Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
607/15.1T8GMR.9.G1
Relator: MARIA LEONOR BARROSO
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
ACTUALIZAÇÃO DE PENSÕES
PORTARIAS
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 01/23/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO PROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO SOCIAL
Sumário:
De acordo com o disposto no artigo 6º, 1, do Decreto-Lei nº 142/99, de 30 de abril na redacção que vigorou até outra lhe ser dada pelo Decreto-Lei n.° 185/2007, de 10 de maio, as pensões de acidentes de trabalho eram anualmente actualizadas nos termos em que o fossem as pensões do regime geral da segurança social.
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Social da Relação de Guimarães

I. RELATÓRIO

O recurso reporta-se a acção especial emergente de acidente de trabalho, em que é sinistrado AA e entidade responsável “EMP01... PLC – Sucursal em Portugal”, tendo aquele promovido incidente de revisão da incapacidade permanente anteriormente fixada.
O sinistrado apelou da decisão final do incidente.

A decisão foi a seguinte (dispositivo):
Nestes termos, e pelo exposto, julgo procedente o pedido de revisão e, consequentemente:
I. considero o sinistrado AA afetado de uma IPP de 48,00% e de incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual desde o dia .../.../2020;
II. condeno a seguradora ,” EMP01... Plc – Sucursal em Portugal” a pagar ao sinistrado AA, com efeitos desde 02 de outubro de 2020:
a) a pensão anual e vitalícia de 4 978,68€ (quatro mil, novecentos e setenta e oito euros e sessenta e oito cêntimos), atualizada:
a.1) a partir de 01/01/2022, para 5 028,47€ (cinco mil e vinte e oito euros e quarenta e sete cêntimos);
a.2) a partir de 01/01/2023, para 5 450,86€ (cinco mil, quatrocentos e cinquenta euros e oitenta e seis cêntimos);
b) o subsídio para situações de elevada incapacidade no valor de 3 039,45€ (três mil e trinta e nove euros e quarenta e cinco cêntimos);
c) e a fornecer ao sinistrado ajudas medicamentosas e tratamentos médicos e regulares (fisioterapia / hidroterapia) e Consultas de Dor crónica e medicação a ela associada, assim como seguimento regular em Consulta pelas especialidades de Ortopedia e Psicologia / Psiquiatria, cuja regularidade deverá ser definida pelo respetivo médico de cada especialidade, conforme evolução clínica;
d) à quantia fixada acrescem juros de mora, vencidos e vincendos à taxa legal, até integral pagamento.
 Custas a cargo da entidade responsável (art.º 527.º, n.º 1, in fine, do Código de Processo Civil, aplicável subsidiariamente por força do disposto no art.º 1.º, n.º 2, al. a) do Código de Processo do Trabalho, dado que procedeu este incidente de revisão), fixando-se o valor deste incidente de revisão, nos termos do art.º 120.º, n.º 3 do Código de Processo do Trabalho, no valor que resultar da aplicação das reservas matemáticas à pensão estabelecida – art.º 120.º, n.os 1 e 2 do Código de Processo do Trabalho. “

CONCLUSÕES DO RECURSO DO SINISTRADO:

I. Preliminarmente: Conforme consta da decisão ora colocada em causa, a Recorrida foi condenada a proceder ao pagamento, entre outros, da quantia de € 3.039,45, a título de subsídio de elevada incapacidade, acrescida de juros, nos termos constantes da mesma;
II. Considerando a fundamentação e forma de cálculo deste valor vertida na sentença - € 318,02 x 12 = € 3.818,40, é manifesto que a decisão padece de erro ou lapso de escrita, rectificável a todo o tempo, nos termos dos artigos 249.º do Código Civil e 614.º do Código de Processo Civil, cuja rectificação, desde já, se requer, devendo passar a constar da sentença o montante condenatório de € 3.818,40.
Sem prejuízo,
III. O despacho proferido com a referência ...70 não pode manter-se, uma vez que efectuou uma incorrecta interpretação dos preceitos aplicáveis, violando, por essa razão, o disposto no artigo 20.º, n.º 1, alínea a) da LAT, no artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 422/99, de 30 de Abril e nas Portarias de actualização das pensões devidas nos acidentes de trabalho;
IV. Por brevidade e economia processual remete-se para o teor da sentença proferida a fls., e concretamente para o teor da matéria dada como provada;
V. As Portarias de Actualização e respectivos coeficientes relativamente aos anos de 2001, 2002, 2003, 2004, 2005 e 2006 encontram-se, salvo o devido respeito, incorrectas,
VI. O que determinou que as actualizações da pensão estejam, igualmente correctas;
VII. Aos anos de 2001, 2002, 2003, 2004, 2005 e 2006 são aplicáveis, respectivamente as Portarias Portaria 1323-B/2001, de 30 de Novembro, com efeitos a 01.12.2001, Portaria 1514/2002, de 17 de Dezembro, com efeitos a 01.12.2022, Portaria 1362/2003, de 15 de Dezembro, com efeitos a 01.12.2003, Portaria 1475/2004, de 21 de Dezembro, com efeitos a 01.12.2004, Portaria 1316/2005, de 22 de Dezembro, com efeitos a 01.12.2005 e Portaria 1357- A/2006, de 30 de Novembro, com efeitos a 01.12.2006
VIII. Considerando a data de produção dos efeitos da Portaria 1323-B/2001 – 01.12.2021, à pensão inicial de € 3.896,62 deve, desde logo, ser aplicado o coeficiente de actualização de 3,5%;
IX. A aplicação das indicadas Portarias e das demais que, a partir de 2007, se encontram correctamente indicadas na decisão, determina que, a partir de 01.01.2023, a pensão tenha sido actualizada para o valor de € 6.100,42;
X. Em conclusão: ponderados todos os factos resultantes dos autos, deve o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência, o despacho proferido ser revogado e, em consequênci substituída por outra que condene a Recorrida, no pagamento, entre outros, na pensão anual e vitalícia de € 5.571,97, com efeitos desde 02.10.2020, actualizada a partir de 01.01.2022 para o valor de € 5.627,69 e a partir de 01.01.2023 para o valor de € 6.100,42, com todas as consequências legais.
Termos em que o recurso deve merecer provimento.”

O pedido de rectificação por lapso de escrita foi decidido favoravelmente no despacho de admissão do recurso e no sentido preconizado pelo recorrente, pelo que o seu conhecimento se encontra prejudicado.

CONTRA-ALEGAÇÕES - não foram apresentadas.

PARECER DO MINSTÉRIO PÚBLICO- sustenta-se que deve ser dado provimento ao recurso nos termos apelados, dado que não foram aplicadas as tabelas correctas de actualização de pensões.
O recurso foi apreciado em conferência – art.s 657º, 2, 659º, do CPC.

QUESTÕES A DECIDIR (o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões do recurso[1]): portarias que regulam as actualização das pensões nos anos de 2001 a 2006.

I.I FUNDAMENTAÇÃO
Os presentes autos de incidente de revisão de incapacidade para o trabalho reportam-se a um acidente ocorrido em 1-01-2001.
Foi decidido que desde 02/10/2020 (data de entrada do pedido de revisão) o sinistrado está afetado de IPP de 48,00%, bem como de incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual (IPATH), existindo agravamento da incapacidade anteriormente fixada. Não há recurso sobre este ponto.
Foi depois fixado o valor da pensão anual e vitalícia em 6 242,98€.  Mas, dado que o sinistrado já recebera (inicialmente e após revisão de incapacidade) o capital de remição de uma pensão anual e vitalícia no valor de 2 346,36€, foi decidido que só poderia receber a pensão remanescente, ou seja, 3.896,62€. Também não há recurso sobre este ponto.
Após, considerou-se que esta pensão base, bem como as anteriores (por terem sido fixadas com base na retribuição auferida pelo sinistrado à data do acidente e tendo como referência a data da alta de 21/05/2001) teriam, desde então, de ser atualizadas, de forma a apurar-se o valor da pensão à data do pedido de revisão (acórdão da Relação de Guimarães de 29/06/2017). Este ponto também não é posto em causa na decisão.
A questão suscitada no recurso interposto pelo sinistrado cinge-se apenas às portarias e respetivos coeficientes aplicados para atualização da pensão base de 3 896,62€, com referência aos anos de 2001 a 2006, aceitando-se quanto aos demais anos (2007 a 2023) as portarias e coeficientes aplicados na decisão.
Atenta a data do acidente de trabalho, este é regido pela Lei 100/97, de 13 de setembro e Decreto-Lei 142/99, de 30 de abril, com as diversas redações que foram vigorando no tempo.
De acordo com o disposto no artigo 6º, 1, do Decreto-Lei nº 142/99, de 30 de abril, na redacção que vigorou até outra lhe ser dada pelo DL 185/2007, de 10 de Maio[2], as pensões de acidentes de trabalho eram actualizadas nos mesmos termos em que o fossem as pensões do regime geral da segurança social  (n.º 1 do referido art.º 6º: “As pensões de acidentes de trabalho serão anualmente actualizadas nos termos em que o forem as pensões do regime geral da segurança social”. Estando em causa o conteúdo da relação jurídica obrigacional a versão da lei aplicável às actualizações de pensões (artigo 6º DL 142/99, de 30-04) será a vigente nos anos em causa de 2001 a 2006.
Mas, diversamente, a primeira instância no que respeita aos anos de 2001 a 2006, aplicou o coeficiente de atualização constante de portarias que fixaram os montantes que as empresas de seguros devem cobrar sobre salários seguros e remição de pensões que vêm a constituir receitas do FAT. Assim, foram aplicados-  erradamente- nos anos em causa os coeficientes de 0,85%. Quando deveria ter aplicado o coeficiente que, em cada um desses anos, foi fixado pelas sucessivas portarias que definiram a atualização das pensões do regime geral da Segurança Social.
Aos anos de 2001, 2002, 2003, 2004, 2005 e 2006 são aplicáveis, respectivamente, as seguintes Portarias e coeficientes: Portaria 1323-B/2001, de 30 de Novembro, com efeitos a 01.12.2001 (3,5%), Portaria 1514/2002, de 17 de Dezembro, com efeitos a 01.12.2002 (2%), Portaria 1362/2003, de 15 de Dezembro, com efeitos a 01.12.2003 (2,5%), Portaria 1475/2004, de 21 de Dezembro, com efeitos a 01.12.2004 (2,3%), Portaria 1316/2005, de 22 de Dezembro, com efeitos a 01.12.2005 (3,1%) e Portaria 1357- A/2006, de 30 de Novembro, com efeitos a 01.12.2006 (0,85%). Quanto às demais Portarias e Decretos-Lei dos anos subsequentes não questionados remete-se para a decisão recorrida.
Donde, a pensão base de 3.896,62€ deveria ter sido actualizada nos seguintes termos:  a partir de 01.12.2001, para € 4.033,00 (3,5%) - a partir de 01/12/2002, para € 4.113,66 (2%); - a partir de 01/12/2003, para € 4.216,50 (2,5%); - a partir de 01/12/2004, para € 4.313,48 (2,3%); - a partir de 01/12/2005, para € 4.412,69 (2,3%); - a partir de 01/12/2006, para € 4.549,48 (3,1%); - a partir de 31/12/2006, para € 4.588,15 (0,85%); - a partir de 01/01/2008, para € 4.698,27 (2,40%); - a partir de 01/01/2009, para € 4.834,52 (2,90%); - a partir de 01/01/2010, para € 4.894,95 (1,25%);- a partir de 01/01/2011, para € 4.953,69 (1,20%); - a partir de 01/01/2012, para € 5.132,02(3,60%); - a partir de 01/01/2013, para € 5.280,85 (2,90%); - a partir de 01/01/2014, para € 5.301,97 (0,40%); - a partir de 01/01/2015, sem alteração; - a partir de 01/01/2016, para € 5.323,18 (0,40%); - a partir de 01/01/2017, para € 5.349,80 (0,50%); - a partir de 01/01/2018, para € 5.446,10 (1,80%); - a partir de 01/01/2019, para € 5.533,24 (1,60%); - a partir de 01/01/2020, para € 5.571,97(0,70%); - a partir de 01/01/2021, sem alteração; - a partir de 01/01/2022, para € 5.627,69 (1,00%); - a partir de 01/01/2023, para € 6.100,42 (8,40%).

III. DECISÃO

Pelo exposto, concede-se provimento ao recurso e revoga-se a decisão quanto ao ponto II que passará a ter a seguinte redacção:
“II. condeno a seguradora ” EMP01... Plc – Sucursal em Portugal” a pagar ao sinistrado AA, com efeitos desde 02 de outubro de 2020:
a) a pensão anual e vitalícia de € 5.571,97 (cinco mil, quinhentos e setenta e um euros e noventa e sete cêntimos), atualizada:
a.1) a partir de 01/01/2022, para € 5.627,69 (cinco mil, seiscentos e vinte e sete euros e sessenta e nove cêntimos);
a.2) a partir de 01/01/2023, para € 6.100,42, (seis mil, cem euros e quarenta e dois cêntimos); “

Mantem-se no mais o decidido.
Sem custas.
Notifique.
Guimarães, 23-01-2024

Maria Leonor Chaves dos Santos Barroso (relatora)
Vera Sottomayor
Antero Dinis Ramos Veiga


[1] Artigos 635º/4, e 639º e 640º do CPC.
[2] A partir de então instituiu-se um regime novo tendo por referência o índice de preços no consumidor (IPC), sem habitação e crescimento real do produto interno bruto (PIB).