Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
6874/16.6T8VNF-F.G1
Relator: JOSÉ ALBERTO MOREIRA DIAS
Descritores: RECLAMAÇÃO ACTO DE AGENTE DE EXECUÇÃO
RECORRIBILIDADE
CASO ESTABILIZADO
CASO JULGADO FORMAL
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 02/15/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
1- Perante a prática de ato ou prolação de decisão pelo agente de execução impõe-se verificar se a lei prevê algum meio de reação específico contra esse ato ou decisão (v.g., oposição à execução, oposição à penhora, embargos de terceiro, etc.) o qual, a existir, prefere sobre os meios de reação do art. 723º, n.º1, als. c) e d) do CPC; de contrário, os meios de reação contra aquele ato ou decisão são: a reclamação contra o ato, e a impugnação contra a decisão do agente de execução, nos termos da al. c), do n.º 1, do art. 723º.
2- Recai sobre os interessados (nomeadamente, exequente e executado) o ónus de reclamação ou de impugnação dos atos e decisões proferidas pelo agente de execução, quer esse meio de reação seja nominado (v.g., oposição à execução, oposição à penhora, embargos de terceiro, etc.), quer tenha natureza residual (reclamação ou impugnação, nos termos do art. 723º, n.º 1, al. c)).
3- E também recai sobre os interessados um ónus de concentração de todos os possíveis fundamentos de defesa que então possuam, sob pena de preclusão.
4- Sendo praticado ato ou proferida decisão por agente de execução em relação ao qual não caiba meio de reação específico, terá o interessado de reclamar ou de impugnar aqueles para o juiz da execução, nos termos do art. 723º, n.º1, al, c), apresentando todos os meios de defesa que então possua contra o ato ou a decisão do agente de execução, sob pena de preclusão desses meios de defesa, e do ato ou a decisão do agente de execução formar caso estabilizado, tornando-se definitivos, por já não serem suscetíveis de serem impugnados pelos interessados, tornando-se, em princípio, incontestável e inalterável o decido pelo agente de execução.
5- A norma do art. 723º, n.º 1, al. c) carece de ser interpretada restritivamente, no sentido de que é admissível recurso da decisão judicial proferida na sequência de reclamação de ato ou de impugnação de decisão do agente de execução, nos casos em que a decisão judicial proferida determine a suspensão, a extinção ou a anulação da decisão, ou quando essa decisão tiver por objeto ato ou decisão de agente de execução que sejam vinculados, ou quando essa decisão judicial viola o caso estabilizado que cobre decisão antes proferida pelo agente de execução, ou viola o caso julgado que cobre decisão judicial antes proferida.
6- Tendo sido penhorado um prédio urbano que, à data da penhora, constituía uma única unidade predial (um único prédio), vindo, posteriormente, esse prédio a ser objeto de propriedade horizontal, na sequência do que deu lugar a quatro frações autónomas (quatro prédios distintos), não tendo a executada alegado esse facto na execução, vindo o agente de execução a proferir decisão em que ordena que aquele prédio penhorado (enquanto uma única unidade predial) fosse vendido por propostas em carta fechada pelo preço base de 150.000,00 euros, notificada essa decisão à exequente e à executada, não tendo estas reclamado da decisão do agente de execução que ordenou a venda do prédio penhorado pelo preço base de 150.000,00 euros (reclamando apenas a executada da decisão quanto à modalidade da venda eleita pelo agente de execução e do valor base atribuído a um outro prédio), essa decisão do agente de execução formou caso estabilizado, tornando-se imodificável e incontestável dentro do processo de execução, não podendo, posteriormente, a executada vir alegar que aquele prédio, por via da propriedade horizontal, constituiu agora quatro prédios distintos, por esse seu meio de defesa se ter precludido.
7- A decisão judicial posteriormente proferida pelo juiz de execução determinando que, na sequência da constituição da propriedade horizontal, cabe ao agente de execução fixar o valor base de cada uma das frações em que o prédio penhorado foi fracionado, devendo para o efeito, se assim o entender, promover as diligências de avaliação destinadas ao apuramento de cada uma das frações, e determinar a modalidade da venda destas, viola o caso estabilizado da decisão antes proferida pelo agente de execução, sendo, por isso, juridicamente ineficaz, impondo-se que seja cumprida essa decisão do agente de execução que ordenou a venda do prédio penhorado (como uma única unidade predial) pelo valor base de 150.000,00 euros.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I- RELATÓRIO

AA, residente na Avenida ...., ... ..., instaurou execução para pagamento de quantia certa contra BB, residente na Rua ...., ..., ....
Em 20/12/2016, o agente de execução procedeu à penhora, além do mais, dos seguintes prédios:
“Verba Um
Prédio urbano, com casa de ..., andar e logradouro, destinado à habitação, sito a Estrada Nacional ...03, freguesia ..., concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...27, inscrito na matriz sob o art. ...06º.
Verba Dois
Prédio rústico, terreno de cultura com videias em ramada, sito em ..., freguesia ..., concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...08, e inscrito na matriz sob o art. ...59º”.

Em 31/10/2017, a exequente, AA, requereu:
 “(…) o imediato prosseguimento dos autos com a venda em leilão eletrónica dos seguintes bens:
Imóvel dado de hipoteca e penhora, prédio rústico inscrito na matriz respetiva sob o art. ...59º e descrito sob o n.º ...26/..., atribuindo para o efeito o valor base de 40.000,00 euros;
Prédio urbano, composto de casa de ... e andar sito na EN ...03, ..., descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º ...64/..., e inscrito na matriz sob o art. ...26º, atribuindo para o efeito o valor de 115.000,00 euros”.

 Nessa sequência, o agente de execução notificou exequente e executada nos seguintes termos:
“Nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1 do art. 812º do CPC, para no prazo de dez dias se pronunciar sobre a modalidade da venda, que será mediante apresentação de propostas em carta fechada, e sobre o valor base da venda, atribuindo, verba um, que proponho que seja o valor de 120.000,00 euros (cento e vinte mil euros), verba dois, que proponho que seja pelo valor base de 60.000,00 euros (sessenta mil euros)”.

Em 09/01/2018, a executada BB pronunciou-se nos seguintes termos:
“(…) notificada para se pronunciar quanto ao valor base e à modalidade da venda dos bens penhorados, vem dizer que o valor base deve corresponder ao valor de mercado dos imóveis (art. 889º, n.º 1 e al. b) do n.º 3, do art. 886º-A do CPC), indicando para o efeito:
Verba n.º 1 – 150.000,00 euros;
Verba  n.º 2- 347.319,00 euros, conforme avaliação que se junta sob o Doc. ....
Sem prescindir, informo o AE que a executada prestou caução, motivo pelo qual se deverá abster da prática de qualquer ato de venda de património da mesma”.
Juntou em anexo, um documento intitulado de “Relatório de Avaliação Imobiliária”.
A exequente, AA, pronunciou-se quanto ao requerimento apresentado pela executada, advogando que:
“(…) relativamente ao imóvel da verba 1, dúvidas não há de que não havendo nos autos qualquer valor comercial, o valor maior é o valor patrimonial tributário, o qual resulta de avaliação feita em 15/07/2015, no valor de 107.310,00 euros, como tudo resulta da caderneta predial urbana.
Quanto à verba n.º 2, vem a executada juntar aos autos uma avaliação feita no ano de 2016, a seu pedido, que atribuiu ao prédio o valor de 347.319,07 euros, o que não tem o mínimo de correspondência com a realidade do seu valor comercial. Aliás, basta ver os pressupostos em que tal avaliação assenta, para se ver o absurdo dos valores obtidos, com uma sobrevalorização das vendas e uma subavaliação dos custos. Valor absurdo esse que é perfeitamente demonstrado pelo valor dos bens imóveis comparados,
De resto a executada já teve o prédio negociado segundo o seu anterior mandatário por 150.000,00 euros, mas que nunca apareceu para fazer o contrato; o que de todo é inadmissível.
Pelo que não pode ser aceite o pretendido valor, impugnando-se assim o valor do relatório”.

Em 30/08/2018, exequente e executada foram notificados da seguinte decisão do agente de execução:
“Nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 2, do art. 812º do CPC, fica V. Exª notificada da decisão proferida pelo agente de execução quanto à modalidade de venda, que será mediante apresentação de propostas em carta fechada, sendo o valor base da venda:
Verba um: 150.000.00 euros.
Verba dois: 70.000,00 euros”.

Em 20/09/2018, o agente de execução requereu ao juiz de execução que designasse dia e hora para abertura de propostas em carta fechada.
Os autos foram conclusos ao juiz da execução, em 01/10/2018, com a informação lavrada pela secção de que: “o requerimento para outras questões de 21/09/2018, refere “discordar da decisão”, o que pode consubstanciar uma reclamação de um ato, não tendo sido paga a taxa de justiça”.
Na sequência dessa informação, o julgador a quo proferiu despacho, determinando que os autos de execução aguardassem o desfecho do recurso, “atento o efeito do recurso fixado no dia de hoje no apenso C”.
Em 31/01/2019, foi proferido acórdão por esta Relação, que julgou improcedente o recurso interposto pela executada no apenso C.
Em 24/09/2019, a exequente, CC, requereu que o agente de execução proferisse decisão sobre “todas as questões pendentes, saneando o processo, fixando os valores base e a modalidade da venda e ordenando a realização das vendas com a máxima urgência através de leilão eletrónico, nos termos da lei”.
Alegou para tanto, além do mais, que: “Decorridos oito meses, o Exmo. Sr. AE decidiu fixar os valores em 150.000,00 euros para a verba 1 e 70.000,00 euros para a verba 2 e determinar que a venda seria pela apresentação de propostas em carta fechada, apesar de, em 31/10/2017, lhe ter sido requerida a venda por leilão eletrónico Ref.ª ...60. O que foi reclamado pela executada, a qual de novo reclamou do valor da verba 2 e juntou o mesmo relatório, que já estava decidido e dado sem efeito no apenso C”.
Em 02/10/2019, a executada pronunciou-se quanto ao requerimento que antecede, alegando não concordar “minimamente, com a leitura do rito processual destes autos, nos termos gizados pela exequente. Até porque estando pendente a apreciação de um recurso interposto pela própria exequente, mal se compreende a tomada de posição da exequente e a nulidade suscitada”.
 Concluiu pedido que se indeferisse o requerido pela exequente.
Em 16/10/2019, a exequente, AA, requereu a venda imediata do bem imóvel hipotecado, alegando, além do mais, o seguinte:
“Por requerimento de 31 de outubro de 2017, a exequente credora requereu a venda eletrónica dos bens penhorados e indicou os respetivos valores.
Em 18 de dezembro de 2017, o Exmo. Sr. AE notificou a exequente e executada para se pronunciarem sobre a modalidade da venda e os valores pelo mesmo atribuídos de 120.000,00 euros à verba 1 e 60.000,00 euros à verba 2.
 A esses valores opôs-se a executada por requerimento de 09 de janeiro de 2018, reclamando para a verba n.º 2 o valor de 347.319,00 euros.
Por notificação de 30 de agosto de 2018, o Exmo. Sr. AE definiu como modalidade a venda mediante proposta em carta fechada e fixou os valores da verba 1 em 150.000,00 euros e da verba 2 em 70.000,00 euros.
Reclamou a executada seja do valor da verba n.º 2 seja da modalidade.
Decorrido mais de um ano o tribunal ainda não decidiu a reclamação daquela, o que obstou a que até à data a venda tenha sido feita e a exequente receba o seu crédito.
A fim, de se dar andamento às vendas e até para se aquilatar da falta de verdade quanto ao valor do prédio da verba n.º 2, a exequente declara que não se opõe ao pretendido pela executada, ou seja, que a venda dos bens seja feita por leilão eletrónico, o valor base da venda do imóvel e da verba n.º 2 seja o indicado de 379.319,00 euros. Pois que assim se verificará que não irão aparecer quaisquer ofertas daquele montante ou qualquer outro que daquele se aproxime. Tudo a fim de a exequente obter o pagamento”.
 
O julgador da execução a quo proferiu, em 30/10/2019, o despacho que se segue:
“Quanto à reclamação com a ref. ...90:
Uma vez que a exequente concorda com os valores indicados pela executada, determino que o senhor agente de execução procede à venda dos bens imóveis penhorados nos autos, fixando-se o valor da verba n.º 1 em 150.000,00 euros e da verba n.º 2 em 347.319,00 euros.
A venda deverá ser feita através de leilão eletrónico
Sem custas.
Notifique”.

O despacho que antecede foi notificado à exequente, à executada e ao agente de execução, via Citius, em 30/10/2019.
Em 14/11/2019, o agente de execução proferiu a decisão que se segue:
“Alteração da decisão de venda para leilão eletrónico.
Considerando que: (…).
Decide-se:
1) Alterar a decisão anteriormente tomada (carta fechada) no sentido de a venda ser feita através de leilão eletrónico, alterando-se o valor base anteriormente fixado, verba dois para o valor de 347.319,00 euros (…).
2) Da decisão do agente de execução cabe reclamação a ser apresentada, através de requerimento dirigido ao juiz do processo, no prazo de 10 dias contados da presente notificação.
3) Durante o período em que decorra a venda poderá solicitar ao agente de execução o agendamento de visitas ao imóvel que se encontra para venda.
4) Determina-se que as visitas ocorram às terças-feiras entre as 15 horas e 17 horas”.

Em 30/10/2020, o agente de execução notificou exequente e executado para o teor da certidão de encerramento do leilão eletrónico em que se vê que os prédios penhorados sob as verbas n.ºs 1 e 2 não obtiveram qualquer proposta.
Em 31/03/2020, a exequente, AA, requereu que se fixasse o valor da venda da verba dois em metade do valor de 347.319,00 euros fixado no despacho de 30/10/2019, ou seja, no valor de 173.660,00 euros, “a fim de o mesmo ser de novo posto à venda em leilão eletrónico por 85% daquele valor base, ou seja, 147.611,00 euros”.
A executada BB respondeu, opondo-se ao requerido, requerendo que fosse “agendada nova data para venda do imóvel, nas mesmas condições, ou seja, pelo mesmo valor. Até porque, como sabemos os tempos que vivemos – derivados da situação da pandemia – são desfavoráveis à visita dos bens (e demais diligências que os interessados possam querer fazer) levando ao desinteresse dos potenciais compradores. Situações que, aliás, levou a que a totalidade dos leilões da plataforma e-leilões se encontrem suspensas”.
Mais alegou que: “o valor base do bem imóvel objeto do referido leilão eletrónico foi fixado por despacho com a concordância da exequente, no cumprimento das regras estabelecidas os termos do art. 812º, n.º 3 do CPC. Não podendo o mesmo ser alterado, muito menos para metade do seu valor”.
Seguiu-se resposta da exequente, alegando que a executada “procura obstaculizar por todos os meios, mesmo com variedades, a venda dos bens imóveis, para pagamento à exequente. Ao contrário do vertido no item 3, o período de leilão na plataforma decorreu durante o mês de fevereiro e antes da declaração do estado de emergência. Pelo que a falta de propostas não decorreu de quaisquer outras circunstâncias, que não e apenas um preço manifestamente excessivo. Não prevê a lei a repetição de um ato inútil, antes pelo contrário o proíbe. (…). A colocação à venda na plataforma eletrónica por 85% do valor de ½ não causa qualquer prejuízo à executada, na exata medida em que, se o pedido à venda tiver maior valor, as propostas a apresentar em licitação pelos proponentes revelarão esse valor”.
Conclui pedindo que, com a maior brevidade possível, fosse determinada a venda, por 85% de 173.660,00 euros, ou seja, pelo valor correspondente a 147.611,00 euros.
Seguiu-se nova resposta, em 03/06/2020, da parte da executada, que se opôs ao requerido pela exequente, reiterando o que antes requerera.
Em 03/07/2020, o agente de execução requereu ao juiz de execução que informasse qual o valor da venda fixado para proceder à venda do bem imóvel com a descrição ...08-... (isto é, o prédio penhorado sob a verba n.º 2), “por negociação particular através de leilão eletrónico”.
Em 05/02/2021, a exequente, AA, requereu que: “decorrido que vai um ano sobre o primeiro e último leilão eletrónico efetuada na plataforma sobre o prédio hipotecado e penhorado como verba n.º 2, imóvel rústico, terreno de cultura descrito na CRP sob o n.º ...08 - ..., art. 2459º, não apareceu então, nem posteriormente qualquer proposta de qualquer valor para sua aquisição. A exequente requereu, por isso que o prédio seja de novo e nas mesmas condições colocado à venda em leilão eletrónico. A fim de demonstrar a fantasia do valor atribuído pela executada e a irrealidade do valor comercial do valor do prédio em causa pretendido pela executada. E isto atenta a falta de pronúncia do Exmo. Senhor juiz sobre o pedido formulado pela exequente de redução do valor para metade”.
Requereu que, “logo que termine esse segundo leilão seja de novo apresentado um terceiro leilão eletrónico nas mesmas condições”.
Em 15/04/2021, a executada reiterou a sua oposição à redução do valor base do prédio penhorado sob a verba n.º 2 fosse reduzido para metade e reafirmando que, havendo falta de proposta na venda de leitão de leilão eletrónico, se deverá agendar nova data para venda do imóvel nas mesmas condições, ou seja, pelo mesmo valor.
Em 29/04/2021, a exequente veio insistir que a executada visa obstaculizar a venda, advogando que aquela, “apesar do demonstrado resultado da venda por leilão eletrónico continua a teimar manter o valor e a pedir a repetição (inútil) do mesmo ato. A prática de atos inúteis e proibidos expressamente pelo CPC. Não há qualquer acordo entre exequente e executada quanto à fixação de um valor inferior. A exequente não possui nenhum comprador interessado no prédio por valor superior a 80/90 mil euros, valor esse indicado como sendo o valor de mercado do prédio. A executada também não apresenta qualquer comprador, seja porque valor for e muito menos pelo valor por si pretendido. Vai já decorrido mais de um ano sobre o fim da última publicitação sem que tenha havido qualquer oferta de compra nos autos por qualquer valor”.
Requereu se ordenasse a venda do prédio por negociação particular e se fixasse o valor deste, que nunca deverá ser superior a 90.000,00 euros.
Seguiu-se resposta da executada (em 11/05/2021) em que se opôs ao requerido pela exequente.
Seguiu-se contrarresposta da exequente, em 14/05/2021, reiterando o que antes tinha requerido, e, em 27/05/2021, nova resposta da executada à contrarresposta da exequente.
Em 08/07/2021, a 1ª Instância proferiu o despacho que se segue:
Referências ...53, ...13, ...69, ...64 e ...62:
Por decisão de 30-10-2019, determinou-se a venda mediante leilão eletrónico dos bens imóveis penhorados nos autos, fixando-se o valor da venda da verba n.º 1 do auto de penhora de 22-12-2016, em € 150.000,00 e da verba n.º 2 em € 347.319,00.
Efetuado o leilão eletrónico não foram apresentadas propostas.
Veio a exequente, em 31-03-2020, requerer que, atenta a falta de propostas, seja o valor da venda da verba n.º 2 fixada em metade do valor de 347.319,00€, ou seja no valor de 173.660,00€, a fim de o mesmo ser de novo posto à venda em leilão eletrónico por 85% daquele valor base, ou seja, 147.611,00€.
Posteriormente, veio a exequente, através de requerimento junto aos autos em 29-04-2021, requerer que a venda se faça por negociação particular, bem como que se baixe o valor da venda para valor não superior a € 90.000,00.
A tal se opôs a executada.
Nos termos do disposto no artigo 812º, nº3, do NCPC, o valor base dos bens imóveis corresponde ao maior dos seguintes valores:
valor patrimonial tributário, nos termos de avaliação efetuada há menos de 6 anos; e o valor de mercado.
Uma vez que a exequente refere que o valor fixado para venda do bem imóvel identificado na verba n.º 2 do auto de penhora está desatualizado e é excessivo (ainda que nenhum elemento probatório junte aos autos que o comprove), ao que se opôs a executada, entendemos ser de realizar uma avaliação ao identificado imóvel para determinar o respetivo valor atual de mercado.
Desde já se nomeia para realizar a referida avaliação a pessoa ou entidade com idoneidade e competência idónea que vier a ser indicada pela secção.
Prazo: 15 dias.
Notifique”.

Em 03/02/2022, a exequente insistiu para que se notificasse o perito nomeado para apresentar a avaliação do prédio em causa no mais curto espaço de tempo, a fim de que se colocasse o prédio à venda com a máxima urgência, pretensão essa que reiterou por requerimentos de 21/02/2022 e 19/04/2022.
Em 26/05/2022, o agente de execução notificou DD de que fora nomeado perito para efetuar a avaliação do prédio penhorado sob a verba n.º 2.
Em 28/02/2022, o perito juntou aos autos relatório pericial, em que avaliou o valor de mercado do prédio objeto da perícia (verba n.º 2) em 164.880,00 euros.
Em 05/07/2022, a exequente, AA, requereu que se ordenasse a venda do prédio penhorado sob a verba n.º 2 por 85% do valor de 154.880,00 euros, ou 85% do valor de 164.880,00 euros.
Em 14/07/2022, a executada, BB, reclamou contra o relatório pericial apresentado, requerendo que o perito prestasse os esclarecimentos por ela solicitados; fosse notificado para comparecer em audiência final, a fim de prestar, sob juramente, os esclarecimentos que lhe fossem solicitados; e, finalmente, que fosse realizada segunda perícia.
A exequente opôs-se ao requerido (cfr. requerimento de 03/08/2022).
Em 26/05/2023, o julgador a quo indeferiu a reclamação apresentada pela executada em relação ao relatório pericial, bem como a realização de segunda perícia por esta requerida, e fixou o valor base do prédio penhorado sob a verba n.º 2 em 164.880,00 euros e determinou que este, juntamente com o prédio penhorado sob a verba n.º 1 fossem vendidos por leilão eletrónico”, constando esse despacho do teor que se segue:
“Relativamente à reclamação formulada quanto ao relatório pericial, há que esclarecer que, efetivamente, verifica-se que a executada foi notificada do relatório pericial apenas no dia 30/06/2022, pelo que, nesta conformidade, a reclamação formulada é tempestiva, não sendo devida, por isso, qualquer multa processual, contrariamente ao por lapso afirmado.
Isto posto, vejamos se existe fundamento para solicitar a realização de uma segunda perícia, a pretexto de que à verba n.º 02 deve ser atribuído o valor de 347.319,00€,
Deste lodo, cumpre enfatizar que, por despacho de 30/10/2019 [Ref.ª ...37], decidiu-se o seguinte: «Uma vez que a exequente concorda com os valores indicados pela executada, determino que o senhor agente de execução proceda à venda dos bens imóveis penhorados nos autos, fixando-se o valor da venda da verba n.º 1 em € 150.000,00 e da verba n.º 2 em € 347.319,00. A venda deverá ser feita através de leilão eletrónico».
No entanto, submetido tal prédio a venda em leilão eletrónico [que é o meio preferencial para a venda de bens imóveis – art.º 837.º do CPC], não foram apresentadas quaisquer propostas, tendo o exequente requerido que fosse fixado novo valor para venda em leilão eletrónico, ou seja, o «valor de 173.660,00€, a fim de o mesmo ser de novo posto à venda em leilão eletrónico por 85% daquele valor base, ou seja, 147.611,00€» [ref.ª ...53 de 31/03/2020], sendo que a executada opôs-se a tal pretensão [.../05/2020]
Neste seguimento, por despacho datado de 08/07/2021 (ref.ª ...64), foi determinada a realização de uma perícia, por forma a determinar o valor de mercado do imóvel penhorado sob a verba n.º 02, o qual concluiu que ao bem deve se atribuído o valor de 164.880,00€ [.../06/2022].
Deste relatório, reclamou a executada, pretendendo a obtenção de esclarecimentos e a realização de uma segunda perícia.
Ora, relativamente aos esclarecimentos suscitados, mostram-se os mesmos impertinentes, uma vez que as questões enfatizadas pela executada foram devidamente ponderadas, assim como esclarecidos os meios utilizados pelo perito para a avaliação, designadamente, a área, localização, proximidade ao centro cívico, infraestruturas básicas envolventes, benfeitorias e acessibilidades.
Por sua vez, quanto ao pedido de realização de segunda perícia, com o fito pretendido pela executada de fixar o valor base do imóvel em 347.319,00€, haverá também que tomar este pedido como dilatório, considerando que tal valor coincide com o atual valor base e, como estes autos documentam, tal valor base não gerou uma única proposta em sede de leilão eletrónico.
Daí que, louvando-nos no relatório pericial realizado especificamente para o efeito, deverá fixar-se o valor base do imóvel penhorado sob a verba n.º 02 em 164.880,00€, sendo certo que, se porventura, o imóvel vale, de facto, mais do que este valor, naturalmente que as propostas que vieram a ser aprestadas refletirão a sua real valia.
Pelo exposto, fixo ao imóvel penhorado sob a verba n.º 02 o valor de 164.880,00€ (cento e sessenta e quatro mil oitocentos e oitenta euros) e determino que esta verba n.º 02, juntamente com a verba n.º 01, seja submetida a venda por leilão eletrónico”.

O despacho que antecede foi notificado ao exequente, à executada e ao agente de execução.
Por requerimento de 09/06/2023, a exequente declarou concordar “com a venda do respetivo imóvel através da plataforma E-leilões, a iniciar-se pelo valor base de 150.000,00 euros, em relação ao conjunto das frações, na proporção em que foi distribuído por cada uma”.
Por requerimento de 16/06/2023, a executada alegou junto do agente de execução que este a informou que o imóvel correspondente à verba n.º 2 já se encontrava em venda no e-leilões, por negociação particular, que teve início a 01/06/2023, sendo o seu términus a 04/07/2023, quando, por despacho proferido em 26/05/2023, foi determinado que a venda da verba n.º 2, juntamente com a verba n.º 1, fosse vendida por leilão eletrónico.
Mais alegou que, “no que respeita ao requerimento de 07/06/2023 (notificação para pronúncia quanto à modalidade da venda e valor base da verba n.º 1) a constituição da propriedade horizontal valorizou em muito o imóvel, pelo que o valor proposto no requerimento de 07/06/2023 fica muito aquém do valor de mercado. Ademais, em virtude da constituição da propriedade horizontal, é necessário aferir-se se a penhora de todas as frações autónomas é necessária para satisfazer a quantia exequenda, ou se é excessiva”.
Concluiu, pedindo que o agente de execução explicasse aos autos por que razão incumpriu com o despacho proferido em 26/05/2023, no que concerne à modalidade da venda e, consequentemente, se desse sem efeito a publicação efetuada na plataforma e-leilões, colocando um novo anúncio em que a modalidade da venda seja por leilão eletrónico.
Mais requereu que indicasse qual a fração autónoma pertencente à verba n.º 1 que deverá continuar penhorada, procedendo-se, consequentemente, ao levantamento da penhora das restantes três frações, limitando-se, assim, a penhora aos bens necessários ao pagamento da dívida exequenda e despesas previsíveis da exequente.
Em 28/06/2023, a exequente respondeu ao requerimento que antecede, solicitando que se indeferisse o requerido.
Em 04/07/2023, o agente de execução pronunciou-se quanto ao requerimento apresentado pela executada nos seguintes termos:
“A venda do imóvel da verba dois foi objeto de venda através de e-leilões, a qual foi registada com o ID (…), com início em 06 de fevereiro de 2020 e fim no dia 17 de março de 2020, pelas 10horas.
Após o encerramento do leilão o resultado foi notificado às partes, sendo que não houve qualquer proposta de aquisição.
Atendendo que não foram apresentadas quaisquer propostas, nos termos do disposto no n.º 2, do art. 882º do CPC, a venda será realizada por negociação particular (art. 822º, al. f) do CPC), sendo o encarregado da venda o agente de execução ou pessoa por ele a indicar, o que será feito sempre com observância do disposto no n.º 2 do art. 833º do CPC.
Ora, tendo havido leilão eletrónico sem propostas a venda é por negociação particular, pelo que, com o devido respeito, que é muito, a interpretação que faço do referido despacho é que a venda por negociação articular teria de ser publicitada no e-leilões.
Pelo que a venda por negociação particular está publicitada no e-leilões com a refª NP ...23, a qual teve início no dia 01 de junho e o fim no dia de hoje (04/07/2023)”.

Ainda, em 04/07/2023, o agente de execução remeteu o processo para decisão do juiz da execução, com os seguintes fundamentos:
“Nos presentes autos as partes foram notificadas em 07 de junho de 2023 para se pronunciarem sobre a modalidade da venda e respetivo valor base relativamente à verba descrita sob o n.º 1.
A venda é realizada através do e-leilões e o valor base da venda proposto seria de 150.000,00 euros.
Em 09 de junho de 2023, através do requerimento com a referência (…) a exequente concordou com a venda através da plataforma e-leilões e pelo valor base de 150.000,00 euros.
Em 16 de junho de 2023, através do requerimento com a referência (…) a executada não concorda com o valor base apresentado.
Pelo exposto a presente decisão será remetida para despacho do Mm. º Juiz”.

Por requerimento de 07/07/2023, a exequente, AA, veio impugnar a decisão do agente de execução, alegando que, por despacho de 26/05/2023, foi fixado o valor da verba n.º 1 em 150.000,00 euros e foi decidido que a verba n.º 2, juntamente com a verba n.º 1, seriam submetidas a venda por leilão eletrónico, sendo que o referido despacho transitou em julgado, pelo que apenas cabe ao agente de execução dar-lhe cumprimento.
Por requerimento de 13/07/2023, a executada, BB, respondeu ao requerimento apresentado pela exequente, opondo-se ao requerido, e impugnando a decisão do agente de execução, alegando que, “em virtude da constituição da propriedade horizontal, verifica-se que a penhora de todas as frações autónomas é excessiva em face da quantia exequenda, considerando o valor mencionado como limite da penhora no respetivo auto – 186.000,00 euros – contata-se que o valor de todas as frações pertencentes ao prédio da verba n.º 1 é excessivo. Pois, se atendermos ao valor atribuído à verba nº dois – 164.880,00 euros – verifica-se apenas que se encontra em falta o montante de 21.200,00 euros, pelo que bastará manter-se a penhora de uma das frações autónomas”.
Mais adianta que: “Os valores atribuídos às frações autónomas na notificação do Sr. AE, de 07/06/2023 são completamente desfasadas da realidade do mercado, pelo que não se pode fazer “vista grossa” ao que está a suceder nos presentes autos, nos quais a exequente quer a qualquer custo aproveitar-se (ainda mais!) da executada, pessoa idosa e que não merece”.
Em 04/09/2023, a executada pronunciou-se quanto ao requerimento apresentado em 04/07/2023 pelo agente de execução, requerendo que este aclarasse esse seu requerimento.
Em 06/09/2023, foi junto aos autos informação de acordo com a qual, terminada a venda por negociação particular do prédio penhorado sob a verba n.º 2, foi apresentada uma proposta de 148.000,00 euros.

Em 27/09/2023, a 1ª Instância proferiu o despacho que se segue:
Ref.ª ...31 (02/06/2023), ...89 (16/06/2023), ...62 (28/06/2023), ...08 (04/07/2023), ...06 (07/07/2023) e ...71 (13/07/2023)
Na sequência do despacho com a ref.ª ...88 (26/05/2023), que, na parte que o mesmo já transitou em julgado, foi determinada a venda da verba n.º 01, ou seja, do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...27-... [AP. ...27 de 2016/11/15] (Verba n.º 1).
Posteriormente, não obstante a penhora efetuada, a executada submeteu tal prédio ao regime de propriedade horizontal [AP. ...87 de 2017/10/11], formando as frações ..., ..., ... e ... [cfr. certidão predial – ref.ª ...70 – 01/06/2023], sendo certo, todavia, que foi averbada às descrições subordinadas entretanto abertas [A, B, C e D] a penhora que incidia sobre a totalidade do prédio antes da sua sujeição ao regime de propriedade horizontal.
Deste modo, a venda da verba n.º 1 deverá operar-se mediante a venda conjunta das 04 (quatro) frações em que a mesma atualmente se decompõe, em consequência da constituição da propriedade horizontal celebrada posteriormente à penhora, inexistindo fundamento legal que suporte o pedido efetuado pela executada, no sentido de que a penhora deverá restringir-se a apenas uma das frações, entretanto criada.
Por outro lado, ainda, caso porventura se considerasse que a sujeição da verba n.º 01 ao regime da propriedade horizontal culminou um eventual excesso de penhora, o certo é que a executada não deduziu incidente oposição à penhora, com base nesse fundamento supervenientemente ocorrido: bem pelo contrário, apesar de ter conhecimento de tal facto pelo menos desde a data em que o mesmo foi registado (11/10/2017), não o deu a conhecer nos autos, não deduziu oposição superveniente à penhora e, inclusivamente, quando, em novembro de 2019, iniciou o apenso de oposição à penhora [D] restringiu os fundamentos do mesmo apenas à questão as rendas da referida verba n.º 1.
Já no que tange ao valor a atribuir a cada uma das frações [A, B, C e D], o Sr. AE deu cumprimento ao artigo 812.º, n.º 1 do CPC [ref.ª ...21 e ...23 – 07/06/2023], concedendo o contraditório à partes, cabendo-lhe agora proferir decisão quanto à modalidade da venda das frações referente à verba n.º 01 (obedecendo ao despacho onde se determinou e a mesma seria efetuada por meio venda em leilão eletrónico) e, bem assim, quanto ao valor a dar a cada uma dessas frações, cabendo ao mesmo, se assim o entender, promover diligências de avaliação destinadas ao apuramento do valor base a atribuir a cada uma das frações (art.º 815.º, n.º 5.º do CPC).
Por sua, vez dessa decisão, poderão as partes apresentar reclamação nos termos do art.º 812.º, n.º 7 do CPC, sendo que, caso a mesma venha a ser apresentada, oportunamente o tribunal decidirá a reclamação que vier a ser formulada (art.º 812.º, n.º 7 do CPC).
Por fim, de acordo com o despacho com a ref.ª ...88 (26/05/2023), o que nele se determinou foi que a verba n.º 02 deveria ser vendida segundo a modalidade de venda em leilão eletrónico (e não através de venda por negociação particular), tomando-se por referência o novo valor base desta verba [164.880,00€ (cento e sessenta e quatro mil oitocentos e oitenta euros)], razão pela qual deverá declarar-se nulo este ato de venda por negociação particular da verba n.º 02, determinando-se que a venda executiva  desta verba n.º 02 se faça nos termos já decididos: venda em leilão eletrónico [art.º 811.º, n.º 1, al. g) e 837.º do CPC].
*
Pelo exposto, decide-se:
A- Indeferir o requerido pela executada, por falta de fundamento legal, no que tange ao pedido de restrição da penhora efetuada sobre a verba n.º 01 a apenas uma das frações autónomas constituídas após a realização da penhora;
B- Indeferir o requerido pela executada, no que tange à realização de avaliação das frações em que se decompôs a verba n.º 1, e
C- Declarar nula a venda por negociação particular n.º 02 e determinar que a mesma seja efetuada através venda em leilão eletrónico, em conformidade com o determinado no despacho com a ref.ª ...88 (26/05/2023).
*
Ref.ª ...70 (04/07/2023): Conforme resulta do despacho que antecede, em obediência ao disposto nos artigos 719.º, n.º 1 e 812.º, n.º 1 do CPC, incumbe ao AE proferir decisão acerca da modalidade da venda e valor a atribuir a cada uma das frações em que, entretanto, se decompôs a verba n.º 1, sendo apenas da competência do juiz de execução decidir a reclamação que, eventualmente, venha a recair sobre tal decisão.
Pelo exposto, mostra-se indevida a remessa dos autos ao juiz de execução para prolação da mencionada decisão, devendo o Sr. AE, ao invés, atuar em conformidade com o supra exposto.
*
Ref.ª ...98 (04/09/2023): Prejudicado o pedido de esclarecimento suscitado pela executada, a propósito da venda por negociação particular da verba n.º 02, atendendo a que a mesma foi declarada nula, pelas razões supra expostas”.

Por requerimento de 29/09/2023, a exequente, AA, requereu a aclaração do despacho que antecede e, subsidiariamente, arguiu a sua nulidade, nos termos das als. c) e d) do nº 1 do art.º 615º do C.P.C., com os seguintes fundamentos:
1º- Como bem refere o Exmo. Sr. Juiz: “a venda da verba nº1 deverá operar-se mediante a venda conjunta das 04 (quatro) frações em que a mesma atualmente se decompõe”
PORÉM,
2º- E contraditoriamente, mesmo depois de no parágrafo seguinte, seguir aquela linha de raciocínio quanto à não oposição à penhora, o Exmo. Senhor Juiz exarou:
“Já no que tange ao valor a atribuir a cada uma das frações [A, B, C e D], o Sr. AE deu cumprimento ao artigo 812.º, n.º 1 do CPC [ref.ª ...21 e ...23 07/06/2023], concedendo o contraditório às partes, cabendo-lhe agora proferir decisão quanto à modalidade da venda das frações referente à verba n.º 01 (obedecendo ao despacho onde se determinou e a mesma seria efetuada por meio venda em leilão eletrónico) e, bem assim, quanto ao valor a dar a cada uma dessas frações, cabendo ao mesmo, se assim o entender, promover diligências de avaliação destinadas ao apuramento do valor base a atribuir a cada uma das frações (art.º 815.º, n.º 5.º do CPC).”
3º- Ora, compulsados os autos há muito que se encontra fixado o valor do prédio da verba nº 01 sendo que a Executada não se opôs ao valor de 150.000,00 € (cento e cinquenta mil euros).
4º- Como o Exmo. Sr. Juiz refere e bem em 07/06/2023 o Sr. A.E. comunicou a venda e repartiu aquele valor pelo conjunto das 4 frações, atenta a modificação jurídica que a Executada introduziu no imóvel constituindo a P.H., a qual ao ser registada importou para cada fração o ónus relativo à penhora registada.
5º- Tendo o Sr. Juiz decidido que o prédio da Verba 1 deverá operar-se mediante a venda conjunta das 4 frações é irrelevante e desnecessário, uma vez que o valor daquela verba já havia sido fixado, qualquer avaliação.
6º- De resto, o que o despacho ora reclamado, não apreciou, salvo melhor entendimento foi a reclamação da Executada de 16 de junho último e que o Sr. A.E. por requerimento de 04 de julho remeteu para apreciação, o que não foi decidido.
7º- Assim a falta de decisão sobre a questão remetida pelo Sr. A.E. para apreciação integra nulidade nos termos da al. d) do nº 1 do artº. 615º do C.P.C. o que também expressamente se argui.
8º- Pois que, além disso as decisões transitadas por não reclamadas ou até aceites têm de se manter nos autos até que se verifiquem circunstâncias que determinem a sua alteração.
9º- Pelo que o prédio da verba 1 tem de ser submetido a leilão pelo valor total de 150.000,00 € (cento e cinquenta mil euros), valor este a ser repartido pelas 4 frações, repartição esta que em nada influi na medida em que é todo o prédio que vai à venda independentemente de se dizer que o mesmo está agora constituído em P.H. e é composto por quatro frações autónomas.
10º- Pela singela razão de que nenhuma fração poderá ser licitada autónoma e individualmente.
Termos em que requer a V. Exa. se digne aclarar o despacho e pronunciar-se sobre a questão remetida para apreciação.

A executada pronunciou-se quanto ao requerimento que antecede, pugnando no sentido de se indeferir o nele requerido, nos termos que se seguem:

1- Veio a Exequente, através do requerimento que antecede, requerer a aclaração do despacho de 27/09/2023, sob a referência ...05, bem como arguir a nulidade do mesmo, nos termos das als. c) e d), do nº 1 do artigo 615º do CPC.
2- Ora, entende a Executada que tal requerimento não deve proceder, pelas razões que passarão a explicar.
3- O despacho proferido não enferma de qualquer erro/nulidade ou de qualquer impercetibilidade no tange ao valor das frações.
4- Refere então o despacho que:
“Deste modo, a venda da verba n.º 1 deverá operar-se mediante a venda conjunta das 04 (quatro) frações em que a mesma atualmente se decompõe, em consequência da constituição da propriedade horizontal celebrada posteriormente à penhora (…)
no que tange ao valor a atribuir a cada uma das frações [A, B, C e D], o Sr. AE deu cumprimento ao artigo 812.º, n.º 1 do CPC [ref.ª ...21 e ...23 07/06/2023], concedendo o contraditório às partes, cabendo-lhe agora proferir decisão quanto à modalidade da venda das frações referente à verba n.º 01 (obedecendo ao despacho onde se determinou e a mesma seria efetuada por meio venda em leilão eletrónico) e, bem assim, quanto ao valor a dar a cada uma dessas frações, cabendo ao mesmo, se assim o entender, promover diligências de avaliação destinadas ao apuramento do valor base a atribuir a cada uma das frações (art.º 815.º, n.º 5.º do CPC).”
5- A Exequente tenta tapar o sol com a peneira através do requerimento que formulou.
6- Isto porque, compulsado o despacho, o que é nele referido é que a venda da verba nº 1 deverá operar-se mediante a venda conjunta das quatro frações, mas não quer isto dizer que o valor conjunto dessas mesmas frações (atenta a propriedade horizontal), seja o de € 150.000,00 (cento e cinquenta mil euros), já que, naturalmente, nunca seria um valor de acordo com a realidade predial.
7- Assim, é evidente que ainda que nenhuma fração seja vendida autonomamente, como refere o despacho, o valor de venda terá de ser apurado de acordo com a sua realidade predial e de mercado, através de uma nova avaliação.
8- Ademais, não se compreende, a não ser como mais uma manifestação da grotesca má-fé que move a Exequente, como tenta a todo o custo fazer crer que a verba nº 1 vale apenas € 150.000,00 (cento e cinquenta mil euros).
9- Ora, tal comportamento é demonstrativo que a Exequente tem um interesse próprio em que a venda da verba nº 1 seja apenas por aquele referido valor, pois, e atendendo ao comportamento da mesma ao longo dos presentes autos – sempre sedenta por receber o valor da quantia exequenda (ainda que ilegal como bem sabe), seja a que título for – seria expectável que pretendesse que o valor da venda fosse o mais alto possível, por forma a ver ressarcido o seu putativo crédito.
10- Ao contrário disto, pretende que a verba nº 1, seja vendida por uma “bagatela”, o que é, no mínimo, suspeito,
11- Pois, e se atentarmos à modalidade de venda da verba nº 2, o Sr. Agente de Execução – eterno escudeiro da Exequente – por conveniente lapso, tentou que a venda da referida verba fosse concretizada por negociação particular.
12- Tudo isto revela-se, no mínimo, bastante lamentável…

A 1ª Instância proferiu, em 07/11/2023, despacho, indeferindo o pedido de aclaração e as nulidades suscitadas pela exequente, constando esse despacho do seguinte teor:

Ref. ...63 (29/09/2023), ref.ª...89 (11/10/2023) e ref.ª ...15 (12/10/2023):
Veio a exequente (.../09/2023) requerer a aclaração do despacho proferido a 27/09/2023, ou, subsidiariamente, a sua nulidade, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, als. c) e d), do CPC, porquanto entende que, tendo sido proferida decisão em 23/10/2019, sobre o valor da venda da verba n.º 1 (150.000,00€), a circunstância de ter sido constituída propriedade horizontal não influencia essa decisão, pelo que nada há a determinar pelo Sr. Agente de Execução quanto ao valor da venda deste bem.
Ademais, entende que ficou por decidir a reclamação que a executada apresentou em 16/06/2023 e que o Sr. Agente de Execução remeteu para apreciação judicial a 04/07/2023.
Conclui, assim, pela necessidade de aclaração do referido despacho, bem como pela necessidade de pronúncia sobre a questão remetida para apreciação.
Respondeu a executada, referindo, em síntese, que o despacho proferido em 27/09/2023 demonstra que a constituição da propriedade horizontal não interfere com a venda do imóvel no seu conjunto, mas que o seu valor de venda deve ser atualizado, atenta a constituição de propriedade horizontal.
Por fim, vem a exequente referir que os comportamentos da Executada se têm revelados obstrutivos da finalidade primordial da ação executiva, concluindo pela necessidade de tais condutas serem apreciadas para os devidos efeitos legais e processuais.

Apreciando e decidindo:

Por facilidade de exposição e compreensão da presente decisão, cumpre referir que nosso despacho de 27/09/2023, referimos, além do mais, o seguinte: “Deste modo, a venda da verba n.º 1 deverá operar-se mediante a venda conjunta das 04 (quatro) frações em que a mesma atualmente se decompõe, em consequência da constituição da propriedade horizontal celebrada posteriormente à penhora, inexistindo fundamento legal que suporte o pedido efetuado pela executada, no sentido de que a penhora deverá restringir-se a apenas uma das frações entretanto criada (…) Já no que tange ao valor a atribuir a cada uma das frações [A, B, C e D], o Sr. AE deu cumprimento ao artigo 812.º, n.º 1 do CPC [ref.ª ...21 e ...23 – 07/06/2023], concedendo o contraditório às partes, cabendo-lhe agora proferir decisão quanto à modalidade da venda das frações referente à verba n.º 01 (obedecendo ao despacho onde se determinou e a mesma seria efetuada por meio venda em leilão eletrónico) e, bem assim, quanto ao valor a dar a cada uma dessas frações, cabendo ao mesmo, se assim o entender, promover diligências de avaliação destinadas ao apuramento do valor base a atribuir a cada uma das frações (art.º 815.º, n.º 5.º do CPC). Por sua, vez dessa decisão, poderão as partes apresentar reclamação nos termos do art.º 812.º, n.º 7 do CPC, sendo que, caso a mesma venha a ser apresentada, oportunamente o tribunal decidirá a reclamação que vier a ser formulada (art.º 812.º, n.º 7 do CPC).”
Ora, desta decisão há duas conclusões a extrair.
Em primeiro lugar, a circunstância da executada ter submetido ao regime de propriedade horizontal a verba n.º 1 não determina, conforme era pretendido por si, que a penhora passe a incidir apenas sobre uma das frações, mas invés que a penhora incide sobre as 04 frações e, estando as mesmas penhoradas, deverão aos mesmo ser objeto de venda judicial, tudo, naturalmente, sem prejuízo do disposto no art.º 813.º do CPC, onde se estabelece a regra da instrumentalidade da venda.
Em segundo lugar, é certo que por decisão datada de 23/10/2019, foi fixado para esta verba n.º 1 o valor base de venda de 150.000,00€, isto no pressuposto de que a mesma constituía uma única unidade predial, na medida em que a propriedade horizontal, apesar de ter sido constituída anteriormente, apenas foi trazida ao conhecimento dos autos em momento posterior.
No entanto, considerando que a realidade jurídica do prédio a que se reportava a verba n.º 1 já não coincide com aquela que presentemente existe e, bem assim, que a venda judicial tem forçosamente de incidir sobre as frações autónomas constituídas a partir do mesmo, deverá dar-se cumprimento ao disposto no art.º 812.º, n.º 1 do CPC, mediante a fixação de valor base a cada uma das quatro frações, visto que, em contexto de venda executiva, as mesmas podem ser alienadas a sujeitos diversos.
Daí que, e bem, o Sr. AE deu cumprimento ao artigo 812.º, n.º 1 do CPC [ref.ª ...21 e ...23 – 07/06/2023], concedendo o contraditório à partes, cabendo-lhe proferir decisão quanto à modalidade da venda das frações referentes à verba n.º 01 (obedecendo ao despacho onde se determinou e a mesma seria efetuada por meio venda em leilão eletrónico) e, bem assim, quanto ao valor a atribuir a cada uma dessas frações, tudo isto porque a decisão de 23/10/2019 teve como pressuposto uma realidade jurídica (unidade predial única) que não é a atualmente existente (04 frações autónomas).
Por sua vez, antes dessa decisão – se assim o entender – o Sr. AE poderá promover diligências de avaliação destinadas ao apuramento do valor base a atribuir a cada uma das frações (art.º 812.º, n.º 5, do CPC) e, por fim, poderão as partes apresentar reclamação a essa mesma decisão (artigo 812.º, n.º 7, do CPC), a qual será decidida pelo Tribunal.
Deste modo, entendemos ter por esclarecidas as dúvidas suscitadas pela exequente e, bem assim, ter demonstrado que inexistiu qualquer nulidade referente ao despacho proferido a 27/09/2023, seja por oposição entre fundamentos e decisão, seja por falta de pronúncia, na medida em que o mesmo dá resposta a todas as pretensões e/ou reclamações formuladas pela executada através do requerimento com a ref.ª ...89 (16/06/2023).
Por último, no que respeita ao requerimento apresentado pela exequente em 12/10/2023, nada há a determinar, porquanto a Executada se limitou a exercer o seu direito ao contraditório face ao que havia sido alegado pela exequente.
Pelo exposto, indefere-se o pedido de aclaração e de nulidade apresentado.
Notifique, incluindo o Sr. Agente de Execução.

Inconformada com o decidido, a exequente, AA, interpôs recurso, em que formula as seguintes conclusões:
A- O recurso tem por objeto o despacho proferido pelo Exmo. Sr. Juiz a quo, na exata medida em que o mesmo padece de total e absoluta NULIDADE por violação das disposições legais dos arts.º 620.º e 625.º do Cód. de Processo Civil, o disposto na al. c) do n.º 1 do art.º 615.º do mesmo diploma legal, além da orientação da jurisprudência dos Tribunais Superiores.
B- A fundamentação apresentada no despacho recorrido está em manifesta contradição com a própria decisão, pelo que é óbvia a incoerência da decisão contida no despacho recorrido, com a posição adotada pelo Tribunal a quo, já exteriorizada no decorrer do processo, em despachos já transitados em julgado, violando assim a exceção de caso julgado.
C- In casu, resulta que há muito (já desde ../../2019) se encontra fixado o valor do prédio descrito sob a verba n.º 1, sendo certo que nem a Recorrente, nem a Recorrida se opuseram ao valor atribuído de 150.000,00 €.
D- Além disso, resulta, e bem, seja no despacho de 27/09/2023, seja no despacho recorrido, que o Tribunal a quo evidenciou que o Sr. A.E. em 07/06/2023 comunicou a venda e repartiu aquele valor pelo conjunto das 04 frações, atenta a modificação jurídica que a Recorrida introduziu no imóvel, instituindo a propriedade horizontal, querendo o mesmo significar que a venda do respetivo imóvel, através da plataforma E-leilões, tinha de se efetuar pelo valor base de 150.000,00 €, mas em relação ao conjunto das frações, na proporção em que foi distribuído por cada uma.
E- Deste modo, tendo o Tribunal a quo decidido que o prédio da verba n.º 1 deveria operar-se mediante a venda conjunta das 04 frações ERA e É absolutamente IRRELEVANTE e DESNECESSÁRIO qualquer avaliação, já que o valor daquela verba, foi já fixado em despacho de 23/10/2019, e por isso há muito transitado em julgado.
F- Nem a Recorrida, nem, especialmente, o Tribunal a quo podem agora vir alegar, como fez o despacho recorrido, que a “constituição da propriedade horizontal” e a consequente alteração da realidade jurídica da verba n.º 1 importa uma alteração substancial relevante, geradora de determinar ao Sr. A.E. que o mesmo proceda às diligencias de avaliação destinadas ao apuramento do valor a atribuir a cada uma das frações, por se tratar de decisão oposta e contraditória com a transitada.
G- Olvidou o Tribunal a quo que a constituição da propriedade horizontal da verba n.º 1, já ocorreu em 11/10/2017 pela Ap. n.º ...87, como resulta das descrições prediais ...27...; 1064/19...; 1064/19...; e ...27..., sem que tenha sido suscitado ou requerido o que quer que fosse, quando o Sr. A.E. proferiu despacho a fixar o valor.
H- Ao contrário do que refere o despacho recorrido, à data do despacho que determinou e fixou o valor de 150.000,00 € à Verba n.º 1 (OUTUBRO DE 2019), já estava comprovado há 02 (DOIS) ANOS a constituição da propriedade horizontal da Verba n.º 1 (OUTUBRO DE 2017), razão porque falece a fundamentação “nova realidade jurídica”, defendida pelo Tribunal a quo, com vista a alterar uma decisão já há muito transitada.
I- As decisões transitadas por não reclamadas, ou aceites (despacho de 23/10/2019) TÊM IMPERATIVAMENTE de se manter nos autos, até que se verifiquem circunstâncias que determinem a sua alteração, desde que superveniente, sob pena de violação da exceção de caso julgado, em preterição dos arts.º 620.º e 625.º do Cód. de Processo Civil.
J- Neste sentido, vislumbra o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, no processo n.º 311/09.0TBBGC-B.G1, de 06/05/2021: “Adquirindo, em regra, valor de caso julgado formal, as decisões de forma (art.º 620.º do CPC), que incidem sobre aspetos processuais (que, em qualquer momento do processo, apreciam e decidem questões que não sejam de mérito), são vinculativas no processo, adquirindo valor de imutabilidade, sendo no processo inadmissível (e por isso ineficaz – art.º 625.º, n.º 2 do CPC) decisão posterior sobre a mesma questão.”.
K- Por isso, o despacho recorrido é ILEGAL, e por isso NULO, porquanto vai totalmente contra a decisão judicial proferida nos presentes autos em 23/10/2019, além de outras que foram proferidas com base nessa decisão primitiva, todas elas já transitadas em julgado.
Nestes termos e nos mais de direito que mui doutamente serão supridos deve o presente recurso ser recebido, dado como provado e procedente, devendo a decisão recorrida ser substituída por outra que revogue a decisão do Tribunal a quo, e por sua vez determine a venda das 04 frações autónomas que integram o prédio da verba n.º 1 pelo valor de 150.000,00 €, que foi já fixado em despacho judicial datado de 23/10/2019, com a Ref.ª ...37, sob pena de, não o fazendo, violar caso julgado.
ASSIM, decidindo, V.ªs Ex.ªs farão, aliás como sempre, JUSTIÇA!
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Não foram apresentadas contra-alegações.
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A 1ª Instância admitiu o recurso interposto como sendo de apelação, a subir imediatamente, em separado e com efeito meramente devolutivo, o que não foi alvo de modificação no tribunal ad quem.
Adicionalmente a 1ª Instância pronunciou-se quanto às nulidades que são assacadas pela apelante ao despacho sob sindicância, concluindo pela não verificação daquelas nos termos seguintes:
“Inexiste qualquer nulidade no despacho sindicado, que deva ou importe ser suprida, uma vez que a mesma não incorre em qualquer um dos vícios plasmados no art. 615º, n.º 1 do CPC, assentando a discordância da recorrente, ao invés, no enquadramento jurídico perfilhado no mesmo”.
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Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
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II- DO OBJETO DO RECURSO

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da apelante, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso - cfr. artigos 635.º, nº 4, e 639.º, nºs 1 e 2, do CPC.
Acresce que, o tribunal ad quem também não pode conhecer de questão nova, isto é, que não tenha sido objeto do despacho sob sindicância, salvo se se tratar de questão que seja do conhecimento oficioso, dado que, sendo os recursos os meios específicos de impugnação de decisões judiciais, mediante o reexame de questões que tenham sido nelas apreciadas, visando obter a sua anulação (quando padeçam de vício determinativo de nulidade), ou revogação ou alteração (quando padeçam de erro de julgamento, seja na vertente de erro de julgamento da matéria de facto e/ou na vertente de erro de julgamento da matéria de direito), nos recursos, salvo a já enunciada exceção, não podem ser versadas questões de natureza adjetivo-processual e/ou substantivo material sobre as quais não tenha recaído, ou devesse recair, o despacho recorrido[1].
No seguimento desta orientação, cumpre ao tribunal ad quem apreciar as seguintes questões:
a- questão prévia, de conhecimento oficioso: se os despachos proferidos pelo juiz da execução em 27/09/2023 (que atendeu à reclamação apresentada, em 07/07/2023, pela apelante contra a decisão proferida pelo agente de execução, em 04/07/2023, em que decidira que a venda dos prédios penhorados sob as verbas n.ºs 1 e 2 seria realizada por leilão eletrónico e remeteu os autos ao juiz da execução para fixação do valor base do prédio penhorado sob a verba n.º 1, e desatendeu à reclamação apresentada pela apelada – executada, BB – em 13/07/2023, em que requereu que a venda do prédio penhorado sob a verba n.º 1 recaísse apenas sobre uma das quatro frações autónomas que atualmente compõem esse prédio, fruto da propriedade horizontal a que, entretanto, foi submetido, e que o fracionou em quatro prédios distintos o prédio penhorado,  bem como se procedesse à avaliação dessas quatro frações) e em 07/11/2023, em que a 1ª instância indeferiu a reclamação apresentada pela apelante quanto àquele primeiro despacho, imputando-lhe o vício da nulidade das als. c) e d), do n.º 1, do art. 615º do CPC, são recorríveis; 
b- no caso positivo, se o que neles foi decidido quanto ao prédio penhorado sob a verba n.º 1 viola o caso julgado formal que cobre o despacho proferido em 23/10/2019;
c- se esses despachos são nulos, nos termos da al. c), do n.º 1 do art. 615º do CPC.
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III- DA FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Os factos que relevam para apreciar a questão objeto do presente recurso são os que constam do relatório acima exarado, a que acresce a seguinte facticidade:
A- O prédio penhorado sob a verba n.º 1, encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...27, encontrando-se constituído em propriedade horizontal pela ap. ...78, de 11/10/2017- cfr. certidão emitida pela Conservatória do Registo Predial ... junta ao presente apenso de recurso.
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IV- DA FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA

A- Da questão prévia: recorribilidade do despacho proferido pelo juiz da execução em 27/09/2023 e do despacho proferido em 07/11/2023, em que a 1ª Instância desatendeu à reclamação apresentada pela apelante em que imputava o vício da nulidade das als. c) e d), do n.º 1, do art. 615º do CPC àquele primeiro despacho.
No presente recurso está em causa a reclamação apresentada pela apelante (exequente, AA) para o juiz da execução, em 07/07/2023, em que se insurgiu contra a decisão proferida pelo agente de execução, de 04/07/2023, em que decidiu que a venda dos prédios penhorado sob as verbas n.º 1 e 2 seria realizada por leilão eletrónico e que remeteu os autos ao juiz da execução para que fixasse o valor base do prédio penhorado sob  a verba n.º 1, dado ocorrerem divergências entre executada e exequente a propósito desse valor, em que a apelante imputou a essa decisão erro de direito decorrente de, na sua perspetiva, o valor base do prédio penhorado sob a verba n.º 1 já se encontrar fixado por decisão judicial, transitada em julgado, proferida em 26/05/2023, onde se fixou esse valor em 150.000,00 euros, e onde também se decidira que esse prédio, assim como o penhorado sob a verba n.º 2, seriam vendidos por leilão eletrónico.
Também está em causa a reclamação apresentada pela apelada (executada, BB), em 13/07/2023, contra a mesma decisão do agente de execução, em que requeria que a penhora e venda do prédio penhorado sob a verba n.º 1 recaísse apenas sobre uma das quatro frações que compõem atualmente esse prédio, fruto da propriedade horizontal que, entretanto, foi objeto, e em que requeria que se procedesse à avaliação dessas quatro frações.
Sobre essas reclamações recaiu o despacho de 27/09/2023, em que a 1ª Instância decidiu atender à reclamação apresentada pela apelante e desatender à apresentada pela apelada e, em consequência, decidiu: a) indeferir o requerido pela executada, por falta de fundamento legal, no que tange ao pedido de restrição efetuada sobre a verba n.º 1 a apenas uma das frações autónomas constituídas após a realização da penhora; b) indeferir o requerido pela executada, no que tange à realização de avaliação das frações em que se decompõe a verba n.º 1; e c) declarar nula a venda por negociação particular do prédio penhorado sob a verba n.º 2 e determinar que a mesma seja efetuada por leilão eletrónico,  como determinado no despacho proferido em 26/05/2023.
Contudo, nesse despacho, concomitantemente com o assim decidido, também se decidiu que, em obediência ao disposto nos arts. 719º, n.º 1 e 812º, n.º 1 do CPC, incumbe ao agente de execução proferir decisão acerca da modalidade da venda e valor a atribuir a cada uma das frações em que, entretanto, se decompôs o prédio penhorado sob a verba n.º 1, o que mereceu que a ora apelante (exequente, AA) tivesse reclamado dessa decisão, imputando-lhe o vício da nulidade do art. 615º, n.º 1, als. c) e d), do CPC, reclamação essa que foi desatendida por despacho proferido pela 1ª Instância em 07/11/2023.
Decorre do exposto, que os despachos sob sindicância são: o despacho proferido em 27/09/2023, em que o julgador a quo conheceu das reclamações acima identificadas apresentadas pela apelante e pela apelada, bem como o despacho proferido em 07/11/2023, em que indeferiu a reclamação apresentada pela apelante em que imputava o vício da nulidade àquele primeiro despacho.
Neste contexto processual impõe-se, antes de mais, indagar se os despachos sob sindicância são suscetíveis de serem impugnados mediante recurso.
Frise-se a este propósito que a recorribilidade dos identificados despachos não decorre da circunstância da apelante, no âmbito do presente recurso, imputar às decisões recorridas o vício da nulidade da al. c), do n.º 1, do art. 615º do CPC (diploma a que se referem todas as disposições legais que se venham a citar, sem menção em contrário).
Na verdade, os vícios da nulidade da sentença encontram-se taxativamente enunciados no n.º 1, do art. 615º e, conforme decorre das diversas alíneas desse preceito, reportam-se a vícios formais da sentença, acórdão (art. 666º, n.º 1) e, por extensão, despacho (art. 613º, n.º 3) em si mesmos considerados, resultante de, na sua elaboração e/ou estruturação, o tribunal não ter respeitado as normas processuais que regulam a sua elaboração e/ou estruturação e/ou as que balizam os limites da decisão nelas proferida.
Precisando, o campo de cognição do tribunal fixado pelas partes e de que era lícito ao tribunal conhecer oficiosamente não foi respeitado, ficando a decisão aquém ou indo além desse campo de cognição, em termos de fundamentos – causa de pedir -, o que se reconduz à nulidade por omissão e excesso de pronúncia, respetivamente, e/ou de pretensão – pedido -, o que se traduz na nulidade por condenação ultra petitum.
Trata-se, por isso, de defeitos de atividade ou de construção da própria sentença, acórdão ou despacho em si mesmos considerados, ou seja, vícios formais ou de conteúdo que afetam essas decisões de per se e/ou os limites à sombra dos quais são proferidas.
Neste sentido nota Abílio Neto que, os vícios determinativos de nulidade da decisão judicial “afetam formalmente a sentença e provocam a dúvida sobre a sua autenticidade, como é o caso da falta de assinatura do juiz, ou a ininteligibilidade do discurso decisório por ausência total de explicação da razão por que se decide de determinada maneira (falta de fundamentação), quer porque essa explicação conduzir logicamente a resultado oposto do adotado (contradição entre os fundamentos e a decisão), ou uso ilegítimo do poder jurisdicional em virtude de se pretender resolver questões de que não podia conhecer (excesso de pronúncia) ou não tratar de questões que deveria conhecer (omissão de pronúncia)”[2].
Acontece que os apontados vícios internos e de conteúdo da sentença, acórdão ou despacho, que determinam a sua nulidade, apenas podem ser arguidos perante o tribunal que proferiu a sentença, o acórdão ou o despacho, em sede de reclamação, no prazo de dez dias, a contar da notificação ao reclamante daqueles, quando o processo não comporte recurso ordinário; de contrário, terão de ser suscitados  em sede de recurso a interpor da sentença, acórdão ou despacho, constituindo um dos fundamentos autónomo do recurso (n.º 4, do art. 615º do CPC).
Daí que, caso os despachos sob sindicância não sejam recorríveis, não é pela circunstância da apelante lhes imputar, no recurso que interpôs, o vício da nulidade da al. c), do n.º 1, do art. 615º, que determina a sua recorribilidade[3].
Posto isto, o modelo da ação executiva que se encontra atualmente em vigor na ordem adjetiva nacional corresponde, em linhas gerais, ao que foi consagrado na Reforma ao CPC em 2008, em que o legislador, com o propósito de aliviar o juiz e a secretaria das diligências de pendor executivo, que lhes ocupavam grande parte do labor, e face aos fracos resultados até aí alcançados nessa matéria, optou por instituir um processo executivo assente num novo modelo em que os atos executivos deixaram de ser realizados pelo tribunal, por meio de funcionário, e passaram para a competência de uma entidade privada: o agente de execução.
O agente de execução passou a ter um poder geral de direção da instância executiva, cabendo-lhe efetuar todas as diligências do processo executivo que não estejam atribuídas à secretaria e que não se encontrem reservadas à competência do juiz da execução.
Esse poder geral de direção da instância executiva que passou a ser da competência do agente de execução inclui, nomeadamente, a realização de citações, notificações, publicações, consultas de bases de dados, penhoras e seus registos, liquidações e pagamentos (art. 719º, n.º 1 do CPC).

Conforme pondera Rui Pinto, a competência do agente de execução é “uma competência ampla, não tipificada e, por isso, tendencialmente expansiva”, atribuindo-lhe, inclusivamente, o n.º 2, do art. 719º uma “pós-competência, na medida em que “Mesmo após a extinção da instância, o agente de execução deve assegurar a realização dos atos emergentes do processo que careçam da sua intervenção”. Por ex: o agente da execução é o competente para realizar as diligências decorrentes de uma posterior anulação da venda”[4].
De fora da competência do agente de execução ficam apenas as diligências do processo executivo que a lei reserva à secretaria (art. 719º, n.ºs 3 e 4, entre outras disposições avulsas previstas no CPC), bem as competências de natureza jurisdicional, as quais são reservadas pelo art. 723º do CPC e por outras disposições legais ao juiz de execução, sob pena de inconstitucionalidade material, por violação do disposto no art. 202º da Constituição da República Portuguesa (CRP).
No novo modelo do processo executivo “a competência do juiz abrange portanto: (i) as “intervenções que a lei especificamente lhe atribui, segundo o corpo do n.º 1 do art. 723º e (ii) o rol de competências constantes desse mesmo n.º 2”. O juiz da execução “tem a reserva da jurisdição (art. 202º, n.º 2 do CRP) e tem, muito isoladamente, competência nos atos executivos. Por umas e por outra, o atual juiz de execução é o juiz das garantias dos direitos subjetivos, em que possui uma competência restrita, tipificada. Por contraste, o agente de execução tem uma competência ampla e não tipificada, correspondente a um poder geral de direção do processo” executivo. Assim, ficou reservado ao juiz de execução o julgamento das questões em que exista um litígio de pretensões, sempre a pedido do interessado[5].
À semelhança do juiz da execução “também a secretaria de execução tem competência restritiva e típicas, sumariadas nos n.ºs 3 e 4 do art. 719º, mas também dispostas avulsamente”[6].
Dito por outras palavras, no novo modelo do processo executivo que se encontra em vigor compete ao agente de execução a prática da quase totalidade dos atos de execução, com exceção dos que se encontram reservados à secretaria e dos materialmente jurisdicionais e especificamente daqueles cuja competência é legalmente deferida ao juiz[7].
Neste sentido lê-se no art. 723º, n.º 1 do CPC, que: “Sem prejuízo de outras intervenções que a lei especificamente lhe atribui, compete ao juiz:
a) Proferir despacho liminar, quando deva ter lugar;
b) Julgar a oposição à execução e à penhora, bem como verificar e graduar os créditos, no prazo máximo de três meses contados da oposição ou reclamação;
c) Julgar, sem possibilidade de recurso, as reclamações de atos e impugnações de decisões do agente de execução, no praxo de 10 dias;
d) Decidir outras questões suscitadas pelo agente de execução, pelas partes ou por terceiros intervenientes, no prazo de cinco dias”.
Face ao poder geral de direção do processo de execução que recai sobre o agente de execução, em que este pratica os atos executivos e profere decisões judiciais sobre a relação processual (v.g., art. 855, n.º 2, al. a)) e ainda sobre a realização coativa da prestação (v.g., arts. 763º, n.º 1, 803º, n.º 1 e 849º), em que nuns casos os atos por ele realizados são vinculados (v.g., modo de realização da penhora), noutros são discricionários (v.g., arts. 812º, n.º 5 e 833º, n.º 1) e noutros são de mero expediente (v.g., fixação da data da venda), perante a prática de ato executivo ou prolação de decisão pelo agente de execução, impõe-se verificar se a lei prevê algum meio processual específico de reação, o qual prefere sobre os meios de reação previstos nas als. c) e d), do n.º 1, do art. 723º; de contrário, os meios de reação contra esses atos executivos do agente de execução são a reclamação, ou, tratando-se de decisão por ele proferida, a impugnação[8].
Note-se que à semelhança do que acontece com as decisões judiciais, também os atos e as decisões do agente de execução encontram-se submetidos ao dever de fundamentação, consagrado no art. 154º; ao regime jurídico das nulidades dos arts. 186º a 202º, incluindo das insupríveis (arts. 184º a 191º), ao regime de arguição legalmente fixado para arguição das nulidades, nomeadamente, quanto às secundárias, às regras dos arts. 195º e 199º (pelo que, não sendo as nulidades secundárias cometidos pelo agente de execução arguidas pelo interessado nos termos e prazos fixados nesse art. 199º, as mesmas consolidam-se na ordem jurídica, não podendo posteriormente ser suscitadas); à regra geral do esgotamento do poder decisório (art. 613º, n.º 1, pelo que, praticado ato ou proferida decisão, o agente de execução fica vinculado ao decidido, não podendo, por sua iniciativa, alterar o que decidiu, apenas podendo o seu ato ou decisão serem alterados/modificados em sede de reclamação, nos termos da al c), do n.º 1, do art. 723º,  a ser apresentada pelo interessado, no prazo de dez dias, sob pena daquele ato ou decisão formar caso estabilizado, adquirindo força vinculativa e de incontestabilidade dentro do processo de execução em que foram praticados ou proferidos semelhante ao caso julgado que recai sobre as decisões judiciais, sem prejuízo do que infra se dirá[9]); à regra do art. 157º, n.º 6, nos termos do qual os erros e omissões dos atos praticados pelo agente de execução não podem, em qualquer caso, prejudicar as partes; à regra dos arts. 613º, n.º 2 e 614º, nos termos da qual o agente de execução pode oficiosamente ou a requerimento, retificar erros materiais, mas não pode conhecer das nulidades decisórias do art. 615º, n.º 1, nem de pedido de reforma do art. 616º, n.º 2, dado que podendo estas apenas serem suscitadas em sede de recurso, têm de ser suscitadas pelo interessado, mediante reclamação nos termos do art. 723º, n.º 1, al. c)[10], bem como à regra de que praticado ato ou proferida decisão pelo agente de execução, se o interessado não reclamar ou impugnar aqueles para o juiz da execução, nos termos do art. 723º, n.º 1, al. c), no prazo de dez dias, o ato por ele praticado ou a decisão prolatada formam caso estabilizado, tornando-se definitivos, por já não serem suscetíveis de serem impugnados perante o juiz, tornando-se incontestáveis e inalteráveis, dado que deixam de ser atacáveis por iniciativa das partes, podendo falar-se num efeito semelhante ao trânsito em julgado da decisão judicial, ou seja, esse ato ou decisão tornam-se, em princípio, imodificável. Mas essa imodificabilidade, contrariamente, ao que acontece com a decisão judicial não é absoluta, uma vez que se o agente de execução, ao praticar ato ou ao proferir a decisão que não foram alvo de reclamação ou impugnação se intrometer na reserva de jurisdição do juiz, o ato ou a decisão por ele proferida são juridicamente inexistentes. Acresce que não obstante aquele ato ou decisão do agente de execução não terem sido objeto de impugnação, formando, conforme antedito, caso estabilizado, esses atos ou decisões ainda podem, dentro de certos limites, serem anulados, revogados ou modificados pelo juiz de execução quando este aceda à instância nos casos tipificados no art. 734º e verifique que ocorrem exceções dilatórias de conhecimento oficioso (art. 578º) ou nulidades de que lhe cumpra conhecer oficiosamente e que não devam considerar-se sanadas (art. 196, ex vi, arts. 186º, 187º, 191º, n.º 2, 2ª parte, 193º e 194º), desde que sobre elas ainda não tenha sido proferido despacho com o valor de caso julgado formal e dentro dos limites temporais do art. 734º[11].
Adiante-se que a reclamação de atos executivos e a impugnação de decisões do agente de execução estrutura-se como um incidente, ao qual são aplicáveis por analogia as normas dos arts. 292º a 295º, com as devidas adaptações, no que forem compatíveis com a ratio do art. 723º, n.º 1, al. c).
Esse incidente inicia-se mediante requerimento do interessado, onde tem de expor a ilegalidade processual ou material ou o erro de julgamento de facto que imputa ao ato ou à decisão proferida pelo agente de execução.
O requerimento tem de ser apresentado pelo interessado no prazo regra de dez dias (art. 149º, n.º 1), a contar da notificação do ato ou da decisão ou do seu conhecimento, se este ocorreu primeiro, não podendo o julgador conhecer de vícios não suscitados pelas partes.
Segue-se o contraditório da contraparte, a ser apresentado no prazo de dez dias (arts. 3º, n.º 3, 293º, n.ºs 2 e 3 e 149º, n.º 2); a produção da prova que tenha sido arrolada e que seja necessária, e a prolação da decisão pelo juiz da execução. Essa decisão pode ter um dos seguintes conteúdos: improcedência da reclamação ou da impugnação ou procedência, parcial ou total, da reclamação ou da impugnação.
Em caso de procedência, parcial ou total, da reclamação ou da impugnação, o juiz revoga, total ou parcialmente, o ato ou decisão do agente de execução e ordena-lhe que pratique o ato processual devido, com um determinado conteúdo material ou que o substitua pela prática de outro ato decisório ou profere ele próprio a decisão quanto ao conteúdo do ato ou da decisão devida, que o agente de execução terá de cumprir[12].
Adiante-se que o art. 723º, n.º 1, al. c) é expresso em estabelecer que a decisão do juiz da execução que recaia sobre a reclamação de ato ou a impugnação de decisão de agente de execução é irrecorrível – “sem possibilidade de recurso”.
Porém, o art. 853º, n.º 2, al. b), é expresso em estatuir caber recurso de apelação, nos termos gerais, da decisão que determine a suspensão, a extinção ou a anulação da execução,  pelo que se impõe operar uma interpretativo restritiva da norma da al. c) do n.º 1, do art. 734º, no sentido de que a decisão judicial proferida na sequência de reclamação de ato ou de impugnação de decisão do agente de execução admite recurso, nos termos gerais, quando na decisão judicial proferida se determine a suspensão, a extinção ou a anulação da execução[13].
Acresce que, na senda da posição sufragada por Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta, Luís Filipe Pires de Sousa, e Delgado Carvalho, entendemos que a decisão judicial proferida na sequência de reclamação de ato ou de impugnação de decisão do agente de execução admite recurso nos casos em que o ato ou decisão daquele agente sejam vinculados, posto que, “a irrecorribilidade nessas situações colidiria com o direito a uma tutela jurisdicional efetiva (art. 20º, n.º 1 da CRP), num contexto em que a direção e gestão do processo de execução está cometida ao agente de execução. Neste enfoque, a recorribilidade das decisões proferidas pelo juiz, ao abrigo da al. c) deste art. 723º, que se traduzam na suspensão, extinção ou anulação da execução (art. 853º, n.º 2, al. b)), constitui o afloramento de uma regra de recorribilidade e não uma exceção, devendo admitir-se a impugnação da decisão judicial sempre que na sua génese esteja uma decisão vinculada do agente de execução”[14].
E também entendemos que a decisão proferia pelo juiz em sede de reclamação de ato ou de impugnação de decisão do agente de execução é recorrível sempre que se verifique que essa decisão judicial viola o caso estabilizado que cobre ato ou decisão antes proferida pelo agente de execução ou, pior, viola o caso julgado formal de decisão judicial antes proferida no processo executivo.
Com efeito,  prevendo o art. 629º, n.º 2, al. a), parte final, que o recurso de decisões judiciais com fundamento em ofensa de caso julgado é sempre admissível, independentemente do valor da causa e da sucumbência, mal se compreenderia que uma decisão do juiz da execução proferida em sede de reclamação ou de impugnação que violasse o caso estabilizado que cobre ato ou decisão antes proferida pelo agente de execução ou decisão judicial que antes fora proferida no processo de execução na sequência de reclamação ou de impugnação e que tivesse transitado em julgado não fosse recorrível[15].
Refira-se, aliás, que estabelecendo o n.º 1, do art. 625º, que: “Havendo duas decisões contraditórias sobre a mesma pretensão, cumpre-se a que passou em julgado em primeiro lugar”, na sequência do que é entendimento pacífico que a decisão judicial que transitou em julgado em segundo lugar é juridicamente ineficaz[16], mal se compreenderia que numa situação de ofensa ao caso estabilizado ou ao caso julgado cometido pela decisão do julgador que recaiu sobre a reclamação ou impugnação não fosse impugnável mediante recurso, persistindo-se no âmbito da execução em que essa decisão foi proferida no cumprimento dessa decisão judicial quando esta é juridicamente ineficaz.
Assentes nas premissas acabadas de enunciar, revertendo ao caso dos autos, sustenta a apelante (exequente, AA) que os despachos recorridos de 27/09/2023 e de 07/11/2023 violam o caso julgado formal que cobre o despacho proferido em 23/10/2019, pelo que urge verificar se assim é posto que, se assim for, os identificados despachos podem ser impugnados por via de recurso, conforme acima se deixou demonstrado.
Na presente execução em que é exequente a apelante AA, e executada a apelada BB, em 20/12/2016, o agente de execução procedeu, além do mais, à penhora dos seguintes prédios:
“Verba Um
Prédio urbano, casa de ..., andar e logradouro, destinado à habitação, sito a Estrada Nacional ...03, freguesia ..., concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...27, inscrito na matriz sob o art. ...06.
Verba Dois
Prédio rústico, terreno de cultura com videias em ramada, sito em ..., freguesia ..., concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...08, e inscrito na matriz sob o art. ...59º”.
O prédio urbano penhora sobre a verba n.º 1 não se encontrava constituído em propriedade horizontal à data em que foi penhorada e, por isso, foi penhorado como constituindo um único prédio, ou seja, uma única unidade predial.
Sucede que, o identificado prédio foi constituído em propriedade horizontal em 11/10/2017, dando lugar a quatro frações autónomas distintas, ou seja, a quatro prédios distintos (cfr. certidão da Conservatória do Registo Predial junta no presente apenso de recurso e al. A) dos factos apurados).
Em 30/08/2018, a apelante (exequente) e a executada foram notificadas da decisão do agente de execução, em que ordenou que a venda dos prédios penhorados sob as verbas n.ºs 1 e 2 se processaria por propostas em carta fechada, sendo o valor base de venda para a verba n.º 1 de 150.000,00 euros e a da verba n.º 2 de 70.000,00 euros.
A decisão sobre a modalidade da venda, o valor base dos bens a vender e sobre a eventual formação de lotes, com vista à venda em conjunta de bens penhorados, nos termos do disposto no art. 812º, n.ºs 2 e 3, cabe ao agente de execução depois de ouvidos o exequente, o executado e os credores com garantia sobre os bens a vender.
Essa decisão do agente de execução é notificada ao exequente, ao executado e aos credores reclamantes com garantia sobre os bens a vender, preferencialmente por meios eletrónicos (art. 812º, n.º 6), que caso discordem da decisão proferida pelo agente de execução, terão de reclamar para o juiz, tendo então a questão de ser decidida por este, não cabendo recurso da decisão que profira (art. 812º, n.º 7)[17].
Ora, compulsada a facticidade apurada verifica-se que, tendo o agente de execução decidido que os bens penhorados sob as verbas n.ºs 1 e 2, seriam vendidos por propostas em carta fechada, sendo o valor base de venda da verba nº 1 de 150.000,00 euros, e o da verba n.º 2 pelo valor base de 70.000,00, apesar de notificados dessa decisão e de então o prédio penhorado sob a verba n.º 1 já se encontrar constituído em propriedade horizontal, formando quatro unidades prediais distintas (isto é, quatro prédios distintos), a apelada (executada, BB) não reclamou dessa decisão do agente de execução, no que tange ao prédio penhorado sob a verba nº 1, quando o considerou como constituindo um único prédio (quanto assim já não era desde ../../2017, formando antes quatro prédios distintos) e quando determinou que esse único prédio fosse vendido pelo valor base de 150.000,00 euros.
Com efeito, a apelada BB apenas reclamou daquela decisão do agente de execução no que tange à modalidade da venda e quanto ao valor base que atribuiu ao prédio penhorado sob a verba n.º 2.
Daí que, recaindo sobre a apelada o ónus de impugnação da decisão proferida pelo agente de execução que fixou ao bem penhorado sobre a verba nº 1 (enquanto uma única unidade predial, conforme, aliás, tinha sido penhorado, mas que, à data dessa decisão já não tinha correspondência com a realidade jurídica e material efetiva desse prédio, que formava então quatro prédios distintos – quatro frações) o valor base de venda de 150.000,00 euros, mas também o ónus de concentração de todos os possíveis fundamentos de defesa que então dispusesse, sob pena de preclusão[18], não tendo a apelada (executada) reclamado dessa decisão do agente de execução, no prazo de dez dias, a contar da notificação, para o juiz da execução (mas apenas reclamando do valor base do bem penhorado sob a verba n.º 2 e quanto à modalidade da venda eleita pelo agente de execução), deriva do exposto, que a decisão do agente de execução que ordenou a venda do bem penhorado sob a verba n.º 1, como uma única unidade predial – um único prédio –, pelo valor base de 150.000,00 euros, formou caso estabilizado, tornando-se o por ele decidido, à semelhança do caso julgado formal que cobre as decisão judiciais transitadas em julgado, imodificável e incontestável dentro do presente processo de execução.
Daí que a apelada (executada BB) não possa mais alegar que, contrariamente ao que acontecia à data da penhora, o prédio penhorado sob a verba n.º 1, já não formava um único prédio, mas antes quatro prédios distintos, por se ter precludido esse seu meio de defesa.
Mas a entender-se que ao apresentar a reclamação contra a decisão do agente de execução que fixou como modalidade da venda dos prédios penhorados sob as verbas n.ºs 1 e 2 a venda por  propostas em carta fechada, e ao impugnar o valor base que foi atribuído pelo identificada agente ao prédio penhorado sob a verba n.º dois, a mesma também impugnou o valor base atribuído pelo agente de execução ao prédio penhorado sob a verba n.º 1 (o que não subscrevemos), tendo sobre essa reclamação recaído o despacho proferido pelo juiz de execução de 30/12/2019, em que decidiu que: “Uma vez que a exequente concorda com os valores indicados pela executada, determino que o senhor agente de execução procede à venda dos bens imóveis penhorados nos autos, fixando-se o valor da verba n.º 1 em 150.000,00 euros e da verba n.º 2 em 347.319,00 euros”, não admitindo essa decisão, nos termos do art. 812º, n.º 7, parte final, recurso, transitou em julgado, operando caso julgado formal, de modo que o nela decidido tornou-se imodificável e obrigatória dentro do presente processo de execução. Daí que, no âmbito da presente execução, sob pena de violação do caso julgado formal que cobre a decisão judicial de 30/12/2019, não pode mais ser colocado em crise que o prédio penhorado sob a verba n.º 1 forma um único prédio e que, como tal, terá de ser vendido coercivamente no âmbito de presente execução, posto que, se precludiu o direito de defesa da apelada de que esse prédio fora, entretanto, constituído em propriedade horizontal, passando a constituir quatro prédios distintos.
Em suma, quer se considere que a decisão do agente de execução de 30/08/2018 operou caso estabilizado (como entendemos ser o caso), quer assim não se entendendo, tendo a decisão judicial de 30/10/2019, operado caso julgado formal, encontra-se, em definitivo, decidido na presente execução que o prédio penhorado sob a verba n.º 1 constitui uma única unidade predial – um único prédio -, não mais podendo neles ser suscitada a questão de que aquele, menos de um ano após ter sido penhorado, foi constituído em propriedade horizontal, passando a formar quatro prédios distintos, uma vez que a apelada (executada BB) não cuidou em invocar esse meio de defesa no momento processualmente fixado para o efeito, com o que se precludiu esse seu meio de defesa.
Acresce dizer que, tendo o agente de execução, na decisão de 30/08/2018, e o juiz da execução, no despacho proferido em 30/10/2019, determinado que o valor base de venda do prédio penhorado sob a verba n.º 1 era de 150.000,00 euros, tendo-se frustrado a modalidade de venda dos prédios determinada no despacho de 30/08/2018, a apelante (exequente, AA) e/ou a apelada (executada, BB), nunca vieram questionar o valor base de 150.000,00 euros que fora fixado a esse prédio.
Com efeito, nas decisões que foram proferidas pelo agente de execução e nas reclamações que na sequência delas foram apresentadas por apelante e apelada após a prolação da decisão judicial de 30/10/2019 (em que se fixou o valor base do bem penhorado sob a verba n.º 1 em 150.000,00 euros, e o da verba n.º 2 em 347.319,00 euros e em que se determinou que a venda desses prédios - verbas n.ºs 1 e 2 - seria realizada por leilão eletrónico), nunca se questionou o valor base atribuído ao prédio penhorado sob a verba n.º 1, mas apenas o valor base atribuído ao penhorado sob a verba n.º 2 e a modalidade da venda proposta pelo agente de execução na sequência da venda daqueles por leilão eletrónico se ter frustrado.
Daí que, salvo o devido respeito por opinião contrária, quer se considere que a decisão do agente de execução de 30/08/2018 operou caso estabilizado (como entendemos ser o caso), quer porque a decisão judicial proferida em 30/10/2019 operou caso julgado formal, o valor base do prédio penhorado sob a verba n.º 1 (formado por um único prédio e assim carecendo de ser vendido pelo agente de execução no âmbito da presente execução, sem que lhe seja lícito atribuir valor individualizado a cada uma das quatro frações que o integram) ascende a 150.000,00 euros.
Note-se que, na sequência do que se vem dizendo, escreve-se no despacho recorrido de 27/09/2023 (em que a 1ª Instância conheceu da reclamação apresentada pela apelante contra decisão proferida, em 04/07/2013, pelo agente de execução, bem como da apresentada pela apelada, em 13/07/2023, contra essa mesma decisão, imputando-lhe os vícios da nulidade das als. c) e d) do n.º 1 do art. 615º) que:
Na sequência do despacho com a ref.ª ...88 (26/05/2023), que, na parte que o mesmo já transitou em julgado, foi determinada a venda da verba n.º 01, ou seja, do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...27-... [AP. ...27 de 2016/11/15] (Verba n.º 1). Posteriormente, não obstante a penhora efetuada, a executada submeteu tal prédio ao regime de propriedade horizontal [AP. ...87 de 2017/10/11], formando as frações ..., ..., ... e ... [cfr. certidão predial – ref.ª ...70 – 01/06/2023], sendo certo, todavia, que foi averbada às descrições subordinadas entretanto abertas [A, B, C e D] a penhora que incidia sobre a totalidade do prédio antes da sua sujeição ao regime de propriedade horizontal. Deste modo, a venda da verba n.º 1 deverá operar-se mediante a venda conjunta das 04 (quatro) frações em que a mesma atualmente se decompõe, em consequência da constituição da propriedade horizontal celebrada posteriormente à penhora, inexistindo fundamento legal que suporte o pedido efetuado pela executada, no sentido de que a penhora deverá restringir-se a apenas uma das frações entretanto criadas”.
 Por outro lado, ainda, caso porventura se considerasse que a sujeição da verba n.º 01 ao regime da propriedade horizontal culminou um eventual excesso de penhora, o certo é que a executada não deduziu incidente oposição à penhora, com base nesse fundamento supervenientemente ocorrido: bem pelo contrário, apesar de ter conhecimento de tal facto pelo menos desde a data em que o mesmo foi registado (11/10/2017), não o deu a conhecer nos autos, não deduziu oposição superveniente à penhora e, inclusivamente, quando, em novembro de 2019, iniciou o apenso de oposição à penhora [D] restringiu os fundamentos do mesmo apenas à questão as rendas da referida verba n.º 1. (partes destacadas da nossa autoria).
E ao nela, em coerência com o raciocínio facto-jurídico argumentativa explanado pelo julgador a quo que se acaba de transcrever, se ter decidido pela improcedência da reclamação apresentada pela ora apelada (executada), decidindo-se:
A- Indeferir o requerido pela executada, por falta de fundamento legal, no que tange ao pedido de restrição da penhora efetuada sobre a verba n.º 01 a apenas uma das frações autónomas constituídas após a realização da penhora;
B- Indeferir o requerido pela executada, no que tange à realização de avaliação das frações em que se decompôs a verba n.º 1.
Acontece que, contrariando toda a lógica do raciocínio fáctico-jurídico argumentativo que vinha sendo seguido na decisão recorrida e que acima se transcreveu, aquele julgador a quo escreveu:
“Já no que tange ao valor a atribuir a cada uma das frações [A, B, C e D], o Sr. AE deu cumprimento ao artigo 812.º, n.º 1 do CPC [ref.ª ...21 e ...23 – 07/06/2023], concedendo o contraditório à partes, cabendo-lhe agora proferir decisão quanto à modalidade da venda das frações referente à verba n.º 01 (obedecendo ao despacho onde se determinou e a mesma seria efetuada por meio venda em leilão eletrónico) e, bem assim, quanto ao valor a dar a cada uma dessas frações, cabendo ao mesmo, se assim o entender, promover diligências de avaliação destinadas ao apuramento do valor base a atribuir a cada uma das frações (art.º 815.º, n.º 5.º do CPC)” (destacado nosso).
E decidiu:
“Ref.ª ...70 (04/07/2023): Conforme resulta do despacho que antecede, em obediência ao disposto nos artigos 719.º, n.º 1 e 812.º, n.º 1 do CPC, incumbe ao AE proferir decisão acerca da modalidade da venda e valor a atribuir a cada uma das frações em que, entretanto, se decompôs a verba n.º 1, sendo apenas da competência do juiz de execução decidir a reclamação que, eventualmente, venha a recair sobre tal decisão.
Ora, se conforme escreve o julgador a quo nessa decisão de 27/09/2023, a circunstância de posteriormente à penhora o prédio penhorado sob a verba n.º 1 ter sido constituído em propriedade horizontal, formando as frações ..., ..., ... e ..., se mostra totalmente indiferente para a venda coativa deste, tendo a venda do mesmo de se operar “mediante a venda conjunta das quatro frações em que a verba n.º 1 atualmente se decompõe, inexistindo fundamento legal que suporte o pedido efetuado pela executada, no sentido que a penhora deverá restringir-se a apenas uma das frações entretanto criadas”, posto que esta “não deduziu incidente de oposição à penhora, com base nesse fundamento supervenientemente ocorrido, bem pelo contrário, apesar de ter conhecimento de tal facto pelo menos desde a data em que o mesmo foi registado (11/10/2017), não o deu a conhecer nos autos”, é totalmente contraditório com esta linha de raciocínio argumentativo pretender-se que, “no que tange ao valor a atribuir a cada uma das frações em que atualmente se desdobra o prédio penhorado sob a verba nº 1 (frações ..., ..., ... e ...), o agente de execução deu cumprimento ao art. 812º, n.º 1 do CPC, concedendo contraditório às partes, cabendo-lhe agora proferir decisão quanto à modalidade da venda das frações referentes à verba n.º 1”.
Ao assim se proceder, não só (tal como acusa a apelante acontecer), o tribunal a quo incorreu na referida decisão de 27/09/2023, bem, como na de 07/11/2023, em que julgou improcedente a nulidade por ela assacada àquela primeira decisão, no vício da nulidade da al. c), do n.º 1, do art. 615º do CPC, como violou o caso estabilizado que cobre a decisão proferida pelo agente de execução em 30/08/2018 (em que ordenara que a venda do prédio penhorado sob a verba n.º 1 fosse feita como uma única unidade predial - um único prédio -, pelo valor base de 150.000,00 euros, ou, a assim não se entender, postergou-se o caso julgado formal que cobre o despacho judicial de 30/12/2019, em que o tribunal a quo tomou igual decisão, ao determinar que o bem penhorado sob a verba n.º 1 fosse vendido pelo valor base de 150.000,00 euros).
Resulta do excurso antecedente não só que os despachos recorridos de 27/09/2023 e 07/11/2023 são impugnáveis mediante recurso ordinário, dado postergarem o caso estabilizado que cobre a decisão proferida pelo agente de execução em 30/08/2018, como impor-se, na procedência da presente apelação, julgar ineficaz o segmento das decisões recorridas em que se determinou “incumbir ao agente de execução proferir decisão acerca da modalidade da venda e valor a atribuir a cada uma das frações em que, entretanto, se decompôs a verba n.º 1, sendo apenas da competência do juiz de execução decidir a reclamação que, eventualmente, venha a recair sobre tal decisão”, por violação do caso julgado estabilizado que cobre a decisão proferida pelo agente de execução em 30/08/2018 (em que ordenou a venda do prédio penhorado sob a verba n.º 1, como uma única unidade predial - um único prédio -, pelo valor base de 150.000,00 euros), determinando-se que este, no cumprimento do então definitivamente decidido, proceda à venda imediata do prédio penhorado sob a verba n.º 1, pelo valor base de 150.000,00 euros, em bloco, sem imputação de quaisquer valores às frações que o compõem (além de proceder à venda do prédio n.º ..., pelo valor base de 164.880,00 euros), sendo ambas as vendas realizadas por leilão eletrónico, tal como lhe foi determinado por despacho proferido em 26/05/2023.
Em face do acabado de decidir, encontra-se prejudicada a apreciação dos restantes fundamentos de recurso invocados pela apelante.
Em suma, procede a presente apelação.
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Sumário (elaborado pelo relator – art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
1- Perante a prática de ato ou prolação de decisão pelo agente de execução impõe-se verificar se a lei prevê algum meio de reação específico contra esse ato ou decisão (v.g., oposição à execução, oposição à penhora, embargos de terceiro, etc.) o qual, a existir, prefere sobre os meios de reação do art. 723º, n.º1, als. c) e d) do CPC; de contrário, os meios de reação contra aquele ato ou decisão são: a reclamação contra o ato, e a impugnação contra a decisão do agente de execução, nos termos da al. c), do n.º 1, do art. 723º.
2- Recai sobre os interessados (nomeadamente, exequente e executado) o ónus de reclamação ou de impugnação dos atos e decisões proferidas pelo agente de execução, quer esse meio de reação seja nominado (v.g., oposição à execução, oposição à penhora, embargos de terceiro, etc.), quer tenha natureza residual (reclamação ou impugnação, nos termos do art. 723º, n.º 1, al. c)).
3- E também recai sobre os interessados um ónus de concentração de todos os possíveis fundamentos de defesa que então possuam, sob pena de preclusão.
4- Sendo praticado ato ou proferida decisão por agente de execução em relação ao qual não caiba meio de reação específico, terá o interessado de reclamar ou de impugnar aqueles para o juiz da execução, nos termos do art. 723º, n.º1, al, c), apresentando todos os meios de defesa que então possua contra o ato ou a decisão do agente de execução, sob pena de preclusão desses meios de defesa, e do ato ou a decisão do agente de execução formar caso estabilizado, tornando-se definitivos, por já não serem suscetíveis de serem impugnados pelos interessados, tornando-se, em princípio, incontestável e inalterável o decido pelo agente de execução.
5- A norma do art. 723º, n.º 1, al. c) carece de ser interpretada restritivamente, no sentido de que é admissível recurso da decisão judicial proferida na sequência de reclamação de ato ou de impugnação de decisão do agente de execução, nos casos em que a decisão judicial proferida determine a suspensão, a extinção ou a anulação da decisão, ou quando essa decisão tiver por objeto ato ou decisão de agente de execução que sejam vinculados, ou quando essa decisão judicial viola o caso estabilizado que cobre decisão antes proferida pelo agente de execução, ou viola o caso julgado que cobre decisão judicial antes proferida.
6- Tendo sido penhorado um prédio urbano que, à data da penhora, constituía uma única unidade predial (um único prédio), vindo, posteriormente, esse prédio a ser objeto de propriedade horizontal, na sequência do que deu lugar a quatro frações autónomas (quatro prédios distintos), não tendo a executada alegado esse facto na execução, vindo o agente de execução a proferir decisão em que ordena que aquele prédio penhorado (enquanto uma única unidade predial) fosse vendido por propostas em carta fechada pelo preço base de 150.000,00 euros, notificada essa decisão à exequente e à executada, não tendo estas reclamado da decisão do agente de execução que ordenou a venda do prédio penhorado pelo preço base de 150.000,00 euros (reclamando apenas a executada da decisão quanto à modalidade da venda eleita pelo agente de execução e do valor base atribuído a um outro prédio), essa decisão do agente de execução formou caso estabilizado, tornando-se imodificável e incontestável dentro do processo de execução, não podendo, posteriormente, a executada vir alegar que aquele prédio, por via da propriedade horizontal, constituiu agora quatro prédios distintos, por esse seu meio de defesa se ter precludido.
7- A decisão judicial posteriormente proferida pelo juiz de execução determinando que, na sequência da constituição da propriedade horizontal, cabe ao agente de execução fixar o valor base de cada uma das frações em que o prédio penhorado foi fracionado, devendo para o efeito, se assim o entender, promover as diligências de avaliação destinadas ao apuramento de cada uma das frações, e determinar a modalidade da venda destas, viola o caso estabilizado da decisão antes proferida pelo agente de execução, sendo, por isso, juridicamente ineficaz, impondo-se que seja cumprida essa decisão do agente de execução que ordenou a venda do prédio penhorado (como uma única unidade predial) pelo valor base de 150.000,00 euros. 
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V- Decisão

Nesta conformidade, os Juízes Desembargadores da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães acordam em julgar a presente apelação procedente e, em consequência:

I- Declaram ineficaz o segmento das decisões recorridas de 27/09/2023 e 07/11/2023 em que se determinou “incumbir ao agente de execução proferir decisão acerca da modalidade da venda e valor a atribuir a cada uma das frações em que, entretanto, se decompôs a verba n.º 1, sendo apenas da competência do juiz de execução decidir a reclamação que, eventualmente, venha a recair sobre tal decisão”, por violação do caso julgado estabilizado que cobre a decisão proferida pelo agente de execução em 30/08/2018, em que ordenou a venda do prédio penhorado sob a verba n.º 1, como uma única unidade predial (um único prédio), pelo valor base de 150.000,00 euros;
II- Determinam que o agente de execução, em cumprimento do então definitivamente decidido, proceda à venda imediata do prédio penhorado sob a verba n.º 1, pelo valor base de 150.000,00 euros, em bloco, sem imputação de quaisquer valores às frações que o compõem (devendo também proceder à venda do prédio n.º ..., pelo valor base de 164.880,00 euros), sendo ambas as vendas realizadas por leilão eletrónico, tal como lhe foi determinado por despacho judicial proferido em 26/05/2023;
III- No mais, confirmam as decisões recorridas.
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Custas da apelação pela apelada BB, que, apesar de não ter contra-alegado, decaiu nas suas pretensões, tendo, por isso, ficado vencida (art. 527º, n.ºs 1 e 2 do CPC).
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Notifique.
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Guimarães, 15 de fevereiro de 2024

José Alberto Moreira Dias – Relator
Lígia Paula Ferreira de Sousa Santos Venade – 1ª Adjunta
Pedro Maurício – 2º Adjunto             



[1] Ferreira de Almeida, “Direito Processual Civil”, vol. II, 2015, Almedina, págs. 395 e 396.
[2] Abílio Neto, in “Novo Código de Processo Civil Anotado”, 2ª ed., janeiro/2014, pág. 734.
[3] Ac. R.L., de 25/05/2023, Proc. 22209/17.8T8SNT-B.L1-8, in base de dados da DGSI, onde constam todos os acórdãos que se venham a citar, sem menção em contrário, em que se expende: “Não é pelo facto do mesmo ter invocado no recurso que a decisão recorrida padecia de nulidade, que tal recurso se torna admissível. Com efeito, as hipóteses de nulidade da sentença/decisão encontram-se taxativamente contempladas no n.º 1 do art. 615º do CPC e possuem um regime próprio de arguição. Assim, só se a decisão proferida for suscetível de recurso ordinário, é que se poderá e deverá suscitar as nulidades da decisão de que a mesma padeça em sede de alegação de recurso, como fundamento do recurso, juntamente com os demais fundamentos do mesmo recurso. Se a decisão não admitir recurso, a reclamação contra as nulidades tem de ser feita em requerimento autónomo para o tribunal que proferiu o despacho”.
[4] Rui Pinto, “A Ação Executiva”, AAFDL Editora, 2018, pág. 105.
[5] Rui Pinto, ob. cit., pág. 65.
[6] Rui Pinto, ob. cit., pág. 67.
[7] Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e luís Filipe Pires de Sousa, “Código de Processo Civil Anotado”, vol. II, Almedina, pág. 53.
[8] Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, ob. cit., pág. 61, nota 8;
Rui Pinto, ob. cit., págs. 112 a 118, onde obtempera que, no art. 723º, n.º 1 do CPC, prevê-se “aparentemente, dois distintos meios de defesa contra estes atos: a reclamação de atos do agente de execução e impugnação de decisões do agente de execução. É bom de ver, que esta tem por objeto os atos decisórios, e a reclamação todos os restantes, executivos e não executivos”, concluindo poder-se definir “preliminarmente a reclamação dos atos do agente de execução como meio e revogação de atos processuais decisórios e não decisórios do agente de execução com fundamento em ilegalidade ou em erro de julgamento de factos que não sejam objeto de meio processual especial. (…). A reclamação tem como fundamento a ilegalidade processual ou material do ato ou despacho do agente de execução; tratando-se de despacho, soma-se um outro fundamento: erro de julgamento de factos processualmente relevantes”. Advertindo, contudo, que “existem, porém, legalidades e atos processuais que integram o âmbito de outros meios de defesa”. (v.g., oposição à penhora, embargos de terceiro ou arguição de nulidades) e, continua, “damos de barato que não se pretendeu que a reclamação fosse um meio exclusivo – o único meio – de impugnação de atos de autoria do agente de execução, qualquer que fosse o seu objeto, efeitos e destinatários. Postulamos também que, tampouco o legislador pretendeu que a reclamação constituísse um meio alternativo àqueles outros e que fosse deixado ao interessado escolher entre a reclamação e os outros meios – que escolhesse, por ex., entre invocar uma impenhorabilidade na oposição à penhora e invocá-la na reclamação. Por isso, resta a conclusão de que a reclamação de ato do agente de execução não pode ser deduzida quando a lei preveja um meio processual mais adequado ao fundamento invocado pelo interessado. Dito de outro modo: prevalece o meio processual de âmbito especial”.
Ac. R.P., de 08/06/2022, Proc. 4973/08.7TBVLG-D.P1, em que se lê: “Perante a prática de um ato executivo ou a prolação de uma decisão do agente de execução, importa, antes de mais, verificar se a lei prevê um específico meio processual de reação (como e o caso da oposição à penhora pelo executado, a oposição mediante embargos, etc.), caso em que é preterida a aplicação das als. c) e d) do n.º 1, do art. 723º; inexistindo esse meio, tem aplicação o expediente da reclamação de atos e de impugnação de decisões do agente de execução”.
[9] Ac. R.L., de 20/12/2018, Proc. n.º 4536/06.1YYLSB.L1-7, em que se expende: “Recai sobre os interessados (designadamente sobre a exequente) um ónus de reclamação ou impugnação das decisões do agente de execução, quer o meio processual de reação seja nominado (v.g. embargos de terceiro) quer esse meio processual tenha natureza residual nos termos do art. 723º, n.º 1, als. c) e d) do CPC. Notificada da decisão de deserção proferida pelo agente de execução, cabia a exequente reclamar de tal decisão para o juiz de execução (art. 723º, n.º 1, al. c) do CPC) a fim de o juiz reavaliar a responsabilidade da exequente na extinção da execução por deserção por falta de impulso processual. Não tendo a exequente reclamado, a decisão de deserção do agente de execução formou caso estabilizado, tornando-se a decisão definitiva”.
No mesmo sentido Ac. R.C., de 27/06/2017, Proc. 522/05.TBAGN.C1: “As decisões tomadas pelos agentes de execução que não foram objeto de oportuna reclamação ou impugnação das partes ou de terceiros (à luz do disposto nas als. c) e d) do n.º 1 do art. 723º do CPC) estabilizam-se e consolidam-se definitivamente (com efeito vinculativo semelhante ao trânsito em julgado de uma decisão judicial). E nessa medida não podem ser contrariadas por qualquer subsequente intervenção (processual) oficiosa do juiz de execução”.
[10] Rui Pinto, ob. cit., pág. 123; Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, ob. cit., págs. 53 e 54, nota 3.
[11] Rui Pinto, ob. cit., pág. 123; Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, ob. cit., págs. 62 e 63, notas 12 e 13; Ac. RG., de 07/06/2023, Proc. 633/16.3T8CHV-D.B.G1, de que somos relator.
[12] Rui Pinto, ob. cit., págs. 120 a 122; Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, ob. cit., págs. 61 e 63, notas 9 e 10.
[13] Rui Pinto, ob. cit., pág. 122.
[14] Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, ob. cit., pág. 63, nota 14.
[15] Ac. R.P., de 08/06/2022, Proc. 4973/08.7TBVLG-D.P1,  em que se perfilhou o entendimento que: “A decisão judicial que recaia sobre a reclamação de ato ou sobre a impugnação do agente de execução será recorrível se se verificar alguma das situações elencadas nos arts. 644º, n.º 2 e 629º, n.º 2 do CPC.
[16] Ac. STJ., de 04/07/2019, Proc. 3076/03.5TVPRT-H.P1.S1
[17] Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta, Luís Filipe Pires de Sousa, ob. cit., pág. 233, nota 5.
[18] Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, ob. cit., pág. 62, nota 11, em que obtemperam que: “Recai sobre os interessados um ónus de reclamação dos atos e de impugnação das decisões judiciais do agente de execução, quer o meio processual de reação seja nominado (v.g., embargos de terceiro), quer tenha natureza residual, nos termos das als. c) e d) do n.º 1 do art. 723º. Ademais, existe “um ónus de concentração de todos os possíveis fundamentos do meio impugnatório ou opositivo, conduzindo a sua preterição a um efeito preclusivo temporal e consumativo desses fundamentos”. Consequentemente, “uma vez que existe o ónus de impugnação dos atos e decisões daquele agente, a omissão pelos interessados do meio processual de ataque ou reação a esses atos ou decisões impede que a parte ou o terceiro interveniente, que não se tenha defendido tempestivamente no processo de execução, possa mais tarde invalidar a decisão, quer no processo pendente, quer numa nova execução em que intervenha. Quer dizer: a estabilização está indissociavelmente ligada ao efeito preclusivo decorrente da omissão dos meios de defesa num processo de execução anterior” (destacado e sublinhado nosso).