Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
41/17.9GCBRG-J.G1
Relator: ARMANDO AZEVEDO
Descritores: TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTE
PENA SUSPENSA EXECUÇÃO
REGIME PROVA
TRANSCRIÇÃO REGISTO CRIMINAL
ARTºS 13º
Nº 1. DA LEI Nº. 37 /2015 DE 5.05 E 25º
Nº 3
DO. DL Nº 15/93
DE 22.01
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 03/22/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO PENAL
Sumário:
I- Os pressupostos da suspensão da pena de prisão do artigo 50º do CP e da não transcrição das decisões condenatórias nos certificados de registo criminal para efeitos de emprego, público ou privado, ou para o exercício de determinada profissão ou atividade do n. º 1 do artigo 13º da Lei nº. 37 /2015 de 5.05 não são coincidentes.
II- No caso vertente, está em causa a condenação pela prática de um crime de tráfico de produtos estupefacientes de menor gravidade p. e p. pelo artigo 25º do DL nº 15/93, de 22.01, na pena de 3 anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo, com regime de prova, perpetrado pela arguida, durante um período de cerca de três meses, com a prática de inúmeros atos de tráfico, juntamente com terceiros, com alguma organização, no contexto da sua intensa dependência do consumo de cocaína. Ou seja, a prática do crime não surge como um ato isolado ou esporádico
III- Por isso, e pese embora a pena ter sido suspensa na sua execução, com regime de prova, porque existe perigo da prática de novos crimes, não pode ser atendido o pedido de não transcrição da decisão nos certificados referidos.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães:

I- RELATÓRIO

1. No Tribunal Judicial da Comarca de Braga, Juízo Central Criminal de Braga, Juiz 1, no processo comum com intervenção de Tribunal Coletivo nº 41/17.9GCBRG, em que é arguida S. M., com os demais sinais nos autos, e outros, com data de 10.12.2020, foi proferido despacho, indeferindo o pedido formulado pela arguida de não transcrição no seu certificado de registo criminal para afeitos profissionais, em conformidade com o disposto no artigo 13º, nº 1 da Lei nº 37/2015, de 05.05, do acórdão que a condenou pela prática de um crime de tráfico de menor gravidade p. e p. pelo artigo 25º do DL nº 15/93, de 22.01, na pena de três anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo, com regime de prova.
2. Não se conformando com tal despacho, a arguida dele interpôs recurso, tendo concluído nos seguintes termos [transcrição]:
1. ª Vem o presente recurso interposto pela arguida/recorrente S. M. ao despacho proferido em 10.12.2020 que lhe indeferiu o pedido de não transcrição no CRC da condenação por crime de tráfico de menor gravidade, em que foi condenada numa pena de três anos de prisão, suspensa na sua execução. Este pedido de não inscrição no CRC foi apresentado junto do Tribunal de Braga antes de existir uma sentença de condenação em primeira instância.
2. ª A recorrente S. M. , na altura do acórdão proferido Tribunal de Braga em 15.07.2019 foi condenada por crime de tráfico de estupefacientes por referência ao artigo 21º , tendo desse acórdão apresentado o recurso e o Tribunal da Relação de Guimarães deu provimento ao mesmo, alterando a qualificação jurídica dos factos para crime de tráfico de menor gravidade , reforçando o Tribunal da Relação a suspensão da execução da pena, e assim o decretou.
3. ª O Tribunal de Braga não gostou da decisão do Tribunal da Relação pelo facto de terem considerado que a conduta da arguida S. M. , consumidora à data dos factos, se enquadrava apenas no crime de tráfico de menor gravidade, e agora no despacho de que recorremos datado de 10.12.2020 o Tribunal de Braga demonstra mesmo, de forma notória, esse mesmo desgosto e descontentamento com a decisão anterior do Tribunal da Relação e lança mão ao Voto de Vencido desse acórdão para fundamentar , também com esse Voto de Vencido, que a arguida não preenche os requisitos objetivos e subjetivos que a lei faz depender para ver a sua condenação não inscrita no CRC.
4. ª A requerente entende que não foi feita uma correta aplicação e interpretação da lei mais considerando que o Tribunal de Braga errou categoricamente (para não dizer propositadamente) na decisão proferida, porquanto o crime de tráfico de menor gravidade é um considerado um crime de “pequena gravidade” (critério esse que nem existe na lei ), a arguida não tem antecedente criminais por crime de idêntica natureza e os relatórios sociais datados de Novembro de 2020 denominados de “ plano de reinserção social ” juntos aos autos atestam que a arguida continua a fazer a “ toma” da mediação psiquiátrica e outra necessária, de forma contínua, que se encontra a ser acompanhada pelo CRI de Braga, e não existe nenhum episódio de recaída no mundo dos consumos .
Refere, isso sim, que a arguida está a fazer as terapêuticas adequadas, como qualquer outra pessoa que tenha sofrido de vícios também que fazer terapêuticas e tomar medicação para tal. Como é o caso da arguida. Ou seja, o relatório social de Novembro de 2020 apresenta um cenário “normal ” para alguém que padeceu fortemente de um vício de consumos durante décadas (resulta do acórdão de 15.07.2019), sendo de enaltecer, os não consumos e a inexistência de qualquer situação anómala.
5. ª O Tribunal de Braga já admitiu ter inscrito a condenação no CRC da arguida por crime de tráfico de estupefacientes por referência ao artigo 21º MESMO SEM TER DECIDIDO o pedido de não inscrição apresentado pela arguida – o que nos parece ser uma conduta processual errada e censurável porque, as boas práticas da Justiça e da boa fé impunham que, primeiro o Tribunal tivesse decidido o pedido de não inscrição no CRC e só depois de estar estabilizado tal despacho é que se ordenava a inscrição ou não inscrição, isto é após o trânsito em julgado desse despacho.
6. ª Entende a recorrente S. M. que a partir do momento em que o Tribunal ordenou a inscrição, e ordenou também à posteriori a retificação do erro na inscrição por crime de tráfico de estupefacientes por referência ao artigo 21º, quando veio decidir o pedido de não transcrição (só) em 10.12.2020 (porque a arguida apresentou um incidente de aceleração processual junto do C.S.M.), o Tribunal de Braga já tinha essa decisão tomada à muito – que era e sempre foi uma decisão de inscrever (aliás, de manter a inscrição que até já tinha feito). A arguida S. M. entende e assim é percecionado pela general idade das pessoas que conhecem, de perto, estas situações e estes casos, que o Tribunal de Braga tem vindo a prejudicar a aqui recorrente apenas por esta ser mãe do cidadão J. M..
A aqui recorrente não pode ser prejudicada pelo facto de o seu filho J. M. ter denunciado vários Magistrados Juízes e um Procurador do M.P. do Tribunal de Braga, mais a mais quando até já se sabe que, de forma comprovada (atestada por acórdãos dos Tribunais Superiores) o seu filho J. M. demonstrou, acima de qualquer dúvida, que houve decisões ilegais nos processos em que o mesmo estava envolvido, e se alguém tem alguma coisa contra ou a apontar ao seu filho J. M., esses Magistrados Juízes ou Procuradores do M.P. devem apresentar, em sede própria, esses factos, o que não se pode é continuar a prejudicar a aqui arguida desta forma, usando-se argumentos abusivos e inválidos para se negar um pedido legítimo e legal da aqui arguida/ recorrente-
7. ª Na verdade, o Tribunal de Braga , no despacho de 10.12. 2020 ao “ repuxar” novamente os factos provados no acórdão datado de 15.07.2019 – factos esses que a arguida S. M. bem conhece ( e que confesso ou integralmente em julgamento e durante o inquérito!) desse acórdão de 15.07.2019 recorreu na parte que entendeu ser de recorrer , não pode agora o Tribunal de Braga, depois do Tribunal da Relação de Guimarães ter declarado que tais factos (os mesmos) configuravam a prática do crime de tráfico de menor gravidade, o Tribunal de Braga venha novamente a reanalisar esses factos e dar-lhes uma gravidade maior (uma nova vida! ) tudo isso para justificarem essa grande gravidade foram ancorar-se na Declaração de Voto de Vencido constante do acórdão do Tribunal da Relação. Conferir-se uma maior gravidade aos factos depois do Tribunal da Relação ter decidido que a conduta da arguida se enquadrava no crime de tráfico de menor gravidade, como decidiu, por maioria, (e decidiu bem, face ao caso em concreto), isso configura, na nossa modesta opinião, uma frontal desobediência, total discordância e desrespeito por parte de um Tribunal inferior àquilo que foi decidido e está devidamente transitado em julgado por um Tribunal Superior. E por aqui se vê, mais uma vez, que o Tribunal tem estes “ entendimentos e interpretações ” para com esta arguida S. M. por motivos que só se justificam pelas razões avançadas ao longo deste recurso (por ser mãe de quem é!).
8. ª Refere a Jurisprudência datada de 18.11.2020, disponível em www.dgsi.pt, nos autos 181/17.4GBAMT-A.P1 do Tribunal da Relação do Porto o seguinte:
I – A condenação em pena de prisão suspensa na sua execução integra o conceito de “pena não privativa da liberdade” referido no artigo 13.º, n.º 1, da Lei n.º 37/2015, de 5 de maio, para o efeito de eventual não transcrição da condenação nos certificados de registo criminal solicitados para fins profissionais;
II – A suspensão da execução da pena de prisão já se encarrega de afirmar que as circunstâncias que envolvem a prática do crime em questão não induzem o perigo de prática de novos crimes, ou, pelo menos, revelam que há um juízo de prognose favorável, onde a ameaça da prisão é suficiente para que o condenado não cometa novos crimes;
9. ª A arguida S. M. entende estarem reunidos todos os pressupostos objetivos e subjetivos que a Lei de Identificação Criminal (Lei n. º 37/2015, de 5 de Maio) faz depender para a não inscrição da condenação no seu CRC, o que invoca e requer, nomeadamente porque quando foi condenada em pena de prisão suspensa na sua execução, isso por si só implica que há (e houve na decisão de 15.07.2019) um juízo de prognose favorável ao não cometimento de novos crimes – e isto contraria cabalmente a tese avançada no despacho de 10.12.2020 quando se disse que [os relatórios sociais considerados no julgamento e do plano de reinserção social de fls 77823/77827 do 32º Vol] “não permitem a formulação de um juízo de prognose favorável quanto à ausência de perigo da prática de novos crimes. ”
Neste concreto ponto é de referir salientar o seguinte: os relatórios sociais analisados em julgamento permitiram, àquela data de 15.07.2019, fundamentar uma condenação em pena suspensa, o Tribunal da Relação confirmou essa pena suspensa, como é que agora (em Dezembro de 2020) , pela mão da mesma Juíza Titular dos autos, Drª M. R., que presidiu ao Julgamento e elaborou o acórdão, esta Magistrada dá o dito por não dito e com a mesma factualidade [ relatórios do julgamento e novos relatórios de Nov .de 2020), decide o contrário àquilo que decidiu anteriormente? É que, não apresenta um único facto em concreto, palpável e concretizável, de onde se possa aferir que arguida S. M. não se tenha “portado bem”, o u dito por outras palavras “ se ande a portar mal ” .
10. ª Temos para nós – defesa – que a “Vista” datada de 11 de Setembro efetuada nos autos pela mão da Magistrada do Ministério Público Dra. N. B. – que é vizinha da arguida S. M. e do J. M. é uma “ vista” contaminada. Nessa “Vista”, sem que a Magistrada em causa tenha referido um único elemento factual ou indiciário, foi dito que a situação de toxicodependência da arguida se mantém (citação referindo-se ao presente). Ora, isto é demasiado grave, uma Magistrada do Ministério Público ter dito, por escrito, sem ter nada que demonstre isso, veio afirmar que a arguida continua a ser uma toxicodependente! Por ter levantado esta suspeição INFUNDADA contra a arguida, da forma que o fez e bem sabendo que isso podia prejudicar a arguida, por ser conteúdo FALSO, a arguida já apresentou um pedido de processo disciplinar contra a referida Magistrada para que a mesma tenha as naturais consequências por ter feito aqui lo que fez, que foi dizer num despacho do M.P. que a arguida continua a ser toxicodependente – o que é mentira!! !
11. ª A arguida S. M. esteve presa preventivamente no âmbito dos presentes autos por um tipo de crime que cometeu que não admite prisão preventiva (artigo 25º da Lei da Droga) mas o que é certo é que cumpriu quase um ano de prisão preventiva, foi alvo de várias notícias na comunicação social (conforme citado e demonstrado nas Motivações de recurso) e caso não lhe seja “não inscrito” no C RC a condenação, tal facto é mais um fator negativo à sua boa reinserção social, mormente quando uma entidade patronal lhe solicitar o CRC, porque ao aparecer um crime de tráfico, em regra as entidades patronais rejeitam as pessoas que, por algum motivo, já tiveram ligações ao “mundo das drogas ” Só a palavra “tráfico ” é demasiado assustador a.
13. ª Mesmo que a arguida S. M. tivesse sido condenada por um crime de tráfico de estupefacientes (que não foi) , no quadro dos factos em que está o acórdão enquanto consumidora sem qualquer lucro de dinheiro, a lei faz depender o seguinte critério objetivo: pena de prisão até 1 ano ou que tenha sido aplicada pena não privativa da liberdade, o que a arguida sempre teve desde 15.07.2019. Até por aqui estava preenchido esse requisito objetivo. Fica-se sem perceber porque razão é que o Tribunal “ fala ” no Voto de Vencido, porque mesmo que o Tribunal da Relação não tivesse alterado a qualificação jurídica dos factos, o certo é que a pena anterior que foi reduzida, também ela era uma pena não privativa da liberdade a que faz referência o artigo 13º n.º 1 da Lei n.º 37/2015 de 5 de Maio e permitia, por isso, a não inscrição no C.R.C.
12. ª Foi assim violado e/ou mal interpretado o artigo 13º n. º 1 da Lei n. º 37/2015 de 5 de Maio, na medida em que, a arguida condenada S. M. preenche os requisitos objetivos e subjetivos que a lei faz depender para que lhe seja concedido o pedido de não inscrição da condenação no seu certificado de registo criminal .

TERMOS EM QUE, E NOS MELHORES DE DIREITO QUE V. EXAS. DOUTAMENTE SUPRIRÃO NO ALTO DA VOSSA SABEDORIA, E TUDO MAIS QUE FAVOREÇA A RECORRENTE S. M., DEVE O PRESENTE RECURSO SER JULGADO PROCEDENTE E, EM CONSEQUÊNCIA, SER REVOGADO O DESPACHO DATADO DE 10.12.2020, SENDO PROFERIDA UMA NOVA DECISÃO NESSE TRIBUNAL DA RELAÇÃO (ATÉ PARA EFEITOS DE JURISPRUDÊNCIA) QUE DECRETE O SEGUINTE:

a) O crime de tráfico de menor gravidade é considerado, como o seu nome indica, um crime de “pequena gravidade” (até a própria catalogação do crime refere as palavras “ menor gravidade ” )

Mesmo que assim não se entenda sem prescindir,
b) Um arguido que tenha sido condenado numa pena de prisão, suspensa na sua execução, é porque o Tribunal concluiu que há um juízo de prognose favorável a favor do arguido no sentido de que o mesmo não vá praticar novos crimes e nesse sentido, o juízo de prognose que a lei faz depender no n. º 1 do artigo 13º da Lei n . º 37 /2015 de 5 de Maio ao dizer “não se puder induzir perigo de prática de novos crimes” é o mesmo juízo que o julgador já fez quando ponderou a aplicação da suspensão da execução da pena de prisão.
c) CONSEQUENTEMENTE, INDEPENDENTEMENTE DA FACTUALIDADE SUPRA INVOCADA NAS ALÍNEAS A) E B) , SE DECRETE QUE A CONDENAÇÃO PROFERIDA, POR CRIME DE TRÁFICO DE MENOR GRAVIDADE NÃO SEJA INSCRITA NO CERTIFICADO DE REGISTO CRIMINAL DA ARGUIDA S. M. NOS TERMOS DO N.º 1 DO ARTIGO 13º DA LEI N.º 37/2015 DE 5 DE MAIO, O QUE SE INVOCA E REQUER;
d) CONSEQUENTEMENTE, UMA VEZ QUE O TRIBUNAL DE BRAGA JÁ FEZ A INSCRIÇÃO NO C.R.C. DA ARGUIDA, SE ORDENE ÀS BASES DE DADOS COMPETENTES QUE SEJA APAGADA AS INSCRIÇÕES/RETIFICAÇÕES JÁ EFETUADAS (ANTES DE TEMPO) .
TUDO EM CONFORMIDADE COM O INVOCADO NAS MOTIVAÇÕES/CONCLUSÕES PRECEDENTES ASSIM SE FAZENDO INTEIRA JUSTIÇA!

3. O M.P., na primeira instância, respondeu ao recurso, tendo concluído nos seguintes termos (transcrição):
A. O despacho ora posto em crise perfila-se como absolutamente correcto e legal, não merecendo qualquer reparo, pelo que deve o mesmo ser plenamente confirmado.
B. Inexiste uma qualquer ilegalidade que inquine o despacho recorrido, bem como inexiste uma qualquer violação legal, desde logo do art. 13.º da Lei n.º 37/2015, de 5 de Maio.
C. De forma alguma podemos compreender o arrazoado da recorrente e os manifestos excessos de expressão em que incorreu, dirigidos ao tribunal a quo, e também ao Ministério Público, quanto a um pretenso tratamento parcial quanto a si havido, o que de todo em todo repudiamos.
D. O crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, p. e p. nos termos do art. 25.º do Decreto- Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, não é, por si só considerado crime de pequena ou diminuta gravidade.
E. E, no caso dos autos, atento o período e concreto modo de actuação da recorrente, o tipo de substâncias estupefacientes em causa, …, de forma alguma se poderia considerar ser o crime praticado pela recorrente um crime de pequena ou diminuta gravidade para efeitos do art. 13.º da Lei n.º 37/2015, de 5 de Maio.
F. O juízo subjacente à decisão da suspensão da execução da pena de prisão, sujeita a regime de prova, em que a recorrente foi condenada, é diverso e distinto do juízo que tem que subjazer à decisão de não transcrição.
G. De outra forma, toda e qualquer decisão de suspensão da execução de uma pena de prisão teria que ser automaticamente não transcrita nos certificados de registo criminal, o que viola o estatuído no art. 13.º, n.º 1 da Lei n.º 37/2015, de 5 de Maio.
H. Atenta a concreta conduta delituosa do recorrente, apurada nos autos, as circunstâncias que acompanharam o crime, não tendo sido “um acto isolado de tráfico”, a problemática aditiva da recorrente, …, é evidente e patente o perigo concreto da prática de novos crimes pela recorrente.
I. Bem andou o tribunal a quo ao considerar não se encontrarem verificados os requisitos para a não transcrição do acórdão no certificado de registo criminal, assim indeferindo a pretensão da recorrente.
J. Não merecendo, assim, o douto despacho em análise qualquer reparo, deve o mesmo ser plenamente confirmado.
Vossas Excelências no entanto, melhor ponderando, farão como sempre a devida Justiça
4. Neste Tribunal da Relação, a Exº Senhora Procuradora-Geral Adjunta foi de parecer que o efeito suspensivo atribuído ao recurso não está correto e que recurso deverá ser julgado improcedente.
5. A recorrente, através de requerimento por si subscrito, mas posteriormente subscrito e ratificado pela sua defensora, veio defender o efeito suspensivo atribuído ao recurso e a inconstitucionalidade do nº 3 do artigo 408º do CPP.
6. Foi cumprido o disposto no artigo 417º, nº 2 do C.P.Penal, tendo a recorrente respondido, tendo ainda invocado a inconstitucionalidade do artigo 13º, nº 1 da Lei nº 37/2015, de 05.05.
7. Por despacho do relator foi atribuído efeito devolutivo ao recurso.
8. Após ter sido efetuado exame preliminar, foram colhidos os vistos legais e realizou-se a conferência

II- FUNDAMENTAÇÃO

1- Objeto do recurso

O âmbito do recurso, conforme jurisprudência corrente, é delimitado pelas suas conclusões extraídas pelo recorrente da motivação apresentada, sem prejuízo naturalmente das questões de conhecimento oficioso (1) do tribunal, cfr. artigos 402º, 403º e 412º, nº 1, todos do CPP.
Assim, e tendo presente o disposto no nº 1 do artigo 412º do C.P.P., temos que a questão essencial a decidir no caso sub judice reconduz-se a saber se a decisão proferida no processo comum coletivo nº 41/17.9GCBRG, do Tribunal Judicial da Comarca de Braga, Juízo Central Criminal de Braga, J1 - pela qual a arguida S. M., aqui recorrente, foi condenada pela prática de um crime de tráfico de produtos estupefacientes de menor gravidade p. e p. pelo artigo 25º do DL 15/93, de 22.01, na pena de 3 (três) anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo, com regime de prova - deverá ser não transcrita nos certificados a que se alude nos nºs 5 e 6 do artigo 10º da º 37/2015, de 5.05.

2. A decisão recorrida

O despacho recorrido tem o seguinte teor [transcrição]:

I. Veio a condenada S. M. requerer a não transcrição no seu registo criminal da decisão condenatória, nos termos e com os fundamentos aduzidos de fls. 6667 e verso do 28.º vol., cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
Notificado o Ministério Público, veio o mesmo pugnar pelo indeferimento da pretensão, nos termos e com os fundamentos aduzidos a fls. 7767 do 32.º vol., cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
Por forma a habilitar o tribunal, foi ordenada a junção aos autos do plano de reinserção social (que chegou apenas no dia 24.11.2020) e a junção do C.R.C. actualizado (cuja junção ocorreu no dia 03.12.2020).

II. Cumpre, agora, decidir.
Dispõe o art. 13.º, n.º 1 da Lei n.º 37/2015, de 05.05. que “Sem prejuízo do disposto na Lei n.º 113/2009, de 17 de setembro, com respeito aos crimes previstos no artigo 152.º, no artigo 152.º -A e no capítulo V do título I do livro II do Código Penal, os tribunais que condenem pessoa singular em pena de prisão até 1 ano ou em pena não privativa da liberdade podem determinar na sentença ou em despacho posterior, se o arguido não tiver sofrido condenação anterior por crime da mesma natureza e sempre que das circunstâncias que acompanharam o crime não se puder induzir perigo de prática de novos crimes, a não transcrição da respetiva sentença nos certificados a que se referem os n.ºs 5 e 6 do artigo 10.º". (sublinhados nossos)

Estabelece, por seu turno, o art. 10.º, n.ºs 5 e 6 do diploma citado que:

“5 - Sem prejuízo do disposto no número seguinte, os certificados do registo criminal requeridos por pessoas singulares para fins de emprego, público ou privado, ou para o exercício de profissão ou atividade em Portugal, devem conter apenas:
a) As decisões de tribunais portugueses que decretem a demissão da função pública, proíbam o exercício de função pública, profissão ou atividade ou interditem esse exercício;
b) As decisões que sejam consequência, complemento ou execução das indicadas na alínea anterior e não tenham como efeito o cancelamento do registo;
c) As decisões com o conteúdo aludido nas alíneas a) e b) proferidas por tribunais de outro Estado membro ou de Estados terceiros, comunicadas pelas respetivas autoridades centrais, sem as reservas legalmente admissíveis.
6 - Os certificados do registo criminal requeridos por pessoas singulares para o exercício de qualquer profissão ou atividade para cujo exercício seja legalmente exigida a ausência, total ou parcial, de antecedentes criminais ou a avaliação da idoneidade da pessoa, ou que sejam requeridos para qualquer outra finalidade, contêm todas as decisões de tribunais portugueses vigentes, com exceção das decisões canceladas provisoriamente nos termos do artigo 12.º ou que não devam ser transcritas nos termos do artigo 13.º, bem como a revogação, a anulação ou a extinção da decisão de cancelamento, e ainda as decisões proferidas por tribunais de outro Estado membro ou de Estados terceiros, nas mesmas condições, devendo o requerente especificar a profissão ou atividade a exercer ou a outra finalidade para que o certificado é requerido.”
A possibilidade (e não obrigatoriedade) de não transcrição das sentenças condenatórias destina-se a evitar a estigmatização de quem sofreu uma condenação por um crime de diminuta gravidade, ou sem gravidade significativa, e as repercussões negativas que a publicidade ou divulgação dessa condenação podem acarretar para a reintegração social do condenado, nomeadamente, no acesso ao emprego (e só quanto a eles, pois que os tribunais terão sempre acesso integral a toda e qualquer condenação ainda que tenha sido ordenada a sua não transcrição).

A aplicação do regime da não transcrição pressupõe a coexistência de dois requisitos formais e um requisito material ou substantivo:
- os dois primeiros relacionam-se com a natureza da condenação e com os antecedentes criminais do arguido: a) a pena aplicada tem de ser em pena de prisão até 1 ano ou em pena não privativa da liberdade, na qual se inclui a pena de prisão suspensa na sua execução (cfr. Ac. de uniformização de jurisprudência n.º 13/2016, de 07.07.2016, publicado no D.R., 1.ª Série, de 07.10.2016); b) por outro lado, o arguido não pode ter sofrido condenação anterior por crime da mesma natureza;
- o requisito material ou substantivo traduz-se na ausência de perigo de prática de novos crimes.

Por outro lado, há que dizer que o fornecimento da informação do registo criminal a particulares e à administração visa exigências de prevenção especial negativa de defesa da sociedade relativamente ao condenado, pelo que os princípios da necessidade e de menor intervenção apontam, neste caso, para a transcrição das penas que lhes foram aplicadas nos certificados do registo criminal.
Isto significa que a normalidade em matéria de registo criminal é a transcrição, sendo a não transcrição a excepção, pois visando o registo criminal permitir o conhecimento dos antecedentes criminais das pessoas condenadas e das decisões de contumácia vigentes, a não transcrição só pode mesmo ser considerada uma excepção, a qual tem na base razões de não estigmatização do condenado, já que se reporta a certificados para fins do exercício de profissão e sempre associadas a crimes de pequena gravidade.

Ora, no caso vertente, é manifesto que o crime em causa não é de “pequena gravidade” (poderão estar aqui incluídos neste tipo de criminalidade, em nosso entender, o crime de consumo ou o crime de traficante-consumidor - como aliás fizemos quanto a R. V. condenado pela prática deste último tipo de crime por decisão proferida a 06.11.2019 no traladado F de acompanhamento dos condenados não recorrentes, entretanto arquivado), sendo certo que os elementos disponíveis não permitem afastar o perigo da prática de novos crimes pela arguida.
E tal conclusão não está arredada, quanto a nós, pelo facto de ter havido uma alteração da qualificação jurídica dos factos pelo Tribunal da Relação de Guimarães (aliás, com um voto de vencido quanto a tal alteração).
É que, como é sabido, o crime de tráfico de menor gravidade traduz-se apenas numa ilicitude diminuta da conduta do arguido (e que deixámos explicitado no acórdão condenatório), sem que daí resulte um crime de “pequena gravidade” – aliás, neste ponto, basta atentar aos factos descritos nos pontos 74, 84 als. h), ba), cb), ff) e ft) e 85 b), 86, 95 a 99, 145 e 147 do acórdão condenatório de 1.ª instância (e que, sublinhe-se, não sofreu qualquer alteração por parte do Tribunal da Relação).
Assim, pese embora a ausência de antecedentes criminais por factos de idêntica natureza, o certo é que as circunstancias concretas que acompanharam o crime e que se estão descritas na matéria de facto provada supra mencionada (como se pode ver os actos praticados são inúmeros, as quantidades vendidas e valores em causa são muito elevados), bem como o teor quer do relatório social (considerado no julgamento) quer do plano de reinserção social de fls. 7823/77827 do 32.º vol., não permitem a formulação de um juízo de prognose favorável quanto à ausência de perigo da prática de novos crimes.
III. Por tudo o exposto, indefiro a requerida não transcrição da condenação nos certificados do registo criminal.
Notifique.

3. Apreciação do recurso

3.1- Como questão prévia, importa desde já adiantar que não se irá conhecer da inconstitucionalidade do artigo 13º, nº 1 da Lei nº 37/2015, de 05.05, suscitada pela recorrente na resposta ao parecer da Exma. Procuradora Geral Adjunta.
Com efeito, como se disse, é pelas conclusões do recurso, extraídas da motivação, que é definido o objeto do recurso, cfr. nº 1 do artigo 412º do CPP.
Ora, o artigo 417º, nº 2 do CPP destina-se apenas a cumprir o contraditório nos casos em que, uma vez remetido o processo ao tribunal de recurso, o M.P. não se limita a apor o seu visto. Por isso, em tal contexto, o recorrente, não pode aproveitar a notificação que lhe é dirigida para ampliar o objeto do recurso (2).
Por conseguinte, uma vez que aludida inconstitucionalidade não foi suscitada pela recorrente quer na motivação do recurso, quer nas suas conclusões, decide-se não conhecer da referida questão.

3.2. Em face da confusão que a recorrente incorre, importa clarificar que todas as decisões, transitadas em julgado, que apliquem penas e medidas de segurança estão sujeitas a inscrição no registo criminal. Aliás, a própria decisão que a recorrente pretende alcançar com o presente recurso, ou seja, a decisão que determine a não transcrição em certificados do registo criminal de condenações aplicadas está também ela sujeita a inscrição no registo criminal, cfr. artigo 6º, als. a) e g) e 7º, da Lei nº 37/2015, de 05.05.
Esta é uma regra que não admite exceções. Contudo, por forma a obviar o efeito difamante e estigmatizante que o registo criminal encerra quando acedido para obtenção de emprego ou para o exercício de determinados cargos ou exercício de atividades, e a não estabelecer, na medida do que seja socialmente suportável, entraves à inserção profissional do condenado, a lei permite que, pese embora a inscrição no registo criminal do extrato da decisão condenatória, a sua não transcrição em determinados certificados.
Assim, uma vez verificados determinados pressupostos, quanto a algumas condenações, apesar de inscritas no registo criminal, a lei permite que não constem nos certificados que venham a ser solicitados para fins de emprego, público ou privado, ou para o exercício de determinada profissão ou atividade, cfr. artigo 13º, nº 1 e artigo 10º nºs 5 e 6 da Lei nº 37/2015, de 05.05.
Por conseguinte, independentemente do desfecho do presente recurso, a condenação imposta à arguida, aqui recorrente, no processo principal, porque transitada em julgado, deverá manter-se inscrita no registo criminal.

3.3- Como é sabido, em face do ordenamento jurídico-penal português na finalidade das penas encontra-se contemplada a socialização do condenado. O registo criminal não pode olvidar esse facto, devendo estabelecer o ponto de equilíbrio ou a concordância prática entre esse objetivo e a defesa da sociedade, contribuindo para prevenir a reincidência.
O registo criminal, no que concerne ao acesso para fins profissionais ou administrativos, não visa compensar o condenado pela sua culpa, o que, de resto, a Constituição, não permitiria, na medida em que seria, segundo F. Dias (3), uma verdadeira «pena infamante» ou «degradante», cfr. artigo 25º, nº 2 da CRP. Como diz o referido Ilustre Professor (4) “… o acesso em causa fundamenta-se, tão-só, em razões de prevenção especial «negativa», quer dizer, numa pura ideia de defesa social contra o perigo de futuras repetições criminosas, deduzido da verificação de altas taxas de reincidência” (5). Por isso, no âmbito referido, o registo criminal assume uma natureza análoga à da medida de segurança, estando o seu regime subordinado aos princípios da necessidade, da subsidiariedade e da proporcionalidade.

3.4- É no sobredito contexto que a questão suscitada pela recorrente relativa ao seu pedido de não transcrição da decisão condenatória que lhe foi imposta tem necessariamente de ser analisada.

A recorrente foi condenada pela prática de um crime de tráfico de produtos estupefacientes de menor gravidade p. e p. pelo artigo 25º do DL 15/93, de 22.01, na pena de três anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo, com regime de prova.
Os factos que conduziram à condenação da arguida são os que constam do respetivo acórdão, descritos nos pontos n.ºs 95 a 99 – que remetem expressamente para os nºs 84 als. h), ba), cb), ff), fs) e ft) e n.º 85 b) – nº 145 e n.º 147, dos quais resulta, em síntese, que:
- Durante cerca de três meses, a arguida S. M., sob as ordens e direção do arguido N. D., atuando em conjugação de esforços e intenções com este, vendeu cocaína e heroína a um número indeterminado não só de consumidores finais, como também de revendedores. Encontrando-se devidamente concretizadas, pelo menos, trinta e uma dessas transações (a consumidores e revendedores); uma delas (descrita na al. ff) do ponto nº 84) envolvendo 50 pedras de cocaína.
- Vendia esta arguida o estupefaciente sobretudo no período noturno, passando as noites a vender, seis dias por semana, em dois locais distintos da cidade de Braga (junto ao parque de estacionamento, conhecido por “Bifanas … ou nas proximidades da sua residência).
- Embora recebesse como contrapartida cocaína para satisfazer o seu consumo (cf. parte final dos pontos n.ºs 95 e 147), era ela quem comunicava telefonicamente aos arguidos N. D. e M. S. a quantidade e qualidade dos produtos que pretendia que lhe entregassem e efetuava os respetivos pagamentos dos mesmos (ponto nº 96).
- Para além do que – como se descreve na al. cb) do ponto nº 84 – também ela própria comprava ao arguido N. D. “cocaína e, por vezes heroína, o que sucedeu, de entre outros, nos dias 23.07.2017, 12.08.2017 (neste dia, pelo menos por duas vezes distintas), 14.08.2017 (neste dia, pelo menos por duas vezes distintas), 15.08.2017, 16.08.2017 (neste dia, por duas vezes), 02.09.2017, 05.09.2017, 06.09.2017, 09.09.2017, 10.09.2017 (neste dia, pelo menos por duas vezes distintas), 13.09.2017, 14.09.2017, 16.09.2017, 18.09.2017, 19.09.2017, 21.09.2017, 22.09.2017 e 23.09.2017”.
O estupefaciente que necessitava para seu consumo era-lhe cedido em razão da sua colaboração com o arguido N. D..
- No interior da sua residência foram encontrados dois vasos de plástico contendo, cada um, uma planta de canábis, já secas, com o peso líquido de 15,70 gramas (canábis folhas/sumidades).
O artigo 13º, nº 1 da Lei nº 37/2015, de 05.05, tem a seguinte redação: “Sem prejuízo do disposto na Lei n.º 113/2009, de 17 de setembro, com respeito aos crimes previstos no artigo 152.º, no artigo 152.º-A e no capítulo V do título I do livro II do Código Penal, os tribunais que condenem pessoa singular em pena de prisão até 1 ano ou em pena não privativa da liberdade podem determinar na sentença ou em despacho posterior, se o arguido não tiver sofrido condenação anterior por crime da mesma natureza e sempre que das circunstâncias que acompanharam o crime não se puder induzir perigo de prática de novos crimes, a não transcrição da respetiva sentença nos certificados a que se referem os nos 5 e 6 do artigo 10.º”
Em face da norma supra transcrita, relativamente a crimes menos graves perpetrados por pessoas singulares, sendo a gravidade definida pela gravidade da pena – pena de prisão até um ano ou em pena não privativa da liberdade – podem os tribunais (sendo este um poder dever, ou seja, um poder vinculado) determinar, na sentença ou em despacho posterior, a não transcrição da respetiva sentença nos certificados a que se referem os nos 5 e 6 do citado diploma legal.

Assim, os pressupostos da não transcrição da sentença condenatória nos certificados para fins de emprego público ou privado, ou para exercício de determinada profissão ou atividade, são:
1- Ausência de condenação anterior pela prática da mesma natureza;
2- Condenação em pena de prisão até um ano ou em pena não privativa da liberdade, sendo que no conceito legal de “pena não privativa da liberdade”, segundo jurisprudência fixada, inclui-se a condenação em pena de prisão suspensa na sua execução, cfr. AFJ nº 13/2016, proferido a propósito no n.º 1 do artigo 17.º da lei nº 57/98, de 18.08, na redação que lhe foi introduzida pela Lei nº 114/2009, de 22.09, mas igualmente válido para a lei atualmente em vigor; e
3- Das circunstâncias que acompanharam o crime não se puder induzir perigo de prática de novos crimes.

No caso vertente, está em causa a condenação pela prática de um crime de tráfico de menor gravidade em pena de prisão suspensa pelo período de três anos, sendo que a recorrente não sofreu anteriormente qualquer condenação pela prática de crime da mesma natureza (a arguida sofreu uma condenação anterior pela prática de um crime de recetação p. e p. pelo artigo 231º, nº 1 do CP, em pena de multa).
Por isso, o cerne da questão em discussão nestes autos reside apenas em saber se está preenchido o pressuposto acima indicado em terceiro lugar, ou seja, se das circunstâncias que acompanharam o crime tráfico de produtos estupefacientes de menor gravidade perpetrado pela recorrente não se pode induzir perigo de prática de novos crimes.
Segundo a recorrente, não se verifica o perigo da prática de novos crimes, uma vez que a pena em que foi condenada foi suspensa na sua execução, sendo que, segundo refere, “…o juízo de prognose que a lei faz depender no n. º 1 do artigo 13º da Lei n . º 37 /2015 de 5.05 ao dizer “não se puder induzir perigo de prática de novos crimes” é o mesmo juízo que o julgador já fez quando ponderou a aplicação da suspensão da execução da pena de prisão”.
Em defesa da sua tese, a recorrente invoca o acórdão RP de 18.11.2020, processo nº 181/17.4GBAMT-A.P1, disponível em www.dgsi.pt, em cujo sumário pode ler-se I – A condenação em pena de prisão suspensa na sua execução integra o conceito de “pena não privativa da liberdade” referido no artigo 13.º, n.º 1, da Lei n.º 37/2015, de 5 de maio, para o efeito de eventual não transcrição da condenação nos certificados de registo criminal solicitados para fins profissionais; II – A suspensão da execução da pena de prisão já se encarrega de afirmar que as circunstâncias que envolvem a prática do crime em questão não induzem o perigo de prática de novos crimes, ou, pelo menos, revelam que há um juízo de prognose favorável, onde a ameaça da prisão é suficiente para que o condenado não cometa novos crimes;”
Pese embora o referido aresto possa conduzir, em parte, à ideia, defendida pela recorrente, a verdade é que este entendimento não corresponde ao sentido corrente da jurisprudência.

Assim, vide, v.g., os seguintes arestos todos acessíveis em www.dgsi.pt:

1) Ac. RG de 17.03.2014, processo nº 1185/11.6TAVCT-D.G1, com o sumário seguinte:
I – O juízo de prognose favorável feito a propósito da aplicação da suspensão da execução da pena, não é coincidente com o requisito de “… das circunstâncias que acompanharam o crime não se puder induzir perigo de prática de novos crimes”, exigido pela norma do art. 17 nº 1 da Lei 57/98 de 18-8 para a não transcrição da sentença nos certificados do registo criminal a que se referem os arts. 11 e 12 da referida lei.
II – Não deve ser decidida a não transcrição da sentença num caso em que o arguido foi condenado por crime de tráfico de menor gravidade, embora em pena de prisão suspensa na sua execução, tendo-se provado que durante determinado período vendeu, com regularidade quase diária, heroína e cocaína a vários indivíduos, fazendo dessa atividade modo de vida.
2) Ac. RP de 12.06.2019, processo nº 188/16.9JAAVR-D.P1, com o seguinte sumário:
“O juízo de prognose feito para a suspensão de execução da pena de prisão não é coincidente com o que deve ser formulado para a decisão de eventual transcrição da sentença; se assim fosse, nos casos de suspensão de execução da pena de prisão ocorreria automaticamente a não transcrição da sentença nos certificados do registo criminal.”
3) Ac. RP de 22.10.2014, processo nº 70/98.0TBPRD-A.P1, com o seguinte sumário:
I – O fornecimento da informação do registo criminal a particulares e à Administração funda-se em motivos de prevenção especial negativa, basando-se na eventual “perigosidade” do delinquente.
II – Para efeitos da não transcrição da sentença condenatória no registo criminal o que releva é a pena de substituição aplicada.
4) Ac. RP de 13.01.2021, processo nº 316/16.4T9AVR-D.P1, como seguinte sumário:
I – Nos termos do art.º 13º, nº 1, da Lei nº 37/2015, de 05/05, ressalvadas as excepções previstas no preceito legal, “os tribunais que condenem pessoa singular em pena de prisão até 1 ano ou em pena não privativa da liberdade podem determinar na sentença ou em despacho posterior, se o arguido não tiver sofrido condenação anterior por crime da mesma natureza e sempre que das circunstâncias que acompanharam o crime não se puder induzir perigo de prática de novos crimes, a não transcrição da respetiva sentença nos certificados a que se referem os nºs 5 e 6 do artigo 10º”.
II – O texto da norma é mais exigente do que o do nº 1 do art.º 50º do CP, pondo a tónica na gravidade do crime, na ilicitude típica, bem como no tipo de culpa concretamente manifestados na conduta adotada e penalmente punida, nomeadamente, e por referência analógica às circunstâncias relativas ao facto punível, previstas no art.º 71º, nº 2, do CP, para a determinação da pena, o grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente, a intensidade do dolo ou da negligência, os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram, o que permitirá também aferir da personalidade do arguido documentada nesses mesmos, bem como se face a tais circunstâncias se pode objetivamente afirmar que não há perigo da prática de novos crimes, ou que a partir delas se não pode induzir perigo dessa prática.
5) Ac. RP de 20.11.2019, processo nº 483/18.2PIPRT.P1, no qual se sustentou que “O juízo de prognose feito para a suspensão de execução da pena de prisão não é coincidente com o que deve ser formulado para a decisão de eventual transcrição da sentença; se assim fosse, nos casos de suspensão de execução da pena de prisão ocorreria automaticamente a não transcrição da sentença nos certificados do registo criminal”.
O juízo decorrente da formula legal “das circunstâncias que acompanharam o crime não se puder induzir perigo de prática de novos crimes” está de acordo com a finalidades do registo criminal quanto ao acesso para fins profissionais e administrativos que, como dissemos, fundamenta-se, tão-só, em razões de prevenção especial «negativa», quer dizer, numa pura ideia de defesa social contra o perigo de futuras repetições criminosas.
A não transcrição da sentença nos certificados para fins de emprego e do exercício de determinadas profissões ou atividades está dependente da verificação do referido pressuposto material que consiste em poder-se concluir, por forma fundamentada, que das circunstâncias que acompanharam o crime não decorre perigo da prática de novos crimes. Na formulação de tal juízo deverá ser considerado, mas tão-só para efeitos da verificação da satisfação das exigências de prevenção especial negativa ou de defesa social, nomeadamente, a natureza do crime, o grau de ilicitude do facto, os motivos da prática do crime, as condições pessoais do condenado e a sua personalidade manifestada nos factos praticados.
Pelo contrário, na decisão de suspensão da pena de prisão de acordo com o disposto no nº 1 do artigo 50º do CP, o perigo da prática de novos crimes é apenas um dos elementos a considerar quanto à questão de saber se a suspensão satisfaz os fins da pena tal como se encontram enunciados no artigo 40º, nº 1 do CP, ou seja, proteção de bens jurídicos e reintegração do agente na sociedade. Acresce que o perigo da prática de novos crimes até poderá existir em certa medida e, mesmo assim, poderá entender-se que a pena deva ser suspensa, bastando para o efeito que o mesmo possa ser mitigado através de injunções ou regras de conduta. Mas neste caso, na avaliação que faça, o tribunal corre o risco, pese embora prudente, de o juízo prognose social favorável ao arguido poder sair gorado.
Por conseguinte, na decisão de não transcrição a lei é mais exigente do que na decisão de suspensão da execução da pena de prisão, na medida em que a perigosidade da prática de novos crimes decorrente das circunstâncias que acompanharam a prática do crime é seu pressuposto essencial, sendo suficiente a não indução do perigo da prática de novos crimes. Mas não só, porque, ao contrário do que sucede na suspensão da execução da pena, a circunstância de o condenado não ter sofrido anteriormente crime da mesma natureza é seu pressuposto formal negativo, ou seja, de funcionamento automático. E, no mesmo sentido, também diferentemente do que sucede com a revogação da suspensão da execução da pena de prisão, quanto à revogação ou cancelamento da decisão de não transcrição, a qual decorre automaticamente da prática posterior de crime doloso, cfr. nº 3 do artigo 13º da Lei nº 37/2015, de 05.05.
No caso vertente, está em causa a prática de um crime de tráfico de produtos estupefacientes de menor gravidade perpetrado pela recorrente, durante um período de cerca de três meses, com a prática de inúmeros atos de tráfico, juntamente com terceiros, com alguma organização, no contexto da sua intensa dependência do consumo de cocaína. Ou seja, a prática do crime não surge como um ato isolado ou esporádico. A arguida usufrui, tal como outrora, de uma pensão de sobrevivência de €248,00 mensais, encontrando-se a morar em casa de família, morada dos pais, já falecidos, com dois filhos, encontrando-se o mais velho profissionalmente ativo e o mais novo atualmente desempregado.
Acresce que, quando a situação de toxicodependência está na origem da prática do crime, como é, ao menos em parte, o caso presente, como tem sido salientado pela jurisprudência do STJ (6), esse facto constitui um fator de mitigação da culpa, com algum valor atenuativo, embora reduzido, na medida em que agente age pressionado pela necessidade de consumir substâncias com elevado poder aditivo, o que faz diminuir os mecanismos de auto censura e de auto controlo. Porém, este facto constitui concomitantemente um fator criminógeno de relevo, que demanda acrescidas exigências de prevenção geral e especial.
Outrossim, também não será de olvidar as por demais conhecidas taxas elevadas de reincidência quanto aos crimes de tráfico de produtos estupefacientes, mesmo nas suas formas menos graves, quando associados ou não à prática de crimes contra o património.
No sobredito contexto, não se vislumbra como é que a recorrente, possa defender, por forma fundada, que das circunstâncias que acompanharam o crime de tráfico de produtos estupefacientes de menor gravidade por ela perpetrado não se poder induzir perigo de prática de novos crimes. Com efeito, as exigências de prevenção especial negativa, que é a perspetiva que releva para efeito da questão em análise, são elevadas, existindo, pois, o perigo da prática de novos crimes.
Nesta conformidade, não nos merece qualquer censura o despacho recorrido quando desatendeu a pretensão da recorrente de não transcrição do acordão condenatório nos certificados para fins de emprego público ou privado ou para o exercício de determinado cargo ou a atividade a que se refere o artigo 10º, nºs 5 e 6 da Lei nº 37/2015, de 05.05.
Por conseguinte, impõe-se negar provimento ao recurso.

III- DECISÃO

Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes que constituem a Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães em negar provimento recurso interposto pela arguida e, em consequência, manter integralmente o despacho recorrido.
Custas pela arguida / recorrente, com taxa de justiça que se fixa em 3 Ucs – artigos 515º, nº 1 b) do C.P.P. e artigo 8º, nº 9 do R.C.P. e tabela III anexa a este último diploma legal, sem prejuízo do apoio judiciário de que eventualmente beneficie.
Notifique
Guimarães, 22.03.2021
(Texto integralmente elaborado pelo relator e revisto por ambos os signatários (artigo 94º, nº 2 do C. P. Penal).

(Armando da Rocha Azevedo - relator)
(Clarisse Machado S. Gonçalves - adjunta)



1. Entre as questões de conhecimento oficioso do tribunal estão os vícios da sentença do nº 2 do artigo 410º do C.P.P., cfr. Ac. do STJ nº 7/95, de 19.10, in DR, I-A, de 28.12.1995, as nulidades da sentença do artigo 379º, nº 1 e nº 2 do CPP, irregularidades no caso no nº 2 do artigo 123º do CPP e as nulidades insanáveis do artigo 119º do C.P.P..
2. Neste sentido, vide Ac. STJ de 21.04.2004, processo 04P263, disponível em www.dgsi.pt
3. In Direito Penal Português, As Consequências do Crime, pág. 646.
4. Ob. Cit., pág. 647
5. Em sentido semelhante vide Almeida Costa, in O Registo Criminal, Separata do vol. XXVII do Suplemento ao Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, 1985.
6. Cfr., v.g., Ac STJ de 04.07.2013, processo 56/13.6YFLSB.S1, disponível em www.dgsi.pt