Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
3614/17.6T8VCT-A.G1
Relator: ALDA MARTINS
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
FASE CONCILIATÓRIA
CASO JULGADO
MINISTÉRIO PÚBLICO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 02/06/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO SOCIAL
Sumário:
1. Embora seja inviável apreciar a relação material controvertida tal como o Ministério Público a configurou. na sequência da investigação a que procedeu no âmbito dos seus poderes na fase conciliatória do processo de acidente de trabalho, por ter sido declarada a incompetência do tribunal em razão da nacionalidade, assente na domiciliação fora de Portugal duma seguradora que o Ministério Público considerou ser a responsável, nada impede, processualmente, que os autos prossigam com vista à eventual fixação de direitos do sinistrado sobre outras entidades, alheias à declaração de incompetência do tribunal, nomeadamente o empregador e a respectiva seguradora que o sinistrado indicou como sendo os responsáveis logo que participou o acidente de trabalho.

2. Verificando-se que, não obstante as conclusões que o Ministério Público entendeu extrair dos elementos recolhidos nos autos e a decisão judicial a que deu causa, o sinistrado reitera a sua pretensão inicial, a fase conciliatória do processo não deve deixar de culminar na tentativa de conciliação entre o mesmo, o empregador e a seguradora indicados na participação, após finalização do exame médico-legal, nos termos dos arts. 101.º, n.º 1, e 108.º, n.º 1 do CPT, única via de, não ocorrendo acordo, o sinistrado dar início à fase contenciosa mediante apresentação da competente petição inicial em que demande aquelas entidades.

3. Sob pena de obstaculizar o direito de acesso à Justiça, garantido constitucionalmente, não pode ser proferida decisão judicial que, sem fundamento legal, sancione a pretensão do Ministério Público de não concluir a fase conciliatória do processo de acidente de trabalho.
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Guimarães:

1. Relatório

Em 31/10/2017, N. F. veio participar acidente de trabalho ocorrido em 20 de Julho de 2017, pelas 12h30, em ..., Espanha, quando, prestando a sua actividade profissional de canteiro por conta de L. T., Unipessoal, Lda., estava em formação na empresa F. R., S.L., estando a responsabilidade emergente de acidentes de trabalho transferida pela sua empregadora para a X – Companhia de Seguros, S.A. através de contrato de seguro de acidentes de trabalho titulado pela apólice n.º AT63655950.
Em 20/03/2018, a X veio recusar a responsabilidade pelo acidente, alegando que o mesmo não lhe foi participado e na respectiva data não tinha contrato de seguro com a empregadora do sinistrado.
Em 17/04/2018, a empregadora veio dizer que, ao contrário do invocado pela X, o acidente foi participado e a apólice referida na participação estava válida na respectiva data, acrescentando que a empresa espanhola onde o sinistrado estava ao abrigo dum acordo com a requerente é beneficiária dum seguro que cobre todos os riscos decorrentes da prestação de trabalhos nas suas pedreiras, pelo que o sinistro foi também participado à correspondente seguradora, a Y espanhola.
Na sequência de diligências determinadas pelo Ministério Público, a Y Seguros Generales interveio nos autos, juntando documentação clínica, apólice de seguro e acordo celebrado com o sinistrado.
O sinistrado foi submetido a exame médico-legal em 29/10/2018, informando o Senhor Perito que a sua finalização ficava dependente apenas de análise de documentos ainda não constantes dos autos, não sendo necessário voltar a examinar o sinistrado.

Em 22/11/2018, o Ministério Público lavrou a seguinte promoção:

«N. F. participou acidente de trabalho ocorrido no dia 20/07/2017, pelas 12h30, em ..., Espanha, em consequência do qual sofreu amputação da perna direita.
Segundo a participação e documentos juntos, o sinistrado era trabalhador da L. T. Unipessoal, Lda., exercendo funções de pedreiro, mas na altura do acidente encontrava-se a receber formação por conta de F. R., S.L., com sede no Lugar de ..., ..., ..., Espanha.
Esta empresa faz parte de um grupo de empresas da qual também faz parte a BG., S.L., com sede em ..., ..., ..., Espanha.
Por sua vez, esta empresa tinha um contrato de seguro com a Y Seguros Generales, Sociedad Anonima de Seguros y ...seguros, com sucursal em Palma de Maiorca, Espanha, titulado pela apólice nº ..., que cobre os riscos da prestação de trabalhos nas suas pedreiras, incluindo responsabilidade civil por acidentes de trabalho, constando do contrato, como segurada adicional, a empresa F. R., S.L.
O sinistrado foi tratado em Espanha.
A fls. 91 e 92 veio juntar um acordo extrajudicial realizado entre ele, assistido por advogado, e a Y espanhola, pela quantia de €240.000,00, com a qual se declara totalmente ressarcido das consequências do acidente, nada mais tendo a reclamar, renunciando a quaisquer acções contra a Y e a BG., S.L.
Verifica-se, assim, que o acidente ocorreu em ..., Espanha, quando o sinistrado se encontrava ao serviço de F. R., S.L./ BG., S.L., ambas com sede em ..., Espanha, encontrando-se a responsabilidade decorrente de acidente de trabalho ocorrido com o sinistrado transferida para a Y, sucursal espanhola, com a qual já chegou a acordo extrajudicial.
A Y tem sede em França.
Estabelece o art. 10º nº 1 CPT que, na competência internacional dos tribunais de trabalho estão incluídos os casos em que a acção pode ser proposta em Portugal, segundo as regras de competência territorial estabelecidas neste código, ou terem sido praticados em território português, no todo ou em parte, os factos que integram a causa de pedir na acção.
E nos termos do art. 15º CPT, o tribunal competente para as acções emergentes de acidente de trabalho é o do local do acidente, devendo as respectivas participações ser dirigidas a esse tribunal. Se o acidente ocorrer no estrangeiro, a acção deve ser proposta em Portugal, no tribunal do domicílio do sinistrado. É também competente o tribunal do domicílio do sinistrado se ele o requerer até à fase contenciosa do processo ou se aí tiver apresentado participação.
Porém, de acordo com o art. 59º CPC, os tribunais portugueses são internacionalmente competentes quando se verifique algum dos elementos de conexão referidos nos arts. 62º e 63º ou quando as partes lhes tenham atribuído competência nos termos do art. 94º, sem prejuízo do que se encontre estabelecido em regulamentos europeus e em outros instrumentos internacionais.
Ora, temos o Regulamento(UE) n.º 1215/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho de 12/12/2012 relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial, que estabelece regras de competência internacional, pelo que, por força desse Regulamento são afastadas as normas de competência do Código do Trabalho.
As tribunais superiores já foram chamados a pronunciar-se sobre situações de competência internacional em casos de acidente de trabalho ocorrido noutros Estados-Membros com responsáveis doutros Estados-Membros, para concluir pela incompetência internacional em razão da nacionalidade dos tribunais portugueses.
E embora esses Acórdãos tenham sido proferidos no âmbito do Regulamento (CE) nº 44/2001, os fundamentos mantêm-se, uma vez que as regras nas quais se apoiam se mantêm.
Dispõe o art. 4º nº 1 Reg (UE) n.º 1215/2012 Sem prejuízo do disposto no presente regulamento, as pessoas domiciliadas num Estado-Membro devem ser demandadas, independentemente da sua nacionalidade, nos tribunais desse Estado-Membro.
Art. 5º nº 1 As pessoas domiciliadas num Estado-Membro só podem ser demandadas nos tribunais de outro Estado-Membro nos termos das regras enunciadas nas secções 2 a 7 do presente capítulo.
Art. 7º, nº 2 Em matéria extracontratual, perante o tribunal do lugar onde ocorreu ou poderá ocorrer o facto danoso.
Art. 11º, nº 1, al. b) O segurado domiciliado no território de um Estado-Membro pode ser demandado: b)Noutro Estado-Membro, em caso de acções intentadas pelo tomador do seguro, o segurado ou o beneficiário, no tribunal do lugar em que o requerente tiver o seu domicílio.

Pode ler-se no sumário do Ac. TRP de 12/09/2011, Proc. 1710/10.0TTPNF.P1, confirmado pelo Ac. STJ de 25/01/2012:

I - O objecto do Regulamento (CE) nº 44/2001 do conselho, de 2000-12-22, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial abarca a matéria laboral.
II - Os tribunais portugueses são incompetentes em razão da nacionalidade para conhecer um incidente de revisão de incapacidade de acidente de trabalho, ocorrido em Andorra, ao serviço de uma empregadora com sede neste país, em que o sinistrado tem domicílio em Portugal e a seguradora tem sede em França.

E consta dos fundamentos do Acórdão Assim, atento o art. 2º do Regulamento, prevalece o foro da R., da seguradora, que é em França ou até o forum delecti, que é em Andorra, nos termos do Art. 5º, nº 3 do mesmo diploma, afastando a competência internacional do tribunal do trabalho português. Na verdade, qualquer uma das conexões não conduz à competência internacional dos tribunais portugueses. Verifica-se, destarte, a incompetência do tribunal em razão da nacionalidade, o que determina a incompetência absoluta do mesmo e integra excepção dilatória, a implicar a absolvição da instância da seguradora, atento o disposto nos Arts. 101º, 102º, nº 1, 105, nº 1, 228º, nº 1, alínea a), 494º, alínea a) e 495º do Cód. Proc. Civil. Nem se diga, como o apelante, na conclusão 17ª do recurso que 17. .Há lugar à aplicação do factor de conexão previsto no Arigo 9º/1, al. b), Seccção 3 (Competência em Matéria de Seguros) do Regulamento (CE)nº 44/2001, de 22 de Dezembro, refere o seguinte: O segurado domiciliado no território de um estado-membro pode ser demandado:
(.)
b) noutro Estado-Membro, em caso de acções intentadas pelo tomador do seguro, o segurado ou o beneficiário, no tribunal do lugar em que o requerente tiver o seu domicílio.

Na verdade, pretendendo o sinistrado efectivar a revisão da sua incapacidade por acidente de trabalho contra a seguradora para a qual se encontra transferida a responsabilidade infortunística da empregadora, certo é que nenhum litígio existe quanto ao contrato de seguro. Pois, como se vê do relatório que antecede a seguradora assumiu a sua responsabilidade, tendo tratado o sinistrado, pelo que a única responsabilidade aqui em causa é a derivada do acidente de trabalho. Daí que a matéria em discussão não seja de seguros, mas infortunístico-laboral, não sendo aplicável, por isso, a norma do art. 9º, nº 1, alínea b) do Regulamento referido.
Também o Ac. TRP de 21/03/2013, Proc. nº 89/08.4TTGMR.P1 é no sentido da incompetência dos tribunais portugueses: Tendo o alegado acidente ocorrido em Espanha, encontrando-se o sinistrado ao serviço de empresa espanhola, sendo a Seguradora demandada espanhola, e não se verificando a extensão da competência a que alude o art. 24º do Regulamento (CE) nº 44/2001 do Conselho de 22.12.2000, carecem os tribunais portugueses, mormente o Tribunal do Trabalho, de competência internacional.
Ora, no caso dos autos, o sinistrado encontrava-se a trabalhar em Espanha ao serviço de empresa espanhola, a qual tinha a responsabilidade civil transferida para seguradora francesa e com sucursal em Espanha, seguradora que assumiu a responsabilidade pelos danos decorrentes do acidente.
Pelo exposto, os Tribunais Portugueses são incompetentes em razão da nacionalidade para conhecer do acidente participado, o que determina a incompetência absoluta do Tribunal e a absolvição da instância - arts. 96º, 99º, 576º nº 2 e 577º, al. a) CPC.»

Em 28/11/2018, foi proferido o seguinte despacho judicial:

«Concordando-se na íntegra com a douta promoção que antecede, declara-se este Tribunal incompetente em razão da nacionalidade, determinando o arquivamento dos autos.»
O sinistrado interpôs recurso do despacho, tendo este Tribunal proferido Acórdão em 24/04/2019 que julgou aquele improcedente e confirmou a decisão recorrida.
Em 9/08/2019, o sinistrado veio reiterar a participação do acidente de trabalho nos termos iniciais, designadamente indicando como responsável a X – Companhia de Seguros, S.A., para quem estaria transferida a responsabilidade por acidentes de trabalho da sua empregadora L. T., Unipessoal, Lda., através de contrato de seguro de acidentes de trabalho titulado pela apólice n.º AT63655950.

Em 24/09/2019, o Ministério Público lavrou a seguinte promoção:

«Verifica-se que o acidente de trabalho, ocorrido em 20/07/2017, participado neste apenso por N. F., já foi objecto dos autos principais.
Nos autos principais foi declarada a incompetência em razão da nacionalidade, decisão da qual foi interposto recurso, o qual foi julgado improcedente, por Acórdão transitado em julgado.
Assim, por se verificar a excepção de caso julgado – arts. 579º, 580º e 581º CPC – pr. o arquivamento dos autos.»

Em 25/09/2019, foi proferido o seguinte despacho judicial:

«O presente acidente já foi participado e decidido nos autos principais.
Assim, concordando-se na íntegra com a douta promoção do Ministério Público, determino o arquivamento dos autos.»

Em 8/10/2019, o sinistrado (na sequência de notificação elaborada em 27/09/2019) veio alegar que o acidente participado ainda não foi alvo de qualquer decisão relativa à matéria, apenas tendo sido decidido que os tribunais portugueses são incompetentes em razão da nacionalidade, em função de erradamente ter sido considerada como responsável uma entidade sem sede em Portugal. Inexiste, assim, caso julgado relativamente às duas entidades participadas, que têm sede em Portugal, por falta do requisito atinente à identidade das partes, pelo que requer que os autos prossigam nos termos da participação.

Em 11/10/2019, o Ministério Público declarou manter a promoção anterior e em 14/10/2019 foi proferido o seguinte despacho:

«Mantem-se na íntegra o anterior despacho.»

O sinistrado (na sequência de notificação elaborada em 14/10/2019) interpôs recurso do despacho em 2/11/2019, formulando as seguintes conclusões:

«Por Douto despacho datado de 14 de outubro de 2019, proferido no âmbito dos presentes autos foi decidido;
“Mantem-se na íntegra o anterior despacho.”
O qual, e no seguimento do parecer concretizado pelo Magistrado do Ministério Público, tinha o seguinte conteúdo
“Verifica-se que o acidente de trabalho, ocorrido em 20/07/2017, participado neste apenso por N. F., já foi objecto dos autos principais.
Nos autos principais foi declarada a incompetência em razão da nacionalidade, decisão da qual foi interposto recurso, o qual foi julgado improcedente, por Acórdão transitado em julgado.
Assim, por se verificar a excepção de caso julgado – arts. 579º, 580º e 581º CPC – pr. o arquivamento dos autos.”
I- Salvo o devido respeito, que é muito, o ora recorrente não se pode conformar com o mencionado despacho proferido, o qual mantém o despacho datado de 25/09/2019, e no mesmo é decidido o arquivamento do processo emergente de acidente de trabalho, participado no dia 09 de agosto de 2019, tudo com os fundamentos supramencionados.
II- Conforme foi já indicado supra, os presentes autos foram iniciados mediante a participação apresentada pelo sinistrado no dia 09/08/2019, a qual tinha o seguinte conteúdo;
(….)
“N. F. casado, portador do Cartão de Cidadão n.º …, válido até 06/03/2029, contribuinte fiscal n.º …, com domicilio na Rua … n.º .., … Monção, vem nos termos do Art. 22.º do Código Processo Trabalho, apresentar Participação de Acidente de Trabalho, decorrente do exercício da sua atividade laboral junto da firma L. T. -Unipessoal, Lda., com sede na Avenida …, Edifício …, Agrupamento de Freguesias de …, Pessoa Coletiva n.º …, registada na Conservatória do Registo Civil, Predial e Comercial de …, tendo esta seguro de acidente de trabalho com o n.º de apólice AT63655950, celebrado com a seguradora X - Companhia de Seguros, S.A, NIPC …, com sede no Largo … n.º …, … Lisboa, tudo com os seguintes fundamentos:

1.º- No âmbito da sua atividade profissional, o ora participante foi vítima de um sinistro de trabalho no dia 20 de julho de 2017, pelas 12h30m, que ocorreu na cidade espanhola de ..., quando em formação na empresa “F. R., S.L”, mediante subordinação da sua entidade patronal.
2.º- De imediato foi socorrido junto do Hospital de ..., posteriormente, atenta a gravidade das lesões, foi socorrido no Hospital …, sito em …, Espanha.
3.º- Tendo estado internado no mesmo até ao dia 01 de agosto de 2017, dia em que lhe foi dada alta.
4.º- Após, e até à presente data, tem sido alvo de tratamentos a expensas suas, junto do Centro de Saúde de ….
5.º- Em momento algum a seguradora prestou qualquer tipo de tratamento ou liquidou qualquer quantia compensatória.
6.º- Desconhecendo até, se lhe foi dado notícia do sinistro pela sua entidade patronal.
7.º- No entanto, urge fixar responsabilidades, por forma a que o sinistrado obtenha todos os tratamentos à recuperação possível, e afinal fixada competente incapacidade para o trabalho.
Nestes termos se requer a V.ª Ex.ª a admissão da presente participação e a prossecução dos ulteriores trâmites processuais.”
III- E sem que perceba, tal participação em vez de seguir os seus termos de forma autónoma, foi apensada aos autos de processo n.º 3614/17.T8VCT do Juízo de Trabalho – Juiz 1 do Tribunal da Comarca de Viana do Castelo.
IV- Ora, nesses autos, embora o sinistrado tenha participado o acidente (Doc. 1), em que considera e bem que as consequências do acidente de trabalho estarem delegadas pela sua entidade patronal para a Companhia de Seguros X, S.A., com o n.º de apólice AT63655950.
V- Sinistro de Trabalho decorrente de uma atividade profissional subordinada para a empresa L. T., Unipessoal, Lda.
VI- Sucede que e sem que se perceba, no âmbito desse processo as eventuais consequências do sinistro de trabalho orientaram-se para asseguradora Y (Seguradora Francesa, com sucursal em Espanha) e ainda para a empresa na qual o sinistrado era alvo de formação, designadamente da empresa BG., S.L, com sede em território espanhol.
VII- Por conseguinte, atendidos tais pressupostos (errados) foi decidido que os Tribunais Portugueses eram incompetentes em razão da nacionalidade para conhecer do acidente participado.
VIII- Decisão confirmada pelo Tribunal da Relação de Guimarães, por Douto acórdão datado de 24 de abril de 2019.
IX- Como se disse, a participação (Doc. 1) apresentada orientou como eventuais responsáveis, a seguradora X, S.A. e ainda da sua entidade patronal L. T., Unipessoal, Lda., ambas com sede em território português.
X- À data do sinistro o sinistrado exercia a sua atividade profissional subordinada de pedreiro de 2.ª para a L. T., Unipessoal, Lda.
XI- Sendo esta quem lhe liquidou o vencimento integral do mês do sinistro, designadamente de julho de 2017.
XII- Refere-se ainda que a sua entidade patronal e a empresa F. R., S.L (empresa que está agrupada ao grupo empresarial BG.), concretizou um acordo por forma a que sinistrado concretizasse uma formação, tendente à aquisição de conhecimentos para que o mesmo subisse a sua categoria profissional para a categoria de pedreiro de 1.ª categoria.
XIII- Nesse desiderato, o sinistrado iniciou em 17 julho de 2017 na pedreira de “Pedra …”, sita em Espanha, a qual era explorada pela empresa, F. R., S.L., a sua formação,
XIV- a qual se previa terminar no dia 21 de julho de 2017.
XV- No dia 20 de julho de 2017, quando concretizava a divisão de uma pedra de granito, deu-se o acidente.
XVI- Como se disse, entre o sinistrado e a empresa espanhola F. R., S.L., não existiu qualquer relação laboral.
XVII- Mas sim, tal relação jurídica existia e ainda existe com a empresa Portuguesa – L. T., Unipessoal, Lda.
XVIII- O que sucede desde 05 de maio de 2015.
XIX- Estando desde essa data inscrito como trabalhador dessa entidade junto da Segurança Social Portuguesa e ainda da Autoridade Tributária Portuguesa.
XX- Sendo esta, por razões óbvias quem lhe liquidou o salário integral correspondente ao mês de julho de 2017.
XXI- Muito embora, o sinistrado tenha concretizado um acordo extrajudicial (Doc. 2) com a companhia de seguros Y (sucursal espanhola), tal acordo incidiu sobre os danos consequência da responsabilidade extracontratual, delegados pela empresa BG., S.L. à dita seguradora.
XXII- Não olvidar também que na dita transação é claramente identificado que o mesmo acordo não limitava futuras ações que o sinistrado possa desenvolver com outros eventuais responsáveis (Doc. 2).
XXIII- O que se materializou com a participação concretizada em agosto de 2019, e na qual se requer declaradas eventuais responsabilidades emergentes pelo sinistro de trabalho ocorrido em 20 de julho de 2017.
XXIV- Por conseguinte, o que se pretende não visa uma cumulação de indemnizações, mas sim atestar se existe a necessidade de complementar a indemnização acordada com a seguradora espanhola, esta decorrente da responsabilidade extracontratual, decorrente dos acidentes ocorridos na dita pedreira.
XXV- Situação que salvo melhor entendimento é coartada com o arquivamento dos autos de sinistro de trabalho.
XXVI- Mais, fundando tal decisão em pressupostos que nada têm a ver com a verdade dos factos, pois e como se disse, as responsabilidades pelos danos emergentes do acidente de trabalho ainda não foram assacadas a quem de direito, designadamente da Seguradora X S.A., bem como da sua entidade patronal L. T., Unipessoal, Lda.
XXVII- Responsabilidades que terão sempre de ser aferidas em complemento à indemnização já acordada com a seguradora espanhola.
XXVIII- Por conseguinte e salvo melhor entendimento, o processo que se iniciou em agosto de 2019, embora se reporte ao acidente de 20 de julho de 2017, neste são demandadas duas entidades com sede em Portugal, o que acarreta dizer que não estamos em presença de qualquer caso julgado, pois inexiste um dos requisitos desta exceção perentória, designadamente das partes serem as mesmas.

Termos em que,
Deve o despacho colocado em crise ser revogado e substituído por outro que ordene o prosseguimento dos autos emergentes de acidente de trabalho, participado em agosto de 2019, devendo os mesmos correr em autos autónomos e não como apenso aos autos principais 3614/17.6T8VCT.»

Foi apresentada resposta ao recurso, pugnando pela sua improcedência.
O recurso foi admitido como apelação, com efeito meramente devolutivo.
Recebidos os autos neste Tribunal da Relação, pelo Ministério Público foi emitido parecer no sentido da extemporaneidade do recurso, ou, caso assim não se entenda, da sua improcedência.
Vistos os autos pelos Exmos. Adjuntos, cumpre decidir.

2. Objecto do recurso

Sendo o âmbito do recurso delimitado pelas conclusões do recorrente, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso – arts. 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1 do Código de Processo Civil –, as questões que se colocam a este Tribunal são as seguintes:
- tempestividade do recurso;
- verificação de excepção de caso julgado impeditiva do prosseguimento dos autos.

3. Fundamentação de facto

Os factos materiais relevantes para a decisão da causa são os que resultam do Relatório supra.

4. Apreciação do recurso

4.1. Relativamente à questão da extemporaneidade do recurso, suscitada apenas pelo Senhor Procurador-Geral Adjunto nesta Relação, entendemos que não se verifica.
Com efeito, no despacho de 25/09/2019, sem prévio contraditório (como, aliás, já sucedera com o despacho de 28/11/2018, relativamente à promoção de 22/11/2018), aderiu-se à promoção de 24/09/2019, de onde decorre que, sem qualquer análise concreta, o tribunal se limitou a determinar o arquivamento dos autos por verificação de caso julgado.
Notificado, o sinistrado veio em 8/10/2019 apresentar requerimento a reiterar o prosseguimento dos autos contra entidades que entende não estarem abrangidas pelo caso julgado formado nos autos, pelos concretos fundamentos que invoca.
E foi sobre esse concreto requerimento que, após audição do Ministério Púbico, recaiu o despacho de 14/10/2019, de que o sinistrado interpôs recurso tempestivamente, em 2/11/2019 (o prazo terminava em 4/11).
Como é evidente, a tempestividade do recurso não pode estar dependente de o despacho recorrido estar mais ou menos fundamentado, relevando, isso sim, que o mesmo se pronunciou sobre uma concreta questão suscitada no requerimento do sinistrado de 8/10/2019, que não foi apreciada no despacho de 25/09/2019, pois neste, sem prévia audição do sinistrado, o tribunal limitou-se a aderir à pretensão do Ministério Público de se arquivarem os autos por verificação de caso julgado.
Ora, as acções emergentes de acidente de trabalho e de doença profissional correm oficiosamente, nos termos do disposto no art. 26.º, n.º 3 do Código de Processo do Trabalho, o que constitui uma emanação a nível do processo dos princípios de imperatividade, indisponibilidade e irrenunciabilidade dos direitos tutelados pelo mesmo.
Nessa sequência, o processo pode sempre «ser reaberto» para sua apreciação e decisão, desde que a tal não obste uma decisão judicial que tenha procedido à apreciação e decisão concreta e expressa de determinada questão que tenha tal efeito, nessa estrita medida se formando caso julgado. (1)
Em suma, o despacho recorrido é o de 14/10/2019, embora se limite a dar como integralmente reproduzido o de 25/09/2019, e por isso é tempestivo o recurso interposto pelo sinistrado em 2/11/2019.

4.2. Importa, então, apreciar o recurso do sinistrado, no qual este sustenta que não se verifica excepção de caso julgado relativamente às entidades que, na participação que apresentou, indicou como sendo as responsáveis pelo acidente de trabalho, ou seja, a L. T., Unipessoal, Lda., na qualidade de empregadora, e a X – Companhia de Seguros, S.A., na qualidade de seguradora para a qual aquela transferira a responsabilidade em apreço.
Vejamos.

Conforme resulta do Relatório supra, em 28/11/2018 foi proferido o seguinte despacho judicial, transitado em julgado:

«Concordando-se na íntegra com a douta promoção que antecede, declara-se este Tribunal incompetente em razão da nacionalidade, determinando o arquivamento dos autos.»

Aderiu-se, pois, à fundamentação invocada na promoção do Ministério Público, designadamente:

«Segundo a participação e documentos juntos, o sinistrado era trabalhador da L. T. Unipessoal, Lda., exercendo funções de pedreiro, mas na altura do acidente encontrava-se a receber formação por conta de F. R., S.L., com sede no Lugar de ..., ..., ..., Espanha.
Esta empresa faz parte de um grupo de empresas da qual também faz parte a BG., S.L., com sede em ..., ..., ..., Espanha.
Por sua vez, esta empresa tinha um contrato de seguro com a Y Seguros Generales, Sociedad Anonima de Seguros y ...seguros, com sucursal em Palma de Maiorca, Espanha, titulado pela apólice nº ..., que cobre os riscos da prestação de trabalhos nas suas pedreiras, incluindo responsabilidade civil por acidentes de trabalho, constando do contrato, como segurada adicional, a empresa F. R., S.L.
O sinistrado foi tratado em Espanha.
A fls. 91 e 92 veio juntar um acordo extrajudicial realizado entre ele, assistido por advogado, e a Y espanhola, pela quantia de € 240.000,00, com a qual se declara totalmente ressarcido das consequências do acidente, nada mais tendo a reclamar, renunciando a quaisquer acções contra a Y e a BG., S.L..»

Ora, nos termos do art. 619.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, transitada em julgado a sentença ou o despacho saneador que decida do mérito da causa, a decisão sobre a relação material controvertida fica a ter força obrigatória dentro do processo e fora dele nos limites fixados pelos artigos 580.º e 581.º.
Por seu turno, o art. 580.º do mesmo diploma diz que a excepção do caso julgado pressupõe a repetição de uma causa decidida por sentença que já não admite recurso ordinário, tendo por fim evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou de reproduzir uma decisão anterior.
E o art. 581.º esclarece que se repete a causa quando se propõe uma acção idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir, havendo identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica, identidade de pedido quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico e identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas acções procede do mesmo facto jurídico.
As segunda e terceira normas, por um lado, e a primeira, por outro lado, regulam o caso julgado na dupla vertente de excepção do caso julgado e de autoridade do caso julgado, que não se confundem: pela excepção, visa-se o efeito negativo da inadmissibilidade duma segunda acção, constituindo-se o caso julgado em obstáculo a nova decisão de mérito; a autoridade do caso julgado tem antes o efeito positivo de impor a primeira decisão como pressuposto indiscutível duma segunda decisão de mérito, assente numa relação de prejudicialidade. (2)
De todo o modo, em qualquer das vertentes, estão em causa exclusivamente decisões de mérito, ou seja, que decidam questões atinentes à relação material controvertida. As decisões de absolvição da instância, de indeferimento liminar, de deferimento ou indeferimento de nulidades, de admissão ou rejeição de meios de prova, e, em suma, toda aquela que, em qualquer momento do processo, se pronuncia sobre uma questão que não é de mérito, estão sujeitas apenas ao disposto no art. 620.º do Código de Processo Civil, intitulado «Caso julgado formal», o qual dispõe no seu n.º 1 que as sentenças e os despachos que recaiam unicamente sobre a relação processual têm força obrigatória dentro do processo. (3)

No caso dos autos, considerando a relação material controvertida tal como o Ministério Público – presidindo à fase conciliatória do processo – a configurou, o sinistrado, residente em Portugal e trabalhador de empresa domiciliada em Portugal, teve um acidente de trabalho em Espanha quando se encontrava a receber formação de empresa aí domiciliada, no âmbito de um acordo entre aquela e esta, sendo que esta tinha a responsabilidade pelo acidente transferida para seguradora com sede em Espanha, a qual assumiu a responsabilidade pelos danos decorrentes do acidente.
Com base nesses pressupostos, nomeadamente no facto de a seguradora tida como responsável ter a sua sede em Espanha, declarou-se o Tribunal incompetente em razão da nacionalidade.
Ora, a incompetência em razão da nacionalidade é uma excepção dilatória que obsta ao conhecimento do mérito da causa e dá lugar à absolvição do réu da instância, conforme decorre dos arts. 96.º, al. a), 99.º, n.º 1, 576.º, n.ºs 1 e 2 e 577.º, al. a) do Código de Processo Civil, pelo que, tendo a mesma sido julgada procedente, tal significa que o tribunal não chegou a apreciar e decidir aquela pretensa relação material controvertida.
Trata-se, pois, duma decisão que recaiu unicamente sobre a relação processual, determinando a absolvição da instância da Y Seguros Generales, pelo que, tendo transitado em julgado, tem força vinculativa no âmbito do presente processo e não pode ser alterada, por força do citado art. 620.º do Código de Processo Civil, o que significa tão-somente que não podem ser apreciados nestes autos os pretensos direitos do sinistrado, emergentes de responsabilidade por acidente de trabalho, que porventura tivesse sobre a Y Seguros Generales, sediada em Espanha.

Constata-se, pois, que não foi proferida nos autos qualquer decisão de mérito, até porque, no âmbito da acção especial de acidente de trabalho, a definição dos direitos do sinistrado e das obrigações do responsável só pode ter lugar:

- mediante acordo dos mesmos em diligência presidida pelo Ministério Público, ou em acordo extrajudicial fiscalizado por aquele, em qualquer dos casos sujeito a homologação judicial, dependente de estar em conformidade com os elementos dos autos, designadamente o resultado do exame médico-legal;
- mediante sentença que respeite também os elementos dos autos, sejam eles somente os factos sobre que houve acordo e o resultado das perícias médico-legais, sejam também os resultantes de prova produzida em fase contenciosa iniciada por petição inicial, destinada a resolver questões distintas da relativa à incapacidade, como como por exemplo a determinação da entidade responsável.

Ora, nada disso ocorreu no presente processo, onde nem sequer chegou a ser finalizado o exame médico-legal nem se procedeu a tentativa de conciliação presidida pelo Ministério Público, pelo que, inexistindo qualquer decisão de mérito, é descabido invocar sequer a excepção de caso julgado, pelas razões acima aduzidas.
Posto isto, embora seja inviável, por incompetência absoluta do tribunal, apreciar a relação material controvertida tal como o Ministério Público a configurou na sequência da investigação a que procedeu no âmbito dos seus poderes na fase conciliatória do processo, nada impede, processualmente, que os autos prossigam com vista à eventual fixação de direitos do sinistrado, emergentes de acidente de trabalho, sobre outras entidades, alheias à declaração de incompetência do tribunal em razão da nacionalidade, nomeadamente o empregador e a respectiva seguradora que o sinistrado indicou como sendo os responsáveis logo que participou o acidente de trabalho em 31/10/2017.

Com efeito, o Código de Processo do Trabalho estabelece, no que respeita à fase conciliatória do processo de acidente de trabalho, além do mais:

- o processo inicia-se por uma fase conciliatória dirigida pelo Ministério Público e tem por base a participação do acidente (art. 99.º, n.º 1);
- no caso de ter resultado do acidente incapacidade permanente, o Ministério Público solicita aos serviços médico-legais a realização de perícia médica, seguida de tentativa de conciliação (art. 101.º, n.º 1);
- à tentativa de conciliação são chamadas, além do sinistrado ou dos seus beneficiários legais, as entidades empregadoras ou seguradoras, conforme os elementos constantes da participação (art. 108.º, n.º 1);
- se das declarações prestadas na tentativa de conciliação resultar a necessidade de convocação de outras entidades, o Ministério Público designa data para nova tentativa, a realizar num dos 15 dias seguintes (art. 108.º, n.º 2);
- na tentativa de conciliação, o Ministério Público promove o acordo de harmonia com os direitos consignados na lei, tomando por base os elementos fornecidos pelo processo, designadamente o resultado da perícia médica e as circunstâncias que possam influir na capacidade geral de ganho do sinistrado (art. 109.º);
- se se frustrar a tentativa de conciliação, no respectivo auto são consignados os factos sobre os quais tenha havido acordo, referindo-se expressamente se houve ou não acordo acerca da existência e caracterização do acidente, do nexo causal entre a lesão e o acidente, da retribuição do sinistrado, da entidade responsável e da natureza e grau da incapacidade atribuída (art. 112.º, n.º 1).

Estabelece ainda o art. 119.º, n.º 1, que, não se tendo realizado o acordo ou não tendo este sido homologado e não se verificando a hipótese prevista no artigo 116.º, o Ministério Público, sem prejuízo do disposto no artigo 8.º, quanto ao dever de recusa, e no artigo 9.º, assume o patrocínio do sinistrado ou dos beneficiários legais, apresentando, no prazo de 20 dias, a petição inicial ou o requerimento a que se refere a alínea b) do n.º 1 do artigo 117.º.

Ora, verificando-se que, não obstante as conclusões que o Ministério Público entendeu extrair dos elementos recolhidos nos autos, e a decisão judicial a que deu causa, o sinistrado reitera a sua pretensão inicial, designadamente alegando que a indemnização recebida da seguradora espanhola decorre de responsabilidade civil de terceiro por danos causados pela actividade nas suas pedreiras, não prejudicando os direitos emergentes de responsabilidade por acidente de trabalho sobre o seu empregador e ou a respectiva seguradora, identificados na participação (situação prevista no art. 17.º da LAT), julgamos que a fase conciliatória do processo não deve deixar de culminar na tentativa de conciliação entre tais partes, após finalização do exame médico-legal, nos termos dos citados arts. 101.º, n.º 1, e 108.º, n.º 1 do CPT, única via de, não ocorrendo acordo, o sinistrado dar início à fase contenciosa mediante apresentação da competente petição inicial em que demande aquelas entidades.

Com efeito, atenta a função que é legalmente conferida ao Ministério Público no âmbito da fase conciliatória, não se questiona que a possa conduzir de acordo com a sua consciência jurídica, suscitando questões processuais que, com observância do contraditório, possam ser judicialmente decididas em tal fase. Todavia, sem prejuízo da força obrigatória de tais decisões judiciais, depois de transitadas em julgado, não pode deixar de promover o prosseguimento e conclusão da fase conciliatória, nos termos das disposições legais acima transcritas, se o sinistrado manifestar a intenção de fazer valer uma relação material controvertida diferentemente configurada, caso em que, não sendo obtido acordo, terá de apresentar a competente petição inicial para dar início à fase contenciosa do processo.

Conforme decorre do também citado art. 119.º, n.º 1 do CPT, só neste momento é que o Ministério Público tem o poder-dever de recusar o patrocínio do sinistrado, se se verificar a situação prevista no art. 8.º do mesmo diploma. Ao invés, na fase conciliatória, atenta a diferente qualidade em que actua, não pode obstar, com esse ou outro fundamento que não tenha cobertura legal, a que, por falta de prática dos actos indispensáveis, o sinistrado alcance a oportunidade processual de apresentar petição inicial, ainda que através de advogado.

Em face do exposto, sob pena de obstaculizar o direito de acesso à Justiça, garantido constitucionalmente, não pode ser proferida decisão judicial que, sem fundamento legal, sancione a pretensão do Ministério Público de não concluir a fase conciliatória do processo de acidente de trabalho.

Assim, sem necessidade de mais considerações, não se verificando caso julgado impeditivo do prosseguimento dos autos com os contornos definidos na participação inicial, como o sinistrado continua a pretender, designadamente através de nova «participação» em tudo idêntica (inexistindo, por isso, fundamento legal para correr novo processo), impõe-se a revogação do despacho recorrido.

Termos em que procede o recurso.

5. Decisão

Nestes termos, acorda-se em julgar procedente a apelação, e, em consequência, declara-se que inexiste caso julgado impeditivo do prosseguimento dos autos com os contornos definidos na participação inicial, designadamente quanto às entidades aí identificadas como empregadora e respectiva seguradora, revogando-se o despacho recorrido.
Sem custas.
Guimarães, 6 de Fevereiro de 2020

Alda Martins
Vera Sottomayor
Maria Leonor Barroso

Sumário (elaborado pela Relatora):

1. Embora seja inviável apreciar a relação material controvertida tal como o Ministério Público a configurou na sequência da investigação a que procedeu no âmbito dos seus poderes na fase conciliatória do processo de acidente de trabalho, por ter sido declarada a incompetência do tribunal em razão da nacionalidade, assente na domiciliação fora de Portugal duma seguradora que o Ministério Público considerou ser a responsável, nada impede, processualmente, que os autos prossigam com vista à eventual fixação de direitos do sinistrado sobre outras entidades, alheias à declaração de incompetência do tribunal, nomeadamente o empregador e a respectiva seguradora que o sinistrado indicou como sendo os responsáveis logo que participou o acidente de trabalho.
2. Verificando-se que, não obstante as conclusões que o Ministério Público entendeu extrair dos elementos recolhidos nos autos, e a decisão judicial a que deu causa, o sinistrado reitera a sua pretensão inicial, a fase conciliatória do processo não deve deixar de culminar na tentativa de conciliação entre o mesmo e o empregador e a seguradora indicados na participação, após finalização do exame médico-legal, nos termos dos arts. 101.º, n.º 1, e 108.º, n.º 1 do CPT, única via de, não ocorrendo acordo, o sinistrado dar início à fase contenciosa mediante apresentação da competente petição inicial em que demande aquelas entidades.
3. Em face do exposto, sob pena de obstaculizar o direito de acesso à Justiça, garantido constitucionalmente, não pode ser proferida decisão judicial que, sem fundamento legal, sancione a pretensão do Ministério Público de não concluir a fase conciliatória do processo de acidente de trabalho.

Alda Martins



1. Em termos semelhantes à situação regulada no art. 595.º, n.º 3, 1.ª parte, do Código de Processo Civil.
2. V. José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, volume 2.º, Almedina, 3.ª ed., p. 599.
3. V. José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, op. cit., pp. 600 e 752-754, onde, não obstante, referem doutrina e jurisprudência que questiona se à decisão de absolvição da instância deve ser reconhecida alguma eficácia extraprocessual.