Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1840/22.5T8VNF-B.G1
Relator: MARIA AMÁLIA SANTOS
Descritores: EXECUÇÃO DE SENTENÇA
ENTREGA JUDICIAL DE IMÓVEL
CASA DE MORADA DE FAMÍLIA
SUSPENSÃO
LEGISLAÇÃO COVID-19
ARTIGO 6º-E
Nº. 7
B)
DA LEI Nº. 1-A/2020 DE 19/3
CADUCIDADE
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 03/16/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I- O art.º 7º nº1 do Código Civil, intitulado “Cessação da vigência da lei” contém uma exceção à regra de que a revogação de uma lei deve ser revogada por outra, prevendo-se nele a existência de leis destinadas a ter uma vigência temporária, o que é manifestamente o caso das leis publicadas em tempo de Pandemia, e que se destinaram a regular matérias relacionadas com a situação pandémica vivida no nosso país desde 19 de março de 2020, as denominadas pela doutrina “Leis temporárias ou excecionais”.
II- O fundamento principal para a caducidade da Lei nº1-A/2020, de 19 de Março (ou melhor, do art.º 6º-E nº 7, alínea b), daquela Lei - com a redação que lhe foi dada pela Lei nº 13-B/2021, de 5.4), é o desaparecimento da situação que esteve na sua origem ou que lhe deu razão de ser, por se tratar de uma Lei de natureza temporária ou excecional, que não carece de qualquer outra Lei para a sua revogação.
III - A resolução do Conselho de Ministros n.º 73-A/2022, de 26 de Agosto prorrogou a declaração da situação de alerta, no âmbito da pandemia da doença Covid-19, até às 23.59h do dia 30 de Setembro de 2022, em todo o território nacional continental, pelo que desde as 00.00h do dia 01 de Outubro de 2022, não vigora em território nacional qualquer situação de estado de alerta, contingência, calamidade ou emergência decorrente ou relacionado, direta ou indiretamente, com a infeção epidemiológica por SARS-CoV-2 e/ou pandemia da doença COVID-19.
Decisão Texto Integral:
I- RELATÓRIO:

Nos presentes autos de Execução de Sentença (nos próprios autos) em que são exequentes AA, BB e CC, e executados DD e EE, foi proferido nos autos o seguinte despacho (datado de 23-11-2022):

“…A Lei n.º 1-A/2020, de 19/03, na sua redação ordinária, veio estabelecer, no seu artigo 7.º, n.ºs 1 e 11, a suspensão generalizada dos prazos processuais, bem como dos processos de entrega de coisa imóvel arrendada, até «à cessação da situação excecional de prevenção, contenção, mitigação e tratamento da infeção epidemiológica por SARS-CoV-2 e da doença COVID-19», sendo certo que o n.º 2 deste art.º 7 previa, expressamente, que o regime agora descrito cessaria em «data a definir por decreto-lei, no qual se declara o termo da situação excecional».

No entanto, na sequência da alteração introduzida pela Lei n.º 16/2020, de 29/05, este artigo 7.º foi expressamente revogado [cfr. art.º 8.º da Lei n.º 16/2020] e, como que em sua substituição, foi aditado à Lei n.º 1-A/2020 o art.º 6.º-A, com o seguinte teor (nos segmentos aqui relevantes): «1- No decurso da situação excecional de prevenção, contenção, mitigação e tratamento da infeção epidemiológica por SARS-CoV-2 e da doença COVID-19, as diligências a realizar no âmbito dos processos e procedimentos que corram termos nos tribunais judiciais, (…) regem-se pelo regime excecional e transitório previsto no presente artigo. (…) 6- Ficam suspensos no decurso do período de vigência do regime excecional e transitório: (...) b) Os atos a realizar em sede de processo executivo ou de insolvência relacionados com a concretização de diligências de entrega judicial da casa de morada de família (…). Nesta alteração, o legislador revogou expressamente o segmento legal em que fazia depender a cessação deste regime excecional de uma data a definir por Decreto-lei que declarasse o termo da situação excecional, optando, ao invés e pela primeira vez, por mencionar que o regime excecional e transitório previsto no (agora) art.º 6.-A vigoraria enquanto perdurasse a «situação excecional de prevenção, contenção, mitigação e tratamento da infeção epidemiológica por SARS-CoV-2 e da doença COVID-19».
Significa isto que, pela primeira vez e na sequência da Lei n.º 16/2020, de 29/05, o termo do regime excecional instituído pelo art.º 6.º-A da Lei n.º 1-A/2020 deixou de estar dependente da publicação de um diploma legal que o revogasse expressamente, para vigorar temporariamente enquanto se mantivesse a situação excecional «de prevenção, contenção, mitigação e tratamento da infeção epidemiológica por SARS-CoV-2 e da doença COVID-19». Por sua vez, este regime excecional previsto na Lei n.º 1-A/2020 foi alterado pela Lei n.º 4-B/2021, de 01/02 e, posteriormente, pela Lei n.º 13-B/2021, de 05/04, culminando no atual art.º 6.º-E («regime processual excecional e transitório»), com o seguinte teor (nas partes que aqui relevam): «1 - No decurso da situação excecional de prevenção, contenção, mitigação e tratamento da infeção epidemiológica por SARS-CoV-2 e da doença COVID-19, as diligências a realizar no âmbito dos processos e procedimentos que corram termos nos tribunais judiciais, (…) regem-se pelo regime excecional e transitório previsto no presente artigo. (…) 7- Ficam suspensos no decurso do período de vigência do regime excecional e transitório previsto no presente artigo: (…) b) Os atos a realizar em sede de processo executivo ou de insolvência relacionados com a concretização de diligências de entrega judicial da casa de morada de família (…). Este normativo é aquele que ainda hoje se encontra vigente e, de acordo com o seu n.º 1, destina-se a vigorar «no decurso da situação excecional de prevenção, contenção, mitigação e tratamento da infeção epidemiológica por SARS-CoV-2 e da doença COVID-19», não estando, assim, a cessação do mesmo dependente de qualquer diploma legal que expressamente o revogue expressamente. Isto posto, a resolução do Conselho de Ministros n.º 73-A/2022, de 26 de Agosto (publicada no DR n.º 165/2002- 1º Suplemento, Série I de 2022-08-26, pág. 4) prorrogou a declaração da situação de alerta, no âmbito da pandemia da doença Covid-19, até às 23.59h do dia 30 de Setembro de 2022, em todo o território nacional continental, sendo certo que, nessa data, por decisão governamental, este estado de alerta não voltou a ser prorrogado.
Decorre do exposto, assim, que, desde as 00.00h do dia 01 de Outubro de 2022, não vigora em território nacional qualquer situação de estado de alerta, contingência, calamidade ou emergência (…) relacionados, direta ou indiretamente, com a infeção epidemiológica por SARS-CoV-2 e/ou pandemia da doença COVID-19. De resto, a cessação desta situação excecional mostra-se, inclusivamente, reconhecida em recente diploma legal, concretamente o Decreto-Lei n.º 66-A/2022, de 30/09, o qual revogou expressamente inúmeros diplomas relativos ao período de pandemia, a pretexto de que «face ao desenvolvimento da situação epidemiológica num sentido positivo, observado nos últimos meses, assistiu-se à redução da necessidade de aprovação de novas medidas e de renovação das já aprovadas» (preâmbulo). Ora, no caso de normas de vigência temporária (art.º 7.º, n.º 1, 1.ª parte do CC), uma das causas de cessação da lei consiste na caducidade, em virtude do desaparecimento dos pressupostos de aplicação da lei, dado que como refere OLIVEIRA ASCENSÃO «a lei não vale em abstracto, (…), mas pela inserção numa certa situação social que dá os pressupostos da sua aplicação. Aqui temos uma impossibilidade definitiva de aplicação da lei, que não pode deixar de implicar a extinção desta» [in O Direito – Introdução e Teoria Geral – Uma Perspectiva Luso-Brasileira, 9.ª Edição, 1995, Almedina, pág. 289; cfr., no mesmo sentido, JOSÉ DIAS MARQUES, in Introdução ao Estudo do Direito, 2ª edição, Lisboa, 1994, pp. 126 e ss]. Na verdade, a caducidade da lei com vigência temporária ocorre quando se deixam de verificar os pressupostos que justificam a sua vigência, pois, nestas situações, a previsão da lei deixa de poder ser preenchida (art.º 7.º, n.º 1 CC). Deste modo, inexistindo dúvidas quanto à natureza transitória e excecional do atual art.º 6.º E da Lei n.º 1-A/2020 e, ademais, mostrando-se cessada a situação excecional de prevenção, contenção, mitigação e tratamento da infeção epidemiológica por SARS-CoV-2 e da doença COVID-19, em consequência da não renovação do estado de alerta, haverá que concluir pela caducidade da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março.

Pelo exposto, decido:
a) Declarar a caducidade, por falta de verificação dos seus pressupostos de aplicação, da Lei n.º 1-A/2020, de 19/03 (alterada, entre o mais, pela Leis n.ºs 16/2020, de 29/05, 4-B/2021, de 01/02 e 13-B/2021, de 05/04), e;
b) Autorizar a entrega judicial do imóvel, a efetuar após o trânsito em julgado da presente decisão.
Notifique todos os sujeitos processuais, ficando o Sr. AE advertida de que o presente despacho apenas deverá ser executado após o seu trânsito em julgado…”.
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Não se conformando com a decisão proferida, dela vieram os executados interpor o presente recurso de Apelação, apresentando Alegações e formulando as seguintes Conclusões:

“1ª Vem o presente recurso do despacho/sentença proferido, em 23-11-2022, referência ...26, no processo à margem identificado no âmbito incidente inominado, mas referente à proteção casa de morada de família, previsto no artigo 6º-E, nº 7, alínea b), da Lei nº 1-A/2020, de 19 de Março, que prevê medidas excecionais e temporais de resposta à situação epidemiológica provocada pelo coronavírus SARS-Cov-2 e da doença COVID-19, que declarou a caducidade da Lei nº 1-A/2020, de 19/03, por falta de verificação dos seus pressupostos de aplicação e autorizou a entrega judicial do imóvel, a efetuar após o trânsito em julgado da decisão.
2ª No incidente em causa foi em 01-09-2022 proferido despacho/sentença que dando razão aos executados decidiu que: “(…) enquanto se mantiver em vigor o regime instituído pelo artº 6º-E, nº 7, al. b) Lei nº -A/2020, de 19 de Março (com a redação dada, entre outras, pela Lei nº 91/2021, de 17/12) deverá o Sr. Agente suspender a realização de diligências conexas com a entrega judicial do imóvel, por constituir a casa de morada de  família, sem prejuízo do prosseguimento da execução quanto ao demais (pagamento de quantia certa contra a executada)”.
3º O despacho/sentença, supra referido transitou em julgado.
4º Posteriormente, de forma “encapotada”, ao arrepio do respeito e direitos das partes, concretamente de serem legalmente notificados, em 18-10-2022, referência citius ...16, os exequentes, por requerimento vieram solicitar ao tribunal recorrido que: “por se mostrar, na presente data, cessada a situação execpcional de prevenção, contenção, mitigação e tratamento da infecção epidemiológica por SARS-Cov-2 e da doença COVID 19, na decorrência da não renovação do estado de alerta que se manteve em vigor até ao passado dia 30 de Setembro de 2022, deverá ser proferido despacho que autorize a entrega judicial do imóvel em causa nos autos.”
5º Vieram, então, os executados, ora recorrentes contraditar o pedido dos exequentes alegando entre outros argumentos que por força do disposto no artigo 115º, nº 1, da CRP (no requerimento ficou escrito erradamente 112º) a Resolução do Conselho de Ministros não tem competência para a revogação da Lei nº 1-A/2020 de 19 de Março e que a não prorrogação da situação de alerta, pelo Conselho de Ministros, não altera o regime instituído pelo artigo 6º-E, nº 7, alínea b) da Lei nº 1-A/2020 de 19 de Março, pelo que o despacho com a referência ...44 que ordenou que o Agente de Execução deverá suspender a realização de diligências conexas com a entrega judicial do imóvel, por constituir a casa de morada de família, encontra-se de acordo com a lei.
6º Estupefactos, ficaram então os executados com a decisão do tribunal recorrido, de 23-11-2022, que, sem qualquer suporte técnico ou cientifico acerca da pandemia vem declarar a caducidade da Lei nº 1-A/2020 de 10/03 e autorizar a entrega da casa de morada de família.
7ª Sumariamente, o despacho/sentença fundamenta no seguinte: a)-Por virtude de alterações legislativas, a Lei nº 1-A/2020 de 19/03, deixou de ter escrito que o termo das medidas excecionais, deixou de estar dependente da publicação de um diploma legal que o revogasse expressamente.
b)-Que a Resolução do Conselho de Ministros nº 73-A/2022, de 26 de Agosto, prorrogou a declaração da situação de alerta até ao dia 30 de Setembro de 2022 e que nessa data, por decisão governamental, este estado de alerta não voltou a ser prorrogado.
c)-Que a situação em b), “cessação desta situação excecional mostra-se reconhecida no Decreto-Lei nº 66-A/2022;
d)-Que a Lei nº 1-A/2020, de 19/03 caducou em virtude do desaparecimento dos pressupostos de aplicação da lei.
e)-Que inexistindo dúvidas qual a natureza transitória e excecional do atual artigo 6º-E da Lei nº 1-A/2020 e ademais mostrando-se cessada a situação excecional de prevenção, contenção, mitigação e tratamento da infeção epidemiológica por SARS-CoV-2 e da doença COVID-19, em consequência da não renovação do estado de alerta, haverá que concluir pela caducidade da Lei nº 1-a/2020, de 19 de Março.
8ª Entendeu o tribunal recorrido que “por falta de verificação dos seus pressupostos de aplicação” a Lei nº 1-A/2020, de 19 de Março, caducou e portanto extinguiu-se, tornou-se inaplicável, não necessitando de qualquer lei que a revogue.
9º Ou seja, por outras palavras, a situação excecional de prevenção, contenção, mitigação e tratamento da infeção epidemiológica por SARS-CoV-2 e da doença COVID-19 é “finita”, no entendimento do tribunal recorrido.
10º Ora, Senhores Desembargadores, infelizmente para todos nós, povo português, a situação epidemiológica, em Portugal continental não acabou.
11º Basta ver que à data da decisão, 23-11-2022, já havia sido publicado em 07-11-2022, um documento, que é de acesso a toda a gente, por ser público no site da Direção Geral de Saúde, o «Relatório de Monitorização da Situação Epidemiológica da COVID-19», relatório nº ...5, da Direção Geral da Saúde e Instituto Nacional de Saúde Doutor ..., do qual se conclui, sem qualquer dúvida, que Portugal continental, ainda se encontra numa situação epidemiológica provocada pelo Coronavírus Sars-CoV-2
12ª Na sua primeira página, sob o título “Resumo”, “Transmissibilidade com possível tendência crescente” vem escrito o seguinte, que passamos a citar, com o esclarecimento do que, o que vai a negrito, é o que consta do próprio documento: “… Resumo Transmissibilidade com possível tendência crescente Impacto reduzido com tendência estável No período em análise, observou-se uma manutenção da estabilização dos valores de incidência, com base na notificação obrigatória de casos. No entanto, o aumento observado do número de internamentos por infeção por SARS-CoV-2 e o aumento da prevalência de sublinhagens de interesse com potencial impacte epidemiológico sugerem que a incidência real apresenta ainda uma tendência crescente, padrão semelhante ao observado anteriormente em alguns países europeus. A linhagem BA.5 da variante Omicron continuou a ser dominante. Observou-se um aumento do número de internamentos em enfermaria nos grupos etários acima dos 20 anos, e nos cuidados intensivos acima dos 80 anos ainda que abaixo do limiar critico definido e do valor máximo da última fase epidémica. Apesar deste aumento nos internamentos, mantém-se o reduzido impacte da COVD-19 nos serviços de saúde e na mortalidade geral, traduzido na mortalidade geral de acordo com o esperado para a época do ano. Observou-se um ligeiro aumento da mortalidade específica por COVID-19, ainda assim com uma tendência estável e correspondente a um valor cinco vezes inferior ao valor máximo observado na última fase epidémica. Constata-se que a situação epidemiológica descritas suporta a manutenção da vacinação de reforço, as medidas de proteção individual e a comunicação frequente destas medidas à população …”
13º Ora, da leitura deste documento, de natureza científica, é legítimo concluir que a situação epidemiológica provocada pelo Coronavírus Sars-CoV-2, se mantém.
13ª O tribunal recorrido refere que a situação de alerta, não foi renovado, e que portanto não se verifica a situação de prevenção, contenção mitigação, e tratamento da infeção epidemiológica por SARS-CoV-2 e da doença COVI-19, é outro absurdo.
14ª As situações de alerta, contingência e de calamidade, são situações previstas no artigo 8º da Lei nº 27/2006, de 3 de Julho, que aprovou a lei de bases da proteção civil.
15ª A Proteção Civil, foi e é importante no combate à pandemia mas não se sobrepõe nem condiciona o poder legislativo imanente da Assembleia da República, pelo contrário.
16ª Refere a decisão recorrida que: “a cessação desta situação excecional mostra-se, inclusivamente, reconhecida em recente diploma legal, concretamente o Decreto-Lei nº 66-A/2022, de 30/09, o qual revogou expressamente inúmeros diplomas relativos ao período de pandemia, a pretexto de que «face ao desenvolvimento da situação epidemiológica um sentido positivo, observado nos últimos meses, assiste-se à redução da necessidade de aprovação de novas medidas e de renovação das já aprovadas» (preâmbulo).”
17ª Efetivamente, em 30 de Setembro de 2022 foi publicado no Diário da República o Decreto-Lei nº 66-A/2022, e o seu preâmbulo diz o seguinte: “… Desde o início da pandemia da doença COVID19, o Governo tem vindo a adotar uma série de medidas de combate à pandemia, seja numa perspetiva sanitária, seja nas vertentes de apoio social e económico às famílias e às empresas, com o intuito de mitigar os respetivos efeitos adversos. Face ao desenvolvimento da situação epidemiológica num sentido positivo, observado nos últimos meses, assistiu-se á necessidade de aprovação de novas medidas e de renovação das já aprovadas. Concomitantemente, importa ter presente que a legislação relativa à pandemia da doença COVID-19 consubstanciou-se num número significativo de decretos-leis com medidas aprovadas com o objetivo de vigorar durante um período justificado. Neste contexto, através do presente decreto-lei procede-se à clarificação dos decretos-leis que ainda se encontram em vigor, bem como à eliminação das medidas que atualmente já não se revelam necessárias, através de determinação expressa de cessação de vigência de decretos-leis já caducos anacrónicos ou ultrapassados pelo evoluir da pandemia. Importa, contudo, garantir que as alterações promovidas a legislação anterior à pandemia pelos decretos-leis agora revogados não são afetados. Assim, clarifica-se que a revogação promovida pelo presente decreto-lei tem os seus efeitos limitados aos decretos–leis aqui previstos, não afetando alterações a outros diplomas introduzidas por estes que agora se revogam. Desta forma, ganha-se em clareza e certeza jurídica, permitindo aos cidadãos saber –sem qualquer margem para dúvidas – qual a legislação relativa à pandemia da doença COVID-19 que se mantém aplicável…”
18ª Ora, da leitura do preâmbulo, do referido decreto-lei, resulta que o argumento tirado pelo tribunal recorrido não é racional.
19ª Com efeito, a situação excecional resultante da situação epidemiológica mantém-se, o que não se mantém é a existência de vários diplomas legais e de medidas que atualmente já não se revelam necessárias.
20ª Ora, se o fim da situação de alerta fosse suficiente para concluir pelo fim da pandemia não teria o governo necessidade de legislar como legislou, no sentido de “pôr em dia”, o que está em vigor e o que já não está em vigor, a tal propósito.
21ª O preâmbulo diz expressamente o seguinte: “Desta forma, ganha-se em clareza e certeza jurídica, permitindo aos cidadãos saber – sem qualquer margem para dúvidas – qual a legislação relativa à pandemia da doença COVID-19 que se mantém aplicável.”
22ª Não faz, o referido Decreto-Lei nº 66-A/2022, qualquer referência à Lei nº 1-A/2020 de 19 de Março, nem o fez até à presente qualquer outro diploma legal, encontra-se, assim, plenamente em vigor.
23ª À situação epidemiológica provocada pelo Coronavírus Sars-CoV-2, respondeu, como se sabe, a Proteção Civil e respondeu entre outros órgãos de soberania a Assembleia da República, com a criação de diplomas legais e concretamente a Lei nº 1-A/20220 de 19 de Março.
24ª Se a Proteção Civil entendeu não haver situação de alerta, ainda assim, não entendeu a Assembleia da República pela desnecessidade da Lei nº 1-A/20220 de 19 de Março.
25ª Por fim, referem J. J Gomes Canotilho e Vital Moreira, in Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª edição revista, Coimbra Editora, em comentário ao artigo 115, página 510, que: “XVIII. Por maior que sejam os problemas de interpretação levantados pela norma do nº 5, são líquidos, porém dois sentidos primordiais: (a) afirmação do princípio da tipicidade dos actos legislativos e consequente proibição de actos legislativos apócrifos ou concorrenciais, com a mesma força e valor de lei; (b) a ideia de que as leis não podem autorizar que a sua própria interpretação, integração, modificação, suspensão ou revogação seja efectuada por outro acto que não seja outra lei. Salvo os casos expressamente previstos na Constituição (cfr. art. 172º), uma lei só pode ser afectada na sua existência, eficácia ou alcance por efeito de uma outra lei. Quando uma lei regula uma determinada matéria, ela estabelece ipso facto uma reserva de lei, pois só uma lei ulterior pode vir derrogar ou alterar aquela lei (ou deslegalizar a matéria).”
26ª Achamos que todos estamos todos de acordo quanto a isto e também que aos tribunais compete administrar a justiça sujeitando-se à lei, nos termos do disposto nos artigos 202º e 203º da CRP e nos termos do artigo 204º é-lhes proibido aplicar normas que infrinjam o disposto na Constituição ou os princípios nela consignados.
27ª O tribunal recorrido fez uma errada interpretação do disposto no artigo 7º, nº 1 do Código Civil, violou a Lei nº 1-A/2020 de 19 de Março e concretamente o disposto no artigo 6º-E, nº 7, alínea b); fez uma errada interpretação do decreto-lei nº 66-A/2022, de 30 de Setembro; violou o disposto no artigo 115º, 202º, 203º e 204º da Constituição da República Portuguesa.
Termos em que a apelação deve ser procedente e em consequência ser revogado o despacho com a referência ...26 que declarou a caducidade, por falta de verificação dos seus pressupostos de aplicação, da Lei nº 1-A/2020, de 19/03 e autorizou a entrega judicial do imóvel…”.
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Dos autos não consta que tenha sido apresentada Resposta ao recurso.
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II - DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO

Tendo em consideração que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações dos recorrentes (acima transcritas), sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso (artigos 635º e 639º do CPC), a questão a decidir no presente recurso é apenas a de saber se ocorreu a caducidade, por falta de verificação dos seus pressupostos de aplicação, da norma prevista no art.º 6º-E nº 7, alínea b), da Lei nº 1-A/2020, de 19/03 (com a redação que lhe foi dada pela Lei nº 13-B/2021, de 5.4), e em consequência, se foi bem decidida a autorização de entrega judicial do imóvel aos exequentes.
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III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO:

Os factos a considerar para a decisão da questão colocada são os seguintes (resultantes da tramitação processual dos autos):

1- No âmbito do processo executivo acima identificado, os executados, em 25-05-2022, deduziram o incidente inominado referente à suspensão dos atos a realizar em sede de processo executivo, relacionados com a concretização de diligências de entrega judicial da casa de morada de família, previsto no artigo 6º-E, nº 7, alínea b), da Lei nº 1-A/2020, de 19 de Março, nos seguintes termos:
“- Contra os executados foi intentada execução para entrega de coisa certa, que tem por objeto o imóvel que consta da fração autónoma, designada pelas letras ..., destinada a habitação, correspondente a um apartamento tipo T3, do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, sito na Rua ..., ..., sito na freguesia ..., da cidade ..., inscrito na matriz Urbana da União de Freguesias ..., ... e ... (... e ...), sob o artigo ... e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº ...24/....
- Em 1 de Maio de 2016, por contrato de arrendamento escrito, celebrado em 29 de Abril de 2016, a executada DD tomou de arrendamento aos exequentes o apartamento supra identificado, mediante a renda mensal de 350,00 €, como se comprova com a matéria de facto dado como provada no acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, junto aos presentes autos com o requerimento executivo.
- O apartamento em causa é a casa de morada de família dos executados e do seu agregado familiar, que é composto por mais duas filhas, estudantes, FF e GG, nascidas respetivamente a .../.../2003 e .../.../2005.
- O imóvel constitui desde 1 de Maio de 2016 o seu centro doméstico diário, ou seja, a sua casa de morada de família e a do seu agregado familiar, integrado como se referiu por duas filhas estudantes, que não exercem atividade profissional remunerada.
- Os executados não são proprietários de qualquer imóvel, designadamente urbano, que lhes permita habitação.
- Os executados beneficiam da protecção que lhes é conferida pelo artigo 6º-E, nº 7, alínea b), da Lei 1-A/2020, de 19/03, na redacção dada pela Lei 13-B/2021, de 05/04 e pela Lei 91/2021 de 17/12, que prevê que ficam suspensos no decurso do período de vigência do Regime Processual Transitório e Excepcional, estabelecido no âmbito da pandemia pela doença Covid 19 “Os atos a realizar em sede de processo executivo ou de insolvência relacionados com a concretização de diligências de entrega judicial da casa de morada de família”.
- Pelo exposto, requerem a V. Exª se digne ordenar a suspensão dos atos a realizar pelo Agente de Execução, para a concretização das diligências de entrega da casa de morada de família, que é o imóvel que consta da fração autónoma, designada pelas letras ..., destinada a habitação, correspondente a um apartamento tipo T3, do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, sito na Rua ..., ..., sito na freguesia ..., da cidade ..., inscrito na matriz Urbana da União de Freguesias ..., ... e ... (... e ...), sob o artigo ... e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº ...24/...…”.
2- Notificados para se pronunciarem sobre o pedido dos executados, os exequentes não tomaram qualquer posição sobre o mesmo.
3- Pelo tribunal recorrido foi então proferida decisão (em 01-09-2022), nos seguintes termos: “Apreciando e decidindo: Mostra-se indisputado, ante a não oposição do exequente, que o imóvel mencionado na decisão dada à execução constitui a casa de morada de família dos executados e do seu agregado familiar. Determina, por sua vez, o artº 6º-E, nº 7, al. b) da Lei nº 1-A/2020, de 19 de Março (com a redação dada, entre outros, pela Lei nº 91/2021, de 17/12), que, durante o período de vigência do regime excecional decorrente da necessidade de prevenção, contenção, mitigação e tratamento da infeção epidemiológica por SARS-CoV-2 e da doença COVID-19, estão suspensos os atos de natureza executiva relacionados com a concretização de diligências de entrega judicial da casa de morada de família. Pelo exposto, enquanto se mantiver em vigor o regime instituído pelo artº 6º-E, nº 7, al. b) Lei nº -A/2020, de 19 de Março (com a redação dada, entre outras, pela Lei nº 91/2021, de 17/12) deverá o Sr. Agente suspender a realização de diligências conexas com a entrega judicial do imóvel, por constituir a casa de morada de família, sem prejuízo do prosseguimento da execução quanto ao demais (pagamento de quantia certa contra a executada). Notifique…”.
4- A decisão referida transitou em julgado.
5- Posteriormente os exequentes, por requerimento datado de 18-10-2022, vieram solicitar ao tribunal recorrido o seguinte: “por se mostrar, na presente data, cessada a situação execpcional de prevenção, contenção, mitigação e tratamento da infecção epidemiológica por SARS-Cov-2 e da doença COVID 19, na decorrência da não renovação do estado de alerta que se manteve em vigor até ao passado dia 30 de Setembro de 2022, deverá ser proferido despacho que autorize a entrega judicial do imóvel em causa nos autos.”, sustentando o seu pedido no seguinte:
- “A resolução do Conselho de Ministros nº 73-A/2022, de 26 de Agosto, prorrogou a declaração da situação e alerta, no âmbito da pandemia da doença Covid 19, em todo o território nacional continental, até às 23:59h do dia30 de Setembro de 2022;
- A partir da referida data aquela situação de alerta não voltou a ser prorrogada.
- Pelo que, no presente momento temporal, não vigora em território nacional qualquer situação de estado de alerta, contingência ou emergência relacionado com a infecção epidemiológica por SARSCov-2 e/ou pandemia da doença Covid-19.
- Isto é, na presente data, inexiste o pressuposto legal de que fazia depender a aplicabilidade da norma transitória contida no Artº 6º E da Lei nº 1-A/2020 e que determina a suspensão dos actos “…a realizar em sede de processo executivo ou de insolvência relacionados com a concretização de diligências de entrega judicial da casa de morada de família”.
- Destarte, mostrando-se cessada a situação excepcional de prevenção, contenção, mitigação e tratamento da infecção epidemiológica por SARS-Cov-2 e da doença COVID 19, na decorrência da não renovação do estado de alerta, deverá ser proferido despacho que autorize a entrega judicial do imóvel em causa nos autos…”.
6- Os executados vieram responder ao requerimento apresentado pelos exequentes (em 21-10-2022), dizendo o seguinte:
“- O requerimento dos exequentes carece de fundamento legal.
- Nos termos do disposto no artigo 112º, nº 1 da Constituição da República Portuguesa, são actos legislativos as leis, os decretos-leis e os decretos legislativos regionais.
- A lei nº 1-A/2020 de 19 de Março, encontra-se em vigor, não sendo a Resolução do Conselho de Ministros o meio competente para a sua revogação.
- A não prorrogação da situação de alerta, pelo Conselho de Ministros, não altera o regime instituído pelo artigo 6º-E, nº 7, alínea b) da Lei nº 1-A/2020 de 19 de Março, pelo que o despacho com a referência ...44 que ordenou que o Agente de Execução deverá suspender a realização de diligências conexas com a entrega judicial do imóvel, por constituir a casa de morada de família, encontra-se de acordo com a lei.
- Termos em que deve ser indeferido o requerimento dos exequentes com a referência ...16…”.
7- Foi então proferida a decisão recorrida, acima transcrita, datada de 23-11-2022.
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IV- FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA:

Da caducidade, por falta de verificação dos seus pressupostos de aplicação, do Art.º6º- E, nº 7, alínea b), da Lei 1-A/2020, de 19/03 (na redação que lhe foi dada pela Lei 13-B/2021, de 05/04):

Como resulta da matéria de facto descrita, foi com base na citada Lei nº 1-A/2020, de 19 de Março, mais concretamente no seu art.º 6º- E, nº 7, alínea b) (na redação que lhe foi dada pela Lei 13-B/2021, de 05/04), que os executados obtiveram do tribunal recorrido a decisão de suspensão do ato de entrega judicial do apartamento em seu poder, pertencente aos exequentes - na ação executiva para entrega de coisa certa que lhes foi movida por aqueles –, e que constituía a sua casa de morada de família.
Consta efetivamente do art.º 6º - E, nºs 1 e 7, al. b) da mencionada Lei nº 1-A/2020, de 19 de Março (com a redação que lhe foi dada pela Lei 13-B/2021, de 05/04) e na qual se estribou o tribunal recorrido para proferir a decisão de 01-09-2022, intitulado “Regime processual excecional e transitório”, que “No decurso da situação excecional de prevenção, contenção, mitigação e tratamento da infeção epidemiológica por SARS-CoV-2 e da doença COVID-19, as diligências a realizar no âmbito dos processos e procedimentos que corram termos nos tribunais judiciais (…) regem-se pelo regime excecional e transitório previsto no presente artigo” (nº1). “Ficam suspensos no decurso do período de vigência do regime excecional e transitório previsto no presente artigo (…) b) Os atos a realizar em sede de processo executivo ou de insolvência relacionados com a concretização de diligências de entrega judicial da casa de morada de família” (nº7).
E perante a disposição legal citada foi proferida decisão no sentido de que enquanto se mantivesse em vigor o regime instituído pelo citado art.º 6º- E, nº 7, al. b) da Lei nº -A/2020, de 19 de Março, deveria o Sr. Agente de execução suspender a realização de diligências conexas com a entrega judicial do imóvel, por constituir a casa de morada de família dos executados.
Acontece que os exequentes, considerando que o período de vigência do regime excecional decorrente da necessidade de prevenção, contenção, mitigação e tratamento da infeção epidemiológica por SARS-CoV-2 e da doença COVID-19 havia terminado, vieram, em 18-10-2022, solicitar ao tribunal recorrido autorização para a entrega judicial do imóvel em causa nos autos, dizendo concretamente que se mostrava “…cessada a situação execpcional de prevenção, contenção, mitigação e tratamento da infecção epidemiológica por SARS-Cov-2 e da doença COVID 19, na decorrência da não renovação do estado de alerta que se manteve em vigor até ao (…) dia 30 de Setembro de 2022…”
E apoiavam a sua pretensão no facto de que a resolução do Conselho de Ministros nº 73-A/2022, de 26 de Agosto, apenas havia prorrogado a declaração da situação e alerta, no âmbito da pandemia da doença Covid 19, em todo o território nacional continental, até às 23:59h do dia30 de Setembro de 2022, não voltando a prorroga-la a partir dessa data. Ou seja, que no momento temporal em causa, não vigorava já em território nacional qualquer situação de estado de alerta, contingência ou emergência relacionado com a infeção epidemiológica por SARSCov-2 e/ou pandemia da doença Covid-19, pelo que tinha deixado de existir o pressuposto legal de que fazia depender a aplicabilidade da norma transitória contida no art.º 6º- E da Lei nº 1-A/2020, que determinava a suspensão dos atos a realizar em sede de processo executivo relacionados com a concretização de diligências de entrega judicial da casa de morada de família.
E o tribunal recorrido, não obstante a oposição dos executados, deferiu o pedido dos exequentes, declarando a caducidade da Lei n.º 1-A/2020, de 19/03  (por falta de verificação dos seus pressupostos de aplicação, à data), e autorizou a entrega judicial do imóvel (após o trânsito em julgado da decisão).
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E temos de concordar com a decisão proferida (precisando-se que se trata apenas da norma vertida no art.º 6º- E, nº 7, alínea b), da Lei 1-A/2020, de 19/03 - na redação que lhe foi dada pela Lei 13-B/2021, de 05/04), não obstante a discordância dos recorrentes.
Como é por demais sabido, desde o início do ano de 2020 que a situação epidemiológica provocada pelo coronavírus SARS-CoV-2 e da doença COVID-19 conduziu  a uma proliferação e sucessão de leis, para a aprovação de medidas excecionais destinadas a fazer face à doença e/ou a mitigar os seus efeitos.
A primeira delas foi a Lei n.º 1-A/2020, de 19/03, a qual na sua redação originária veio estabelecer, no seu artigo 7.º n.ºs 1 e 10 respetivamente (para o caso que ora nos interessa), a suspensão generalizada dos prazos processuais, bem como “…as ações de despejo, os procedimentos especiais de despejo e os processos para entrega de coisa imóvel arrendada, quando o arrendatário, por força da decisão judicial final a proferir, possa ser colocado em situação de fragilidade por falta de habitação própria”.
Esta Lei viria a sofrer várias alterações, designadamente aquele art.º 7º, pelas Leis n.º 4-A/2020 e 4-B/2020, ambas de 6 de abril, e 14/2020, de 09/05, passando a constar agora do nº 6 do citado art.º 7º que “Ficam também suspensos (…) b) Quaisquer atos a realizar em sede de processo executivo, designadamente os referentes a (…) entregas judiciais de imóveis…” , mantendo-se no entanto sempre inalterado o nº 2 daquele art.º 7º, que previa expressamente que o regime então descrito cessaria em data a definir por decreto-lei, no qual se declararia o termo da situação excecional.
Acontece que a Lei n.º 16/2020, de 29.5 que veio alterar as medidas excecionais e temporárias de resposta à pandemia da doença COVID-19 e proceder à quarta alteração à Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março -, revogou expressamente aquele art.º 7.º da Lei n.º 1-A/2020 (artigo 8.º) e no seu art.º 2º aditou-lhe um novo artigo – o art.º 6.º-A – , contendo o mesmo um “Regime processual transitório e excecional”.
Este art.º 6º-A aditado, que entrou em vigor em 3 de junho (no 5º dia seguinte ao da sua publicação, em 29.5.), deixou de prever a suspensão geral dos prazos judiciais – dado o estado já atenuado da pandemia –, mas manteve no nº 6 daquele art.º 6º-A a suspensão “…no decurso do período de vigência do regime excecional e transitório”: b) dos atos a realizar em sede de processo executivo (…) relacionados com a concretização de diligências de entrega judicial da casa de morada de família”.
Deixou-se no entanto de prever na nova redação do art.º 6º-A (ou em qualquer outra disposição legal da Lei alterada) o que se previa expressamente no nº 2 do revogado art.º 7º: que o regime então descrito cessaria em “data a definir por decreto-lei, no qual se declara o termo da situação excecional”.
E o mesmo se passou nas Leis que entretanto foram aprovadas, e que alteraram aquela primeira Lei, designadamente a  Lei n.º 4-B/2021, de 01 de Fevereiro, que veio aditar à Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, o art.º 6º- B, e a Lei n.º 13-B/2021, de 05 de Abril, que aditou àquela Lei o art.º 6º- E, preceito agora em discussão. Em nenhuma das Leis entretanto aprovadas foi reposta a redação do nº 2 do art.º 7º da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março.
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E é este precisamente o cerne da questão, que é o de saber se a Lei n.º 1-A/2020, de 19/03 – mais precisamente o art.º 6º- E, nº 7, alínea b), daquela Lei - na redação que lhe foi dada pela Lei 13-B/2021, de 05/04, caducou (ou deixou de vigorar), sem que houvesse qualquer diploma legislativo a determinar-lhe o seu fim, sendo certo que por regra uma lei (ou parte dela) só deixa de vigorar se for revogada por outra lei.
Como nos ensina Ferrara (“Interpretação e Aplicação das Leis”, 189 e ss., citado por Abílio Neto, Código Civil Anotado, 16ª edição, Ediforum, Lisboa, pag. 18) “As normas jurídicas não são imortais, mas sujeitas a modificarem-se e a extinguirem-se. Como na natureza, assim no mundo jurídico não há imobilidade, mas transformação: o direito renova-se com os tempos. Um direito imóvel não pode existir;  pelo contrário, se o legislador declarasse não querer de futuro ab-rogar ou mudar uma certa lei, o seu comando resultaria inútil e invinculante. Todavia, as leis, normalmente, têm um carácter de estabilidade, e são destinadas a suma declaração indefinida. Valem enquanto o Estado não declarar suprimi-las no todo ou em parte (ab-rogação ou derrogação). A ab-rogação pode ser total ou parcial, conforme é suprimido todo o conteúdo de uma lei ou só uma parte ou só algumas disposições singulares, e pode resultar ou de uma declaração expressa do legislador que proclama abolida uma certa lei, pura e simplesmente sem outra estatuição, ou é conexa com uma nova regulamentação jurídica que substitui a revogada”.
Prevê-se também no art.º 7º nº1 do Código Civil, intitulado “Cessação da vigência da lei”, e inserido na Parte Geral do Código, regulador “Das leis, sua interpretação e aplicação” - “Vigência, interpretação e aplicação das leis”, que “Quando se não destine a ter vigência temporária, a lei só deixa de vigorar se for revogada por outra lei”.
Ora, sendo embora regra que a revogação de uma lei seja revogada por outra, a primeira parte do preceito em análise contém uma exceção, prevendo-se nele a existência de leis destinadas a ter uma vigência temporária, o que é manifestamente o caso das leis publicadas em tempo de Pandemia, e que se destinaram a regular matérias relacionadas com a situação pandémica vivida no nosso país desde 19 de março de 2020, as denominadas pela doutrina “Leis temporárias ou excecionais”.
A ideia geral é a de que a vigência de uma lei está delimitada por um lapso temporal, isto é, por um “prazo de validade”. Esse prazo inicia-se com a sua publicação (ou com o término do período da vacatio legis) e encerra-se com a revogação da lei ou com o término do prazo ou condição estipulado na própria lei para a sua duração (no caso das leis temporárias ou excecionais). Vale isto por dizer que toda a lei (em sentido lato) é criada, promulgada, publicada, entra em vigor, e permanece em vigor até à sua extinção, seja pela sua revogação, seja pelo decurso do prazo durante o qual a mesma se destinou a vigorar.
Como esclarecem Pires de Lima e Antunes Varela (“Código Civil anotado” Vol. I, 3ª edição Coimbra Editora, pag. 56) “A lei tem vigência temporária quando se fixa o seu termo em certa data, se torna a sua vigência dependente de certo pressuposto (o estado de guerra, por exemplo) ou se destina à consecução de certo fim (…). Em qualquer destes casos, a cessação da vigência da lei não depende da sua revogação”.
Ora, não existem dúvidas quanto à natureza temporária da Lei n.º 1-A/2020, de 19.3, dado o seu caráter transitório e excecional. Aliás, dos dizeres da própria Lei (e de todas as que a foram sucessivamente alterando) resulta, de forma expressa, que as Leis criadas durante a Pandemia destinaram-se a ter vigência temporária, de todas elas constando expressamente - e no que à suspensão de prazos e atos a praticar dizia respeito -, que ficavam suspensos os atos nelas contemplados no decurso do período de vigência do regime excecional e transitório.
Aliás, da citada Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, considerada a primeira Lei da Pandemia, na sua redação originária, constam de forma expressa do seu Sumário “Medidas excecionais e temporárias de resposta à situação epidemiológica provocada pelo coronavírus SARS-CoV-2 e da doença COVID-19…” - donde resulta, cremos que de forma clara, que estamos perante normas temporárias, para vigorarem apenas durante um período muito específico – durante o período da Pandemia.
Aliás, este entendimento é pacífico, mesmo pelos próprios recorrentes, que apelaram a esse regime transitório e excecional, no âmbito do processo executivo que lhes foi movido pelos exequentes, deduzindo eles próprios, em 25.5.2022, o incidente inominado de suspensão dos atos no processo executivo, relacionados com a entrega judicial da casa de morada de família, aduzindo em seu favor que “…beneficiam da protecção que lhes é conferida pelo artigo 6º-E, nº 7, alínea b), da Lei 1-A/2020, de 19/03 (…) que prevê que ficam suspensos no decurso do período de vigência do Regime Processual Transitório e Excepcional, estabelecido no âmbito da pandemia pela doença Covid 19…”, tendo obtido do tribunal recorrido decisão judicial favorável com o mesmo fundamento, ou seja, de que “…durante o período de vigência do regime excecional decorrente da necessidade de prevenção, contenção, mitigação e tratamento da infeção epidemiológica por SARS-CoV-2 e da doença COVID-19, estão suspensos os atos de natureza executiva relacionados com a concretização de diligências de entrega judicial da casa de morada de família. Pelo exposto, enquanto se mantiver em vigor o regime instituído pelo art.º 6º-E, nº 7, al. b) Lei nº 1-A/2020, de 19 de Março (com a redação dada, entre outras, pela Lei nº 91/2021, de 17/12) deverá o Sr. Agente suspender a realização de diligências conexas com a entrega judicial do imóvel, por constituir a casa de morada de família…”.
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Isto posto, parece não restarem dúvidas que terminada a situação (de Pandemia) que esteve na origem da criação e publicação da Lei nº1-A/2020, de 19 de Março, mais concretamente do seu art.º 6º-E, nº 7, al. b) (que é o único que está a qui em discussão) ele deixou de vigorar no nosso ordenamento jurídico.
Na decisão recorrida faz-se apelo à redação da própria lei (alterada pela 4ª vez pela Lei n.º 16/2020, de 29.5), que deixou de conter no seu texto legal qualquer referência ao modo da sua cessação (previsto no nº 2 do art.º 7º, na sua redação original, como sendo em “data a definir por decreto-lei, no qual se declara o termo da situação excecional”).
E temos de assentir que o argumento é válido, não havendo agora qualquer impedimento legal para que a mesma deixe simplesmente de vigorar pela cessação da situação que lhe deu origem. Ou seja, à luz das regras da interpretação legislativa previstas no art.º 9º do Código Civil, intitulado “Interpretação da lei”, “a interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada” (nº1), acrescentando o nº 2 do mesmo preceito que “Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso” – estando a tese defendida na sentença recorrida apoiada nas normas legais destinadas à interpretação legislativa.
Mas, como dissemos – e é, de resto, também referido na decisão recorrida - , o fundamento principal para a caducidade da Lei nº1-A/2020, de 19 de Março (do preceito legal em análise), é o desaparecimento da situação que esteve na sua origem ou que lhe deu razão de ser, por se tratar de uma Lei de natureza temporária ou excecional, que não carece de qualquer outra Lei (em sentido geral) para a sua revogação.
Ora, tudo quanto se disse nos permite concluir, tal como se fez na decisão recorrida, que o regime excecional e transitório previsto no art.º 6º-E nº7, alínea b), da Lei nº1-A/2020, de 19 de Março, vigoraria apenas enquanto perdurasse a «situação excecional de prevenção, contenção, mitigação e tratamento da infeção epidemiológica por SARS-CoV-2 e da doença COVID-19», não ficando tal regime excecional dependente de qualquer ato legislativo a determinar o seu fim.
E esta conclusão é a nosso ver suficiente para retirar poder à argumentação dos recorrentes de que em se tratando de uma Lei emanada da Assembleia da República, ela só poderia ser extinta por uma norma legal com igual força legislativa.
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Ainda assim, fez-se apelo na decisão recorrida ao ato legislativo do Governo - a resolução do Conselho de Ministros n.º 73-A/2022, de 26 de Agosto (publicada no DR n.º 165/2002- 1º Suplemento, Série I de 2022-08-26, pág. 4), que prorrogou a declaração da situação de alerta, no âmbito da pandemia da doença Covid-19, até às 23.59h do dia 30 de Setembro de 2022, em todo o território nacional continental –, para fundamentar, de forma objetiva, a cessação da «situação excecional de prevenção, contenção, mitigação e tratamento da infeção epidemiológica por SARS-CoV-2 e da doença COVID-19» acautelada pela Lei nº1-A/2020, de 19 de Março, esclarecendo que nessa data, por decisão governamental, este estado de alerta não voltou a ser prorrogado, concluindo assim do exposto que desde as 00.00h do dia 01 de Outubro de 2022, não vigora em território nacional qualquer situação de estado de alerta, contingência, calamidade ou emergência decorrente ou relacionado, direta ou indiretamente, com a infeção epidemiológica por SARS-CoV-2 e/ou pandemia da doença COVID-19”. (negrito nosso)
Acrescentando-se ainda que “a cessação desta situação excecional mostra-se, inclusivamente, reconhecida em recente diploma legal, concretamente o Decreto-Lei n.º 66-A/2022, de 30/09, o qual revogou expressamente inúmeros diplomas relativos ao período de pandemia, a pretexto de que «face ao desenvolvimento da situação epidemiológica num sentido positivo, observado nos últimos meses, assistiu-se à redução da necessidade de aprovação de novas medidas e de renovação das já aprovadas» (preâmbulo).
Discordam também os recorrentes deste segmento da decisão recorrida  - de que tenha terminado o estado de Pandemia -, mencionando a propósito um documento de natureza científica, publicado em 07-11-2022 no site da Direção Geral de Saúde, o «Relatório de Monitorização da Situação Epidemiológica da COVID-19», relatório nº ...5, da Direção Geral da Saúde e Instituto Nacional de Saúde Doutor ... (que transcrevem nas suas conclusões de recurso), do qual se conclui, segundo os recorrentes, que Portugal continental ainda se encontra numa situação epidemiológica provocada pelo Coronavírus Sars-CoV-2.
Começamos por dizer que lendo com atenção o conteúdo daquele Relatório, ele vai todo no sentido de que a situação de Pandemia no nosso país – embora não erradicada totalmente -, está em sentido decrescente, com menos mortes e menos internamentos em cuidados Intensivos, situação decorrente, como todos podemos constatar, da toma generalizada da vacina contra o vírus e dos sucessivos reforços (quatro) que foram disponibilizados a todos os cidadãos nacionais. Se bem interpretamos aquele relatório, as suas conclusões são as de que Portugal registava, na data da sua divulgação, um número de mortes compatível com períodos anteriores aos da Pandemia.
Sempre será de referir no entanto que sem pôr em causa a bondade e fidelidade do estudo apresentado, a Resolução do Conselho de Ministros a que a decisão recorrida faz referência assume caráter vinculativo, dado que se trata de um Regulamento, norma jurídica emanado do Governo, ao qual temos de atribuir mais relevância do que ao referido estudo e ao qual temos mesmo de obedecer.
Consabidamente, os regulamentos são normas jurídicas aprovadas ao abrigo da atividade administrativa, definidas no art.º 135.º do Código de Procedimento Administrativo (CPA) como “as normas jurídicas gerais e abstratas que, no exercício de poderes administrativos, visem produzir efeitos jurídicos externos”. Desta definição decorre que os regulamentos são normas aplicadas a um conjunto indeterminado de pessoas que não se esgotam numa situação concreta, tendo aplicação permanente; reconduzem-se à função administrativa, a qual consiste numa atividade executiva do Estado subordinada à função legislativa; e devem projetar a sua eficácia em entes externos em relação ao órgão que os produz, nomeadamente em pessoas individuais ou coletivas.
Por outro lado, a validade dos regulamentos depende do seu respeito por um “bloco de legalidade” composto pela Constituição, normas de Direito Internacional Público e europeu, a lei ordinária, os princípios gerais de Direito Administrativo e os regulamentos de hierarquia superior (art.º 143.º do CPA).
No que respeita aos regulamentos do Governo, o nº 3 do art.º 138º do CPA fixa-lhe a seguinte ordem de prevalência hierárquica: Decretos Regulamentares; Resoluções do Conselho de Ministros; Portarias; e Despachos normativos, donde podermos concluir com segurança que a Resolução do Conselho de Ministros a que se faz referência na decisão recorrida é uma norma jurídica emanada do Governo, com caráter geral e abstrato (tal como as leis emanadas da Assembleia da República), e que tem força vinculativa perante todos os cidadãos a quem se destina, pelo que não vemos como ignorá-lo.
Finalmente, faz-se referência na decisão recorrida, para melhor fundamentar a afirmação de que a situação de Pandemia que esteve na origem da Lei nº 1-A/2020 de 19 de Março se mostra ultrapassada, à publicação do DL nº 66-A/2022, de 30.9. que procedeu à revogação de vários diplomas também aprovados durante a Pandemia – insurgindo-se também os recorrentes contra este segmento da decisão recorrida, dizendo, além do mais, que a Lei nº 1-A/2020 de 19 de Março não consta entre os diplomas revogados pelo mencionado DL.
É certo o afirmado pelos recorrentes, quer porque a mencionada Lei (aprovada pela Assembleia da República) nunca poderia ser revogada expressamente por um Decreto-Lei emanado do Governo, quer porque, como se disse acima, tratando-se de uma Lei temporária, a mesma não carece de revogação por nenhum diploma legal; ela deixa de vigorar por falta de pressupostos para a sua vigência.
Ainda assim, não deixa de ser sugestivo o que se menciona no preâmbulo do citado DL nº 66-A/2022, de 30.9., de que “… Desde o início da pandemia da doença COVID19, o Governo tem vindo a adotar uma série de medidas de combate à pandemia, seja numa perspetiva sanitária, seja nas vertentes de apoio social e económico às famílias e às empresas, com o intuito de mitigar os respetivos efeitos adversos. Face ao desenvolvimento da situação epidemiológica num sentido positivo, observado nos últimos meses, assistiu-se á necessidade de aprovação de novas medidas e de renovação das já aprovadas. Concomitantemente, importa ter presente que a legislação relativa à pandemia da doença COVID-19 consubstanciou-se num número significativo de decretos-leis com medidas aprovadas com o objetivo de vigorar durante um período justificado. Neste contexto, através do presente decreto-lei procede-se à clarificação dos decretos-leis que ainda se encontram em vigor, bem como à eliminação das medidas que atualmente já não se revelam necessárias, através de determinação expressa de cessação de vigência de decretos-leis já caducos anacrónicos ou ultrapassados pelo evoluir da pandemia. Importa, contudo, garantir que as alterações promovidas a legislação anterior à pandemia pelos decretos-leis agora revogados não são afetados. Assim, clarifica-se que a revogação promovida pelo presente decreto-lei tem os seus efeitos limitados aos decretos–leis aqui previstos, não afetando alterações a outros diplomas introduzidas por estes que agora se revogam. Desta forma, ganha-se em clareza e certeza jurídica, permitindo aos cidadãos saber –sem qualquer margem para dúvidas – qual a legislação relativa à pandemia da doença COVID-19 que se mantém aplicável…” – tudo no sentido de que os diplomas legislativos aprovados durante o período da Pandemia tiveram um caráter temporário, revelando-se desnecessários alguns deles.
Aliás, isso mesmo resulta do que vem previsto no seu art.º 1.º, intitulado “Objeto”, no qual se salvaguarda que “o presente decreto-lei: a) Considera revogados diversos decretos-leis aprovados no âmbito da pandemia da doença COVID-19, determinando expressamente que os mesmos não se encontram em vigor, em razão de caducidade, revogação tácita anterior ou revogação pelo presente decreto-lei…”. Ou seja, resulta do art.º citado que se consideram revogados pelo mencionado DL outros diplomas legislativos já caducados ou revogados tacitamente, destinando-se o mesmo diploma apenas a revogar, de forma expressa (em termos de clarificação, como do mesmo resulta) alguns diplomas cuja vigência possa suscitar dúvidas aos cidadãos neles visados.

Resulta de todo o exposto que são de improceder todas as questões suscitadas nos autos pelos recorrentes, sendo de manter a decisão recorrida (embora com uma retificação quanto à alínea a):

a) Declarar a caducidade, por falta de verificação dos seus pressupostos de aplicação, da norma prevista no art.º 6º-E nº 7, alínea b), da Lei nº 1-A/2020, de 19/03 (com a redação que lhe foi dada pela Lei nº 13-B/2021, de 5.4),
Mantendo-se no mais a decisão recorrida.
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V- DECISÃO:

Por todo o exposto, Julga-se Improcedente a Apelação e confirma-se, a sentença recorrida (embora com uma retificação quanto à alínea a):
a) Declarar a caducidade, por falta de verificação dos seus pressupostos de aplicação, da norma prevista no art.º 6º-E nº 7, alínea b), da Lei nº 1-A/2020, de 19/03 (com a redação que lhe foi dada pela Lei nº 13-B/2021, de 5.4),
Mantendo-se no mais a decisão recorrida.
Custas da Apelação pelos recorrentes (art.º 527º nº1 e 2 do CPC).
Notifique
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Sumário do Acórdão:

I- O art.º 7º nº1 do Código Civil, intitulado “Cessação da vigência da lei” contém uma exceção à regra de que a revogação de uma lei deve ser revogada por outra, prevendo-se nele a existência de leis destinadas a ter uma vigência temporária, o que é manifestamente o caso das leis publicadas em tempo de Pandemia, e que se destinaram a regular matérias relacionadas com a situação pandémica vivida no nosso país desde 19 de março de 2020, as denominadas pela doutrina “Leis temporárias ou excecionais”.
II- O fundamento principal para a caducidade da Lei nº1-A/2020, de 19 de Março (ou melhor, do art.º 6º-E nº 7, alínea b), daquela Lei - com a redação que lhe foi dada pela Lei nº 13-B/2021, de 5.4), é o desaparecimento da situação que esteve na sua origem ou que lhe deu razão de ser, por se tratar de uma Lei de natureza temporária ou excecional, que não carece de qualquer outra Lei para a sua revogação.
III - A resolução do Conselho de Ministros n.º 73-A/2022, de 26 de Agosto prorrogou a declaração da situação de alerta, no âmbito da pandemia da doença Covid-19, até às 23.59h do dia 30 de Setembro de 2022, em todo o território nacional continental, pelo que desde as 00.00h do dia 01 de Outubro de 2022, não vigora em território nacional qualquer situação de estado de alerta, contingência, calamidade ou emergência decorrente ou relacionado, direta ou indiretamente, com a infeção epidemiológica por SARS-CoV-2 e/ou pandemia da doença COVID-19.
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Guimarães, 16.3.2023