Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
169/17.5T8BRG.G2
Relator: ROSÁLIA CUNHA
Descritores: PROCEDIMENTO CAUTELAR
FUNDAMENTOS DA AÇÃO PARA IMPUGNAÇÃO DA INVERSÃO DO CONTENCIOSO
CONTRATO DE COMPRA E VENDA
NULIDADE POR VÍCIO DE FORMA
ABUSO DE DIREITO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 12/17/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I – Na providência cautelar, havendo inversão do contencioso e consequente dispensa de o requerente intentar a ação principal, recai sobre o requerido o ónus de intentar a ação destinada a impugnar a existência do direito acautelado (art. 371º, nº 1, do CPC).
II - Esta ação não se destina a discutir ou reanalisar os fundamentos que levaram ao decretamento da providência, destina-se unicamente a impugnar a existência do direito acautelado na providência, o que são realidades distintas.
III - A impugnação dos fundamentos que levaram ao decretamento da providência tem que ser feita mediante recurso da decisão, nos termos gerais, quando tiver havido contraditório, ou nos termos previstos no art. 372º, do CPC, nos casos de contraditório deferido, ou seja, quando o requerido não foi ouvido antes do decretamento da providência.
IV - O acordo pelo qual os proprietários de um prédio cedem ao proprietário do prédio confinante uma pequena parcela de terreno com a contrapartida deste último pagar um valor pecuniário, reconstruir o muro de separação dos prédios e alargar o caminho de acesso ao prédio dos primeiros, recuando os limites do seu prédio em 50 centímetros, constitui um contrato de compra e venda atípica, permitido ao abrigo do princípio da liberdade contratual estabelecido no art. 405º, nº 1, do CC.
V - A tal acordo é aplicável o regime da compra e venda previsto nos arts. 874º e ss do CC: na parte típica, de forma direta, na parte atípica, por força da remissão do art. 939º, do CC.
VI - Tendo esse acordo sido celebrado por mero documento particular, em desrespeito pela forma legal imposta pelo art. 875º, do CC, o mesmo é nulo nos termos do art. 220º, do CC.
VII - Os efeitos da invalidade por vício de forma podem ser excluídos por via do abuso de direito, mas sempre em casos excecionais ou de limite, a ponderar casuisticamente.
VIII - Age em abuso de direito o proprietário subscritor do acordo que adquiriu a parcela de terreno cedida, pagou o preço respetivo, efetuou construção sobre a parcela adquirida e reconstruiu o muro, em conformidade com o acordo celebrado, apenas pretendendo obter a destruição dos efeitos desse mesmo acordo, por via da invocação da nulidade, na parte em que lhe competia alargar o caminho, cedendo 50 centímetros do seu prédio, justificando-se, por isso, nesta concreta situação, que os efeitos da nulidade não sejam declarados.
Decisão Texto Integral:
Acordam em conferência na 1ª seção cível do Tribunal da Relação de Guimarães:

RELATÓRIO

E. J. e M. R. instauraram ação para impugnação da inversão do contencioso contra J. A., P. V., F. R. e V. R., pedindo que seja admitida a presente impugnação e, em consequência:

a) seja declarada a nulidade do “Acordo” como meio próprio válido e eficaz, para a desanexação do prédio rústico do A. marido, descrito na CRP/… sob o n.º …, de uma faixa de terreno com 0,50m de largura desde o portão até à estrada municipal e transmissão da sua propriedade aos Réus;
b) na hipótese, que não se aceita, de se entender a validade desse “Acordo” que seja declarada a sua ineficácia obrigacional em relação à Autora Mulher por não ter intervindo nesse documento nem ter prestado o seu consentimento, nem de forma expressa nem de forma tácita.
c) seja declarado que os AA. não praticaram qualquer ato que tivesse causado justo e fundado receio de lesão grave do direito dos RR, mesmo que tal direito lhes assistisse (e não assiste).
d) seja declarado não existir o direito de proceder à demarcação dessa faixa por meio de viga com não mais de 0,20 m de largura, a colocar sobre o terreno do A. marido;
e) não existindo assim o direito que se pretendeu acautelar;
f) declarando-se a caducidade da providência decretada.

Como fundamento dos seus pedidos, alegaram, em síntese, que os réus intentaram contra os autores uma providência cautelar e requereram a inversão do contencioso, tendo sido proferida decisão que deferiu essa pretensão.
Porém, os réus nem sequer tinham legitimidade processual para requerer a providência pois, em setembro de 2016, antes da instauração do procedimento cautelar, alienaram o prédio a favor do qual foi acordada a dita desanexação/cedência de terreno razão pela qual não eram titulares do direito invocado na providência.
Por outro lado, o acordo de cedência da faixa de terreno com 0.50 m de largura só poderia ter sido realizado através de escritura pública ou documento particular autenticado, o que, no caso, não sucedeu e gera a nulidade do negócio por vício de forma.
Ainda que o aludido negócio fosse válido, o autor nunca o poderia cumprir, porquanto carecia do consentimento da autora, M. R., sua esposa, a qual não deu o seu consentimento para o negócio e sempre se opôs à sua celebração.
O acordo em causa não tem prazo de cumprimento e não foi efetuada interpelação admonitória, pelo que inexiste mora, não havendo direito a acautelar, não devendo ter sido decretada a providência.
Não estavam verificados os requisitos para o decretamento da providência cautelar pois não existia justo e fundado receio de lesão grave e dificilmente reparável do direito dos réus na medida em o autor nunca praticou qualquer ato que pusesse em causa o exercício do direito àquela faixa de terreno.
A venda do prédio feita pelos réus ao comprador J. S. não previu o quer que fosse relativamente ao acordo de cedência do terreno, sendo certo que o prédio beneficia de acesso largo e fácil e que os contadores de água e luz e a caixa de correio podem ser colocados nos pilares do portão de acesso.
A caixa de correio e contador de energia que foram retirados pertencem aos autores e o mesmo ocorre com o muro, pelo que tal atuação não constitui violação de qualquer direito dos réus ou do proprietário atual do imóvel.
A desanexação da parcela de terreno sempre seria nula, nos termos do art. 1379º, do CC, visto se tratar de imóvel de natureza rústica e implicar operação de fracionamento.
Acresce que o acordo em discussão se tratou de negócio intuitus personae, tendo em atenção a intervenção do Dr. L. R., já que entre este e o autor sempre existiu grande amizade e confiança e só por causa dessa relação o autor aceitou desanexar a dita faixa de terreno que permitiria alargar o acesso ao prédio, visto que o Dr. L. R., juntamente com os filhos, nele pretendiam desenvolver um empreendimento turístico, tendo prometido verbalmente ao autor que, se esse projeto turístico não se concretizasse e os prédios fossem vendido a terceiros, seria dada ao autor preferência na compra.
O acordo apenas vincularia o autor perante o Dr. L. R., mas já não relativamente a terceiros adquirentes do prédio, os quais não têm sequer interesse em agir.
Os réus não têm direito de tapagem ou vedação da faixa de terreno, direito que apenas assiste ao seu proprietário/possuidor, qualidade que os réus não possuem.
Para o caso de se entender que o acordo em discussão configura uma promessa de compra e venda de uma faixa de terreno, a autora M. R. não consente na realização do contrato prometido.
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Regularmente citados, os réus apresentaram contestação na qual invocaram a caducidade, extemporaneidade, ilegalidade e falta de oportunidade da ação, alegando, em síntese, que a impugnação da inversão do contencioso é adjuvante da impugnação da providência cautelar e tem de ser efetuada em conjunto com esta e jamais isoladamente como sucedeu no caso vertente. No procedimento cautelar onde foi proferida a decisão de inversão do contencioso houve lugar a contraditório, mas os autores não o exerceram, não tendo deduzido oposição, nem recorrido da decisão. Por isso, está precludido, por caducidade, o prazo para propor a ação.
Por outro lado, tendo sido proferida na providência cautelar decisão transitada em julgado que julgou assentes os factos, formou-se caso julgado material e os factos não podem ser novamente discutidos e objeto de impugnação.
Não obstante o atrás defendido, impugnam e contradizem a versão dos factos alegada pelos autores.
No que toca à autora M. R., referem, ainda, que a sua falta de consentimento quanto ao negócio poderia permitir a sua anulabilidade. Porém, este direito tinha que ser exercido no prazo de seis meses após o conhecimento do negócio, prazo esse que já há muito se encontrava ultrapassado quando foi intentada a presente ação.
Pedem, assim, que a ação seja julgada improcedente.
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Os réus suscitaram ainda a intervenção principal de J. S. e M. R., que são os atuais donos do prédio beneficiado pela cedência da faixa de terreno, por entenderem que a sua intervenção é indispensável para que a lide produza o seu efeito útil normal.
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Os autores responderam à matéria de exceção, pugnando pela sua improcedência.
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Foi admitida a intervenção principal de J. S. e M. R., tendo os chamados apresentado contestação, aderindo à posição assumida pelos réus, pedindo que se declare ser definitiva a decisão proferida no procedimento cautelar e, consequentemente, se considere extemporânea a presente ação. Sem prescindir, pugnam pela sua improcedência.
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Em sede de audiência prévia, foi fixado à causa o valor de € 10 000, foi proferido despacho saneador, foi julgada improcedente a exceção de caducidade e extemporaneidade da ação e foi dispensada a fixação do objeto do litígio e dos temas de prova.
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Os chamados J. S. e M. R. vieram apresentar articulado superveniente no qual alegaram que os autores já não são os proprietários do prédio objeto dos autos posto que, em 12.2.2018, o doaram à sua filha E. R., a qual é casada com A. G..
Consideram, por isso, que os autores não possuem legitimidade para intentar a presente ação.
Entendem, ainda, que, ao ocultarem a transmissão da propriedade, os autores litigaram de má-fé pelo que peticionam que os mesmos sejam condenados a esse título em multa e indemnização a favor dos réus e chamados.
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Foi proferido despacho que determinou o aditamento aos temas de prova dos factos invocados no articulado superveniente, apreciou a exceção de ilegitimidade invocada pelos chamados e considerou os autores parte legítima na ação.
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Os réus e os chamados pediram a intervenção principal provocada de E. R. e A. G., em virtude da invocada transmissão da propriedade do imóvel feita pelos autores, tendo tal intervenção sido admitida.
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Os chamados E. R. e A. G. apresentaram contestação, aderindo à posição dos autores, salientando, apenas, não ter intervindo no acordo de cedência/desanexação em discussão.
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Procedeu-se a julgamento e a final foi proferida sentença com o seguinte teor decisório:
“Pelo exposto, julga-se a presente acção improcedente, por não provada, absolvendo-se, em consequência, os réus dos pedidos contra si formulados nos autos.
Condena-se cada um dos autores, como litigantes de má-fé, a suportar o pagamento de multa que se fixa em 2 UC
Custas pelos autores.”
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Os autores não se conformaram e interpuseram o presente recurso de apelação, tendo terminado as suas alegações com as seguintes conclusões:

I- Os Recorrentes consideraram-se notificados da sentença ora recorrida, na pessoa do seu mandatário, no dia 09 de Janeiro de 2020.
II- Atendendo a que os Recorrentes interpõe recurso de facto e de direito, o prazo é de 40 dias, terminando somente a 18 de Fevereiro, estando assim em tempo o presente recurso.
III- O Tribunal recorrido decidiu julgar a acção improcedente, por não provada, absolvendo, os réus dos pedidos contra si formulados nos autos.
IV- Os Recorrentes/Autores interpuseram uma acção contra os Recorridos/Réus onde impugnaram a inversão do contencioso determinada, pedindo consequentemente que fosse declarada a nulidade do acordo para desanexação de uma faixa de terreno do prédio rústico dos Réus, e caso assim não se entendesse, que fosse declarada a sua ineficácia relativamente à Autora, mais se declarando que os Autores não praticaram qualquer acto que tivesse causado justo receio de lesão do direito dos Réus, declarando-se consequentemente não existir o direito de demarcação daquela faixa e a caducidade da providência cautelar.
V- Os Recorridos/Réus contestaram a acção que lhes foi movida, alegando a excepção de incompetência territorial do Juízo Local Cível de Braga, pedindo a remessa para o Juízo Local de Amares. Para além disso impugnaram a versão dos Autores, contrariando-a, e sustentando que o prazo para a Autora mulher propor acção de anulação já se encontrava ultrapassado, atento ao facto desta ter confessado, por revelia que sabia do negócio, peticionaram ainda a intervenção principal dos donos do prédio beneficiado pela cedência da faixa de terreno, J. S. e esposa M. R., o que foi deferido.
VI- Os Recorrentes/Autores, por sua vez, responderam à matéria de excepção invocada, mantendo no demais o constante na petição inicial.
VII- A excepção de incompetência territorial foi julgada procedente e os autos remetidos para o Juízo Local de Amares, onde foi também proferida decisão de incompetência do referido juízo local, questão resolvida pelo Tribunal da Relação de Guimarães que considerou competente o Juízo Local de Amares e remeteu os autos para o mesmo.
VIII- Entretanto J. S. e M. R., enquanto chamados apresentaram contestação aderindo à posição dos demais Co-Réus.
IX- Realizada a audiência prévia, foi julgada improcedente a excepção de caducidade da acção, foi dispensada a fixação do objecto do litigio e dos temas de prova, e designada data para a realização da audiência de julgamento.
X- Posteriormente os chamados J. S. e M. R., apresentaram articulado superveniente, onde alegaram que os Autores haviam doado à filha, E. R., o prédio em discussão nos presentes autos, concluindo pela ilegitimidade activa dos mesmos na acção e peticionando a consequente absolvição da instância. Contudo, tal excepção foi julgada improcedente. Estes peticionaram a intervenção principal provocada da nova proprietária do prédio, E. R. e marido, o que foi deferido. Consequentemente esta e o seu marido apresentaram contestação onde aderiram à posição dos Autores mais alegando que não tiveram qualquer intervenção no acordo de cedência da faixa de terreno em discussão.
XI- Os Recorrentes entendem que a sentença proferida é nula por omissão de pronuncia, nos termos do disposto na alínea d) do artigo 615.º do Código de Processo Civil, que resulta da violação do disposto no n.º 2 do artigo 608.º do CPC.
XII- Da leitura da decisão recorrida resulta assim que a mesma não se pronuncia quanto ao facto de no mencionado Acordo não ter sido estipulado qualquer prazo de cumprimento, e de não ter sido efectuada qualquer interpelação admonitória, nunca o Autor marido estando em mora nas obrigações decorrentes do mesmo, pelo que nenhum direito havia a acautelar com a interposição da providência cautelar, tal como os Autores, ora Recorrentes alegaram na sua petição inicial.
XIII- Para além disso a douta sentença também não se pronunciou quanto ao alegado acordo entre os Requerentes/Réus e o comprador J. S., relativamente à "versão" trazida à providência acerca da tomada de posse dos prédios e da colocação das caixas do correio e contadores de água e luz.
XIV- Acresce ainda que a sentença não se pronunciou também relativamente à alegação da parte dos Autores de que o negócio celebrado entre as partes se tratou de um negócio "intuitus personae", e que só se realizou atendendo ao facto de ser o Dr. L. R. o interveniente.
XV- Por ultimo a sentença proferida não se pronunciou quanto ao alegado pelos Autores no sentido de que, não sendo os Réus proprietários de qualquer faixa de terreno também não assiste aos mesmos qualquer direito de tapagem ou vedação, que cabe somente ao proprietário.
XVI- Também não se pronunciou a douta sentença acerca de o eventual "Acordo" poder constituir somente um contrato promessa de compra e venda.
XVII- Pelo que, o tribunal recorrido ao ser omisso quanto às diversas questões enunciadas, determina que a sentença seja nula, por omissão de pronúncia, por violação do disposto no artigo 615.º n.º 1, al. d) do Código de Processo Civil, nulidade expressamente se argui para todos os devidos efeitos legais, a qual deve ser julgada provada e procedente e, consequentemente, ser ordenada a realização de um novo julgamento.
XVIII- Além disso, com o devido respeito, que é muito, Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento na apreciação da prova, considerando os Recorrentes que foram incorrectamente julgados os factos considerados como provados em 11 e 13, atento ao facto de o teor dos articulados, a prova documental e a prova testemunhal produzida em audiência e discussão impor sobre esses concretos pontos da matéria de facto impugnada uma decisão diversa da recorrida, concretamente, os factos supra mencionados e que foram dados como provados, deveriam ter sido dados como não provados.
XIX - Na verdade, e relativamente ao Facto dado como provado sob o n.º 11, entendemos que se deu demasiada credibilidade à testemunha D. C.. Ora não deixa de ser estranho que alguém, que não interveio no negócio em causa, saiba de "tudo" o que se passou. Aliás, tanto mais estranho é quando refere que a esposa do Sr. E. J., discordou do preço fixado como contrapartida por o considerar excessivo, e que foi esta que lho disse, admitindo contudo mais adiante que a D. M. R. não era de falar sobre essas coisas.
XX- Para além disso, conforme resulta do Acordo junto com a petição inicial sobre o doc. n.º 1, e também dos depoimentos das testemunhas ouvidas em audiência de discussão e julgamento ressalta uma afirmação unanime, de que o acordo foi celebrado entre o Sr. E. J. e o Dr. L. R., e não com a D. M. R., resultando ainda que esta nunca esteve presente em qualquer reunião referente ao mesmo, sequer aquando das medições realizadas, tampouco o assinou, como resulta dos depoimentos das testemunhas A. M., D. C. e M. F., nas passagens transcritas na motivação do recurso, que se dão aqui, por uma questão de brevidade por integralmente reproduzidas.
XXI- A testemunha A. M. refere que sabe que foi feito um acordo entre o Sr. E. J. e o Dr. L. R., sem nunca referir a intervenção da esposa deste, D. M. R., confirmando mais adiante que esta nunca esteve presente em nada.
XXII- A testemunha D. C., numa primeira fase diz que a D. M. R. achou o negócio caro... depois acaba por admitir que o Dr. L. R. lhe falou do assunto na altura do Natal e que entretanto, as partes fizeram o negócio e que o "colocaram de lado", "já não era tão solicitado", demonstrando algum ressentimento por isso, daí que não se compreende a valoração que é conferida às suas declarações.
XXIII - Quanto ao facto dado como provado sob o n.º 13, entendem os Recorrentes que o mesmo não se encontra provado por qualquer prova testemunhal ou documental, resultando da cláusula oitava que: "O segundo compromete-se ainda a deixar mais largo o acesso que vai da Estrada Camarária, agora Av. de Paredes, até ao portão, deixando livre e desocupado mais meio metro para além da sua largura actual.", cláusula esta que se encontra admitida no âmbito do documento assinado pelas partes, na estrita medida da sua redação, não se podendo em nosso entender considerar-se provado que o Dr. L. R. manifestou interesse e o Autor aceitou.
XXIV – A isto acresce que, os Recorrentes consideram que foram incorrectamente julgados os factos considerados como não provados em B) e C), uma vez que, face ao teor dos articulados, a prova documental, e testemunhal produzida em audiência e discussão e julgamento, impõe sobre esses concretos pontos da matéria de facto impugnada uma decisão diversa da recorrida, concretamente, os factos supra mencionados e que foram dados como não provados, deveriam ter sido dados como provados.
XXV - Sendo que, quanto a estes concretos pontos de facto e por uma questão de brevidade e economia processual, se dá-se aqui por reproduzido o vertido supra em relação ao ponto 11 dos factos provados, incluindo as passagens de gravação de prova supra devidamente transcritas e assinaladas.
XXVI- Pelo exposto, o tribunal recorrido ao ter dado como provados os factos provados n.ºs 11 e 13 quando os deveria ter dado como factos não provados e, ao invés, ao ter dado como factos não provados os factos não provados B) e C), quando os deveria ter dado como factos provados, com o devido respeito, incorreu num erro de julgamento sobre os aludidos concretos pontos de facto, os quais deverão ser alterados por este Tribunal Superior (cfr. Artigo 640.º, n.º 1 als. a) e b) e 662, n.º 1 do C.P.Civil), atento ao facto de a prova produzida, documental junta aos autos e a prova testemunhal, nomeadamente nas passagens de gravação de prova supra devidamente transcritas e assinaladas, as quais por uma questão de brevidade processual se dão aqui por integralmente reproduzidas para todos os devidos efeitos legais, imporem decisão diversa.
XXVII- Entendem ainda os Recorrentes que a decisão proferida padece de erro na determinação das normas aplicáveis.
XXVIII- No enquadramento jurídico da douta sentença, a Meritíssima Juiz a quo entende que os Autores/Recorrentes não se poderiam pronunciar, na douta petição inicial, acerca do preenchimento ou não dos requisitos que determinaram o decretamento da providência, por entender que acção principal visa a composição definitiva do litígio.
XXIX- Contudo, com o devido respeito, entendem os Recorrentes que não assiste razão à Meritíssima Juiz a quo, sendo que no caso em apreço, os Requeridos não deduziram oposição à providência cautelar, tendo sido a final determinada da inversão do contencioso, o que significa que os Requerentes estão dispensados de propor a ação principal, mas por outro lado, são os Requeridos quem fica com tal ónus, conforme n.º 1 do artigo 371.º do Código de Processo Civil.
XXX- Pelo que, era assim permitido aos Autores/Recorrentes intentarem a presente ação para impugnação da inversão do contencioso, assim como da existência do direito acautelado pela providência, que passa, com o devido respeito pela prova da inexistência dos fundamentos que determinaram o seu decretamento. Sendo que, a ser a mesma procedente, culminará na decretação da caducidade da providência, conforme o disposto no n.º 3 do artigo 371.º do Código de Processo Civil.
XXXI- Para além disso, também quanto à alegada existência de abuso de direito na modalidade de venire contra factum proprium a Meritíssima Juiz conclui que o facto de existir afasta o vício de forma da declaração e considera válido o acordo particular celebrado, o que não se pode aceitar, já que o facto de se considerar que existe abuso de direito da parte dos Autores/Recorrentes, o que não se aceita, não significa que o contrato celebrado seja válido, veja-se o Acórdão do STJ de 17-01-2002, Processo n.º 01B3778.
XXXII- Pelo que, apesar da Meritíssima Juiz a quo acrescentar algumas razões que determinam que se considere válido o acordo particular celebrado, a verdade é que a existência de abuso de direito não pode servir de justificação para a validade do acordo celebrado.
XXXIII - Por outro lado, entendem ainda os Recorrentes que na douta sentença recorrida houve uma errónea aplicação do direito, em primeiro lugar, na providência cautelar que correu por apenso, os Requerentes da mesma (J. A. e marido P. V., F. R. e esposa, V. R.) padecem de ilegitimidade activa, e nos presentes autos de ilegitimidade passiva.
XXXIV- Os Requerentes, ora Réus/Recorridos intentaram, no dia 26 de Outubro de 2016, uma providência cautelar não especificada, contra os Requeridos, ora Autores/Recorrentes E. J. e mulher M. R., que correu termos sob o Processo n.º 171/16.4T8AMR, na Instância Local de Amares, Secção de Competência Genérica- J1, tendo por objecto o teor de um "Acordo" firmado entre as partes acerca de um triângulo de terreno, que seria cedido pelos Réus ao Autor marido, a desafectar da parte rústica do prédio misto alegadamente pertencente aos Réus, descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o número .../19990701 ..., para ser incorporado no prédio do Autor marido descrito na Conservatória do Registo Predial sob o número .../2011041/....
XXXV- Sucede que, os Réus, ali Requerentes, não eram, em tal data, proprietários do prédio misto acima referido, descrito sob o número ..., já que este havia sido vendido pelos identificados Requerentes a J. S., no mesmo ano de 2016, encontrando-se o prédio registado a seu favor pela Ap. 228 de 2016/09/13, conforme o documento n.º 2 junto com a petição inicial.
XXXVI- Face ao supra exposto, os Requerentes da providência, ora Réus/Recorridos, desde Setembro de 2016 que não eram os donos do prédio misto supra mencionado, e como tal, aquando da entrada da providência cautelar em juízo, careciam de legitimidade para a sua interposição.
XXXVII- Pelo exposto, os ora Recorridos/ Réus, ali Requerentes, eram parte ilegítima na providência cautelar uma vez que aquando da entrada da mesma já não eram os legítimos proprietários do prédio misto em questão, legitimidade esta que constitui uma exceção dilatória de conhecimento oficioso, pelo que o Tribunal deveria dela ter conhecido oficiosamente, o que conduziria à imediata absolvição dos Réus da instância, nos termos do disposto nos artigos 576.º, n.ºs 1 e 2, 577.º al. e), 578.º, 595.º, n.º 1 al. a), 30.º, n.º 1 e 278.° n.º1 al d) do Código de Processo Civil.
XXXVIII- Acresce ainda que entendem os ora Recorrentes que o acordo de cedência de terreno celebrado (junto à petição inicial sob o doc. n.º 1) é nulo por falta de forma, o que acarreta consequentemente os efeitos jurídicos previstos no artigo 289.º do Código Civil, uma vez que a transmissão de bens imóveis está sujeita a escritura pública conforme dispõe o artigo 875.º do Código Civil, forma esta que não foi respeitada, tendo assim o acordo celebrado eficácia meramente obrigacional e não eficácia real. Assim, os Réus/Recorridos não são titulares de qualquer direito sobre tal parcela, muito menos dos direitos que se pretenderam acautelar com a providência.
XXXIX- Acresce ainda que entendemos que ao caso em apreço não é aplicável o artigo 1353.º do Código Civil relativo à demarcação, como tal o "Acordo" em causa nunca poderia ter sido realizado por documento particular.
XL- O artigo 1353.º do Código Civil consagra o direito potestativo do dono de um prédio obter o concurso dos donos dos prédios vizinhos para a demarcação das estremas entre o seu prédio e o deles, sendo factos constitutivos do direito à demarcação: a cofinancia dos prédios, a titularidade do respectivo direito de propriedade na sua própria pessoa e do demandado e, finalmente, a inexistência, incerteza, controvérsia, ou tão só desconhecimento sobre a (localização da) respectiva linha divisória.
XLI- No caso dos autos, os aludidos pressupostos não se encontram preenchidos, já que não existe qualquer controvérsia quanto à delimitação dos prédios de Recorrentes/Autores e Recorridos/Réus, mas na realidade, no "Acordo" junto à petição inicial sob o n.º 1, os Recorridos cederam aos Recorrentes "para alargamento do seu identificado prédio, um triângulo de terreno a desafectar da parte poente do rústico", conforme consta da cláusula número três. Como contrapartida pela cedência, o Recorrente marido para além de ter pago 7.950,00€ (sete mil novecentos e cinquenta euros), conforme facto dado como provado sob o n.º 5, obrigou-se "a reconstruir o muro que agora separa os dois prédios", "e a deixar mais largo o acesso que vai da Estrada Camarária, agora Av. de Paredes até ao portão.", conforme cláusulas seis e oito do sobredito documento.
XLII- Ora, a demarcação de prédios nunca teria como pressuposto o pagamento de um preço, o que aconteceu nos presentes autos, já que nas demarcações as partes assumem igual posição, cujo interesse é única e exclusivamente a delimitação do seu respectivo prédio.
XLIII- Face ao supra exposto, nunca poderíamos estar perante uma situação demarcação dos prédios, não se aplicando a dispensa da forma prevista no artigo 875.º do Código Civil, não se verificando qualquer excepção à regra da proibição geral de fraccionamento.
XLIV- Caso se entendesse que o Acordo celebrado entre as partes era válido, o que não se aceita e apenas se equaciona por mero dever de patrocínio, sempre se diria, que os Recorrentes/Autores são casados sob o regime da comunhão de adquiridos, e o prédio objecto do sobredito acordo, adveio à propriedade do Autor marido em consequência de adjudicação no âmbito de inventario decorrente do falecimento dos seus pais, tal como resulta do documento n.º 4 junto com a petição inicial.
XLV- Como tal, e tratando-se de bem próprio do Autor marido, a sua transmissão carece do consentimento da Autora mulher, conforme resulta do disposto no artigo 1682.º- A do Código Civil, neste sentido o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, Processo n.º 722/09.0TBSTSC.
P1, de 28-01-2014, e ainda o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, Processo n.º 0830237, de 14-02-2008.
XLVI- Sucede que a Autora mulher nunca assinou o mencionado acordo, tampouco prestou o seu consentimento para o efeito, sempre se tendo oposto ao mesmo. Sendo certo que, a alegação de que a revelia dos Requeridos, ora Autores/Recorrentes no âmbito da providência cautelar produz efeito cominatório pleno, não corresponde à verdade dado que o efeito cominatório é apenas semi- pleno, limitado à providência e perduram apenas até à decisão final desse processo. Neste sentido veja-se o Acórdão da Relação de Lisboa, Processo n.º 20335/09.6T2SNT.L1-7, de 23-02-2010, e o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, Processo n.º 474/04.0TBOAZ- I.P1, de 21-09-2010.
XLVII- Pelo que o acordo celebrado é ineficaz em relação à Recorrente/Autora mulher, já que não interveio no mesmo, sequer prestou o seu consentimento.
XLVIII- Acresce ainda que o acordo celebrado entre as partes é omisso quanto ao prazo de cumprimento, nunca tendo os Recorridos feito uma qualquer interpelação admonitória. Pelo que nunca o Recorrente esteve em mora no cumprimento das suas obrigações, não havendo assim qualquer direito a acautelar decorrente do mesmo, não havendo assim fundamento para os Requerentes, ora Recorridos terem intentado a providência cautelar, impondo-se que este tribunal superior decrete a sua caducidade.
XLIX- Caso se entendesse que os Recorridos/Requerentes/Réus, tem algum direito sobre a faixa de terreno em causa, o que apenas se equaciona por mero dever de patrocínio, sempre se dirá que, em momento algum se verificaram os requisitos para ser decretada a providência cautelar.
L- Os requisitos do decretamento de uma providência cautelar são os seguintes: a) fundado receio de que outrem cause uma lesão; b) a gravidade dessa lesão; c) A natureza dificilmente reparável dessa mesma lesão. d) A provável existência do direito em análise; e) Que o prejuízo dela resultante para o requerido exceda consideravelmente o dano que com ela o requerente pretende evitar.
LI- Ora, com o devido respeito, que é muito, nunca, em momento algum se verificou qualquer um destes requisitos, desde logo o fundado receio de uma lesão grave e dificilmente reparável do direito dos Requerentes da providência, aqui Réus/Recorridos uma vez que nunca o Autor marido praticou qualquer acto que tenha posto em causa o direito dos Requerentes/Réus àquela faixa de terreno.
LII- Por outro lado, nunca os Recorridos/Requerentes/Réus alegaram factos concretos, praticados pelos Autores de onde se possa concluir com segurança a existência do direito e a ofensa grave e dificilmente reparável desse direito que fosse necessário acautelar, mesmo que tal direito existisse e não existe, pois o “Acordo” em causa não é meio próprio de transmissão de direitos reais.
LIII- Para além disso, a operação de desanexação em causa é proibida por lei, uma vez que constitui uma operação de fracionamento de uma parcela rustica de terreno, cuja cominação é a nulidade, conforme o disposto no artigo 1379.º do Código Civil. Pelo que também por esta razão tal "Acordo" nunca seria válido. Nesse sentido, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, Processo n.º 197/2000.E1, de 07-06-2011, e o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, Processo n.º 1214/16.7T8STB.E1, de 25-05-2017.
LIV- Por outro lado, e atendendo ao supra alegado, não assistindo aos Réus/Recorrentes qualquer direito de propriedade nem sequer de mera posse dos Réus sobre esta faixa de terreno com 0,50 m de largura, também não lhes assiste o direito de tapagem ou vedação do mesmo, que conforme previsto no artigo 1356.º do Código Civil, só cabe ao seu proprietário.

Sem prescindir do supra exposto,
LV- Como ficou demonstrado supra, o acordo celebrado entre as partes é nulo por falta de forma, pelo que poderíamos estar perante um contrato promessa de compra e venda, já que se verificarmos a sua cláusula oitava, a mesma refere que "O segundo compromete-se ainda a deixar mais largo o acesso que vai da Estrada Camarária, agora Av.ª ..., até ao portão, deixando livre e desocupado mais meio metro para além da sua largura actual”. Sendo certo que, tratando-se de um contrato promessa, o contrato prometido só poderá ser cumprido com o consentimento dela, que não interveio na promessa e que se recusa a consentir na venda por sempre ter discordado deste negócio.
LVI- Assim, o Tribunal ao ter decidido como decidiu violou o disposto nos artigos 576.º, n.ºs 1 e 2, 577.º al. e), 578.º, 595.º, n.º 1 al. a), 30.º, n.º 1 e 278.° n.º1 al d), 3, 368.º n.º 1 do Código de Processo Civil, 875.º, 289.º, n.º 1, 1682-A, 1379.º, 1356.ºdo Código Civil.
LVII- Por tudo acima exposto, deve o presente recurso ser julgado procedente e ser a sentença recorrida revogada e substituída por outra que julgue a ação totalmente procedente, devendo, em consequência, decretar-se a caducidade da providência decretada, com as legais consequências daí advenientes.”

Terminam pedindo que a sentença recorrida seja revogada e substituída por outra que julgue a ação totalmente procedente, e, em consequência, decrete a caducidade da providência cautelar com as legais consequências daí advenientes.

*
Os réus J. A., P. V., F. R. e V. R. contra-alegaram, pugnando pela manutenção da decisão recorrida, tendo apresentado as seguintes conclusões:

“A) Os Recorrentes, nos presentes autos impugnaram a inversão do contencioso, pedindo a nulidade do acordo para desanexação de uma faixa de terreno do prédio rústico dos Réus, peticionando, em alternativa a sua ineficácia relativamente à Autora, e ainda, a caducidade da providência cautelar aos autos apensos.
B) O Tribunal a quo decidiu, e bem, julgar a ação improcedente, por não provada, absolvendo-se, em consequência, os réus dos pedidos contra si formulados nos autos, condenando os AA. , como litigantes de má fé, por terem atuando em manifesto abuso de direito, nos moldes supra expendidos, entorpecendo a ação da justiça.
C) Não existe qualquer nulidade POR OMISSÃO DE PRONÚNCIA, pois a MM Juiz pronunciou-se sobre todas as questões que devia tomar conhecimento., ficando prejudicadas todas as restantes questões suscitada pelos AA., conforme disposto mo artigo 608.º n.º 2.
D) Todas as possíveis soluções para as questões jurídicas suscitadas pelos AA. na sua P. I. acabaram por ser reduzidas, sendo desnecessária a pronúncia sobre as mesmas já que, a solução jurídica encontrada pela MM Juiz, através da prova produzida anula a necessidade de pronúncia sobre a restante matéria alegada pelas partes.
E) Não assiste razão aos Recorrentes quanto à nulidade da Sentença por omissão de pronúncia, nos termos do disposto na alínea d) do artigo 615.º do Código de Processo Civil, dado que a solução jurídica encontrada pela MM Juiz, através da prova produzida, anula a necessidade de pronuncia sobre a restante matéria alegada pelas partes.
F) Não se verifica na Douta Sentença a violação de qualquer dever que torne nula a Decisão proferida.
G) Cai por terra o argumento da falta de interpelação admonitória e a tentativa de invalidar os fundamentos e apreciação da providência cautelar, pois que a mesma foi admitida, julgada procedente e a sua validade foi mais uma vez confirmada pela Sentença proferida nos presentes autos.
H) Não tinha que existir a interpelação admonitória porque Os Recorrentes deram cumprimento de imediato à parte do acordo que lhes interessava e que os beneficiava, ou seja, DERRUBARAM O MURO DIVISÓRIO DAS PROPRIEDADES, tomando posse do TRIÂNGULO DO TERRENO QUE LHE FOI CEDIDO, reconstruindo o muro, e, com isso, conseguindo a volumetria necessária à construção do imóvel que atualmente se encontra lá implantado.
I) Ora, tendo ocorrido o cumprimento de parte do acordo pelos AA.(a que lhe dava jeito) NATURALMENTE que incutia neles a obrigação de permitir o cumprimento dos restantes termos do acordo. No caso, o ALARGAMENTO DO CAMINHO QUE VAI DESDE A AVENIDA DE PAREDES ATÉ AO PORTÃO DE ACESSO AO PRÉDIO DOS RR., COM O RECUO PARA O INTERIOR DO SEU PRÉDIO EM 0,50CM.
J) Foi a iniciativa dos AA./Recorrentes ao dar início ao cumprimento do acordo que fez nascer neles a obrigação de cumprir todos os termos desse acordo.
K) Ao acordo celebrado não pode deixar de atribuir-se a natureza de algo que do ponto de vista real e obrigacional integravam os prédios e conferiam direitos aos proprietários e aos próprios prédios ( parecendo erro esta última afirmação, não o é, veja-se, por exemplo o caso das servidões).
L) Tratou-se sem qualquer margem para dúvidas de um contrato sinalagmático, porquanto, a prestação a que ficaram obrigados os AA./Recorrentes tinha como contra partida a cedência do terreno, do quintal do prédio agora dos Recorridos, e, esta cedência por sua vez, tinha como contrapartida a reconstrução do muro tal como definido.
M) É, portanto, nítido, que, ao estar em plena execução o acordo, em todas as suas vertentes (achavam os Recorridos) não faria sentido qualquer interpelação admonitória.
N) Os Recorrentes consideram que foram incorretamente julgados os factos considerados como provados nos pontos 11 e 13 dos factos provados, considerando que atenta a prova produzida e os documentos que instruem os autos, tais factos deveriam ter sido considerados não provados.
O) Nenhuma razão assiste aos recorrentes, pois, a testemunha A. M., ao longo do seu depoimento, referiu que efetivamente a Recorrente mulher "nunca esteve presente em nada", referindo-se exclusivamente aos atos de medição do terreno e faixa de 0,50 cm, em que a testemunha interveio diretamente, e não às negociações do acordo celebrado, até porque refere que quanto ao conteúdo do acordo celebrado teve conhecimento do mesmo somente pelo que ambas as partes lhe disseram.
P) Esta testemunha afirmou claramente ao longo do seu depoimento que a Recorrente mulher, vive naquele local há vários anos, sendo completamente inverosímil que não se tenha apercebido das movimentações e alterações que os prédios foram sofrendo em virtude do acordo celebrado.
Q) Como tal, bem andou a MM Juiz ao fundamentar a sua Decisão, além do mais, no depoimento desta testemunha.
R) Além disso, as outras duas testemunhas indicadas pelos AA., aqui Recorrentes: D. C. e R. M. prestaram depoimentos isentos, objetivos e claros, no sentido de demonstrar ao Tribunal que a A. Mulher, aqui recorrente tinha perfeito conhecimento do negócio, aceitou os seus termos tanto mais que integrou aquela parcela no prédio que já possuía, alargando-o, construindo nele a moradia que mais tarde veio a doar à filha.
S) Tal depoimento foi corroborado pela testemunha R. M., que declarou ao tribunal ter conhecimento dos detalhes do negócio porquanto o mesmo lhe ter sido transmitido pela irmã, a aqui recorrente.
T) Os AA./Recorrentes arrolaram a testemunha D. C. mas, como essa testemunha admitiu que a A/Recorrente "achava o negócio muito caro", alegam no recurso que a testemunha não foi credível e que o tribunal a quo não devia ter valorado as suas declarações.
U) O conhecimento dos termos do acordo pela A./Recorrente, tornou-se ainda mais evidente com a desistência da sua inquirição em depoimento de parte (por eles requerido), durante a audiência de discussão e julgamento.
V) Os recorrentes centram a sua alegação quanto ao facto 11, no depoimento da testemunha D. C., para o tentarem dar como não provado, omitindo deliberadamente qualquer passagem do depoimento da testemunha R. M., irmão da A., uma vez que, o mesmo é inabalável quanto à certeza de que a A. sabia dos termos do negócio, o aceitou tal como acordado, o que vale o mesmo que dizer que o consentiu.
W) Relativamente ao facto 13, vêm os AA., mais uma vez, tentar confundir o Tribunal, pois, ao considerar-se provada a existência do acordo e aceitação de todas as clausulas nele constantes, encontra-se subjacente ao mesmo que os intervenientes no dito acordo discutiram/negociaram os termos em que o mesmo viria a ser outorgado e, como tal, ao considerar-se provado que o Dr. L. R. manifestou interesse no alargamento do caminho e que os AA. aceitaram, mais não é do que a consequência natural dessas negociações.
X) Acresce não resultar evidenciado dos factos provados que o acordo celebrado relativo ao alargamento do muro se fundasse apenas na pessoa do Dr. L. R.. O negócio em discussão, globalmente considerado, não apresenta, em termos objectivos, qualquer cunho marcadamente pessoal, apresentando-se, a parte da re-delimitação do caminho, como as outras, como medida ou contrapartida da cedência do triângulo que viabilizaria a construção no prédio rústico dos autores, que, na verdade, surgem como aqueles que mais interesse teriam no negócio; afinal, por força da cedência, viram transformar a natureza (rústica) do seu prédio, podendo nele erigir uma construção que, posteriormente, doaram à filha.
Y) Ao ter sido validamente acordada a demarcação dos prédios que, posteriormente, foram transmitidos aos Recorridos: J. S. e mulher inexiste fundamento na pretensão dos Recorrentes.
Z) O tribunal considerou o facto 13 provado, pois, se o documento em si é um facto assente e aceite, nem sequer possível foi a discussão do mesmo durante o julgamento, também a envolvência que levou à sua concretização naturalmente teria que ser dada como provada como foi, e muito bem!
AA) Quanto à posição dos Recorrentes, no que concerne aos pontos B e C dos factos não provados, no sentido de que os mesmos deveriam ter sido dados como provados, não tem qualquer fundamento em razão da matéria dada como provada nos pontos 11 e 13 da Douta Sentença proferida.
AB) Nessa medida, por economia processual e desnecessidade de repetição dá-se por integralmente reproduzido tudo quanto foi alegado no que concerne ao Ponto 11 dos factos provados bem como à transcrição dos depoimentos das testemunhas A. M., D. C. e R. M..
AC) Entendem os Recorridos que a matéria dada como provada designadamente nos pontos 11 e 13 impugnada pelos recorrentes, deverá manter-se nos factos provados e a matéria dada como não provada nos pontos B e C dos factos não provados assim deverá manter-se, dado que, os Recorrentes não conseguem demonstrar a sua tese de erro de julgamento, inexistindo fundamento para a alteração pelo Tribunal Superior.
AD) No que à matéria da inversão do contencioso diz respeito, bem decidiu a MM Juiz a quo, ao sufragar o entendimento de que os fundamentos que presidiram ao decretamento da providência cautelar se encontram ultrapassados e definitivamente julgados naquela providência não sendo objecto dos presentes autos.
AE) A apreciação dos argumentos apresentados pelos ora Recorrentes como a inexistência de receio, justo e fundado, de grave e dificilmente reparável lesão do direito dos réus, teria utilidade apenas nessa sede cautelar, estando ultrapassada na ação principal
AF) Neste sentido, - Cfr. TRL, proc. 3133-16.8T8CSC.L1-8, Ac. de 28-09- 2017 (...); Cfr. TRL, proc. 290/13.9YHLSB-8, Ac. de 04-06-201; Cfr. TRL, proc. 2015/13.0TVLSB-D.L1.-2, Ac. de 13-10-2016 e citação de Teixeira de Sousa, recolhida em “O Novo Processo Civil, Caderno III, Setembro de 2013, Centro de Estudos Judiciários”, pág. 12, in http://www.cej.mj.pt/cej/recursos/ebooks/ProcessoCivil/Caderno_III_Novo%20_ Processo_Civil.pdf.
AG) A impugnação da inversão do contencioso decidida só pode ser objecto de impugnação como adjuvante, na decorrência e em consequência da impugnação da providência cautelar decretada e, portanto, imperativamente em conjunto com esta. Nunca isoladamente. --- afirmação já feita acima, com pedido de desculpa pela repetição
AH) Tendo sido citados no procedimento cautelar, apenso aos autos principais, e tendo a citação integrado decisão com decretamento da inversão de contencioso, mal andaram os AA. aqui Recorrentes em nada terem feito (não se opuseram nem recorreram) e, principalmente, não impugnaram no local processual próprio a dispensa concedida aos ali Requerentes, aqui Recorridos, da instauração da ação (principal).
AI) Por tudo isso, não podendo impugnar a providência decretada, porque estão assentes os factos, estão consolidados os “elementos de prova que sustentam a factualidade provada e não contestada” não podem os AA./Recorrentes vir agora e aqui, isoladamente, impugnar a inversão do contencioso decretada, “por disso discordarem”. Cfr. citação da decisão supra apresentada; nº 1º da P.I. .
AJ) No caso em apreço, a Sentença do procedimento porque mui doutamente elaborada, considera-se aqui, por completa desnecessidade de transcrição, integralmente reproduzida a sua decisão.
AK) Estando assentes, porque confessados, todos os factos constantes do requerimento inicial, a decisão proferida transitou em julgado, constitui caso julgado material. Cfr. art. 628º, CPC.. Não podem esse factos, consequentemente, ser agora objecto de recurso.
AL) Não assiste razão aos Recorrentes sobre o tema: "Abuso de Direito", na modalidade de venire contra factum proprium e, bem andou a MM Juíz ao decidir como bem decidiu na Douta Sentença proferida.
AM) Os AA., aqui Recorrentes litigaram na ação em manifesto abuso de direto e continuam a fazê-lo no presente recurso, uma vez que, aceitam a existência do acordo celebrado, aceitam que o fizeram valer para o benefício que dele próprio retiraram mas, entendem que o mesmo é nulo, por falta de forma, em relação ao benefício que o mesmo iria trazer aos RR., aqui recorridos.
AN) Resultou, claramente, que a posição dos autores, aqui recorrentes, era de não pretenderem a destruição dos efeitos do negócio; mas apenas a destruição da contrapartida dos réus relativa ao dito alargamento em 0,50 m do acesso até ao seu portão.
AO) "No exercício deste direito à declaração de nulidade incorrem os autores, ressalvado o devido respeito por entendimento contrário, em flagrante abuso de direito; na modalidade de venire contra factum proprium, na medida em que contrariam uma posição que antes assumem (vide, neste sentido, Acs. do STJ de 15 de Maio de 2007 e de 30 de Março de 2006, disponíveis in www.dgsi.pt)"
AP) Ora, ao suscitar a nulidade do negócio, por falta de forma legal, pretendendo destruir os seus efeitos apenas na parte relativa à contrapartida do alargamento do acesso a favor dos réus, porquanto, conforme sustentam, a parcela cedida, a seu favor, foi já incorporada no seu prédio rústico, tendo, inclusive, construído o novo muro divisório, não haverá margem para dúvidas de que actuam com manifesta má fé, pois contrariam um efeito anteriormente por si previsto e aceite.
AQ) Por conseguinte, no caso em apreço, por força do abuso de direito protagonizado pelos autores, que pretendem conter os efeitos da nulidade à contrapartida dos réus ao alargamento do acesso, prevalecendo-se, no entanto, das prestações a seu favor, criando na contraparte idêntica expectativa, sempre seria de afastar o vício de forma da declaração e de considerar válido o acordo particular celebrado.
AR) A questão da Legitimidade ficou completamente ultrapassada durante a tramitação e saneamento do processo, atendendo a que a legitimidade foi um tema devidamente tratado e sanado na providência cautelar sendo a Sentença aí proferida meio probatório para a formação do desfecho dos presentes autos.
AS) No entanto, sempre se dirá, conforme alegado e provado pelos requerentes/RR./Recorridos, no procedimento cautelar que, apesar da data em que ocorreu a transmissão do imóvel pela escritura e o consequente registo predial a favor dos novos proprietários, J. S. e mulher, aqui intervenientes/recorridos, existiu um acordo para o deferimento da entrega do imóvel para o primeiro fim de semana de novembro desse ano, de modo a permitir que os vendedores pudessem retirar todos os seus bens móveis do imóvel vendido.
AT) Na verdade, a escritura apenas foi outorgada em setembro de 2016, e não posteriormente (data de entrega do imóvel, em novembro) porquanto um dos seus intervenientes residente no CHILE se encontrava em Portugal nessa data.
AU) Não assiste qualquer razão aos Recorrentes ao invocarem a nulidade do negócio jurídico celebrado entre as partes.
AV) O documento intitulado Declarações/Acordo/Compromisso, sobre o qual se centra o objeto da presente ação, cujo teor/autenticidade não foram postos em causa, apresentou-se com força probatória bastante para a Douta Sentença proferida pelo Tribunal a quo ter considerado, e bem, válido o negócio/Acordo celebrado entre AA./Recorrentes e RR./Recorridos.
AW) Os AA./Recorrentes invocam a invalidade, por falta de forma, do negócio celebrado, sustentando que deveria ter sido celebrado por escritura pública, porquanto os negócios jurídicos que têm por objecto a transmissão da propriedade imobiliária só são válidos se exarados em escritura pública ou documento particular autenticado, sob pena de nulidade, nos termos do disposto pelo artigo 875.º do Código Civil.
AX) No entanto, no caso dos presentes autos, não existiu qualquer contrato de compra e venda de bens imóveis, pelo que, não tem aplicação o normativo em referência que estabelece que a forma para o contrato de compra e venda de imóveis é a escritura pública ou o documento particular autenticado.
AY) Os Recorrentes contrariam-se constantemente ao longo das suas alegações, visto que, por um lado, alegam que pretendem a nulidade do negócio, por falta de forma legal, por ter sido celebrado um negócio sem escritura pública, por outro lado, entendem que o Acordo/Declaração deve ser considerado válido na "parte que lhes convém" ou seja, quanto à cedência da parcela de terreno para construção do imóvel lá existente, até porque os AA. até cumpriram de imediato, executando obras na parcela cedida e reconstruindo o novo muro divisório.
AZ) Em momento algum, os Recorrentes/AA., ponderam, nas suas alegações, restituírem a parcela de terreno cedida pelos RR./Recorridos como seria inevitável no caso de declaração de nulidade do Acordo celebrado de acordo com os efeitos previstos no artigo 289, n.º 1 do C. C.
AAA) Certamente, não foi por esquecimento que os Recorrentes não o fizeram, pois não conseguiram apresentar uma solução para retirar do seu prédio a parcela de terreno, com a área de 265m2 que incorporaram, por efeito deste acordo, quando no mesmo já se encontra construída a moradia pertencente à filha dos AA./Recorrentes.
AAB) Os Recorridos aderem na íntegra aos fundamentos exarados na Douta Sentença Recorrida, no que a este aspeto respeita: " dir-se-á que os RR./Recorridos atuaram com a prudência e cuidado usuais no tráfico jurídico;
pois que, no caso dos presentes autos, de observância da forma legal, sempre se dirá que os negócios de cedência de pequenas áreas de terreno para efeito de delimitação de estremas não estão sujeitos a escritura pública ou autenticação, sendo certo que, no escrito particular em análise se acautelaram, com precisão e prudência, os direitos/obrigações constituídos. Neste sentido, com base em todos os pressupostos apurados, adere-se ao entendimento dos Acs. do STJ de 28.2.2012, proferidos no proc. 349/06.8TBOAZ.P1.S1, relatado pelo Excelentíssimo Juiz Conselheiro Alves Velho, e de 24.10.2013, no proc. 1673/07.9TJVNF.P1.S1, relatado pela Excelentíssima Juiz Conselheira Maria dos Prazeres Pizarro Beleza, no sentido que se transcreve: “Os efeitos da invalidade por vício de forma podem, apesar disso, ser excluídos pelo abuso de direito, mas sempre em casos excepcionais ou de limite, a ponderar casuisticamente, em que as circunstâncias apontem para uma clamorosa ofensa do princípio da boa-fé e do sentimento geralmente perfilhado pela comunidade, situação em que o abuso de direito servirá de válvula de escape, tornando válido o acto formalmente nulo, como sanção do acto abusivo.”
AAC) Portanto, não assiste razão aos recorrentes quando tentam invalidar os fundamentos da Douta Sentença no que concerne à subsunção da cedência de área constante no Acordo como sendo uma demarcação para redefinição de extremas.
AAD) O acordo é formalmente válido, pois o negócio em questão não resultou, nem a constituição de outros prédios, nem a transmissão de novos direitos sobre os mesmos prédios que se mantiveram, então, na esfera jurídica dos outorgantes. Pelo menos, nenhum deles veio pôr em causa o domínio a que se arroga no dito escrito particular sobre os prédios aí identificados.
AAE) No caso em apreço, bem andou a MM Juiz ao considerar a cedência de terreno compreendida no acordo celebrado como uma demarcação considerando que se tratou de uma redefinição dos limites de ambos os prédios de AA. e RR., ainda que tal acerto de extremas tenha implicado a cedência de uma pequena parcela de terreno que veio a integrar o prédio dos AA./recorrentes.
AAF) Sendo que, tal cedência não configurou nenhuma violação da regra geral de proibição de fracionamento dos prédios rústicos por não ter dado origem a qualquer prédio autónomo, mas tao só às respetivas retificações de áreas de ambos os prédios já existentes, cfr. Ac. Trib. Rel Guimarães de 5/2/2015 disponível em www.dgsi.pt
AAG) No que diz respeito à falta de intervenção da A. mulher, no acordo celebrado, dá-se por integralmente reproduzido o já supra alegado sobre esta matéria.
AAH) Improcede a tese de que a A. mulher não prestou o seu consentimento à realização do acordo objeto dos presentes autos, os Recorrentes sufragam na íntegra a posição defendida pela MM juiz na Douta Sentença recorrida, pois, pese embora os AA, terem alegado ser casados no regime da comunhão de adquiridos, não juntaram aos autos o respectivo assento de casamento; único documento com idoneidade para demonstrar o facto alegado.
AAI) Ainda que assim não fosse, inexiste vício substancial que afecte a validade do negócio em questão que redefiniu os limites dos prédios atribuídos aos autores e aos primitivos réus, em cuja esfera jurídica se fixaram, co- respectivamente, os correspondentes direitos/obrigações.
AAJ) Tal como refere a Douta Sentença: "Efectivamente, demonstrando-se que a autora apenas discordou do montante da contrapartida pecuniária fixada para a cedência do triângulo de terreno, tem de concluir-se, em primeiro lugar, que teve conhecimento do acordo celebrado. Em segundo lugar, que concordou com os demais termos da sua celebração. O que equivale por dizer que nele consentiu. Tanto é que, dispondo de seis meses, contados daquela data, para requerer a anulação do negócio (cfr. artigo 1687.º do CC), até hoje não existe notícia de que o tenha feito. Aliás, a posição assumida na presente acção é conduta inequívoca no sentido de que a autora não pretende a destruição dos efeitos do negócio, a não ser, parcialmente, e em manifesto abuso de direito nos moldes supra abordados."
AAK) Deixando-se a questão do porquê da A. Recorrente não ter assinado o acordo/declaração, quando tinha perfeito conhecimento dos termos do mesmo e até discordou dele. Será que não o assinou para "deixar uma porta aberta" para toda esta encenação? Para uma premeditada invocação de nulidade na parte do acordo/declaração que não lhe interessava? Tal questão ficou clarificada em sede de audiência de julgamento, uma vez que, o Tribunal a quo declarou a atuação dos AA. como abuso de direito e litigância de má- fé.
AAL) - No que concerne à falta de prazo para cumprimento no acordo, nenhuma razão assiste aos recorrentes porquanto ainda que se admita quer no acordo celebrado entre as partes não consta especificadamente um prazo para cumprimento, o que não se concede, sempre será lógico afirmar que essa obrigação de cumprimento por parte dos aqui Recorrentes (AA.) nasceu no momento em que os mesmos iniciaram o cumprimento do acordo na parte a que a eles os beneficiava (anexação ao seu prédio de área pertencente ao prédio dos recorridos e a consequente construção do muro redefinindo o limite do seu prédio) e, por sua vez, não permitiram que operasse a outra parte do acordo com o alargamento do caminho até ao prédio dos RR./recorridos nos 0,50cm constantes do acordo.
AAM) Salvo o devido respeito, em relação à alegada falta de requisitos para o decretamento da providência cautelar, os Recorrentes, mais uma vez, incorrem numa interpretação errada quanto aos pressupostos para o decretamento da mesma, uma vez que, existiu receio, justo e fundado, de grave e dificilmente reparação lesão do direito dos RR. recorridos.
AAN) Aliás, os fundamentos para o decretamento para a instauração da providência cautelar estão amplamente descritos na P.I. daquele procedimento cautelar, cuja pertinência e razão, foi devidamente apreciada e julgada pelo MM Juiz titular do processo à data, não sendo sequer tema de discussão para prolação da Douta Sentença proferida pelo Tribunal a quo.
AAO) Salvo melhor opinião, os Recorrentes voltam a pôr em causa a validade do procedimento cautelar, quando tal questão nem sequer constitui objeto de discussão na Sentença ora em crise e, como tal nem deveria ser tema de recurso.
AAP) Os Recorridos entendem que os Recorrentes em "desespero de causa" vêm mais uma vez, invocar a nulidade da desanexação e abordar o tema da "Proibição de fracionamento de prédios rústicos" quando bem sabem que não se tratou de fracionamento algum, como amplamente alegado na presente resposta e devidamente fundamentado na Douta Sentença proferida.
AAQ) REPETE-SE, que o Acordo/Declaração objeto dos presentes autos consistiu apenas na cedência de uma pequena parcela para acerto de estremas no prédio dos AA. aqui recorrentes, e a consequente cedência de uma faixa de terreno de 0,50cm para os RR. aqui recorridos, não tendo originado novos prédios.”
*
Os chamados J. S. e M. R. também contra-alegaram, pugnando pela manutenção da decisão recorrida, tendo apresentado as seguintes conclusões:

“A) Os Recorrentes, nos presentes autos impugnaram a inversão do contencioso, pedindo a nulidade do acordo para desanexação de uma faixa de terreno do prédio rústico dos Réus, peticionando, em alternativa a sua ineficácia relativamente à Autora, e ainda, a caducidade da providência cautelar aos autos apensos.
B) O Tribunal a quo decidiu, e bem, julgar a ação improcedente, por não provada, absolvendo-se, em consequência, os réus dos pedidos contra si formulados nos autos, condenando os AA. , como litigantes de má fé, por terem atuando em manifesto abuso de direito, nos moldes supra expendidos, entorpecendo a ação da justiça.
C) Não existe qualquer nulidade POR OMISSÃO DE PRONÚNCIA, pois a MM Juiz pronunciou-se sobre todas as questões que devia tomar conhecimento., ficando prejudicadas todas as restantes questões suscitada pelos AA., conforme disposto mo artigo 608.º n.º 2.
D) Todas as possíveis soluções para as questões jurídicas suscitadas pelos AA. na sua P. I. acabaram por ser reduzidas, sendo desnecessária a pronúncia sobre as mesmas já que, a solução jurídica encontrada pela MM Juiz, através da prova produzida anula a necessidade de pronúncia sobre a restante matéria alegada pelas partes.
E) Não assiste razão aos Recorrentes quanto à nulidade da Sentença por omissão de pronúncia, nos termos do disposto na alínea d) do artigo 615.º do Código de Processo Civil, dado que a solução jurídica encontrada pela MM Juiz, através da prova produzida, anula a necessidade de pronuncia sobre a restante matéria alegada pelas partes.
F) Não se verifica na Douta Sentença a violação de qualquer dever que torne nula a Decisão proferida.
G) Cai por terra o argumento da falta de interpelação admonitória e a tentativa de invalidar os fundamentos e apreciação da providência cautelar, pois que a mesma foi admitida, julgada procedente e a sua validade foi mais uma vez confirmada pela Sentença proferida nos presentes autos.
H) Não tinha que existir a interpelação admonitória porque Os Recorrentes deram cumprimento de imediato à parte do acordo que lhes interessava e que os beneficiava, ou seja, DERRUBARAM O MURO DIVISÓRIO DAS PROPRIEDADES, tomando posse do TRIÂNGULO DO TERRENO QUE LHE FOI CEDIDO, reconstruindo o muro, e, com isso, conseguindo a volumetria necessária à construção do imóvel que atualmente se encontra lá implantado.
I) Ora, tendo ocorrido o cumprimento de parte do acordo pelos AA.(a que lhe dava jeito) NATURALMENTE que incutia neles a obrigação de permitir o cumprimento dos restantes termos do acordo. No caso, o ALARGAMENTO DO CAMINHO QUE VAI DESDE A AVENIDA DE PAREDES ATÉ AO PORTÃO DE ACESSO AO PRÉDIO DOS RR., COM O RECUO PARA O INTERIOR DO SEU PRÉDIO EM 0,50CM.
J) Foi a iniciativa dos AA./Recorrentes ao dar início ao cumprimento do acordo que fez nascer neles a obrigação de cumprir todos os termos desse acordo.
K) Ao acordo celebrado não pode deixar de atribuir-se a natureza de algo que do ponto de vista real e obrigacional integravam os prédios e conferiam direitos aos proprietários e aos próprios prédios ( parecendo erro esta última afirmação, não o é, veja-se, por exemplo o caso das servidões).
L) Tratou-se sem qualquer margem para dúvidas de um contrato sinalagmático, porquanto, a prestação a que ficaram obrigados os AA./Recorrentes tinha como contra partida a cedência do terreno, do quintal do prédio agora dos Recorridos, e, esta cedência por sua vez, tinha como contrapartida a reconstrução do muro tal como definido.
M) É, portanto, nítido, que, ao estar em plena execução o acordo, em todas as suas vertentes (achavam os Recorridos) não faria sentido qualquer interpelação admonitória.
N) Os Recorrentes consideram que foram incorretamente julgados os factos considerados como provados nos pontos 11 e 13 dos factos provados, considerando que atenta a prova produzida e os documentos que instruem os autos, tais factos deveriam ter sido considerados não provados.
O) Nenhuma razão assiste aos recorrentes, pois, a testemunha A. M., ao longo do seu depoimento, referiu que efetivamente a Recorrente mulher "nunca esteve presente em nada", referindo-se exclusivamente aos atos de medição do terreno e faixa de 0,50 cm, em que a testemunha interveio diretamente, e não às negociações do acordo celebrado, até porque refere que quanto ao conteúdo do acordo celebrado teve conhecimento do mesmo somente pelo que ambas as partes lhe disseram.
P) Esta testemunha afirmou claramente ao longo do seu depoimento que a Recorrente mulher, vive naquele local há vários anos, sendo completamente inverosímil que não se tenha apercebido das movimentações e alterações que os prédios foram sofrendo em virtude do acordo celebrado.
Q) Como tal, bem andou a MM Juiz ao fundamentar a sua Decisão, além do mais, no depoimento desta testemunha.
R) Além disso, as outras duas testemunhas indicadas pelos AA., aqui Recorrentes: D. C. e R. M. prestaram depoimentos isentos, objetivos e claros, no sentido de demonstrar ao Tribunal que a A. Mulher, aqui recorrente tinha perfeito conhecimento do negócio, aceitou os seus termos tanto mais que integrou aquela parcela no prédio que já possuía, alargando-o, construindo nele a moradia que mais tarde veio a doar à filha.
S) Tal depoimento foi corroborado pela testemunha R. M., que declarou ao tribunal ter conhecimento dos detalhes do negócio porquanto o mesmo lhe ter sido transmitido pela irmã, a aqui recorrente.
T) Os AA./Recorrentes arrolaram a testemunha D. C. mas, como essa testemunha admitiu que a A/Recorrente "achava o negócio muito caro", alegam no recurso que a testemunha não foi credível e que o tribunal a quo não devia ter valorado as suas declarações.
U) O conhecimento dos termos do acordo pela A./Recorrente, tornou-se ainda mais evidente com a desistência da sua inquirição em depoimento de parte (por eles requerido), durante a audiência de discussão e julgamento.
V) Os recorrentes centram a sua alegação quanto ao facto 11, no depoimento da testemunha D. C., para o tentarem dar como não provado, omitindo deliberadamente qualquer passagem do depoimento da testemunha R. M., irmão da A., uma vez que, o mesmo é inabalável quanto à certeza de que a A. sabia dos termos do negócio, o aceitou tal como acordado, o que vale o mesmo que dizer que o consentiu.
W) Relativamente ao facto 13, vêm os AA., mais uma vez, tentar confundir o Tribunal, pois, ao considerar-se provada a existência do acordo e aceitação de todas as clausulas nele constantes, encontra-se subjacente ao mesmo que os intervenientes no dito acordo discutiram/negociaram os termos em que o mesmo viria a ser outorgado e, como tal, ao considerar-se provado que o Dr. L. R. manifestou interesse no alargamento do caminho e que os AA. aceitaram, mais não é do que a consequência natural dessas negociações.
X) Acresce não resultar evidenciado dos factos provados que o acordo celebrado relativo ao alargamento do muro se fundasse apenas na pessoa do Dr. L. R.. O negócio em discussão, globalmente considerado, não apresenta, em termos objectivos, qualquer cunho marcadamente pessoal, apresentando-se, a parte da re-delimitação do caminho, como as outras, como medida ou contrapartida da cedência do triângulo que viabilizaria a construção no prédio rústico dos autores, que, na verdade, surgem como aqueles que mais interesse teriam no negócio; afinal, por força da cedência, viram transformar a natureza (rústica) do seu prédio, podendo nele erigir uma construção que, posteriormente, doaram à filha.
Y) Ao ter sido validamente acordada a demarcação dos prédios que, posteriormente, foram transmitidos aos Recorridos: J. S. e mulher inexiste fundamento na pretensão dos Recorrentes.
Z) O tribunal considerou o facto 13 provado, pois, se o documento em si é um facto assente e aceite, nem sequer possível foi a discussão do mesmo durante o julgamento, também a envolvência que levou à sua concretização naturalmente teria que ser dada como provada como foi, e muito bem!
AA) Quanto à posição dos Recorrentes, no que concerne aos pontos B e C dos factos não provados, no sentido de que os mesmos deveriam ter sido dados como provados, não tem qualquer fundamento em razão da matéria dada como provada nos pontos 11 e 13 da Douta Sentença proferida.
AB) Nessa medida, por economia processual e desnecessidade de repetição dá-se por integralmente reproduzido tudo quanto foi alegado no que concerne ao Ponto 11 dos factos provados bem como à transcrição dos depoimentos das testemunhas A. M., D. C. e R. M..
AC) Entendem os Recorridos que a matéria dada como provada designadamente nos pontos 11 e 13 impugnada pelos recorrentes, deverá manter-se nos factos provados e a matéria dada como não provada nos pontos B e C dos factos não provados assim deverá manter-se, dado que, os Recorrentes não conseguem demonstrar a sua tese de erro de julgamento, inexistindo fundamento para a alteração pelo Tribunal Superior.
AD) No que à matéria da inversão do contencioso diz respeito, bem decidiu a MM Juiz a quo, ao sufragar o entendimento de que os fundamentos que presidiram ao decretamento da providência cautelar se encontram ultrapassados e definitivamente julgados naquela providência não sendo objeto dos presentes autos.
AE) A apreciação dos argumentos apresentados pelos ora Recorrentes como a inexistência de receio, justo e fundado, de grave e dificilmente reparável lesão do direito dos réus, teria utilidade apenas nessa sede cautelar, estando ultrapassada na ação principal
AF) Neste sentido, - Cfr. TRL, proc. 3133-16.8T8CSC.L1-8, Ac. de 28-09-2017 (...); Cfr. TRL, proc. 290/13.9YHLSB-8, Ac. de 04-06-201; Cfr. TRL, proc. 2015/13.0TVLSB-D.L1.-2, Ac. de 13-10-2016 e citação de Teixeira de Sousa, recolhida em “O Novo Processo Civil, Caderno III, Setembro de 2013, Centro de Estudos Judiciários”, pág. 12, in http://www.cej.mj.pt/cej/recursos/ebooks/ProcessoCivil/Caderno_III_Novo%20_Processo_Civil.pdf.
AG) A impugnação da inversão do contencioso decidida só pode ser objecto de impugnação como adjuvante, na decorrência e em consequência da impugnação da providência cautelar decretada e, portanto, imperativamente em conjunto com esta. Nunca isoladamente. --- afirmação já feita acima, com pedido de desculpa pela repetição
AH) Tendo sido citados no procedimento cautelar, apenso aos autos principais, e tendo a citação integrado decisão com decretamento da inversão de contencioso, mal andaram os AA. aqui Recorrentes em nada terem feito (não se opuseram nem recorreram) e, principalmente, não impugnaram no local processual próprio a dispensa concedida aos ali Requerentes, aqui Recorridos, da instauração da ação (principal).
AI) Por tudo isso, não podendo impugnar a providência decretada, porque estão assentes os factos, estão consolidados os “elementos de prova que sustentam a factualidade provada e não contestada” não podem os AA./Recorrentes vir agora e aqui, isoladamente, impugnar a inversão do contencioso decretada, “por disso discordarem”. Cfr. citação da decisão supra apresentada; nº 1º da P.I. .
AJ) No caso em apreço, a Sentença do procedimento porque mui doutamente elaborada, considera-se aqui, por completa desnecessidade de transcrição, integralmente reproduzida a sua decisão.
AK) Estando assentes, porque confessados, todos os factos constantes do requerimento inicial, a decisão proferida transitou em julgado, constitui caso julgado material. Cfr. art. 628º, CPC.. Não podem esse factos, consequentemente, ser agora objecto de recurso.
AL) Não assiste razão aos Recorrentes sobre o tema: "Abuso de Direito", na modalidade de venire contra factum proprium e, bem andou a MM Juíz ao decidir como bem decidiu na Douta Sentença proferida.
AM) Os AA., aqui Recorrentes litigaram na ação em manifesto abuso de direto e continuam a fazê-lo no presente recurso, uma vez que, aceitam a existência do acordo celebrado, aceitam que o fizeram valer para o benefício que dele próprio retiraram mas, entendem que o mesmo é nulo, por falta de forma, em relação ao benefício que o mesmo iria trazer aos RR., aqui recorridos.
AN) Resultou, claramente, que a posição dos autores, aqui recorrentes, era de não pretenderem a destruição dos efeitos do negócio; mas apenas a destruição da contrapartida dos réus relativa ao dito alargamento em 0,50 m do acesso até ao seu portão.
AO) "No exercício deste direito à declaração de nulidade incorrem os autores, ressalvado o devido respeito por entendimento contrário, em flagrante abuso de direito; na modalidade de venire contra factum proprium, na medida em que contrariam uma posição que antes assumem (vide, neste sentido, Acs. do STJ de 15 de Maio de 2007 e de 30 de Março de 2006, disponíveis in www.dgsi.pt)"
AP) Ora, ao suscitar a nulidade do negócio, por falta de forma legal, pretendendo destruir os seus efeitos apenas na parte relativa à contrapartida do alargamento do acesso a favor dos réus, porquanto, conforme sustentam, a parcela cedida, a seu favor, foi já incorporada no seu prédio rústico, tendo, inclusive, construído o novo muro divisório, não haverá margem para dúvidas de que actuam com manifesta má fé, pois contrariam um efeito anteriormente por si previsto e aceite.
AQ) Por conseguinte, no caso em apreço, por força do abuso de direito protagonizado pelos autores, que pretendem conter os efeitos da nulidade à contrapartida dos réus ao alargamento do acesso, prevalecendo-se, no entanto, das prestações a seu favor, criando na contraparte idêntica expectativa, sempre seria de afastar o vício de forma da declaração e de considerar válido o acordo particular celebrado.
AR) A questão da Legitimidade ficou completamente ultrapassada durante a tramitação e saneamento do processo, atendendo a que a legitimidade foi um tema devidamente tratado e sanado na providência cautelar sendo a Sentença aí proferida meio probatório para a formação do desfecho dos presentes autos.
AS) No entanto, sempre se dirá, conforme alegado e provado pelos requerentes/RR./Recorridos, no procedimento cautelar que, apesar da data em que ocorreu a transmissão do imóvel pela escritura e o consequente registo predial a favor dos novos proprietários, J. S. e mulher, aqui intervenientes/recorridos, existiu um acordo para o deferimento da entrega do imóvel para o primeiro fim de semana de novembro desse ano, de modo a permitir que os vendedores pudessem retirar todos os seus bens móveis do imóvel vendido.
AT) Na verdade, a escritura apenas foi outorgada em setembro de 2016, e não posteriormente (data de entrega do imóvel, em novembro) porquanto um dos seus intervenientes residente no CHILE se encontrava em Portugal nessa data.
AU) Não assiste qualquer razão aos Recorrentes ao invocarem a nulidade do negócio jurídico celebrado entre as partes.
AV) O documento intitulado Declarações/Acordo/Compromisso, sobre o qual se centra o objeto da presente ação, cujo teor/autenticidade não foram postos em causa, apresentou-se com força probatória bastante para a Douta Sentença proferida pelo Tribunal a quo ter considerado, e bem, válido o negócio/Acordo celebrado entre AA./Recorrentes e RR./Recorridos.
AW) Os AA./Recorrentes invocam a invalidade, por falta de forma, do negócio celebrado, sustentando que deveria ter sido celebrado por escritura pública, porquanto os negócios jurídicos que têm por objecto a transmissão da propriedade imobiliária só são válidos se exarados em escritura pública ou documento particular autenticado, sob pena de nulidade, nos termos do disposto pelo artigo 875.º do Código Civil.
AX) No entanto, no caso dos presentes autos, não existiu qualquer contrato de compra e venda de bens imóveis, pelo que, não tem aplicação o normativo em referência que estabelece que a forma para o contrato de compra e venda de imóveis é a escritura pública ou o documento particular autenticado.
AY) Os Recorrentes contrariam-se constantemente ao longo das suas alegações, visto que, por um lado, alegam que pretendem a nulidade do negócio, por falta de forma legal, por ter sido celebrado um negócio sem escritura pública, por outro lado, entendem que o Acordo/Declaração deve ser considerado válido na "parte que lhes convém" ou seja, quanto à cedência da parcela de terreno para construção do imóvel lá existente, até porque os AA. até cumpriram de imediato, executando obras na parcela cedida e reconstruindo o novo muro divisório.
AZ) Em momento algum, os Recorrentes/AA., ponderam, nas suas alegações, restituírem a parcela de terreno cedida pelos RR./Recorridos como seria inevitável no caso de declaração de nulidade do Acordo celebrado de acordo com os efeitos previstos no artigo 289, n.º 1 do C. C.
AAA) Certamente, não foi por esquecimento que os Recorrentes não o fizeram, pois não conseguiram apresentar uma solução para retirar do seu prédio a parcela de terreno, com a área de 265m2 que incorporaram, por efeito deste acordo, quando no mesmo já se encontra construída a moradia pertencente à filha dos AA./Recorrentes.
AAB) Os Recorridos aderem na íntegra aos fundamentos exarados na Douta Sentença Recorrida, no que a este aspeto respeita: " dir-se-á que os RR./Recorridos atuaram com a prudência e cuidado usuais no tráfico jurídico; pois que, no caso dos presentes autos, de observância da forma legal, sempre se dirá que os negócios de cedência de pequenas áreas de terreno para efeito de delimitação de estremas não estão sujeitos a escritura pública ou autenticação, sendo certo que, no escrito particular em análise se acautelaram, com precisão e prudência, os direitos/obrigações constituídos. Neste sentido, com base em todos os pressupostos apurados, adere-se ao entendimento dos Acs. do STJ de 28.2.2012, proferidos no proc. 349/06.8TBOAZ.P1.S1, relatado pelo Excelentíssimo Juiz Conselheiro Alves Velho, e de 24.10.2013, no proc. 1673/07.9TJVNF.P1.S1, relatado pela Excelentíssima Juiz Conselheira Maria dos Prazeres Pizarro Beleza, no sentido que se transcreve: “Os efeitos da invalidade por vício de forma podem, apesar disso, ser excluídos pelo abuso de direito, mas sempre em casos excepcionais ou de limite, a ponderar casuisticamente, em que as circunstâncias apontem para uma clamorosa ofensa do princípio da boa-fé e do sentimento geralmente perfilhado pela comunidade, situação em que o abuso de direito servirá de válvula de escape, tornando válido o acto formalmente nulo, como sanção do acto abusivo.”
AAC) Portanto, não assiste razão aos recorrentes quando tentam invalidar os fundamentos da Douta Sentença no que concerne à subsunção da cedência de área constante no Acordo como sendo uma demarcação para redefinição de extremas.
AAD) O acordo é formalmente válido, pois o negócio em questão não resultou, nem a constituição de outros prédios, nem a transmissão de novos direitos sobre os mesmos prédios que se mantiveram, então, na esfera jurídica dos outorgantes. Pelo menos, nenhum deles veio pôr em causa o domínio a que se arroga no dito escrito particular sobre os prédios aí identificados.
AAE) No caso em apreço, bem andou a MM Juiz ao considerar a cedência de terreno compreendida no acordo celebrado como uma demarcação considerando que se tratou de uma redefinição dos limites de ambos os prédios de AA. e RR., ainda que tal acerto de extremas tenha implicado a cedência de uma pequena parcela de terreno que veio a integrar o prédio dos AA./recorrentes.
AAF) Sendo que, tal cedência não configurou nenhuma violação da regra geral de proibição de fracionamento dos prédios rústicos por não ter dado origem a qualquer prédio autónomo, mas tao só às respetivas retificações de áreas de ambos os prédios já existentes, cfr. Ac. Trib. Rel Guimarães de 5/2/2015 disponível em www.dgsi.pt
AAG) No que diz respeito à falta de intervenção da A. mulher, no acordo celebrado, dá-se por integralmente reproduzido o já supra alegado sobre esta matéria.
AAH) Improcede a tese de que a A. mulher não prestou o seu consentimento à realização do acordo objeto dos presentes autos, os Recorrentes sufragam na íntegra a posição defendida pela MM juiz na Douta Sentença recorrida, pois, pese embora os AA, terem alegado ser casados no regime da comunhão de adquiridos, não juntaram aos autos o respectivo assento de casamento; único documento com idoneidade para demonstrar o facto alegado.
AAI) Ainda que assim não fosse, inexiste vício substancial que afecte a validade do negócio em questão que redefiniu os limites dos prédios atribuídos aos autores e aos primitivos réus, em cuja esfera jurídica se fixaram, co-respectivamente, os correspondentes direitos/obrigações.
AAJ) Tal como refere a Douta Sentença: "Efectivamente, demonstrando-se que a autora apenas discordou do montante da contrapartida pecuniária fixada para a cedência do triângulo de terreno, tem de concluir-se, em primeiro lugar, que teve conhecimento do acordo celebrado. Em segundo lugar, que concordou com os demais termos da sua celebração. O que equivale por dizer que nele consentiu. Tanto é que, dispondo de seis meses, contados daquela data, para requerer a anulação do negócio (cfr. artigo 1687.º do CC), até hoje não existe notícia de que o tenha feito. Aliás, a posição assumida na presente acção é conduta inequívoca no sentido de que a autora não pretende a destruição dos efeitos do negócio, a não ser, parcialmente, e em manifesto abuso de direito nos moldes supra abordados."
AAK) Deixando-se a questão do porquê da A. Recorrente não ter assinado o acordo/declaração, quando tinha perfeito conhecimento dos termos do mesmo e até discordou dele. Será que não o assinou para "deixar uma porta aberta" para toda esta encenação? Para uma premeditada invocação de nulidade na parte do acordo/declaração que não lhe interessava? Tal questão ficou clarificada em sede de audiência de julgamento, uma vez que, o Tribunal a quo declarou a atuação dos AA. como abuso de direito e litigância de má-fé.
AAL) - No que concerne à falta de prazo para cumprimento no acordo, nenhuma razão assiste aos recorrentes porquanto ainda que se admita quer no acordo celebrado entre as partes não consta especificadamente um prazo para cumprimento, o que não se concede, sempre será lógico afirmar que essa obrigação de cumprimento por parte dos aqui Recorrentes (AA.) nasceu no momento em que os mesmos iniciaram o cumprimento do acordo na parte a que a eles os beneficiava (anexação ao seu prédio de área pertencente ao prédio dos recorridos e a consequente construção do muro redefinindo o limite do seu prédio) e, por sua vez, não permitiram que operasse a outra parte do acordo com o alargamento do caminho até ao prédio dos RR./recorridos nos 0,50cm constantes do acordo.
AAM) Salvo o devido respeito, em relação à alegada falta de requisitos para o decretamento da providência cautelar, os Recorrentes, mais uma vez, incorrem numa interpretação errada quanto aos pressupostos para o decretamento da mesma, uma vez que, existiu receio, justo e fundado, de grave e dificilmente reparação lesão do direito dos RR. recorridos.
AAN) Aliás, os fundamentos para o decretamento para a instauração da providência cautelar estão amplamente descritos na P.I. daquele procedimento cautelar, cuja pertinência e razão, foi devidamente apreciada e julgada pelo MM Juiz titular do processo à data, não sendo sequer tema de discussão para prolação da Douta Sentença proferida pelo Tribunal a quo.
AAO) Salvo melhor opinião, os Recorrentes voltam a pôr em causa a validade do procedimento cautelar, quando tal questão nem sequer constitui objeto de discussão na Sentença ora em crise e, como tal nem deveria ser tema de recurso.
AAP) Os Recorridos entendem que os Recorrentes em "desespero de causa" vêm mais uma vez, invocar a nulidade da desanexação e abordar o tema da "Proibição de fracionamento de prédios rústicos" quando bem sabem que não se tratou de fracionamento algum, como amplamente alegado na presente resposta e devidamente fundamentado na Douta Sentença proferida.
AAQ) REPETE-SE, que o Acordo/Declaração objeto dos presentes autos consistiu apenas na cedência de uma pequena parcela para acerto de estremas no prédio dos AA. aqui recorrentes, e a consequente cedência de uma faixa de terreno de 0,50cm para os RR. aqui recorridos, não tendo originado novos prédios.”
*
O recurso foi admitido como de apelação, a subir imediatamente nos próprios autos, com efeito devolutivo.
*
O tribunal recorrido pronunciou-se relativamente à arguida nulidade da sentença por omissão de pronúncia considerando que a mesma não se verifica.
*
Foram colhidos os vistos legais.

OBJETO DO RECURSO

Nos termos dos artigos 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do CPC, o objeto do recurso está delimitado pelas conclusões contidas nas alegações dos recorrentes, estando vedado ao Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso, sendo que o Tribunal apenas está adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objeto do recurso.
Nessa apreciação o Tribunal de recurso não tem que responder ou rebater todos os argumentos invocados, tendo apenas de analisar as “questões” suscitadas que, por respeitarem aos elementos da causa, definidos em função das pretensões e causa de pedir aduzidas, se configurem como relevantes para conhecimento do respetivo objeto, excetuadas as que resultem prejudicadas pela solução dada a outras.
Por outro lado, o Tribunal não pode conhecer de questões novas, uma vez que os recursos visam reapreciar decisões proferidas e não analisar questões que não foram anteriormente colocadas pelas partes.

Neste enquadramento, as questões relevantes a decidir, elencadas por ordem de precedência lógico-jurídica, são as seguintes:

I - nulidade da sentença por omissão de pronúncia;
II - alteração da matéria de facto;
III - saber se pode ser discutida nesta ação a verificação dos pressupostos que justificaram o decretamento da providência, designadamente a existência de fundado receio de lesão grave e dificilmente reparável, a legitimidade processual ativa dos réus para intentarem a providência cautelar e a inexistência de mora;
IV – saber se o acordo deve ser declarado nulo por falta de forma ou por implicar fracionamento ilegal;
V – concluindo-se pela validade do acordo, saber se deve ser declarada a sua ineficácia relativamente à autora mulher;
VI – concluindo-se pela nulidade do acordo, saber se o mesmo pode ser qualificado como contrato-promessa;
VII – saber se inexiste direito de tapagem por os réus não serem proprietários.

FUNDAMENTAÇÃO

FUNDAMENTOS DE FACTO

Na 1ª instância foram considerados provados os seguintes factos:

1. Em 26 de Outubro de 2016, os aqui réus, J. A. e marido, P. V., F. R. e esposa, V. R., instauraram procedimento cautelar comum contra os ora autores, E. J. e M. R., pedindo que o Tribunal declarasse que, mercê do acordo celebrado entre eles, os requeridos cederam a permitiram a existência de mais meio metro de largura no acesso que vai da Av.ª ... até ao portão dos requerentes, a partir do limite do muro para sul do mesmo e conforme as plantas entregues na Câmara e que instruíram e condicionaram o licenciamento, permitindo-se que se faça a respetiva demarcação e obrigando-se os requeridos ou a quem estes vierem a transmitir o prédio a respeitar aquele limite, abstendo-se da prática de atos de perturbação das obras necessárias à implementação do mesmo.
2. No âmbito dos sobreditos autos de procedimento cautelar com o n.º 171/16.4T8AMR, do Juízo Local de Amares; citados os requeridos, não foi deduzida oposição.
3. Em 24 de novembro de 2016, o Tribunal proferiu decisão final, decidindo:
1. declarar que os requeridos cederam e permitiram a existência de mais meio metro de largura no acesso que vai da estrada camarária, agora Av. de Paredes, até ao portão dos requerentes, a partir do limite do muro para sul do mesmo e conforme plantas entregues na câmara e que instruíram e condicionaram o licenciamento.
2. Determinar que se faça a demarcação, pelo menos provisoriamente até conclusão da obra que estão a efetuar, demarcação esta a fazer com viga de não mais que vinte centímetros de largura, incrustada ao alto no muro existente, a cinquenta centímetros para sul do seu limite.
3. Obrigar os requeridos a efetuar a vedação do seu prédio sempre com respeito dos referidos cinquenta centímetros para sul da atual largura do dito acesso, desde o portão até à via pública, agora avenida de paredes.
4. e a absterem-se de atos que perturbem a concretização das obras relativas aos pedidos feitos.
5. Deferir a inversão do contencioso nos termos do disposto no artigo 369.º, do C.P.C., e, em consequência, determinar que o decretamento da presente providência cautelar é suficiente para acautelar a composição definitiva do litígio, nomeadamente, o litígio respeitante à delimitação dos dois imóveis.
4. Em 9 de fevereiro de 2011, por escrito, L. R. e mulher, M. L., J. A. e marido, P. V., F. R., na qualidade de primeiros outorgantes, e E. J., no estado de casado, no regime de comunhão de adquiridos, com M. R., na qualidade de segundo outorgante, declararam celebrar acordo, assumindo os compromissos que constam das cláusulas seguintes:
“UM: os outorgantes são donos dos prédios a seguir identificados: a) os primeiros do prédio misto, Casa e Quintal, sito no lugar …, ..., agora com entrada pelo n.º … da dita Av.ª ..., inscrito na matriz sob os artigos ... urbano e … rústico, descrito na Conservatória sob o n.º .../..., b) o segundo, do prédio denominado “Quinta e Bouça, Pinhal”- mais conhecido por triângulo junto à M. C., também sito no lugar do … – ..., na margem da Estrada Camarária que agora tem o nome de Av.ª ..., ainda não descrito na Conservatória e inscrito na matriz sob o artigo … rústico…
DOIS: os dois prédios confrontam um com o outro, mas propriamente pelo poente do primeiro e nascente do segundo.
TRES: pela presente declaração e compromisso os primeiros cedem ao segundo, para alargamento do seu identificado prédio, um triângulo de terreno a desafetar da parte poente do rústico, que fica definida e de limitada como segue:
I. esse triângulo tem como face nascente uma linha que parte do tranqueiro sul do portão de entrada e segue em linha reta para sul até ao muro que delimita essa plataforma com a leira inferior situada desse lado sul,
II. o ponto onde termina essa face nascente da linha é marcado a 14 (catorze) metros, medidos para nascente, desde o limite ou estrema poente no muro separador da dita leira,
III. com as delimitações definidas resulta uma área de 265 m2, tudo conforme planta que fica anexada a este documento.
QUATRO: Os primeiros, através deste documento, cedem ao segundo o delimitado triângulo, transmitindo-lhe a posse e propriedade plena do mesmo, definitivamente, para todos os efeitos legais, podendo este anexá-lo ao prédio de que é dono, acima identificado.

SEIS: Como contrapartida pela cedência, o segundo obriga-se a reconstruir o muro que agora separa os dois prédios, tendo esse muro a face nascente na linha acima definida e será reconstruído em pedra, com eventual aproveitamento da que resultar do agora existente.

OITO: O segundo compromete-se ainda a deixar mais largo o acesso que vai da Estrada Camarária, agora Av.ª ..., até ao portão, deixando livre e desocupado mais meio metro para além da sua largura actual”.
5. A cedência referida no ponto 4. (cláusula QUATRO) teve como contrapartida, além do mais, a entrega da quantia de 7.950$00, que foi satisfeita mediante o cheque n.º 3393866367, sacado pelo autor, E. J., sobre a CCA, a favor de L. R. a quem foi entregue na mesma data do escrito ali referido.
6. O prédio misto, composto por casa rés-do-chão, 1.º e 2.º andares, para habitação, logradouro com 847 m2 e quintal de cultura arvense de regadio com 1.121 m2, sito no lugar ..., freguesia de ..., Amares, inscrito na matriz urbana sob o artigo ... e na matriz rústica sob o artigo …, está descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob o n.º ... a aí inscrita a sua aquisição, por compra, a favor de J. S., casado com M. R., no regime de comunhão de adquiridos.
7. O prédio rústico de cultura arvense de regadio, sito no lugar ..., freguesia de ..., Amares, inscrito na matriz sob o artigo …, está descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob o n.º … e aí inscrita a sua aquisição, por compra, a favor de J. S., casado com M. R., no regime de comunhão de adquiridos.
8. O prédio urbano, composto de parcela para construção, sito no lugar ..., freguesia de ..., Amares, inscrito na matriz sob o artigo …, está descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ... e aí inscrita a sua aquisição, por doação, a favor de E. R., casada com A. G., no regime de comunhão de adquiridos.
9. Na parcela de terreno (triângulo) referida no ponto 4. (cláusula TRÊS) foram executadas obras que a ligam ao prédio descrito no mesmo ponto (cláusula UM, al. b).
10. O muro referido no ponto 5. (cláusula SEIS) foi construído há vários anos.
11. A autora, M. R., discordou da fixação do montante da contrapartida pecuniária descrita em 5.
12. Entre o autor e o Dr. L. R. sempre existiu uma relação de amizade e confiança.
13. Durante as negociações que conduziram à celebração do acordo descrito no ponto 4., o Dr. L. R. manifestou interesse no alargamento do caminho de acesso ao prédio aí descrito (cláusula UM, al. a), o que o autor aceitou.
14. O autor está de relações cortadas com o comprador, J. S., facto que é do conhecimento dos réus.
*
Foram considerados não provados os seguintes factos:

A) Logo após a aquisição descrita em 6. e 7., o comprador, J. S., colocou máquinas e trabalhadores para limpar o terreno que se encontrava “de velho”, com silvas, ervas e outra vegetação, o que fez à vista de toda a gente.
B) A autora, M. R., não foi “ouvida nem achada” relativamente ao acordo descrito no ponto 4.
C) A autora discordou da celebração do acordo descrito no ponto 4.
D) O alargamento do caminho descrito no ponto 13. visava a construção de um empreendimento turístico nesse prédio.
E) O autor aceitou o alargamento do caminho tendo em especial atenção a pessoa do Dr. L. R. e mediante a promessa verbal de atribuição de preferência na venda a terceiros do prédio.

FUNDAMENTOS DE DIREITO

Cumpre apreciar e decidir.

I – Nulidade da sentença por omissão de pronúncia

Os recorrentes consideram que a sentença é nula por o tribunal recorrido não se ter pronunciado:

a) sobre no Acordo não ter sido estipulado qualquer prazo de cumprimento, e de não ter sido efetuada qualquer interpelação admonitória, nunca o autor marido estando em mora nas obrigações decorrentes do mesmo, pelo que nenhum direito havia a acautelar com a interposição da providência cautelar;
b) sobre a "versão" trazida à providência acerca da tomada de posse dos prédios e da colocação das caixas do correio e contadores de água e luz;
c) sobre a alegação da parte dos Autores de que o negócio celebrado entre as partes se tratou de um negócio "intuitus personae", e que só se realizou atendendo ao facto de ser o Dr. L. R. o interveniente;
d) sobre os réus não serem proprietários de qualquer faixa de terreno não lhes assistindo qualquer direito de tapagem ou vedação;
e) sobre o acordo poder constituir somente um contrato promessa de compra e venda.
Pedem que tal nulidade seja declarada e que seja ordenada a realização de um novo julgamento.
*

Dispõe o art. 615º, nº 1, do CPC, que é nula a sentença quando:
a) Não contenha a assinatura do juiz;
b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
e) O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.

Por seu turno, dispõe o art. 665º, do CPC, que consagra a regra da substituição ao tribunal recorrido, que, ainda que declare nula a decisão que põe termo ao processo, o tribunal de recurso deve conhecer do objeto da apelação.

Assim, a primeira conclusão a retirar destas normas é que uma eventual nulidade da sentença recorrida nunca poderia ter como consequência imediata a realização de novo julgamento, como pretendido pelos recorrentes.
Dada a cada vez maior frequência com que é invocada em sede de recurso a existência de nulidades das sentenças, parece-nos que existe alguma confusão sobre a consequência que decorre desse vício, que importa esclarecer.
Se a sentença for declarada nula por omissão de pronúncia, por não ter conhecido de uma questão que se lhe impunha que conhecesse, esse vício afeta unicamente a sentença, não atingindo o julgamento efetuado, o qual permanece válido, e, por força do disposto no art. 665º, do CPC, o tribunal de recurso subsistiu-se ao tribunal recorrido e aprecia ele próprio a questão omitida, em conformidade com os factos que resultaram provados no julgamento.

Feita esta precisão, passemos a analisar se a sentença é nula por omissão de pronúncia.

As nulidades da sentença são vícios formais e intrínsecos de tal peça processual e encontram-se taxativamente previstos no normativo legal supra citado.
Os referidos vícios, designados como error in procedendo, respeitam unicamente à estrutura ou aos limites da sentença.
As nulidades da sentença, como seus vícios intrínsecos, são apreciadas em função do texto e do discurso lógico nela desenvolvidos, não se confundindo com erros de julgamento (error in judicando), que são erros quanto à decisão de mérito explanada na sentença, decorrentes de má perceção da realidade factual (error facti) e/ou na aplicação do direito (error juris), de forma que o decidido não corresponde à realidade ontológica ou normativa, com a errada aplicação das normas jurídicas aos factos, erros de julgamento estes a sindicar noutro âmbito (cf. Acórdão desta Relação de 4.10.2018, Relatora Eugénia Cunha, in www.dgsi.pt).
O vício da sentença decorrente da omissão de pronúncia relaciona-se com o dispositivo do art. 608º do C.P.C., designadamente, com o seu nº 2, que estabelece as questões que devem ser conhecidas na sentença, havendo, assim, de por ele ser integrado.
Desta conjugação de normativos resulta que a nulidade da decisão com fundamento na omissão de pronúncia apenas se verifica quando uma questão que devia ser conhecida nessa peça processual não teve aí qualquer tratamento, apreciação ou decisão, sem que a sua resolução tenha sido prejudicada pela solução, eventualmente, dada a outras.
Importa, porém, não confundir questões com factos, argumentos ou considerações. A questão a decidir está intimamente ligada ao pedido da providência e à respetiva causa de pedir. Relevam, de um modo geral, as pretensões deduzidas e os elementos integradores do pedido e da causa de pedir.
Neste sentido, veja-se o Acórdão do STJ, de 9.2.2012, segundo o qual “a nulidade resultante de omissão de pronúncia verifica-se quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento (...), sendo certo que não se tem por verificada quando o tribunal deixa de apreciar algum ou alguns dos argumentos invocados pela parte tendo em vista a decisão da questão ou questões que a mesma submete ao seu conhecimento, só ocorrendo quando o tribunal deixa de se pronunciar sobre a própria questão ou questões que lhe são colocadas ou que tem o dever de oficiosamente apreciar, entendendo-se por questão o dissídio ou problema concreto a decidir e não os simples argumentos, razões, opiniões ou doutrinas expendidos pela parte na defesa da sua pretensão.

No caso em análise, as questões referidas em a) e b) dizem respeito aos fundamentos que levaram a que a providência cautelar fosse decretada.
Ora, sobre esta matéria, a sentença recorrida considerou que “ante a prolação desta decisão (final), impõe-se dizer, antes de mais, que a apreciação dos argumentos ora apresentados pelos autores relativos aos requisitos (ou à falta deles) que legitimariam o recurso ao procedimento cautelar; como a inexistência de receio, justo e fundado, de grave e dificilmente reparável lesão do direito dos réus, teria utilidade apenas nessa sede cautelar, estando ultrapassada nestes autos, de acção principal, que visam a composição definitiva do litígio, respondendo à questão da (in)existência dos direitos provisoriamente acautelados.”
Portanto, tendo a sentença considerado que a matéria respeitante à providência cautelar estava ultrapassada nestes autos, não se pode considerar que há omissão de pronúncia sobre a matéria referida nas als. a) e b).
*
A sentença recorrida considerou que:
Por conseguinte, com o acordo celebrado, autores e réus (primitivos) passaram a exercer, plenamente, os seus direitos de proprietário sobre os prédios com os sobreditos limites (redefinidos).
Aqui chegados, e sempre ressalvado o devido respeito por entendimento em contrário, será evidente que os negócios que, posteriormente, incidiram sobre os mesmos prédios, detectados nas respectivas descrições prediais (pontos 6. a 8.), transmitiram o prédio tal como se encontrava na esfera do transmitente. Ou seja, tanto os autores transmitiram à filha, autora/chamada, o seu prédio com os limites redefinidos pela inclusão do dito triângulo, como os réus primitivos transmitiram ao réu/chamado, J. V., o prédio com a acordada (re)delimitação/acertamento da estrema no acesso que vai da Av.ª ... até ao portão. Isto, também na medida em que não foram alegados quaisquer factos que ponham em causa a presunção que do artigo 7.º do CRpredial se extrai relativamente aos titulares do direito (aquisição) inscrito.
E na medida do supra exposto, tendo sido, validamente, acordada a demarcação dos prédios que, posteriormente, foram transmitidos aos aqui intervenientes, inexiste fundamento na pretensão dos autores, mostrando-se prejudicadas pelo supra expendido todas as demais questões suscitadas” (sublinhados nossos).

Desta transcrição decorre que a sentença recorrida pronunciou-se sobre a existência do direito de propriedade, o que implica que entendeu que não há nenhum negócio “intuitus personae”.
Perante aquela conclusão, ficou prejudicada a apreciação de inexistência de direito de tapagem ou vedação por não serem proprietários, uma vez que a sentença concluiu pela existência de direito de propriedade.
Consequentemente, resta concluir que a sentença se pronunciou sobre a matéria referida em c) e d).
*
Também não há omissão de pronúncia quanto ao referido na al. e) (sobre o acordo poder constituir somente um contrato promessa de compra e venda) pois sobre esta matéria a sentença pronunciou-se referindo que “tão pouco, conforme da letra do acordo resulta, se configurou qualquer promessa-contratual; as partes previram ali, de modo definitivo, as (co)respectivas obrigações contratuais, que os autores até cumpriram de imediato, executando obras na parcela cedida e reconstruindo o novo muro divisório” (sublinhado nosso).
*
Nestes termos, considera-se que a sentença se pronunciou sobre as matérias referidas pelos recorrentes em a) a e) não ocorrendo por isso qualquer nulidade, razão pela qual improcede o recurso nesta parte.

II –Alteração da matéria de facto

Dispõe o artigo 662º, n.º 1, do CPC, que a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
A norma em questão alude a meios de prova que imponham decisão diversa da impugnada e não a meios de prova que permitam, admitam ou apenas consintam decisão diversa da impugnada.

Por seu turno, o art.º 640.º do C.P.C. que tem como epígrafe o “ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto”, dispõe que:

1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.”

Como se escreveu no Acórdão deste Tribunal da Relação de Guimarães, de 19.6.2019, Relatora Vera Sottomayor, (in www.dgsi.pt):

Importa referir que no nosso ordenamento jurídico vigora o princípio da liberdade do julgador ou da prova livre, consagrado no n.º 5 do artigo 607º do CPC (…), segundo o qual o tribunal aprecia livremente as provas e fixa a matéria de facto em conformidade com a convicção que tenha formado acerca de cada um dos factos controvertidos, salvo se a lei exigir para a prova de determinado facto formalidade especial, ou aqueles só possam ser provados por documento, ou estejam plenamente provados, quer por documento, quer por acordo ou confissão das partes.
Sobre a reapreciação da prova impõe-se assim toda a cautela para não desvirtuar, designadamente o princípio referente à liberdade do julgador na apreciação da prova, bem como o princípio de imediação que não podem ser esquecidos no convencimento da veracidade ou probabilidade dos factos. Não está em causa proceder-se a novo julgamento, mas apenas examinar a decisão da primeira instância e respetivos fundamentos, analisar as provas gravadas, se for o caso, e procedendo ao confronto do resultado desta análise com aquela decisão e fundamentos, a fim de averiguar se o veredicto alcançado pelo tribunal recorrido quanto aos concretos pontos impugnados assentou num erro de apreciação.
Em suma, a alteração da matéria de facto pelo Tribunal da Relação tem de ser realizada ponderadamente, em casos excecionais, pontuais e só deverá ocorrer se, do confronto dos meios de prova indicados pelo recorrente com a globalidade dos elementos que integram os autos, se concluir que tais elementos probatórios, evidenciando a existência de erro de julgamento, sustentam, em concreto e de modo inequívoco, o sentido pretendido pelo recorrente. Tal sucede quando a convicção do tribunal de 1.ª instância assentou em erro tão flagrante que o mero exame das provas gravadas revela que a decisão não pode subsistir.
No mesmo sentido, considerou o Acórdão desta Relação de Guimarães, de 2.11.2017, Relatora Eugénia Cunha (in www.dgsi.pt), em termos com os quais concordamos integralmente, que “a garantia do duplo grau de jurisdição da matéria de facto não subverte o princípio da livre apreciação da prova (consagrado no artigo 607.º, nº 5 do CPC) que está atribuído ao tribunal da 1ª instância, sendo que, na formação da convicção do julgador não intervêm apenas elementos racionalmente demonstráveis, já que podem entrar também, elementos que escapam à gravação vídeo ou áudio e, em grande medida, na valoração de um depoimento pesam elementos que só a imediação e a oralidade trazem. (...)
Assim, só deve ser efetuada alteração da matéria de facto pelo Tribunal da Relação quando este Tribunal, depois de proceder à audição efetiva da prova gravada, conclua, com a necessária segurança, no sentido de que os depoimentos prestados em audiência, conjugados com a restante prova produzida, apontam para direção diversa e impõem uma outra conclusão, que não aquela a que chegou o Tribunal de 1ª Instância. Na apreciação dos depoimentos, no seu valor ou na sua credibilidade, é de ter presente que a apreciação dessa prova na Relação envolve “risco de valoração” de grau mais elevado que na primeira instância, em que há imediação, concentração e oralidade, permitindo contacto direto com as testemunhas, o que não acontece neste tribunal. E os depoimentos não são só palavras; a comunicação estabelece-se também por outras formas que permitem informação decisiva para a valoração da prova produzida e apreciada segundo as regras da experiência comum e que, no entanto, se trata de elementos que são intraduzíveis numa gravação. Por estas razões, está em melhor situação o julgador de primeira instância para apreciar os depoimentos prestados uma vez que o foram perante si, pela possibilidade de apreensão de elementos não apreensíveis na gravação dos depoimentos.
Em suma, na reapreciação das provas em segunda instância não se procura uma nova convicção diferente da formulada em primeira instância, mas verificar se a convicção expressa no tribunal a quo tem suporte razoável naquilo que consta da gravação com os demais elementos constantes dos autos, que a decisão não corresponde a um erro de julgamento”.

Tendo por base estes critérios, analisemos então se a matéria de facto deve ser alterada nos termos pretendidos pela recorrente.
Os recorrentes pretendem que os factos provados 11 e 13 sejam considerados não provados e que os factos não provados B) e C) sejam considerados provados.
Para alcançar este resultado invocam os depoimentos das testemunhas A. M., D. C. e M. F., tendo transcrito excertos dos depoimentos prestados por essas testemunhas.
Os factos impugnados têm a seguinte redação:

11. A autora, M. R., discordou da fixação do montante da contrapartida pecuniária descrita em 5.
13. Durante as negociações que conduziram à celebração do acordo descrito no ponto 4., o Dr. L. R. manifestou interesse no alargamento do caminho de acesso ao prédio aí descrito (cláusula UM, al. a), o que o autor aceitou.

B) A autora, M. R., não foi “ouvida nem achada” relativamente ao acordo descrito no ponto 4.
C) A autora discordou da celebração do acordo descrito no ponto 4.
Relativamente à fundamentação quanto à prova dos factos 11 e 13 e não prova dos factos B) e C) consta na sentença o seguinte:

“Os factos descritos nos pontos 11. e 12. assentam, essencialmente, no depoimento da já identificada testemunha, D. C., o qual, por força da dita relação pessoal e intervenção nas negociações que conduziram à celebração do negócio de cedência/demarcação de parcelas, não deixou dúvidas quanto à amizade que unia os declarantes; autor, E. J., e L. R., descrevendo, com detalhe, a discordância da autora relativamente ao preço fixado como contrapartida da cedência do triângulo por considerá-lo excessivo, uma vez que se tratava de uma pequena área e uma vez que assumiam o compromisso de reconstruir o muro divisório, conforme o original; cujo preço rondaria os 5.000$00. Nessa medida, do depoimento da testemunha não restaram dúvidas de que a autora, mau grado não tenha intervindo, formalmente, na declaração de compromisso firmada, esteve, sempre, e perfeitamente, a par de toda a negociação, tanto é que discordava do preço fixado para o triângulo. Daí, e à luz do mais elementar senso comum, se conclui que, a final, a autora discordava do preço e não do negócio, de que soube e aceitou; como é evidente, tanto é que, conforme se antevê, o casal procedeu a construção na dita parcela, aceitando a ampliação de área prevista e anexação ao seu prédio, que; posteriormente, doou à filha. Efectivamente, em momento algum, a autora veio dizer que não aceitou a cedência do triângulo, que este não lhe pertence, nem que não construiu nele; apenas negando, contra a evidência, uma parte do negócio que, depois de celebrado e concretizado, deixou de lhes interessar; comportamento que, ressalvado o devido respeito, não se pode aceitar por representar um venire contra factum proprium, e que, logicamente, conduziu à indemonstração da posição que assumem, conforme resulta das als. B) e C).
O facto descrito no ponto 13. vai demonstrado do sobredito contexto; desde logo, porquanto resulta expressamente previsto, como contrapartida da cedência do triângulo, na cláusula oitava do dito acordo. Além disso, a testemunha, A. R., já supra identificada, que se revelou amigo de ambas as partes, e que, ante o depoimento equidistante que prestou, mereceu credibilidade, contou, inclusive, por ser de seu conhecimento funcional, a existência de um pedido do autor dirigido à Câmara Municipal, no sentido de autorizar o recuo do muro em conformidade com o acordo celebrado, conforme, aliás, se retira das plantas juntas aos autos apensos, com o requerimento de 27 de Outubro de 2016 (fls. 27 e ss.).”

O Tribunal procedeu à audição integral dos depoimentos prestados pelas testemunhas A. M., D. C., M. F. e R. M., referidas pelos recorrentes e pelos recorridos.
Não basta a transcrição de excertos descontextualizados dos depoimentos das testemunhas para que se possa considerar um facto como provado ou não provado, sendo necessário fazer uma análise global da prova, de forma conjugada e crítica, para concluir de forma minimamente segura, pois que certezas absolutas dificilmente se alcançam, sobre se a veracidade de um facto está ou não demonstrada.
No caso em apreço, da audição a que se procedeu, conclui-se que não existe nenhum erro de julgamento e que a prova produzida aponta no exato sentido que foi considerado na sentença, pelas razões que constam da fundamentação que supra se transcreveu, com a qual se concorda pois que a mesma espelha a realidade que as testemunhas afirmaram.
Efetivamente a testemunha que mais conhecimento revelou sobre a matéria em apreço foi D. C.. Esta testemunha declarou que é amigo quer do autor E. J. quer do Dr. L. R.. Teve até uma sociedade juntamente com o Dr. L. R. e com o irmão R. A. e era visita da casa R..
Embora não tenha feito o projeto da casa do autor E. J., deu opinião sobre o mesmo e, a dada altura, sugeriu que se ele conseguisse que o Dr. L. R. lhe cedesse um bocado de terreno, o autor poderia fazer uma casa mais desafogada.
Devido à amizade que mantinha com o Dr. L. R., a própria testemunha resolveu intervir e sugeriu-lhe esta ideia. No fundo, a testemunha serviu de intermediário entre ambos, aproximando-os na negociação que veio a culminar no acordo a que chegaram posteriormente.
Não interveio diretamente nas negociações, tendo-se afastado depois de ter colocado as duas partes em contacto. Posteriormente, o Dr. L. R. disse-lhe que tinha vendido um triângulo de terreno a E. J.. Também este, mais tarde, lhe contou que tinham fechado o negócio.
Para além do preço em que acordaram, e que a testemunha não recorda com exatidão, mas admite que possa ser na ordem do valor do cheque que se encontra junto aos autos e que foi exibido à testemunha no decurso do julgamento, ficou ainda acordado que o autor E. J. teria de reconstruir o muro divisório das propriedades na totalidade. O Dr. L. R. queria um muro bastante alto, o que encarecia o preço. Por isso, a esposa do autor E. J. disse à testemunha que “aquilo já estava a ficar muito caro”. Não sabe se a autora M. R. era ou não contra o negócio, pois não pode falar pelos outros, mas encarou aquele comentário como um mero desabafo, estando convencido que o negócio foi assumido pelo casal.
A testemunha A. M. não tem conhecimento direto sobre os termos do acordo. Confirmou que quando se deslocou ao terreno para fazer medições, o que ocorreu na sequência de pedido do Dr. L. R., a autora M. R. nunca esteve presente. No entanto, a testemunha declarou que está convencido que ela tinha conhecimento do negócio.
Também ouviu falar que o E. J. tinha que “recuar 50 centímetros”, por isso fazer parte do acordo a que chegou com o Dr. L. R..
A testemunha A. R. é irmão da autora M. R. e cunhado do autor E. J..
Confirmou a compra de um triângulo de terreno ao Dr. L. R., facto de que teve conhecimento porque a irmã e o cunhado lhe contaram.
Numa desavença mais acalorada a que assistiu também ouviu falar do alargamento do caminho em 50 centímetros e mostraram-lhe um documento sobre essa matéria, embora a testemunha não o tivesse tido na sua posse.
A testemunha M. F., que trabalhou no escritório do Dr. R., confirmou o acordo feito entre este e E. J. que consistia em o Dr. L. R. ceder um triângulo de terreno a E. J. e este, em contrapartida, permitia que o Dr. L. R. alargasse o caminho na parte que era propriedade de E. J..
Nada sabe quanto ao conhecimento da autora M. R. sobre este acordo.
Destes depoimentos conjugados, resulta claramente que a autora M. R., discordou da fixação do montante da contrapartida pecuniária acordada, não se sabendo se discordou da celebração do acordo noutros pontos, razão pela qual só se pode concluir que tinha conhecimento da existência do acordo.
Consequentemente, o facto 11 deve ser dado como provado e os factos B) e C) como não provados, não havendo nenhum elemento probatório nos autos que imponha decisão diversa.
Dos mesmos depoimentos, resulta também confirmada a matéria dada como provada em 13 referente ao alargamento em 50 centímetros do caminho de acesso ao prédio do Dr. L. R. e aceite pelo autor.
Conclui-se, assim, que não deve ser alterada a matéria de facto, pelo que improcede o recurso nesta parte.
*
III - Possibilidade de discussão nesta ação da verificação dos pressupostos que justificaram o decretamento da providência, designadamente a existência de fundado receio de lesão grave e dificilmente reparável, da legitimidade processual ativa dos réus para intentarem a providência cautelar e da inexistência de mora.

Para solucionar esta questão importa esclarecer a relação entre os procedimentos cautelares e a ação definitiva.

As providências cautelares são um meio que a lei coloca à disposição do titular de um direito que se encontra ameaçado de ser alvo de lesão grave e dificilmente reparável de obter a tutela provisória, de natureza antecipatória ou conservatória, que se mostre concretamente adequada a assegurar a efetividade do direito ameaçado, por forma a evitar que a composição definitiva do litígio se mostre inútil, por tardia, prevenindo, assim, o chamado periculum in mora.
Em sede de providência cautelar basta ao requerente fazer prova sumária do direito ameaçado (365º, nº 1, do CPC), do apelidado fumus boni iuris, sendo que para a providência ser decretada basta a mera probabilidade séria da existência do direito e do receio fundado da sua lesão (art. 368º, nº 1, do CPC).
Portanto, os procedimentos cautelares são procedimentos de cognição sumária, limitada e restrita e, como decorrência destas características, a sua natureza é meramente provisória.
Daí que, salvo o caso de inversão do contencioso, que adiante se analisará, o procedimento cautelar tem natureza instrumental, pois depende sempre de uma causa que tenha por fundamento o direito acautelado (art. 364º, do CPC), a qual, na hipótese de a providência ter sido instaurada como preliminar da ação, terá de ser proposta pelo requerente no prazo de 30 dias após a notificação do trânsito em julgado da decisão que haja ordenado a providência, sob pena de caducidade da providência decretada (art. 373º, nº 1, al. a), do CPC).
Será nessa ação que se verificará de forma plena, irrestrita e definitiva se aquele direito que, em sede de providência apenas foi objeto de uma summaria cognitio, afinal existe ou não. Com efeito, os procedimentos têm uma função meramente preventiva sendo na ação principal que se irá obter a tutela definitiva e têm natureza temporária pois destinam-se a durar apenas até que seja proferida decisão naquela ação.
O ónus de instaurar a ação principal cabe assim ao requerente da providência, àquele que invocou o direito e o receio da sua lesão.
Porém, permite o art. 369º, nº 1, do CPC, que, mediante requerimento, o juiz, na decisão que decrete a providência possa dispensar o requerente do ónus de propositura da ação principal se a matéria adquirida no procedimento lhe permitir formar convicção segura acerca da existência do direito acautelado e se a natureza da providência decretada for adequada a realizar a composição definitiva do litígio.
Portanto, para que ocorra a inversão do contencioso é necessário, por um lado, que o juiz forme a convicção segura da existência do direito que a providência se destina a acautelar e, por outro lado, que a providência decretada se possa substituir à tutela definitiva que o requerente da providência poderia solicitar na ação principal.
Só a verificação cumulativa destes dois requisitos permite que o contencioso seja invertido.
Havendo inversão do contencioso e consequente dispensa de o requerente intentar a ação principal, recai sobre o requerido o ónus de intentar a ação destinada a impugnar a existência do direito acautelado, o que deve ocorrer nos 30 dias subsequentes à notificação que lhe foi feita de que a decisão que decretou a providência transitou em julgado (art. 371º, nº 1, do CPC).
Se a ação não for proposta, ou se ocorrer alguma das situações referidas no nº 2 do art. 371º, do CPC, a providência decretada consolida-se como composição definitiva do litígio.
Esta ação não se destina a discutir ou reanalisar os fundamentos que levaram ao decretamento da providência, destina-se unicamente a impugnar a existência do direito acautelado na providência, o que são realidades distintas.
A impugnação dos fundamentos que levaram ao decretamento da providência tem que ser feita mediante recurso da decisão, nos termos gerais, quando tiver havido contraditório, ou nos termos previstos no art. 372º, do CPC, nos casos de contraditório deferido, ou seja, quando o requerido não foi ouvido antes do decretamento da providência.
Na ação a que alude o art. 371º, nº 1, do CPC, o requerido só pode impugnar a existência do direito.

No caso em apreço, os aqui autores e requeridos na providência foram citados para se oporem à providência requerida, tendo, por isso, havido contraditório.
Consequentemente, uma vez notificados da decisão proferida, se pretendiam impugnar os fundamentos da providência, deveriam ter recorrido dessa decisão.
Não o tendo feito, ficou precludido o direito de o fazerem posteriormente.
Não podem, por isso, nesta ação discutir os fundamentos que determinaram o decretamento da providência, designadamente a existência de fundado receio de lesão grave e dificilmente reparável, só podendo impugnar a existência do direito acautelado.
Portanto, todas as questões que os autores levantam na ação e que se prendem com os fundamentos da providência são irrelevantes nesta ação e não podem voltar a ser apreciados.
Logo, é verdade, como afirmado pelos recorrentes, que “era assim permitido ao Autores intentarem a presente ação para impugnação da inversão do contencioso, assim como da existência do direito acautelado pela providência”. Porém, distintamente do que os mesmos concluem, essa impugnação não passa pela prova da inexistência dos fundamentos que determinaram o seu decretamento, mas apenas pela impugnação do direito acautelado, pela demonstração de que esse direito não existe.
Por conseguinte, a sentença recorrida, ao entender que os autores não se poderiam pronunciar, na petição inicial, acerca do preenchimento ou não dos requisitos que determinaram o decretamento da providência, decidiu corretamente, pelo que o recurso improcede nesta parte.
*
A questão de os requerentes da providência não serem dotados de legitimidade processual ativa para a instaurar também é matéria que está ultrapassada pois só poderia ter sido apreciada e decidida na providência, não o podendo ser nestes autos.
Neste processo apenas se poderá discutir a legitimidade do ponto de vista material ou substancial, ou seja, saber se os réus são ou não titulares do direito, mas já não a legitimidade enquanto pressuposto processual para intentarem a providência.
O mesmo se diga quanto à questão de não haver mora, por a obrigação não ter prazo e os autores não terem sido interpelados ao cumprimento, que é enquadrada pelos recorrentes como falta de fundamento para a providência ser decretada.
Essa, como todas as demais matérias relativas à falta de fundamentos para a providência ser decretada, não podem ser reapreciadas nesta ação.
*
IV - Nulidade do acordo por falta de forma ou por fracionamento ilegal

Dizem os recorrentes que “quanto à alegada existência de abuso de direito na modalidade de venire contra factum proprium a Meritíssima Juiz conclui que o facto de existir afasta o vício de forma da declaração e considera válido o acordo particular celebrado, o que não se pode aceitar, já que o facto de se considerar que existe abuso de direito da parte dos Autores/Recorrentes, o que não se aceita, não significa que o contrato celebrado seja válido”.
Importa precisar que, contrariamente ao defendido pelos recorrentes, a sentença recorrida não considerou que o negócio é nulo por falta de forma, mas que se tem de considerar válido por via de os autores agirem em abuso de direito.
A sentença abordou essa questão na linha argumentativa e de raciocínio que desenvolveu. Porém, acabou por concluir que o negócio é formalmente válido porque não o considerou como um ato de transmissão da propriedade, mas sim como um ato pelo qual “os outorgantes procederam, afinal, e à luz do disposto no artigo 1353.º do CC, à (re)demarcação dos seus prédios”, entendendo que a “demarcação pode ser efectuada extrajudicialmente e por documento particular” e concluindo que “tendo os outorgantes procedido à mera rectificação de estremas dos seus prédios confinantes, ainda que com cedência de áreas a favor dos mesmos prédios, sem constituição de novos direitos, não estavam obrigados a formalizar as correspondentes declarações negociais numa escritura pública ou em documento autenticado; o que é o mesmo que dizer que o negócio celebrado não enferma de vício de forma; constituindo meio válido de redefinição das estremas dos prédios em causa, obrigando os contratantes nos precisos termos acordados” (sublinhado nosso).

Uma vez que os recorrentes também consideram que o acordo é nulo por falta de forma visto ser uma cedência de propriedade sobre bens imóveis e não uma demarcação à luz do art. 1353º, do CC, como considerou a decisão recorrida, importa, antes de mais, qualificar a natureza do acordo celebrado.
O acordo celebrado entre aos primeiros outorgantes, que designaremos como família R., e o segundo outorgante, que é E. J., encontra-se descrito nos factos provados 4 e 5.
Desse acordo resulta que a família R. e E. J. eram proprietários de prédios confinantes. Acordaram que a família R. cedia a E. J. um triângulo de terreno do seu prédio, com a área de 265 m2, com vista ao alargamento do prédio deste último, tendo-lhe transmitido a posse e propriedade plena do mesmo, definitivamente, para todos os efeitos legais, podendo este anexá-lo ao prédio de que é dono.
Como contrapartida pela cedência, E. J. obrigou-se a reconstruir o muro que separava os dois prédios, a deixar mais largo o acesso que vai da Estrada Camarária, atual Av.ª ..., até ao portão, deixando livre e desocupado mais meio metro para além da sua largura atual, e a pagar a quantia de € 7 950.
Este acordo, em nosso entender, configura uma compra e venda atípica, pois, além do pagamento do preço de € 7 950, havia ainda a obrigação de E. J. de construir o muro de separação dos dois prédios e de alargar o acesso do caminho de acesso ao prédio da família R. em mais 50 centímetros. Portanto, dado que os prédios eram confinantes, este alargamento do acesso implicava que E. J. cedia uma faixa de 50 centímetros do seu prédio que passava a integrar o prédio da família R..
Estas duas contrapartidas, que acrescem ao preço de € 7 950, têm natureza onerosa, pois consubstanciam-se num custo patrimonial, e podem livremente ser incluídas no contrato de compra e venda ao abrigo do princípio da liberdade contratual estabelecido no art. 405º, nº 1, do CC, o qual permite que, dentro dos limites da lei, as partes possam livremente fixar o conteúdo dos contratos, celebrar contratos diferentes dos previstos no código civil ou incluir neles as cláusulas que lhes aprouver.
A compra e venda rege-se pelas normas estabelecidas no art. 874º e ss do CC. Na parte em que o acordo contém cláusulas atípicas, mas onerosas, concretamente a construção do muro e o alargamento do caminho, também é aplicável o regime da compra e venda, por força da remissão constante do art. 939º, do CC, que manda aplicar aos contratos onerosos pelos quais se alienem bens ou se estabeleçam encargos sobre eles as normas da compra e venda.
E não temos dúvidas de que o acordo em questão na parte em que supõe o alargamento do caminho em 50 centímetros implica uma alienação do direito de propriedade sobre essa faixa de 50 centímetros, a qual deixa de pertencer ao prédio de E. J. e passa a integrar o prédio da família R..
Como tal, a todo o acordo é aplicável o regime da compra e venda: na parte típica, de forma direta, na parte atípica, por força da remissão do art. 939º, do CC.
Portanto, discordamos do enquadramento jurídico feito na sentença recorrida segundo o qual está em causa o direito de demarcação previsto no art. 1353º, do CC.
Nessa norma refere-se que o proprietário pode obrigar os donos dos prédios confinantes a concorrerem para a demarcação das estremas entre os seus prédios e os deles, estabelecendo ainda o art. 1354º, nº 1, que a demarcação é feita de conformidade com os títulos de cada um e, na falta de títulos, de harmonia com a posse em que estejam os confinantes.
A demarcação é uma operação material que consiste em colocar marcos e fixar outros sinais na linha divisória de dois prédios contíguos, que estão em poder dos seus donos. Existe necessidade de demarcação quando os prédios não estão demarcados ou quando existe conflito quanto aos limites dos prédios.
Parece-nos que resulta claro que, no caso sub judice, as partes não pretenderam com o acordo celebrado demarcar os seus prédios: ambas as partes sabiam exatamente quais os limites dos respetivos prédios, os quais estavam até separados por muros. O que pretenderam foi ceder reciprocamente pequenas parcelas dos seus prédios, alterando, desta forma a composição dos mesmos, nas partes confinantes, o que fizeram de forma onerosa.
Portanto, como já concluímos supra, a este negócio de compra venda atípico aplica-se o regime da compra e venda.
Nos termos do art. 875º, do CC, o contrato de compra e venda de bens imóveis só é válido se for celebrado por escritura pública ou por documento particular autenticado.
O acordo em apreciação foi celebrado por mero documento particular. Por essa razão não observou a forma legal, o que gera a sua nulidade nos termos do art. 220º, do CC.
A nulidade que afeta o acordo é um vício que o atinge na sua globalidade, e não apenas na parte em que supõe o alargamento do caminho em 50 centímetros. Portanto, o acordo também é nulo na parte em que foi cedido aos autores o triângulo com a área de 265 m2, mediante o pagamento do preço.
Os autores não pedem nem querem nesta ação que se declare a nulidade do acordo nessa parte. Só querem que se declare a nulidade do acordo na parte referente ao alargamento do caminho em 50 centímetros.
Aliás, no referido triângulo que lhes foi cedido pela família R., os autores até já efetuaram obras ligando-o ao prédio que lhes pertence, como resulta do facto provado 9.
As testemunhas até esclareceram que obras foram essas: consistiram na construção de uma moradia, que está parcialmente implantada sobre esse triângulo adquirido por via do referido acordo.
Portanto, os autores assumem uma posição de querer apenas a declaração parcial da nulidade do acordo, mais concretamente da parte que não cumpriram e que implica o alargamento do caminho e cedência de uma faixa de 50 centímetros do seu prédio em benefício do prédio da família R., já não pretendendo tal nulidade quanto à parte cumprida, ou seja, quanto à cedência do triângulo onde já construíram e cujo preço pagaram.
Esta atitude dos autores, em nosso entender, configura uma clara e evidente situação de abuso de direito que tem de paralisar a declaração de nulidade decorrente da não observância da forma legal.
Passamos a demonstrar porque assim consideramos.
Sob a epígrafe «abuso do direito», prescreve o art. 334ºdo Código Civil : “É ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito”.
A justificação do instituto do abuso do direito assenta em razões de justiça e de equidade e prende-se com o facto das normas jurídicas serem gerais e abstratas.
O instituto do abuso de direito é uma verdadeira “válvula de segurança” para impedir ou paralisar situações de grave injustiça que o próprio legislador preveniria se as tivesse previsto, é uma forma de antijuricidade cujas consequências devem ser as mesmas de todo o ato ilícito (Ac. do STJ, de 23.1.2014, in www.dgsi.pt).
Poder-se-á dizer que ocorre uma situação típica de abuso do direito quando alguém, detentor de um determinado direito, consagrado e tutelado pela ordem jurídica, o exercita, no caso concreto, fora do seu objetivo natural e da razão justificativa da sua existência e ostensivamente contra o sentimento jurídico dominante (Ac. da Relação de Coimbra, de 9.1.2017, in www.dgsi.pt).
Há abuso de direito quando o direito, em princípio legítimo e razoável, é exercido em determinado caso de maneira a constituir clamorosa ofensa do sentimento jurídico dominante.
Não basta que o titular do direito exceda os limites referidos, sendo necessário que esse excesso seja manifesto e gravemente atentatório e ofensivo daqueles valores.
Para determinar os limites impostos pela boa-fé e pelos bons costumes, há que lançar mão dos valores éticos predominantes na sociedade e para os impostos pelo fim social ou económico do direito deverão considerar-se os juízos de valor positivamente consagrados na lei (Ac. do STJ, de 23.1.2014, in www.dgsi.pt).
A nossa lei adota a conceção objetiva do abuso do direito pois não exige que o titular do direito tenha consciência de que o seu procedimento é abusivo. Não é por isso necessário que o titular do direito tenha a consciência de que, ao exercê-lo, está a exceder os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes e pelo seu fim social ou económico; basta que objetivamente esses limites tenham sido excedidos de forma evidente para que se considere preenchida a atuação com abuso de direito.
Nas palavras de Antunes Varela (in Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 128º, pág. 241) o abuso de direito é um instituto que rege para as situações concretas em que é clamorosa, sensível e evidente a divergência entre o resultado da aplicação do direito subjetivo e alguns dos valores impostos pela ordem jurídica para a generalidade dos direitos ou dos direitos de certo tipo.
O abuso de direito pode revestir, entre outras, as modalidades de suppressio e de venire contra factum proprium.
A suppressio designa a posição do direito subjetivo ou, mais latamente, a de qualquer situação jurídica, que, não tendo sido exercida em determinadas circunstâncias e por um certo lapso de tempo, não mais possa sê-lo por, de outro modo, se contrariar a boa fé.
A boa fé significa que as pessoas devem ter um comportamento honesto, correto, leal, nomeadamente no exercício dos direitos e deveres, não defraudando a legítima confiança ou expectativa dos outros.
Os sujeitos de determinada relação jurídica devem atuar como pessoas de bem, com correção e probidade, de modo a contribuir, de acordo com o critério normativo do comportamento, para a realização dos interesses legítimos que se pretendam atingir com a mesma relação jurídica (Ac. da Relação de Lisboa, de 24.4.2008, in www.dgsi.pt).
A verificação do abuso de direito, na modalidade de suppressio, exige, além do não exercício do direito por um certo lapso de tempo, que o titular do direito se comporte como se o não tivesse ou como se não mais o quisesse exercer, que a contraparte haja confiado em que o direito não mais seria feito valer, que o exercício superveniente do direito acarrete para a contraparte uma desvantagem iníqua.

O abuso de direito na sua vertente de “venire contra factum proprium”, pressupõe que aquele em quem se confiou viole com a sua conduta os princípios da boa fé e da confiança em que aquele que se sente lesado assentou a sua expectativa relativamente ao comportamento alheio. A proibição da conduta contraditória em face da convicção criada implica que o exercício do direito seja abusivo ou ilegítimo. Impõe que alguém exerça o seu direito em contradição com a sua conduta anterior em que a outra parte tenha confiado.
Dito de outro modo, o abuso de direito na modalidade de venire contra factum proprium consiste no exercício duma posição jurídica em contradição com uma conduta antes assumida ou proclamada pelo agente que, objetivamente interpretada no confronto da lei, da boa fé e dos bons costumes é ostensivamente violadora da boa fé ou da tutela da confiança da contraparte porque gerou a convicção na outra parte de que o direito não seria por aquele exercido e, com base nisso a contraparte programou a sua atividade. Pressupõe uma situação objetiva de confiança, um investimento de confiança.
Naturalmente, fica sempre ressalvada a possibilidade de o venire assentar numa circunstância justificativa e, designadamente, no surgimento ou na consciência de elementos que determinem o agente a mudar de atitude.
De todo o modo, para que possa funcionar o comando contido no artigo 334º, do Código Civil, tem de haver um excesso manifesto, o que significa que a existência do abuso de direito tem de ser facilmente apreensível sem que seja preciso o recurso a extensas congeminações.
Haverá abuso de direito, segundo o critério proposto por Coutinho de Abreu "quando um comportamento aparentando ser exercício de um direito se traduz na não realização dos interesses pessoais de que esse direito é instrumental e na negação de interesses sensíveis de outrem" (in Abuso de Direito, p. 43).
Configura-se, assim, um comportamento antijurídico que se caracteriza pelo exercício anormal do direito próprio, que não pela violação de um direito de outrem ou pela ofensa de uma norma tuteladora de um interesse alheio.
E para que o abuso de direito exista, não basta que o exercício do direito pelo seu titular cause prejuízo a alguém - a atribuição de um direito traduz deliberadamente a supremacia de certos interesses sobre outros interesses com aqueles confluentes, sendo necessário, sim, que o titular dele manifestamente exceda os limites que lhe cumpre observar, impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico do próprio direito exercido (cf. Acórdãos da Relação de Guimarães de 2.7.2009, do STJ de 1.7.2004, da Relação de Coimbra, de 2.12.2003 in www. dgsi.pt; do STJ de 19.10.2000, in CJ, Ano VIII, Tomo III-2000, pág. 83 a 84).

No caso em análise, a conduta dos autores integra as duas modalidades de abuso de direito, a supressio e o venire contra factum proprium. Na verdade, os autores cumpriram a quase totalidade do negócio, pois pagaram o preço, construíram o muro há vários anos e efetuaram uma construção no triângulo de terreno que lhes foi cedido, ligando-o ao seu prédio. Só não cumpriram a parte do alargamento do caminho. Durante cerca de seis anos nada disseram acerca da nulidade, comportando-se como se o negócio fosse válido. Na própria providência, depois de citados, não deduziram oposição. Só agora na ação vêm invocar pela primeira vez a nulidade, mas fazem-no de forma meramente parcial, de modo a abranger exclusivamente a parte referente ao alargamento do caminho, com exclusão da parte referente ao triângulo que lhes foi cedido e que incorporaram no seu prédio e relativamente ao qual se comportam como proprietários.
A atuação descrita, em nosso entender, viola clamorosamente as regras da boa fé e o fim social ou económico do direito.
É sabido que o “abuso de direito não pode redundar, com subversão do escopo das exigências de forma, em mero instrumento de convalidação de negócios que a lei declara inválidos” (Acórdão do STJ, de 28.2.2012, Relator Alves Velho, in www.dgsi.pt).
Tal equivaleria a declarar-se a nulidade para de seguida lhe retirar a eficácia ao declarar-se a procedência do abuso de direito. E é também necessário levar em linha de conta que às invalidades formais subjazem razões de ordem pública e fins imperativos de segurança no tráfico jurídico.
Não obstante, a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça tem admitido que os efeitos da invalidade por vício de forma possam ser excluídos por via do abuso de direito, mas sempre em casos excecionais ou de limite, a ponderar casuisticamente.
Neste sentido, veja-se o Acórdão do STJ, de 28.2.2012, Relator Alves Velho, segundo o qual “os efeitos da invalidade por vício de forma podem, apesar disso, ser excluídos pelo abuso de direito, mas sempre em casos excepcionais ou de limite, a ponderar casuisticamente, em que as circunstâncias apontem para uma clamorosa ofensa do princípio da boa fé e do sentimento geralmente perfilhado pela comunidade, situação em que o abuso de direito servirá de válvula de escape, tornando válido o acto formalmente nulo, como sanção do acto abusivo”, ou o Acórdão do STJ, de 6.8.2010, (Proc. 3161/04.6TMSNT.L1.S1), citado neste último aresto, segundo o qual “não pode generalizar-se e banalizar-se o recurso à figura do abuso de direito como forma de – sindicando os motivos pessoais e subjectivos que estão na base da invocação da nulidade pelo interessado cujo interesse é por ela prosseguido - acabar por se precludir a aplicação sistemática do regime legal imperativo que comina determinada invalidade por motivos de deficiências de forma do acto jurídico – dependendo a subsistência do invocado abuso de direito da alegação e prova de ter ocorrido um particular e fundado «investimento de confiança» na estabilidade e definitividade do contrato”.
Ou ainda, o Acórdão do STJ, de 24.10.2013, Relatora Maria dos Prazeres Pizarro Beleza (in www.dgsi.pt) segundo o qual ”as circunstâncias concretas do exercício do direito de invocar a invalidade formal de um negócio jurídico podem excepcionalmente conduzir à paralisação desse exercício, por abuso de direito”, tendo este acórdão numa situação de doação de um imóvel, nula por inobservância da forma legalmente exigível, obstado à declaração de tal nulidade por exercício abusivo do direito.
O caso em análise, em nossa opinião, enquadra-se nessas situações excecionais em que deve ser admitido o recurso ao abuso de direito para obstar à declaração de nulidade de um negócio formalmente inválido. De referir que as razões de ordem pública e de proteção do comércio jurídico que subjazem à exigência de forma legal se encontram mitigadas no caso concreto pois que não se tratou de compra e venda de imóveis na sua totalidade, mas tão só de pequenas áreas de dois prédios confinantes e na parte em que esses prédios confinam com vista a permitir a um dos proprietários a construção de uma casa maior e ao outro o alargamento de um caminho.
Concluímos assim que, pese embora se trate de uma invalidade formal, geradora de nulidade, no caso concreto, por via da atuação em abuso de direito dos autores, não deve ser admitida essa declaração de nulidade.
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Os recorrentes também referem que a cedência implica um fracionamento ilegal, face ao disposto no art. 1379º, do CC.
Porém, as cedências operadas por via do acordo estão excluídas da proibição de fracionamento, face ao disposto no art. 1377º, al. c), do CC, visto que a transferência daquelas pequenas parcelas não implicou a divisão do prédio inicial num novo prédio, mas apenas a retificação das estremas.
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Conclui-se, pois, que, embora o acordo seja nulo, por falta de forma, tal nulidade não opera nem pode ser decretada em virtude dos autores atuarem em abuso de direito.
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V - Ineficácia do acordo relativamente à autora mulher

Os recorrentes referem ainda que o negócio é ineficaz quanto à autora porque os autores são casados na comunhão de adquiridos e, sendo o bem transmitido bem próprio do Autor marido, a sua transmissão carecia do consentimento da Autora mulher, conforme resulta do disposto no artigo 1682.º- A do Código Civil, a qual não assinou o acordo nem deu o seu consentimento, sempre se tendo oposto ao mesmo.
Em primeiro lugar, não consta dos factos provados qual o regime de bens do casamento dos autores.
Logo, não é possível concluir se o consentimento da autora era necessário ao abrigo do disposto no art. 1682º-A, nº 1, al. a), do CC.
Também não está provado que a autora não deu o seu consentimento quanto ao negócio, apenas se tendo provado que discordou do valor acordado, o que são realidades distintas uma vez que o acordo envolvia outras matérias.
Admitindo, porém, que não sejam casados em separação de bens, mas sim em comunhão, caso em que o consentimento seria necessário, e admitindo, apenas para efeitos de raciocínio, que o consentimento não foi dado, o ato nunca seria ineficaz relativamente à autora, como pretendem os recorrentes. Ao invés, o ato seria anulável, nos termos do art. 1687º, nº 1, do CC, sendo necessário que a autora tivesse intentado uma ação com essa finalidade nos prazos referidos no nº 2, do mesmo artigo. Tanto quanto se sabe, tal ação não foi intentada, pelo que o ato não foi anulado e permanece válido.
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VI – Qualificação do acordo como contrato-promessa

Tendo-se concluído pela não declaração de nulidade do acordo, fica prejudicada a apreciação do acordo enquanto contrato-promessa.
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VII – Inexistência de direito de tapagem

Referem ainda os recorrentes que os réus, não sendo proprietários, não têm o direito de tapagem.
Porém, os réus são proprietários. A propriedade sobre as parcelas de terreno transmitiu-se a cada uma das partes outorgantes por mero efeito do contrato celebrado (art. 408º, nº 1, do CC), o qual, embora formalmente inválido, não pode ser declarado nulo por via da atuação em abuso de direito por parte dos autores.
Esses direitos de propriedade que as partes intervenientes no acordo inicial possuíam transmitiram-se depois aos chamados nesta ação que adquiriram os imóveis quer dos autores quer dos réus.
Portanto, sendo proprietários é manifesto que os atuais donos dos imóveis adquiridos aos réus têm direito de tapagem, o qual lhes é conferido pelo art. 1356º, do CC.
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Assim, atentando agora nos pedidos formulados pelos autores, em conformidade com o exposto supra, concluímos que o pedido formulado na al. a) no sentido de o acordo ser declarado nulo tem de improceder, o pedido formulado em b) no sentido de o acordo ser declarado ineficaz relativamente à autora tem de improceder; o pedido formulado em c) no sentido de ser declarado que os autores não praticaram qualquer ato que tivesse causado justo e fundado receio de lesão grave do direito dos RR, não pode ser apreciado nesta ação; o pedido de declaração de que os réus não têm o direito de demarcação sobre a faixa tem de improceder e o pedido formulado na al. e) de não existir o direito acautelado tem também de improceder.
Sendo improcedentes todos estes pedidos, naturalmente que não há lugar à caducidade da providência a qual só ocorreria, nos termos do art. 371º, nº 3, do CPC, se a ação fosse procedente.
Como tal, embora com diferente fundamentação, a ação tem que ser julgada improcedente, não havendo motivo para revogar a sentença recorrida.
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Uma vez que o recurso improcede na totalidade, os recorrentes devem suportar as respetivas custas nos termos do art. 527º, nº 1 e 2, do CPC.

DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar a apelação improcedente, confirmando a sentença recorrida, embora com fundamentação diversa.
Custas da apelação pelos recorrentes.
Notifique.
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Guimarães, 17 de dezembro de 2020

(Relatora) Rosália Cunha
(1ª Adjunta) Lígia Venade
(2º Adjunto) Jorge Santos