Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2935/11.6TBBCL.G1
Relator: MARGARIDA SOUSA
Descritores: NULIDADE PROCESSUAL
CONSTITUIÇÃO OBRIGATÓRIA DE ADVOGADO
INVENTÁRIO
DOAÇÃO
COLAÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 03/25/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I- Não obstante o recurso não ser o lugar próprio para arguir nulidades processuais – destas apenas cabendo reclamação para o juiz –, quando em causa está a omissão da prática de um ato que foi coberta por um despacho judicial deve entender-se que o meio adequado a reagir à infração verificada é o recurso de tal decisão e não já a reclamação da omissão;
II- “O proferimento de uma decisão que devia ter sido antecedida de um acto que foi indevidamente omitido implica a nulidade da decisão proferida por excesso de pronúncia”;
III- Suscitada no inventário uma questão de direito, deve o juiz, não obstante a indicação no sentido de que só era obrigatória constituição de advogado caso se suscitem ou discutam questões de direito e ainda em sede de recurso contida na citação, ordenar a notificação da parte para, em prazo concretamente fixado para o efeito, constituir advogado, com a menção expressa das consequências legais;
IV- Ainda que verificada a nulidade decorrente do excesso de pronúncia, de harmonia com o previsto no art. 660º do CPC, a segunda instância não deve dar provimento à impugnação da decisão interlocutória afetada e impugnada conjuntamente com a decisão final nos termos do n.º 3 do artigo 644.º do CPC, com a consequente anulação da decisão final, quando a infração cometida não for suscetível de modificar a referida decisão final, nem o recorrente tiver aduzido argumentação tendente a demonstrar que, independentemente da decisão final, o provimento tem para ele interesse;
V- No que toca à colação, não só o n.º 1 do art. 2108º do CC obriga a que a doação seja imputada na quota hereditária – o donatário aceitante da herança do de cuius seu ascendente, deverá incorporar o valor da doação em vida não apenas na sua quota legitimária mas em toda a sua quota hereditária –, como o n.º 2 do mesmo preceito consagra a necessidade de se proceder à igualação enquanto houver bens para tal;
VI- Assim sendo, na hipótese de “haver remanescente da herança mas que não chegue para igualar todos os descendentes”, o donatário em vida conserva o bem doado, mas “apenas os descendentes não beneficiados em vida (…) são contemplados, após o preenchimento das suas quotas legitimárias subjectivas, com os bens remanescentes da herança, por conta da quota disponível do de cuius, de forma a prosseguir a menor desigualdade possível”.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães:

I. RELATÓRIO:

Nos autos de Inventário por óbito de M. R., cumulados com os de Inventário por óbito de A. J., em que é cabeça de casal J. J., proferiu a primeira instância despacho determinativo da forma à partilha nos seguintes termos:
Concordando-se com a forma à partilha apresentada pelo req. 33277170, proceda-se à mesma, nos termos ali descritos.
Organize mapa o mapa de partilha, em conformidade (artigo 1375.º do Código de Processo Civil).
No aludido requerimento 33277170, o cabeça de casal apresentara a seguinte forma à partilha:
Procede-se á partilha da herança aberta por óbito de M. R., falecida em 9 de Dezembro de 2000, partilha esta que corre cumulada com a de A. J., falecido em - de Fevereiro de 2007.
A inventariada M. R. faleceu no estado de casada, em primeiras e únicas núpcias de ambos, e segundo o regime da comunhão geral de bens, com A. J., tendo este falecido no estado de viúvo da mesma M. R..
Deste casamento existem 7 (sete) filhos: J. E., falecido antes dos inventariados tendo deixado em sua representação 6 (seis) filhos: A. F., M. J., S. M., M. C., L. C. e F. D.; J. C., F. C., M. J., E. E., J. J. e M. E.
Ambos os inventariados fizeram doação de um prédio ao cabeça de casal por conta da legítima deste, sendo o excesso – se existir – por conta da quota disponível de ambos.
O inventariado A. J. deixou testamento da sua quota disponível ao cabeça de casal J. J..
O cabeça de casal e interessado J. J. adquiriu, e foram-lhe adjudicados, os quinhões dos interessados J. C. e F. C. nas partilhas aqui cumuladas
Foram relacionados bens móveis e imoveis, não existindo passivo
Realizou-se a conferência de interessados tendo havido licitações.
A partilha far-se-á da seguinte forma:
Somam-se os valores dos bens descritos e avaliados com os aumentos provenientes das licitações e divide-se o total obtido em duas partes iguais.
Uma delas constitui a meação da inventariada M. R. e, portanto, a sua herança e a outra a meação do inventariado A. J. e, porque faleceu depois da sua mulher, esta meação ao mesmo se adjudicando
A herança (metade dos bens) da M. R. é dividida em três partes iguais por forma a encontrar a sua quota disponível que será usada, ou não, atenta a doação que a mesma fez – e que terá de ser conferida em metade – ao aqui cabeça de casal
Os 2/3 restantes são divididos em quatro partes iguais sendo uma delas atribuída ao agora falecido marido, como seu quinhão, e as restantes 3 partes divididas por sete partes iguais tantas quantos os filhos do casal sendo uma atribuída a cada um dos filhos.
O quinhão do filho pré-falecido J. E. será dividido em seis (6) partes iguais se uma a cada um dos seus filhos
Os quinhões dos filhos J. C. e F. C. serão atribuídos ao seu adquirente o cabeça de casal J. J. que os somará ao seu quinhão e à doação (conferida em metade) recebida
Caso a quota disponível da M. R. não seja necessária na totalidade para a doação (conferida em metade e pelo valor de metade da avaliação à data do falecimento da mesma M. R.) o sobrante sofrerá a mesma operação de partilha: ¼ parte para o viúvo e as restantes ¾ partes a dividir em partes iguais pelos 7 (sete) filhos nas mesmas condições antes descritas.
Quanto à herança do inventariado A. J.:
Ela é composta pela sua meação e pelo quinhão hereditário recebido pelo mesmo por morte da sua mulher M. R. somando-se os valores daí resultantes. O resultado é dividido em três partes iguais sendo uma delas a quota disponível do A. J. que será adjudicada na totalidade ao cabeça de casal J. J. não só por força da doação (que agora é conferida na metade restante e pelo valor de metade da avaliação à morte do inventariado) como igualmente por força do testamento do de cujus.
As restantes duas partes são divididas em sete (7) partes iguais constituindo cada uma delas o quinhão de cada um dos filhos.
O quinhão do filho pré-falecido J. E. é dividido em seis (6) partes iguais adjudicando-se uma a cada uma dos seus filhos.
O quinhão do filho J. C., bem como o da filha F. C. serão adjudicados ao seu adquirente o aqui cabeça de casal J. J.
Os pagamentos conforme as licitações repondo quem dever.
Na sequência do supra referido despacho foi efetuado o mapa de partilhas de fls. 435 a 440 dos autos, que aqui se dá como reproduzido.
Veio, então, M. J., ao abrigo do n.º 2 do Artigo 1379.º do CPC, requerer a retificação ou reclamar contra as irregularidades detetadas na Relação de Bens, por se tratar de Dolo e Má-Fé propositada de quem nela interveio, apresentada em data de 11.02.2019 pelo Cabeça de Casal, J. J. e que levou à Conferência de Interessados e desta ao Mapa de Partilhas de 17.01.2019, que se requer seja corrigido (sic), concluindo o seu requerimento nos seguintes termos:
Chegado aqui, conclui-se que o ato de testamento presente, com assinatura incorreta, avocando a falta de vontade do testador, seja considerado nulo e seja retirado do Processo e corrijam-se as Verbas atrás descritas nos termos propostos e atualize-se o Mapa de Partilha de 17 de janeiro de 2020 (…).

Sobre o aludido requerimento foi proferida decisão com, na parte que para agora releva, o seguinte teor:
Nestes autos de inventário instaurado por óbito de M. R. e de A. J., em que é requerente e cabeça de casal J. J., veio o interessado M. J., reclamar do mapa de partilha, salientando a sua não notificação e requerendo a retificação das irregularidades detetadas na relação de bens.
Para tanto, alega, em síntese, que o testamento em causa nos autos, não foi apresentado nem incluído na relação de bens, sendo certo que de qualquer forma o mesmo é nulo e deve ser anulado, por não corresponder à vontade do testador.
(…)
*
Notificados todos os interessados, apenas o cabeça-de-casal respondeu, pugnando pela improcedência da reclamação, argumentando que o requerimento em causa é arrependimento das licitações pois que o interessado tinha pelo conhecimento dos autos, tanto mais que chegou a apresentar uma solução de partilha, tendo licitado na maioria dos bens. Igualmente argumenta que não faz sentido o requerido quanto ao testamento que dele tinha conhecimento e que, querendo, se deve socorrer de outros mecanismos legais para o colocar em causa.
Por último, refere que o interessado até já colocou o bem que licitou à venda na internet, estando consciente das tornas que tinha a pagar.
*
Cumpre agora proferir decisão nos termos do disposto no art. 1379.º, nº 3, do CPC.
Contudo, importará, desde já, deixar expresso que as questões suscitadas pelo interessado M. J. extravasam o previsto no referido normativo legal, não se enquadrando nas matérias que podem sustentar a reclamação contra o mapa.
Dispõe o referido artigo 1379.º, n.º 2 do CPC que os interessados podem requerer qualquer retificação ou reclamar contra qualquer irregularidade e nomeadamente contra a desigualdade dos lotes ou contra a falta de observância do despacho que determinou a partilha.
A única irregularidade que se podia considerar, era a falta de notificação do mapa informativo ao interessado em causa, mas a mesma já se encontra realizada (21.01.2020), tanto mais que sobre o mesmo já se pronuncia, não se vislumbrando que o mesmo tenha ficado prejudicado em sede de exercício de contraditório.
A primeira questão suscitada pelo interessado M. J. é a invocação da nulidade do testamento e a sua anulação.
Sustenta que o testamento deveria ter sido apresentado e incluído na relação de bens, tendo sido infringido o n.º 2 do artigo 1340.º do CPC.
No entanto, nenhuma razão assiste, nesta parte, ao interessado reclamante, pois que o testamento em causa encontra-se junto com a relação de bens a fls. 70 e 71 dos autos e foi notificado a todos os interessados, tanto mais que nenhuma reclamação relativamente a isso foi deduzida por outro interessado, nem pelo próprio reclamante que só agora o faz, nesta fase já tão avançada do processo de inventário que já conta com mais de oito anos de pendência.
A isto acresce que, este nunca seria o mecanismo próprio para colocar em causa a validade do testamento, nem esta a fase processual dos autos, sendo certo que segundo o disposto no artigo 1353.º, n.º 4, al. b) do CPC, todas as questões cuja resolução possa influir na partilha tem de ser conhecidas na conferência de interessados.
Ora, não pode o interessado aproveitar-se do meio da reclamação contra o mapa de partilha para vir agora pedir a nulidade ou anulação do testamento, sendo que só os meios comuns seriam competentes.
Por conseguinte, dispensamos de nos pronunciarmos sobre os fundamentos propriamente ditos da nulidade ou anulação do testamento, uma vez que não iremos conhecer da matéria.
Ulteriormente, foi proferida sentença que homologou a partilha constante do mapa de fls. 435 a 440 dos autos.

Face a esta sentença, interpôs o referido Interessado M. J. o presente recurso, concluindo a sua alegação nos seguintes termos:
A. Vem o presente recurso interposto da decisão preferida pelo Tribunal de Primeira Instância - Tribunal Judicial da Comarca de Braga - Juízo Local Cível de Barcelos- Juiz 2- que homologou a partilha constante do mapa de fls. 435 a 440 dos autos,
B. Mas ainda, outras decisões interlocutórias que, só agora, com a prolação de decisão final, se poderão impugnar.
C. É primeiro objeto do presente recurso, arguir a nulidade principal dos autos, por falta de cumprimento da notificação para constituição obrigatória de advogado, o que terá pois, por consequência a invalidade dos actos praticados após sua verificação e seu desentranhamento (artigos 1090º, 41º 195º e 196º do CPC).
D. Conforme se expôs, nos presente autos foi apresentada Reclamação contra a Relação de Bens, na qual, entre outras questões, o Reclamante, ora Recorrente, pretendeu suscitar questões de direito, como o sendo a da nulidade do testamento feito pelos inventariados e, do qual é beneficiário o cabeça-de-casal J. J..
E. Sabe-se, pois, que, recebida a Reclamação apresentada, devia o Tribunal Recorrido obstar-se de a conhecer, por serem suscitadas questões de direito, sem que o Reclamante estivesse devidamente patrocinado por advogado,
F. E, como tal, devia, o Tribunal Recorrido dar cumprimento aos artigos 40º e 1090º do CPC, aliás, este último, especificamente aplicável ao processo de inventário, que impõem a obrigatoriedade de patrocínio judiciário para suscitar questões de direito,
G.E, conforme prescreve o artigo 41º do CPC deveria o Reclamante ser notificado para constituir advogado, dentro de prazo certo, e dos cominativos efeitos legais para o caso de não o fazer, designadamente o de ficar a Reclamação sem efeito.

SUCEDE QUE,
H.O Tribunal Recorrido apreendendo perfeitamente da Reclamação, aliás como resulta do despacho que a indeferiu que “a primeira questão suscitada pelo interessado M. J. é a invocação da nulidade do testamento e a sua anulação”,
I. Nem por isso deu cumprimento aos tão importantes comandos legais supra mencionado, prosseguindo em sua violação.
J. Violação que constitui nulidade principal, nos termos dos artigos 195º. E 196º do CPC, que se argui expressamente.
K. Pelo que, devem os actos processuais subsequentes, designadamente o despacho que in(de)feriu a reclamação do Recorrente de 06.03.2020 [REF.:167491066] e, bem assim, a sentença que homologou a partilha, ser anulados e desentranhados dos autos.
ADEMAIS,
L. Constitui objeto do presente recurso a correção dos erros/irregularidades verificados na determinação dos quinhões hereditários,
M. Cuja determinação, em nosso entendimento, não obedeceu os estritos normativos, que na situação sucessória concreta importam,
N. Assim e, porque o mapa de partilha recorrido padece de erros manifestos que em muito prejudicam os (quase todos) interessados, como é o caso do Recorrente,
O. Em violação das disposições legais sucessórias, designadamente dos artigos 2104º , 2108º, 2131.º, 2139º, 2156º, 2157º e 2159º todos do CC.
P. Haverá, pois, este Tribunal da Relação de ordenar a sua correção!
Q. Pelo que, e desde logo, deverá reconhecer-se que o Tribunal Recorrido procedeu erradamente ao cálculo da legítima subjetiva do cônjuge sobrevivo, porquanto o seu apuramento haveria de considerar ¼ da legítima e não, ¼ de toda a herança, já que o testador sempre poderia dispor livremente da porção de bens que haveriam de compor a quota disponível (2156º, 2157º e 2159º do CC).
R. E, depois, reconhecer-se que, uma vez mais, atuou de forma errada o Tribunal de Primeira Instância, ao imputar a doação em favor do interessado J. J., na totalidade, na quota disponível, quando em bom rigor, a vontade da inventariada foi a sua imputação na legítima e só o excesso na quota disponível, (Cfr. 2104º e 2108º do Código Civil)
S. Assim, por um lado, quanto à partilha da inventariada, sempre haveria o Tribunal Recorrido de corrigir a legítima subjetiva de cada um dos herdeiros legitimários e, ainda, proceder à abertura da sucessão legítima, distribuindo pelos demais herdeiros, para além do donatário, a porção de bens que a compõem, sendo que, uma vez mais, seria de atribuir ao cônjuge ¼ do sobrante e, depois, dividir-se-á o remanescente pelos restantes filhos, com a exceção do que já foi beneficiado com a imputação na quota disponível, (2131.º e 2139º/1 CC).
E, assim, têm-se por formados os quinhões hereditários da herança da inventariada.
AINDA,
T. Ao ter procedido de forma errada ao cálculo do quinhão hereditário do cônjuge supérstite, ficou, pois, prejudicada a partilha do inventariado.
U. Pelo que e, quanto a esta, haverá pois este douto Tribunal da Relação ordenar a sua correção, a qual, seguirá as mesmas operações da anterior, com a particularidade de que, neste caso, por os herdeiros legitimários serem só descendentes, a quota indisponível que se lhes incumbe, e que é igualmente de 2/3 do valor da massa da herança, ser dividida por tantas partes, quantas o numero de filhos, - legítima subjetiva - (2156º, 2157º e 2159º, 2131.º e 2139º/1 CC).
V. Por outro lado, e uma vez que a quota disponível foi adjudicada a um único interessado, não se abre a sucessão legítima e o valor que a compõe acrescerá à legítima subjetiva daquele beneficiário.
E, assim, têm-se por formados os quinhões hereditários da herança do inventariado.
W.E, em resumo, concluir-se-á pela composição dos quinhões hereditários dos interessados nos seguintes termos:
J. E. (Pré-falecido) €44.500,45
A. F. 7.416,74
M. J. 7.416,74
S. M. 7.416,74
M. C. 7.416,74
L. C. 7.416,74
F. D. 7.416,74
M. J. €44.500,45
E. E. €44.500,45
J. J. €158.196,80
€247.197,70
J. C. 44.500,45
F. C. 44.500,45
M. E. 44.500,45
TOTAL MASSA DA HERANÇA €425.199,50€

X. Por todo o exposto, e sendo manifestos os erros de que padece o mapa de partilha ora recorrido, deve este Tribunal da Relação ordenar a sua correção, concluindo pela retificação dos quinhões hereditários e correspondentes pagamentos a título de tornas.

TERMOS EM QUE, deve o presente recurso ser julgado procedente e, consequentemente:

A. Ser declarada a nulidade principal, por falta de notificação do reclamante para a constituição obrigatória de advogado (cfr. arts. 41º e 1090º CPC) e, consequentemente, devem os atos processuais subsequentes, designadamente o despacho que inferiu a reclamação do Recorrente de 06.03.2020 [REF.:167491066] e, bem assim, a sentença que homologou a partilha, ser anulados e desentranhados dos autos - Cfr. arts.195º. e 196º do CPC;
B. Ser reconhecido que o mapa de partilha violou as disposições dos 2104º , 2108º, 2131.º, 2139º, 2156º, 2157º e 2159º todos do CC e, consequentemente, proceder-se à sua correção e, consequente, retificação dos quinhões hereditários e, bem assim, dos correspondentes pagamentos.
O Interessado e cabeça de casal J. J. apresentou contra-alegações, pugnando pela manutenção da decisão recorrida.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
*
II. OBJETO DO RECURSO:

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, ressalvadas as questões que sejam do conhecimento oficioso do tribunal.

No caso vertente, as questões a decidir consistem em:
- Saber se o despacho proferido sobre a reclamação em causa padece de vício por ter sido proferido sem que previamente tivesse sido determinada a notificação do interessado para constituir advogado nos autos por estar em causa a discussão de uma questão de direito;
- Saber se, não obstante ser de concluir que aquele padece de vício de excesso de pronúncia, deve o dito despacho ser anulado, com a consequente anulação da sentença homologatória da partilha;
- Saber se o mapa de partilha homologado padece dos erros que lhe são imputados, deles padecendo, consequentemente, a decisão final que o homologou.

III. FUNDAMENTOS:

Os factos
A factualidade a considerar é aquela que consta do relatório que antecede.
*
O Direito

- Da nulidade da decisão que incidiu sobre a questão da nulidade do testamento por excesso de pronúncia
Começa o Recorrente por dizer que pretende arguir a nulidade principal dos autos, por falta de cumprimento da notificação para constituição obrigatória de advogado, o que terá pois, por consequência a invalidade dos actos praticados após sua verificação e seu desentranhamento (artigos 1090º, 41º 195º e 196º do CPC).
Importa, desde logo, relembrar que, como se frisa no Acórdão desta Relação de 19/3/2020 (6760/19.8T8GMR-A.G1), “em princípio, das nulidades cabe reclamação e não recurso [daí o postulado tradicional: dos despachos recorre-se, contra as nulidades reclama-se”] e a reclamação é, também em princípio, dirigida ao Juiz do tribunal que cometeu ou onde foi cometida a nulidade.
Apesar destas duas regras básicas, o Prof. Alberto dos Reis [in Código de Processo Civil Anotado, vol. V, 1984, reimpr., pg. 424] ensinava que “A reclamação por nulidade tem cabimento quando as partes ou os funcionários judiciais praticam ou omitem actos que a lei não admite ou prescreve; mas se a nulidade é consequência de decisão do tribunal, se é o tribunal que profere despacho ou acórdão com infracção de disposição de lei, a parte prejudicada não deve reagir mediante reclamação por nulidade, mas mediante interposição de recurso. É que, na hipótese, a nulidade está coberta por uma decisão judicial e o que importa é impugnar a decisão contrária à lei; ora as decisões impugnam-se por meio de recursos (…) e não por meio de arguição de nulidade de processo”.
Também o Prof. Manuel de Andrade [in Noções Elementares de Processo Civil, 1979, pg. 183] entendia que “se a nulidade está coberta por uma decisão judicial que ordenou, autorizou ou sancionou, expressa ou implicitamente, a prática de qualquer acto que a lei impõe, o meio próprio para a arguir não é a simples reclamação, mas o recurso competente a interpor e a tramitar como qualquer outro do mesmo tipo. Trata-se em suma da consagração do brocardo: «dos despachos recorre-se, contra as nulidades reclama-se».”
Igual entendimento perfilham os Profs. Antunes Varela [in Manual de Processo Civil, 1985, pg. 393] e Anselmo de Castro [in Direito Processual Civil Declaratório, vol. III, 1982, pg. 134]. O primeiro, refere que “se entretanto, o acto afectado de nulidade for coberto por qualquer decisão judicial, o meio próprio de o impugnar deixará de ser a reclamação (para o próprio juiz) e passará a ser o recurso da decisão”. O segundo, diz que “tradicionalmente entende-se que a arguição da nulidade só é admissível quando a infracção processual não está, ainda que indirecta ou implicitamente, coberta por qualquer despacho judicial; se há um despacho que pressuponha o acto viciado, diz-se, o meio próprio para reagir contra a ilegalidade cometida, não é a arguição ou reclamação por nulidade, mas a impugnação do respectivo despacho pela interposição do competente recurso (…)”.
Isto para dizer que, não obstante o recurso não ser o lugar próprio para, como aparentemente pretende o Recorrente, arguir nulidades processuais – destas apenas cabendo reclamação para o juiz –, como, na situação em apreço, em causa está a omissão da prática de um ato que foi coberta por um despacho judicial deve entender-se que o meio adequado a reagir à infração verificada é o recurso de tal decisão e não já a reclamação da omissão. (neste sentido, veja-se o Ac. da Relação de Lisboa de 11/01/2011, proc. 286/09.5T2AMD-B.L1, disponível in www.dgsi.pt/jtrl e o Ac. desta Relação do Porto de 24/04/2012, proc. 10336/11.0TBVNG-B.P1, disponível in www.dgsi.pt/jtrp, indicados no referido aresto)
Na verdade, “quando nos confrontamos com situações em que é o próprio juiz que, ao proferir a decisão (…), omitiu uma formalidade de cumprimento obrigatório (…)”, “depara-se-nos uma nulidade processual traduzida na omissão de um acto que a lei prescreve, mas que se comunica ao despacho (…), de modo que a reacção da parte vencida passa pela interposição de recurso da decisão proferida em cujos fundamentos se integre a arguição da nulidade da decisão por excesso de pronúncia, nos termos do art. 615º, nº 1, al. d), in fine, do CPC. (cfr. STJ 23.06.2016 – Relator Abrantes Geraldes).
É esta também a posição assumida por Teixeira de Sousa quando, no comentário a Acórdão da Relação de Évora de 10.04.14 (www.dgsi.pt), observou que uma nulidade processual, no caso conhecido no referido acórdão, por violação do princípio do contraditório, “é consumida por uma nulidade da sentença por excesso de pronúncia (art. 615º, nº 1, al. d), do NCPC), dado que sem a prévia audição das partes o tribunal não pode conhecer do fundamento que utilizou na sua decisão” (em blogippc.blogspot.pt, escrito datado de 10.05.2014)”.
E, de novo, em comentário ao acima citado acórdão desta Relação: “o proferimento de uma decisão que devia ter sido antecedida de um acto que foi indevidamente omitido implica a nulidade da decisão proferida por excesso de pronúncia (art. 615.º, n.º 1, al. d), CPC). Sobre o problema, cf. Jurisprudência 2019 (242))”.
Aplicando este entendimento à hipótese ora em apreço, é, pois, de concluir que a decisão pode ser nula por excesso de pronúncia decorrente da omissão da notificação para constituir advogado prevista no art. 41º do CPC, dado que sem a prévia notificação do interessado para constituição de advogado o tribunal não podia pronunciar-se sobre a questão de direito suscitada (admitindo-se que tampouco podia dizer que a mesma era extemporânea e, por isso, dela não iria conhecer) podendo, por essa via, ter cabimento a pretensão do Recorrente de anulação do despacho judicial proferido nas referidas condições.
Importa ainda ter presente que estamos no âmbito de um inventário instaurado em 2011.
Assim, as disposições legais aplicáveis que se reportam à regulamentação específica do processo de inventário são as anteriores à entrada em vigor do Código de Processo Civil (CPC) de 2013 (aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26.6), (aplicáveis aos processos de inventário pendentes em tribunal), aplicando-se quanto ao demais, mormente em matéria de recursos instaurados após 01.9.2013, o regime do actual CPC (cf. os art.ºs 7º e 8º da Lei n.º 23/2013, de 05.3 - que estabelece o actual regime jurídico do processo de inventário)”. (Acórdão da Relação de Coimbra de 19.12.2018, Relator - Fonte Ramos)
Assim sendo, tal como se defende no Acórdão de Coimbra, de 12.01.2016, (Relatora – Maria João Areias), o despacho determinativo da forma à partilha só pode ser impugnado na apelação interposta da sentença da partilha, conforme dita expressamente o nº3 do artigo 1373º do CPC, na redação anterior à Lei nº 23/2013, de 5 de março, que aprovou o regime jurídico do processo de inventário – não se tendo, pois, formado caso julgado formal – e quanto aos despachos que se seguem ao determinativo da partilha, se estão diretamente relacionados com ele e são dele consequência necessária, o recurso interposto da sentença homologatória da partilha, a todos compreenderá (neste sentido, João António Lopes Cardoso, “Partilhas Judiciais”, Vol. II, Almedina 1990, pág. 398).
Isto dito, passemos, então, a conhecer da nulidade da referida decisão judicial.
Nos termos do art. 32º, nº 3, do CPC Velho (na redação do DL n.º 226/2008, de 20/11), nos inventários, seja qual for a sua natureza ou valor, só é obrigatória a intervenção de advogados para se suscitarem ou discutirem questões de direito.
E, nos termos do art. 41º do atual CPC, se a parte não constituir advogado, sendo obrigatória a constituição, o juiz, oficiosamente ou a requerimento da parte contrária, determina a sua notificação para o constituir dentro de prazo certo, sob pena de o réu ser absolvido da instância, de não ter seguimento o recurso ou de ficar sem efeito a defesa.
Assim sendo, suscitada no inventário uma questão de direito, deve o juiz, não obstante a indicação no sentido de que só era obrigatória constituição de advogado caso se suscitem ou discutam questões de direito e ainda em sede de recurso contida na citação, ordenar a notificação da parte para, em prazo concretamente fixado para o efeito, constituir advogado, com a menção expressa das consequências legais.
“In casu”, foi, pois, omitido ato que devia ter sido praticado.
Sucede que, como já se frisou, omitido tal ato, foi proferida decisão sobre a reclamação apresentada pela parte. Essa decisão incorporou a omissão verificada e, assim sendo, é a própria decisão que é nula por excesso de pronúncia, mais concretamente, por ter sido proferida fora das condições legalmente exigidas para o efeito, devendo, portanto, em princípio, ser declarada a nulidade da referida decisão.
Aqui chegados, recorde-se, porém, que defende o Recorrente que essa nulidade acarretará a ineficácia da sentença que homologou a partilha, aduzindo que a questão de direito por ele suscitada podia ter influência no mapa de partilha e, como tal, na sua sentença homologatória.
Deverá, então, anular-se a decisão sobre a referida “reclamação” e determinar a remessa do processo à primeira instância para repetição de todos os atos subsequentes e prolação de nova sentença homologatória da partilha?
Para responder à referida questão, importa considerar o disposto no artigo 660.º do CPC, onde sob a epígrafe “Efeitos da impugnação de decisões interlocutórias”, se estipula que “o tribunal só dá provimento à impugnação das decisões interlocutórias, impugnadas conjuntamente com a decisão final nos termos do n.º 3 do artigo 644.º, quando a infração cometida possa modificar aquela decisão ou quando, independentemente dela, o provimento tenha interesse para o recorrente”.
O que, aliás, bem se compreende pelas razões referidas por Abrantes Geraldes, in Recursos no Novo Código de Processo Civil, pág. 321.
“A opção pela abolição dos agravos ocorrida em 2007, relegando a impugnação da generalidade das decisões intercalares para o recurso da decisão final, potencia a instrumentalização de mecanismos processuais tendo em vista perturbar a manutenção da decisão que tenha apreciado o mérito da causa. É, pois, caso para que a Relação, na apreciação das questões integradas na apelação, adopte um critério de maior rigor, de tal modo que a anulação da decisão final apenas seja determinada quando se mostrem infringidas na tramitação pregressa normas processuais que efetivamente interferem nos direitos das partes, obviando a que se atribua relevo a infracções menores e cuja invocação deixe claro o mero inconformismo perante a decisão que tenha posto termo ao processo”.
“Para o efeito, no que respeita à impugnação das decisões intercalares (…) apenas devem ser valoradas se e na medida em que, de acordo com critérios de razoabilidade, se verificar uma efectiva e negativa interferência no exame e decisão da causa, como agora se prescreve expressamente no art. 660º.”
Na situação em apreço, pelo teor da apelação, verifica-se que, mesmo na perspetiva do Recorrente, a referida nulidade de excesso de pronúncia da decisão proferida sobre a reclamação em causa apenas poderia modificar a decisão final plasmada na sentença homologatória de partilha no sentido preconizado pelo Recorrente, no que toca à questão da nulidade do testamento, certo que, para além dessa questão, de acordo com as conclusões da respetiva alegação de recurso, a mera anulação da decisão intercalar em causa em nada poderia contribuir para a alteração das regras que presidiram à partilha dos bens pelo mesmo preconizada a propósito da impugnação da sentença homologatória da partilha, a tal se devendo, pois, desde logo, mesmo na perspetiva defendida pelo Recorrente, restringir a anulação do despacho em crise.
Por outro lado, importa relembrar que, declarada a nulidade, o tribunal (de recurso) deve conhecer do objeto da apelação – art. 665º, nº 1, do CPC –, sendo certo que este artigo abarca as nulidades da sentença (e de qualquer decisão).
Assim, “ainda que a Relação confirme a arguição de alguma das referidas nulidades da sentença, não se limita a reenviar o processo para o tribunal a quo”, devendo, ao invés, “prosseguir com a apreciação das demais questões que tenham sido suscitadas, conhecendo do mérito da apelação, nos termos do art. 665º, nº 2”.
E a nulidade da decisão deve ser suprida pelo tribunal de recurso desde que o processo contenha todos os elementos necessários para o efeito, integrando-se nesta hipótese a situação sub judice.
Na verdade, no caso em apreço, foi, entretanto, constituído advogado, sendo certo que, no que concerne à falta em causa, “a sanação satisfaz-se com a simples intervenção posterior do respetivo mandatário judicial, sem que haja a possibilidade de repetir atos cujo prazo legal já tenha expirado” (Abrantes Geraldes e outros, Código Civil Anotado, Vol. I, pág. 74), estando, pois, este tribunal em condições de se substituir à primeira instância proferindo decisão sobre a parte anulada do despacho que incidiu sobre a aludida reclamação.
E, procedendo nesse sentido, considerando o âmbito da reclamação prevista no artigo 1379.º, n.º 2, do CPC, segundo o qual os interessados podem, na sequência da notificação do mapa à partilha elaborado, requerer qualquer retificação deste ou reclamar contra qualquer irregularidade e nomeadamente contra a desigualdade dos lotes ou contra a falta de observância do despacho que determinou a partilha, forçoso seria sempre reconhecer que a questão suscitada pelo interessado M. J. extravasa o previsto no referido normativo legal, não se enquadrando nas matérias que podem sustentar a reclamação contra o mapa (nem qualquer eventual reclamação da relação de bens com aquela cumulada), pelo que, certo é que este nunca seria o mecanismo próprio para colocar em causa a validade do testamento.
É certo que o fim primacial que o denominado “inventário-divisório” visa é a partilha por todos os interessados – segundo Tomé D’Almeida Ramião (in O Novo Regime do Processo de Inventário – Notas e Comentários, 2ª ed., Lisboa, Quid Juris - Sociedade Editora, 2015, p.20), “o inventário – divisório tem como objetivo final a partilha duma massa de bens pelos respetivos titulares. Descrevem-se e avaliam-se os bens não com o fim meramente conservatório ou cautelar, mas com vista à preparação da partilha. Quer dizer, este inventário exerce função divisória: dissolve uma universalidade, substituindo-lhe a formação de quinhões ou quotas individuais ou concretizadas.” – e que, para cumprir essa finalidade da partilha, se os interessados não estão de acordo, o inventário torna-se num verdadeiro processo contencioso, em que o juiz pode ter que decidir, nomeadamente, questões sobre a validade ou interpretação do testamento ou da doação, podendo, por isso, com propriedade afirmar-se que este é um processo “misto”, “complexo” (Lopes Cardoso, Partilhas Judiciais, I, pág.’s 40 e 41).
Todas essas questões que seja necessário decidir para a organização do mapa da partilha, devem, porém, ser resolvidas, se antes ainda o não tiverem sido, no despacho determinativo da partilha (podendo mandar-se proceder à produção de prova que se julgue necessária) - art. 1373º, nº 2, do CPC.
Ultrapassada essa fase, é claramente extemporâneo suscitar questões cuja decisão seja essencial para a organização do referido mapa de partilha, constituindo a questão da validade do testamento um caso nítido daquele tipo de questões.
Assim sendo, a pronunciar-se este Tribunal sobre a matéria, sempre seria de concluir não dever conhecer os invocados fundamentos da nulidade ou anulação do testamento, decisão que, como é bom de ver, em nada influenciaria a sentença homologatória da partilha.
Face ao exposto, urge concluir que o tribunal não deve dar provimento à impugnação da referida decisão interlocutória, impugnada conjuntamente com a decisão final (de homologação da partilha) nos termos do n.º 3 do artigo 644.º, com a consequente anulação da decisão final, porquanto a infração cometida não é suscetível de modificar a referida decisão de homologação da partilha, nem o Recorrente aduziu qualquer argumentação tendente a demonstrar que, independentemente da decisão final, o provimento tem para ele interesse.
Na verdade, “o provimento da impugnação está dependente da verificação de um interesse objetivo da parte que deve ser revelado, consoante as circunstâncias, pela sua repercussão na decisão final ou pela constatação de um benefício direto e imediato que decorra da revogação ou anulação da decisão interlocutória” (Abrantes Geraldes e Outros, in CPC Anotado I, pág. 794). “Neste regime, o interesse em agir é erigido em condição de procedência da impugnação”. – cfr. autores, obra e local citados.
Improcede, pois, nesta parte, a apelação.

- Da subsunção jurídica dos factos

Passemos, então, a conhecer da impugnação que visa diretamente a sentença homologatória da partilha.
Em causa está apenas a subsunção dos factos – consensuais – às normas aplicáveis.

Diz o Recorrente nas suas conclusões que:

Q. (…) deverá reconhecer-se que o Tribunal Recorrido procedeu erradamente ao cálculo da legítima subjetiva do cônjuge sobrevivo, porquanto o seu apuramento haveria de considerar ¼ da legítima e não, ¼ de toda a herança, já que o testador sempre poderia dispor livremente da porção de bens que haveriam de compor a quota disponível (2156º, 2157º e 2159º do CC).
R. E, depois, reconhecer-se que, uma vez mais, atuou de forma errada o Tribunal de Primeira Instância, ao imputar a doação em favor do interessado J. J., na totalidade, na quota disponível, quando em bom rigor, a vontade da inventariada foi a sua imputação na legítima e só o excesso na quota disponível, (Cfr. 2104º e 2108º do Código Civil)
S. Assim, por um lado, quanto à partilha da inventariada, sempre haveria o Tribunal Recorrido de corrigir a legítima subjetiva de cada um dos herdeiros legitimários e, ainda, proceder à abertura da sucessão legítima, distribuindo pelos demais herdeiros, para além do donatário, a porção de bens que a compõem, sendo que, uma vez mais, seria de atribuir ao cônjuge ¼ do sobrante e, depois, dividir-se-á o remanescente pelos restantes filhos, com a exceção do que já foi beneficiado com a imputação na quota disponível, (2131.º e 2139º/1 CC).
E, assim, têm-se por formados os quinhões hereditários da herança da inventariada.
AINDA,
T.Ao ter procedido de forma errada ao cálculo do quinhão hereditário do cônjuge supérstite, ficou, pois, prejudicada a partilha do inventariado.
U.Pelo que e, quanto a esta, haverá pois este douto Tribunal da Relação ordenar a sua correção, a qual, seguirá as mesmas operações da anterior, com a particularidade de que, neste caso, por os herdeiros legitimários serem só descendentes, a quota indisponível que se lhes incumbe, e que é igualmente de 2/3 do valor da massa da herança, ser dividida por tantas partes, quantas o numero de filhos, - legítima subjetiva - (2156º, 2157º e 2159º, 2131.º e 2139º/1 CC).
V. Por outro lado, e uma vez que a quota disponível foi adjudicada a um único interessado, não se abre a sucessão legítima e o valor que a compõe acrescerá à legítima subjetiva daquele beneficiário.
E, assim, têm-se por formados os quinhões hereditários da herança do inventariado.
Ora, no que a estes pontos tange, assiste-lhe inteira razão.
Senão vejamos.
Como se sabe, as doações podem ser feitas por conta da legítima ou por conta da quota disponível.
“Sendo a doação efetuada por conta da legítima, significa que o inventariado não pretendeu beneficiar esse herdeiro, mas antes antecipar a sua quota hereditária, no todo ou em parte, preenchendo-a com os bens doados, razão pela qual o donatário tem de conferir todos os bens doados, para igualação da partilha com os demais herdeiros. Daí a denominação de donatário conferente, justamente por dever restituir à massa da herança, para igualação da partilha, os bens ou valores que lhe foram doados, restituição a que a lei chama de “colação” (art.º 2104.º do C. Civil) [1].
Como ensinam Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol. VI, pág. 173, «A colação (como logo se infere do étimo de raiz latina - conferir - donde a palavra deriva) é a restituição (as mais das vezes apenas em valor, não em espécie ou substância), feita pelos descendentes, dos bens ou valores que o ascendente lhes doou, quando pretendam entrar na sucessão deste. A colação tem por fim a igualação, na partilha, do descendente donatário com os demais descendentes do autor da herança.
Entende-se por legítima a porção de bens de que o testador não pode dispor, por ser legalmente destinada aos herdeiros legitimários – art.º 2156.º do C. Civil.
O valor líquido da herança há de resultar do somatório de todos os bens, incluindo os doados, abatidas as dívidas da herança, nos termos do art.º 2162.º do C. Civil, após o que se determinará a legítima e a quota disponível.
E concluindo-se que não há lugar à redução da doação por inoficiosidade, ou seja, a doação não atinge a quota legitimária, o donatário não tem que repor os bens (…).
A colação faz-se pela imputação do valor dos bens doados na quota hereditária, ou, havendo acordo de todos os herdeiros, pela restituição dos próprios bens doados – art.º 2108.º/1 do C. Civil.” (cfr. Acórdão da Relação de Évora, de 28.02.2019, Relator – Tomé Ramião).
No caso, é consensual que a doação foi feita por conta da legítima, como, aliás, consta do mapa de partilha.
Daí ser de concluir que com acerto defende o Recorrente que, após a determinação da legítima, ou seja, da porção dos bens que o testador não poderia dispor livremente, por estar reservada aos herdeiros legitimários (QD €68.925,66€/ QI €137.851,34), se deve seguir o apuramento da legítima subjetiva, regulada pelos artigos 2139º a 2144º do CC, conforme as classes de sucessíveis, pelo que, aplicando-se ao caso concreto a regra dos 2139º/1 do CC, sendo 7 os filhos da inventariada, a quota do cônjuge sobrevivo não poderá ser inferior a uma quarta parte daquela legitima. (QI €137.851,34/4=€34.462,835); apurando-se dessa forma a legítima subjetiva do cônjuge supérstite, passar-se-á à determinação da legítima subjetiva dos filhos, sendo que, será de dividir o sobrante, pelo número de cabeças, ou seja, por 7 (2139º/1 CC). (137.851,34-34.462,835=103.388,51; 103.388,51/7=€14.769,79)
Com igual acerto, diz aquele que, conhecida a legítima de cada um dos herdeiros legitimários, prossegue-se com a imputação das liberalidades feitas por conta da mesma, havendo, então, de se aplicar o regime dos artigos 2104º e 2108º do Código Civil, que a doutrina denomina de Regime Legal Supletivo, pelo que o valor da ½ conferência da doação deve ser imputado na quota hereditária do donatário, dentro da sua legítima e, só o remanescente, na quota disponível, tal como pretendeu a inventariada (45.752,00-14.769,79= €30 982,21; 68.925,66-30 982,21=€37.943,45)
Por fim, defende o Recorrente que, feita tal operação e, ainda nos termos do supra citado regime, verificando-se que existe algum valor sobrante, não tendo sido intenção da inventariada beneficiar só um herdeiro com a quota disponível, sempre se deverá, dentro dos possíveis, igualar a partilha dos demais herdeiros - abrindo-se agora a sucessão legítima (2131.ºCC), pelo que, atribuindo-se uma vez mais, ao cônjuge ¼ do sobrante, dividir-se-á o remanescente pelos restantes filhos, com a exceção do que já foi beneficiado com a imputação na quota disponível (2139º CC) (37.943,45/4= €9.485,86;37.943,45-9.485,86= 28.457,59; 28.457,59/6=€4.742,93), sendo este o único ponto em que o Recorrente verdadeiramente diverge da forma à partilha defendida pelo Interessado J. J. na proposta sufragada pelo tribunal recorrido no despacho determinativo da partilha, correspondendo todos os demais aspetos, do mapa de partilha homologado, que são atacados pelo Recorrente a meras desconformidades do dito mapa em relação ao fixado no despacho determinativo da forma à partilha.
Mas também relativamente a tal ponto a sua posição se revela acertada.
Na verdade, não só o nº 1 do art. 2108º do CC obriga a que a doação seja imputada na quota hereditária – o donatário aceitante da herança do de cuius seu ascendente, deverá incorporar o valor da doação em vida não apenas na sua quota legitimária mas em toda a sua quota hereditária –, como o nº2 do mesmo preceito consagra a necessidade de se proceder à igualação enquanto houver bens para tal, o que, como ensina Rabindranath Capelo de Sousa, Lições de Direito das Sucessões, Vol. II, pág. 296, nota 1064, significa que, no referido regime supletivo, “é também conferido o excesso de doação sobre a legítima do donatário, procedendo-se a igualação até onde houver bens suficientes no remanescente da quota disponível”, assim se colocando em sintonia com Antunes Varela, in RLJ ano 104, pág. 346, Pereira Coelho, Direito das Sucessões, pág.’s 181 e 183, Jorge Leite, A Colação, pág. 126 e ss e Lopes Cardoso, Partilhas Judiciais, II, pág. 354 e ss.

E, assim sendo, na hipótese de, como é o caso, “haver remanescente da herança mas que não chegue para igualar todos os descendentes”, o donatário em vida conserva o bem doado, mas “apenas os descendentes não beneficiados em vida (…) são contemplados, após o preenchimento das suas quotas legitimárias subjectivas, com os bens remanescentes da herança, por conta da quota disponível do de cuius, de forma a prosseguir a menor desigualdade possível”.

Aqui chegados, resta acrescentar que, mais uma vez como corretamente propugna o Recorrente, a partilha do inventariado, seguirá as mesmas operações, à exceção de não se abrir a sucessão legítima, em virtude de a quota disponível ter sido adjudicada por deixa testamentária ao interessado J. J. e, assim, o acervo hereditário do inventariado é constituído pela sua meação, acrescido do seu quinhão (2162º/1 e 2110º/2). (161.025,00+ 43.948,695= €204. 973,69), à qual se adiciona a meia conferência do imóvel doado descrito sob a verba nº 3 à data do óbito, 57.397,50€ (€ 204. 973,69+ €57.397,50=€262.371,195), depois, procede-se à determinação da legítima, ou seja, da porção dos bens que o testador não poderia dispor livremente, por estar reservada aos herdeiros legitimários, sendo que, atendendo à classe sucessiva aqui em causa, unicamente descendentes, a sua legítima será pois, de 2/3 e, por sua vez, a quota disponível, será de 1/3. (2156º, 2157º e 2159º/2 do CC). (262.371,195/3=€87.457,07 (QD) 87.457,07×2=€174.914,13 (QI)). Segue-se a imputação das liberalidades feitas por conta da legítima que, neste caso, uma vez que o inventariado dispôs da quota disponível em favor, igualmente, do donatário, far-se-á a imputação da ½ conferência da doação na legítima e, depois, na quota disponível, e, existindo excesso, será o mesmo somado ao quinhão hereditário do beneficiário J. J. e, portanto, não se abrirá a sucessão legítima. Por último, a quota indisponível será dividida em tantas partes quanto o número de filhos (7), encontrando-se a legítima subjetiva de cada um (2136º e 2139º/2 CC). (174.914,13/7= 24.987,73).
Procede, pois, nesta parte, a apelação, devendo revogar-se a sentença homologatória de partilha que incorporou os aludidos erros.
Importa, porém, sublinhar que, tal como se refere no citado acórdão da Relação de Coimbra de 12.01.2016, “não cabendo no âmbito do presente recurso a concretização da partilha mediante a realização dos concretos cálculos matemáticos (discutindo-se tão só os princípios a que a mesma deve obedecer), eles vão aqui indicados a título meramente indicativo, como auxiliar da operação da partilha a realizar pela secretaria na sequência das decisões contidas no presente acórdão”, nessa operação se devendo proceder, para além do mais, à necessária retificação dos quinhões hereditários e, bem assim, dos correspondentes pagamentos.

Sumário:

I – Não obstante o recurso não ser o lugar próprio para arguir nulidades processuais – destas apenas cabendo reclamação para o juiz –, quando em causa está a omissão da prática de um ato que foi coberta por um despacho judicial deve entender-se que o meio adequado a reagir à infração verificada é o recurso de tal decisão e não já a reclamação da omissão;
II – “O proferimento de uma decisão que devia ter sido antecedida de um acto que foi indevidamente omitido implica a nulidade da decisão proferida por excesso de pronúncia”;
III – Suscitada no inventário uma questão de direito, deve o juiz, não obstante a indicação no sentido de que só era obrigatória constituição de advogado caso se suscitem ou discutam questões de direito e ainda em sede de recurso contida na citação, ordenar a notificação da parte para, em prazo concretamente fixado para o efeito, constituir advogado, com a menção expressa das consequências legais;
IV – Ainda que verificada a nulidade decorrente do excesso de pronúncia, de harmonia com o previsto no art. 660º do CPC, a segunda instância não deve dar provimento à impugnação da decisão interlocutória afetada e impugnada conjuntamente com a decisão final nos termos do n.º 3 do artigo 644.º, com a consequente anulação da decisão final, quando a infração cometida não for suscetível de modificar a referida decisão final, nem o recorrente tiver aduzido argumentação tendente a demonstrar que, independentemente da decisão final, o provimento tem para ele interesse;
V – No que toca à colação, não só o nº 1 do art. 2108º do CC obriga a que a doação seja imputada na quota hereditária – o donatário aceitante da herança do de cuius seu ascendente, deverá incorporar o valor da doação em vida não apenas na sua quota legitimária mas em toda a sua quota hereditária –, como o nº2 do mesmo preceito consagra a necessidade de se proceder à igualação enquanto houver bens para tal;
VI – Assim sendo, na hipótese de “haver remanescente da herança mas que não chegue para igualar todos os descendentes”, o donatário em vida conserva o bem doado, mas “apenas os descendentes não beneficiados em vida (…) são contemplados, após o preenchimento das suas quotas legitimárias subjectivas, com os bens remanescentes da herança, por conta da quota disponível do de cuius, de forma a prosseguir a menor desigualdade possível”.

IV. DECISÃO:

Pelo exposto, acordam os juízes deste tribunal da Relação em julgar parcialmente procedente a apelação, alterando parcialmente o despacho determinativo da forma à partilha, no sentido de que, abrindo-se a sucessão legítima da Inventariada, atribuindo-se ao cônjuge ¼ do sobrante, dividir-se-á o remanescente pelos restantes filhos, com a exceção do que já foi beneficiado com a imputação na quota disponível, revogando a decisão final recorrida e determinando a retificação do mapa da partilha, nos seguintes termos:
- o valor de metade da conferência do bem doado deverá ser imputado na quota hereditária da herança aberta por óbito de M. R. do Interessado J. J.;
- para tal, deverá apurar-se a legítima subjetiva do cônjuge sobrevivo e dos sete filhos da Inventariada, não podendo a quota do primeiro ser inferior a uma quarta parte da quota indisponível, sendo a legítima subjetiva de cada um dos filhos o correspondente ao sobrante dividido pelo número de cabeças, ou seja, por 7;
- conhecida a legítima de cada um dos herdeiros legitimários, deve o valor da ½ conferência da doação ser imputado na quota hereditária do donatário, dentro da sua legítima e, só o remanescente, na quota disponível;
- efetuada tal operação, atribuindo-se uma vez mais, ao cônjuge ¼ do sobrante, dividir-se-á o remanescente pelos restantes filhos, com a exceção do que já foi beneficiado com a imputação na quota disponível;
- determinado o acervo hereditário do inventariado, constituído pela sua meação, acrescido do seu quinhão determinado nos termos supra referidos, à qual se adiciona a meia conferência do imóvel doado, procede-se à determinação da quota indisponível, que será de 2/3;
- de seguida far-se-á a imputação da ½ conferência da doação na legítima e, depois, na quota disponível, e, existindo excesso, será o mesmo somado ao quinhão hereditário do beneficiário J. J. e, portanto, não se abrirá a sucessão legítima;
- por último, a quota indisponível será dividida em tantas partes quanto o número de filhos (7), encontrando-se a legítima subjetiva de cada um.
Custas da apelação pelo Apelante e pelo Apelado, na proporção de metade.
Guimarães, 25.03.2021

Margarida Sousa
Afonso Cabral de Andrade
Alcides Rodrigues