Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
5469/19.7T8BRG.G1
Relator: PAULA RIBAS
Descritores: DECLARAÇÕES DE PARTE
MANDATO FORENSE
RESPONSABILIDADE CIVIL
PERDA DE CHANCE
LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 04/04/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
1 – Da alegada conduta ilícita do réu advogado não nasce, sem mais, qualquer obrigação de indemnizar.
2 - A particularidade que ocorre na situação de “perda de chance” consiste em saber como determinar a certeza do dano e respetivo montante quando o advogado descuida o processo e a falta é contrária aos interesses do seu cliente, sendo certo que quem demanda ou é demandado tem sempre à sua frente um resultado incerto.
3 – Nestes autos, não está afirmado qualquer nexo causal entre o alegado facto ilícito – a não propositura de ação de reivindicação – e o dano que se pretende seja indemnizado – por reporte ao valor dos bens a reivindicar.
Decisão Texto Integral:
Relator: Paula Ribas
1.º Adjunto: Sandra Melo
2.º Adjunto: José Manuel Flores

Processo 5469/19.7T8BRG.G1
Juízo Local Cível de Braga – Juiz ... – Comarca de Braga

Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães

I – Relatório (elaborado com base no que consta da decisão da 1.ª Instância):

AA intentou contra BB a presente ação com processo comum, pedindo a condenação do réu:
I – no pagamento do montante de 15.000,00 euros a título de indemnização pelo ressarcimento do valor dos bens de que se encontra privado em virtude da ação/omissão do réu em interpor ação declarativa cível de reivindicação dos referidos bens, acrescido de juros à taxa legal em vigor (4%), contados desde a data de citação do réu para a presente ação e até efetivo e integral pagamento;
II – pagamento a título de indemnização da quantia de 5.000,00 € pelos danos não patrimoniais causados pelo réu, relegando para liquidação de sentença o apuro dos danos que ainda venha a sofrer em consequência da sua conduta, violadora dos seus direitos, acrescida de juros à taxa legal em vigor (4%), contados desde a data de citação do réu para a presente ação e até efetivo e integral pagamento
Alega para o efeito que o réu se dedica profissionalmente ao exercício da atividade de prestação de serviços de Advocacia, incluindo o apoio judiciário, sendo que neste âmbito foi-lhe nomeado o réu como patrono em 02 de março de 2016, no sentido de interpor uma ação declarativa cível, com o propósito da reivindicação de bens que lhe pertenciam e que estavam na posse de terceiros, em concreto os senhorios de um apartamento do qual o ora autor fora arrendatário, que especifica, sucedendo que, tendo resolvido (sic) o contrato em data que indica, deixou no local vários dos seus bens pessoais numa garagem pertencente aos referidos senhorios e situada no mesmo edifício, bens esses que especifica e aos quais atribuiu um valor global estimado de € 15.000,00 (quinze mil euros).
Eram estes os bens que o autor pretendia ver reivindicados perante o facto de os senhorios se terem recusado a devolvê-los depois de devidamente interpelados para o efeito pelo autor, condicionando a devolução dos mesmos ao pagamento pelo ora autor do montante de € 2.500,00 por alegados “custos de armazenagem dos bens”, que o autor se recusou a pagar.
Nessa sequência decidiu solicitar apoio judiciário e nomeação de advogado que o pudesse auxiliar na resolução desta questão tendo vindo a ser nomeado patrono aqui réu, com quem reuniu algum tempo após a nomeação, após alguma insistência escrita eletrónica.
Alega que foi decidido elaborar uma interpelação extrajudicial prévia no sentido de eventualmente se chegar a uma solução amigável, tendo-lhe sido transmitido pelo réu que a referida interpelação já teria seguido via correios, mas da qual nunca conheceu o referido conteúdo ou mesmo se foi recebida pelos ditos senhorios e em que data. 
Acrescenta que insistiu com o réu no sentido de conhecer o ponto de situação da referida carta, mas sem sucesso, tendo obtido uma resposta pouco clarificadora.
Aduz que entregou diversa documentação pessoalmente e remetido outra por correio eletrónico, no sentido de instruir a referida ação cível de reivindicação dos bens, nomeadamente o deferimento do apoio judiciário e a lista dos bens.
Alega ainda que, apesar do decurso do tempo após a referida nomeação de março de 2016, não via quaisquer resultados práticos, seja a nível extrajudicial ou judicial, pelo que decidiu interpelar o réu por diversas vezes através de correio eletrónico no sentido de perceber quais as diligências que teriam sido efetuadas e mesmo pessoalmente, tendo numa destas situações ficado plenamente convencido que a ação já teria dado entrada em tribunal e mesmo que estaria a aguardar contestação dos senhorios, tendo vindo a verificar mais tarde que tal não teria efetivamente sucedido porquanto não deu entrada qualquer ação cível por parte do réu.
Mais alega o autor que se sente lesado pela omissão de interposição da referida ação, estando até à presente data privado dos seus bens, correndo os mesmos sérios riscos de dissipação e sonegação, agravado pelo decorrer do tempo, acrescentando que esta omissão de interposição de ação apenas se tornou de conhecimento efetivo do ora autor quando em agosto de 2018 lhe foi transmitido que não iria interpor a referida ação por alegada falta de elementos bastantes.
Entretanto, alega, em função do disposto no art.º 11.º, nº 1, al. b), da L.A.D.T., caducou a proteção jurídica que lhe havia sido concedida, sustentando estar assim definitivamente precludido desde 2017 o direito de interpor a referida ação cível com benefício de apoio judiciário, não tendo condições económicas para litigar em juízo sem a dispensa total de taxa de justiça e demais encargos e do pagamento da compensação de Patrono, o qual só ocorre por via de nomeação “avulsa” da Ordem dos Advogados, imputando tal caducidade à omissão do réu, ficando precludido o direito que lhe assiste em interpor ação declarativa cível de reivindicação de bens, o que se deve exclusivamente à ação/omissão do réu em interpor a referida ação em devido tempo (1 ano).
Enquadra o autor a presente situação no campo da “perda de chance”, concluindo que o réu é responsável pela respetiva e devida indemnização pelos danos patrimoniais, acima concretizados, assim como pela indemnização pelos danos não patrimoniais, que especifica e concretiza, valorizando-os em 5.000,00 euros.
Citado o réu veio o mesmo a apresentar contestação, impugnando, direta e motivadamente grande parte da matéria alegada pelo autor, confirmando que foi nomeado pela Segurança Social para representar o autor em dois processos que o mesmo pretendia intentar, ambos para reivindicar bens de que o mesmo alegava serem sua propriedade. Ora, alega, desde logo na primeira reunião com o autor, informou que, para a construção das petições iniciais necessitava de várias informações e documentos que concretiza, sendo que se para uma das ações tal sucedeu – tendo a mesma sido intentada -, o que não aconteceu para a questão em apreciação.
Especifica que o autor pretendia, antes sim, que fosse enviada uma carta ao “dono da garagem” onde alegadamente estavam os bens, o que o réu disse que fazia, se o autor lhe apresentasse a morada completa e o nome completo do “dono da garagem”, bem como demonstração da propriedade dos bens – o que o autor não fez, pelo que nunca o réu enviou tal carta, pois não tinha para onde, nem nunca poderia ter dito o contrário ao autor. Mais adianta ter pedido de apresentação dos vários documentos por várias vezes, o que o autor prometeu fazer com a maior brevidade possível, ficando o réu a aguardar a apresentação dos documentos e demais provas que aquele dizia ter e que ficou de apresentar, o que nunca sucedeu. Concretiza o réu que a única “prova” que o autor entregou ao réu para instruir a sua ação foram as fotografias que este agora junta com a presente petição inicial, assim como uma lista entregue apenas com o email de 30/04/2017, sendo que uma das listas de bens apresentadas pelo autor estava, antes, relacionada com a ação que foi efetivamente intentada e não com a questão dos autos.
Aduz que nunca poderia, em consciência, ter intentado a ação pretendida com os elementos que foram (e, sobretudo, não foram) fornecidos pelo autor, o que foi explicado ao autor, mormente a insuficiência das fotos que enviou ao réu, não tendo sequer o autor indicado ao réu qualquer prova testemunhal.
Impugna especifica e motivadamente a alegada existência de um contrato de arrendamento, alegando que o autor lhe comunicou que havia pedido a um amigo para lhe guardar uns bens sua propriedade na garagem deste, mas que não tinha sequer acordado um dia de devolução dos mesmos pois, segundo o mesmo, “foi preso no meio do ... pela Policia judiciária e grupo de forças especiais, com pistolas e metralhadoras em pleno centro comercial e imediatamente conduzido ao EP ... para cumprir pena”. Contudo, quando foi libertado após esse cumprimento da pena, dirigiu-se a esse senhor para os reaver, mas que este lhe havia pedido “mil euros” a título de tempo que os teve a ocupar a garagem.
Era esta a ação que o autor pretendia intentar, nunca tendo algum dia falado em qualquer ligação ao dono da garagem por arrendamento, sendo que, atenta a postura do autor de se recusar a apresentar os elementos solicitados, desconfiou das suas intenções e da veracidade da história contada pelo mesmo.
Conclui que não ocorreu, por banda do autor, qualquer perda de chance, na medida em que a ação que o mesmo pretende intentar se mantém atual, desde que prove o seu direito, podendo, por essa via obter os bens, na medida em que em momento algum alega que os mesmos desapareceram, se destruíram ou por qualquer outro meio estejam já impossíveis de reaver. Pelas razões que especifica não a apresentou nem apresentaria a pretendida ação, algo que deixou bem claro ao autor por email de novembro de 2018, e que levou o mesmo, no final do ano de 2018, a apresentar vicissitude com base na sua falta de colaboração.
Requereu a intervenção principal provocada da EMP01... Company SE, alegando ter celebrado com esta seguradora contrato de seguro de responsabilidade civil profissional.
Tal pretensão foi deferida por despacho de 13/05/2020, tendo a interveniente apresentado contestação que, impugnando os factos alegados, concluiu que não incorreu o réu em qualquer conduta qualificável como violação do dever de zelo, a que estava obrigado deontologicamente, acrescentando que, muito pelo contrário, pois sempre alertou o seu constituinte, aqui autor, para a necessidade de apresentar elementos probatórios que refletissem o direito de que se arrogou.
Alegou que o réu agiu ao abrigo da sua independência técnica, consagrada no art.º 89.º do Estatuto da Ordem dos Advogados e, tendo sido confrontado com a pretensão do autor que se reveste de manifesta implausibilidade, procurou superar esse óbice, solicitando repetidamente por documentos ao seu patrocinado; sem que este tenha logrado entregar tais elementos, nomeadamente, contrato de arrendamento ou qualquer prova da propriedade dos bens (pelo menos, dos de maior valor).
Acrescenta que os emails juntos com a petição inicial não constituem o mínimo indício de prova, encontrando-se truncados, sem que se perceba o teor da conversação entre os intervenientes.
Aponta ainda a culpa do lesado, nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 570.º, do C. Civil, sublinhando que o autor apenas logrou enviar ao mandatário, Dr. BB, a indicação dos bens e valor dos mesmos em 30 abril de 2017, isto fazendo fé na cópia de email, junta com a petição inicial, como Doc. ...1., pelo que, a essa data já teria caducado o patrocínio do aqui réu, sem que o mesmo houvesse sido instruído para o objeto da ação a intentar.
E mais acrescenta não se vislumbrar qualquer nexo de causalidade entre os factos imputados ao réu e os alegados danos sofridos pelo autor, o qual não alega, demonstra ou prova a existência de qualquer dano, consistente na supressão ou diminuição duma situação jurídica favorável que estava protegida pelo Direito, baseando o autor as suas alegações com base no facto de ter sofrido os danos peticionados em virtude de uma suposta atuação deficiente do réu, por não ter sido apresentada ação de reivindicação de bens, sustentando que, caso a ação tivesse sido intentada, nunca o autor teria hipótese de receber todas as quantias que agora se arroga devedor, inexistindo até qualquer argumento que permita concluir pela impossibilidade de intentar nova ação nesse sentido.
No decurso da instância o réu pediu a condenação do autor como litigante de má fé, alegando que o autor agiu – intentando a presente ação – bem sabendo que não lhe assistia razão, consciente dessa mesma falta de razão, procurando, com a presente lide, concretizar um objetivo ilegal – o de obter uma compensação monetária que bem sabe não ter direito, existindo não só negligência mas dolo, pois agiu o autor com perfeito conhecimento que não lhe assistia razão, perfeitamente consciente de não ser credor de qualquer quantia, requerendo, assim, a condenação do autor em montante exemplar, a fixar de acordo com o arbítrio do Tribunal.
O autor teve a oportunidade de se pronunciar quanto a esta matéria, impugnando o alegado e pugnando pela inexistência de qualquer má fé, pela sua parte.
Realizada a audiência com a observância das formalidades legais, foi proferida sentença que julgou a ação improcedente e condenou o autor como litigante de má-fé em multa que fixou em 25 Ucs.
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É desta decisão que foi interposto recurso de apelação, pelo autor, com as seguintes conclusões:

(… as anteriores reproduzem a sentença)
VI – Ora é entendimento do ora Recorrente que se verifica a existência de diversos factos que deveriam ter sido dados como provados mas que não o foram, antes foram considerados como não provados.
VII - Essencialmente assentes na desconsideração das Declarações de Parte do Autor e por outro lado dando relevância probatória total às Declarações de Parte do Réu, o que mal se entende.
VIII – O Autor em sede de declarações indicou e confirmou a concreta morada do local arrendado e em cujo edifício se situava a garagem onde se encontravam os bens pessoais que pretendia ver devolvidos em ação de reivindicação a intentar pelo Réu.
IX - Com efeito confirmou a morada, nomeadamente a instâncias do Exmo Sr. Juiz em sede de audiência de julgamento no dia 20/10/2021, (com início às 10:05 e fim às 10:55) declarou o seguinte:
Juiz – Essa suite que refere...situava-se na cidade ......Praça ...? (5m15s)…
Autor – Correto….(5m25s)...
Mais indicou que deixou os bens pessoais na garagem do mesmo edifício:
Juiz – Quando saiu deixou alguma coisa na dependência da suite? (6m45s)
Autor – Numa garagem... onde guardou as coisas
Elencou devidamente os bens:
Juiz – Recorda-se que coisas eram essas?(7m05s)
Autor – Moto4, candeeiros....de ..., faqueiro, cobertores...muita louça... talheres...DVDs...saco de carrinho...pinheiro de Natal...
X – Mal se entendendo como pode a sentença referir que:
“Igualmente não foi capaz de elencar com a certeza exigível os bens que alegadamente lhe teriam sido retidos pelos senhorios,
XI - Bens que aliás constam da relação de bens remetida via e-mail em 30/04/2017 pelo Autor ao Réu e que é Doc. ...1 da Petição Inicial que foi junta aos autos, documentalmente verificada e que foi dada como provada no ponto 5º da Sentença.
XII - Demonstrando antes o teor da Sentença uma contradição ente o Ponto 5º dos factos dados como provados e o Ponto d) dos factos não provados.
XIII - Estas declarações do Autor deveriam ter sido consideradas no sentido de dar como provados os Pontos b) c) d) e f) dos factos não provados, o que de todo não sucedeu.
XIV - Igualmente o Ponto e) que deveria mesmo ter sido considerado como provado relativamente ao valor – 15.000,00 € - atribuído pelo Autor aos referidos bens, tendo mesmo considerado a base daquele valor – estimado – um faqueiro adquirido por 8.000,00 € em ouro branco:
Juiz – Qual foi o valor que o Sr. lhe atribuiu?(14m20s)
Autor – 15.000,00 €......
XV – Sendo que a Sentença apenas refere que o Autor:
“Foi extremamente vago quanto ao valor dos bens em questão, apontando para o valor peticionado, mas apenas por reporte, sobretudo, à “mala do faqueiro”.
XVI - Ainda relativamente ao Ponto b) dos factos não provados, ou seja o local onde os bens se encontrariam, parece de todo inverosímil que o Autor nunca tenha referido ao Réu o local concreto, nomeadamente o endereço da garagem onde se encontravam os bens pois ambos não tinham dúvidas que a garagem era em ..., perto do escritório do Réu e que se encontravam num edifício inserido num condomínio.
XVII - Tal é referido mesmo pelo Réu em sede de declarações a instâncias do Exmo Sr. Juiz em sede de audiência de julgamento no dia 20/10/2021, (com início às 11:02 e fim às 11:29) declarou o seguinte:
Réu – Fala com o Dr. CC (o autor) e ele queria que o acompanhasse à garagem para lhe pedir os bens....(aos senhorios) (15m10s) …........................... Sr. AA dizia que lhe tinham emprestado uma garagem para colocar uns bens....
XVIII – Tendo tal propósito sido confirmado precisamente pela testemunha Dr. CC em sede de inquirição a instâncias dos Mandatários em sede de audiência de julgamento no dia 13/10/2023, (com início às 11:10 e fim às 11:29) declarou que o seguinte lhe tinha sido pedido pelo Autor:
Testemunha – Eu quero que o senhor venha comigo a uma garagem...aqui perto...para ir buscar bens que são da minha propriedade...(06m55s) Mas..... que bens são esses? Queria que fosse imediatamente ao local... Dar ordem para me entregar...
Mandatário do Autor – O Sr. AA disse onde era a garagem?
Testemunha – Era uma garagem aqui perto...o escritório do Dr. BB era em ....
XIX - Dispondo o Réu dos elementos base que permitiriam intentar a ação de reivindicação dos bens e certamente elaborar uma interpelação extrajudicial já que os eventuais interpelados (e eventuais Réus na ação) estavam perfeitamente definidos,
XX - Aliás como decorre das declarações do Autor a instâncias do Exmo Sr. Juiz em sede de audiência de julgamento no dia 20/10/2021, (com início às 10:05 e fim às 10:55) declarou o seguinte           :
Autor – DD e EE....Eram os meus Senhorios (04m50s)
XXI - Pelo que também por esta cisrcustância se devia ter dado como provado o facto a) “que os alegados terceiros referidos em 3.º, dos factos provados eram o Sr. DD e a Sra. EE, em concreto os senhorios de um apartamento do qual o ora Autor fora arrendatário;”
XXII - Mas a maior incredulidade do ora Recorrente reside no facto de o Tribunal a quo ter dado como não provados os Pontos i) e k). Ao dar como não provado o facto i) tal situação conflitua diretamente com os ponto 12º e 13º dos factos dados como provados, pois parece assente que foi decidido elaborar uma interpelação extrajudicial.
XXIII - Igualmente ao dar como não provado o facto k) tal situação conflitua diretamente com os ponto 6º e 7º dos factos dados como provados, porquanto resulta claro que o Autor interpelou o ora Réu sobre o ponto de situação da interpelação/processo tendo o Réu respondido por e-mail datado de 20/03/2017 . “Nenhuma novidade” dando a entender que a situação estaria a ser devidamente acompanhada, quando de facto não estava de todo.
XXIV - Constituindo sempre uma extrapolação considerar como não provado o ponto p) que ora se transcreve:
“p) não tendo o autor condições económicas para litigar em juízo sem a dispensa total de taxa de justiça e demais encargos e do Pagamento da compensação de Patrono;”
XXV - Entende assim o Recorrente que mais que ajuizar sob pré-conceitos de experiência comum, compete ao tribunal a quo, nesta ação em concreto apurar se de facto houve ou não houve falhas na atuação do mandatário, ora Réu no patrocínio forense.

EM SUMA O TRIBUNAL A QUO NUNCA FAZ UMA VERDADEIRA APRECIAÇÃO DA ILICITUDE DA ACTUAÇÃO DO RÉU COMO SE PROPÔS INICIALMENTE NA DEFINIÇÃO DO OBJECTO DO LITIGIO, E, COMO FICA SUPRA EXPLANADO TERIA MAIS QUE MOTIVOS PARA ASSIM DE FACTO O CONSIDERAR:
- DANDO COMO PROVADOS OS FACTOS NA REDACÇÃO SUPRA ENUNCIADA DANDO COMO PROVADOS OS FACTOS CONSIDERADOS NÃO PROVADOS (PONTOS a) b) c) d) e) f) i) e k))

B) DO DIREITO E DA DECISÃO
XXVI – (… repete a decisão)
XXVII – Ora salvo o devido respeito, discorda-se em absoluto desta constatação que se impugna, porquanto resulta evidente a ação/omissão do Réu em propor a ação declarativa cível de reivindicação dos bens do Autor.
XXVIII - Com efeito o Réu dispunha de todos os elementos materiais necessários à elaboração referida ação, tempo, lugar, réus e respetivo objeto, devidamente transmitido pelo Autor em sede de reunião e conforme consta dos autos (e-mails –cf. supra explanado e constante dos autos) que seriam suficientes para a propositura da ação de reivindicação dos bens do Autor.
XXIX - Violando assim a douta decisão recorrida o disposto no art. 1161.º, al. a) do Código Civil ao não considerar o incumprimento do mandato existente entre autor e réu.
XXX - E de igual modo a decisão ao considerar a inexistência de um nexo causal entre a atuação do Réu e os danos que veio a padecer - melhor elencados nos autos e provados da forma supra apontada pelo que o Tribunal a quo ao não relevar a culpa e ilicitude da atuação do Réu perante o Autor, e o referido nexo violou o disposto no art. 791º, nº 1 e 563º do Código Civil.
XXXI – Estaria também sempre o Tribunal a quo provido da possibilidade de invocar a perda de chance como fundamento indemnizatório do Réu ao Autor, e em que o dano em que a mesma se consubstancia corresponde a uma perda patrimonial do Autor, traduzido no resultado (omissão do Réu em propor a ação declarativa cível de reivindicação dos bens do Autor) a que se encontra sujeito,
XXXII - Sendo que a situação dos autos supra descrita é claramente merecedora da tutela do direito, no que ao Autor diz respeito e assente na violação de um direito resultante, no entender da Autor, da conduta do ora Réu.
XXXIII – (… reproduz a sentença)
XXXIV - Sentença que deve ser substituída por um Acórdão que determine a Procedência da Ação nos termos justamente peticionados pelo Autor sob pena de inconstitucional a interpretação feita pelo Tribunal a quo, em sede da presente sentença recorrida, do art. 3º nº 3 do CPC, com violação do princípio do contraditório ínsito no art. 20º nº 1 e nº 4 da Constituição da República Portuguesa.

C – DA ALEGADA LITIGÃNCIA DE MÁ-FÉ
XXXV - Por fim, o Autor impugna a sua condenação como litigante de má-fé pelo Tribunal a quo pois no limite, estará em causa uma diferente interpretação de normas e conceitos legais.
XXXVI - Ora, o Autor limitou-se a apresentar nesta instância a sua versão dos factos, que como atrás se julga ter demonstrado sendo que a sua versão está fundamentada por suporte documental, depoimentos das testemunhas e pelas próprias declarações das partes.
XXXVII - Ao contrário da douta Sentença recorrida, o Autor não apresentou uma versão que servisse apenas para confundir e entorpecer a ação da justiça, ou sequer que a sua pretensão fosse manifestamente infundada.
XXXVIII - Efetivamente, o próprio Tribunal a quo torna verosímil a posição do Autor ao dar como provados os Ponto 3º a 21º os quais, no fundo resumem em parte a versão daquele, ou seja que houve interação com o Réu no sentido de a ação ser viável, de facto e de direito, pois caso contrário teria sido liminarmente assumida essa inviabilidade pelo Réu, mas de facto assim não sucedeu.
XXXIX - Quanto a este tema, recordamos o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11- 09-2012, juiz relator Fonseca Ramos (processo 2326/11.09TBLLE.E1.S1): 1.A litigância de má-fé exige a consciência de que quem pleiteia de certa forma tem a consciência de não ter razão. 2. A defesa convicta de uma perspetiva jurídica dos factos, diversa daquela que a decisão judicial acolhe, não implica, por si só, litigância censurável a despoletar a aplicação do art. 456º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil...”
XL - Pelo exposto, deverá também improceder a condenação do Autor como litigante de má-fé, por alegada violação do disposto no artigo 542.º do C.P.C.

Termos em que, nos melhores de Direito e com o suprimento de Vossas Excelências deve ser concedido provimento ao presente recurso,
revogando-se a decisão recorrida com as inerentes consequências, devendo ser proferido Acórdão que considere a ação procedente e condene o Réu e a Interveniente a pagarem ao Autor nos exatos termos peticionados, o valor dos bens dos quais se encontra privado, bem como a ressarcirem o Autor por todos os danos não patrimoniais em consequência da ação/omissão do Réu na propositura da Ação Cível”.
*
Não foram apresentadas contra-alegações.
*
O recurso foi admitido como de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito devolutivo.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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II - Questões a decidir:

Sendo o âmbito do recurso delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente – arts. 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil (doravante, abreviadamente, designado por C. P. Civil) -, as questões que se colocam à apreciação deste Tribunal consistem em saber:

1 - se existe fundamento para alterara a decisão sobre a matéria de facto;
2 – se, alterada ou não esta decisão da matéria e facto, existe fundamento para alterar a decisão de direito;
3 – se existe fundamento para a condenação do autor como litigante de má-fé.
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III - Fundamentação de facto:

Os factos que foram dados como provados na decisão proferida são os seguintes:
1.º O Réu dedica-se profissionalmente ao exercício da atividade de prestação de serviços de Advocacia, incluindo o Apoio Judiciário.
2.º No âmbito do Apoio Judiciário foi nomeado patrono em 02 de Março de 2016 ao aqui Autor, no sentido de interpor uma ação declarativa cível.
3.º Cujo propósito seria a reivindicação de uma lista de bens alegadamente do aqui autor e que estariam na posse de terceiros.
4.º Autor e réu trocaram, entre os anos de 2016 e 2018 várias comunicações por e-mail.
5.º Por email datado de 30/04/2017 o autor remeteu ao réu uma lista de bens nos seguintes termos:
«Boa noite!
1- Mala de discos ..., contendo mais de 109 DVDs.
2- 2 sacos contendo vários DVDs.
3- Moto ....
4- 4 Candeeiros de teto em caixas brancas vindo ... e FF
tudo em led.
5- ... de cozinha marca ....
6- 4 Cobertores brancos com desenhos.
7- Power Box ....
8- 4 Cestos brancos contendo talheres, pratos, copos, frascos grandes, taças de
sobremesa da marca ... e ....
9- Saco de Carrinho com rodas em tecido.
10- Pinheiro de Natal verde com a decoração alusiva ao Natal e uma tira em led branca tudo da marca ....
11- Botija de Gás ... com o redutor.
12- 2 Sacos repletos de cabos para material de discotecas.
13- Mala de Faqueiro ouro branco do ...
Tudo isso está na garagem valores para os bens é 15 mil euro [sic]»,
Conforme documento junto a fls. 18 dos autos que aqui se dá por integralmente reproduzido.
6.º O réu remeteu ao autor email, datado de 20/03/2017, no qual, além do mais, faz constar: «Nenhuma novidade. Agradecia que me fosse entregue assim que possível relação de bens, assim como os valores correspondentes e faturas de compra (se tiver)», em resposta a email do autor, datado de 18/03/2017, dirigido ao réu, em que aquele faz constar:
«Tenho tentado ligar para si mesmo com mensagem e nada! Quero saber se já enviou a carta e temos novidades?» conforme documento junto a fls. 150 dos autos que aqui se dá como integralmente reproduzido.
7.º o autor remeteu ao réu vários emails perguntando pelo estado da situação referente a este apoio judiciário.
8.º O réu não deu entrada a qualquer ação cível tendo por objeto a reivindicação de bens alegadamente propriedade do autor.
9.º O réu foi nomeado pela Segurança Social para representar o autor em dois processos que o mesmo pretendia intentar, ambos para reivindicar bens de que o mesmo alegava serem sua propriedade.
10.º Desde logo na primeira reunião com o autor o réu informou que, para a construção das petições iniciais necessitava de:
a. descrição pormenorizada dos bens
b. Indicação do local onde os mesmos se localizariam, com morada completa.
c. Apresentação de documento idóneo a demonstrar que os bens lhe pertenciam.
d. Indicação da identidade completa da pessoa contra quem se iria apresentar a ação.
11.º Para uma das ações pretendidas o autor (que não a que está aqui em causa) apresentou faturas de aquisição da maioria dos bens que reivindicava, assim como a identificação da ré e demais prova que sustentava a sua pretensão, o que levou o réu a apresentar a ação que correu com o número de processo 3663/16.... do Juízo Local Cível de Braga - Juiz ..., conforme documento junto de fls. 36 a 46, que, no mais, aqui se dá como integralmente reproduzido.
12.º Para a outra questão que, relacionada com este caso, o autor pretendia, antes sim, que fosse enviada uma carta ao “dono da garagem” onde alegadamente estavam os bens.
13.º O que o réu disse que fazia, se o autor lhe apresentasse a morada completa e o nome completo do “dono da garagem”, bem como demonstração da propriedade dos bens.
14.º O que o autor não fez.
15.º Pelo que nunca o réu enviou tal carta.
16.º Em dia que o Réu se encontrava ausente no estrangeiro, o autor deslocou-se ao seu domicilio profissional onde se encontrou com um Colega deste, tendo reiterado que não tinha intenção de “intentar ação”, mas apenas pressionar um tal “dono da garagem” a lhe devolver uns bens que “seriam seus”, tendo pedido a este Colega do Réu para o acompanhar à garagem para espreitar e ver que os seus bens estavam lá dentro.
17.º O que o mesmo negou fazer, explicando que tal seria entrar em local vedado ao público.
18.º Após contacto telefónico desse referido Colega com o aqui réu, este apenas lhe pediu para reiterar ao Autor o pedido de apresentação dos vários documentos por várias vezes pedidos.
19.º Ficou o Réu a aguardar a apresentação dos documentos e demais provas que aquele dizia ter e que ficou de apresentar.
20.º A única “prova” que o autor entregou ao réu para instruir a sua ação foram as fotografias que este agora junta com a petição inicial, assim como uma lista entregue apenas com o email de 30/04/2017, referida no facto 5.º.
21.º A interveniente principal provocada passiva “EMP01... COMPANY SE, ...”, segura nos termos das Condições Particulares, Gerais e Especiais do Seguro de Responsabilidade Civil Profissional celebrado com a Ordem dos Advogados (tomador do seguro) e designado Apólice n.º ..., o risco decorrente de ação ou omissão, dos Advogados com inscrição em vigor na Ordem dos Advogados, no exercício da sua profissão.
22.º A Apólice de Seguro de Responsabilidade Civil profissional em questão foi celebrada pela Ordem dos Advogados, o Tomador do Seguro, tendo como beneficiários todos os Advogados com inscrição em vigor na mesma.
23.º Nos termos do Ponto 10 das Condições Particulares da apólice em causa, sob a epígrafe PERÍODO DE COBERTURA, a apólice em causa vigora pelo período de 12 meses, com data de início de 01.01.2019 às 00h e vencimento às 00h de 01.01.2020, tudo conforme documento de fls. 71 a 83 verso dos presentes autos.
24.º De acordo com o Ponto 7 das Condições Particulares da apólice ora em análise:
O segurador assume a cobertura da responsabilidade do segurado por todos os sinistros reclamados pela primeira vez contra o Segurado ou contra o tomador do seguro ocorridos durante vigência das apólices anteriores, desde que participados após o início da vigência da presente apólice, sempre e quando as reclamações tenham fundamento em dolo, erro, omissão ou negligência profissional, coberta pela presente apólice, e mesmo ainda, que
tenham sido cometidos pelo Segurado antes da data de efeito da entrada em vigor da presente Apólice, e sem qualquer limitação temporal de retroatividade.
25.º Nos termos do Ponto 12 do Artigo 1º das Condições Especiais da Apólice em causa, considera-se como Reclamação: Toda a comunicação de qualquer facto ou circunstância concreta conhecida por primeira vez pelo Segurado e notificada oficiosamente por este ao SEGURADOR, de que possa:
i) Derivar eventual responsabilidade abrangida pela APÓLICE,
ii) Determinar a ulterior formulação de uma petição de ressarcimento, ou,
iii) Fazer funcionar as coberturas da APÓLICE. (…).
26.º A apólice em análise consagra o princípio designado na gíria anglo-saxónica de Claims made nos termos da qual a Seguradora proporciona cobertura nas seguintes circunstâncias cumulativas:
a. Se a primeira reclamação do Segurado, contra o Segurado ou Tomador de Seguro ocorrer no período de vigência da apólice em causa, ou seja, entre ../../2019 e ../../2019; e
b. Se dos atos e omissões imputado ao Segurado e reclamados resultar dolo, erro, omissão ou negligência profissional.
27.º Nos termos da apólice em análise, não é assim relevante para a determinação da sua aplicabilidade a data da verificação dos factos eventualmente suscetíveis de gerar responsabilidade civil profissional, mas sim a data da primeira reclamação dos factos, entendendo-se como Reclamação a citação do segurado BB para a presente ação judicial, em 2019.
28.º Resulta do supracitado Ponto 12 do Artigo 1º das Condições Especiais da Apólice, que se considera “Reclamação: qualquer procedimento judicial ou administrativo iniciado contra qualquer segurado (…) como suposto responsável de um dano abrangido pelas coberturas da apólice”.
29.º A Apólice subscrita pela Ré tem como limite de indemnização o capital total de € 150.000,00 (cento e cinquenta mil euros) por sinistro e importa o pagamento de uma franquia de € 5.000,00, a qual ficará inteiramente a cargo do segurado Réu.
30.º Nos termos do artigo 3º das Condições Especiais da Apólice ... estabelece-se ainda que ficam expressamente excluídas da cobertura da presente APÓLICE as RECLAMAÇÕES:
a) Por qualquer facto ou circunstância conhecidos do SEGURADO à Data de Início do PERÍODO DE SEGURO, e que já tenha gerado ou possa razoavelmente vir a gerar RECLAMAÇÃO.
31.º O art. 8º nº 1 da apólice dispõe, como condição precedente às obrigações da seguradora, que o segurado deverá comunicar, o mais cedo possível, ao segurador:
a) Qualquer reclamação contra qualquer segurado, baseada nas coberturas desta apólice;
b) Qualquer intenção de exigir responsabilidade a qualquer segurado, baseada nas coberturas desta apólice;
c) Qualquer circunstância ou incidente concreto conhecida(o) pelo segurado e que razoavelmente possa esperar-se que venha a resultar em eventual responsabilidade abrangida pela apólice, ou determinar a ulterior formulação de uma petição de ressarcimento ou acionar as coberturas da apólice.
32.º Nos termos do Artigo 10º nº 1 das Condições da Apólice em análise: O SEGURADO, nos termos definidos no ponto 1. do artigo 8º das Condições Especiais, deverá comunicar ao Corretor ou ao SEGURADOR, com a maior brevidade possível, o conhecimento de qualquer RECLAMAÇÃO efetuada contra ele ou de qualquer outro facto ou incidente que possa vir a dar lugar a uma reclamação. (…).
33.º Tal comunicação “deverá chegar ao conhecimento do segurador no prazo máximo e improrrogável de 8 dias”, conforme resulta do n.º 2 do supracitado artigo”.
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Foram considerados não provados os seguintes factos:

“Com relevância para a boa decisão da causa de entre todos os alegados pelas partes e, para além daqueles cujo contrário foi dado por provado supra, todos os demais alegados pelas partes e que supra não foram dados por provados, mormente os seguintes:

a) que os alegados terceiros referidos em 3.º, dos factos provados eram o Sr. DD e a Sra. EE, em concreto os senhorios de um apartamento do qual o ora Autor fora arrendatário;
b) que se situa num edifício da cidade ..., sito na Praça ...;
c) do qual o respetivo contrato de arrendamento teve o seu início em setembro de 2014, tendo-se o autor por motivos de força maior e passados cerca de 4 meses visto forçado a resolver o contrato de arrendamento, tendo, contudo, deixado vários dos seus bens pessoais numa garagem pertencente aos referidos senhorios e situada no mesmo edifício;
d) os bens que ali foram deixados e que eram pertença do autor eram os seguintes:
1- Mala de discos ..., contendo mais de 109 DVDs.
2- 2 sacos contendo vários DVDs.
3- Moto ....
4- 4 Candeeiros de teto em caixas brancas vindo ... e FF tudo em led.
5- ... de cozinha marca ....
6- 4 Cobertores brancos com desenhos.
7- Power Box ....
8- 4 Cestos brancos contendo talheres, pratos, copos, frascos grandes, taças de sobremesa da marca ... e ....
9- Saco de Carrinho com rodas em tecido.
10- Pinheiro de Natal verde com a decoração alusiva ao Natal e uma tira em led branca tudo da marca ....
11- Botija de Gás ... com o redutor.
12- 2 Sacos repletos de cabos para material de discotecas.
13- Mala de Faqueiro ouro branco do ...;
e) tais tinham o valor global de € 15.000,00 (quinze mil euros);
f) sendo estes os bens que o ora Autor pretendia ver reivindicados, por se encontrarem depositados na garagem dos referidos senhorios e por estes se terem recusado a devolvê-los depois de devidamente interpelados para o efeito pelo autor;
g) sendo que a devolução dos referidos bens estaria condicionada ao pagamento pelo ora autor do montante de € 2.500,00 (dois mil e quinhentos euros) por alegados “custos de armazenagem dos bens”;
h) valor que o ora Autor considerou exagerado e por isso recusou-se a pagar, por abusivo, vendo-se impedido assim de aceder aos seus próprios bens.
i) foi decidido elaborar uma interpelação extrajudicial prévia no sentido de eventualmente se chegar a uma solução amigável;
j) tendo sido transmitido ao autor, pelo ora réu, que a referida interpelação já teria seguido via correios, mas da qual o autor nunca conheceu o referido conteúdo ou mesmo se foi recebida pelos ditos senhorios e em que data;
k) tendo insistido com o ora réu no sentido de conhecer o ponto de situação da referida carta, mas sem sucesso, tendo obtido uma resposta pouco clarificadora;
l) O autor ficou convencido de que a ação já teria dado entrada em tribunal e mesmo que estaria a aguardar contestação dos senhorios;
m) o autor está até à presente data privado dos seus bens, correndo os mesmos sérios riscos de dissipação e sonegação, agravado pelo decorrer do tempo, desconhecendo mesmo se os referidos bens ainda se encontram na referida garagem, desconhecendo o respetivo estado de conservação;
n) O autor está privado do uso dos seus próprios bens há mais de 4 anos porque entregou ao patrono nomeado a defesa da sua causa, o qual omitiu a interposição da ação de reivindicação dos bens, sendo que esta omissão de interposição de ação apenas se tornou de conhecimento efetivo do ora autor quando em gosto de 2018 lhe terá transmitido que
não iria interpor a referida ação por alegada falta de elementos bastantes;
o) está definitivamente precludido desde 2017 o direito do ora autor a interpor a referida ação cível com benefício de apoio judiciário;
p) não tendo o autor condições económicas para litigar em juízo sem a dispensa total de taxa de justiça e demais encargos e do Pagamento da compensação de Patrono;
q) o autor sente, desde então, desgosto anímico e psicológico, numa situação geradora de grande transtorno e incómodo, sofrendo a angústia e o desgosto provocados pela postura inusitada do réu face à expectativa legitimamente criada aquando da nomeação enquanto Patrono para a propositura da ação de reivindicação dos seus bens;
r) receando seriamente que já não possa existir resolução breve à vista para o seu problema, continuando privado dos seus bens;
s) situação agravada pelo facto de o autor já ter tido que adquirir iguais bens a alguns dos que ficaram depositados na garagem, por deles necessitar;
t) continuando privado dos seus bens, alguns dos quais com grande valor sentimental.
u) O réu nunca comunicou à interveniente Seguradora, os factos e circunstâncias em causa bem como a responsabilidade dos mesmos poderem dar origem a uma “Reclamação” e a possível responsabilização, decorrente do exercício da sua profissão de Advogado, nos termos em que se encontrava obrigado pelo contrato de Seguro aqui em questão e que constitui requisito prévio à assunção, pela Seguradora ora Ré, de qualquer obrigação decorrente da Apólice ...”.
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IV - Do objeto do recurso:

1 - Da impugnação da matéria de facto:

1.1. Em sede de recurso, os apelantes subordinados impugnam a decisão sobre a matéria de facto proferida pelo tribunal de 1.ª instância.
Dispõe o art.º 640.º do C. P. Civil, que:
1- Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) (…);
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3 - O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636º”.
A jurisprudência tem entendido que desta norma resulta um conjunto de ónus para o recorrente que visa impugnar a decisão proferida sobre a matéria de facto.
Nas palavras do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 01/10/2015, da Juiz Conselheira Ana Luísa Geraldes, proc. 824/11.3TTLRS.L1.S1 in www.dgsi.pt, das normas aplicáveis resulta que “recai sobre a parte Recorrente um triplo ónus:
Primo: circunscrever ou delimitar o âmbito do recurso, indicando claramente os segmentos da decisão que considera viciados por erro de julgamento;
Secundo: fundamentar, em termos concludentes, as razões da sua discordância, concretizando e apreciando criticamente os meios probatórios constantes dos autos ou da gravação que, no seu entender, impliquem uma decisão diversa;
Tertio: enunciar qual a decisão que, em seu entender, deve ter lugar relativamente às questões de facto impugnadas.
Ónus tripartido que encontra nos princípios estruturantes da cooperação, da lealdade e boa-fé processuais a sua ratio e que visa garantir, em última análise, a seriedade do próprio recurso instaurado, arredando eventuais manobras dilatórias de protelamento do trânsito em julgado da decisão”.
Estes ónus exigem que a impugnação da matéria de facto seja precisa, visando o regime vigente dois objetivos: “sanar dúvidas que o anterior preceito ainda suscitava e reforçar o ónus de alegação imposto ao recorrente, prevendo que deixe expressa a decisão alternativa que, em seu entender, deve ser proferida pela Relação em sede de reapreciação dos meios de prova” (cfr. Abrantes Geraldes, in Recursos em Processo Civil, pág. 198).
Recai assim sobre o recorrente o ónus de, sob pena de rejeição do recurso, determinar com toda a precisão os concretos pontos da decisão que pretendem questionar (delimitar o objeto do recurso), motivar o seu recurso através da transcrição das passagens da gravação que reproduzem os meios de prova, ou a indicação das passagens da gravação (fundamentação) que, no seu entendimento, impunham decisão diversa sobre cada um dos factos que impugnam e ainda, indicar a solução alternativa que, em seu entender, deve ser proferida pela Relação.
No âmbito da impugnação da matéria de facto não há lugar ao convite ao aperfeiçoamento da alegação, ao contrário do que se verifica quanto às alegações de direito (vide, por todos, Abrantes Geraldes, no livro já citado, pág. 199).
Analisadas as alegações apresentadas, o recorrente indica de forma correta os factos que pretende sejam decididos de forma diversa, fundamentando a sua alegação em concretos meios probatórios que entende permitir concluir no sentido por si proposto, fazendo menção aos específicos momentos da gravação que está a considerar, quando aplicável, nada obstando assim à reapreciação da matéria de facto da decisão recorrida.
Veja-se, por todos, a jurisprudência citada no Acórdão recente do Supremo Tribunal de Justiça de 12/10/2023, da Juiz Conselheira Maria da Graça Trigo, proc. 1/20.2T8AVR.P1.S1, e em particular o Acórdão do mesmo Tribunal de 10/12/2020 (proc. n.º 274/17.8T8AVR.P1.S1), nele citado, que estabelece que “na verificação do cumprimento dos ónus de alegação previstos no art. 640.º do CPC, os aspetos de ordem formal devem ser modelados em função dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, dando-se prevalência à dimensão substancial sobre a estritamente formal”.
*
2.1. Nos termos do art.º 662.º, n.º 1, do C. P. Civil, “a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”.
Como se refere no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 12/10/2023, da Juiz Desembargadora Margarida Gomes, proc. 2199/18.3T8BRG.G1, in www.dgsi.pt, “a reapreciação da prova pela 2ª Instância, não visa obter uma nova e diferente convicção, mas antes apreciar se a convicção do Tribunal a quo tem suporte razoável, à luz das regras da experiência comum e da lógica, atendendo aos elementos de prova que constam dos autos, aferindo-se, assim, se houve erro de julgamento na apreciação da prova e na decisão da matéria de facto.
De todo o modo, necessário se torna que os elementos de prova se revelem inequívocos no sentido pretendido pelo recorrente, impondo, pois, decisão diversa da proferida pelo tribunal recorrido, conforme a parte final da al. a) do nº 1 do artº 640º, do Código de Processo Civil.
Competirá assim, ao Tribunal da Relação reapreciar as provas em que assentou a parte impugnada da decisão, atendendo ao conteúdo das alegações do recorrente, sem prejuízo de oficiosamente atender a quaisquer outros elementos probatórios que hajam servido de fundamento à decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados”.
Estão em causa os factos não provados sob as alíneas a), b), c), d), e), f), i) e k).
“a) que os alegados terceiros referidos em 3.º, dos factos provados eram o Sr. DD e a Sra. EE, em concreto os senhorios de um apartamento do qual o ora Autor fora arrendatário;
b) que se situa num edifício da cidade ..., sito na Praça ...;
c) do qual o respetivo contrato de arrendamento teve o seu início em setembro de 2014, tendo-se o autor por motivos de força maior e passados cerca de 4 meses visto forçado a resolver o contrato de arrendamento, tendo, contudo, deixado vários dos seus bens pessoais numa garagem pertencente aos referidos senhorios e situada no mesmo edifício;
d) os bens que ali foram deixados e que eram pertença do autor eram os seguintes:
1- Mala de discos ..., contendo mais de 109 DVDs.
2- 2 sacos contendo vários DVDs.
3- Moto ....
4- 4 Candeeiros de teto em caixas brancas vindo ... e FF tudo em led.
5- ... de cozinha marca ....
6- 4 Cobertores brancos com desenhos.
7- Power Box ....
8- 4 Cestos brancos contendo talheres, pratos, copos, frascos grandes, taças de sobremesa da marca ... e ....
9- Saco de Carrinho com rodas em tecido.
10- Pinheiro de Natal verde com a decoração alusiva ao Natal e uma tira em led branca tudo da marca ....
11- Botija de Gás ... com o redutor.
12- 2 Sacos repletos de cabos para material de discotecas.
13- Mala de Faqueiro ouro branco do ...;
e) tais tinham o valor global de € 15.000,00 (quinze mil euros);
f) sendo estes os bens que o ora Autor pretendia ver reivindicados, por se encontrarem depositados na garagem dos referidos senhorios e por estes se terem recusado a devolvê-los depois de devidamente interpelados para o efeito pelo autor;
i) foi decidido elaborar uma interpelação extrajudicial prévia no sentido de eventualmente se chegar a uma solução amigável;
k) tendo insistido com o ora réu no sentido de conhecer o ponto de situação da referida carta, mas sem sucesso, tendo obtido uma resposta pouco clarificadora”.
O autor fundamenta a sua impugnação sobre a matéria de facto, no essencial, nas declarações de parte por si prestadas.
Elencando o pensamento doutrinário sobre este meio de prova, no Acórdão deste Tribunal da Relação de Guimarães de 12/10/2023, da Juiz Desembargadora Raquel Rego, proc. 1059/19.2T8CHV.G1, in www.dgsi.pt, vemos três posições diferentes:
Assim, adotando, neste domínio, o princípio da prova, veja-se Carolina Henriques Martins, Declarações de Parte, Universidade de Coimbra, 2015, p. 58, quando escreve que «Caso se considere útil a audição da parte nesta sede quando coexistem outros meios de prova, propomos a sua apreciação como um princípio de prova, equivalente ao mencionado argomenti di prova italiano, que não deixará de auxiliar na persuasão do juiz, mas que apenas o fará em correlação com a restante prova já produzida contribuindo para a sua (des)credibilização, e apenas nesta medida».
Integrando a segunda posição, está Lebre de Freitas, “A ação Declarativa Comum, à luz do Código de Processo Civil de 2013”, 4ª edição, pag. 322, editora Gestlegal, Lebre de Freitas consignando que «a apreciação que o juiz faça das declarações de parte importará sobretudo como elemento de clarificação do resultado das provas produzidas e, quando outros não haja, como prova subsidiária, maxime se ambas as partes tiverem sido efetivamente ouvidas».
Finalmente, sendo defensora da terceira, Catarina Gomes Pedra, “A Prova por Declarações das Partes no Novo Código de Processo Civil. Em Busca da Verdade Material no Processo”, Escola de Direito, Universidade do Minho, 2014, p. 145, ao escrever que «não pode esquecer-se que a limitação do valor probatório das declarações das partes, como, de resto, a sua compreensão no contexto de um meio de prova subsidiário, pode consubstanciar, em determinadas situações, uma violação do princípio da igualdade de armas previsto no artigo 6º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem»”.
Como aí se conclui “é acertado dizer-se que as declarações de parte, pela sua própria natureza, exigem do julgador um redobrado cuidado de apreciação e exigência quanto à veracidade do seu conteúdo, posto que não deixam de estar imbuídas de um interesse pessoal na sorte da lide.
Todavia, entender que, sozinhas, não podem valer como meio de prova equivaleria a uma revogação material do conteúdo da norma, cujo poder ao tribunal não assiste”.
O Tribunal de 1.ª Instância expressamente defendeu que as declarações de parte poderiam constituir o único meio de prova produzido a permitir a afirmação de determinado facto, sem que para essa afirmação concorressem outros meios de prova.
Não é esta, porém, a questão suscitada neste recurso, pois que o Mm.º Juiz a quo não desvalorizou as declarações de parte por entender que, sozinhas, não eram suficientes para a afirmação dos factos não provados, mas porque entendeu que as mesmas não lhe mereciam, no contexto da demais prova produzida, qualquer credibilidade.
Começa por acentuar-se a questão da existência e cessação do contrato de arrendamento que está na origem da alegada ligação do autor aos terceiros que estariam na detenção dos bens de que arroga proprietário.
Não existe documento que comprove o contrato de arrendamento, mas referiu o réu nas suas declarações que os alegados senhorios emitiam recibos da quantia mensal que lhes entregava a título de renda.
Este Tribunal manifesta as mesmas dúvidas que o Tribunal a quo quanto a estas declarações: por regra quem não tem contrato escrito de arrendamento, não declara esses rendimentos à autoridade tributária e, como tal, não emite recibos das quantias que possa receber, sendo, por isso, inverosímil a versão apresentada pelo autor.
Por outro lado, o que está alegado na petição inicial sobre o fundamento da cessação do alegado contrato de arrendamento não foi confirmado pelas declarações do autor. Na petição inicial, alega-se que o contrato de arrendamento terminou por razões de força maior, nas declarações do autor porque arranjou melhor local para habitar. Ora, se se percebia que deixasse ficar bens que alegava serem seus numa situação em que o alegado arrendamento terminou por razões de força maior, já perde sentido que ficassem os seus bens à guarda de ex senhorios se, afinal, mudou de residência porque arranjou um local melhor para viver.
Começou logo com estas afirmações iniciais a falta de credibilidade destas declarações de parte do autor.
Mas estas tornaram-se ainda menos assertivas quando o autor foi questionado sobre os bens que alegava serem de sua propriedade e que foram deixados na alegada garagem. A identificação dos bens começou por ser claramente hesitante e titubeante, só passando a ser assertiva quando o autor passou a ler a listagem dos mesmos que está demonstrado ter enviado ao réu (como é claramente percetível na audição do seu depoimento).
Ou seja, apenas quando recordado do que escreveu então, identificou de forma assertiva os bens em causa.
Mais relevante ainda foi a forma como se referiu ao valor dos bens em causa – 15.000,00 euros. Por um lado, dizendo que era essencialmente por causa do valor do faqueiro quando o valor que indicou para este era de pouco mais de metade daquele montante, sem dar qualquer explicação para o restante valor por reporte a cada um dos demais objetos.
Ou seja, 15.000,00 euros foi o valor que o autor indicou para os bens, sem que tivesse indicado qualquer razão de ciência para qualquer um deles, com exceção do faqueiro que afirmou ter sido comprado pelo pai pelo valor por si indicado.
Por outro lado, o tribunal não pode ignorar as fotografias juntas pelo próprio autor relativas à alegada garagem, a cores (no suporte eletrónico), sendo absolutamente inverosímil que, naquele local, estivessem guardados bens no valor de 15.000,00 euros (naquelas fotografias apenas se vê um amontoado de coisas desordenadas – e não guardadas – aparentemente sem qualquer valor).
E, por fim, não há como deixar de relevar o documento junto pelo réu com a contestação, relativo à página de facebook do autor (sobre o qual este apenas disse “vem impugnar expressamente o sentido que o Réu lhes pretende atribuir”). A descrição da atividade laboral passada do autor está efetuada de tal forma inverosímil que, por si só, retira às suas declarações de parte qualquer credibilidade sobre tudo o que possa ter dito relacionado com os factos em discussão nestes autos.
As declarações de parte do autor não foram, pois, meio probatório com credibilidade suficiente para que a matéria de facto não provada agora impugnada fosse considerada provada.
Bem andou o Tribunal a quo quando desconsiderou tudo o que foi referido pelo autor e que não foi corroborado por qualquer outro meio de prova, sendo certo que a matéria de facto que foi considerada provada não foi colocada em causa pelo autor e, assim, não merece discussão.
Afirma ainda o autor existir uma contradição entre o ponto 5 da matéria de facto provada e o ponto d) da matéria de facto não provada e um “conflito” entre a alínea i) dos factos não provados e os pontos 12 e 13 dados como provados e a alínea k) dos factos não provados e os pontos 6 e 7 da matéria de facto provada.
Não vemos onde exista esta contradição ou conflito.
Dar como provado que a listagem de bens foi enviada pelo autor ao réu (facto provado no ponto 5), para a qual existe prova documental e foi confirmado até pelo réu, não implica que se considere provado que o que consta dessa lista foi deixado numa garagem e muito menos que os bens constantes dessa lista pertenciam ao autor.
Como se disse, sobre o facto da alínea d) da matéria de facto não provada, não foi produzida qualquer prova.
De igual modo, dar como provado que o autor pretendia o envio de uma carta e as condições em que o réu aceitou envia-la (factos 12 e 13 da matéria de facto provada), não implica que se dê como provado que estava já decidido que seria enviada (alínea i) dos factos não provados), pois que o que se provou foi, apenas, que seria enviada se fossem prestadas as informações solicitadas.
Ou seja, perante as informações solicitadas pelo réu, não estava ainda decidido que seria elaborada a interpelação extrajudicial, pois que esta só seria remetida se as informações fossem prestadas.
O mesmo acontece com a alínea k) dos factos não provados e os factos 6 e 7 da matéria de facto provada.
Do que consta dos factos provados – com o auxílio dos documentos juntos – não se retira que o réu tenha alguma vez referido ter já remetido a referida interpelação extrajudicial. À pergunta “quero saber se já enviou a carta e temos novidades”, o réu respondeu “nenhuma novidade. Agradecia que me fosse entregue assim que possível a relação de bens, assim como os valores correspondentes e faturas de compra (se tiver)”.
Não percebe o Tribunal de onde retira o autor recorrente que estas afirmações entram em conflito com o que está dado como não provado na alínea k) da matéria de facto não provada.
Alega ainda o autor, a propósito da alínea p) dos factos não provados, que constitui “sempre uma extrapolação considerar como não provado o ponto p)”, pois “que mais que ajuizar sob pré-conceitos de experiência comum, compete ao tribunal a quo, nesta ação em concreto apurar se de facto houve ou não houve falhas na atuação do mandatário, ora Réu no patrocínio forense”.
            Em rigor, não é possível sequer afirmar-se que o autor está a colocar em causa o facto que foi dado como não provado, já que nunca alega que o mesmo possa ser dado como provado e com que fundamento o seria.
Sem prejuízo, sempre se dirá que bem andou o Mm.º Juiz a quo que considerou tal facto como não provado, considerando as referências por si elencadas na decisão da matéria de facto sobre as sucessivas deslocações do autor ao estrangeiro (que, nas suas declarações, afirmou ainda ter adquirido os candeeiros que dizia serem seus em ...), chamando-se ainda à atenção para o que consta da página de facebook imputada ao autor pelo réu, junta como documento com a contestação, em que descreve as suas múltiplas atividades laborais (presumivelmente geradoras de rendimentos) e sobre a qual o autor se limitou a “impugnar expressamente o sentido que o réu lhe pretende atribuir”.
Mantém-se assim, na íntegra, a factualidade provada e não provada que consta da decisão proferida pelo Tribunal a quo.
*
2 – Os factos a considerar são assim os que supra se elencaram que, aqui, nos abstemos de reproduzir.
*
3 - Não tendo havido qualquer alteração da decisão sobre a matéria de facto, e dependendo o mérito do recurso interposto integralmente dessa modificação, nos termos do art.º 608.º, nº2, aplicável ex vi n.º2 do art.º 663.º, ambos do C. P. Civil, nenhuma censura nos merece a decisão recorrida no âmbito da subsunção dos factos às normas legais correspondentes, temos que a apelação terá de ser julgada improcedente, mantendo-se e confirmando-se a bem elaborada sentença recorrida.
Cumpre, apenas, acrescentar o seguinte:
O pressuposto desta ação era a conduta ilícita do réu por não ter proposto a ação que o autor pretendia ver intentada e que se traduzia na reivindicação de bens móveis que alegava serem de sua propriedade.
A ação não foi efetivamente proposta e o réu demonstrou os factos alegados e que justificavam a sua conduta.
Ainda que, porém, se tivesse demonstrado a conduta ilícita do autor em não propor a ação, sempre seria improcedente esta ação.
Explicando:
A especificidade do mandato forense é a de que os atos a praticar são atos judiciais, a terem lugar no âmbito de processos judiciais (art.º 44.º, n.º 1, do C. P. Civil). Tal mandato é representativo, como resulta desta norma, à semelhança daquele que é constituído por procuração, nos termos do art.º 262.º, nº 1, do C. Civil.
Cabe ao mandatário a prática dos atos compreendidos no mandato, segundo as instruções do mandante, nos termos do art.º 1161º, alínea a), do C. Civil.
No caso do mandato forense, a definição dos procedimentos e do conteúdo e forma dos atos a praticar na sua execução insere-se já numa esfera de autonomia profissional e independência técnica e estratégica, impostas pela tecnicidade da matéria, que deve reconhecer-se ao mandatário. É, de resto, essa tecnicidade, em conexão com a relevância axiológica ou económica das situações jurídicas, que justifica a necessidade, por vezes incontornável, da assistência de um mandatário forense na prática de determinados atos judiciais.
A prestação devida pelo mandatário é uma prestação de meios e não uma obrigação de resultado: o que ao advogado compete é atender os interesses do mandante, seu cliente, e utilizar os meios possíveis e ajustados para a sua realização.
Mas não se obriga ao sucesso da demanda.
A este propósito, Paulo Correia, em estudo publicado na Revista do Ministério Público nº 119, ano 30 (Jul-Set 2009), com o título “da responsabilidade civil do advogado pelo incumprimento dos deveres de competência e de zelo”) afirma: “aquilo que pode oferecer ao mandante são os seus conhecimentos, o seu trabalho, esforço, prudência, sagacidade e apego na satisfação da pretensão. O advogado, tal como o médico, não promete a cura do paciente, mas sim o tratamento adequado, segundo as normas de prudência, perícia, diligência e padrão de conduta ético por parte do profissional no sentido de obter os melhores resultados. Logo, não se pode imputar ao patrono nenhuma responsabilidade pelo insucesso da causa, se o mesmo agiu corretamente no patrocínio da mesma”.
Assim, não se compreendendo na obrigação de um mandatário forense a obtenção de um determinado resultado na causa em que representa o mandante, impõe-se-lhe já o cumprimento pontual e escrupuloso dos deveres consignados no respetivo estatuto, bem como todos aqueles que a lei lhe impõe, designadamente, para com os clientes. Impõe-se-lhe o estudo e o tratamento zeloso da situação jurídica em que representa o mandante, devendo usar todos os recursos da sua experiência, saber e atividade. Impõe-se-lhe assim que exerça o mandato com a diligência de um bom pai de família, na consideração da diligência do homem médio, mas também em função das especificidades inerentes ao tipo de mandato e às circunstâncias em que é executado.
Será em sede desse vínculo contratual que se situará uma eventual responsabilidade do mandatário, no caso de incumprimento da respetiva obrigação, do que resultem danos para o mandante. Estaremos, por isso, perante uma hipótese de responsabilidade contratual.
Tal como se referiu no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 22/05/2012, in dgsi.pt, "a preterição desses seus deveres pode fazer incorrer em responsabilidade civil (art. 92º, nº 1, final, do EOA); sendo, segundo cremos, corrente a jurisprudência no sentido de que a responsabilidade do advogado pelos danos causados ao seu cliente, no âmbito e exercício do mandato forense, tem natureza contratual, uma vez que decorre da violação de deveres jurídicos emergentes do contrato com ele firmado. Nesse particular, o facto ilícito constituir-se-á do comportamento consistente na preterição de vínculos decorrente do contrato firmado (art. 798º do C. Civil); o juízo de censura presumir-se-á (art. 799º, nº 1, do C. Civil); e o prejuízo, consistente na quebra que se faça sentir na esfera do lesado, há-de ter sido adequadamente gerado por aquele comportamento (art. 563º do C. Civil)”.
Estabelece o art.º 798º do C. Civil que o devedor que falta culposamente ao cumprimento da obrigação torna-se responsável pelo prejuízo que causa ao credor.
O devedor tem assim de reparar o dano causado, definindo o art.º 562º do C. Civil que deve reconstituir a situação que existia se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação, sendo que esta obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria se não fosse lesado.
Há, pois, que verificar se, tivesse o réu interposto a ação esta teria sido procedente.
É, pois, necessário indagar da existência de um nexo de causalidade entre a conduta ilícita e culposa (se esta existisse) e o dano.
Esta questão tem sido tratada como perda de chance, conforme se refere nos Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 29/04/2010 e 05/02/2013 disponíveis in www.dgsi.pt. em que se defende que, no domínio da responsabilidade civil contratual ou aquiliana“…a perda de chance mais não é do que uma oportunidade de obter uma futura vantagem patrimonial que se gorou. Trata-se de “imaginar” ou prever a situação que ocorreria não fora o ilícito”.
O Tribunal seguirá aqui de perto o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 09/07/2015, proc. 5105/12.2TBXL.L1.S1, in www.dgsi.pt, em que foi relator o Juiz Conselheiro Manuel Tomé Gomes, na parte em que afirma “a questão da ressarcibilidade do chamado dano por perda de chance é uma questão cuja problemática repousa na dificuldade em saber se estamos perante um dano tutelado pela nossa ordem jurídica e, em caso afirmativo, qual o critério a adotar”.
Como nesse Acórdão se refere, reportando-se a várias posições doutrinais e jurisprudenciais sobre a valoração da perda de chance, “pode concluir-se que a orientação dominante da jurisprudência do SJ vai no sentido de que a perda de chances processuais não constitui um dano autónomo e da causalidade adequada, com ressalva das hipóteses em que a prova permita com elevado grau de probabilidade ou verosimilhança concluir que o lesado obteria certo benefício não fora a chance perdida”.
E continua, por reporte aos critérios balizadores dos arts.º 562.º a 566.º do C. Civil, “importa reconhecer que a responsabilidade civil no nosso direito tem como primordial a função compensatória, ou seja, a reparação do dano, condição essencial e limite da obrigação de indemnizar, ainda que dentro de tais limites se contenham funções acessórias preventivas e mesmo sancionatórias, como decorre da possibilidade de limitação da indemnização aquém do montante do dano causado, nos termos do art. 494º do C. Civil. Nessa linha é pertinente considerar que a obrigação de indemnizar tem como balizas, por um lado, o princípio da reparação integral do dano e, por outro, a proibição do enriquecimento sem causa do lesado à custa da indemnização”.
Como se refere no Acórdão citado “no campo da responsabilidade civil contratual por perda de chances processuais, em vez de se partir do princípio de que o sucesso de cada ação é, à partida, indemonstrável, talvez valha a pena questionar, perante cada hipótese concreta, qual o grau de probabilidade segura desse sucesso, pois pode muito bem acontecer que o sucesso de determinada ação, à luz de um desenvolvimento normal e típico, possa ser perspetivado como uma ocorrência altamente demonstrável, à face da doutrina e jurisprudência então existentes.
Nessa linha, será de aceitar que uma vantagem perdida por decorrência de um evento lesivo, desde que consistente e séria, ou seja com elevado índice de probabilidade, possa ser qualificada como um dano autónomo, não obstante a impossibilidade absoluta do resultado tido em vista.
De resto, mesmo a jurisprudência do STJ admite a relevância de situações muito pontuais, desde que a prova permita, com elevado grau de probabilidade, ou verosimilhança, concluir que o lesado obteria certo benefício não fora a chance perdida. Esta ressalva mais não parece do que admitir afinal o dano por perda de chance na base de um juízo de probabilidade elevado e que só poderá ser aferido em cada caso concreto. O que parece discutível é se deve ser feito de forma categorial ou se em função da espécie do caso, como propendemos a admitir”.
Decorre do exposto que da alegada conduta ilícita do réu não nasce, sem mais, qualquer obrigação de indemnizar, ao contrário do que parece supor o autor, considerando os factos que foram singelamente por si alegados na petição.
A particularidade que ocorre na situação de “perda de chance” consiste em saber como determinar a certeza do dano e respetivo montante quando o advogado descuida o processo e a falta é contrária aos interesses do seu cliente, sendo certo que quem demanda ou é demandado tem à sua frente um resultado incerto.
Ora, na situação em apreço, nenhuma alegação faz o autor no sentido dessa probabilidade de sucesso da ação que viesse a propor, limitando-se a concluir que a perda da demanda resulta da sua não propositura (e só assim se justificando que o valor peticionado se reporte ao valor dos bens e alegados danos não patrimoniais).
O Pleno das Secções Cíveis do Supremo Tribunal de Justiça em Acórdão Uniformizador de Jurisprudência, no Proc. nº 34545/15.3T8LSB.L1.S2-A, de 05/07/2021, votou a seguinte jurisprudência: “o dano da perda de chance, fundamento da obrigação de indemnizar, tem de ser consistente e sério, cabendo ao lesado o ónus da prova de tal consistência e seriedade”.
Assim, considerando a jurisprudência a que supra nos referimos, entendemos que, no caso concreto, não está alegado qualquer nexo causal entre o alegado facto ilícito – a não propositura da ação de reivindicação – e o dano que se pretende seja indemnizado – o valor dos bens a reivindicar.
O autor limitou-se a estruturar a sua pretensão no sentido de ser suficiente para exigir uma indemnização do réu Patrono, o mero facto de este ter omitido o dever de propor a ação.
Inexistem nos autos factos alegados que permitam assegurar que, caso aquela ação tivesse sido proposta, esta procederia ou, sequer, que era sério, real e muito provável o desfecho favorável da ação para o autor.
Ora, não vemos como, nem o autor alega, através da propositura da ação a mesma lograria ser procedente, demonstrando aquele que os bens que identifica lhe pertenciam, pois que para tal teria o autor de a alegar uma causa originária de aquisição do direito de propriedade sobre os bens que identifica, à qual não é feita qualquer referência, limitando-se o autor a afirmar, aqui, de forma conclusiva que os bens lhe pertenciam.
Note-se que, como bem salienta o Mm.º Juiz a quo na sentença proferida, a não propositura da ação de reivindicação com o apoio judiciário que lhe foi concedido e no âmbito do qual foi o réu nomeado como patrono, não impedia o autor de a propor, ainda que com recurso a outro pedido de apoio judiciário, depois de se verificar a caducidade da proteção jurídica concedida.
Como aí se refere “esteve, e está, sempre em tempo de intentar a pretendida ação, desde que reúna os elementos probatórios necessários para o efeito, sendo certo o decurso do prazo previsto no artº 11.º, nº 1, al. b), da Lei n.º 34/2004, apenas implica a caducidade daquela concreta proteção jurídica, concedida naquele concreto processo administrativo, nada obstando a que o autor pedisse novo apoio judiciário e procurasse intentar nova ação, reunidas, como é óbvio as condições que, no caso, não proporcionou ao réu”.
Note-se que a caducidade da proteção jurídica não se verifica pelo mero decurso do prazo de um ano sem que tenha sido instaurada a ação, como parece entender o autor, mas pelo decurso desse prazo sem a instauração da ação, “por razão imputável ao requerente”.
Quer isto dizer que a simples não propositura da ação no prazo de um ano, se fosse imputável ao réu (e não ao autor), não teria sequer conduzido à caducidade da proteção jurídica concedida.
Ora, o dano patrimonial que o autor invoca é, precisamente, e apenas, a perda dos bens, pois que peticiona a condenação do réu a pagar-lhe o valor que indica como sendo o daqueles.
Podendo, ainda hoje, ser proposta a ação de reivindicação, nunca existiria entre a sua não propositura pelo réu e a perda dos bens qualquer nexo causal, a não ser que estes tivessem sido destruídos ou estivessem danificados, facto que não foi alegado.
Quanto aos danos não patrimoniais alegados, estes não se demonstraram e, quanto a essa matéria, nenhuma impugnação da matéria de facto foi efetuada pelo autor. 
Concluímos assim que, ainda que se tivessem demonstrados os factos alegados pelo autor, no que se refere ao facto ilícito que imputa réu, ainda assim não poderia esta ação ser procedente, pois que inexistia qualquer relação entre o este facto e o dano patrimonial alegadamente sofrido.

4 – Insurge-se ainda o recorrente quanta sua condenação como litigante de má-fé.
Alega que, no limite, estará em causa uma diferente interpretação das normas legais, tendo-se limitado a apresentar a sua versão dos factos, fundamentada por suporte documental, depoimentos de testemunhas e declarações das partes.
Conclui que “efetivamente, o próprio Tribunal a quo torna verosímil a posição do Autor ao dar como provados os Ponto 3º a 21º os quais, no fundo resumem em parte a versão daquele, ou seja que houve interação com o Réu no sentido de a ação ser viável, de facto e de direito, pois caso contrário teria sido liminarmente assumida essa inviabilidade pelo Réu, mas de facto assim não sucedeu”.
Começa por evidenciar-se que o autor não discute o montante da multa aplicada, mas apenas a condenação como litigante de má-fé.
Vejamos se existe fundamento para alterar tal condenação.
Resulta do art.º 542.º do C. P. Civil que é sancionável a título de má-fé, não apenas a lide dolosa, mas também a lide temerária, quando as regras de conduta processual conformes com a boa-fé são violadas com culpa grave ou erro grosseiro.
O que há assim que perceber é se a atuação do autor ultrapassa os limites que a ordem jurídica definiu para que possa exercer os seus direitos, considerando-se que a sua litigância é uma afronta aos princípios da boa-fé e da lisura processuais.
A condenação como litigante de má-fé do réu não teve por fundamento diferente interpretação das normas legais ou a não prova dos factos alegados pelo autor.
Se a conduta do autor se enquadrasse em qualquer destas situações, como resulta do que foi escrito anteriormente, inexistiria fundamento para a sua condenação como litigante de má-fé (e este é também o entendimento da decisão proferida).
Como se disse na sentença proferida “provou-se ao invés do que o mesmo alegava, que réu informou o autor que, para a construção das petições iniciais necessitava de: a. descrição pormenorizada dos bens, b. Indicação do local onde os mesmos se localizariam, com morada completa, c. Apresentação de documento idóneo a demonstrar que os bens lhe pertenciam, d. Indicação da identidade completa da pessoa contra quem se iria apresentar a ação; e se para uma outra ação forneceu todos os elementos, para aquela de que estes autos, mediatamente, se ocupam, o autor não apresentou ao réu a morada completa e o nome completo do “dono da garagem”, bem como demonstração da propriedade dos bens; tendo reiterado que não tinha intenção de “intentar ação” mas apenas pressionar um tal “dono da garagem” a lhe devolver uns bens que “seriam seus”, tendo pedido a este Colega do Réu para o acompanhar à garagem para espreitar e ver que os seus bens estavam lá dentro; que o réu insistiu, verbalmente e por escrito pela apresentação dos documentos e demais provas que o autor dizia ter e que ficou de apresentar, o que nunca chegou a fazer – factos provados 10.º a 19.º.
Ou seja, resulta provado que o autor, com o intuito de obter vencimento na presente ação, alegou – comunicando ao seu Advogado, que por sua vez os fez verter na petição inicial – factos que tinha que saber serem falsos. Na realidade não podia o autor deixar de saber que não tinha dado os dados minimamente necessários para a instauração da ação que alegadamente pretendia instaurar, não podia deixar de saber que havia insistido em ‘pressionar o dono da garagem’ ao invés de intentar uma ação judicial.
Ou seja, o autor alegou, na sua petição, factos constitutivos da causa de pedir que sabia não serem verdadeiros, alterando a verdade dos factos a fim de deduzir obter eventual vencimento, cuja falta de fundamento não podia deixar de conhecer, assim integrando o estatuído nas als. a) e b) do n.º 2 do artº 542.º, do C.P.C. e contrariamente ao que sucede relativamente aos factos de que não se fez prova – em que tudo se passa como se tais factos não tivessem sido sequer alegados, não podendo retirar-se deles qualquer consequência jurídica, designadamente a prova do facto inverso, com exceção da imposta pelas regras do ónus da prova (Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 10/01/2019, relator Aristides Rodrigues de Almeida, processo 21800/16.4T8PRT-A) – a demonstração dos factos atinentes à falta de colaboração do autor com o réu, no sentido de instruir minimamente a ação pretendida permite afirmar que o réu não só deduziu pedido cuja falta de fundamento não devia ignorar, como igualmente alterou (deturpou) a verdade dos factos relevantes para a decisão da causa, permitindo consubstanciar os pressupostos da litigância de má-fé, em sentido idêntico (Mutatis mutandis) ao entendimento adotado no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18/10/2018 (Relator: Ilídio Sacarrão Martins, processo 74300/16.1YIPRT.E1-A. S1), assim como no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 04/07/2019 (Relatora: Maria da Graça Trigo, processo 7070/17.0T8VNF.G1. S1)”.
Concordámos na íntegra com esta fundamentação de direito.
Como se escreveu no Acórdão deste Tribunal da Relação de Guimarães de 30/03/2023, da Juiz Desembargadora Fernanda Proença Fernandes, proc. 159/20.0T8MLG.G1, in www.dgsi.ptse a parte, com propósito malicioso, ou seja, com má-fé material, pretender convencer o tribunal de um facto ou de uma pretensão que sabe ser ilegítima, distorcendo a realidade por si conhecida, ou se, voluntariamente, fizer do processo um uso reprovável ou deduzir oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar - má-fé instrumental -, deve ser condenada como litigante de má-fé”.
Deve ainda ter-se em atenção que “não é humanamente exigível às partes que sejam inteiramente objetivas, pelos diversos matizes que a realidade sempre apresenta, vistas sob diferentes prismas, sendo percetível que as partes têm uma relação emocional com estas, sofrendo na sua vida as questões em debate, os problemas ocorridos, o peso do litígio.
Não pode, no entanto, ser tolerado que a parte recorra ao processo, sabendo não ter razão ou quando apenas não tem essa consciência porque se furtou a evidentes deveres de cuidado e zelo a que o respeito pela Justiça, pelos Tribunais e pela parte contrária, exigiam ou faça do mesmo uso que de forma grave ponha em causa as suas finalidades” – nas palavras do Acórdão desta Relação de Guimarães de 14/09/2023, da aqui Juiz Desembargadora Adjunta Sandra Melo, proc. 3509/22.1T8GMRG.G1, in www. dgsi.pt.
Não existe na situação dos autos apenas uma divergência na subsunção jurídica da situação de facto trazida a juízo ou uma perceção do autor sobre tal situação. O que existe é uma alegação de factos que o autor sabia não serem verdadeiros, sobre os contactos que estabeleceu com o réu no âmbito do apoio judiciário que lhe foi concedido na modalidade de patrocínio oficioso, tendo em vista precisamente responsabiliza-lo por uma omissão que apenas a si era imputável.
Atuou sabendo que a situação de facto não tinha os contornos por si alegados, provando-se a versão dos factos contrária à sua e que determinou a improcedência da ação.
Os Tribunais não podem tolerar esta forma de litigar, numa situação em que se age com apoio judiciário, estando o Estado a suportar, até agora, todos os custos desta ação.
Existe, assim, fundamento para a condenação do autor como litigante de má-fé, não havendo fundamento para nos pronunciarmos sobre o montante da multa aplicada porquanto o valor da mesma não foi, como se disse, colocado em causa por via do recurso interposto.
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Sumário (ao abrigo do disposto no art.º 663.º, n.º 7, do C. P. Civil):

1 –  Da alegada conduta ilícita do réu advogado não nasce, sem mais, qualquer obrigação de indemnizar.
2 - A particularidade que ocorre na situação de “perda de chance” consiste em saber como determinar a certeza do dano e respetivo montante quando o advogado descuida o processo e a falta é contrária aos interesses do seu cliente, sendo certo que quem demanda ou é demandado tem sempre à sua frente um resultado incerto.
3 – Nestes autos, não está afirmado qualquer nexo causal entre o alegado facto ilícito – a não propositura de ação de reivindicação – e o dano que se pretende seja indemnizado – por reporte ao valor dos bens a reivindicar.
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VI – Decisão:

Perante o exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente a apelação e, em conformidade, manter a decisão recorrida
Quanto a custas, nos termos do art.º 527.º do C. P. Civil, a responsabilidade do seu pagamento é do autor, porque se mostra vencido.
**
A condenação do autor como litigante de má-fé, confirmada por este Acórdão, implica, se a mesma transitar em julgado, o cancelamento da proteção jurídica que lhe foi concedida – art.º 10.º, n.º 1, alínea d), da Lei 34/2004, de 29/07.
O Tribunal da 1.ª Instância deverá comunicar tal facto à Segurança Social, se o mesmo se verificar, pois que a ela compete a decisão de cancelamento da proteção jurídica.
Guimarães, 04 de abril de 2024
(elaborado, revisto e assinado eletronicamente)