Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
309/13.3TBVLN-P.G1
Relator: MARIA JOÃO MATOS
Descritores: INSOLVÊNCIA
RATEIO
HOMOLOGAÇÃO
NOTIFICAÇÃO
NULIDADE PROCESSUAL
TRÂNSITO EM JULGADO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 02/15/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I. Transitada em julgado a decisão que declarou encerrado o processo de insolvência, com necessária consideração da liquidação e rateio final efetuados (e que não foram objeto de oportuna reclamação), ficou precludida a possibilidade de alteração do que, porventura em eventual desconformidade com a sentença de verificação e graduação de créditos, haja sido consignado no dito rateio.

II. Transitada em julgado a decisão que declarou encerrado o processo de insolvência, e ainda que até então fosse arguível eventual nulidade relativa à falta de notificação da proposta de distribuição e rateio final, com o dito trânsito em julgado deixou definitivamente de o poder ser.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I - RELATÓRIO

1.1. Decisão impugnada
1.1.1. Em 06 de Maio de 2014, nos autos principais de insolvência relativos a EMP01..., SL - Sucursal em Portugal, com sede Edifício ..., ..., Apartado ..., ..., ... (que com o n.º 309/13.... correram termos pelo Juízo de Comércio ...), foi proferida sentença, declarando a insolvência da dita Sociedade, requerida pelos credores AA e BB (sentença que aqui se dá por integralmente reproduzida).

1.1.2. Em 06 de Fevereiro de 2026, no apenso de reclamação e verificação de créditos (n.º 309/13....), foi proferida sentença (que aqui se dá por integralmente reproduzida), reconhecendo à credora CC um crédito de € 50.000,00, titulado por um contrato-promessa de compra e venda de imóvel, garantido por direito de retenção sobre a fracção ..., lendo-se nomeadamente na mesma:
«(…)
Considerando os princípios atrás expostos, procede-se ao pagamento dos créditos através do produto da massa insolvente, pela seguinte ordem:

I. GRADUAÇÃO ESPECIAL (faremos a graduação por referência aos imóveis que integram o denominado “Edifício...”, em ..., descrito na CRPredial ... sob o n.º ...63).
(…)
F) Fracção autónoma ...
1.º - O crédito reclamado por CC, garantido por via de direito de retenção;
2.º - O crédito reclamado pela credora EMP02... Sarl, na parte em que é garantido por via de hipoteca constituída sobre o imóvel.
(…)»

1.1.3. A sentença de homologação e graduação de créditos foi devidamente notificada aos credores e demais interessados, tendo transitado em julgado.

1.1.4. Em 18 de Novembro de 2020, no apenso de habilitação de adquirente ou cessionário (n.º 309/13....), foi proferia sentença (que aqui se dá por integralmente reproduzida) habilitando DD no lugar da antes credora CC.

1.1.5. Em 06 de Abril de 2022 a fracção ..., antes apreendida para a massa insolvente, foi vendida no apenso de liquidação (n.º 309/13....) por € 35.000,00.

1.1.6. Em 27 de Setembro de 2022, nos autos principais, a secretaria notificou via citius aos credores a conta de custas.

1.1.7. Em 30 de Setembro de 2022, no apenso de prestação de contas (n.º 309/13....), foi aprovada a prestação de contas da administração da insolvência.

1.1.8. Em 02 de Novembro de 2022, nos autos principais, foi proferido despacho fixando a remuneração variável do Administrador da Insolvência, que a secretaria notificou via citius aos credores.

1.1.9. Em 16 de Janeiro de 2023, nos autos principais, o Administrador da Insolvência juntou aos autos a «proposta de rateio final» (que aqui se dá por integralmente reproduzida), na qual constava: como crédito garantido «DD - fracção ...; esta tinha sido objecto de «VENDA particular», pelo valor de «35 000,00 €»; como «CRÉDITO RECONHECIDO 50 000,00 €»; «A RECEBER / VALOR BRUTO 0,00 €»; e «PARA CRÉDITO COMUM 15 000,00 €».

1.1.10. Em 16 de Janeiro de 2023 o Administrador da Insolvência publicou a proposta de rateio final na Área de Serviços Digitais dos Tribunais.

1.1.11. Em 07 de Fevereiro de 2023, nos autos principais, a secretaria apreciou o mapa de rateio (apreciação que aqui se dá por integralmente reproduzida), lendo-se nomeadamente no respectivo termo:
«(…)
Termo de Apreciação da proposta de Rateio
Em 07-02-2023, nos termos do nº 4 do artº 182º do CIRE, procedeu esta secretaria à apreciação da proposta de distribuição e de rateio, sendo que nos parece que este se encontra devidamente elaborado, achando-se de acordo com o determinado na douta sentença de graduação de créditos proferida em 02-06-2016 no apenso "B".
(…)»

1.1.12. Em 07 de Fevereiro de 2023, nos autos principais, foi proferida decisão (que aqui se dá por integralmente reproduzida), homologando o mapa de rateio e declarando o encerramento do processo de insolvência, lendo-se nomeadamente na mesma:
«(…)
RATEIO FINAL E ENCERRAMENTO DOS AUTOS

Homologa-se o mapa de rateio elaborado nos autos.
Notifique o AI para proceder aos competentes pagamentos, fazendo disso prova nos autos [art.º 183.º do CIRE].
*
Mostrando-se elaborado o rateio final, declara-se o encerramento do processo de insolvência ao abrigo do disposto no art.º 230.º, n.º 1, al. a) do CIRE, com os efeitos a que aludem as als. a) e b) do n.º 1 do art. 233.º seguinte.
Notifique, publique e registe [art.º 230.º, n.º 2 do CIRE].
Notifique o AI para os efeitos do art.º 233.º, n.º 4 do CIRE.
(…)»

1.1.13. Em 08 de Fevereiro de 2023, nos autos principais, a secretaria certificou via citius a notificação da decisão de homologação do mapa de rateio e de encerramento do processo aos credores, incluindo ao credor DD.

1.1.14. O Administrador da Insolvência procedeu aos pagamentos listados no mapa de rateio, tendo remetido ao Tribunal os comprovativos respectivos, bem como do extrato da conta bancária (com saldo zero).

1.1.15. Em 13 de Julho de 2023, nos autos principais, foi aposto visto em correição.

1.1.16.  Em 09 de Outubro de 2023, nos autos principais, o credor DD veio requerer que a secretaria ou o Administrador da Insolvência elaborassem um novo mapa de rateio, por forma a que nele constasse como a receber por si a quantia de € 35.000,00, rectificando-se o lapso cometido no prévio (onde nada consta como a receber por si); e, subsidiariamente, se reconhecesse a nulidade resultante da falta de notificação a ele próprio de tal mapa, com a consequente anulação dos actos praticados depois nos autos.
Alegou para o efeito, em síntese, ocorrer um lapso manifesto no mapa de rateio, de que só tomou conhecimento no dia 29 de Setembro de 2023 (quando, estranhando a demora no pagamento do seu crédito, consultou os autos), já que se mostra desconforme com a sentença de verificação e graduação de créditos, sendo assim rectificável nos termos do art.º 614.º, do CPC (cujo regime expressamente citou para o efeito).
Mais alegou, prevenindo outro entendimento, que o mapa de rateio deveria ter sido notificado, e de forma expressa, aos credores, o que, não tendo acontecido, consubstanciaria uma nulidade, que ainda estaria em tempo para arguir e que determinaria a anulação de todos os actos posteriores, tudo nos termos dos art.ºs 195.º, 196.º, 198.º, n.º 2 e 199.º, n.º 1, todos do CPC.

1.1.17. Em 11 de Outubro de 2023, sob prévio despacho, a Secretaria veio informar:
«(…)
CONCLUSÃO - 11-10-2023, com a informação a V.ª Ex.ª de que, tal como na apreciação de 07-02-2023, parece-nos que a proposta de rateio apresentada em 16-01-2023, se encontra devidamente elaborada e de acordo com a douta sentença proferida no apenso "B" em 02-06-2016, uma vez que, da respectiva proposta, afigura-nos que o direito de retenção relativamente aos demais credores (aos quais foi vendido os imóveis) encontra-se satisfeito e que, por via disso, foi pago o crédito reclamado pela credora EMP02... Sarl, graduado em 2º lugar.
De referir que, nos termos do disposto no art.º 182º n.º 3 do CIRE, a proposta de distribuição e de rateio final é publicada pelo Sr. Administrador de Insolvência na Área de Serviços Digitais dos Tribunais, dispondo os credores de 15 dias, contados desde a data da publicação, para se pronunciarem sobre a mesma, não competindo à secretaria, oficiosamente, notificá-los.
Acresce dizer que, o credor DD, na pessoa da sua Mandatária, foi notificado, em 08-02-2023, do despacho de homologação do mapa de rateio elaborado nos autos.
(…)»

1.1.18. Em 19 de Outubro de 2023, sob prévio despacho, o Administrador da Insolvência, reconhecendo que, «relativamente ao produto da venda da fração ... a proposta do mapa de rateio não satisfaz o fixado» na «sentença de graduação de créditos», defendeu, porém, que «a referida proposta (…) foi favoravelmente apreciada pela secretaria e devidamente homologada pela M.ma Juiz», não tendo inclusivamente «sido impugnada no prazo legal para o efeito».
Contudo, e prevenindo a «procedência do pedido do credor DD», requereu que então se notificasse o «credor hipotecário, EMP02... SARL, para proceder ao reembolso do montante que lhe foi rateado, para a conta bancária da massa insolvente, deduzido das despesas diretas (1.439,87 €) e gerais (4.401,17 €), que perfaz o montante líquido de 29.158,96 €».

1.1.19. Em 02 de Novembro de 2023, sob prévio despacho, a credora EMP03..., SARL veio pedir o indeferimento do requerido pelo credor DD, por ser legalmente inadmissível e extemporâneo.
Alegou para o efeito, em síntese, não existir qualquer mero erro/lapso de escrita no mapa de rateio, «mas antes uma interpretação quiçá motivada pela conduta do Credor ao longo do processo, com uma primeira indicação de perda de interesse quanto ao cumprimento do contrato de promessa subjacente o direito de retenção e a posterior licitação em leilão por um valor inferior aquele que seria o contrato prometido».
Alegou ainda que a lei não determina a notificação pessoal do mapa de rateio aos credores, mas apenas a sua publicação na Área de Serviços Digitais dos Tribunais, o que foi feito, inexistindo, por isso, a nulidade arguida; e sempre estaria esgotado o poder jurisdicional do tribunal sobre esta, ou outra, questão, com o despacho de encerramento do processo.

1.1.20. Em 03 de Novembro de 2023 foi proferido despacho (que aqui se dá por integralmente reproduzido), indeferindo a pretensão do credor DD, lendo-se nomeadamente no mesmo:
«(…)
Requerimento de 09.10.2023 [...19], informação de 11.10.2022 e respostas de 19.10.2023 [...35] e de 02.11.2023 [...76]:
 Nos presentes autos, veio o AI apresentar proposta de rateio final em 16.01.2023, a qual foi, na mesma data, devidamente publicada no portal Citius.
 Dispunham, entretanto, os credores, entre os quais o ora requerente DD, de 15 dias a contar da publicação (ou seja, até dia 31.01.2023) para, querendo, se pronunciarem e, sendo o caso, impugnarem o teor do mapa de rateio junto.
 Nada tendo sido dito ou impugnado, decorrido o prazo de pronúncia dos credores, veio a douta secretaria, em 07.02.2023, emitir parecer favorável ao mapa de rateio final, achando-o elaborado de acordo com o determinado na douta sentença de graduação de créditos proferida em 02.06.2016 no apenso "B”, e, ulteriormente, veio o mesmo a ser homologado por douto despacho judicial proferido nessa mesma data, sendo igualmente determinado o encerramento do processo judicial, ao abrigo do disposto no art.º 230.º, n.º 1, al. a) do CIRE, com os efeitos a que aludem as als. a) e b) do n.º 1 do art.º 233.º seguinte.
 Acresce ter o credor DD sido ainda devidamente notificado da conta de custas, em 27.09.2022, da fixação da remuneração variável ao AI, em 02.11.2022, e, por fim, encerramento do processo, em 08.02.2023, no qual se faz expressa menção à homologação do mapa de rateio final junto.
 Sucede que, veio (só) agora o credor em questão, aos 09.10.2023, impugnar o mapa de rateio, fazendo-o, quer alegando erro/lapso de escrita na elaboração do mapa de rateio, nos termos e para os efeitos do art.º 614º do CPC, quer alegando nulidade por falta de notificação expressa do mapa de rateio aos credores, pugnando, a final, que a falta de notificação do mapa de rateio constituiria uma nulidade processual e importaria a anulação dos atos posteriormente praticados após a sua elaboração.
 Vejamos.
 Desde logo, quanto ao invocado erro/lapso de escrita, verifica-se que do mapa de rateio final homologado consta devidamente identificado o crédito do “Credor DD – fracção ..., tendo sido considerado – perante os elementos ora disponíveis – o ressarcimento do crédito por via da adjudicação do imóvel a que o direito de retenção respeitava, pelo que não se está perante qualquer mero erro/lapso de escrita, mas antes uma interpretação motivada pela conduta do próprio credor ao longo do processo, com uma primeira indicação de perda de interesse quanto ao cumprimento do contrato de promessa subjacente ao direito de retenção e a posterior licitação em leilão por valor inferior àquela que seria o contrato prometido. Assim sendo, não é aplicável ao caso dos autos o disposto no art.º 614.º do CPC.
 Por outro lado, a lei não determina a notificação dos credores do teor do mapa de rateio final, mas sim a sua publicação na Área de Serviços Digitais dos Tribunais, o que foi feito, não podendo ser imputada qualquer irregularidade quer na atuação do AI quer do Tribunal. Pelo exposto, não existiu qualquer nulidade processual, sendo certo, mesmo que existisse, já não seria alegável na presente data.
 Acresce que, tendo o credor DD sido devidamente notificado da decisão de encerramento do processo, e não tendo da mesma reclamado ou recorrido, a mesma transitou em julgado, encontrando-se esgotado o poder jurisdicional quanto às matérias e questões suscitadas nos presentes autos.

Por tudo exposto, determina-se o indeferimento do requerimento apresentado por DD, por legalmente inadmissível e extemporâneo.
 (…)»
*
1.2. Recurso
1.2.1. Fundamentos
Inconformado com o despacho referido, o credor DD interpôs o presente recurso de apelação, pedindo que fosse provido e se revogasse a decisão recorrida, sendo a mesma substituída por outra a deferir o seu requerimento de 09 de Outubro de 2023.

Concluiu as suas alegações da seguinte forma (aqui se reproduzindo as respectivas conclusões ipsis verbis, com excepção da concreta grafia utilizada e de manifestos e involuntários erros e/ou gralhas de redacção):

1- Subjacente à aquisição (onerosa) do crédito que havia sido reconhecido a CC, sempre esteve, por parte do credor/retentor ora recorrente, cessionário habilitado, a pretensão de aquisição da fração (“...”) que constituía a garantia de um tal crédito.
 
2 - Foi-lhe, porém, negada a possibilidade de licitar no leilão eletrónico destinado à venda dos bens da Massa Insolvente, em função do entendimento do senhor “AI”, que argumentou traduzir essa possibilidade abuso de direito, por se tratar de credor privilegiado com direito de retenção.
 
3 - Entendimento esse que se viu sufragado pelo Tribunal “a quo” mas que foi inteiramente rechaçado no douto acórdão produzido, com data de 15 de junho de 2021, por esse Venerando Tribunal da Relação de Guimarães (1ª Secção Cível), num outro recurso interposto nos mesmos autos (Apenso K), por via do qual era também essa (da possibilidade de um credor garantido com direito de retenção se poder apresentar à aquisição da fração prometida comprar e que traduzia a garantia real do seu crédito) a questão posta e a dirimir.
 
ISTO POSTO,
 
4 - Dizer que o rateio final, que tem lugar na fase final do processo, após o encerramento da liquidação e antes do encerramento do processo, traduz a última divisão e distribuição pelos credores dos valores que sobraram do produto da liquidação dos bens e rendimentos da insolvente/devedora, após terem sido pagas as custas do processo.
 
5 - Tal rateio é feito (tem de ser feito) no estrito respeito pela graduação de créditos, ou seja, pela ordem ou hierarquia de pagamento dos créditos, sendo em primeiro lugar os garantidos, em segundo lugar os privilegiados, em terceiro lugar os comuns, e por último os créditos subordinados.

6 - O rateio final é realizado pela Secretaria do Tribunal, após elaborada a conta de custas, mas podendo o “AI” apresentar uma proposta de distribuição e de rateio final, a ser apreciada pela Secretaria;

7 - Não tendo, porém, a proposta do “AI” caráter vinculativo, pelo que a Secretaria do Tribunal também não está obrigada a cumpri-la.

8 - Na situação sub judice nem a Secretaria, nem a Mma. senhora Juíz do Tribunal “a quo” sindicaram se a proposta de distribuição e rateio final apresentada pelo “AI” estava ou não conforme com a douta sentença de verificação e graduação de créditos;

9 - Tendo-se a Secretaria, no “Termo de Apreciação da proposta de Rateio”, limitado a exarar, que lhe “parecia” que a proposta de distribuição e de rateio se encontrava devidamente elaborada;

10 - Conformidade essa que, porém, em absoluto se não verificava;

11 - Mas tendo o Tribunal “a quo”, ainda assim, por despacho de 07/02/2023, homologado o mapa de rateio proposto pelo “AI”.

12 - Entende-se, com o devido respeito por opinião contrária, que pela preponderância dos interesses em jogo (contendendo com os créditos reconhecidos e graduados, e com a ordem dos pagamentos a realizar, determinados por sentença), o mapa de rateio deveria ser notificado, e de forma expressa, a todos e a cada um dos credores afetados;

13 - Mormente para que o pudessem verificar e dele reclamar, sendo o caso;

14 - Até porque, a assim não ser, e em ordem a que dele possam tomar conhecimento, os credores terão que aceder em sucessivos dias à dita Área de Serviços Digitais até que tal publicação aí ocorra.

15 - O Apelante, nunca tendo sido expressamente notificado de tal mapa de rateio, mas confiando em que o mapa seria elaborado pelo senhor “AI” em respeito pela douta sentença de verificação e graduação de créditos, confiando na apreciação que dele foi feita pela Secretaria e confiando em que acaso desconformidade houvesse acerca dela se pronunciaria o Tribunal, admite que nunca chegou a aceder à dita Área de Serviços Digitais para o consultar;

16 - Tendo ficado a aguardar (no seguimento da prolação do douto despacho de 07/02/2023, que homologou o mapa de rateio e ordenou a notificação do “AI” para que procedesse aos competentes pagamentos) que lhe fosse efetuado o pagamento do montante gerado com a venda da fração que garantia o crédito de que era titular;

17 - Até porque a decisão de encerramento do processo (de insolvência) não obsta à realização do pagamento dos créditos, mas antes a postula ou impõe.

18 - Perante a demora no pagamento, e estranhando-a, em 29/09/2023, o recorrente, por intermédio da sua mandatária, foi consultar o processo, verificando que no mapa de rateio final, concretamente no respetivo “Quadro 2 – Credores com Direito de Retenção”, constava, de facto, o seu nome (“DD”), assim como o valor da venda da fração ... (35.000,00 €uros) e, bem assim, o montante de 50.000,00 €uros como o do “Crédito Reconhecido”, mas não constavam esses 35.000,00 €uros como valor “a receber”.

19 - Ora, face ao crédito e direito de garantia que foram reconhecidos no processo, por douta sentença já transitada em julgado, crédito e garantia esses adquiridos pelo Apelante, que no mapa de rateio consta como credor/retentor, e gozando, desse modo, da prioridade no pagamento, inclusive com relação ao credor hipotecário (cfr. artigos 755º, nº 1, alínea f) e 759º, nº 2, do Código Civil), o valor gerado com a venda da indicada fração ... teria necessariamente que ter sido destinado à satisfação do seu crédito.

20 - Face a tudo o mais que de tal mapa/quadro consta (designadamente a identificação do recorrente como “Credor com Direito de Retenção”, o valor do crédito que lhe foi reconhecido - 50.000,00 €uros - e o valor da venda da fração – 35.000,00 €uros -, e até, na última coluna desse quadro, o montante de 15.000,00 €uros como quantia que transitou “para crédito comum”), é por demais evidente que a não menção, em tal mapa/quadro, do valor “a receber” pelo credor Apelante se trata de um lapso manifesto. 

21 - De acordo com o preceituado pelo artigo 614º do C. P. Civil, norma que se mostra subsidiariamente aplicável ao processo de insolvência, a retificação de erros de escrita ou de cálculo ou quaisquer inexatidões devidas a lapso manifesto pode ser corrigida, a requerimento de qualquer das partes ou por iniciativa do juiz, podendo ter lugar a todo o tempo. Na verdade,

22 - A acusada omissão, erro, ou inexatidão, decorre de lapso manifesto, porquanto reside na (singela) não menção de uma quantia (“a receber”) que teria necessariamente de constar do referido “Quadro 2”, o que não envolve a formulação de um qualquer juízo de legalidade, logo retificável a todo o tempo.

23 - Na situação sub judice a distribuição e rateio final não respeitam a sentença de verificação e graduação de créditos nem toda a ratio legis do C.I.R.E. no que respeita à disciplina do pagamento aos credores. Efetivamente,

24 - O mapa de rateio final proposto pelo senhor “AI” não obedece, no que ao credor/retentor recorrente concerne, quanto aos pagamentos, ao decidido na douta sentença de verificação e graduação de créditos, violando, desse modo, o disposto nos artigos 173º e seguintes do C.I.R.E., nomeadamente aquele artigo 173º, que determina a obediência dos pagamentos ao determinado por sentença;
 
25 - Desrespeitando, de resto, o consignado no artigo 174º, nº 1, do citado diploma legal (C.I.R.E.), alusivo aos “Pagamento aos credores garantidos”.
 
26 - Nenhuma razão existe, pois, que impeça o Tribunal de retificar o dito lapso no mapa de rateio final;

27 - Mormente em ordem a evitar que o credor/retentor aqui recorrente seja prejudicado, de forma grave, ficando sem o montante de 35.000,00 €uros. 

28 - O contrário corresponderia, de resto, a um patente e legalmente não consentido empobrecimento do credor recorrente, e ao correlativo enriquecimento, manifestamente injustificado, de quem recebeu uma tal quantia, que não lhe era destinada e a que não tinha direito;

29 - O que o primado da justiça material não deveria consentir;

30 - Até porque da falta de reclamação do mapa de rateio, no indicado prazo de 15 dias, não decorre, por ausência de qualquer norma ou dispositivo legal nesse sentido, enquanto efeito cominatório, a perda de um direito de crédito que, de resto, se encontra reconhecido por douta sentença transitada em julgado.

31 - A respeito da retificação de erros materiais, e de não se encontrar a elaboração do rateio e da distribuição finais abrangidos pelo instituto do caso julgado, de assinalar o entendimento expresso no douto acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, produzido, em 05/03/2015, pela 7ª Secção, no processo nº 3147/04.0TBSTS-X.P1.S1, votado por unanimidade, consultável em www.dgsi.pt), e cujo sumário, pela sua pertinência, se deixou transcrito nas alegações deste recurso.
 
32 - Outrossim se não pode olvidar que o artigo 233º, nº 1, alínea c), do C.I.R.E. prescreve que “Os credores da insolvência poderão exercer os seus direitos contra o devedor sem outras restrições que não as constantes do eventual plano de insolvência e plano de pagamentos e do n.º 1 do artigo 242.º…”;
 
33 - E que nos termos do positivado no artigo 613º, nº 2, do C. P. Civil “É lícito, porém, ao juiz retificar erros materiais, suprir nulidades e reformar a sentença, nos termos dos artigos seguintes”.
Por outro lado,
 
34 - Mesmo que a entender se não venha conforme antecedentemente propugnado, i.e, que não se trata de um mero lapso, retificável a todo o tempo, ainda assim importaria anular o processado posterior à elaboração daquele mapa de rateio final. Com efeito,

35 - Contendendo com o pagamento aos credores, graduados de acordo com a sentença de verificação e graduação de créditos, o mapa de rateio assume-se como de crucial importância, por prever o destino final a dar aos valores resultantes da liquidação e sobrantes e por dever respeitar a ordem de prioridade nos pagamentos.

36 - Entende-se, em função do exposto, que um tal mapa deveria ter sido notificado, e de forma expressa, aos credores ou interessados que com ele possam vir a ser afetados, como é o caso do aqui recorrente, facultando-se-lhes a possibilidade de o conhecerem, de tomarem posição sobre o mesmo e de relativamente a ele requerem o que tiverem por conveniente.

37 - Com fundamento no preceituado pelo artigo 195º, nºs 1 e 2, do C. P. Civil, defende-se ocorrer, in casu, nulidade decorrente da falta de notificação do mapa de rateio, o que, pela importância que reveste, influi no exame e na (boa) decisão da causa;

38 - Acarretando a nulidade de todos os atos praticados posteriormente à sua elaboração e dela (notificação) dependentes, nulidade que o credor recorrente arguiu atempadamente.
 
39 - O Apelante tem legitimidade, e interesse, na invocação e declaração judicial da dita nulidade, uma vez que está em causa a preclusão da satisfação do direito de crédito que lhe assiste, reconhecido por douta sentença transitada em julgado.

40 - A acusada nulidade pode ser conhecida oficiosamente pelo Tribunal e pode ser arguida em qualquer estado do processo, enquanto não se mostrar sanada (cfr. artigos 196º e 198º, nº 2, do C. P. Civil);   

41 - Estando o recorrente em tempo para o fazer, dado que somente em 29 de setembro de 2023 (no seguimento do e-mail-resposta do senhor AI) dela tomou conhecimento (cfr. artigo 199º, nº 1, do C. P. Civil).

42 - Não o entendendo conforme vertido nestas conclusões o douto despacho objeto deste recurso violou, além do mais, e designadamente por erro de previsão/interpretação, ou desadequada aplicação do direito, o disposto nos artigos, 136º, 140º, 174º e 233º, nº 1, alínea c), do C.I.R.E., 473º, 755º, nº 1, alínea f), e 759º, nº 2, do Código Civil, e 195º, 196º, 198º, nº 2, 199º, nº 1, 613º, nºs 2 e 3, e 614º do C. P. Civil.
*
1.2.2. Contra-alegações
A credora EMP03..., SARL apresentou contra-alegações, pedindo que se negasse provimento ao recurso e se confirmasse o despacho recorrido.

..........
*
II - QUESTÕES QUE IMPORTA DECIDIR

2.1. Objecto do recurso - EM GERAL
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente (art.ºs 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2, ambos do CPC), não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (art.º 608.º, n.º 2, in fine, aplicável ex vi do art. 663.º, n.º 2, in fine, ambos do CPC) [1].
Não pode igualmente este Tribunal conhecer de questões novas (que não tenham sido objecto de apreciação na decisão recorrida) [2], uma vez que os recursos são meros meios de impugnação de prévias decisões judiciais (destinando-se, por natureza, à sua reapreciação/reponderação e consequente alteração e/ou revogação, e não a um novo reexame da causa).
*
2.2. QUESTÕES CONCRETAS a apreciar

2.2.1. Questão incluída no objecto do recurso
Mercê do exposto, e do recurso de apelação interposto pelo credor DD, uma única questão foi submetida à apreciação deste Tribunal ad quem:

· Questão única - Foi cometida nos autos uma nulidade, resultante da falta de notificação pessoal a cada um dos credores do mapa de rateio final, nulidade essa arguida em tempo ?
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2.2.2. Questão excluída do objecto do recurso (rectificação de manifesto lapso)
Precisa-se, a propósito da limitação do número das questões enunciadas como constituindo o objecto útil deste recurso de apelação, que do mesmo ficou excluída a primeira nele invocada pelo Recorrente (DD), pertinente à rectificação de alegado lapso cometido no mapa de rateio final.
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Com efeito, e a propósito do esgotamento do poder jurisdicional e da alteração subsequente da decisão proferida, lê-se no art.º 613.º, n.º 1, do CPC (aqui aplicável nos termos do art.º 17.º, n.º 1, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas [3]), que, proferida «a sentença, fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa».
Significa isto que, tendo o juiz proferido decisão, não a pode em regra rever, alterando a decisão da causa, ou modificando os seus fundamentos, ficando esta susceptibilidade de modificação reservada para a sede própria, de recursos [4].  Logo, tutela-se aqui a proibição do livre arbítrio e discricionariedade na estabilidade das decisões judiciais, regra fundada nos princípios da segurança jurídica e da imparcialidade do juiz: que «o tribunal superior possa, por via do recurso, alterar ou revogar a sentença ou despacho, é perfeitamente compreensível; que seja lícito ao próprio juiz reconsiderar e dar o dito por não dito, é de todo intolerável, sob pena de se criar a desordem, a incerteza, a confusão» (Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, V Volume, reimpressão, Coimbra Editora, 1984, pág. 127).

Contudo, apesar de extinto o poder jurisdicional com a prolação da sentença, ressalva-se a possibilidade: da rectificação de erros materiais, discriminados no art.º 614.º, n.º 1, do CPC; da sua reforma, nas hipóteses do art.º 616.º, n.º 2, do CPC; e da reparação de nulidades cometidas, elencadas no art.º 615.º, n.º 1, do CPC.
A disciplina contida nos art.ºs 613.º a 617.º, do CPC, é aplicável aos próprios despachos (por força do n.º 3 do art.º 613.º), bem como aos acórdãos (por força do art.º 666.º do mesmo diploma).

Precisa-se, porém, no tocante à rectificação de erros materiais (e nos termos do art.º 614.º, n.º 1, n.º 2 e n.º 3, do CPC) - a realizar por simples despacho, a requerimento de qualquer das partes ou por iniciativa do juiz -, que: em caso de recurso, só poderá ter lugar antes do recurso subir (podendo, porém, as partes alegar perante o tribunal superior o que entenderem sobre a rectificação efectuada); e se nenhuma das partes recorrer, pode ter lugar a todo o tempo.

Sendo a rectificação negada, não cabe recurso dessa decisão de indeferimento (art.º 617.º, n.º 1, parte final, e n.º 6, primeira parte, do CPC, aplicado analogicamente [5]), o que se compreende, porque já antes se encontrava precludida a possibilidade da sua interposição quanto aos exactos termos da decisão que agora se pretendia modificar (e que, com o indeferimento da rectificação, permaneceram inalterados).
Já sendo a rectificação efectuada, a correcção considera-se complemento e parte integrante da decisão antes proferida (art.º 617.º, n.º 2, do CPC, aplicado analogicamente [6]); e cabe recurso de apelação dessa decisão de rectificação (art.º 617.º, n.º 6, segunda parte, do CPC), o que se compreende, por se terem alterado os exactos termos daquela sobre que recaiu.
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Concretizando, verifica-se que, tendo o credor DD vindo requerer a rectificação do que defendeu ser um lapso no mapa de rateio final (coberto por decisão judicial, que o homologou), invocando expressamente para o efeito os art.ºs. 613.º e 614.º, ambos do CPC, foi a mesma conhecida à luz desse regime legal pelo Tribunal a quo (presumivelmente por considerar que o seu despacho, validando singelamente o dito mapa de rateio, incorporaria o mesmo, não tendo ainda aquela decisão sido objecto de qualquer recurso) [7].
Mais se verifica que o Tribunal a quo indeferiu a requerida rectificação, por ter considerado não se verificar nos autos «mero erro/lapso de escrita».
Ora, e conforme se deixou explicitado supra, desta sua decisão (decalcada sobre o pedido formulado) não cabe recurso.

Assim, aquele que depois o credor DD interpôs apenas pode ter - e terá - como objecto a arguição de nulidade que defende ter resultado da falta de notificação pessoal aos credores do mapa de rateio final.
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III - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Com interesse para a apreciação da questão única enunciada, encontram-se assentes (mercê do conteúdo dos próprios autos) os factos já discriminados em «I - RELATÓRIO», que aqui se dão por integralmente reproduzidos.
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IV - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

4.1. Mapa de rateio final
4.1.1. Elaboração (do mapa de rateio final) - Notificação
Lê-se no art.º 182.º, do CIRE, que: encerrada «a liquidação da massa insolvente, é elaborada a conta pela secretaria do tribunal, no prazo de 10 dias, não sendo o encerramento da liquidação prejudicado pela circunstância de a atividade do devedor gerar rendimentos que acresceriam à massa» (n.º 1); e as «sobras de liquidação, que nem sequer cubram as despesas do rateio, são atribuídas ao organismo responsável pela gestão financeira e patrimonial do Ministério da Justiça» (n.º 2).
Mais se lê, no mesmo art.º 182.º, com a redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 9/2022, de 11 de Janeiro, que, após «julgadas as contas e paga a conta de custas, no prazo de 10 dias, o administrador da insolvência apresenta no processo proposta de distribuição e de rateio final, acompanhada da respetiva documentação de suporte caso seja diferente daquela que já existe no processo, e procede à publicação da proposta na Área de Serviços Digitais dos Tribunais, dispondo a comissão de credores, caso tenha sido nomeada, e os credores de 15 dias, contados desde a data da publicação, para se pronunciarem sobre a mesma» (n.º 3); decorrido «o prazo de 15 dias previsto no número anterior, a secretaria aprecia a proposta de rateio final, elaborando para o efeito um termo nos autos, e conclui o processo ao juiz para, no prazo de 10 dias, decidir sobre as impugnações e validar a proposta» (n.º 4).

Com efeito, ao longo da liquidação vão sendo feito reembolsos parciais aos credores, na proporção do que lhes couber e à medida que se for gerando liquidez por virtude das operações liquidatárias (art.ºs. 174.º, 175.º e 176.º, todos do CIRE) [8].
Contudo, os «rateios parciais não asseguram a repartição exacta do produto da liquidação, pois ainda não se conhece o valor do produto final da liquidação nem o valor do passivo total. Por isso, uma vez encerrada a liquidação da massa insolvente e elaborada lista definitiva de credores (depois da decisão sobe os créditos condicionais), há lugar a uma distribuição e a um rateio final (cfr. art. 182.º, n.º 1)» (Catarina Serra, Lições de Direito da Insolvência, 2.ª edição, Almedina Fevereiro de 2021, pág. 295).
O rateio traduz-se, precisamente, numa operação de divisão (do remanescente da liquidação) na proporção do direito de cada credor, tal como este se acha definido na sentença de verificação e graduação de créditos.
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Ora, sendo irrecusável a necessidade desta operação de rateio final, a redacção inicial do art.º 182.º do CIRE cometia a sua execução, bem como a elaboração do respectivo mapa, exclusivamente à secretaria, o que encontrava a sua justificação no facto do dito rateio (ao contrário dos rateios parciais) ter de atender à conta do processo (por ser por meio da mesma que se encontra o valor do remanescente da liquidação a distribuir pelos credores).
Devia, por isso, a secretaria executar as operações de cálculo destinadas a dividir, na proporção do direito previamente definido de cada credor, o remanescente da liquidação, considerando-se que a natureza meramente arimética deste procedimento justificaria a ausência de qualquer controlo jurisdicional nesta fase processual e, bem assim, nos pagamentos que se seguissem.
De forma conforme, compreende-se que se defendesse que «o rateio final, bem como o respectivo mapa, ambos da competência exclusiva da secretaria, não criam e não definem direitos, desenvolvendo-se sem qualquer intervenção jurisdicional, pelo que sobre tais operações da secretaria não se constitui caso julgado»; e, assim «postas as coisas, tem de concluir-se que nada obsta à correcção de erros materiais ou de cálculo que possam surgir na elaboração do rateio final e do respectivo mapa, visto que estes constituem apenas um instrumento processual que dá concretização prática ao decidido, em definitivo, naquela sentença de verificação e graduação de créditos, devendo ali observar-se o que nesta se encontra determinado».
Logo, verificando-se «erros materiais que afectem o rateio e distribuição finais e que constituam desvios ao determinado na sentença de verificação e graduação de créditos já transitada em julgado, é de admitir, sob pena de se colocar em crise a segurança e a confiança jurídica inerentes ao instituto do caso julgado e de se postergar o primado da verdade material de que o processo constitui um mero instrumento, a respectiva rectificação - ao abrigo da regra de direito substantivo contida no art. 249.º do CC, a qual é aplicável a todos os actos processuais -, se aqueles resultarem dos próprios elementos do processo)» (Ac. do STJ, de 05.03.2017, Fernanda Isabel Pereira, Processo n.º 3147/04.0TBSTS-X.P1.S1, proferido, porém, a propósito do art.º 214.º, do anterior Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência, que possuía idêntica redacção [9]).

A redacção inicial do art.º 182.º, do CIRE, foi depois alterada pela Lei n.º 16/2012, de 20 de Abril, que lhe aditou um n.º 3, onde pela primeira vez se previu - mas ainda a título facultativo e sem prejuízo da manutenção da competência regra da secretaria para o efeito -  que o «administrador da insolvência pode apresentar no processo proposta de distribuição e de rateio final, acompanhada da respetiva documentação de suporte», mas «sendo tal informação apreciada pela secretaria» (isto é, a proposta do administrador da insolvência não era vinculativa, nomeadamente para a secretaria).

Mais recentemente a Lei n.º 9/2022, de 11 de Janeiro, veio, pela primeira vez, com a alteração da redacção do seu n.º 3 e com o aditamento do seu n.º 4: transferir a responsabilidade pela execução do rateio final e da elaboração do respectivo mapa para o administrador da insolvência, que para o efeito elabora uma «proposta de distribuição e de rateio final»; prever a possibilidade dos credores se pronunciarem sobre a mesma, o que deverão fazer nos 15 dias subsequentes à sua publicação na Área de Serviços Digitais dos Tribunais; manter a apreciação pela secretaria da proposta de rateio fina (agora a realizar após o decurso do prévio prazo de 15 dias para o exercício de contraditório pelos credores); e consagrar a intervenção nesta fase do juiz, a quem cabe decidir sobre eventuais impugnações que surjam à dita proposta do administrador da insolvência e validá-la, o que deverá fazer nos 10 dias seguintes à pronúncia da secretaria.

Logo, e salvo o devido respeito por opinião contrária, não só será necessariamente no decurso do prazo de reclamação (que agora lhes foi expressamente concedido) que os credores deverão reagir a quaisquer desconformidades entre a proposta do mapa de rateio e o que se ache estabelecido na sentença de reconhecimento e graduação de créditos, como, uma vez proferido o despacho de validação da anterior mera proposta do referido mapa, só então o nela contido (e tal como seja decidido no dito despacho, nomeadamente mercê da consideração das eventuais discordâncias dos credores e da secretaria) determinará os pagamentos ulteriores, ficando ainda imediatamente esgotado o poder jurisdicional do tribunal sobre essa questão (art.º 613.º, do CPC).
Precisando, não se compreenderia que, tendo a lei: apelidado de mera «proposta» a materialidade do apresentado pelo administrador judicial a título de distribuição e rateio final, a mesma tivesse mais do que carácter não vinculativo (o que a sua denominação logo indicia); consagrado expressamente o direito dos credores se pronunciarem sobre ela, em prazo certo, essa faculdade, não só traduzisse a possibilidade de denunciarem qualquer vício ou desconformidade que afectasse os seus interesses, como tivesse de ser exercida no dito prazo, sob pena de preclusão (como é regra no processo civil, com o estabelecimento de prazos de oposição ou resposta); e exigido que, após a subsequente apreciação pela secretaria, recaísse decisão judicial sobre a dita proposta (a decidir as eventuais e prévias impugnações e a validá-la), não resultassem depois dela os efeitos normais de qualquer decisão judicial (nomeadamente, a imperatividade da definição de direitos/interesses nela contidos -tornando então, e só então, obrigatórios a ordem e o montante dos pagamentos a efectuar aos diversos credores - e o definitivo esgotamento do poder do seu autor de definir tais direitos/interesses).
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4.1.2. Nulidade secundária (resultante da falta de notificação do mapa de rateio final)
Lê-se no art.º 195.º, n.º 1, do CPC, que, fora «dos casos previstos nos artigos anteriores, a prática de um ato que a lei não admita, bem como a omissão de um ato ou formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa».
 Estão aqui em causa as chamadas nulidades secundárias, inominadas ou atípicas (por oposição às principais, nominadas ou típicas, previstas nos art.ºs 186.º, 187.º, 191.º, 193.º e 194.º, todos do CPC).
Ora, e em regra, a violação do princípio do contraditório pode influir no exame ou na decisão da causa, consubstanciando, por isso, uma nulidade [10].

Não consubstanciando uma nulidade de conhecimento oficioso (conforme art.º 196.º, do CPC), só poderá ser conhecida sob reclamação do interessado na observância da formalidade ou na repetição ou eliminação do acto (art.º 197.º, n.º 2, do CPC); e, estando esta concreta nulidade coberta por uma decisão judicial, poderá ser arguida no prazo de interposição de recurso respectivo e no próprio requerimento de interposição deste, sempre que o recorrente pretenda arguir a nulidade processual e, simultaneamente, invocar fundamentos de recurso em relação à decisão judicial proferida, prevenindo a hipótese da nulidade processual não ser julgada procedente [11].

Sendo reconhecida, e tendo um acto de ser anulado, anular-se-ão também os termos subsequentes que dele dependam absolutamente (art.º 195.º, n.º 2, do CPC).
Compreende-se, por isso, que se afirme que, «sempre que a prática de um ato da sequência pressuponha a prática de um ato anterior, a invalidade deste tem como efeito, indirecto mas necessário, a invalidade do primeiro, se entretanto tiver sido praticado, pelo que a invalidade do ato processual é mais uma invalidade do ato enquanto elemento da sequência do que do ato em si mesmo considerado» (José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, 3.ª edição, Coimbra Editora, Setembro de 2014, pág. 381).
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4.1.3. Encerramento de processo de insolvência
Lê-se no art.º 230.º, n.º 1, al. a), do CIRE, que, prosseguindo «o processo após a declaração de insolvência, o juiz declara o seu encerramento» depois da «realização do rateio final». Esta é mesmo a hipótese normal de encerramento do processo de insolvência, isto é, após a conclusão do rateio final.
Mais se lê, no n.º 2 do mesmo art.º 230.º, que a «decisão de encerramento do processo é notificada aos credores e objecto da publicidade e do registo previstos nos artigos 37.º e 38.º, com indicação da razão determinante»; e resulta expressamente da al a) do n.º 6 do art.º 14.º do CIRE, que esta decisão de encerramento do processo de insolvência é recorrível nos termos gerais.
Não o sendo, formar-se-á sobre ela caso julgado.

Lê-se, a propósito: no art.º 619.º, n.º 1, do CPC, que, transitada «em julgado a sentença ou o despacho saneador que decida do mérito da causa, a decisão sobre a relação material controvertida fica a ter força obrigatória dentro do processo e fora dele nos limites fixados pelos artigos 580.º e 581.º, sem prejuízo do disposto nos artigos 696.º a 702.º»; e, no art.º do 628.º, do CPC, que uma decisão judicial «considera-se transitada em julgado logo que não seja susceptível de recurso ordinário ou de reclamação».
Quando assim seja, segundo o critério da eficácia e nos termos dos art.ºs 619.º, n.º 1 e 620.º, n.º 1, ambos do CPC, terá força obrigatória: dentro do processo e fora dele, se for sentença ou despacho saneador que decida do mérito da causa, impedindo que o mesmo ou qualquer outro tribunal possa definir em termos diferentes o direito concreto aplicável à relação material litigada (caso julgado material ou substancial); ou apenas dentro do processo, se for sentença ou despacho que haja recaído unicamente sobre a relação processual, impedindo que o mesmo tribunal, na mesma acção, possa alterar a decisão proferida, mas não impedindo que, noutra ação, a mesma questão processual concreta seja decidida em termos diferentes pelo mesmo tribunal ou por outro entretanto chamado a apreciar a causa (caso julgado formal) [12].

Precisa-se ainda que não se prevê no CIRE, e ao contrário do que sucede no CPC, qualquer hipótese de renovação da instância de insolvência, após o encerramento do respectivo processo (isto é, em que, depois do processo ter sido entretanto encerrado/da instância ter sido entretanto extinta, os autos voltem a prosseguir, a partir daquele ponto, tendo em vista a prática de novos actos, deixando, porém, intocados os anteriormente praticados).
Ora, as várias hipóteses de renovação da instância processual civil (vg. art.ºs 261.º, n.º 2,  282.º,  n.º 1, 358.º, n.º 2  ou  850,º todos do CPC) são inaplicáveis, por natureza, ao processo insolvencial.
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4.2. Caso concreto (subsunção ao Direito aplicável)
4.2.1. Despacho de homologação do mapa de rateio
Concretizando, verifica-se que, tendo o Administrador da Insolvência apresentado a sua proposta de distribuição e rateio final, com o respectivo mapa, deu à mesma a publicidade que a lei expressamente lhe impunha, isto é, publicou-a na Área de Serviços Digitais dos Tribunais; e dispuseram então os credores de quinze dias para se pronunciarem sobre ela, nomeadamente para acusarem qualquer desconformidade com a sentença de reconhecimento e graduação de créditos a que deveria dar cumprimento.
Mais se verifica que, não o tendo feito, e tendo a secretaria emitido uma apreciação conforme, veio a ser proferido despacho judicial, homologando o mapa de rateio e ordenando que se fizessem os conformes pagamentos, desse modo o validando.
Verifica-se ainda que, tendo esta decisão sido notificada aos credores, agora de forma pessoal, os mesmos não reagiram a ela.
Logo, e salvo o devido respeito por opinião contrária, não só ficou definitivamente esgotado o poder jurisdicional do Tribunal que a proferira sobre as questões então assim decididas (nomeadamente, sobre a distribuição pelos credores do remanescente da liquidação), como a dita decisão transitou em julgado, tonando-se imodificável, não só por aquele Tribunal, como por qualquer outro em sede de recurso ordinário.
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Dir-se-á ainda que, mesmo que se entendesse (não obstante a expressa letra da lei, que determina que a publicidade da proposta de distribuição e rateio final seja efectuada por meio da sua publicação na Área de Serviços Digitais dos Tribunais) que a dita proposta teria que ter sido notificada pessoalmente a cada credor, consubstanciando a omissão desta forma de notificação uma nulidade secundária, não estaria desde então o credor DD em tempo para a arguir.
Com efeito, tendo sido pessoalmente notificado do despacho de homologação do mapa de rateio, ficou desde logo a saber que o mesmo já tinha sido elaborado e, previsivelmente, apreciado pela secretaria; pelo que, agindo com a devida diligência (nomeadamente, indo consultá-lo, como o fez oito meses depois) poderia ter desde logo conhecido a desconformidade entre o nele vertido e o constante da sentença de reconhecimento e graduação de créditos.
Não tendo assim procedido, a sua inércia nos dez dias subsequentes àquela notificação precludiu definitivamente o seu direito de arguir a nulidade que agora defende existir (tudo nos termos dos art.ºs 199.º, n.º 1, in fine, e 149.º, n.º 1, do CPC), já que também não recorreu da decisão judicial depois proferida (onde poderia tê-la igualmente arguido, simultaneamente com outros fundamentos de sindicância que entendesse possuir).
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4.2.2. Decisão de encerramento do processo
Concretizando novamente, verifica-se ainda que, na mesma ocasião, foi proferida outra decisão, a declarar encerrado o processo de insolvência, ao abrigo do disposto no art.º 230º, n.º 1, al. a), do CIRE.
Mais se verifica que, tendo a mesma decisão sido devidamente notificada aos credores, nenhum deles a sindicou, pelo que igualmente transitou em julgado; e, desse modo, extinguiu-se a instância insolvencial.
Logo, e salvo o devido respeito por opinião contrária, ficou definitivamente precludida qualquer possibilidade de alteração de eventual desconformidade que tivesse havido entre o rateio final e a sentença de reconhecimento e graduação de créditos, se a respectiva sindicância até àquele momento ainda fosse possível.

Neste sentido já se pronunciou a jurisprudência, nomeadamente no:

. Ac. da RL, de 15.10.2015, Esagüy Martins, Processo n.º 1130/10.6TJLSB.L1-2 - onde se lê que, «tendo transitado em julgado, como transitou, a decisão que declarou encerrado o processo de insolvência, em necessária consideração da liquidação e rateio final efetuados - e que não foram objeto de oportuna reclamação - resulta precludida a possibilidade de alteração do que, porventura em eventual desconformidade com a sentença de verificação e graduação de créditos, assim haja sido consignado naquele rateio relativamente ao crédito da Recorrente, cfr. art.ºs 619º, n.º 1 e 620º, n.º 1, ambos do Código de Processo Civil».

. Ac. da RP, 11.04.2018, Aristides Rodrigues de Almeida, Processo n.º 521/14.8T8OAZ.P1 - onde se lê que, face aos «efeitos do encerramento do processo, cremos que não é possível deixar de concluir que uma vez encerrado o processo não é possível reabrir a instância do processo de insolvência para praticar de novo quaisquer actos que contendam com a reclamação de créditos, a sua verificação e graduação, a sua inclusão no plano e mapa de rateios e o seu pagamento. Todos esses actos processuais foram em devido tempo praticados no processo e sobre ele foram proferidas decisões judiciais que não tendo sido impugnadas transitaram em julgado. A decisão a decretar o encerramento do processo, igualmente transitada em julgado, tornou aqueles actos definitivos para efeitos do processo de insolvência, quaisquer que tenham sido os lapsos ou erros de que os mesmos enfermaram e sem prejuízo da responsabilidade que tais erros ou lapsos possam gerar para quem os praticou (v.g. artigo 59.º, n.º 2)».
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Dir-se-á ainda que, mesmo que tivesse sido cometida a nulidade defendida pelo credor DD, e mesmo que ainda fosse arguível por ele até esse momento, tendo transitado em julgado a decisão que declarou encerrado o processo de insolvência (que igualmente lhe foi pessoalmente notificada e à qual igualmente não reagiu, não obstante o expresso motivo nela indicado para aquele encerramento), deixou então definitivamente de o poder fazer.
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Sendo este o único fundamento útil do recurso interposto pelo credor DD, não pode o mesmo deixar de improceder na sua totalidade.
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V - DECISÃO

Pelo exposto, e nos termos das disposições legais citadas, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar totalmente improcedente o recurso de apelação interposto pelo credor DD e, em consequência, em

· Confirmar o despacho recorrido.
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Custas da apelação pelo Recorrente (conforme art.º 527.º n.º 1 e n.º 2, do CPC, e interpretação restritiva do art.º 304.º, do CIRE, já que seria incoerente com o ordenamento jurídico que qualquer interessado num processo de insolvência pudesse interpor recurso em benefício próprio e, nele decaindo, as custas ficassem sempre a cargo da massa insolvente).
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Guimarães, 15 de Fevereiro de 2024.
O presente acórdão é assinado electronicamente pelos respectivos

Relatora - Maria João Marques Pinto de Matos;
1.º Adjunto - Pedro Manuel Ribeiro Quintas Maurício;
2.ª Adjunta - Maria Gorete Morais.


[1] «Trata-se, aliás, de um entendimento sedimentado no nosso direito processual civil e, mesmo na ausência de lei expressa, defendido, durante a vigência do Código de Seabra, pelo Prof. Alberto dos Reis (in Código do Processo Civil Anotado, Vol. V, pág. 359) e, mais tarde, perante a redação do art. 690º, do CPC de 1961, pelo Cons. Rodrigues Bastos, in Notas ao Código de Processo Civil, Vol. III, 1972, pág. 299» (Ac. do STJ, de 08.02.2018, Maria do Rosário Morgado, Processo n.º 765/13.0TBESP.L1.S1, nota 1 - in www.dgsi.pt, como todos os demais citados sem indicação de origem). 
[2] Neste sentido, numa jurisprudência constante, Ac. da RG, de 07.10.2021, Vera Sottomayor, Processo n.º 886/19.5T8BRG.G1, onde se lê que questão nova, «apenas suscitada em sede de recurso, não pode ser conhecida por este Tribunal de 2ª instância, já que os recursos destinam-se à apreciação de questões já levantadas e decididas no processo e não a provocar decisões sobre questões que não foram nem submetidas ao contraditório nem decididas pelo tribunal recorrido».
[3] O Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas - doravante CIRE -, foi aprovado pelo Decreto-Lei n.º 53/04, de 18 de Março.
[4] Rui Pinto (in Código de Processo Civil Anotado, Volume II, Almedina, 2021, pág. 174) fala de um primeiro nível de estabilidade da sentença, estabilidade interna, restrita ao órgão que a proferiu; e o segundo nível, já alargado - vinculando o tribunal e as partes, dentro do processo (art.º 620.º, do CPC), ou mesmo, fora dele e outros tribunais (art.º 619.º, do CPC) - apenas será atingido quando a sentença transitar em julgado (art.º 628.º, n.º 1, do CPC). A).
[5] Neste sentido, José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Volume 2.º, 3.ª edição, Almedina, Março de 2018, pág. 732, onde se lê que, embora «o art. 617 não abranja directamente a retificação de erro material (foi assim expressamente, no âmbito do CPC de 1961, até ao DL 303/2007), deve entender-se que do indeferimento do requerimento de retificação não cabe recurso, por aplicação analógica do art. 617,n.ºs 1, parte final, e 6, 1.º parte».
[6] Neste sentido, José Lebre e Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Volume 2.º, 3.ª edição, Almedina, Março de 2018, pág. 732.
[7] Defendendo, porém, «que o regime processual civil de retificação de erros de cálculo devidos a lapso manifesto, constatável na sentença ou despacho - estabelecido nos artigos 613º, n.º 2 e 3, e 614º, do Código de Processo Civil – não cobra integral aplicação à conta de custas e mapa de rateio, não só por não serem estes assimiláveis àqueles, como também por isso que as especiais exigências de definição de pagamentos se não compadecem com uma possibilidade de retificação “a todo o tempo”, e designadamente depois do encerramento do processo, implicando devoluções de pagamentos porventura há muito efetuados, e até a reabertura de processo encerrado», Ac. da RL, de 15.10.2015, Esagüy Martins, Processo n.º 1130/10.6TJLSB.L1-2.
[8] Precisa-se, a propósito, que o «rateio parcial não visa dar pagamento a certos e determinados créditos pelo produto da venda de determinados bens sobre os quais detêm garantia (para esse fim rege o disposto no art.º 174.º); o que se pretende com o rateio parcial é distribuir as quantias que, à data, já se encontrem depositadas à ordem da massa insolvente pela universalidade dos créditos a considerar (ainda que condicionalmente) para efeitos de pagamento, ou seja, os créditos que já estejam verificados, os créditos constantes da relação de credores que não tenham sido impugnados e os créditos em relação aos quais já tenha sido decidida, por uma das formas previstas na alínea b) do n.º 1 do art.º 178.º, a impugnação de que tenham sido objecto» (Ac. da RC, de 12.04.2024, Maria Catarina Gonçalves, Processo n.º 56/14.9T8ACB-W.C1 ).
[9] Lia-se no art.º 214.º, do Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 132/93, de 23 de Abril e despois substituído pelo CIRE, que a «distribuição e rateio final do produto da liquidação do activo são efectuados pela secretaria do tribunal, quando o processo for remetido à conta e em seguida a esta» (n.º 1); e as «sobras da liquidação, que nem sequer cubram as despesas do rateio, são atribuídas ao Cofre Geral dos Tribunais» (n.º 2). 
[10] Neste sentido, José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, 3.ª edição, Coimbra Editora, Setembro de 2014, pág. 382 (para a formulação geral do princípio do contraditório), onde se lê que «a ampla consagração do princípio do contraditório implica a necessidade da prática de atos (máxime, de notificação para a tomada de posições da parte) que a lei só genericamente prescreve (art. 3-3) e que, como tal, igualmente integram a previsão do n.º 1»; e pág. 10 (para a formulação particular da proibição de decisões surpresa), onde se lê que a «omissão do convite às partes para tomarem posição sobre a questão oficiosamente levantada gera nulidade, a apreciar nos termos gerais do art. 201».
Neste último sentido, Rui Pinto, Notas ao Código de Processo Civil, Volume I, 2.ª edição, Coimbra Editora, Novembro de 2015, pág. 22, onde se lê que uma decisão-surpresa é, «salva manifesta desnecessidade, uma decisão nula, em princípio, nos termos do artigo 195º, pois pôde influir no exame ou na decisão a causa».
Na jurisprudência, Ac. do TCAN, de 28.02.2014, Carlos Medeiros de Carvalho, Processo n.º 00123/13.6BECBR.
[11] Neste sentido, Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, 1979, pág. 183; Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, Volume III, 1982, Almedina, pág. 134; António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5.ª edição, Almedina, págs. 25-30; António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Volume I, Almedina, 2018, pág. 236; e  Professor Miguel Teixeira de Sousa (em https://blogippc.blogspot.com/search?q=%22Nas+a%C3%A7%C3%B5es+que+hajam+de+prosseguir%22, consultado em Fevereiro de 2023).
Precisando este último contributo: «Efectivamente, são possíveis três situações bastante distintas: Aquela em que a prática do acto proibido ou a omissão do acto obrigatório é admitida por uma decisão judicial; nesta situação, só há uma decisão judicial; Aquela em que o acto proibido é praticado ou o acto obrigatório é omitido e, depois dessa prática, é proferida uma decisão; nesta situação, há uma nulidade processual e uma decisão judicial;  Aquela em que uma decisão dispensa ou impõe a realização de um acto obrigatório ou proibido e em que uma outra decisão decide uma outra matéria; nesta situação, há duas decisões judiciais. No primeiro caso (…) o meio de reacção adequado é a impugnação da decisão através de recurso. (…) No segundo caso, o que importa considerar é a consequência da nulidade processual na decisão posterior. Quer dizer: já não se está a tratar apenas da nulidade processual, mas também das consequências da nulidade processual para a decisão que é posteriormente proferida. Finalmente, no terceiro caso, há que considerar a forma de impugnação das duas decisões. (…) Se, apesar da omissão indevida de um acto, o juiz conhecer na decisão de algo de que não podia conhecer sem a realização do acto omitido (ou, pela positiva, conhecer de algo de que só podia conhecer na sequência da realização do acto), essa decisão é nula por excesso de pronúncia (art.615.º, n.º 1, al. d), CPC)».
Na jurisprudência: Ac. do STJ, de 13.01.2005, Araújo de Barros, Processo n.º 04B4031; Ac. da RL, de 20.04.2016, Alves Duarte, Processo n.º 316/12.3TTFUN.L1-4; Ac. da RG, de 23.06.2016, António Beça Pereira, Processo n.º 713/14.0T8VRL.G1; Ac. do STJ, de 23.06.2016, Abrantes Geraldes, Processo n.º 1937/15.8T8BCL.S1; Ac. da RE, de 26.10.2017, Ana Margarida Leite, Processo n.º 2929/15.2T8STR-A.E1; Ac. da RL, de 11.07.2019, Ana de Azeredo Coelho, Processo n.º 5774/17.7T8FNC-A.L1-6; Ac. da RG, de 30.01.2020, Ana Cristina Duarte, Processo n.º 3834/18.6T8GMR.G1; Ac. da RG, de 13.02.2020, Raquel Batista Tavares, Processo n.º 3496/18.0T8VCT.G1; Ac. da RP, de 09.12.2020, Eugénia Cunha, Processo n.º 4585/11.8TBSTS.P2; ou Ac. da RG, de 20.05.2021, José Alberto Moreira Dias (aqui 1.º Adjunto), Processo n.º 125/20.6T8AMR-G1.
[12] Melhor precisando o caso julgado formal, enfatiza-se que «as decisões de forma desfrutam de força vinculativa de caso julgado apenas dentro do processo», excepto no caso previsto no n.º 1, do art.º 101.º, do CPC (Remédio Marques, A acção declarativa à luz do Código revisto, Coimbra Editora, pág. 646).
Logo, a questão só se levanta se existir uma primeira decisão proferida (de forma) no mesmo processo em que venha ser proferida uma segunda com o mesmo objecto. Compreende-se, por isso, que se afirme que o caso julgado formal «só é vinculativo no próprio processo (e respectivos incidentes que correm por apenso) em que a decisão foi proferida, obstando a que o juiz possa na mesma acção, alterar a decisão proferida - mas não impede que a mesma questão processual seja decidida em outra acção, de forma diferente pelo mesmo tribunal ou por outro tribunal» (Remédio Marques, A acção declarativa à luz do Código revisto, Coimbra Editora, pág. 644).
Reforça-se, assim, com este artigo, a ideia de que o caso julgado formal previsto no art.º 620.º, do CPC, se refere à vinculação do Tribunal ao julgamento que fez sobre uma questão concreta da relação processual. Compreende-se, por isso, que se afirme que existe «violação do caso julgado formal, previsto no art. 620º, do Código de Processo Civil, quando o Tribunal, no mesmo processo, com as mesmas partes e reportando-se aos mesmos factos, verificados e atendidos já na primeira decisão, volta a decidir a mesma questão, nesse mesmo contexto processual, de forma diversa», outro tanto não sucedendo em hipótese inversa (Ac. da RG, de 17.05.2018, José Flores, Processo n.º 1053/15.2T8GMR-C.G1).