Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1779/18.9T8BRG.G1
Relator: MARIA JOÃO MATOS
Descritores: CAMINHO PÚBLICO
USO IMEMORIAL
AFETAÇÃO À UTILIDADE PÚBLICA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 12/17/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
SUMÁRIO (da responsabilidade da Relatora - art. 663.º, n.º 7 do CPC)

I. O uso, pela Relação, dos poderes de alteração da decisão da 1.ª Instância sobre a matéria de facto só deve ser concretizado quando seja possível, com a necessária segurança, concluir pela existência de erro de apreciação relativamente a concretos pontos de facto impugnados, nomeadamente por os depoimentos prestados em audiência, conjugados com a restante prova produzida, imporem uma conclusão diferente (prevalecendo, em caso contrário, os princípios da imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova).

II. Para demonstrar a existência de erro na apreciação da matéria de facto, o recorrente tem de contrariar a apreciação crítica da prova feita pelo Tribunal a quo (v.g. a prevalência dada a um meio de prova sobre outro de sinal oposto, ou o maior crédito dado a um depoimento sobre outro contrário), apresentando as razões objectivas pelas quais se pode verificar que a mesma foi incorrectamente realizada, não bastando para o sucesso da sua pretensão a mera indicação, ou reprodução, dos meios de prova antes produzidos e ponderados na decisão recorrida.

III. Dependendo a apreciação do recurso pertinente à interpretação e aplicação do Direito ao caso concreto, do prévio sucesso do simultâneo recurso interposto sobre a matéria de facto fixada, sendo este último julgado improcedente, fica necessariamente prejudicado o conhecimento daquele primeiro (arts. 608.º, n.º 2 e 663.º, n.º 2, in fine, ambos do CPC).

IV. O entendimento fixado no Assento 7/89, do STJ, de 19 de Abril de 1989, deve ser interpretado restritivamente, no sentido da natureza pública de um caminho que atravesse prédio particular exigir, não apenas o seu uso imemorial, directo e imediato, pelo público, como ainda a sua afectação à utilidade pública, isto é, à satisfação de interesses colectivos de certo grau ou relevância.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência (após corridos os vistos legais) os Juízes da 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães, sendo

Relatora - Maria João Marques Pinto de Matos;
1.º Adjunto - José Alberto Martins Moreira Dias;
2.º Adjunto - António José Saúde Barroca Penha.
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ACÓRDÃO

I - RELATÓRIO
1.1. Decisão impugnada

1.1.1. Freguesia de X e Y, com sede na Rua ..., n.º …, da união das freguesias de X e de Y, concelho ..., A. L. e mulher, M. P., residentes em …, n.º …, … Estados Unidos da América, e J. G. e mulher, L. J., residentes na Rua …, n.º …, da união das freguesias de X e de Y, concelho ... - (aqui Recorridos) -, propuseram a presente acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra A. M. e mulher, R. B., residentes na Rua ..., n.º …, da união das freguesias de X e de Y, concelho ..., e contra A. C. e mulher, M. R., residentes na Rua ..., n.º …, da união das freguesias de X e de Y, concelho ... - (aqui Recorrentes) -, pedindo que

· fosse reconhecido que os 2.ºs co-Autores (A. L. e mulher, M. P.) são donos e legítimos possuidores de um prédio rústico (que identificaram), e que dele faz parte o muro de pedra sobreposta que o delimita a nascente, sendo os Réus condenados a reporem-no no estado original (recolocando-lhe as pedras subtraídas e retirando a coluna de sustentação lateral do portão que nele implantaram), e a pagarem-lhes a quantia de € 2.500,00 (a título de indemnização por danos não patrimoniais que lhes causaram, com a sua actuação violadora dos direitos que aqui pretendem ver reconhecidos);

· fosse reconhecido que os 3.ºs co-Autores (J. G. e mulher, L. J.) são donos e legítimos possuidores de um prédio rústico (que identificaram), e que dele faz parte o muro de pedra sobreposta com cerca de 37 metros localizado a norte, sendo os Réus condenados a reporem-no no estado original (recolocando-lhe as pedras subtraídas e retirando os esteios e rede que nele colocaram), e a pagarem-lhes a quantia de € 5.000,00 (a título de indemnização por danos não patrimoniais que lhes causaram, com a sua actuação violadora dos direitos que aqui pretendem ver reconhecidos);

· fosse reconhecido que o caminho que passa junto dos prédios dos 2.ºs co-Autores e dos 3.ºs co-Autores (que melhor identificaram) pertence ao domínio público, sendo os Réus condenados a desobstruí-lo (retirando todos os obstáculos que nele colocaram, nomeadamente os portões implantados nas suas extremidades, as redes e os esteios), e a absterem-se de futuramente o obstruírem, sob pena de pagamento de uma sanção pecuniária compulsória de € 500,00, por cada infracção ou dia de infracção.

Alegaram para o efeito, em síntese, serem, quer os 2.ºs co-Autores (A. L. e mulher, M. P.), quer os 3.ºs co-Autores (J. G. e mulher, L. J.), proprietários de um prédio rústico, confinando qualquer deles com um mesmo caminho vicinal (sendo que o prédio dos 2.ºs co-Autores pelo seu lado nascente, e o prédio dos 3.ºs co-Autores pelo seu lado norte), pertencendo-lhes igualmente os muros divisórios, em pedra sobreposta, que aí se encontram.
Mais alegaram serem os 1.ºs co-Réus (A. M. e mulher, R. B.) proprietários de um outro prédio rústico, de que os 2.ºs co-Réus (A. C. e mulher, M. R.) são usufrutuários, confinando o mesmo, a sul e a poente, com o caminho vicinal já referido.
Alegaram ainda os Autores que este, em terra batida, com cerca de 158 metros de extensão, implantado entre extremas de plúrimos prédios privados, mas cujo leito lhes é estranho, faz desde tempos imemoriais a ligação pedonal entre o Lugar ... e o Lugar da ..., sendo usado pela população em geral, pela maior rapidez e comodidade que oferece, sem oposição de ninguém, e beneficiando já de um poste de iluminação pública; e, por isso, possuindo natureza pública.
Contudo, entre finais de Julho e finais de Setembro, de 2017, os Réus vedaram o dito caminho (nomeadamente, por meio de portões colocados nas suas extremidades, esteios e rede de arame, tendo para o efeito retirado pedras dos muros divisórios dos prédios dos 2.ºs co-Autores e dos 3.ºs co-Autores); obstruíram a sua passagem (nomeadamente, com ferros e rede plástica); e retiraram a rede eléctrica de alimentação do candeeiro público, e mesmo este.
Por fim, alegaram que, mercê da actuação dos Réus, os 2.ºs co-Autores (A. L. e mulher, M. P.) e os 3.ºs co-Autores (J. G. e mulher, L. J.) sofreram incómodo, mal-estar e nervosismo, sendo que estes últimos foram ainda acometidos de enorme ansiedade, desgosto e perturbação do sono, por várias noites.

1.1.2. Regularmente citados, os Réus (A. M. e mulher, R. B., e A. C. e mulher, M. R.) contestaram, pedindo que a acção fosse julgada improcedente, sendo eles próprios absolvidos de todos os pedidos deduzidos contra si.
Alegaram para o efeito, em síntese, reconhecerem os Autores como proprietários dos prédios invocados como sendo deles; mas impugnarem tudo o demais por eles alegado (nomeadamente, a propósito das confrontações dos respectivos prédios com caminho vicinal, da propriedade dos muros de pedra que marginam os ditos prédios, ou da natureza pública do caminho vicinal, defendendo constituir o mesmo mero atalho ou atravessadouro, abolido pelo art. 1383.º do CC de 1966).
Mais alegaram terem, de facto, realizado obras de vedação do dito caminho; mas terem-no feito por o mesmo ser propriedade sua, impugnando ainda a verificação de quaisquer danos que tivessem assim causado aos Autores.

1.1.3. Proferiu-se despacho: dispensando a realização de uma audiência prévia; saneador (certificando tabelarmente a validade e a regularidade da instância); fixando o valor da acção em € 65.991,00; identificando o objecto do litígio e enunciando os temas da prova; apreciando os requerimentos probatórios das partes e agendando a realização da audiência final.

1.1.4. Realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença, julgando a acção parcialmente procedente, lendo-se nomeadamente na mesma:
«(…)
VI. Dispositivo
Pelo exposto, julgo a ação totalmente procedente e, em consequência:
a. Reconheço que os 2.ºs Autores A. L. e M. P. são donos e legítimos possuidores do prédio inscrito na respetiva matriz predial rústica sob o artigo ..., descrito nos artigos 1- a 5-, dos factos provados;
b. Reconheço que faz parte daquele prédio, sendo os 2.ºs Autores A. L. e M. P. os seus únicos donos e possuidores, o muro de pedra sobreposta que o delimita a nascente;
c. Condeno os Réus a repor tal muro ao estado original, recolocando-lhe as pedras subtraídas e retirando a coluna de sustentação lateral do portão que estes lá colocaram;
d. Condeno os Réus a pagar aos 2.ºs Autores A. L. e M. P. a pagar-lhes a quantia de € 1.000,00 (mil euros), a título de danos não patrimoniais;
e. Reconheço que os 3.ºs Autores J. G. e L. J. são donos e legítimos possuidores do prédio inscrito na respetiva matriz predial rústica sob o artigo ..., descrito nos artigos 6- a 10-, dos factos provados;
f. Reconheço que faz parte daquele prédio, sendo os 3.ºs Autores J. G. e L. J. os seus únicos donos e possuidores, o muro de pedra sobreposta com cerca de 37 metros, localizado a norte;
g. Condeno os Réus a repor tal muro ao estado original, recolocando-lhe as pedras subtraídas e retirando os esteios e redes que por estes aí foram colocados;
h. Condeno os Réus a retirar os esteios e redes que foram colocados na sua propriedade;
i. Condeno os Réus a pagar aos 3.ºs Autores J. G. e L. J. a quantia de € 1.000,00 (mil euros), a título de danos não patrimoniais;
j. Reconheço que o caminho descrito nos artigos 15- a 38-, dos factos provados, pertence ao domínio público;
k. Condeno os Réus a desobstruir o referido caminho, retirando todos os obstáculos que nele colocaram, designadamente, os portões implantados nas suas extremidades, as redes e esteios;
l. Condeno os Réus a, de futuro, absterem-se de obstruir o caminho, sob pena de pagamento de uma sanção pecuniária compulsória de € 50,00 (cinquenta euros), por cada dia de infração.
As custas do processo são a cargo dos Réus, por força do seu decaimento (cfr. artigo 527º/1/2, do CPCiv).
Valor da ação: o fixado no despacho saneador a fls. 85.
Registe e notifique.
(…)»
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1.2. Recurso
1.2.1. Fundamentos

Inconformados com esta decisão, os Réus (A. M. e mulher, R. B., e A. C. e mulher, M. R.) interpuseram o presente recurso de apelação, pedindo que fosse provido, substituindo-se a sentença recorrida por decisão julgando improcedentes todos os pedidos formulados, e deles os absolvendo.

Concluíram as suas alegações da seguinte forma (aqui se reproduzindo as respectivas conclusões ipsis verbis):

A - quanto à existência do dito caminho público: são os próprios autores que na sua petição inicial caracterizam o dito caminho: “… o caminho tem uma extensão de cerca de 158 metros e uma largura média de cerca de 80 centímetros…” – artigo 21º da petição;

B - e que “… o caminho sempre foi muito utilizado pela população local, pelas pessoas que residiam no lugar da ..., pois constitui um atalho direto ao lugar do centro da freguesia…” – artigo 34º da mesma petição;

C - Ou seja, trata-se, atenta a sua largura e tipo, de um ... pedonal que nem considerado foi na toponímia da autora Freguesia de X;

D - Sem qualquer tipo de pavimento terra batida e calcada pelos pés que porventura o calcorreiam – sendo certo que começa, a norte, no final da Travessa da ..., devidamente pavimentada em alcatrão e a sul na Rua ... que igualmente se mostra pavimentada e ambas com nome ou toponímia;

E - ... este com muro, de pedra sobre pedra e sem qualquer tratamento, na confrontação com os prédios que não são dos réus;

F - E que do lado dos réus se confunde com os próprios prédios dos réus salvo no seu início a sul, junto ao Centro da Freguesia, onde é mais largo porque era o acesso único que o prédio dos réus possuía antes de os mesmos outro terem aberto noutra parte, mais a norte, do seu prédio rustico quando no mesmo construíram a sua habitação.

G - E essa largura inicial só existe por ser esse acesso de trator e carro de bois anteriormente ao prédio dos próprios réus.

H - Tudo isto foi confirmado por todas as testemunhas que depuseram na audiência de julgamento, com relevância especial para a testemunha M. P. que corretamente o descreveu.

I - Trata-se, portanto, de um ... ou atravessadouro que não tem as características para que daí se possa concluir pela dominialidade pública.

J - Atenta a sua largura é manifesto que o mesmo não passa de mero atravessadouro, utilizado para atalhar caminho.

K - Não tem qualquer outra função relevante que não seja a de servir de simples serventia ou atalho entre as duas vias que se situam nos seus topos.

L - Não existe no caso presente a necessidade de satisfação de uma utilidade pública, mas apenas de uma soma de utilidades individuais de mera conveniência (quase restritas à família - como seja o relatado pela testemunha A. O. que teme ficar sem carta de condução e depois ter de caminhar mais para ir à Igreja).

M - Ora, atento o disposto no artigo 1383º do Código Civil “… Consideram-se abolidos os atravessadouros, por mais antigos que sejam, desde que não se mostrem estabelecidos em proveito de determinados prédios, constituindo servidões…”.

N - E não foi relatado nos autos ou referida nenhuma das exceções previstas no artigo 1384º do mesmo Código Civil.

O - Pelo que o atravessadouro existente no prédio dos réus foi abolido e, como diz o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça supra referido “…Nas situações de facto subsistentes que preencham o conceito de atravessadouros, qualquer interessado pode proceder como se eles não existissem…”.

P - Quanto aos muros que os autores dizem pertencer-lhes: quanto ao autor A. L. ao mesmo não lhe assiste qualquer razão.

Q - Este autor tem a sua entrada, em conjunto com os réus e o vizinho AL. na Rua ... e a cerca de a cerca de 30 metros dessa rua ... o autor A. L. entra, à esquerda, para o seu prédio e o vizinho AL. à direita, por uma porta, para o seu.

R - A partir daí começa o prédio dos réus, em piso mais elevado que o prédio do A. L. (o que foi reconhecido por toda a gente que depôs e não contrariado por nenhum elemento dos autos) tendo a suportar esse terreno mais elevado um muro de suporte que, legalmente, pertence aos réus (número 1 do artigo 1371º do Código Civil).

S - Quanto ao dito muro do prédio dos autores J. G. e mulher: diz o artigo 1371º, nº 2, do Código Civil que “… prédios urbanos, presumem-se igualmente comuns, não havendo sinal em contrário…”.

T - No nosso caso os prédios de autores (neste caso J. G.) e os dos réus situam-se ao mesmo nível e, entre eles, existem pedras sobre pedras que os limitam.

U - O autor J. G. até colocou, fora dessas pedras sobre pedras e na estrema do seu prédio uma rede segura em esteios ou vigotas para a suportar, deixando livre as tais pedras sobre pedras porque sabe perfeitamente que o muro da pedra sobre pedra lhe não pertence em exclusivo.

V - Não existe qualquer fundamento jurídico para ser atribuído aos autores qualquer compensação a nível de danos não patrimoniais que os mesmos não sofreram nem podiam sofrer.

W - Nada de anormal, ou relevante em termos legais justifica essa atribuição e condenação dos réus no pagamento de danos não patrimoniais.

X - Além de que a condenação dos réus na reposição dos muros no estado original não faz qualquer sentido, tanto mais que nem sabemos, e o processo também não o sabe, qual é esse estado original.

Y - Devendo, assim, improceder na totalidade o peticionado, salvo na parte do reconhecimento do direito de propriedade dos autores A. L. e mulher e J. G. e mulher sobre os seus prédios que identificaram (excluindo os ditos muros) o que os réus não puseram nem põem em questão.

Z - Ao decidir de forma contrária violou a douta sentença, aqui em recurso, o disposto nos artigos 496º, 1383º, 1384º e 1371º do Código Civil.
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1.2.2. Contra-alegações

A 1.ª Autora (Freguesia de X e Y) contra-alegou, pedindo, e no que ora nos interessa, que o recurso fosse julgado improcedente.
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II - QUESTÕES QUE IMPORTA DECIDIR

2.1. Objecto do recurso - EM GERAL

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente (arts. 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2, ambos do CPC), não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (art. 608.º, n.º 2, in fine, aplicável ex vi do art. 663.º, n.º 2, in fine, ambos do CPC).

Não pode igualmente este Tribunal conhecer de questões novas (que não tenham sido objecto de apreciação na decisão recorrida), uma vez que os recursos são meros meios de impugnação de prévias decisões judiciais (destinando-se, por natureza, à sua reapreciação e consequente alteração e/ou revogação).
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2.2. QUESTÕES CONCRETAS a apreciar
Mercê do exposto, e do recurso de apelação interposto da sentença final pelos Réus (A. M. e mulher, R. B., e A. C. e mulher, M. R.), 02 questões foram submetidas à apreciação deste Tribunal:

1.ª - Fez o Tribunal a quo uma errada interpretação e valoração da prova produzida, nomeadamente porque não permitia que se dessem como demonstrados os factos provados enunciados sob o número 4 («O referido prédio confronta a norte com o prédio dos Réus inscrito na matriz sob o artigo ..., a sul com caminho, correspondente à rua ..., a nascente com o caminho, correspondente ao caminho a que se alude nos itens 15- a 38-, e a poente com caminho correspondente à Rua ...»), sob o número 5 («Os muros divisórios do prédio no lado nascente, em que confina com o caminho a que se alude nos itens 15- a 38-, foram construídos, há mais de 15, 20 anos pelos antepossuidores dos 2.ºs Autores, dentro dos respectivos limites do prédio identificado em 1-, sendo que aqueles e estes deles sempre se arrogaram proprietários, à vista de todas as pessoas, fazendo as necessárias reparações e limpeza, sem oposição de quem quer que seja e com a convicção de que não lesavam direitos de outrem»), sob o número 9 («O referido prédio confronta a norte com caminho, correspondente ao caminho a que se alude nos itens 15- a 38-, a sul com caminho, correspondente à rua ..., a nascente com A. O. e a poente com o 2.º Autor A. L. (o qual sucedeu em 2005 a Manuel)»), sob o número 10 («Os muros divisórios do prédio de pedra sobreposta no lado norte, em que confina com o aludido caminho (descrito nos itens 15- a 38-), com uma extensão de cerca de 77 metros, foram construídos, há mais de 15, 20 anos, pelos antepossuidores dos 3.ºs Autores, dentro dos respectivos limites de propriedade, sendo que aqueles e estes deles sempre se arrogaram proprietários, à vista de todas as pessoas, fazendo as necessárias reparações e limpeza, sem oposição de quem quer que seja e com a convicção de que não lesavam direitos de outrem»), sob o número 14 («O prédio referido em 11- confronta a norte com caminho, a sul e poente com caminho, correspondente ao caminho descrito nos itens 15- a 38-, e a nascente com G. S.»), sob o número 18 («Em toda a sua extensão, o caminho está implantado sempre entre estremas de prédios, sem que o seu leito faça parte de qualquer um desses prédios»), sob o número 19 («No aludido sentido de marcha do lugar ... para o lugar da ..., o caminho confina, pelo seu lado direito, com os seguintes prédios: i) Prédio inscrito na matriz urbana da União de Freguesias de X e Y, a favor de AL., sob o artigo ...; ii) Prédio inscrito na matriz rústica da União de Freguesias de X e Y, a favor de M. L., sob o artigo ...; iii) Prédio inscrito na matriz urbana da União de Freguesias de X e Y, a favor do 2.º Autor A. L., sob o artigo ...; iv) Prédio inscrito na matriz rústica da União de Freguesias de X e Y, a favor do 3.º Autor J. G., sob o artigo ...»), sob o número 20 («E, pelo seu lado esquerdo, naquele sentido de marcha, o caminho confina com os seguintes prédios: i) Prédio inscrito na matriz rústica da União de Freguesias de X e Y, a favor da 2.ª Autora M. P., sob o artigo ...; ii) Prédio inscrito na matriz rústica da União de Freguesias de X e Y, a favor dos Réus, sob o artigo ...»), sob o número 22 («Porém, aquando da reconstrução da moradia edificada no prédio urbano inscrito sob o artigo ..., foi cedida ao domínio público uma faixa de terreno, passando o caminho, em toda a área que confina com o prédio rústico inscrito sob o artigo ..., ao longo de cerca de 40 mts de comprimento, a ter uma largura de média de 3,5 mts»), sob o número 23 («Assim, no referido sentido de marcha do lugar ... para o lugar da ..., a primeira parte do caminho, orientada para Nor-Nordeste, com cerca de 40 mts de comprimento, é delimitada, do lado direito, pelo muro divisório do prédio urbano inscrito sob o artigo ..., e do lado esquerdo, pelos muros divisórios de pedra sobreposta e pelas paredes dos anexos do prédio rústico dos 2.ºs Autores, inscrito sob o artigo ...»), sob o número 24 («A segunda parte do caminho, orientada mais para Nordeste, numa extensão de cerca de 27 mts, do lado direito, continua a ser delimitada pelo muro divisório do prédio urbano inscrito sob o artigo ... e por parte do muro divisório do prédio rústico inscrito sob o artigo ..., sendo que, do lado esquerdo, confinando com o prédio rústico dos Réus inscrito sob o artigo ..., não existe qualquer limite físico»), sob o número 25 («A terceira parte do caminho, fazendo uma inflexão para Su-Sudeste, numa extensão também de cerca de 27 mts, prossegue delimitada, no lado direito, pelo muro divisório do prédio rústico inscrito sob o artigo ... e pelo muro divisório do prédio urbano inscrito sob o artigo ..., já pelo lado esquerdo, é delimitada pelos esteios da vinha do prédio rústico dos Réus inscrito sob o artigo ...»), sob o número 26 («A quarta parte do caminho, regressando à orientação nordeste, numa extensão de cerca de 29 metros, é delimitada, do lado direito, por um muro de pedra sobreposta que se estende por cerca de 37 metros, com aproximadamente meio metro de altura, pertencente ao prédio rústico inscrito sob o artigo ... e, do lado esquerdo, pela continuação dos esteios da vinha do prédio rústico dos Réus inscrito sob o artigo ...»), sob o número 41 («Para o efeito, colocaram um portão que dista a cerca de 27 mts do início do caminho do lado da rua ... e a cerca de 13 mts do limite do seu prédio rústico inscrito sob o artigo ...»), sob o número 42 («O portão ocupa toda a largura do caminho: de um lado, a coluna de sustentação lateral do portão foi colocada encostada ao muro divisório do prédio urbano inscrito sob o artigo ...; do outro lado, a coluna de sustentação lateral foi colocada sobre o muro divisório de pedra sobreposta do prédio rústico identificado em 1-»), sob o número 43 («Tendo os Réus, para tanto, retirado algumas pedras desse muro»), sob o número 45 («Na aludida quarta e quinta parte do caminho, em toda a extensão em que o mesmo confronta com o prédio inscrito na matriz rústica sob o artigo ..., os Réus destruíram parte do muro de pedra sobreposta dos 3.ºs Autores, retirando-lhe várias pedras») e sob o número 52 («Com as referidas condutas, os Réus provocaram nos 2.ºs e 3.ºs Autores, especialmente no que tange às obras e danos provocados nos seus muros divisórios, incómodo, mal-estar, nervosismo e ansiedade») ?

2.ª - Fez o Tribunal a quo uma errada interpretação e aplicação da lei (face nomeadamente ao sucesso da prévia impugnação da matéria de facto feita, mas também de forma independente dele), devendo ser alterada a decisão de mérito proferida (nomeadamente, considerando o caminho em causa nos autos como atalho ou atravessadouro) ?
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III - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

3.1. Decisão de Facto do Tribunal de 1.ª Instância
3.1.1. Factos Provados

Realizada a audiência de julgamento no Tribunal de 1.ª Instância, resultaram provados os seguintes factos:

1 - A aquisição do prédio rústico denominado Eirado …, composto de lavradio, sito no lugar ..., da união das freguesias de X e de Y, concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ..., da freguesia de X, encontra-se inscrita a favor de M. P. (aqui 2.ª co-Autora), por sucessão hereditária e partilha, através da AP. 1284 de 2013/09/04.

2 - Por escritura de partilha de A. R., outorgada em 21 de Agosto de 2013, no Cartório Notarial de J. C., sito na cidade de Barcelos, foi adjudicado à 2.ª co-Autora (M. P.) o prédio identificado em 1-.

3 - Há mais de 15, 20 anos que os 2.ºs co-Autores (M. P. e marido, A. L.), por si e seus antepossuidores, se têm mantido na posse ininterrupta do mencionado prédio e dele se arrogam proprietários, à vista de todas as pessoas, explorando-o e fazendo seus os respectivos proventos, designadamente, arando-o, semeando-o, cultivando-o, plantando árvores e colhendo os frutos nele produzidos, bem como suportando os concernentes encargos, como seja os fiscais, sem oposição de quem quer que seja e com a convicção de que não lesam direitos de outrem.

4 - O referido prédio confronta a norte com o prédio de A. M. e mulher, R. B., e A. C. e mulher, M. R. (aqui Réus) inscrito na matriz sob o artigo ....º, a sul com caminho, correspondente à Rua ..., a nascente com o caminho, correspondente ao caminho a que se alude nos itens 15- a 38-, e a poente com caminho correspondente à Rua ....

5 - Os muros divisórios do prédio no lado nascente, em que confina com o caminho a que se alude nos itens 15- a 38-, foram construídos, há mais de 15, 20 anos pelos antepossuidores dos 2.ºs co-Autores (A. L. e mulher, M. P.), dentro dos respectivos limites do prédio identificado em 1-, sendo que aqueles e estes deles sempre se arrogaram proprietários, à vista de todas as pessoas, fazendo as necessárias reparações e limpeza, sem oposição de quem quer que seja e com a convicção de que não lesavam direitos de outrem.

6 - A aquisição do prédio rústico composto de cultura, ramada e pinhal, sito em Olival ou ..., da união das freguesias de X e de Y, concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ..., da freguesia de X, encontra-se inscrita a favor de J. G. (aqui 3.º co-Autor) através da Ap. 579 de 2014/08/14.

7 - Tal prédio adveio à propriedade e posse dos 3.ºs co-Autores (J. G. e mulher, L. J.), por compra e venda, celebrada com D. P., contribuinte ………, e mulher M. C., contribuinte ………, em 14 de Agosto de 2014, na Conservatória do Registo Predial de ….

8 - Há mais de 15, 20 anos que os 3.ºs co-Autores (J. G. e mulher, L. J.), por si e seus antepossuidores, se têm mantido na posse ininterrupta do mencionado prédio e dele se arrogam proprietários, à vista de todas as pessoas, explorando-o e fazendo seus os respectivos proventos, designadamente, arando-o, semeando-o, cultivando-o, plantando árvores e colhendo os frutos nele produzidos, bem como suportando os concernentes encargos, como seja os fiscais, sem oposição de quem quer que seja e com a convicção de que não lesam direitos de outrem.

9 - O referido prédio confronta a norte com caminho, correspondente ao caminho a que se alude nos itens 15- a 38-, a sul com caminho, correspondente à Rua ..., a nascente com A. O. e a poente com o 2.º co-Autor (A. L.) (o qual sucedeu, em 2005, a Manuel).

10 - Os muros divisórios do prédio de pedra sobreposta no lado norte, em que confina com o aludido caminho (descrito nos itens 15- a 38-), com uma extensão de cerca de 77 metros, foram construídos, há mais de 15, 20 anos, pelos antepossuidores dos 3.ºs co-Autores (J. G. e mulher, L. J.), dentro dos respectivos limites de propriedade, sendo que aqueles e estes deles sempre se arrogaram proprietários, à vista de todas as pessoas, fazendo as necessárias reparações e limpeza, sem oposição de quem quer que seja e com a convicção de que não lesavam direitos de outrem.

11 - A aquisição do prédio rústico denominado ..., composto de cultura e ramada, sito em ..., da união das freguesias de X e de Y, concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ..., da freguesia de X, encontra-se inscrito a favor de R. B. (aqui 1.ª co-Ré), através da Ap. 35 de 2018/02/09.

12 - O usufruto sobre o prédio identificado em 11- está inscrito a favor de A. C. (aqui 2.º co-Réu), através da Ap. 35 de 2018/02/09.

13 - Por escritura de doação, outorgada em 17 de Janeiro de 2018, no Cartório Notarial de P. C., sito em Barcelos, os 2.ºs co-Réus (A. C. e mulher, M. R.) declararam doar à 1.ª co-Ré (R. B.) o prédio identificado em 11-, reservando para si o direito de usufruto.

14 - O prédio referido em 11- confronta a norte com caminho, a sul e poente com caminho, correspondente ao caminho descrito nos itens 15- a 38-, e a nascente com G. S..

15 - Desde tempos remotos, que ultrapassam a memória dos vivos, existe na freguesia de X (actual união das freguesias de X e de Y), concelho ..., um caminho em terra batida que faz a ligação pedonal do lugar ... ao lugar da ....

16 - No sentido de marcha do lugar ... para o lugar da ..., o caminho tem início na Rua ... e termina na Travessa da ..., a qual segue para a Rua da ....

17 - O caminho referido assume a configuração que se encontra representada no levantamento topográfico de fls. 50 dos autos (que aqui se dá por integralmente reproduzido).

18 - Em toda a sua extensão, o caminho está implantado sempre entre estremas de prédios, sem que o seu leito faça parte de qualquer um desses prédios.

19 - No aludido sentido de marcha do lugar ... para o lugar da ..., o caminho confina, pelo seu lado direito, com os seguintes prédios:

i. Prédio inscrito na matriz urbana da união de freguesias de X e de Y, a favor de AL., sob o artigo ....º;
ii. Prédio inscrito na matriz rústica da união de freguesias de X e de Y, a favor de M. L., sob o artigo ....º;
iii. Prédio inscrito na matriz urbana da união de freguesias de X e de Y, a favor do 2.º co-Autor (A. L.), sob o artigo ...º;
iv. Prédio inscrito na matriz rústica da união de freguesias de X e de Y, a favor do 3.º co-Autor (J. G.), sob o artigo ....º.

20 - Pelo seu lado esquerdo, naquele sentido de marcha, o caminho confina com os seguintes prédios:
i. Prédio inscrito na matriz rústica da união de freguesias de X e de Y, a favor da 2.ª co-Autora (M. P.), sob o artigo 1977.º;
ii. Prédio inscrito na matriz rústica da União de Freguesias de X e Y, a favor dos Réus, sob o artigo ....º.

21 - O caminho tem uma extensão de cerca de 158 metros, e uma largura média de cerca de 80 centímetros.

22 - Aquando da reconstrução da moradia edificada no prédio urbano inscrito sob o artigo ....º, foi cedida ao domínio público uma faixa de terreno, passando o caminho, em toda a área que confina com o prédio rústico inscrito sob o artigo ….º, ao longo de cerca de 40 metros de comprimento, a ter uma largura de média de 3,5 metros.

23 - Assim, no referido sentido de marcha do lugar ... para o lugar da ..., a primeira parte do caminho, orientada para Nor-Nordeste, com cerca de 40 metros de comprimento, é delimitada, do lado direito, pelo muro divisório do prédio urbano inscrito sob o artigo ....º, e do lado esquerdo, pelos muros divisórios de pedra sobreposta e pelas paredes dos anexos do prédio rústico dos 2.ºs co-Autores (A. L. e mulher, M. P.), inscrito sob o artigo ….º.

24 - A segunda parte do caminho, orientada mais para Nordeste, numa extensão de cerca de 27 metros, do lado direito, continua a ser delimitada pelo muro divisório do prédio urbano inscrito sob o artigo ....º e por parte do muro divisório do prédio rústico inscrito sob o artigo ....º, sendo que, do lado esquerdo, confinando com o prédio rústico dos Réus (A. M. e mulher, R. B., e A. C. e mulher, M. R.) inscrito sob o artigo ...º, não existe qualquer limite físico.

25 - A terceira parte do caminho, fazendo uma inflexão para Su-Sudeste, numa extensão também de cerca de 27 metros, prossegue delimitada, no lado direito, pelo muro divisório do prédio rústico inscrito sob o artigo ....º e pelo muro divisório do prédio urbano inscrito sob o artigo ...º, já pelo lado esquerdo, é delimitada pelos esteios da vinha do prédio rústico dos Réus (A. M. e mulher, R. B., e A. C. e mulher, M. R.) inscrito sob o artigo ….º.

26 - A quarta parte do caminho, regressando à orientação nordeste, numa extensão de cerca de 29 metros, é delimitada, do lado direito, por um muro de pedra sobreposta que se estende por cerca de 37 metros, com aproximadamente meio metro de altura, pertencente ao prédio rústico inscrito sob o artigo ....º e, do lado esquerdo, pela continuação dos esteios da vinha do prédio rústico dos Réus (A. M. e mulher, R. B., e A. C. e mulher, M. R.) inscrito sob o artigo ....º.

27 - A quinta e última parte do caminho, seguindo a orientação nordeste, numa extensão de cerca de 35 metros, é delimitada, do lado direito, nos primeiros 8 metros, pelo referido muro de pedra sobreposta, com cerca de meio metro de altura, pertencente ao prédio rústico inscrito sob o artigo ....º, seguindo até ao final sem qualquer limite físico, e, do lado esquerdo, por um muro em esteios juntos e colocados ao alto, com cerca de um metro e meio de altura, do prédio rústico dos Réus (A. M. e mulher, R. B., e A. C. e mulher, M. R.) inscrito sob o artigo ....º.

28 - O caminho encontra-se trilhado, em terra batida, sem vegetação.

29 - Desde tempos imemoriais que sempre pelo caminho passaram, livremente, quaisquer pessoas, a pé, de bicicleta e mesmo de motorizada, e com animais.

30 - O referido ocorreu sem que alguém se tivesse oposto à passagem de quem quer que fosse, ou sem que quem quer que fosse tivesse que pedir autorização de passagem a alguém.

31 - O caminho sempre esteve afecto à circulação, e ao uso directo da população em geral.

32 - Inclusive, o caminho era utilizado no percurso da visita pascal.

33 - Por volta dos anos 80, foi colocado um poste de iluminação pública no leito do caminho, a uma distância de cerca de 30 metros contados da travessa da ....

34 - O caminho sempre foi utilizado pela população local, especialmente, pelas pessoas que residiam no lugar da ..., pois constitui um atalho directo ao largo do centro da freguesia, onde se encontra a sede da Junta de Freguesia, o posto médico, o centro paroquial, a igreja e a paragem de autocarro.

35 - O caminho é, também, a ligação pedonal mais próxima ao minimercado e ao café da freguesia, bem como à escola básica e ao cemitério.

36 - Além disso, o caminho é a ligação pedonal mais próxima à Associação Social Cultural e Recreativa de X, IPSS, a qual tem as valências de Lar, Centro de Dia e Apoio Domiciliário, desenvolvendo actividades sociais e desportivas para a população em geral.

37 - De igual forma, também as pessoas que residem no lugar ... sempre utilizaram o caminho para acederem aos seus terrenos do lugar da ... e para aí visitarem familiares e amigos.

38 - Tendo o caminho cerca de 158 metros, é essa a extensão necessária para chegar do centro do lugar da ... ao largo do centro da freguesia, e vice-versa.

39 - Porém, se o mesmo percurso for feito pela estrada, no trajecto que passa pela Rua da ..., Rua ... e a Rua ..., a extensão é de cerca 550 metros; e no trajecto que passa pela Rua da ... e a Rua ..., a extensão é de cerca 450 metros.

40 - Entre os finais de Julho de 2017 e os finais de Setembro de 2017, os Réus (A. M. e mulher, R. B., e A. C. e mulher, M. R.) procederam à vedação do aludido caminho, obstruindo a sua passagem.

41- Para o efeito, os Réus (A. M. e mulher, R. B., e A. C. e mulher, M. R.) colocaram um portão, que dista a cerca de 27 metros do início do caminho do lado da Rua ... e a cerca de 13 metros do limite do seu prédio rústico inscrito sob o artigo ....º.

42 - O portão ocupa toda a largura do caminho: de um lado, a coluna de sustentação lateral do portão foi colocada encostada ao muro divisório do prédio urbano inscrito sob o artigo ....º; do outro lado, a coluna de sustentação lateral foi colocada sobre o muro divisório de pedra sobreposta do prédio rústico identificado em 1-.

43 - Para tanto, os Réus (A. M. e mulher, R. B., e A. C. e mulher, M. R.) retiraram algumas pedras desse muro.

44 - Em algumas partes do caminho - designadamente, junto ao lugar em que o prédio inscrito na matriz urbana sob o artigo ...º confronta com o prédio inscrito na matriz rústica sob o artigo ....º -, os Réus (A. M. e mulher, R. B., e A. C. e mulher, M. R.) colocaram no leito do caminho ferros e rede plástica.

45 - Na aludida quarta e quinta parte do caminho, em toda a extensão em que o mesmo confronta com o prédio inscrito na matriz rústica sob o artigo ....º, os Réus (A. M. e mulher, R. B., e A. C. e mulher, M. R.) destruíram parte do muro de pedra sobreposta dos 3.ºs co-Autores (J. G. e mulher, L. J.), retirando-lhe várias pedras.

46 - No local do muro dos 3.ºs co-Autores (J. G. e mulher, L. J.) e até ao final do caminho, os Réus (A. M. e mulher, R. B., e A. C. e mulher, M. R.) colocaram vários esteios, que taparam e uniram com rede de arame, formando um caminho vedado dos dois lados.

47 - No final desse troço vedado, do lado da travessa da ..., entre o muro divisório do seu prédio inscrito na matriz rústica sob o artigo ....º e os referidos esteios ligados por rede de arame, os Réus (A. M. e mulher, R. B., e A. C. e mulher, M. R.) colocaram um outro portão.

48 - Os Réus (A. M. e mulher, R. B., e A. C. e mulher, M. R.) impediram, desta forma, o acesso ao caminho, quer a quem se apresente do lado da travessa da ..., quer quem se apresente pelo lado da Rua ....

49 - Os Réus (A. M. e mulher, R. B., e A. C. e mulher, M. R.) também cortaram a linha eléctrica de alimentação à iluminação pública que se encontrava no leito do caminho; e retiraram-lhe o próprio candeeiro, deixando apenas ficar o poste de suporte.

50 - Os Réus (A. M. e mulher, R. B., e A. C. e mulher, M. R.), por requerimento n.º 2017E0033439996 - a que deram entrada já depois de 11 de Outubro de 2017 - alteraram no Serviço de Finanças as confrontações do seu prédio inscrito na matriz rústica sob o artigo ....º, para o seguinte: norte - G. S.; sul - Herdeiros de M. M.; nascente – J. S.; e poente - caminho.

51 - Além disso, os Réus (A. M. e mulher, R. B., e A. C. e mulher, M. R.), através da Apresentação 261 de 15.11.2017, por averbamento daquela alteração da matriz do prédio inscrito sob o artigo ....º (a que corresponde o actual artigo ....º), fizeram, na Conservatória do Registo Predial ..., as aludidas alterações de confrontações do seu prédio que aí se encontra descrito sob o n.º ... da freguesia de X.

52 - Com as referidas condutas, os Réus (A. M. e mulher, R. B., e A. C. e mulher, M. R.) provocaram nos 2.ºs co-Autores (A. L. e mulher, M. P.) e nos 3.ºs co-Autores (J. G. e mulher, L. J.) - especialmente no que tange às obras e danos provocados nos seus muros divisórios - incómodo, mal-estar, nervosismo e ansiedade.
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3.1.2. Factos não provados

O Tribunal de 1.ª Instância considerou como não provados os seguintes factos:

53 - Os 3.ºs Autores (J. G. e mulher, L. J.) foram acometidos de desgosto, perturbando-lhe o sono por várias noites.

54 - No lugar ..., existem os únicos café e minimercado da freguesia.
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3.2. Modificabilidade da decisão de facto - Erro de julgamento
3.2.1. Incorrecta apreciação da prova legal - Poder (oficioso) do Tribunal da Relação

Lê-se no art. 607.º, n.º 5 do CPC que o «juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto», de forma consentânea com o disposto no CC, nos seus art. 389.º (para a prova pericial), art. 391.º (para a prova por inspecção) e art. 396.º (para a prova testemunhal).
Contudo, a «livre apreciação não abrange os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, nem aqueles que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes» (II parte, do n.º 5, do art. 607.º do CPC).

Mais se lê, no art. 662.º, n.º 1 do CPC, que a «Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa».
Logo, quando os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa, insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas, a dita modificação da matéria de facto - que a ela conduza - constitui um dever do Tribunal de Recurso, e não uma faculdade do mesmo (o que, de algum modo, também já se retiraria do art. 607.º, n.º 4 do CPC, aqui aplicável ex vi do art. 663.º, n.º 2 do mesmo diploma).
Estarão, nomeadamente, aqui em causa, situações de aplicação de regras vinculativas extraídas do direito probatório material (regulado, grosso modo, no CC), onde se inserem as regras relativas ao ónus de prova, à admissibilidade dos meios de prova, e à força probatória de cada um deles, sendo que qualquer um destes aspectos não respeita apenas às provas a produzir em juízo.
Quando tais normas sejam ignoradas (deixadas de aplicar), ou violadas (mal aplicadas), pelo Tribunal a quo, deverá o Tribunal da Relação, em sede de recurso, sanar esse vício; e de forma oficiosa. Será, nomeadamente, o caso em que, para prova de determinado facto tenha sido apresentado documento autêntico - com força probatória plena - cuja falsidade não tenha sido suscitada (arts. 371.º, n.º 1 e 376.º, n.º 1, ambos do CC), ou quando exista acordo das partes (art. 574.º, n.º 2 do CPC), ou quando tenha ocorrido confissão relevante cuja força vinculada tenha sido desrespeitada (art. 358.º do CC, e arts. 484.º, n.º 1 e 463.º, ambos do CPC), ou quando tenha sido considerado provado certo facto com base em meio de prova legalmente insuficiente (vg. presunção judicial ou depoimentos de testemunhas, nos termos dos arts. 351.º e 393.º, ambos do CC).
Ao fazê-lo, tanto poderá afirmar novos factos, como desconsiderar outros (que antes tinham sido afirmados).
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3.2.2. Incorrecta livre apreciação da prova
3.2.2.1. Âmbito da sindicância (provocada) do Tribunal da Relação

Lê-se no n.º 2, als. a) e b), do art. 662.º citado, que a «Relação deve ainda, mesmo oficiosamente»: «Ordenar a renovação da produção da prova quando houver dúvidas sérias sobre a credibilidade de depoente ou sobre o sentido do seu depoimento» (al. a); «Ordenar, em caso de dúvida fundada sobre a prova realizada, a produção de novos meios de prova» (al. b)».
«O actual art. 662.º representa uma clara evolução [face ao art. 712.º do anterior CPC] no sentido que já antes se anunciava. Através dos n.ºs 1 e 2, als. a) e b), fica claro que a Relação tem autonomia decisória, competindo-lhe formar e fundar a sua própria convicção, mediante a reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes ou daqueles que se mostrem acessíveis.
(…) Afinal, nestes casos, as circunstâncias em que se inscreve a sua actuação são praticamente idênticas às que existiam quando o tribunal de 1ª instância proferiu a decisão impugnada, apenas cedendo nos factores de imediação e da oralidade. Fazendo incidir sobre tais meios probatórios os deveres e os poderes legalmente consagrados e que designadamente emanam dos princípios da livre apreciação (art. 607.º, n.º 5) ou da aquisição processual (art. 413.º), deve reponderar a questão de facto em discussão e expressar de modo autónomo o seu resultado: confirmar a decisão, decidir em sentido oposto ou, num plano intermédio, alterar a decisão num sentido restritivo ou explicativo» (António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2013, págs. 225-227).
É precisamente esta forma de proceder da Relação (apreciando as provas, atendendo a quaisquer elementos probatórios, e indo à procura da sua própria convicção), que assegura a efectiva sindicância da matéria de facto julgada, assim se assegurando o duplo grau de jurisdição relativamente à matéria de facto em crise (conforme Ac. do STJ, de 24.09.2013, Azevedo Ramos, comentado por Teixeira de Sousa, Cadernos de Direito Privado, n.º 44, pág. 29 e ss.).
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3.2.2.2. Modo de operar o duplo grau de jurisdição - Ónus de impugnação

Contudo, reconhecendo o legislador que a garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto «nunca poderá envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida em audiência», mas, tão-somente, «detectar e corrigir pontuais, concretos e seguramente excepcionais erros de julgamento» (preâmbulo do DL 329-A/95, de 12 de Dezembro), procurou inviabilizar a possibilidade de o recorrente se limitar a uma genérica discordância com o decidido, quiçá com intuitos meramente dilatórios.
Com efeito, e desta feita, «à Relação não é exigido que, de motu próprio, se confronte com a generalidade dos meios de prova que estão sujeitos à livre apreciação e que, ao abrigo desse princípio, foram valorados pelo tribunal de 1ª instância, para deles extrair, como se se tratasse de um novo julgamento, uma decisão inteiramente nova. Pelo contrário, as modificações a operar devem respeitar em primeiro lugar o que o recorrente, no exercício do seu direito de impugnação da decisão de facto, indicou nas respectivas alegações que servem para delimitar o objecto do recurso», conforme o determina o princípio do dispositivo (António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2013, pág. 228, com bold apócrifo).
Lê-se, assim, no art. 640.º, n.º 1 do CPC que, quando «seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnada diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas».
Precisa-se ainda que, quando «os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados», acresce àquele ónus do recorrente, «sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes» (al. a), do n.º 2, do art. 640.º citado).
Logo, deve o recorrente, sob cominação de rejeição do recurso, para além de delimitar com toda a precisão os concretos pontos da decisão que pretende questionar, deixar expressa a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, como corolário da motivação apresentada; e esta última exigência (contida na al. c), do n.º 1, do art. 640.º citado), «vem na linha do reforço do ónus de alegação, por forma a obviar a interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente», devendo ser apreciada à luz de um critério de rigor (1) enquanto «decorrência do princípio da auto-responsabilidade das partes», «impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo» (António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2013, pág. 129, com bold apócrifo).
Dir-se-á mesmo que as exigências legais referidas têm uma dupla função: não só a de delimitar o âmbito do recurso, mas também a de conferir efectividade ao uso do contraditório pela parte contrária (pois só na medida em que se sabe especificamente o que se impugna, e qual a lógica de raciocínio expendido na valoração/conjugação deste ou daquele meio de prova, é que se habilita a contraparte a poder contrariá-lo).
Por outras palavras, se o dever - constitucional (art. 205.º, n.º 1 da CRP) e processual civil (arts.154.º e 607.º, n.ºs 3 e 4, do CPC) - impõe ao juiz que fundamente a sua decisão de facto, por meio de uma análise crítica da prova produzida perante si, compreende-se que se imponha ao recorrente que, ao impugná-la, apresente a sua própria. Logo, deverá apresentar «um discurso argumentativo onde, em primeiro lugar, alinhe as provas, identificando-as, ou seja, localizando-as no processo e tratando-se de depoimentos a respectiva passagem e, em segundo lugar, produza uma análise crítica relativa a essas provas, mostrando minimamente por que razão se “impunha” a formação de uma convicção no sentido pretendido» por si (Ac. da RP, de 17.03.2014, Alberto Ruço, Processo n.º 3785/11.5TBVFR.P1, in www.dgsi.pt, como todos os demais citados sem indicação de origem).
Com efeito, «livre apreciação da prova» não corresponde a «arbitrária apreciação da prova». Deste modo, o Juiz deverá objectivar e exteriorizar o modo como a sua convicção se formou, impondo-se a «identificação precisa dos meios probatórios concretos em que se alicerçou a convicção do Julgador», e ainda «a menção das razões justificativas da opção pelo Julgador entre os meios de prova de sinal oposto relativos ao mesmo facto» (Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2.ª edição, Coimbra Editora, Limitada, 1985, pág. 655).
«É assim que o juiz [de 1ª Instância] explicará por que motivo deu mais crédito a uma testemunha do que a outra, por que motivo deu prevalência a um laudo pericial em detrimento de outro, por que motivo o depoimento de certa testemunha tecnicamente qualificada levou à desconsideração de um relatório pericial ou por que motivo não deu como provado certo facto apesar de o mesmo ser referido em vários depoimentos. E é ainda assim por referência a certo depoimento e a propósito do crédito que merece (ou não), o juiz aludirá ao modo como o depoente se comportou em audiência, como reagiu às questões colocadas, às hesitações que não teve (teve), a naturalidade e tranquilidade que teve (ou não)» (Paulo Pimenta, Processo Civil Declarativo, Almedina, 2014, pág. 325).
«Destarte, o Tribunal ao expressar a sua convicção, deve indicar os fundamentos suficientes que a determinaram, para que através das regras da lógica e da experiência se possa controlar a razoabilidade daquela convicção sobre o julgamento dos factos provados e não provados, permitindo aferir das razões que motivaram o julgador a concluir num sentido ou noutro (provado, não provado, provado apenas…, provado com o esclarecimento de que…), de modo a possibilitar a reapreciação da respectiva decisão da matéria de facto pelo Tribunal de 2ª Instância» (Ana Luísa Geraldes, «Impugnação e reapreciação da decisão sobre a matéria de facto», Estudos em Homenagem ao Prof. Dr. Lebre de Freitas, Vol. I, Coimbra Editora, 2013, pág. 591, com bold apócrifo).
Dir-se-á mesmo que, este esforço exigido ao Juiz de fundamentação e de análise crítica da prova produzida «exerce a dupla função de facilitar o reexame da causa pelo Tribunal Superior e de reforçar o autocontrolo do julgador, sendo um elemento fundamental na transparência da justiça, inerente ao acto jurisdicional» (José Lebre de Freitas, A Acção Declarativa Comum à Luz do Código de Processo Civil de 2013, 3.ª edição, Coimbra Editora, Setembro de 2013, pág. 281).
É, pois, irrecusável e imperativo que, «tal como se impõe que o tribunal faça a análise crítica das provas (de todas as que se tenham revelado decisivas)… também o Recorrente ao enunciar os concreto meios de prova que devem conduzir a uma decisão diversa deve seguir semelhante metodologia», não bastando nomeadamente para o efeito «reproduzir um ou outro segmento descontextualizado dos depoimentos» (Ana Luísa Geraldes, «Impugnação e reapreciação da decisão sobre a matéria de facto», Estudos em Homenagem ao Prof. Dr. Lebre de Freitas, Volume I, Coimbra Editora, 2013, pág. 595, com bold apócrifo).
Compreende-se que assim seja, isto é, que a «censura quanto à forma de formação da convicção do Tribunal não» possa «assentar de forma simplista no ataque da fase final da formação dessa convicção, isto é, na valoração da prova; tal censura terá de assentar na violação de qualquer dos passos para a formação de tal convicção, designadamente porque não existem os dados objectivos que se apontam na motivação ou porque se violaram os princípios para a aquisição desses dados objectivos ou porque não houve liberdade na formação da convicção.
Doutra forma, seria uma inversão da posição dos personagens do processo, como seja a de substituir a convicção de quem tem de julgar, pela convicção dos que esperam a decisão» (Ac. do TC n.º 198/2004, de 24 de Março de 2004, publicado no DR, II Série, de 02.06.2004, reproduzindo Ac. da RC, sem outra identificação).

Concluindo, o âmbito da apreciação do Tribunal da Relação, nesta mesma sede, deverá estabelecer-se de acordo com os seguintes parâmetros: só tem que se pronunciar sobre a matéria de facto impugnada pelo Recorrente; sobre essa matéria de facto impugnada, tem que realizar um novo julgamento; e nesse novo julgamento forma a sua convicção de uma forma autónoma, mediante a reapreciação de todos os elementos probatórios que se mostrem acessíveis (e não só os indicados pelas partes).
Contudo (e tal como se referiu supra), mantendo-se em vigor os princípios da imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova, e guiando-se o julgamento humano por padrões de probabilidade e não de certeza absoluta -, precisa-se ainda que o uso, pela Relação, dos poderes de alteração da decisão da 1.ª Instância sobre a matéria de facto só deve ser usado quando seja possível, com a necessária segurança, concluir pela existência de erro de apreciação relativamente a concretos pontos de facto impugnados.
Por outras palavras, a alteração da matéria de facto só deve ser efectuada pelo Tribunal da Relação quando o mesmo, depois de proceder à audição efectiva da prova gravada, conclua, com a necessária segurança, no sentido de que os depoimentos prestados em audiência, conjugados com a restante prova produzida, apontam em direcção diversa, e delimitam uma conclusão diferente daquela que vingou na 1.ª Instância. «Em caso de dúvida, face a depoimentos contraditórios entre si e à fragilidade da prova produzida, deverá prevalecer a decisão proferida pela primeira Instância em observância aos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova, com a consequente improcedência do recurso nesta parte» (Ana Luísa Geraldes, «Impugnação e reapreciação da decisão sobre a matéria de facto», Estudos em Homenagem ao Prof. Dr. Lebre de Freitas, Volume I, Coimbra Editora, pág. 609).
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3.2.2.3. Caso concreto
Concretizando, e tendo em conta o teor do Acórdão do STJ proferido nos autos (2), os Recorrentes (A. M. e mulher, R. B., e A. C. e mulher, M. R.) cumpriram minimamente o ónus de impugnação que lhes estava cometido pelo art. 640.º, n.º 1 do CPC (conclusão distinta de saber se existe fundamento para a pretendida alteração dos factos julgados como provados).

Com efeito, os Recorrentes (Réus) indicaram, no seu recurso: os concretos pontos de facto que consideram incorrectamente julgados (os factos provados enunciados na sentença recorrida sob os números 4, 5, 9, 10, 14, 18, 19, 20, 22, 23, 24, 25, 26, 41, 42, 43, 45 e 52); os concretos meios probatórios que imporiam decisão diferente (uma diferente ponderação de parte da prova pessoal produzida em sede de audiência de julgamento, nomeadamente dos depoimentos prestados pelas testemunhas M. P., A. P. e D. L.); as exactas passagens da gravação dos depoimentos seleccionados para fundarem a sua sindicância, que inclusivamente transcreveram; e a decisão que, no seu entender, se impunha (o darem-se como não demonstrados os factos provados enunciados na sentença recorrida sob os números 4, 5, 9, 10, 14, 18, 19, 20, 22, 23, 24, 25, 26, 41, 42, 43, 45 e 52).

Já relativamente ao juízo crítico próprio dos Recorrentes (Réus), assentou o mesmo na reclamação de uma diferente valoração a fazer dos três depoimentos que seleccionaram como base para a sua sindicância.
Recorda-se, a propósito, que os arts. 640.º, n.º 1, al. b), e 662.º, n.º 1, do CPC afirmam inequivocamente que a matéria de facto previamente julgada deverá ser alterada quando a prova produzida imponha decisão diversa da recorrida, e não apenas quando a admita, permita ou consinta. Ora, para esse efeito, o recorrente terá que ter contrariar a apreciação crítica da prova realizada pelo Tribunal a quo, demonstrando e justificando por que razão as regras da lógica e da experiência por ele seguidas não se mostrariam razoáveis no caso concreto, conduzindo a um resultado inadmissível, por não sufragado por elas.
Por outras palavras, admitindo-se necessariamente que o Tribunal a quo ouviu integralmente os três depoimentos escolhidos, certo é que fez dos mesmos uma outra valoração, ajuizando todo o seu conjunto face à demais prova produzida e às regras da experiência. Assim, pretendendo o recorrente sindicar este juízo, importará que indique as razões objectivas pelas quais entende que à prova que seleccionou (já antes vista e apreciada pelo Tribunal a quo) deveria ter sido dada outra relevância, o que a simples reiteração do seu conteúdo, e a reclamação conclusiva da respectiva suficiência, é claramente inidónea para este efeito.
Contudo, e salvo o devido respeito por opinião contrária, no caso dos autos os Réus (A. M. e mulher, R. B., e A. C. e mulher, M. R.) não o fizeram correcta e completamente, limitando-se na generalidade da sua sindicância a reiterar (subjectiva, genérica e conclusivamente) a suficiência da limitada prova por si eleita para sufragar a respectiva tese.
Recorda-se, porém, que vem a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça a defender que a menor suficiência da fundamentação probatória do recorrente não releva como requisito formal do ónus de impugnação, mas, quando muito, como parâmetro da reapreciação da decisão de facto, na valoração das provas, exigindo maior ou menor grau de fundamentação, por parte do tribunal de recurso, consoante a densidade ou consistência daquela fundamentação (conforme Ac. do STJ, de 19.02.2015, Tomé Gomes, Processo n.º 299/05.6TBMGD.P2.S1).
Está, assim, este Tribunal da Relação em condições de poder proceder, nos termos autorizados pelo art. 640.º do CPC, à reapreciação da matéria de facto pretendida pelos Réus (A. M. e mulher, R. B., e A. C. e mulher, M. R.), aqui recorrentes.
*

3.3. Modificabilidade da decisão de facto - Caso concreto

3.3.1. Traçado e confrontações do caminho

Vieram os Recorrentes (A. M. e mulher, R. B., e A. C. e mulher, M. R.) defender que a prova produzida não permitia que se desse como provados, quer o concreto traçado/desenho do caminho, quer as suas concretas confrontações e respectiva natureza.
Esta factualidade encontra-se vertida nos factos provados enunciados na sentença recorrida sob o número 4 («O referido prédio confronta a norte com o prédio dos Réus inscrito na matriz sob o artigo ..., a sul com caminho, correspondente à rua ..., a nascente com o caminho, correspondente ao caminho a que se alude nos itens 15- a 38-, e a poente com caminho correspondente à Rua ...»), sob o número 5 («Os muros divisórios do prédio no lado nascente, em que confina com o caminho a que se alude nos itens 15- a 38-, foram construídos, há mais de 15, 20 anos pelos antepossuidores dos 2.ºs Autores, dentro dos respectivos limites do prédio identificado em 1-, sendo que aqueles e estes deles sempre se arrogaram proprietários, à vista de todas as pessoas, fazendo as necessárias reparações e limpeza, sem oposição de quem quer que seja e com a convicção de que não lesavam direitos de outrem»), sob o número 9 («O referido prédio confronta a norte com caminho, correspondente ao caminho a que se alude nos itens 15- a 38-, a sul com caminho, correspondente à rua ..., a nascente com A. O. e a poente com o 2.º Autor A. L. (o qual sucedeu em 2005 a Manuel)»), sob o número 10 («Os muros divisórios do prédio de pedra sobreposta no lado norte, em que confina com o aludido caminho (descrito nos itens 15- a 38-), com uma extensão de cerca de 77 metros, foram construídos, há mais de 15, 20 anos, pelos antepossuidores dos 3.ºs Autores, dentro dos respectivos limites de propriedade, sendo que aqueles e estes deles sempre se arrogaram proprietários, à vista de todas as pessoas, fazendo as necessárias reparações e limpeza, sem oposição de quem quer que seja e com a convicção de que não lesavam direitos de outrem»), sob o número 14 («O prédio referido em 11- confronta a norte com caminho, a sul e poente com caminho, correspondente ao caminho descrito nos itens 15- a 38-, e a nascente com G. S.»), sob o número 18 («Em toda a sua extensão, o caminho está implantado sempre entre estremas de prédios, sem que o seu leito faça parte de qualquer um desses prédios»), sob o número 19 («No aludido sentido de marcha do lugar ... para o lugar da ..., o caminho confina, pelo seu lado direito, com os seguintes prédios: i) Prédio inscrito na matriz urbana da União de Freguesias de X e Y, a favor de AL., sob o artigo ...; ii) Prédio inscrito na matriz rústica da União de Freguesias de X e Y, a favor de M. L., sob o artigo ...; iii) Prédio inscrito na matriz urbana da União de Freguesias de X e Y, a favor do 2.º Autor A. L., sob o artigo ...; iv) Prédio inscrito na matriz rústica da União de Freguesias de X e Y, a favor do 3.º Autor J. G., sob o artigo ...»), sob o número 20 («E, pelo seu lado esquerdo, naquele sentido de marcha, o caminho confina com os seguintes prédios: i) Prédio inscrito na matriz rústica da União de Freguesias de X e Y, a favor da 2.ª Autora M. P., sob o artigo ...; ii) Prédio inscrito na matriz rústica da União de Freguesias de X e Y, a favor dos Réus, sob o artigo ...»), sob o número 22 («Porém, aquando da reconstrução da moradia edificada no prédio urbano inscrito sob o artigo ..., foi cedida ao domínio público uma faixa de terreno, passando o caminho, em toda a área que confina com o prédio rústico inscrito sob o artigo ..., ao longo de cerca de 40 mts de comprimento, a ter uma largura de média de 3,5 mts»), sob o número 23 («Assim, no referido sentido de marcha do lugar ... para o lugar da ..., a primeira parte do caminho, orientada para Nor-Nordeste, com cerca de 40 mts de comprimento, é delimitada, do lado direito, pelo muro divisório do prédio urbano inscrito sob o artigo ..., e do lado esquerdo, pelos muros divisórios de pedra sobreposta e pelas paredes dos anexos do prédio rústico dos 2.ºs Autores, inscrito sob o artigo ...»), sob o número 24 («A segunda parte do caminho, orientada mais para Nordeste, numa extensão de cerca de 27 mts, do lado direito, continua a ser delimitada pelo muro divisório do prédio urbano inscrito sob o artigo ... e por parte do muro divisório do prédio rústico inscrito sob o artigo ..., sendo que, do lado esquerdo, confinando com o prédio rústico dos Réus inscrito sob o artigo ..., não existe qualquer limite físico»), sob o número 25 («A terceira parte do caminho, fazendo uma inflexão para Su-Sudeste, numa extensão também de cerca de 27 mts, prossegue delimitada, no lado direito, pelo muro divisório do prédio rústico inscrito sob o artigo ... e pelo muro divisório do prédio urbano inscrito sob o artigo ..., já pelo lado esquerdo, é delimitada pelos esteios da vinha do prédio rústico dos Réus inscrito sob o artigo ...») e sob o número 26 («A quarta parte do caminho, regressando à orientação nordeste, numa extensão de cerca de 29 metros, é delimitada, do lado direito, por um muro de pedra sobreposta que se estende por cerca de 37 metros, com aproximadamente meio metro de altura, pertencente ao prédio rústico inscrito sob o artigo ... e, do lado esquerdo, pela continuação dos esteios da vinha do prédio rústico dos Réus inscrito sob o artigo ...»).
Invocaram para o efeito a suficiência dos depoimentos prestados pelas testemunhas que arrolaram para demonstrar o seu contrário, nomeadamente M. P. (sobrinho do 2.º Réu), A. P. (construtor de moradia existente no local) e D. L. (irmão do 2.º Réu).

Começa-se por considerar o juízo de prova vertido na sentença recorrida, para depois se aferir da bondade da sindicância que lhe foi feita pelos Recorrentes (Réus).

Assim, ponderou a mesma para este efeito (limitando-se a reprodução às partes relevantes e com bold apócrifo, aposto nos segmentos que se consideraram mais significativos, atento o objecto da sindicância):
«(…)
Para além do exposto, as partes, nos articulados, estavam ainda de acordo quanto à pertença dos muros divisórios indicados em 10- aos 3.ºs Autores (vd. artigo 34º, da contestação) (…).
Da nossa perspetiva, a prova produzida em julgamento superou quaisquer dúvidas sobre a existência do caminho, com a configuração do levantamento topográfico de fls. 50.
As testemunhas arroladas pelos Autores [M. A., costureira, moradora no local até aos 28 anos e ainda dele frequentadora (por o pai ali residir); J. B., morador próximo do local; A. O. e R. L., moradores no início do caminho (do lado do lugar da …); R. R., mãe da Autora M. P., antiga proprietária do prédio onde se situa o barracão, hoje da filha; D. P., vendedor do terreno aos 3.ºs Autores] tiveram depoimentos pormenorizados e a sua razão de ciência foi categórica, como se referirá.
Todas elas, de forma muito viva, próprio de quem viveu os factos na primeira pessoa, aludiram ao caminho, que caracterizaram como sendo uma faixa de terreno que ligava o lugar da ... (onde vivem as testemunhas A. O. e R. L.) ao lugar ..., onde estão concentrados os serviços e os equipamentos da freguesia (como, por exemplo, o posto médico, a igreja, a sede da junta, a paragem de autocarro e até o supermercado). Disseram que a faixa de terreno, situada na estrema dos prédios (como referido por J. B.) era estreita, mas dava para uma pessoa passar uma pela outra, tendo uns falado em 90 cm a 1 mts (M. A.), 1 mts (A. O.) e 80 cm a 90 cm (J. B.), exceto no que se reporta à sua parte inicial, do lado do lugar do ..., onde era mais largo, devido ao facto de o proprietário de um dos prédios ali situados (inscrito na matriz sob o artigo ...), AL., que se encontra emigrado nos Estados Unidos da América, quando construiu a sua moradia, pretendendo ter uma entrada mais larga, ter feito uma cedência à junta (conforme explicado pelas testemunhas M. A., J. B. e R. L.).
(…)
Não houve contraprova idónea a pôr em causa os depoimentos vindos de referir; ao invés, as testemunhas inquiridas da parte dos Réus vieram, em parte, dar-lhes consistência (ressalvando o depoimento de G. N.).
Por um lado, a testemunha M. P., sobrinho dos 3.ºs Réus, que se desloca aos fins de semana a X, disse que, até aos seus 18 anos, frequentava o local. Embora ali tendo vivido e conhecer o local pela sua experiência pessoal, atento o tempo decorrido, admitiu que, antes de vir depor a Tribunal, foi falar com pessoas mais velhas.
Dessa troca de perspetivas, disse que havia no local um ..., de cerca 50 a 60 cm, que era a passagem mais próxima de que as pessoas amiúde se serviam e o qual o próprio utilizou para fazer recados aos tios; que estava vincado e trilhado; e que era ladeado por muros (um, na entrada do lado direito; outro, de pedra sobre pedra, mais à frente).
Por outro lado, a testemunha D. L., que mora um pouco desviado do lugar ..., embora dizendo que o chão do caminho pertence ao seu irmão (o 3.º Réu marido), confirmou que ali existia um ..., que se entrava pelo lugar da ... e se saía no lugar de ..., de passagem a pé, por onde uma pessoa sozinha passava bem. Lembra-se de o ... estar sempre limpo, embora não sabendo quem o fazia, e que o Réu, quando cultivava o terreno, deixava o caminho livre.
Por outro lado ainda, a testemunha A. P., que foi o empreiteiro que construiu a casa do emigrante AL., apesar de, de modo confuso, procurando enfatizar o desuso do caminho e de ter dito que o chão pertencia aos 2.ºs Réus, admitiu que existiu um ..., mais utilizado para o acesso à escola.
Por fim, também as testemunhas G. M., morador a cerca de 1 km do local, e D. M., que há 10 anos mora na freguesia, referiram a existência de um ...: o primeiro disse que tinha bastante uso e era de cerca 0,50 cm, estando agora inutilizado, mas que, quanto trabalhou para o Réu A. C., nunca fresou o leito daquele; o segundo mencionou que, embora nunca tenha entrado no ..., a família falou-lhe dele.
Ou seja, também as testemunhas arroladas pelos Réus, retirando-lhe menor expressividade e, algumas delas, reportando-se à propriedade do chão do caminho ou careiro (atribuindo-a àqueles), admitiram a sua existência.
Acresce que a existência do caminho é revelada por elementos de natureza documental trazidos aos autos:
- Na Carta Militar de Portugal, datada de 1948, o caminho encontra-se representado como caminho de pé posto (vd. fls. 49 e respetiva legenda e ampliação de fls. 39);
- Nas fotografias de fls. 55/verso, 56, 56/verso, 57/verso, 58, 58/verso, 61/verso, 62 (estão a cores a fls. 107 e ss.);
- Na certidão matricial do artigo ... (que corresponde ao prédio dos 3.ºs Autores), a confrontação a norte e a sul é com caminho (cfr. fls. 25; vd. ainda fls. 24, quanto à correspondência com a matriz);
- Na certidão predial relativa ao prédio descrito sob o n.º ... (cuja aquisição está inscrita a favor dos 3.ºs Autores), a confrontação a norte e a sul é com caminho (cfr. fls. 24);
- Na escritura de justificação celebrada a 20.07.2000, os 2.ºs Réus descreveram o prédio inscrito sob o artigo ... (a essa data correspondente à inscrição matricial n.º ... – cfr. fls. 29/verso e 30, na parte referente à origem dos artigos) como confrontando, com exceção do nascente, com caminho.
É certo que, na (atual) certidão matricial relativa ao prédio n.º ... (que corresponde ao prédio descrito sob o n.º ..., inscrito a favor dos 2.ºs Réus), apenas a confrontação a poente é com caminho (cfr. fls. 28 e 30).
Todavia, a modificação que existiu nas confrontações a norte e a sul (que passaram a ser G. S. e Herdeiros de M. M., respetivamente) deveu-se a alteração efetuada pelos próprios (cfr. fls. 30, onde é identificado o requerimento que deu origem a essa retificação, e vd. artigo 39º, da contestação), pois que, antes disso, era com caminho (cfr. als. 50- e 51-, dos factos provados).
Ou seja, para além da prova testemunhal referida, a existência do caminho é também evidenciada por via documental, consoante vindo de referir.
(…)
A testemunha G. N., funcionária doméstica dos Réus, e a declarante de parte R. B. (1.ª Ré) prestaram depoimento e declarações, respetivamente, onde desdisseram sobre a existência do caminho. A sua inquirição pôs a nu as fragilidades das versões que apresentaram (negando o que evidente resultou, não só da audição das testemunhas que antes se referiram, mas, de igual modo, da própria posição assumida na contestação, e da qual acima se deu conta).
Na verdade, G. N., numa primeira fase, começou por negar a existência do caminho, passando depois a falar de um carreirinho, muitíssimo estreito (que exemplificou com as suas mãos, de maneira irrealista), afirmando que nunca viu ali ninguém passar. Por sua vez, a Ré R. B. falou num ... em terra batida, também muito estreito, de utilização quase nula.
Estes meios de prova foram contrariados pela restante prova adquirida, acima referida; a mais, o conteúdo intrínseco do depoimento e das declarações revelaram parcialidade (no caso, explicada, quanto a G. N., por força da proximidade da testemunha aos Réus, de quem é empregada; e, quanto à 1.ª Ré mulher, pela própria posição de parte).
A existência de um poste de iluminação pública no trajeto do caminho, que está documentado a fls. 115, é mais um elemento a conduzir à desconsideração desses depoimentos e declarações, porque denota a prossecução de uma utilidade pública.
Com efeito, a colocação do poste revela que houve a preocupação por parte da edilidade administrativa de iluminar o percurso dos utilizadores do caminho (como referido pela testemunha M. A.).
A dado passo, pressentiu-se, pela orientação da instância, que os Réus pretenderam ligar a decisão de implantação desse poste de eletricidade ao facto de o 3.º Réu marido ser, na data em que tal teve lugar, Presidente da junta de freguesia de X (suscitando-se a dúvida de poder haver nessa colocação o objetivo de se beneficiar pessoalmente).
Em primeiro lugar, o processo de decisão relativo à colocação do mencionado poste não foi objeto de qualquer aprofundamento em audiência de julgamento, não tendo as testemunhas sido inquiridas acerca das motivações que levaram a tanto (com exceção da referência de M. A., que disse que o 3.º Réu marido pretendia tornar a passagem mais fácil, porque naquela parte era monte).
Pelo que o que restou, nessa parte, são as regras da normalidade da vida democrática, de acordo com as quais a implantação de equipamentos públicos, por um lado, tem lugar em locais sujeitos a administração pública e, por outro lado, visa a satisfação de interesses, também públicos.
Sendo assim, considerando o depoimento das testemunhas arroladas pela Autora, considerando a ausência de contraprova relevante por parte dos Réus, considerando a implantação de um poste de iluminação pública no leito do caminho, considerando a representação gráfica da existência do caminho já na Carta Militar de 1944, considerando as confrontações existentes das certidões matriciais (apenas alteradas, quanto ao prédio titulado pelos Réus, por iniciativa destes em 2017), a denunciar que o caminho sempre se orientou pelas estremas, entendeu-se que foi realizada prova suficiente da existência do caminho, com a configuração do levantamento que consta de fls. 50.
O próprio comportamento dos Réus, colocando os portões a obstruir a passagem, é elemento do qual se deduz que, através dos mesmos, se visou contrariar uma prática anterior: é que, se não havia caminho ou se não havia trânsito, qual a necessidade de os Réus terem levado a cabo a obra, a alteração das confrontações na matriz e no registo predial e o corte da iluminação pública?
Quanto ao levantamento topográfico, é certo que foi efetuado antes da propositura da presente ação, não tendo havido, na sua realização, a contribuição contraditória de ambas as partes intervenientes no processo.
Todavia, o seu traçado coincide com a descrição que as testemunhas arroladas pela Autora fizeram, resultando também coincidente com o que resulta da Carta Militar e das fotografias acima referidas.
(…)
Aliás, como já acima se destacou, o facto de os Réus terem colocado os portões sugere a existência anterior de uma via de passagem, pois que, de outro modo, não tinha havido necessidade de efetuar a obra, a qual surgiu num contexto de menor utilização do caminho e por pessoas com menor capacidade reivindicativa.
Donde, concluindo este aspeto, por tudo quanto se escreveu, considerou-se provada a alegação fatual transposta nas als. 15- a 38-, dos factos provados (…).
Demonstrando-se a existência do caminho, com a configuração que consta de fls. 50, por inerência, há que responder, de forma positiva, quanto às confrontações dos prédios n.ºs ..., ... e ..., na parte em que estavam impugnadas (cfr. als. 4-, 9- e 14-, dos factos provados).
(…)
Para além da questão do caminho, estava ainda em discussão saber se os portões foram colocados em cima de muro que faz parte de prédio pertencente aos 2.ºs Autores (factos provados sob os itens 5- (…).
Quanto ao muro, que está no alinhamento do barracão que se pode ver nas imagens 107, as testemunhas M. A., J. B. e R. L. disseram que eram os antecessores dos 2.ºs Autores que dele cuidavam.
Tratam-se de pessoas que vivem há vários anos no local ou mantêm ligação próxima com o mesmo e, para além desse conhecimento direto, tiveram um discurso que se afigurou idóneo e pormenorizado (M. A. e J. B. referiram a existência de uma cancela que deitava para o caminho; R. L. identificou a sucessão de pessoas que foram cuidando do muro até aos Autores; J. B., apesar da elevação da cota do caminho e de o muro o suportar, referiu que era o A. L. que cuidava dele).
Esta matéria relaciona-se com a questão de saber se o local onde o portão foi colocado o portão, por parte dos Réus, no lado do lugar ..., se já consistia em solo do prédio daqueles.
Isso foi afirmado pelas testemunhas G. N. e pela declarante R. B., aludindo a um acordo com o vizinho emigrante na América (AL., dono do prédio da esquina, inscrito na matriz sob o artigo ...) mas acima já se referiram as fragilidades desses meios de prova.
Por outro lado, o próprio irmão do 2.º Réu marido, quando confrontado com o local onde o muro se encontra, de forma muito espontânea, disse que o terreno daquele começava cerca de 10 (dez) mts mais abaixo. Mesmo esta testemunha, que aqui e ali teve preocupação com as palavras que dizia e que tentou diminuir a importância do caminho e de sublinhar que o chão era do irmão, quando foi inquirido sobre a questão de saber onde começava o caminho, respondeu, não ponderando o alcance da resposta, que o prédio dos Réus se iniciava mais abaixo do portão.
(…)»

Logo, duas conclusões se podem desde já enunciar: o Tribunal a quo, no juízo de prova relativo aos concretos desenho de traçado e confrontações do caminho em causa, considerou toda a extensa prova pessoal produzida, incluindo a limitadamente agora seleccionada pelos Recorrentes (Réus) para a sua sindicância; e considerou-a não só suficiente, como inclusivamente unânime quanto a muito dos factos em causa, mostrando-se ainda conforme com a prova documental junta aos autos.
Ora, ouvida integralmente toda a prova pessoal produzida em sede de audiência de julgamento (e não apenas a seleccionada para este efeito pelos Recorrentes), e consultados os documentos juntos aos autos, afirma-se desde já que se sufraga inteiramente o juízo de prova do Tribunal a quo, que pela exuberância e rigor da sua fundamentação quase dispensaria comentários adicionais.
*
Contudo, não se deixará de enfatizar aqui que, mesmo alguns dos factos agora impugnados pelos Recorrentes (pertença dos muros divisórios), se mostraram admitidos por eles na sua contestação.

Acresce que a factualidade provada resultou de plúrima e concertada prova pessoal, na sua maior parte sem qualquer ligação aos Autores, com conhecimento directo dos factos (por residirem ou frequentarem o local), o que sucede há muito, tendo deposto de forma pormenorizada, assertiva e coerente entre si.

Dir-se-á ainda que esta prova pessoal (tradicionalmente tida como mais precária e insegura), foi ainda corroborada pela prova documental (tradicionalmente tida como mais formal e segura), não só de produção pelas partes (v.g. levantamento topográfico, que os Réus poderiam ter contraditado por meio de perícia que tivessem requerido nos autos), como também oficial (como Carta Militar de Portugal, ou certidões prediais e matriciais).
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Aduzem singelamente os Recorrentes (Réus), em contrário de um tal juízo, os depoimentos das testemunhas M. P. (sobrinho do 2.º Réu), A. P. (construtor de moradia existente no local) e D. L. (irmão do 2.º Réu), que se limitaram a transcrever parcialmente, sem porém justificarem de que modo contrariavam a apreciação que deles foi feita (e dos muitos demais) pelo Tribunal a quo.

Ora, e face à audição integral desta prova seleccionada pelos Recorrentes, também este Tribunal ad quem conclui que M. P. (sobrinho do 2.º Réu), D. L. (irmão do 2.º Réu) e A. P. (construtor de moradia existente no local) revelaram indesmentível parcialidade, já que, manifesta e propositadamente, procuraram negar a existência do caminho em causa, ou diminuir exageradamente a sua importância (apelidando-o então de mero ...).
Acresce que a testemunha M. P., perguntado expressamente sobre os muros que ladeiam o caminho em causa, e sobre este, revelou falta de conhecimento próprio e directo (tendo-se por isso ido esclarecer com outras pessoas, antes do seu depoimento em juízo), conforme: «ora bem, aquilo, aquilo, eu conheço muito mal»; «apenas, apenas aquilo que eu acho que está diferente, hum, do que era há uns anos, entretanto passou-se uma vida, não é?», «olhe eu já não passava lá há alguns anos, hum, desde de, talvez há 20, eu tenho 56 anos, como eu vos disse até aos 18/20 estive por lá, mas entretanto a vida, a vida»; e «sinceramente sobre essa não sei. Sei que existia, e ainda existe essa entrada, agora quem cuidava ou quem zelava desse… não sei».
Já quanto às testemunhas D. L. e A. P., concluíram (a primeira sem hesitações, e a segunda dubitativamente) que o leito do caminho pertence aos Réus, mas sem fundamentarem, por indiciariamente que fosse, essa sua conclusão.

Por fim, dir-se-á que os Recorrentes (Réus) omitem ainda qualquer referência aos demais depoimentos (cuja valia teriam de ter afastado, por forma a justificar a prevalência daqueles outros), bem como à relevante prova documental junta aos autos (que importaria que confirmasse a sua tese ou, pelo menos, que fosse neutra relativamente à mesma, o que teriam que justificar, não o tendo porém feito).

Ora, e tal como já referido supra, a fundamentação de facto do Tribunal a quo não foi objecto de válida impugnação pelos Recorrentes (Réus): os mesmos não aduziram qualquer novo juízo crítico com virtualidade para infirmar a prévia apreciação probatória, limitando-se (grosso modo e singelamente) a transcrever o teor dos depoimentos eleitos para a sua sindicância; e a subjectiva e conclusivamente reclamarem para eles a suficiência necessária para fundarem a respectiva tese.
Por outras palavras, ficou por demonstrar que a prova produzida impusesse uma decisão diversa da recorrida, nomeadamente porque a respectiva apreciação crítica feita pelo Tribunal a quo não se mostraria razoável no caso concreto, conduzindo a um resultado inadmissível, por não sufragado pelas regras da lógica e da experiência. Ora, a simples reiteração do conteúdo, e indicação do sentido, da prova pessoal já antes vista e apreciada, pelo dito Tribunal a quo, nos concretos moldes aqui sindicados, é claramente inidónea para este efeito.

Recorda-se, por fim, que, em «caso de dúvida, face a depoimentos contraditórios entre si e à fragilidade da prova produzida, deverá prevalecer a decisão proferida pela primeira Instância em observância aos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova, com a consequente improcedência do recurso nesta parte» (Ana Luísa Geraldes, «Impugnação e reapreciação da decisão sobre a matéria de facto», Estudos em Homenagem ao Prof. Dr. Lebre de Freitas, Volume I, pág. 609).

Mostra-se, assim, infundado nesta parte o recurso sobre a matéria de facto apresentado pelos Recorrentes (Réus), permanecendo inalterados os factos provados enunciados sob os números 4, 5, 9,10, 14, 18, 19, 20, 22, 23, 24, 25 e 26.
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3.3.2. Actuação dos Réus sobre o caminho

Vieram ainda os Recorrentes (A. M. e mulher, R. B., e A. C. e mulher, M. R.) defender que a prova produzida não permitia que se desse como provada a sua actuação sobre o caminho, nomeadamente quando aí colocaram um portão e destruíram parte do muro de pedras sobrepostas.
Esta factualidade encontra-se vertida nos factos provados enunciados na sentença recorrida sob o número 41 («Para o efeito, colocaram um portão que dista a cerca de 27 mts do início do caminho do lado da rua ... e a cerca de 13 mts do limite do seu prédio rústico inscrito sob o artigo ...»), sob o número 42 («O portão ocupa toda a largura do caminho: de um lado, a coluna de sustentação lateral do portão foi colocada encostada ao muro divisório do prédio urbano inscrito sob o artigo ...; do outro lado, a coluna de sustentação lateral foi colocada sobre o muro divisório de pedra sobreposta do prédio rústico identificado em 1-»), sob o número 43 («Tendo os Réus, para tanto, retirado algumas pedras desse muro») e sob o número 45 («Na aludida quarta e quinta parte do caminho, em toda a extensão em que o mesmo confronta com o prédio inscrito na matriz rústica sob o artigo ..., os Réus destruíram parte do muro de pedra sobreposta dos 3.ºs Autores, retirando-lhe várias pedras»).
Invocaram, como já o tinham feito, a suficiência dos depoimentos prestados pelas testemunhas que arrolaram para demonstrar o seu contrário, nomeadamente M. P. (sobrinho do 2.º Réu), A. P. (construtor de moradia existente no local) e D. L. (irmão do 2.º Réu).

Começa-se por considerar o juízo de prova vertido na sentença recorrida, para depois se aferir da bondade da sindicância que lhe foi feita pelos Recorrentes (Réus).
Assim, ponderou a mesma para este efeito (limitando-se a reprodução às partes relevantes e com bold apócrifo, aposto nos segmentos que se consideraram mais significativos, atento o objecto da sindicância):
«(…)
Para além do exposto, as partes, nos articulados, estavam ainda de acordo quanto (…) à implantação (recente) de portões pelos Réus (cfr. artigo 29º, da contestação), à colocação de esteios e à vedação de arame (cfr. artigo 36º/1.ª parte, da contestação), o que se considerou na resposta que consta das als. (…), 41-, 42-/parte (…), dos factos provados.
Na verdade, os Réus não contestaram que levaram a cabo a obra de construção dos portões e de colocação de vedações; impugnaram, isso sim, que, através das mesmas, tenha havido ofensa do direito de propriedade dos 2.ºs Autores (por, no seu entender, o muro ser deles – cfr. artigo 32º, da contestação) ou dos 3.ºs Réus (por a vedação respeitar os limites materiais do seu prédio) ou dos membros da comunidade da freguesia 1.ª Autora (por, na sua opinião, o ... corresponder a um atravessadouro, já abolido).
(…)
Para além da questão do caminho, estava ainda em discussão saber se os portões foram colocados em cima de muro que faz parte de prédio pertencente aos 2.ºs Autores (factos provados sob os itens 5-, 42-/parte e 43-) e se os esteios e vedações foram postos no muro dos 3.ºs Réus e se estes provocaram danos no mesmo (factos provados sob os itens 44- a 46).
Quanto ao muro, que está no alinhamento do barracão que se pode ver nas imagens 107, as testemunhas M. A., J. B. e R. L. disseram que eram os antecessores dos 2.ºs Autores que dele cuidavam.
Tratam-se de pessoas que vivem há vários anos no local ou mantêm ligação próxima com o mesmo e, para além desse conhecimento direto, tiveram um discurso que se afigurou idóneo e pormenorizado (M. A. e J. B. referiram a existência de uma cancela que deitava para o caminho; R. L. identificou a sucessão de pessoas que foram cuidando do muro até aos Autores; J. B., apesar da elevação da cota do caminho e de o muro o suportar, referiu que era o A. L. que cuidava dele).
Esta matéria relaciona-se com a questão de saber se o local onde o portão foi colocado o portão, por parte dos Réus, no lado do lugar ..., se já consistia em solo do prédio daqueles.
Isso foi afirmado pelas testemunhas G. N. e pela declarante R. B., aludindo a um acordo com o vizinho emigrante na América (AL., dono do prédio da esquina, inscrito na matriz sob o artigo ...) mas acima já se referiram as fragilidades desses meios de prova.
Por outro lado, o próprio irmão do 2.º Réu marido, quando confrontado com o local onde o muro se encontra, de forma muito espontânea, disse que o terreno daquele começava cerca de 10 (dez) mts mais abaixo. Mesmo esta testemunha, que aqui e ali teve preocupação com as palavras que dizia e que tentou diminuir a importância do caminho e de sublinhar que o chão era do irmão, quando foi inquirido sobre a questão de saber onde começava o caminho, respondeu, não ponderando o alcance da resposta, que o prédio dos Réus se iniciava mais abaixo do portão.
Quanto ao muro dos 3.ºs Réus, como acima se referiu, os Réus admitiram a colocação dos esteios e da vedação, o que contestaram foi a existência do caminho e a provocação de danos naquele.
No que se refere ao caminho, a questão já acima se abordou; quanto ao muro, as testemunhas M. A., R. L., A. O. e D. P. falaram da sua existência (era um muro de pedra solta, de cerca 50 cm de altura); por sua vez, as suas últimas referiram que o muro foi mexido (A. O. disse que a oliveira desapareceu dali; D. P., anterior proprietário, referiu que houve pedras que desapareceram e que outras foram deslocadas).
O facto de os 3.ºs Autores também terem colocado uma vedação e patelas da parte de dentro do muro, não teve a ver com qualquer condescendência à posição dos Réus (como é sugerido nos artigo 11º, da contestação), mas antes com a circunstância, relatada pela testemunha M. A., de aqueles estarem com receio de os Réus intensificaram a apropriação do terreno para o seu interior.
(…)»

Logo, as mesmas duas conclusões se enunciam de novo: o Tribunal a quo, no juízo de prova relativo à actuação dos Réus sobre o caminho em causa, incluindo os seus muros de estrema, considerou toda a extensa prova pessoal produzida, incluindo a limitadamente agora seleccionada pelos Recorrentes para a sua sindicância; e considerou-a não só suficiente, como inclusivamente unânime quanto a muito dos factos em causa.
Ora, ouvida integralmente toda a prova pessoal produzida em sede de audiência de julgamento (e não apenas a seleccionada para este efeito pelos Recorrentes), afirma-se desde já que se sufraga inteiramente o juízo de prova do Tribunal a quo, que, pela mesma rigorosa fundamentação, de novo quase dispensaria comentários adicionais.
*
Contudo, não se deixará de enfatizar que, também aqui, alguns dos factos agora impugnados pelos Recorrentes (actuação sobre muros divisórios), se mostraram admitidos por eles na sua contestação.

Dir-se-á ainda, e de novo, que a factualidade provado resultou de plúrima e concertada prova pessoal, na sua maior parte sem qualquer ligação aos Autores, com conhecimento directo dos factos (por residirem ou frequentarem o local), o que sucede há muito, tendo deposto de forma pormenorizada, assertiva e coerente entre si.
Reconhece-se, porém, que nenhuma das testemunhas inquiridas confirmou ter visto os Réus (ou terceiros por eles mandatados) a destruir o muro divisório de pedras sobrepostas. Contudo, e por presunção judicial, essa autoria teria de ficar estabelecida, por ser conforme com outras actuações sobre o leito do caminho expressamente assumidas por eles, sendo que a destruição dos ditos muros também só a eles aproveitaria, não sendo reclamada ou imputada a mais alguém.
*
Aduzindo, uma outra vez, os Recorrentes (Réus), em contrário de um tal juízo, os depoimentos das testemunhas M. P., A. P. e D. L., de novo se limitaram a transcrevê-los parcialmente, sem justificarem de que modo contrariavam a apreciação que deles foi feita (e dos muitos demais) pelo Tribunal a quo.

Ora, e face à audição já realizada destes três depoimentos, reitera-se: o seu carácter parcial; a assumida ignorância de M. P., sobre a matéria dos autos; e as afirmações não fundamentadas produzidas por D. L. e A. P., também nesta matéria.
Por fim, dir-se-á que os Recorrentes (Réus) repetem a omissão de qualquer referência aos demais depoimentos, deixando por fazer a válida impugnação do pretérito e fundamentado juízo probatório do Tribunal a quo, que os onerava.

Mostra-se, assim, infundado também nesta parte o recurso sobre a matéria de facto apresentado pelos Recorrentes (Réus), permanecendo inalterados os factos provados enunciados sob os números 41, 42, 43 e 45.
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3.3.3. Danos não patrimoniais sofridos pelos Autores

Vieram, por fim, os Recorrentes (A. M. e mulher, R. B., e A. C. e mulher, M. R.) defender que a prova produzida não permitia que se dessem como provados os danos não patrimoniais invocados pelos Autores.
Esta factualidade encontra-se vertida no facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 52 («Com as referidas condutas, os Réus provocaram nos 2.ºs e 3.ºs Autores, especialmente no que tange às obras e danos provocados nos seus muros divisórios, incómodo, mal-estar, nervosismo e ansiedade»).
Invocaram a total ausência de prova produzida a um tal respeito.

Começa-se por considerar o juízo de prova vertido na sentença recorrida, para depois se aferir da bondade da sindicância que lhe foi feita pelos Recorrentes (Réus).
Assim, ponderou a mesma para este efeito (limitando-se a reprodução às partes relevantes e com bold apócrifo, aposto nos segmentos que se consideraram mais significativos, atento o objecto da sindicância):
«(…)
Quanto às consequências emocionais alegadas pelos Autores – de intranquilidade e desassossego –, embora se conceda que esses aspetos não foram particularmente abordados (até por força do seu carácter secundário na economia da ação), o que de firme se pode dizer a esse respeito, também por recurso às regras da experiência comum, é que, em locais de feição marcadamente rural (como é o caso), a propriedade imobiliária ocupa, na pirâmide dos valores, um lugar de destaque.
Por isso, entendeu-se plausível, tal como referido pelas testemunhas R. R. e D. P., que estes assuntos arreliaram os Autores (pelo abuso e pelo descaramento dos Réus em se aproveitarem do que não lhes pertence), provocando os sentimentos a que se alude na al. 52-, dos factos provados, mas já não se provando as noites sem dormir, por não ter havido referências a esse respeito.
(…)»

Logo, duas conclusões se enunciam de novo: o Tribunal a quo, no juízo de prova relativo às consequências emocionais para os Autores da actuação dos Réus, considerou efectiva prova pessoal produzida; e considerou-a conforme com as regras da experiência comum.
Ora, afirma-se desde já que se sufraga inteiramente o juízo de prova do Tribunal a quo, uma vez que, ao efectivamente confirmado pelas testemunhas R. R. (mãe da 2.ª Autora, M. P.) e D. P. (vendedor do prédio aos 3.ºs Autores, J. G. e mulher, L. J.), soma-se a idade dos Autores, o carácter reiterado e público da actuação dos Réus e a natureza rural do meio onde ocorre, tornando por isso naturalmente demonstrados os incómodos, mal-estar, nervosismo e ansiedade por aqueles sentidos.

Mostra-se, assim, igualmente infundado nesta remanescente parte o recurso sobre a matéria de facto apresentado pelos Recorrentes (Réus), permanecendo inalterado o facto provado enunciado sob o número 52.
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IV - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

4.1. Objecto prejudicado

O pedido de alteração do decidido na sentença proferida nos autos, no que à interpretação e aplicação do Direito respeita, dependia em parte do prévio sucesso da impugnação da decisão sobre a matéria de facto ali consubstanciada, não se revestindo (nessa concreta parte) de autonomia.

Com efeito, e no que tange à condenação dos Réus (A. M. e mulher, R. B., e A. C. e mulher, M. R.) a reporem os muros de pedra sobreposta que delimitam parte dos prédios dos Autores (A. L. e mulher, M. P., e J. G. e mulher, L. J.) dependia a sua revogação da não prova da atribuição da propriedade dos ditos muros aos Autores, conforme feito na sentença recorrida. Ora, essa atribuição permanece inalterada.
Por outro lado, e ao contrário do igualmente sustentado pelos Réus, os termos da respectiva condenação são claros e explícitos quando à forma como essa reposição deverá ocorrer (v.g. «recolocando-lhe as pedras subtraídas e retirando a coluna de sustentação lateral do portão que estes lá colocaram» - al. c), e «recolocando-lhe as pedras subtraídas e retirando os esteios e redes que por estes aí foram colocados» - al. g) ).

No que tange à condenação dos Réus (A. M. e mulher, R. B., e A. C. e mulher, M. R.) no pagamento de uma indemnização por danos não patrimoniais ao Autores (A. L. e mulher, M. P., e J. G. e mulher, L. J.), dependia a sua revogação da não prova de verificação dos ditos danos não patrimoniais, que a sentença recorrida reconheceu como efectivamente provocados aos, e sofridos pelos, Autores. Ora, esse reconhecimento permanece inalterado (tornando, por isso, irrelevante a contrária afirmação dos Réus, de que não «faz qualquer sentido a dita perturbação do sossego»).
Por outras palavras, e relativamente a estas condenações, os Recorrentes não sindicaram ter existido erro «na determinação da norma aplicável», ou na forma como deveria «ter sido interpretada e aplicada», mas sim e apenas a suficiência da matéria de facto resultante da prova produzida para estender a aplicação do direito correctamente seleccionado e interpretado à procedência total de tais pedidos.

Ora, não tendo os Réus alterado a matéria de facto considerada para o efeito na sentença recorrida (conforme pressuposto nas conclusões do seu recurso (3)), ficou necessariamente prejudicado o conhecimento, nesta parte, do recurso sobre a matéria de direito, nos termos do art. 608.º, n.º 2 do CPC, aplicável ex vi do art. 663.º, n.º 2, in fine, do mesmo diploma.
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4.2. Remanescente objecto (passível de conhecimento)

De outro modo se terá de entender, quanto ao reconhecimento de que o caminho em causa nos autos pertence ao domínio público, e a consequente condenação dos Réus (A. M. e mulher, R. B., e A. C. e mulher, M. R.) a procederem em conformidade, nomeadamente desobstruindo-o e abstendo-se no futuro de o obstruírem.
Com efeito, os mesmos, partindo da matéria de facto assente nos autos (v.g. medidas, configuração, e utilização), afirmam expressamente, no seu recurso, que a mesma não permite afirmar que o caminho em causa «tem as características para que daí se possa concluir pela dominialidade pública», sendo «manifesto que o mesmo não passa de mero atravessadouro, a utilizar para atalhar caminho», não «tem qualquer outra função relevante que não seja a de servir de simples serventia ou atalho entre as duas vias que se situam nos seus topos», não existindo «no caso presente a necessidade de satisfação de uma utilidade pública, mas apenas de uma soma de utilidades individuais de mera conveniência».
Logo, aprecia-se de seguida o remanescente objecto útil do recurso relativo à matéria de direito, interposto pelos Réus (pertinente à caracterização, ou descaracterização, do caminho em causa nos autos como público).
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4.2.1. Caminho público - Atravessadouro
4.2.1.1. Domínio público

Lê-se no art. 202.º, n.º 2 do CC que se consideram «fora do comércio todas as coisas que não podem ser objecto de direitos privados, tais como as que se encontram no domínio público e as que são, por sua natureza, insusceptíveis de apropriação individual».
Em princípio, a classificação de uma coisa como pública depende da lei, que desse modo a subtrai ao comércio jurídico privado e a submete ao domínio de uma pessoa de direito público, a fim de ser aplicada à satisfação de certa necessidade colectiva.
Por «domínio público» entende-se o «conjunto de coisas que, pertencendo a uma pessoa colectiva de direito público de população e território, são submetidas por lei, dado o fim de utilidade pública a que se encontram afectadas, a um regime jurídico especial caracterizado fundamentalmente pela sua incomercialidade, em ordem a preservar a produção dessa utilidade pública» (José Pedro Fernandes, verbete «Domínio Público», Dicionário Jurídico da Administração Pública, Volume IV, Edição de Autor, 1991, pág. 166).

Mais se lê, no art. 84.º, n.º 1, als. d) e f), da CRP, que pertencem «ao domínio público» «as estradas» e «outros bens como tal classificados por lei»; e é também esta que «define quais os bens que integram o domínio público do Estado, o domínio público das regiões autónomas e o domínio público das autarquias locais, bem com o seu regime, condições de utilização e limites».
Precisando o conceito legal de «estradas», bem como a respectiva titularidade, resulta dos arts. 4.º, 5.º, 6.º, 12.º, 13.º e 14.º, do Plano Rodoviário Nacional (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 222/98, de 17 de Julho) que integram o domínio público estadual as auto-estradas, os itinerários principais, os itinerários complementares, as estradas regionais, as estradas nacionais, as estradas regionais e as estradas municipais.
Já o art. 26.º, n.º 1 do Estatuto das Estradas da Rede Rodoviária Nacional (aprovado pela Lei n.º 34/2015, de 27 de Abril), esclarece que o «domínio público rodoviário do Estado, é composto: a) Pelas estradas a que se aplica o presente Estatuto e pelos bens que, não sendo propriedade privada, com elas estão material ou funcionalmente ligados ou conexos; b) Por outros bens ou direitos que por lei sejam como tal qualificados».

Inexiste, assim, em qualquer um dos diplomas referidos, a referência a «caminhos públicos», ao contrário do que sucedia nos arts. 1.º, 6.º e 7.º do hoje revogado Decreto-Lei n.º 34.593, de 11 de Maio de 1945 (que estabeleceu as normas para a classificação das estradas nacionais e municipais e dos caminhos públicos, e fixou as respectivas características técnicas), que, afirmando-os como «de interesse secundário e local», os classificava como: municipais, quando destinados ao trânsito automóvel, estando a cargo das Câmaras Municipais; e vicinais, quando destinados ao trânsito rural, estando a cargo das Juntas de Freguesia.
*
4.2.1.2. Caminho - Atravessadouro - Atalho
A mesma omissão de definição de «caminho público» encontra-se no CC, que apenas se refere a «atravessadouro», nos seus arts. 1383.º e 1384.º, afirmando no primeiro que se consideram abolidos, «por mais antigos que sejam, desde que não se encontrem estabelecidos em proveito de prédios determinados, constituindo servidões»; e afirmando no segundo que são, «porém, reconhecidos os «com posse imemorial, que se dirijam a ponte ou fonte de manifesta utilidade, enquanto não existirem vias públicas destinadas à utilização ou aproveitamento de uma ou outra, bem como os admitidos em legislação especial».

Vieram, porém, a doutrina e a jurisprudência proceder a um esforço definidor destas distintas realidades, podendo por isso afirmar-se que se entente por:

. «caminho» - «uma via que as pessoas utilizam para ir de uma localidade para outra, duma povoação para os campos que grajeiam, enfim, quando por lá se têm de fazer e se fazem determinados percursos»;

. «atravessadouros» - «os direitos que determinadas pessoas, independentemente da figura da servidão pessoal, tinham de atravessar prédio alheio»;

. «atalho» - «uma via que encurta um percurso que as pessoas utilizam para um percurso breve em substituição dum percurso menos breve», sendo a mesma realidade de atravessadouro (António Carvalho Martins, Caminhos Públicos e Atravessadouros, 2.ª edição, Coimbra Editora, Limitada, 1990, pág. 47).

Por outras palavras, atravessadouros (ou atalhos) «são serventias públicas que se fazem através de prédios particulares e têm por fim essencial encurtar o percurso entre locais determinados, isto é, atalhos que se fazem por terrenos particulares, por isso fazendo os seus leitos parte dos prédios atravessados», enquanto «os caminhos públicos são realidades de maior categoria, destinando-se a estabelecer ligações de maior interesse entre localidades ou entre estas e várias propriedades agricultáveis, satisfazendo necessidades mais importantes, sendo o seu leito do domínio público» (António Carvalho Martins, Caminhos Públicos e Atravessadouros, 2.ª edição, Coimbra Editora, Limitada, 1990, págs. 64 e 65, com bold apócrifo (4
É, assim, hoje pacífico que os atravessadouros e os caminhos públicos são realidades jurídicas absolutamente distintas, quer pelo fim que prosseguem, quer pela dominialidade dos respectivos leitos: os primeiros (atravessadouros) destinam-se a encurtar/atalhar percursos entre dois pontos, e o seu leito integra a propriedade dos prédios atravessados, enquanto os segundos (caminhos públicos) destinam-se a estabelecer ligações entre localidades ou entre estas e várias propriedades agrícolas, e o seu leito integra o domínio público.
*
4.2.1.3. Caminho público
4.2.1.3.1. Requisitos (de dominialidade pública)

Contudo, cedo se dividiram a doutrina e a jurisprudência relativamente à forma mais correcta de distinguir caminhos públicos de caminhos privados/particulares, face nomeadamente ao:

i) critério da construção e manutenção - seria necessário que o caminho tivesse sido construído, apropriado ou conservado/mantido por entidade pública (Estado ou autarquia local).
Precisando, «o simples uso directo e imediato de uma passagem pelos moradores de uma povoação, ou por qualquer pessoa em geral, seja qual for a duração desse uso, não basta para conferir à passagem a natureza de caminho público, sendo indispensável, para que de um caminho de possa falar, que tenha sido produzido ou legitimamente apropriado pelo Estado ou pelas autarquias locais, ou que aquele ou estas o mantenham sob a sua jurisdição e administração» (Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Volume III, 2.ª edição revista e actualizada, Coimbra Editora, Limitada, 1987, pág. 281 (5)).
Ponderou-se, a propósito, que a boa vontade que alicerça as relações nas comunidades locais, que permite que o trânsito se faça indiscriminadamente por onde é mais cómodo, não deverá acarretar consequência antieconómica de generalizar os atravessadouros sobre terrenos particulares (o que, necessariamente, acabaria por redundar na futura proibição, dos proprietários dos terrenos, de passagem sobre os mesmos, por forma a evitar a constituição de quaisquer ónus, com o inerente aumento de conflitos sociais).

ii) critério do uso - seria suficiente o uso directo e imediato do público, de toda a gente (pouco importando saber quem os construiu ou mantém).
Precisando, «uma passagem adquire natureza dominial, se estiver no uso directo e imediato do público desde tempos imemoriais, independentemente de saber quem a construiu e a conserva» (Pires de Lima e Antunes Varela, ibidem (6)).
Ponderou-se, a propósito: a escassez de recursos do Estado (nele se incluindo autarquias locais) permitia que muitos caminhos, tradicionalmente utilizados pelas, e ao serviço das, populações nunca tivessem sido objecto de qualquer acto de administração pública, saindo assim do domínio público; e o art. 1.º, al. g), do Decreto-Lei n.º 23.655, de 12 de Dezembro de 1943 mandava incluir no cadastro dos bens do domínio público todos os terrenos que se encontrassem no uso directo e imediato do público.

Contudo, o «que verdadeiramente dá ao caminho a qualidade de público é a afectação ao fim público, que os particulares são incompetentes para decretar»: não «é o facto de ser livremente usado por toda a gente que dá ao caminho a natureza de público, mas sim o facto de o caminho ser destinado ao uso público, ao uso de todos»; e não «são também caminhos públicos os que só dão acesso a prédios particulares, embora sejam usados por pessoas de todo estranhas a estes prédios» (António Carvalho Martins, Caminhos Públicos e Atravessadouros, 2.ª edição, Coimbra Editora, Limitada, 1990, págs. 66 e 67).
Precisa-se, igualmente, que «imemorial» se reporta a uma realidade que «os vivos não sabem quando começou; não o sabem por observação directa, nem o sabem pelas informações que lhes chegaram dos seus antecessores», pelo que a existência «de um determinado documento que revele» o seu início não destrói, só por si, a sua natureza imemorial» (Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Volume III, 2.ª edição revista e actualizada, Coimbra Editora, Limitada, 1987, pág. 283 (7)).
Precisando, não «há dúvida de que o significado de “imemorial” é “tão antigo que não há memória das suas origens”. No entanto, é de lembrar que ao tempo em que se formou o conceito de posse imemorial o oral predominava sobre o escrito e o testemunho sobre o documento»; e essa «alteração de paradigmas civilazicionais tem de ser tida em conta na interpretação da palavra “imemorial”, no contexto em causa». Logo, «parece-nos que não é possível negar imemorialidade, para os fins em causa no art. 1384 (…), com base na possibilidade de datação do início do acontecimento»: será «absurdo que se altere a situação jurídica de um bem em resultado de uma investigação histórica levar a concluir que é possível datar o início de um facto que até aí se julgava impossível de datar» (Rui Pinto Duarte, Curso de Direitos Reais, 4.ª edição, Princípia Editora, Setembro de 2020, pág. 116, com bold apócrifo).
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4.2.1.3.2. Assento 7/89, de 19 de Abril de 1989
Viria, assim, a ser proferido, pelo Supremo Tribunal de Justiça, o Assento 7/89, de 19 de Abril de 1989 (Diário da República, I Série-A, de 02 de Junho de 1989) - valendo, desde a reforma de 1995, como acórdão uniformizador de jurisprudência -, lendo-se nomeadamente no mesmo: «são públicos os caminhos que, desde tempos imemoriais estão no uso directo do público».
Optou-se, expressamente, pelo critério do uso, passando a terem-se como públicos os caminhos que estejam afectados de forma directa e imediata ao fim de utilidade pública que lhes está inerente, não sendo necessária para o efeito a respectiva apropriação, produção, administração ou jurisdição por uma pessoa colectiva de direito público; e isto por se ter tido este entendimento como o melhor adaptado às realidades da vida, por não raro ser impossível encontrar registos ou documentos comprovativos da construção, aquisição ou administração dos caminhos, e por assim se obstar à apropriação por particulares de coisas públicas.
Precisou-se, porém, que o uso imemorial pelo público não significa que este constitua um modo próprio de aquisição da dominialidade, ou seja, uma afectação implícita, mas sim que a imemorialidade constitui uma presunção juris tantum (de que houve apropriação legítima pela entidade pública do caminho em questão); e, por isso, ilidível mediante prova em contrário, nos termos gerais (8).
Assim, e conforme esta jurisprudência, bastaria à entidade pública fazer prova que determinado caminho, desde tempos imemoriais, está no uso directo e imediato do público, para que se presumisse que ela se apropriou legitimamente do mesmo, e, consequentemente, para que se reconhecesse a sua natureza pública; e para que o uso directo e imediato do público, relativamente a determinado caminho, fosse havido como imemorial, seria necessário que a antiguidade desse uso fosse de tal ordem cujo início se tivesse perdido na memória dos homens, pelo que a prova dessa posse imemorial por testemunhas teria de recair, não sobre os factos presenciados por estas, mas sobre o conhecimento que tivessem do que se passou com as gerações anteriores.
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Contudo, desde cedo se gerou indesmentível controvérsia a propósito do dito Assento (cujos termos se encontram exemplarmente referidos no Ac. do STJ, de 30.01.2013, Lopes do Rego, Processo n.º 113/09.3TBSBG.C2.S1), nomeadamente porque: quer o caminho público por ele definido, quer o atravessadouro ou atalho, podiam ser constituídos por leitos próprios de terra batida, autonomizados e utilizados, desde tempos imemoriais, por pessoas e animais, visto serem ambos vias de comunicação, e utilizados pelo público; e, assim, a sua interpretação estritamente literal permitiria que se conferisse a qualificação de caminho público a simples atravessadouros (numa solução contra legem, por referência aos arts. 1383.º e 1384.º, ambos do CC).
Veio, por isso, e progressivamente o referido Assento a ser objecto de uma interpretação restritiva, contextualizadora, na linha da anterior e mais exigente definição do critério do uso: entendeu-se então que a natureza pública do caminho exigiria, não só o seu uso directo pelo público, como ainda a sua afectação à utilidade pública.
Por outras palavras, o uso do caminho teria de visar a satisfação de interesses colectivos de certo grau ou relevância, já que um dos requisitos essenciais da dominialidade pública é precisamente essa «afectação à utilidade pública» (que consiste na aptidão das coisas para satisfazer necessidades colectivas); e quando assim não aconteça, e se destine apenas a fazer a ligação entre caminhos públicos por prédio particular, com vista ao encurtamento não significativo de distância, o caminho deve classificar-se de atravessadouro (Ac. do STJ, de 10.11.1993, Lopes do Rego, Processo n.º 113/09.3TBSBG.C2.S1).
Logo, e actualmente, não basta para o reconhecimento da dominialidade pública de determinado caminho que este esteja afecto ao uso directo e imediato do público desde tempos imemoriais, sendo ainda necessário que a sua utilização tenha por objectivo a satisfação de interesses colectivos de certo grau ou relevância: por muitas que sejam as pessoas que utilizem, desde tempos imemoriais, um determinado caminho ou terreno, só se poderá sustentar a relevância desse uso para a sua classificação como público se o fim visado pela utilização for comum à generalidade dos respectivos utilizadores, por o destino dessa utilização ser a satisfação da utilidade pública e não a soma de utilidades individuais (Ac. do STJ, de 10.11.1993, Lopes do Rego, Processo n.º 113/09.3TBSBG.C2.S1 (9)).
Claro está que esta interpretação restritiva do Assento 7/89 (do STJ, de 19 de Abril de 1989) apenas se aplica quando esteja em causa um caminho cujo leito atravesse prédio particular, isto é, é inaplicável quando o dito caminho não esteja implantado em prédio particular (bastando então, para a sua caracterização como «público», a prova do seu uso imemorial pela população (10)).
Precisa-se, por fim, que «para se decidir da relevância dos interesses públicos a satisfazer por meio da utilização do caminho ou terreno para este poder ser classificado como público, há que ter em conta, em primeira linha, por um lado, o número normal de utilizadores, que tem de ser uma generalidade de pessoas, como é a hipótese de uma percentagem elevada dos membros de uma povoação, e, por outro lado, a importância que o fim visado tem para estes à luz dos seus costumes colectivos e das suas tradições e não de opiniões externas» (Ac. do STJ, de 13.01.2004, Silva Salazar, Processo n.º 03A3433, com bold apócrifo).

Concluindo, e face ao actual quadro jurisprudencial, um caminho será público, ainda que atravesse prédios particulares, quando: estiver no uso directo e imediato do público desde tempos imemoriais; e seja utilizado na satisfação de interesses colectivos de certo grau ou relevância.
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4.2.2. Caso concreto (subsunção ao Direito aplicável)
Concretizando, e face aos factos que se deram como provados, dúvidas não existem de que o caminho em causa nos autos, desde tempos imemoriais, é usado de forma directa e imediata pelo público.
Com efeito, estando «trilhado, em terra batida, sem vegetação», desde «tempos imemoriais que sempre pelo caminho passaram, livremente, quaisquer pessoas, a pé, de bicicleta e mesmo de motorizada, e com animais», sem «que alguém se tivesse oposto à passagem de quem quer que fosse ou sem que quem quer que fosse tivesse que pedir autorização de passagem a alguém», sempre tendo estado «afecto à circulação e ao uso directo da população em geral», sendo nomeadamente «utilizado no percurso da visita pascal» (factos provados enunciados sob os números 28, 29, 30, 31 e 32).

Não ficou ainda demonstrado que o leito do caminho atravesse prédios particulares; e, desse modo, tornou-se inaplicável ao caso dos autos a interpretação contextualizadora do Assento 7/89, do STJ (que, como se disse supra, pressupõe o atravessamento de propriedade alheia).

Mas, ainda que essa prova tivesse sido produzida, ficou demonstrado (para além do imemorial uso directo e imediato pelo público), que o dito caminho se encontra afecto à satisfação de utilidade pública, isto é, à satisfação de interesses colectivos de certo grau ou relevância.
Com efeito, o «caminho sempre foi utilizado pela população local, especialmente, pelas pessoas que residiam no lugar da ..., pois constitui um atalho directo ao largo do centro da freguesia, onde se encontra a sede da Junta de Freguesia, o posto médico, o centro paroquial, a igreja e a paragem de autocarro»; é, «também, a ligação pedonal mais próxima ao minimercado e ao café da freguesia, bem como à escola básica e ao cemitério»; além «disso, é a ligação pedonal mais próxima à Associação Social Cultural e Recreativa de X, IPSS, a qual tem as valências de Lar, Centro de Dia e Apoio Domiciliário, desenvolvendo actividades sociais e desportivas para a população em geral»; de «igual forma, também as pessoas que residem no lugar ... sempre utilizaram o caminho para acederem aos seus terrenos do lugar da ... e para aí visitarem familiares e amigos»; e tendo «o caminho cerca de 158 metros, é essa a extensão necessária para chegar do centro do lugar da ... ao largo do centro da freguesia e vice-versa», em vez dos cerca de 550 metros se «o mesmo percurso for feito pela estrada, no trajecto que passa pela rua da ..., rua ... e a rua ...», ou dos cerca de 450 metros, «no trajecto que passa pela rua da ... e a rua ...» (factos provados enunciados sob os números 34, 35, 36, 37, 38 e 39).

Subscreve-se, deste modo, o juízo de direito do Tribunal a quo, quando o mesmo afirmou na sentença recorrida:

«(…)
No caso concreto, da discussão da matéria de facto, resultou que a faixa de terreno, com a configuração que consta da planta topográfica de fls. 50, é uma forma de acesso pedonal, cujo início de utilização se perde na memória dos vivos, das pessoas que habitam no lugar da ... até ao centro da freguesia e vice-versa (cfr. als. 15- a 38-, dos factos provados).
Considerando que no centro da Freguesia de X se concentram os equipamentos públicos (sede da Junta de Freguesia; posto médico; paragem de transporte público) e, atendendo a que as vias alternativas são de trajeto mais longo e de preferencial trânsito automóvel, entende-se que o uso imemorial tem-se destinado e destina-se à satisfação de necessidades públicas relevantes, apesar da diminuição do número de utilizadores.
É inevitável essa diminuição: por força da desertificação das aldeias, há menos crianças e centros escolares, os residentes são cada vez menos e cada vez mais idosos, com menos mobilidade e, por conseguinte, com maior dificuldade de sair de casa.
O desenvolvimento leva as pessoas a andarem menos a pé, a utilizaram veículos automóveis para se locomoverem em trajetos curtos, à migração das pessoas mais jovens para os centros urbanos, com o consequente despovoamento dos espaços rurais e o envelhecimento de quem aí continua a residir.
No entanto, as pessoas mais velhas, e que continuam a estabelecer a sua residência nas aldeias, são membros da comunidade com interesses que constitui incumbência do Estado proteger.
Nos termos do artigo 65º/2, a), da Constituição da República Portuguesa (CRP), para assegurar o direito à habitação, incumbe ao Estado, programar e executar uma política de habitação inserida em planos de ordenamento geral do território e apoiada em planos de urbanização que garantam a existência de uma rede adequada de transportes e de equipamento social.
Por sua vez, de acordo com o artigo 67º/2, b), da CRP, incumbe ao Estado para proteção da família promover a criação e garantir o acesso a uma rede nacional de equipamentos sociais de apoio à família, bem como uma política de terceira idade.
Ou seja, ainda que a população tenha diminuído e esteja envelhecida, se é tarefa do Estado assegurar uma rede adequada de transportes e de equipamento social, bem como promover uma política de terceira idade, há que reconhecer que continua a visar a satisfação de interesses públicos a passagem por um caminho, cujo leito não se projeta por prédios privados, que, desde tempos imemoriais e desde um período em que inexistiam trajetos alternativos, serve a comunidade, para chegar ao centro da freguesia, onde estão concentrados os equipamentos necessários à organização da sua vida e à sua sobrevivência (como o centro médico, junta de freguesia, acesso a transporte público).
(…)
Por fim, mesmo que, no futuro, venha a haver a total inutilização do caminho, como consequência do progresso e do despovoamento, o caminho, perdendo o seu carácter público, passará a pertencer ao domínio privado da pessoa coletiva de direito público sua proprietária, entrando no comércio jurídico privado (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 14.04.2015).
(…)»

Fica assim, e necessariamente, sendo qualificável como caminho público.
*
Mostra-se, por isso, igualmente infundado o recurso sobre a matéria de direito apresentado pelos Recorrentes (Réus), na parte que não ficara prejudicada pela improcedência do seu prévio recurso sobre a matéria de facto.
*
Deverá, assim, decidir-se em conformidade, pela total improcedência do recurso de apelação interposto pelos Recorrentes (A. M. e mulher, R. B. e A. C. e mulher, M. R.), confirmando-se integralmente a sentença recorrida.
*
V - DECISÃO

Pelo exposto, e nos termos das disposições legais citadas, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar totalmente improcedente o recurso de apelação interposto pelos Réus (A. M. e mulher, R. B. e A. C. e mulher, M. R.) e, em consequência, em

· Confirmar integralmente a sentença recorrida.
*
Custas da apelação pelos Recorrentes (art. 527.º, n.º 1 e n.º 2 do CPC).
*
Guimarães, 17 de Dezembro de 2020.

O presente acórdão é assinado electronicamente pelos respectivos

Relatora - Maria João Marques Pinto de Matos;

1.º Adjunto - José Alberto Martins Moreira Dias;

2.º Adjunto - António José Saúde Barroca Penha.


1. A exigência de rigor, no cumprimento do ónus de impugnação, manifestou-se igualmente a propósito do art. 685º-B, n.º 1, al. a), do anterior CPC, de 1961, conforme Ac. da RC, de 11.07.2012, Henrique Antunes, Processo n.º 781/09 - in www.dgsi.pt, como todos os demais citados sem indicação de origem -, onde expressamente se lê que este «especial ónus de alegação, a cargo do recorrente, deve ser cumprido com particular escrúpulo ou rigor», constituindo «simples decorrência dos princípios estruturantes da cooperação e lealdade e boa fé processuais, assegurando, em última extremidade, a seriedade do próprio recurso».
2. O Ac. do STJ foi proferido em 21.10.2020, tendo determinado «a remessa dos autos ao Tribunal da Relação para que: a) Seja apreciada e decidida a impugnação da decisão da matéria de facto deduzida pelos RR. apelantes; b) Sejam apreciadas as demais questões suscitadas pelos RR. recorrentes no recurso de apelação».
3. «P - Quanto aos muros que os autores dizem pertencer-lhes»; ou «V - Não existe qualquer fundamento jurídico para ser atribuída aos autores qualquer compensação a nível de danos não patrimoniais que os mesmos não sofreram nem poderiam sofrer».
4. No mesmo sentido, Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Volume III, 2.ª edição revista e actualizada, Coimbra Editora, Limitada, 1987, pág. 282, onde se lê que, sempre que «o público faça passagem através de um prédio particular, em regra para atalhar ou encurtar determinados trajectos os distâncias, deve entender-se que se trata de um atravessadouro, sujeito à cominação do artigo 1383.º». Na jurisprudência conforme, Ac. do STJ, de 28.07.1964, BMJ, n.º 139, pág. 191, Ac. da RL, de 14.03.2000, CJ, Tomo II, p. 203, Ac. do STJ, de 14.10.2004, Araújo Barros, Processo n.º 04B2576, Ac. da RP, de 05.04.2005, Emídio Costa, Processo n.º 0521109, ou Ac. do STJ, de 13.03.2008, Sebastião Povoas, Processo n.º 08A542.
5. No mesmo sentido, Ac. do STJ, de 21.12.1962, BMJ, n.º 122, pág. 173, ou Ac. do STJ, de 10.04.1969, BMJ, n.º 196, pág. 203.
6. No mesmo sentido, Ac. do STJ, de 24.03.1977, BMJ, n.º 252, pág. 156, Ac. do STJ, de 16.03.1985, BMJ, n.º 345, pág. 366, Ac. do STJ, de 02.12.1992, BMJ, n.º 422, pág. 355, ou Ac. do STJ, de 19.02.1998, BMJ, n.º 474, pág. 481.
7. No mesmo sentido, Ac. do STJ, de 13.03.2008, Sebastião Póvoas, Processo n.º 08A542, onde se lê que «imemorial» se reporta à situação em que ocorre uma «perda ou desaparecimento da memória dos homens quanto ao início, começo ou princípio do facto considerado». Ainda Ac. do STJ, de 18.02.2003, Silva Salazar, Processo n.º 03A3433, onde se lê que tempo «imemorial é um período de tempo cujo início é tão antigo que as pessoas já não o recordam por ter desaparecido da memória dos homens, que em consequência daquela antiguidade perderam a recordação da sua origem pelo simples recurso à sua própria memória dos factos a que assistiram ou dos quais tiveram conhecimento por intermédio dos seus antecessores». Mais recentemente, Ac. do STJ, de 14.05.2019, Fátima Gomes, Processo n.º 927/13.0TBMCN.P1.S1, onde se lê que o «cariz imemorial do uso do caminho público corresponde a uma permanência uniforme que se prolongou por um espaço de tempo que excede a memória de todos os homens».
8. Neste sentido, Ac. da RC, de 28.11.2006, Cardoso de Albuquerque, Processo n.º 411/2001.C1, e Ac. da RC, de 24.04.2007, Jorge Arcanjo, Processo n.º 105/04.9TBOBR-B.C1.
9. No mesmo sentido, Oliveira Ascensão, «Caminho público, atravessadouro e servidão de passagem», O Direito, ano 123; ou Henrique Mesquita, «Anotação» ao Ac. do STJ, de 15.06.2000, RLJ, ano 135, pág. 64. Na jurisprudência, Ac. do STJ, de 15.06.2000, BMJ, n.º 498, pág. 226, Ac. do STJ, de 18.02.2003, Silva Salazar, Processo n.º 03A3433, Ac. do STJ, de 13.01.2004, CJ/STJ, Tomo I, pág. 19, Ac. do STJ, de 06.10.2011, Orlando Afonso, Processo n.º 282/05.1TBALJ.P1.S1, Ac. do STJ, de 30.01.2013, Lopes do Rego, Processo n.º 113/09.3TBSBG.C2.S1, Ac. do STJ, de 21.01.2014, Moreira Alves, Processo n.º 6662/09.6TBVFR.P1.S2, ou Ac. do STJ, de 18.10.2018, Helder Almeida, Processo n.º 1334/11.4TBBGC.G1.S1; ou ainda Ac. da RP, de 17.05.2005, Alberto Sobrinho, Processo n.º 0520871, Ac. da RG, de 01.06.2005, António Ribeiro, Processo n.º 1691/04-1, Ac. da RL, de 01.02.2007, Teresa Pais, Processo n.º 9865/2006-8, Ac. da RC, de 24.04.2007, Jorge Arcanjo, Processo n.º 105/04.9TBOBR-B.C1, Ac. da RP, de 31.05.2007, Teles de Menezes, Processo n.º 0732272, Ac. da RC, de 05.12.2009, Isabel Fonseca, Processo n.º 439/08.3TBMGL.C1, Ac. da RC, de 12.01.2010, Arlindo Oliveira, Processo n.º 2963/05.0TBPBL.C1, Ac. da RP, de 19.06.2012, Anabela Dias da Silva, Processo n.º 6662/09.6TBVFR.P1, Ac. da RG, de 14.11.2013, Heitor Gonçalves, Processo n.º 1378/11.6TBFAF.G1, Ac. da RC, de 18.12.2013, Luís Cravo, Processo n.º 1052/04.0TBLRA.C1, Ac. da RC, de 07.10.2014, Maria Domingas Simões, Processo n.º 36/11.6TBOFR.C1, Ac. da RG, de 19.02.2015, António Santos, Processo n.º 4732/07.4TBBCL.G1, Ac. da RG, de 10.07.2018, Maria João Matos, Processo n.º 9/17.5T8MDR.G1, ou Ac. da RG, de 22.11.2018, Maria Cristina Cerdeira, Processo n.º 29/16.7T8PTL.G1.
10. Neste sentido, Henrique Mesquita, «Anotação» ao Ac. do STJ, de 15.06.2000, RLJ, ano 135, págs. 62-64. Na jurisprudência - de forma expressa, ou apenas implícita -, Ac. do STJ, de 14.10.2004, Araújo de Barros, Processo n.º 04B2576, Ac. do STJ, de 27.04.2006, Custódio Monte, Processo n.º 06B915, Ac. do STJ, de 13.03.2008, Sebastião Póvoas, Processo n.º 08A542, Ac. do STJ, de 28.05.2013, Salazar Casanova, Processo n.º 3425/03.6TBGDM.P2.S1, ou Ac. do STJ, de 18.10.2018, Helder Almeida, Processo n.º 1334/11.4TBBGC.G1.S1; ou ainda Ac. da RC, de 12.05.2009, Isabel Fonseca, Processo n.º 439/08.3TBMGL.C1, ou Ac. da RG, de 22.06.2017, Fernando Fernandes Freitas, Processo n.º 142/14.5TBMTR.G1.