiliária Anotado, pág. 126).
Importa não confundir a vigência do contrato de mediação com o direito à remuneração. Este direito só nasce com a conclusão e perfeição do negócio visado (salvas as situações de realização de contrato-promessa em que pode ser estabelecida remuneração com a celebração desse contrato e as situações de exclusividade).
Este direito à remuneração é um dos efeitos do contrato que se pode prolongar para além da sua vigência posto que só nasce no momento em que é celebrado o contrato visado e desde que este seja eficaz. Assim, por exemplo, se o contrato visado é celebrado sob condição suspensiva, o direito à remuneração só nasce quando a condição se verifica (cf. Higina Castelo in Regime Jurídico da Atividade de Mediação Imobiliária Anotado, pág.129).
Significa isto que o direito à remuneração, enquanto um dos efeitos do contrato de mediação imobiliária, não tem necessariamente que coincidir com o período de vigência do contrato podendo surgir em momento em que o contrato de mediação já cessou, visto que o direito à remuneração só nasce com a conclusão e perfeição do contrato visado.
Porém, só se houver uma relação causal entre a atuação do mediador e a conclusão e perfeição do contrato é que a remuneração é devida.
Ora, esta qualificação jurídica do contrato efectuada pelo tribunal a quo não merece qualquer discussão, nem foi questionada pelas partes.
A partir daqui, a Recorrente põe em crise a solução jurídica dada à pretensão da Autora.
Com efeito, refere a sentença recorrida que a (…)”A. assenta a sua pretensão na falta de forma do contrato celebrado com a R. Na verdade e como resulta dos factos provados entre as partes foi verbalmente acordada a celebração de um contrato de mediação, uma vez, que a A. mandatou a R. – verbalmente - para promover a venda do imóvel, comprometendo-se a pagar-lhe uma comissão caso arranjasse comprador para tal imóvel nas condições exigidas pela A. e o negócio se viesse a concretizar, damos especial enfase a esta ultima parte uma vez que como é sabido e resulta da lei pressuposto para a remuneração é que o negócio seja efectivamente celebrado, ressalvadas as excepções legalmente previstas.
Nos termos do nº 5 do artº 16, do RJAMI “O incumprimento do disposto nos nºs 1, 2 e 4 do presente artigo determina a nulidade do contrato, não podendo esta, contudo, ser invocada pela empresa de mediação”.
Nesta conformidade, e sendo o acordo entre as partes meramente verbal, o mesmo é nulo, por não observar o legal formalismo (artºs 219º e 220º do Código Civil e artº16º da Lei nº15/2013, de 08.02)”.
Na verdade, tendo o contrato em apreço sido efectuado verbalmente, não restam dúvidas que, de harmonia com os citados preceitos legais, o mesmo é nulo, por não ter sido celebrado pela forma prescrita na lei.
Porém, a Recorrente invoca a este respeito a existência de abuso de direito por parte da Autora, com vista a “neutralizar” essa nulidade invocada pela Autora.
Neste conspecto, alega a Recorrente que na presente ação a Autora/Apelada faz-se valer da nulidade por vício de forma do contrato, invocando aquele vício com claro abuso do direito, o que é impeditivo do conhecimento de tal nulidade. Mais alega que nas circunstâncias deste caso, a invocação da nulidade formal, não tendo outro propósito que não seja o de a Autora/Apelada se libertar de um vínculo que sabia existir e em que a Apelante cumpriu com a sua prestação, traduz inaceitável venire contra factum proprium, abuso do direito que torna inoperante aquele vício formal.
Ora, conforme se extrai da contestação da Ré, esta assenta a alegação do abuso de direito na factualidade vertida nos art. 15º e ss e 75º e ss de tal peça, designadamente que ao longo de todo este processo, perante as insistências da Ré, a Autora sempre foi dizendo à Ré que entregava o contrato de mediação assinado; que aquela sempre se comportou como se houvesse contrato de mediação assinado e em exclusividade, com base nas condições acordadas e supra referidas e que em nenhum momento, a Autora alegou que não havia contrato, que este não estava assinado, que não havia regime de exclusividade e consequentemente fosse nulo, que Autora propositadamente não entregou o contrato assinado, e que sempre prometeu a sua entrega à Ré e sempre se comportou como se o contrato de mediação em regime de exclusividade tivesse sido assinado.
Acontece que a Ré não logrou provar tal factualidade, ou seja, que o documento de fls. 46 foi preenchido à frente da A. e que lhe foram explicados os seus termos; que após o documento de fls. 46 foi entregue em mão pelo legal representante da R. à A. para esta o assinar e devolver; que várias vezes a R. solicitou à A. a devolução do documento de fls. 46; que aquando da celebração do acordo verbal entre A. e R., tenham acordado que só a R. podia promover a venda do imóvel e que caso a venda não se concretizasse por motivo imputável à A. teria que pagar a comissão.
Perante isto, a sentença recorrida concluiu pela inexistência de abuso de direito, sustentando que (…) “e não se diga aqui ser abusiva esta invocação pela A., uma vez que de modo algum, resultou demonstrada que a contratualização escrita só não foi efectuada por manifesta má fé daquela, note-se que as circunstâncias em que o escrito de fls. 46 chega às mãos da A. não foram apuradas, sendo certo, que o teor de fls. 46 acaba por contrariar frontalmente quer a alegação da R. nos articulados, quer a versão do seu legal representante, note-se que referem que tudo foi preenchido à frente da A. pelo legal representante da R, e que apenas faltava assinar a A., reforçando-se frequentemente que o regime contratado/acordado era o de exclusividade, quando é certo que olhando para fls 46 facilmente verificamos que o x está na quadrícula da não exclusividade, e que o prazo de duração é distinto do alegado, não podendo o tribunal acolher a versão depois surgida no sentido que afinal não estava tudo preenchido e que a A., à revelia da R. colocou o x na não exclusividade, parece-nos deveras rebuscado, é o andar ao sabor da prova que foi sendo produzida adaptando-se/alterando-se a versão em conformidade.
Muitas questões este documento nos levanta, pelo que, de modo algum, podemos dá-lo como a corporização do acordo de vontades entre a partes, apenas nele faltando a assinatura da A., e que ali não foi aposta e o mesmo não foi entregue à R., por manifesta má fé, como vem alegado. “
O Artº. 334º prescreve que “é ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social e económico desse direito“.
Adoptou-se nesse preceito do C.C. a concepção objectiva de abuso de direito, uma vez que “não é necessária a consciência de se excederem com o seu exercício os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico do direito, basta que se excedam esses limites“ (cfr. A. Varela, RLJ, ano 114, pág. 74-75).
Como sustenta Orlando de Carvalho, o que importa averiguar é se o uso do direito subjectivo obedeceu ou não aos limites de autodeterminação, poder esse que existe, tão somente, para se prosseguirem interesses e não para se negarem interesses, sejam eles próprios ou alheios, e o abuso de direito “é justamente um abuso porque se utiliza o direito subjectivo para fora do poder de usar dele“, havendo abuso de direito, segundo o critério proposto por Coutinho de Abreu “quando um comportamento aparentando ser exercício de um direito, se traduz na não realização dos interesses pessoais de que esse direito é instrumental e na negação de interesses sensíveis de outrem“ (Teoria Geral do Direito Civil-Sumários Desenvolvidos, 1981, pág. 44 e Coutinho de Abreu, Abuso de Direito, pág. 43) .
O princípio do “venire contra factum proprium”, como aplicação do princípio da confiança do tráfico jurídico, faz com que não deva ser desiludida a outra parte quando esta confia em declarações ou no comportamento do titular do direito, pois, como afirma Menezes Cordeiro, “no essencial, a concretização da confiança, ela própria concretização de um princípio mais vasto, prevê, (...) a actuação de um facto gerador de confiança, em termos que concitem interesse por parte da ordem jurídica; a adesão do confiante a esse facto; o assentar, por parte dele, de aspectos importantes da sua actividade posterior sobre a confiança gerada - um determinado investimento de confiança - de tal forma que a supressão do facto provoque uma iniquidade sem remédio. O factum proprium daria o critério de imputação da confiança gerada e das suas consequências”.
Além disso, “normalmente, não se exige culpa por parte do responsável pela criação da situação de confiança. Mas exige-se que ele estivesse em condições de poder agir doutra maneira, designadamente, que tivesse podido conhecer e impedir a aparência criada, usando o cuidado normal, que devesse e pudesse conhecer que, ao adoptar a conduta que cria a confiança, se priva para o futuro de parte da sua liberdade de decisão pessoal”.
No que respeita aos pressupostos salienta Baptista Machado que “a confiança digna de tutela tem de radicar em algo de objectivo: uma conduta de alguém que de facto possa ser entendida como uma tomada de posição vinculante em relação a dada situação futura”.
“Para que a conduta em causa se possa considerar causal em relação à criação de confiança, é preciso que ela directa ou indirectamente revele a intenção do agente de se considerar vinculado a determinada atitude no futuro” (Baptista Machado, pag. 414 e 416).
Logo, o conflito de interesses e a subsequente necessidade de tutela jurídica, apenas surgem, quando alguém, estando de boa fé, com base na situação de confiança criada pela contraparte, toma disposições ou organiza planos de vida, de onde lhe resultarão danos, se a sua legítima confiança vier a ser frustrada.
O instituto do abuso de direito é uma verdadeira “válvula de segurança” para impedir ou paralisar situações de grave injustiça que o próprio legislador preveniria se as tivesse previsto, é uma forma de antijuricidade cujas consequências devem ser as mesmas de todo o ato ilícito (Ac. do STJ, de 23.1.2014, in www.dgsi.pt).
Poder-se-á dizer que ocorre uma situação típica de abuso do direito quando alguém, detentor de um determinado direito, consagrado e tutelado pela ordem jurídica, o exercita, no caso concreto, fora do seu objetivo natural e da razão justificativa da sua existência e ostensivamente contra o sentimento jurídico dominante (Ac. da Relação de Coimbra, de 9.1.2017, in www.dgsi.pt).
Há abuso de direito quando o direito, em princípio legítimo e razoável, é exercido em determinado caso de maneira a constituir clamorosa ofensa do sentimento jurídico dominante.
Por isso, não basta que o titular do direito exceda os limites referidos, sendo necessário que esse excesso seja manifesto e gravemente atentatório e ofensivo daqueles valores.
Para determinar os limites impostos pela boa-fé e pelos bons costumes, há que lançar mão dos valores éticos predominantes na sociedade e para os impostos pelo fim social ou económico do direito deverão considerar-se os juízos de valor positivamente consagrados na lei (Ac. do STJ, de 23.1.2014, in www.dgsi.pt).
Nas palavras de Antunes Varela (in Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 128º, pág. 241) o abuso de direito é um instituto que rege para as situações concretas em que é clamorosa, sensível e evidente a divergência entre o resultado da aplicação do direito subjetivo e alguns dos valores impostos pela ordem jurídica para a generalidade dos direitos ou dos direitos de certo tipo.
A boa fé significa que as pessoas devem ter um comportamento honesto, correto, leal, nomeadamente no exercício dos direitos e deveres, não defraudando a legítima confiança ou expectativa dos outros.
Os sujeitos de determinada relação jurídica devem atuar como pessoas de bem, com correção e probidade, de modo a contribuir, de acordo com o critério normativo do comportamento, para a realização dos interesses legítimos que se pretendam atingir com a mesma relação jurídica (Ac. da Relação de Lisboa, de 24.4.2008, in www.dgsi.pt).
E para que o abuso de direito exista, não basta que o exercício do direito pelo seu titular cause prejuízo a alguém - a atribuição de um direito traduz deliberadamente a supremacia de certos interesses sobre outros interesses com aqueles confluentes, sendo necessário, sim, que o titular dele manifestamente exceda os limites que lhe cumpre observar, impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico do próprio direito exercido (cf. Acórdãos da Relação de Guimarães de 2.7.2009, do STJ de 1.7.2004, da Relação de Coimbra, de 2.12.2003 in www. dgsi.pt; do STJ de 19.10.2000, in CJ, Ano VIII, Tomo III-2000, pág. 83 a 84).
Tecidos estes considerandos e revertendo agora ao caso em apreço, verifica-se que, atenta a factualidade alegada na base da qual foi invocada pela Ré/Recorrente a existência de abuso de direito e analisados os factos efectivamente provados, podemos com segurança afirmar que a nulidade do contrato invocada pela Autora não encerra abuso de direito da sua parte. Esta exerceu legitimamente o seu direito e não excedeu quaisquer limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim económico e social desse direito, tendo-se cingido, a final de contas, a exigir a devolução da quantia que pagou à Ré a título de comissão, aquando da celebração do contrato promessa de compra e venda, no pressuposto de que o negócio visado com a mediação se iria concretizar, o que não veio a acontecer, na medida em que a venda acabou por não se concretizar, tendo a A. e promitente compradora acordado em revogar o CPCV, com devolução do sinal entregue.
Do exposto, forçosamente se conclui que a actuação da Autora não configura in casu qualquer abuso de direito, inexistindo, por isso, fundamento legal para obstar aos efeitos da nulidade do contrato invocada pela Autora.
Assim sendo, verificada a existência entre as partes de um contrato nulo, por falta de forma, impõe-se extrair os efeitos decorrentes dessa nulidade.
Dispõe o artº 289º n.º 1 do CC que “tanto a declaração de nulidade como a anulação do negócio têm efeito retroativo, devendo ser restituído tudo o que tiver sido prestado ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente.”
Resultando dos factos provados resulta que a autora na sequência do acordo verbal celebrado com a R., no sentido de lhe arranjar comprador para o imóvel, lhe pagou a quantia de 22.447,50€, quantia entregue, a título de comissão devida à R. pela concretização da venda do imóvel ao interessado por si angariado, tem a Autora direito à restituição de tudo o que foi por si entregue no âmbito do contrato cuja nulidade aqui é reconhecida.
De resto, como a prometida venda acabou por não se concretizar, tendo A. e promitente compradora acordado entre si em revogar o CPCV, com a devolução do sinal entregue, sempre o abrigo do RJAMI a A. teria direito a reaver a comissão entregue.

No que tange à remuneração da Ré, o artº 19º da Lei 15/2013 de 08/02, dispõe:
1 - A remuneração da empresa é devida com a conclusão e perfeição do negócio visado pelo exercício da mediação ou, se tiver sido celebrado contrato-promessa e no contrato de mediação imobiliária estiver prevista uma remuneração à empresa nessa fase, é a mesma devida logo que tal celebração ocorra.
E o nº 2 do citado preceito prevê que “ É igualmente devida à empresa a remuneração acordada nos casos em que o negócio visado no contrato de mediação tenha sido celebrado em regime de exclusividade e não se concretize por causa imputável ao cliente proprietário ou arrendatário trespassante do bem imóvel”.

No caso em apreço, não se apurou que tivesse sido acordada a exclusividade e também não foi demonstrado que o negócio não se concretizou por causa imputável à Autora.
Pelo que, em qualquer caso, a Autora tem direito à restituição daquilo que prestou a título de comissão/remuneração no âmbito do contrato, por efeito da nulidade do mesmo.
Por sua vez, a Ré tem também direito à restituição do que prestou no âmbito do contrato em apreço.
Todavia, sendo naturalmente inviável ou impossível a “restituição” à Ré dos serviços que prestou, o nº 2 do artigo 289º do CC manda restituir o valor correspondente.
Deste modo, não se mostrando provado o valor exacto dos serviços efectivamente prestados pela Ré, nem sendo possível calculá-lo, há que lançar mão da equidade para se fixar o valor correspondente desses serviços, devendo para tal atender-se ao trabalho desenvolvido pela Ré, nomeadamente visitas, promoção, elaboração do CPCV, contactos com A. e promitente compradora.
Tendo o tribunal a quo recorrido ao juízo de equidade para fixar o valor correspondente aos serviços prestados pela Ré, nos termos acabados de referir, e fixado essa retribuição compensatória em 2447,50€, já com iva incluído, a mesma afigura-se-nos adequada e justa.
Em suma, somos a concluir que nenhum reparo há a fazer à sentença recorrida.
Impõe-se, pois, a total improcedência da apelação.
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DECISÃO

Face ao exposto, acordam os juízes desta relação em julgar totalmente improcedente a apelação e, em consequência, manter a sentença recorrida.
Custas pela recorrente.
Guimarães, 17.12.2020

Relator: Jorge Santos
Adjuntos: Heitor Pereira Carvalho Gonçalves
Conceição Bucho