Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
5566/20.6T8BRG.G1
Relator: MARIA LEONOR CHAVES DOS SANTOS BARROSO
Descritores: SUSPENSÃO DO DESPEDIMENTO
PRESCRIÇÃO
CADUCIDADE
NULIDADE DO PROCESSO DISCIPLINAR
INQUÉRITO PRÉVIO
JUSTA CAUSA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 09/23/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO SOCIAL
Sumário:
É de confirmar o despacho judicial que não admitiu a junção de documentos cuja apresentação ocorre quando já decorria o julgamento, cuja extemporaneidade não tem justificação legal e cuja prova não se destina a factos com relevo na acção.
O recurso a um prazo superior de prescrição criminal para o exercício da acção disciplinar nos casos em que o comportamento do trabalhador integra simultaneamente infracção disciplinar e criminal, não depende de quaisquer outros requisitos, que não sejam a mera possibilidade abstracta de verificação do ilícito criminal.
O prazo de caducidade de 60 dias para o empregador iniciar o procedimento disciplinar só se desencadeia com o conhecimento efectivo e cabal por parte da entidade que detém competência disciplinar.
Não são causas de nulidade do processo disciplinar; (i) o aproveitamento de um processo disciplinar já instaurado para averiguação de novas infrações, conquanto estas sejam vertidas na nota de culpa; (ii) a recolha de provas ainda em sede de averiguação prévia que precede o processo disciplinar, depois nele incorporadas, estando o processo livremente acessível ao trabalhador após a nota de culpa; (iii) a irregularidade de suspensão preventiva do trabalhador.
O despedimento justifica-se quando o empregador perde irremediavelmente a confiança no seu trabalhador em virtude de comportamentos que, em si mesmo, encerrem a violação do dever de lealdade, seja qual for o prejuízo. De que é exemplo a actuação de uma subgerente bancária que transfere valores de contas de clientes, sem autorização e à sua revelia e, ademais, forja documentação destinada a criar nos clientes a ideia de que os seus valores permanecem investidos nas suas contas.

Maria Leonor Chaves dos Santos Barroso
Decisão Texto Integral:
I – RELATÓRIO

M. J. intentou procedimento cautelar especificado de suspensão de despedimento individual contra BANCO ... S.A.
A requerente exceciona o decurso do prazo prescricional de um ano para o exercício do poder disciplinar (329º, nº 1, CT) e, ainda, a caducidade do direito de aplicar a sanção de despedimento, por ter sido ultrapassado o prazo de 60 dias (329º, 2, CT). Argui, também, a nulidade do procedimento disciplinar, por: (i) obtenção de meios probatórios sem ser a coberto do competente procedimento prévio de inquérito e suspensão preventiva da trabalhadora feita de forma ilegal; e (ii) indeterminabilidade da acusação, referindo-se ao artigo 108º da nota de culpa, que considera ser vaga e de todo não concretizada. No mais alega uma série de circunstancialismo lateral destinado à prova de alegados actos de pressão por parte dos clientes e, bem assim, de que não teve intenção de lesar o banco, nem obteve proveito próprio, pelo que inexistirá justa causa para despedir a requerente, devendo ser fixada ainda sanção compulsória.
A requerida apresentou o processo disciplinar. Deduziu oposição. Sustenta que os factos imputados constituem a prática dos crimes de falsificação de documentos e de infidelidade e que, por isso, o prazo aplicável é o da lei penal. Ademais, a entidade que detém o poder disciplinar só teve conhecimento dos factos com a recepção do Memorando enviado pela direcção de auditoria (DAU) em 5-03-2020, tendo nesse mesmo dia instaurado o processo disciplinar, sendo a nota de culpa enviada à autora em 13-04-2020. O processo disciplinar não enferma de qualquer nulidade: os fundamentos invocados nem sequer estão previstos na lei enquanto causas de nulidade, não tendo existido procedimento prévio de inquérito e o artigo 108º da n.c. é uma mera conclusão final, estando os factos disciplinares narrados na peça acusatória. A trabalhadora praticou factos graves dado que, enquanto subgerente de uma agência do Banco ..., sem consentimento e à revelia dos clientes do banco (J. G. e A. N.), efectuou diversas transferências das suas contas para a conta de um terceiro, procedeu à venda de títulos da carteira de um cliente sem o seu consentimento, para além de forjar documentos destinados a enganar o cliente (J. G.) e induzi-lo a pensar que mantinha o dinheiro investido. Actos que quebram irremediavelmente a confiança e justificam o despedimento.
Realizou-se audiência final que durou várias sessões.
No intervalo entre as várias sessões, em 12-3-2021, a ora recorrente requereu a junção de dois documentos, ao abrigo do disposto no nº 2 do artigo 35º do CPT, que, no seu entender, seriam importantes para a descoberta da verdade e para a boa decisão da causa, os quais comprovariam que foi suspensa em data anterior à indicada pela Requerida, sem qualquer justificação. A junção de documentos não foi admitida por despacho que precede a prolação da decisão final, e que é agora alvo de recurso.

Foi proferida decisão final onde:
(i) não se admitiu a junção dos dois documentos acima referida;
(ii) se julgou improcedentes as excepções peremptória de caducidade, de prescrição e as alegadas nulidades decorrentes da presumida inobservância de formalidades previstas na lei como susceptíveis de determinar a ilicitude do despedimento;
(iii) julgou improcedente o procedimento cautelar especificado de suspensão de despedimento individual e não se decretou a suspensão do despedimento.

A REQUERENTE TRABALHADORA RECORREU – CONCLUSÕES APERFEIÇOADAS:

I) O presente recurso fundamenta-se, em primeiro lugar, ao abrigo do n.º 2, alínea d) do artigo 644.º do C.P.C. (ex-vi art.º 1.º C.P.T.), na circunstância do despacho que antecedeu a prolacção do douto aresto recorrido sob a refª: 38275611, com data de elaboração de 29/03/2021, ao ter denegado um meio de prova (requerimento apresentado em juízo pela Apelante em 12/03/2021, sob a refª: 11216714 para junção de documentos), incorreu em inobservância das disposições conjugadas dos artigos 3.º, n.º 3, 415.º, n.º 1, n.º 2 do art.º 423.º (ex-vi art.º 1.º CPT) todos do C.P.C., n.º 2 do art.º 35.º do CPT, bem assim dos art.ºs 341.º, 342.º, n.ºs 1 e 2, 345.º e 346.º, estes do Código Civil, art.º 6.º, n.º 3, alínea d) da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, tendo inobservado, desse o modo, o regime legal estabelecido para os meios probatórios que podem ser carreados e admitidos pelo Tribunal;
II) Doutra sorte, agora ao abrigo do artigo 640.º do C.P.C. (ex-vi art.º 1.º e n.º 1 do art.º 40.º, ambos do CPT), estriba-se ainda a presente Apelação, na impugnação da matéria de facto ínsita à factualidade dos pontos 2) e 79) do elenco da matéria de facto dada como provada, bem assim, adicionalmente e como “reverso da medalha”, deveria ter-se dado como provada alguma da não provada, maxime, a alegada nos pontos 84.º, 85.º, 87.º, 88.º, 86.º, 88.º, 89.º, 90.º, 91.º, 92.º, 93.º, 95.º, 96.º, 105.º, 106.º, 114.º, 115.º, 116.º, 117.º, 118.º, 119.º, 120.º, 121.º, 122.º, 123.º, 128.º, 129.º, 131.º, 130.º, 133.º, 134.º, 135.º, 136.º, 137.º, 138.º, 139.º 140.º, 145.º, 150.º, 152.º, 153.º, 154.º e 164.º todos vertidos em sede do requerimento inicial;
III) Sem prescindir, e salvo o devido respeito por melhor opinião, o presente recurso tem ainda por fundamento a desajustada interpretação/aplicação do direito efectuada na douta sentença recorrida, com a qual a Apelante não concorda, designadamente, e por um lado, a): relativa à apreciação da excepção da caducidade/prescrição sobre os artigos n.ºs 1 e 2 do art.º 329.º, 352.º e 496.º, todos do Código do Trabalho (Lei 7/2009 de 12/02), n.º 2 da cláusula 104.ª do Acordo colectivo aqui aplicável, outorgado entre o BANCO ..., S.A. e outros e a Federação do Sector Financeiro, publicado no BTE n.º 6, 15/02/2017, art.ºs 224.º e 256.º do Código Penal no que especificamente tange à excepção de caducidade e bem assim, para além dos que antecedem, do encadeado normativo composto pelos artigos 18.º, n.º 1, n.º 2 do art.º 32.º e 219.º da Constituição da República Portuguesa, art.ºs 115.º, n.º 1, alínea c), do n.º 1 do art.º 118.º e 198.º, estes do Código Penal, no que concretamente concerne à apreciação da excepção de prescrição; b) a restritiva e errada interpretação/aplicação do direito efectuada na douta sentença recorrida no que toca ao (in)deferimento da providência, verbi gratia, sobre os artigo 39.º, n.º 1 do CPT, e bem assim do disposto no art.º 351.º, n.ºs 1 e 2 alíneas a), d) e e) do C.T.;
IV) No que especificamente tange à manutenção do indeferimento da impetrada prova documental, equivaleria quer à impossibilidade práctica da Recorrente em lograr provar factualidade essencial ínsita na sua causa de pedir (v.g. do aventado nos pontos 178.º a 183.º da petição, ou seja, da matéria respeitante aos actos praticados pela entidade empregadora que invalidam todo o processo disciplinar), bem assim, dos pedidos por si formulados ao abrigo das alíneas c), d), e) e f) do seu petitório, (n.º 1 do art.º 342.º do Código Civil), privando-se deste modo a trabalhadora, de um meio probatório essencial para a descoberta da verdade;
V) Efectivamente, a Apelante discorda do entendimento perfilhado pelo Tribunal “a quo”, uma vez que a irregularidade, cometida por parte da entidade empregadora (extemporânea suspensão da Recorrente por parte da comissão de auditoria, que não tinha poderes para tanto), apenas vem comprovar a alegação da Recorrente de que o processo disciplinar, devendo obedecer a regras e formalismos concretamente determinados na lei, fundados em princípios constitucionais, foi ostensivamente violado, reforçando, desta forma, a pretensão da Apelante quanto à nulidade do mesmo;
VI) A apontada vicissitude inclui-se no âmbito da cláusula geral sobre as nulidades processuais constante do art.º 195.º, n.º 1, do Cód. de Proc. Civil, por violação do regime atinente à admissibilidade da junção aos autos da prova documental, o que implica a nulidade da sentença e dos termos subsequentes;
VII) No que à impugnação e modificação da matéria de facto concerne, constam do processo, do universo concatenado da prova produzida, verbi gratia, as declarações de parte da trabalhadora, M. J., os depoimentos das testemunhas J. M., F. E. e M. B., estando disponível, portanto, todo um manancial de elementos probatórios mais do que suficientes para alterar, no sentido propugnado infra, a modificação da sobredita matéria de facto dada como assente (e não assente);
VIII) Salvo o devido respeito por melhor opinião, o Meritíssimo Juiz do Tribunal “a quo”, desconsiderou e obnubilou por completo as declarações das preditas testemunhas respeitantes ao enquadramento e entorno fáctico em que ocorreram determinados factos essenciais, imputados à trabalhadora e que sustentam o despedimento cuja suspensão se pretende;
IX) Sublinhe-se com particular enfoque que se afigura totalmente ininteligível que o Tribunal “a quo”, por um lado e no que à facticidade vindicada pela empregadora/Apelada concerne, tenha considerado que “as testemunhas inquiridas confirmaram igualmente os factos em que intervieram”, ao passo que, por outro, reputou como não provados todos os factos aduzidos pela Recorrente, não sendo menos certo que em nenhuma das apontadas vertentes das declarações tenha sido assacada qualquer falta de credibilidade às mesmas, valendo isto por dizer, portanto, não ser possível discernir qual o critério adoptado pelo julgador de 1.ª instância para tão somente ter atribuído parcialmente relevância ao depoimento das mesmíssimas testemunhas, na parte em que “confirmaram” a facticidade aventada por parte da entidade empregadora, mas por outro lado, outrossim e ao invés, já não as motivações e justificações subjacentes desses mesmos factos imputados à trabalhadora;
X) Ademais, foram dados como não provados factos, inclusivamente não impugnados por parte da Apelada, bem assim, outros ainda que se encontram documentados nos autos em apreço;
XI) Da factologia prevista no acervo delimitado aos pontos 84.º, 85.º, 87.º e 88.º da p.i. decorre com indubitável certeza do teor das declarações dos depoimentos dos sobreditos F. E., CD/registo fonográfico: 00:03:01 até 00:07:18: e bem assim J. M., CD/registo fonográfico: 00:06:16 até 00:10:21, ambos na sessão de julgamento de 11-03-2021, que existem nos autos elementos probatórios suficientes para que tivesse sido dado como provado que foi acordado por J. G., na pessoa do irmão J. M., enquanto aguardavam pela resposta ao pedido de financiamento que havia sido apresentado junto do banco Apelado, a transferência, a título de empréstimo, de 15.000€ para a sociedade Imobiliária Y, Unip. Lda., cujo qual foi realizado de forma a sinalizar a compra de dois imóveis que a sociedade pretendia e acabou efectivamente por comprar;
XII) Para além da factualidade vinda de referir-se, descrevem os pontos 88.º, 89.º e 90.º da p.i., os motivos pelos quais a Recorrente levou a cabo as aludidas transferências bancárias, ou seja, sempre no sentido de CONCOMITANTEMENTE tentar conciliar, quer os interesses da sociedade Imobiliária Y, Lda., e bem assim zelar pela posição da entidade empregadora, aqui Apelada, ao que acresce que em estrita conexão com aqueles, deverão, ainda, ser devidamente concatenados, os factos descritos nos pontos 86.º, 95.º, 96.º e 105.º, os quais reflectem porque razão entendia a Recorrente que a operação de financiamento vinda de referir-se, viria a ser certamente, aprovada;
XIII) Com efeito, perscrutem-se as declarações prestadas por F. E., no decurso da sessão de julgamento de 11/03/2021, CD/registo fonográfico: 00:11:54 até 00:12:27, 00:40:30 até 00:40:49 e 00:07:12 até 00:09:41, através das quais é possível perceber que o proprietário dos apartamentos, com quem a Imobiliária Y, Lda. havia já realizado um contrato-promessa de compra e venda, começou a pressionar o referido depoente e gerente da sociedade, tendo em vista a marcação das escrituras de compra e venda dos referidos imóveis;
XIV) Com efeito, dilucidaram as testemunhas F. E. e bem assim J. M., sessão de julgamento de 11/03/2021, CD/registo fonográfico: 00:02:14 até 00:06:14, 00:12:26 até 00:14:40 e 00:48:51 até 00:51:02 que, tendo em consideração a facticidade aventada na conclusão anterior, a actuação da trabalhadora apenas pretendeu desbloquear uma situação que sempre pensou que (apenas por uma questão de tempo) iria ser resolvida;
XV) Acrescentaram ainda ambas as duas sobreditas testemunhas, a existência dum longo histórico de relações comerciais entre o banco (cuja interlocutora, muitas vezes, foi a Recorrente), o sócio da sociedade imobiliária Y Lda. e bem assim os restantes intervenientes ligados a esta sociedade, assim como, uma relação muito próxima de amizade e confiança entre todos os intervenientes que participaram no pedido de financiamento;
XVI) No que especificamente tange à facticidade descrita nos pontos 91.º e 154.º (considerada como não provada), bem como nos pontos 92.º e 93.º (com relação à qual foi considerada, no modesto entendimento da aqui Apelante, erroneamente, matéria conclusiva), todos eles do requerimento inicial e respeitantes à intensa pressão a que trabalhadora foi sujeita pelos clientes do banco, tendo em vista a concretização da operação de financiamento, deveria ter sido dada como assente;
XVII) Na verdade, tal pressão, como de resto vem expressamente referido no articulado do requerimento inicial, verbi gratia no seu ponto 93.º, havia sido já reconhecida, em sede de relatório pelo próprio sr. Instrutor do processo disciplinar, quando ali se consignou que (SIC): “A este respeito a testemunha F. E., em sede de inquirição, confirmou ter pressionado a Colaboradora-Arguida, com vista à aprovação da operação de financiamento – “(...) a testemunha referiu que de facto que exercia muita pressão, que ia muitas vezes ao Banco e que questionava a colaboradora, assim como o sr. J. M., se já havia resposta ou aprovação do crédito.”;
XVIII) Para além disso, tal materialidade foi também objecto das declarações da testemunha J. M., na sessão de julgamento de 11-03-2021, CD/registo fonográfico: 00:30:52 a 00:31:17, o qual inequivocamente (re)confirmou a verificação de intensa pressão exercida sobre a aqui Recorrente;
XIX) Doutra sorte, ressuma de modo inequívoco que a matéria vertida nos pontos 101.º, 102.º, 103.º, 155.º, 156.º, 157.º, 158.º, 159.º e 160.º do articulado do requerimento inicial, afigura-se de suma importância para a (boa) decisão da causa, conquanto no modesto entendimento da Recorrente, é deveras demonstrativa da inexistência de justa causa para o despedimento cujo decretamento da suspensão se pretende;
XX) Com efeito, tal factualidade explicita que o – PRETENSO – prejuízo PATRIMONIAL vindicado por parte da entidade empregadora apenas subsistirá, única e exclusivamente, por vontade da mesma;
XXI) Como deflui dos depoimentos entrecortados supra, o gerente da Imobiliária Y Lda., F. E., na sessão de julgamento de 11/03/2021, CD/registo fonográfico: 00:36:52 até 00:40:29, e bem assim J. M. na mesma sessão de julgamento, CD/registo fonográfico: 00:37:14 até 00:42:53, afirmou que há já mais de um ano que se tem deslocado regularmente à sucursal de Vieira do Minho do banco Requerido, no intuito de ver aprovada a operação de financiamento e consequente constituição de garantia real (hipoteca) sobre os apartamentos, de molde a operar a compensação de saldos através da restituição do montante utilizado na referida aquisição dos mesmos, não sendo menos certo que o Banco ... continua a protelar a situação, obstaculizando desse modo “a reposição de tais quantias”;
XXII) Doutra sorte, foi igualmente estranhamente desconsiderada por parte do Meritíssimo Juiz do Tribunal “a quo”, a factualidade constante dos pontos 106 e 164 do requerimento inicial, nos quais vem expressamente abordada a circunstância da Recorrente não ter retirado qualquer proveito pessoal com as operações por si efectuadas, conquanto foi dada como não provada, muito embora inexista nos autos qualquer indício de tal ter ocorrido, desde logo e apesar da própria entidade empregadora não ter alegado e/ou contraditado tal situação, matéria com relação à qual depuseram as testemunhas F. E. sessão de julgamento de 11/03/2021, CD/registo fonográfico: 00:43:28 a 00:44:28 e J. M. na mesma sessão de julgamento de 11/03/2021, habilus/CD/registo fonográfico: 00:42:54 até 00:43:58 e 00:45:51 até 00:46:13, circunstância essa reconhecida pelo próprio Meritíssimo Juiz do Tribunal “a quo” - sistema habilus no CD/registo fonográfico: 00:04:19 até 00:06:00, na sessão de julgamento dia 18-03-2021;
XXIII) Num outro plano da empreendida impugnação da matéria de facto, desta feita em relação à facticidade referente à situação da cliente Dª M. B. (pontos 114.º a 176.º), considerou-a igualmente o Meritíssimo Juiz do Tribunal “a quo”, como não provada ou como matéria conclusiva;
XXIV) Num primeiro lote que compreende os pontos 114.º, 115.º, 116.º, 117.º, 118.º, 119.º, 120.º, 121.º, 122.º, 123.º, 128.º, 129.º, 131.º e 140.º do requerimento inicial, até para uma melhor compreensão do problema e do entorno das questões, destinavam-se a enquadrar todo o relacionamento comercial entabulado entre a cliente M. B. (declarações prestadas na sessão de julgamento de 11/03/2021, CD/registo fonográfico: 00:01:47 até 00:11:03) e o BANCO ..., designadamente, as peripécias que antecederam a imputada actuação da Recorrente, assentes, resumidamente, na circunstância da cliente ter investido 50.000,00€ (cinquenta mil euros) em obrigações de caixa subordinada BANCO ..., 1ª série, tendo-lhe sido assegurado, que aquando do respectivo vencimento teria acesso à totalidade do valor investido, ou seja, de que se tratava de uma aplicação financeira com capital garantido;
XXV) Por seu turno, afiguram-se igualmente relevantes os pontos 129.º e 130.º do requerimento inicial, porquanto são os mesmos demonstrativos da transparência, lisura de procedimentos e profissionalismo da Recorrente para com a sua empregadora, como de resto pode perfeitamente ser aferido a partir das declarações de parte da trabalhadora, na sessão de julgamento de 18/03/2021 no CD/registo fonográfico: 01:06:18 até 01:08:07;
XXVI) Doutra banda, foi também ela desconsiderada a factualidade aduzida nos pontos 133.º, 134.º, 135.º, 136.º, 137.º, 138.º e 139.º do requerimento inicial, demonstrativa da pressão exercida sobre a Recorrente, por parte da cliente M. B., como de resto pode ser aquilatado através do teor das mensagens enviadas pela mesma, a este propósito, dirigidas à Recorrente e transcritas nos aludidos pontos da sobredita peça processual;
XXVII) Ora, a intensa pressão exercida sobre a Recorrente, foi manifestamente comprovada quer pelo envio das aludidas mensagens, quer pelo teor do depoimento prestado pela testemunha M. B., sessão de julgamento de 11/03/2021, CD/registo fonográfico: 00:10:19 até 00:14:31 quer pela própria Recorrente, em sede de declarações de parte na sessão de julgamento de 18/03/2021, CD/registo fonográfico: 01:12:18 até 01:13:41;
XXVIII) Uma outra factualidade igualmente relevante que foi totalmente desvalorizada e desconsiderada e na medida inversa deveria ter sido tida em conta pelo Tribunal “a quo”, é aquela que vem tratada nos pontos 145.º, 150.º, 152.º e 153.º do requerimento inicial;
XXIX) Neste universo, por força do sentido das declarações prestadas por parte da Recorrente na sessão de julgamento de 18/03/2021, registadas no sistema habilus/CD/registo fonográfico: 01:08:22 até 00:15:34, é possível concluir que esta sempre agiu de boa-fé e que dada a extraordinariedade das circunstâncias, a forma que encontrou para conciliar a “impossível” situação em que se encontrava, consistiu, a expensas próprias e em prejuízo UNICAMENTE pessoal, fazer um aforro mensal de 200€ (DUZENTOS EUROS), para que no final do prazo de 10 anos, o cliente A. N. pudesse ter disponível a quantia dos 40.000,00€;
XXX) Para além de toda a materialidade antecedentemente elencada, entendeu o Meritíssimo Juiz do Tribunal “a quo”, dar como provado, o ponto 2) da matéria assente, a qual considerou com interesse para a boa decisão da causa, (SIC): “No dia 6 de Março de 2020, foi enviada carta à Requerente determinando a suspensão preventiva da mesma sem perda de retribuição, para efeitos de averiguação dos factos indicados.”;
XXXI) No que a esta questão concerne e sem necessidade de alongadas considerações adicionais, (para tanto contribuindo que venha a ser admitida a junção por parte deste Colendo Tribunal dos documentos que o julgador de 1.ª instância entendeu como não relevantes para a descoberta da verdade e boa decisão da causa), é possível concluir que a trabalhadora, aqui Recorrente, foi relapsa e imediatamente suspensa no dia 5 de Março de 2020 pela Comissão de Auditoria e não no dia 6 de Março como sustenta a entidade Empregadora;
XXXII) Por seu turno, no ponto 79 da matéria dada como assente, foi consignado o seguinte: “O Banco Requerido já procedeu ao reembolso da quantia em que se encontrava lesado, devido ao comportamento da Requerente (cfr. fls. 164 e ss do processo disciplinar, que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais).”;
XXXIII) Todavia, salvo o devido respeito por melhor opinião, não obstante tal facto ter sido dado como provado por parte do Tribunal “a quo”, não tem o mesmo qualquer adesão à realidade, sendo, por isso, totalmente falso;
XXXIV) Em primeiro lugar, sublinhe-se que desde o primeiro momento em que a entidade empregadora afirmou a verificação do – PRETENSO - prejuízo patrimonial adveniente da operação referente à cliente M. B., a Recorrente, caso tal se viesse efectivamente a apurar – “ab initio” sempre manifestou e comunicou ao banco a sua disponibilidade para ressarcir, na sua integralidade, a quantia de 40.000,00€, obstando-se desse modo à PUTATIVA subsistência de algum eventual prejuízo patrimonial;
XXXV) Em segundo lugar, decorre com cristalina clareza do depoimento prestado por parte da testemunha e interveniente M. B. na sessão de julgamento de 11/03/2021, sistema habilus/CD/registo fonográfico: 00:18:18 até 00:22:42, 00:24:33 até 00:26:25 e 00:29:29 até 00:31:01, tendo ficado claramente demonstrado que os 40.000,00€ (QUARENTA MIL EUROS) transferidos para a sua conta por parte da Recorrente, foram já integralmente reavidos pelo Banco, tal significando, que a operação imputada à Recorrente foi já anulada pela entidade empregadora;
XXXVI) Concluindo a impetrada reapreciação da matéria de facto, um aspecto extremamente relevante a ponderar, para que este Venerando Tribunal possa adequadamente apreciar o decretamento da suspensão do despedimento, prende-se com o longo histórico disciplinar imaculado da Recorrente, enquanto trabalhadora do BANCO ... (aqui Requerido), referido nos pontos 107.º, 108.º, 109.º, 110.º e 111.º do requerimento inicial;
XXXVII) Nesta sede, sublinhe-se com particular enfoque que, confessada que foi, nos termos e para os efeitos do estabelecido na “primeira parte” do n.º 2 do art.º 574.º do CPC, ex-vi alínea a) do n.º 2 do art.º 1.º do CPT, a questão respeitante ao imaculado passado disciplinar da Apelante, decorrendo, de resto, do ponto 129 da Oposição à Providência Cautelar apresentada pela trabalhadora, ao que acresce que consta do próprio relatório final do procedimento disciplinar junto aos autos o seguinte (SIC): “A Colaboradora-Arguida não tem nenhuma sanção disciplinar registada no livro de sanções disciplinares (fl.13 - verso).”;
XXXVIII) Deste modo, atenta a objectiva inexistência de controvérsia acerca deste tema, uma vez que o próprio Apelado assume e não colocou em causa que a Recorrente não tem averbada qualquer sanção disciplinar, deveriam ter sido dados como provados os pontos 107.º, 108.º, 109.º, 110.º e 111.º do requerimento inicial;
XXXIX) Deste modo, em função do que se revelou, roga-se a este Venerando Tribunal para que forme uma convicção verdadeira - e fundamentada -, sobre a prova produzida na 1.ª instância, independente ou autónoma da convicção do juiz “a quo”, não devendo limitar-se a controlar a legalidade da produção da prova realizada naquela instância e a aceitar o resultado do exercício dessa prova, conquanto ressuma de modo inequívoco que esse julgamento demonstra ser totalmente ilógico, irracional, arbitrário, incongruente ou absurdo (como de resto manifestamente sucede “in casu”);
XL) Finalmente, sem prejuízo de tudo quanto até aqui se esgrimiu, e salvo o devido respeito por melhor entendimento, a Apelante não concorda “in totum” com a desajustada interpretação/aplicação do direito efectuada na douta sentença recorrida, designadamente, e por um lado, a): relativa à apreciação da excepção da caducidade/prescrição; b) a restritiva e errada interpretação/aplicação do direito efectuada na douta sentença recorrida no que toca ao (in)deferimento da providência, verbi gratia, sobre os artigo 39.º, n.º 1 do CPT, e bem assim do disposto no art.º 351.º, n.ºs 1 e 2 alíneas a) d) e e) do C.T.;
XLI) Acerca deste conspecto, cumpre antes de tudo o mais evidenciar que atentas as datas de referência mencionadas pelo próprio Recorrido em sede do procedimento disciplinar/Oposição à providência cautelar, respeitantes à ocorrência dos factos que imputa à Recorrente para fundamentar o despedimento em crise, facilmente se alcança que haviam já ocorrido, quer a caducidade do direito da empregadora aplicar a sanção de despedimento e bem assim, da prescrição do exercício do poder disciplinar por parte da mesma;
XLII) Ciente de tais vicissitudes e numa tentativa de “as contornar”, veio o empregador imputar à trabalhadora a prática de condutas – supostamente - penalmente puníveis, com o confessado intuito (quer em sede de processo disciplinar, e bem assim reiterado na Oposição à Providência Cautelar), para desse modo poder desazadamente beneficiar, sem mais, da aplicabilidade do prazo de prescrição da lei penal;
XLIII) Nesta conformidade, saliente-se que a convenientemente linear e simplista leitura atinente à aplicação dos prazos de prescrição da lei penal, quando o facto de que está indiciado o colaborar em causa, para além da infracção laboral, consubstanciar crime, propugnada pelo Apelado não poderá “in casu” ter qualquer acolhimento;
XLIV) Com efeito, pretendendo o aqui Recorrido fazer-se valer de tais (mais) alongados prazos, recairia sobre si o ónus de demonstrar a tipificação penal de uma determinada conduta, maxime os respectivos elementos objectivos e subjectivos do tipo, sendo que, “in casu”, tal manifestamente não logrou fazer no que importa à(s) conduta(s) que reputa como tendo significância jus-laboral e juspenal, imputadas à trabalhadora;
XLV) Ademais, o procedimento disciplinar que culminou com o despedimento ora em crise encontra(va)-se inquinado de caducidade;
XLVI) Nesta sede, a entidade empregadora lançou mão de um inquérito prévio (por mor do qual suspendeu desde logo a trabalhadora), o qual apenas teve início em 04 de Março 2020 (cfr. fls 20 e sgs. do processo disciplinar), todavia, em sede do relatório que determinou o despedimento veio, contraditoriamente, negar ter existido o aludido inquérito prévio;
XLVII) Não sendo menos certo que a entidade empregadora tinha já notícia dos factos respeitantes ao cliente Sr. J. G., constantes dos pontos 17 a 41 da peça acusatória (correspondentes aos pontos 16 a 39 da matéria considerada como provada no relatório), pelo menos desde 17 de outubro de 2019, como de resto vem expressamente reconhecido no ponto 19 da predita nota de culpa, circunstância que excede largamente o prazo de 30 dias legalmente fixado para o efeito;
XLVIII) A este propósito a lei estabelece que o procedimento disciplinar deve iniciar-se nos 60 dias subsequentes àquele em que o empregador, ou, alternativamente, o superior hierárquico com competência disciplinar, teve conhecimento da infracção, sendo que “in casu”, pelo menos o empregador tinha já tido conhecimento dos factos, há mais tempo do apontado hiato temporal de 60 (sessenta) dias anteriores ao desencadear do processo disciplinar;
XLIX) De igual sorte, em nenhum momento fundamentou a empregadora, qualquer necessidade real, efectiva e objectiva de proceder à realização do procedimento prévio de inquérito tendo em vista a elaboração da nota de culpa, conquanto em nenhum momento manifestou aquela ter apenas meras suspeitas de um comportamento disciplinarmente punível (atento, inclusive, o cariz peremptório com que na peça acusatória afirma que os supostos ilícitos disciplinares assumem concomitantemente relevância criminal);
L) E/ou desconhecer o agente da – putativa - infracção ou, sequer, da totalidade dos factos e circunstâncias relevantes (na justa medida em que o auto de inquérito junto ao processo disciplinar se reduz a um questionário que reproduz as queixas que já haviam sido apresentadas pelos clientes), irregularidade essa que igualmente fulmina de caducidade e invalidade o predito processo disciplinar, a qual foi expressa e oportunamente vindicada, muito embora totalmente obnubilada, primeiro pelo sr. instrutor, e hodiernamente pelo julgador de 1.ª instância, vicissitude essa que aqui novamente se invoca!;
LI) Acresce que, no que especificamente tange aos factos respeitantes à cliente M. B., ínsitos nos pontos 42 a 59 da peça acusatória (correspondentes aos pontos 40 a 57 da matéria considerada como provada no relatório), não foram os mesmos contemplados no inquérito prévio pregressamente mencionado, o que consubstancia uma inequívoca violação da lei, mercê da verificação duma ostensiva discrepância da facticidade considerada nos aduzidos dois momentos processuais, vale dizer, no inquérito prévio e subsequente nota de culpa, vicissitude essa que inquina de nulidade “in totum” o presente procedimento disciplinar;
LII) Ademais, acresce que nem se entende o critério para a realização de tal procedimento prévio de inquérito, na estrita medida em que ambas as situações ressumaram de queixas apresentadas pelos respectivos clientes, não se vislumbrando como é que num caso a empregadora apreendeu tudo e noutro já não...;
LIII) Noutro plano, a propósito da prescrição da infracção disciplinar, tendo em consideração que esta prescreve ao fim de 1 ano, a contar do momento em que teve lugar, facilmente se conclui que quer no caso dos factos imputados à Apelante e respeitantes ao aos pontos 16 a 39 da matéria considerada como provada no relatório), reportam-se já aos dias cliente Sr. J. G., constantes dos pontos ponto(s) 17 a 41 da peça acusatória (correspondentes 29 de Agosto, 30 de Agosto e 15 de outubro, todos de 2018;
LIV) Na verdade e nos termos que se deixaram aflorados supra, nem se diga, como de resto, salvo o devido respeito, pretende fazer crer o Apelado, e o Tribunal “a quo” acompanhou, que os pretensos factos são susceptíveis de, alegadamente, constituírem ilícitos criminais e que por isso, nos termos do n.º 1 do art.º 329 do CT, o prazo de prescrição da alegada e hipotética infracção disciplinar seria o da lei penal;
LV) ….
LVI) Transmutando, “mutatis mutandis”, a predita orientação jurisprudencial para o caso em vertente, tendo o Recorrido, sem mais, indemonstradamente vindicado o alargamento do prazo prescricional, mercê da putativa circunstância da facticidade na qual assentou o despedimento, em abstracto, ter igualmente significância criminal;
LVII) Não tendo, contudo, oportunamente apresentado qualquer participação criminal por tais factos contra a aqui Recorrente;
LVIII) Ademais, importante seria, então, e para além daquilo que já se deixou aventado supra, que os factos pudessem efectivamente consubstanciar ilícito criminal, o que, no modesto entendimento da Recorrente não se confirma (desde logo porque, para além da inexistência de qualquer intencionalidade, inexistiu igualmente qualquer prejuízo patrimonial, e ainda que tal tivesse ocorrido, o mesmo tão-somente subsistirá por mero capricho do Recorrido...);
LIX) Assim, relativamente a estes concretos actos, o prazo prescricional mais favorável ao empregador não é aplicável, porquanto os autos de processo disciplinar conducentes ao despedimento sub judicio, não contêm dados que permitam concluir, ainda que em abstracto, pela comissão de algum dos apontados crimes;
LX) Para além do mais, por aplicação directa (cfr. art.º 18.° n.º 1 da CRP) do preceito constitucional que estabelece a presunção de inocência, é pois de afastar, sem mais, a aplicação do disposto no art.º 329.° n.º 1 do CT;
LXI) Assim há que concluir que, à data da instauração da acção disciplinar, mostravam-se prescritas as infracções disciplinares relativas aos factos ocorridos em 29, 30 de Agosto e 15 de Outubro de 2018, por ter decorrido mais de um ano sobre a prática dos mesmos;
LXII) No que concretamente concerne ao tema da nulidade do procedimento disciplinar, foram obnubilados por completo as exigências do direito de audiência e o direito ao exercício do contraditório, que determinaram uma ostensiva inobservância das efectivas garantias de defesa à trabalhadora, que lhe impossibilitaram uma adequada organização da sua defesa, com reflexos na invalidade, rectius: nulidade de toda a prova obtida em tais circunstâncias e também do processo disciplinar;
LXIII) Ademais, a não ter sido determinada a realização de qualquer procedimento prévio de inquérito (como clama o Recorrido), não tem o empregador legitimidade para invocar e fazer-se valer de meios probatórios obtidos antes mesmo do início do processo disciplinar;
LXIV) A este propósito, não tendo sido observado pela empregadora o prazo de 30 dias para a suspensão preventiva, consubstanciou uma ostensiva violação do dever de ocupação efectiva da Recorrente;
LXV) Salvo o devido respeito por melhor opinião, se em tal momento inexistia ainda um processo disciplinar, então não pode ser obtida e muito menos utilizada prova sem ser a coberto do competente procedimento prévio de inquérito;
LXVI) Razão pela qual, tal vicissitude, inquina e fulmina de nulidade, na sua globalidade, para além da aludida prova, também o próprio processo disciplinar.
LXVII) No que ao decretamento da providência cautelar propriamente dita concerne, para além da verificação dos requisitos próprios dos procedimentos cautelares – da demonstração da aparência do direito (fumus boni juris), do prejuízo que pode advir ao trabalhador com a demora da decisão (periculum in mora), o que no caso claramente se verifica, é ainda necessário que se conclua pela probabilidade séria da inexistência de justa causa- o que deve ser aferido face às provas dos autos e às circunstâncias relevantes do caso apuradas em sede cautelar;
LXVIII) Nesta decorrência, tendo por base a mais recente e dominante orientação jurisprudencial nesta matéria, nomeadamente, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 26/06/2019, prolatado no âmbito do processo n.º 218/18.0T8CTB.C1.S1, é possível antever que, a final, venha a ser declarada a ilicitude do despedimento aplicado à trabalhadora, sendo assim de concluir pela pertinência do imediato decretamento da suspensão do despedimento;
LXIX) Uma vez mais, sem prejuízo de tudo quanto se deixou antecedentemente aventado, embora sem conceder e/ou sequer conceber e somente aqui se equacionando por mera cautela de patrocínio, desta feita no tocante à “paralisação dos efeitos” da justa causa, não foi devidamente ponderado pelo Tribunal “a quo”, que mesmo a entender-se que a imputada actuação da Apelante pudesse ter comportado algum prejuízo para o Apelado, o que se desconhece e nos termos que se deixaram antevistos supra e não foi por nenhuma forma demonstrado, tal advirá tão-somente da circunstância do banco empregador ter norteado a sua actuação e assim persistir com base em ostensivo abuso de direito nos termos do artigo 334.º do Código Civil na modalidade de venire contra factum proprium; TERMOS EM QUE,deve revogar-se a douta sentença recorrida substituindo-a por outra que decrete a suspensão do despedimento com a consequente imediata, ainda que provisória, reintegração de funções, devidamente secundada pela aplicação de uma sanção pecuniária compulsória no montante de 500,00€ por cada dia de atraso no cumprimento da obrigação de reintegração de funções.

CONTRA-ALEGAÇÕES DO TRABALHADOR: em suma, o recurso deve ser julgado improcedente, confirmando-se na íntegra a decisão recorrida.

PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO: propugna que o recurso seja improcedente.

RESPOSTA AO PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO: não foram apresentadas respostas.
O recurso foi apreciado em conferência – art. 659º, do CPC.

QUESTÕES A DECIDIR (o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões do recurso (1)): indeferimento de junção de documentos; excepção de caducidade, de prescrição e a nulidade do processo disciplinar; impugnação da matéria de facto; inexistência de justa causa de despedimento.

I.I. FUNDAMENTAÇÃO

A - FACTOS PROVADOS

1) No dia 5 de Março de 2020, e na sequência do memorando com a referência DAU/CAJ/0020/2020 elaborado pela Direção de Auditoria do Requerido no uso das suas competências, foi, pelo membro da Comissão Executiva do Requerido e único titular do poder disciplinar, mandado instaurar o presente processo disciplinar com intenção de aplicação de sanção disciplinar de despedimento com justa causa à aqui Requerente.
2) No dia 6 de Março de 2020, foi enviada carta à Requerente determinando a suspensão preventiva da mesma sem perda de retribuição, para efeitos de averiguação dos factos indiciados.
3) No dia 10 de Março de 2020 foram nomeados instrutores do Processo Disciplinar os Advogados S. M., M. A., T. M. e M. C., todos Advogados da equipa de Direito Laboral da CMS R. P., com domicílio profissional na Rua …, Lisboa.
4) No mesmo dia 10 de Março de 2020 foi, pelos Instrutores dos autos, rececionado um conjunto de documentação, enviado pela Direção de Auditoria do Banco Requerido, que foi autuado ao presente processo e que passou a constar de fls. 6 a 165 do procedimento disciplinar.
5) Na mesma data, e após a receção da referida documentação, foi, pela Instrutora M. A., elaborado Termo de Abertura do processo disciplinar, que passou a constar de fls. 2 do procedimento disciplinar.
6) Na decorrência do exposto, no dia 13 do mês de Abril de 2020, foi remetida, à Requerente, uma carta, notificando-a da instauração do procedimento disciplinar com intenção de despedimento por justa causa, instruída com a respetiva nota de culpa (“NC”) e descrição fundamentada e circunstanciada dos factos que lhe eram imputados e que aqui se dão por integralmente reproduzidos, conforme junto a fls. 166 a 186 do procedimento disciplinar.
7) De igual modo, no mesmo dia 13 de Abril de 2020, foi enviada carta à Comissão de Trabalhadores do Requerido com cópia da comunicação enviada à Requerente e respetiva nota de culpa, conforme junto a fls. 189 e ss do procedimento disciplinar.
8) No dia 04 de Maio de 2020 pela Requerente foi remetido e-mail ao instrutor do procedimento disciplinar a solicitar esclarecimentos, os quais foram prestados no dia seguinte, por e-mail, tendo-se procedido à junção aos autos da NP0101 e OS 0115, conforme fls. 192 e ss do procedimento disciplinar.
9) A Requerente apresentou Resposta à Nota de Culpa (“RNC”) no dia 6 de Maio de 2020, a qual foi devidamente rececionada pelos Instrutores do Processo no dia 8 de Maio de 2020, tendo requerido a junção de documentação e a inquirição de duas testemunhas.
10) Tendo em conta que a Requerente requereu, em sede de RNC, que o advogado Dr. P. M., com domicílio profissional na Avenida …, Braga, estivesse presente nas inquirições das referidas testemunhas, o Instrutor do Processo, T. M., enviou um e-mail, no dia 13 de Maio de 2020, dirigido ao Dr. P. M. requerendo que este juntasse procuração ao processo para os referidos efeitos, o que sucedeu no mesmo dia (procuração junta ao processo, em fls. 229-A e ss).
11) Neste seguimento, foi proferido despacho interno, no dia 14 de Maio de 2020, a solicitar que fossem indicados, por escrito, os artigos sobres os quais cada testemunha deveria ser ouvida, bem como a solicitar esclarecimentos quanto a documentação junta com a RNC, assim como a proceder-se à junção de determinada documentação requerida em sede de RNC, conforme fls. 230 e ss do procedimento disciplinar.
12) Aos 21 dias do mês de Maio foi recebido por e-mail, pelo Instrutor do processo, T. M., requerimento da Requerente, em resposta ao despacho que antecede, solicitando a junção de procuração notarial e procedendo à junção de aos autos de duas certidões do registo civil, conforme fls. 248 e ss do procedimento disciplinar.
13) No dia 22 de Maio de 2020, na sequência do requerimento supra mencionado, foi solicitado pelo Instrutor do Processo, T. M., à Direção de Auditoria do Requerido, que diligenciasse pela obtenção da procuração a que a Requerente faz referência no requerimento supra, tendo sido, por email de dia 27 de Maio de 2020, rececionada resposta do Requerido referindo não ter sido identificada qualquer procuração no sistema interno do Requerido (cfr. despacho interno junto a folhas 255 do processo disciplinar), pelo que não foi possível proceder à junção da procuração.
14) No dia 23 de Junho de 2020, foi o Ilustre Mandatário da Requerente contactado telefonicamente para se proceder à conciliação de agendas e designar data para inquirição de testemunhas, a qual veio a ser formalizada por e-mail datado de 30 de junho de 2020, conforme fls. 257 e ss do procedimento disciplinar.
15) Aos dias 16 e 17 de Julho de 2020 foram ouvidas, por vídeo-conferência, respetivamente, as testemunhas F. E. e M. B., cujos originais dos autos de declarações se encontram juntos ao processo (cfr. fls. 260 a 272).
16) Em sede de inquirição da testemunha F. E., foi o Ilustre Mandatário da Requerente notificado para proceder à junção aos autos do(s) e-mail(s) a que se faz referência nos artigos 72.º e 73.º da RNC, tendo sido concedido o prazo de 10 (dez) dias.
17) Por e-mail datado de 27 de Julho de 2020 foi pelo Ilustre Mandatário da Requerente apresentado pedido de prorrogação do prazo para junção do(s) e-mail(s) por um período de 10 (dez) dias, o que veio a ser deferido, conforme fls. 266 do procedimento disciplinar.
18) No dia 18 de Agosto de 2020, dado o lapso temporal entretanto decorrido, e sem que tivesse sido junta a documentação aos autos, foi pelo instrutor do processo, T. M., remetido um e-mail ao Ilustre Mandatário da Requerente a solicitar que se proceda à junção aos autos da documentação até ao dia 21 de Agosto de 2020, tendo aquele respondido que, por motivo de férias, apenas estaria em condições de responder no dia 04 de setembro de 2020, conforme fls. 277 do procedimento disciplinar.
19) Por e-mail dirigido ao instrutor do processo, T. M., datado de 7 de Setembro de 2020, foi pelo Ilustre Mandatário da Requerente informado que a mesma estaria de férias até ao dia 16 de Setembro de 2020, motivo pelo qual não era possível até essa data juntar aos autos os documentos de que fora notificado para juntar em sede de inquirições (conforme fls. 278 do procedimento disciplinar).
20) No mesmo dia, i.e., no dia 7 de Setembro de 2020, foi remetida resposta ao e-mail que se faz referência no ponto anterior a dar nota de que, a indicar que, querendo, a mesma junte os documentos em questão com a maior brevidade possível.
21) No dia 16 de Setembro de 2020 foi rececionado por e-mail, dirigido ao instrutor do processo, T. M., e remetido pelo Ilustre Mandatário da Requerente, a dar nota de que a Requerente não tinha como proceder à junção do(s) e-mail(s) em questão porquanto não tinha acesso à conta de e-mail profissional.
22) Em resposta, e na impossibilidade de ser dado acesso à Requerente ao seu e-mail profissional, em virtude da mesma se manter suspensa no âmbito do procedimento disciplinar, foi pelo instrutor do processo, T. M., concedido o prazo de 3 (três) dias úteis para que a colaboradora arguida viesse informar os autos se autorizava ou não o Banco a consultar a referida caixa de correio eletrónico e extrair cópias das comunicações em questão (conforme fls. 278 do procedimento disciplinar).
23) Decorrido o prazo de 3 (três) úteis, e tendo a Requerente conhecimento de que nada dizendo no referido prazo não se procederia à consulta dos e-mails, ficando a sua junção aos autos prejudicada (conforme fls. 278 do procedimento disciplinar), foi, pelo instrutor T. M., junta cota ao processo a dar nota de tal informação.
24) No dia 30 de Setembro de 2020 foi elaborado o relatório final pelo instrutor do processo disciplinar, conforme fls. 282 e ss do processo disciplinar.
25) No dia 01 de Outubro de 2020 foi solicitada emissão de parecer à Comissão de Trabalhadores, conforme junto a fls. 296 e ss do procedimento disciplinar.
26) No dia 19 de Outubro de 2020 foi rececionado pelo Requerido parecer escrito da Comissão de Trabalhadores no qual se pode ler “(…) A Comissão de Trabalhadores, após análise da documentação e depoimentos constantes/inscritos no Processo Disciplinar, não tem forma de oposição ao teor do Relatório Conclusivo/Final (…)”, conforme junto a fls. 299 e ss do procedimento disciplinar.
27) A 22 de Outubro de 2020 foi emitida a decisão final do processo disciplinar, conforme junto a fls. 309 e ss. do procedimento disciplinar.
28) No dia 23 de Outubro de 2020, foi enviada, por correio registado com A/R, à Requerente, carta de decisão final, tendo sido aplicada a medida de despedimento com justa causa, a qual só veio a ser rececionada a 04 de Novembro de 2020, conforme junto a fls. 343 e ss do procedimento disciplinar.
29) A Requerente, identificada internamente com o n.º …..6, encontra-se ao serviço do Requerido por contrato de trabalho por tempo indeterminado com efeitos desde 15-05-1997 (“Contrato de Trabalho” - Cfr. fls 69 do processo disciplinar).
30) Desde Fevereiro de 2010 que a Requerente exerceu funções na Sucursal DRN Vieira Minho.
31) Sendo que, à data da prática dos factos que lhe são imputados na Nota de Culpa, a mesma desempenhava as funções de Subdiretora da Sucursal, na Direção Retalho Norte, Sucursal Vieira Minho (“Sucursal”).
32) No exercício da sua atividade profissional, a Requerente desempenhava as funções de Subdiretor de Sucursal, cabendo-lhe, de acordo com o seu descritivo funcional, entre outras, as seguintes funções:
a. Identificação de problemas complexos do ponto de vista operacional e identificação da respetiva solução;
b. Planeamento e organização de atividades;
c. Análise de necessidades de cliente externo e interno e desenvolvimento de soluções;
d. Conceção de processo e metodologias criativas e inovadoras da cadeia de valor;
e. Apoio na elaboração de propostas de caráter estratégico.
33) O Requerido, para além de dar formação contínua aos seus Colaboradores, para melhorar o desempenho e aperfeiçoamento das funções por estes desempenhadas (conforme resulta do “Histórico de Formação”, incluído no registo de pessoal, junto a fls 67 v do procedimento disciplinar), disponibiliza aos seus Colaboradores, de entre os quais a aqui Requerente, as regras e procedimentos em vigor no Banco para que estes possam desempenhar cabalmente as suas funções.
34) Enquanto Colaboradora do Requerido, a Requerente tinha conhecimento e acesso, nomeadamente:
a. Ao Código de Conduta do Banco, GR0021, em vigor desde 21 de Janeiro de 2020, assim como versões anteriores (cfr. fls 85 e ss. do processo disciplinar, que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais);
b. À Ordem de Serviços OS0035, em vigor desde 2 de Junho de 2017 (cfr. fls. 71 e ss. do processo disciplinar, que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais); assim como
c. À Norma de Procedimentos 0090, em vigor desde 30 de Maio de 2018, assim como versões anteriores, (cfr. fls. 135 e ss do processo disciplinar, que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais).
35) Do artigo 3º (Princípios de Conduta) do Código de Conduta GR0021 – Código de Grupo GR0021, resulta o seguinte:
“No exercício das suas funções, as pessoas indicadas no art.º 1º devem agir tendo presentes os seguintes princípios gerais: Legalidade; Transparência; Imparcialidade; Probidade; Integridade e honestidade e ética; Lealdade; Urbanidade; Diligência.”
36) Do artigo 5.º (Dever de diligência, cooperação e transparência) do Código de Conduta GR0021 – Código de Grupo GR0021, resulta o seguinte: “(…) 2. Os colaboradores devem desempenhar as suas funções de modo competente, eficiente, imparcial, transparente e equilibrado, em respeito pelos legítimos interesses dos clientes e do Grupo, devendo manter em perfeita organização os suportes de informação inerentes às suas atribuições profissionais.”
37) O artigo 14.º do Código de Conduta, sob a epígrafe “Conflito de interesses” dispõe que “Os membros dos órgãos de administração e fiscalização, bem como os colaboradores, devem evitar qualquer situação suscetível de originar conflitos de interesses com as suas funções, de modo a poderem atuar com plena independência de espírito, imparcialidade e isenção.”
38) Do número 1 do artigo 22º (Igualdade e relacionamento) resulta que “O Grupo promove a igualdade de tratamento de todos os clientes, não fazendo qualquer discriminação que não resulte de direitos que lhes assintam quer por virtude da natureza ou prioridade das suas ordens, quer por força da aplicação de qualquer outro dispositivo legal ou regulamentar.”
39) Do número 2 do mesmo artigo resulta ainda que “As pessoas singulares e coletivas indicadas no artigo 1º devem garantir o tratamento irrepreensível de todos os clientes, baseando o seu relacionamento numa atitude profissional, assente no diálogo e urbanidade, fomentando a inovação e cooperação e preservando sempre os valores de confiança, segurança, lealdade e respeito.”
40) Dispõe o artigo 24º (Proteção patrimonial) que “O Grupo deve assegurar, por todos os instrumentos legais e regulamentares ao seu dispor, a proteção dos ativos cuja gestão ou custódia lhe tenha sido confiada, sejam da propriedade dos clientes ou do Grupo, observando as disposições legais e regulamentares aplicáveis que determinem a segregação patrimonial dos ativos dos clientes.
41) Acresce que o artigo 25º (Conflitos de interesses com clientes) determina que “O Grupo organiza-se por forma a identificar potenciais conflitos de interesses e atuar de modo a evitar ou reduzir, ao mínimo, o risco da sua ocorrência.”
42) Por seu turno, a Ordem de Serviços 0035 (Formalização de instruções transmitidas por Clientes e competências de execução em situações de exceção) dispõe que “Não devem ser executadas, por quaisquer das áreas intervenientes, quaisquer ordens ou instruções transmitidas por meios e em condições distintas das enunciadas nesta Ordem de Serviço”.
43) Finalmente, resulta do Ponto 2.1 da Norma de Procedimentos NP0090 (Cheques Bancários e cheques Visados - Emissão.) que os colaboradores têm o dever de proceder do seguinte modo:
a. “Receber e conferir o pedido de emissão de cheque bancário - preenchimento do Mod. 10053038 (só disponível em economato).
b. Informar o Cliente do preço cobrado pelo respetivo serviço.
c. Conferir o preenchimento do referido modelo, a respetiva assinatura do Cliente e as condições de movimentação da conta, datando-o e rubricando-o com número de procuração ou na sua falta o n.º de colaborador (XNUC) legível.
d. Verificar a suficiência de saldo disponível, na conta do Cliente que será debitada.
e. Processar a operação através da tarefa 745 da PAB que efetua simultaneamente duas operações:
i. débito do montante na conta do Cliente – a certificar no impresso 10053038;
ii. impressão do cheque bancário (o impresso do cheque deve ser colocado na impressora sem qualquer preenchimento manual dado que o sistema assegura esse preenchimento integral).
f. Conferir o correto preenchimento do cheque confrontando-o com os dados constantes da requisição.
g. Obter assinaturas de dois procuradores do Banco.
h. Colocar o selo branco no cheque, para que ele se sobreponha aos campos do extenso e das assinaturas dos procuradores.
i. Fotocopiar o cheque, após concluídos os procedimentos precedentes.
j. Entregar ao Cliente, o cheque acompanhado da cópia do impresso de requisição devidamente certificado.
k. Arquivar o original do impresso da requisição, fotocópia do cheque emitido e comprovativo assinado pelo Cliente junto ao Diário de Caixa (NP0169).”
44) No passado dia 5 de Março de 2020 chegou ao conhecimento do membro da Comissão Executiva do Requerido com o Pelouro da área da Requerente – titular do poder disciplinar – que a mesma havia cometido um conjunto de ilícitos disciplinares em relação ao cliente J. G. (Cfr. fls 12 e ss. do processo disciplinar, que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais).
45) O Senhor J. G. é Cliente do Banco Requerido desde 26 de Julho de 1999, sendo titular solidário com a esposa da conta n.º .......98, e Procurador na conta n.º .......79, que é titulada individualmente pelo seu irmão, Sr. J. M..
46) No passado dia 17 de Outubro de 2019, o referido Cliente J. G. apresentou uma reclamação por telefone junto do Banco onde, em suma, questionava uma aplicação a prazo de EUR 100.000,00 (cem mil euros) e uma carteira de títulos de cerca de EUR 42.000,00 (quarenta e dois mil euros) que, segundo o próprio, não identificava nas consultas que efetuava ao seu património.
47) Com data de lançamento do dia 29 de Agosto de 2018, a Requerente processou uma transferência no montante de EUR 40.000,00 (quarenta mil euros) da conta titulada pelo Cliente J. G., com o n.º .......98, para a conta n.º .......30 titulada por M. T., que é sócio da empresa “ IMOBILIARIA Y UNIP LDA”, que titula a conta n.º ........57, (cfr. fls. 63 e ss do processo disciplinar, que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais).
48) No mesmo dia 29 de Agosto de 2018, a Requerente processou ainda uma transferência no montante de EUR 10.000,00 (dez mil euros) da conta em que o Cliente J. G. é procurador, com o n.º .......79, para a conta n.º .......30 titulada por M. T., que é sócio da empresa “IMOBILIARIA Y UNIP LDA”, que titula a conta n.º ........57, (cfr. fls. 63 e ss do processo disciplinar, que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais).
49) De novo, e com data de lançamento do dia 30 de Agosto de 2018, a Requerente processou uma transferência no montante de EUR 2.000,00 (dois mil euros) da conta titulada pelo Cliente J. G., com o n.º .......98, para a conta n.º .......30 titulada por M. T., que é sócio da empresa “ IMOBILIARIA Y UNIP LDA”, que titula a conta n.º ........57, (Cfr. fls. 63 e ss do processo disciplinar, que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais).
50) Também no dia 30 de Agosto de 2018, a Requerente processou uma transferência no montante de EUR 5.000,00 (cinco mil euros) da conta em que o Cliente J. G. é procurador, com o n.º .......79, para a conta n.º .......30 titulada por M. T., que é sócio da empresa “IMOBILIARIA Y UNIP LDA”, que titula a conta n.º ........57, (cfr. fls. 63 e ss do processo disciplinar, que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais).
51) E de novo, no dia 15 de Outubro de 2018, a Requerente processou uma transferência no montante de EUR 75.000,00 (setenta e cinco mil euros) da conta em que o Cliente J. G. é procurador, com o n.º .......79, para a conta n.º .......30 titulada por M. T., que é sócio da empresa “IMOBILIARIA Y UNIP LDA”, que titula a conta n.º ........57, (cfr. fls. 63 e ss do processo disciplinar, que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais).
52) Todas as contas mencionadas acima estão sediadas na Sucursal Vieira do Minho (891).
53) As transferências conforme acima descritas foram todas processadas pela Requerente sem que para tal existisse/exista documentação de suporte.
54) Em 19 de Julho de 2019 a Requerente efetuou uma transferência de EUR 7.000,00 (sete mil euros) em sentido inverso, i.e., por débito da conta n.º .......30, titulada pelo Cliente M. T., e para crédito da conta n.º .......79, titulada pelo Cliente J. M., na qual o Cliente J. G. é Procurador, (cfr. fls. 63 e ss do processo disciplinar, que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais).
55) Para a concretização das transferências executadas na conta n.º .......98, que não dispunha de saldo à ordem, a Requerente efetuou a venda da carteira de títulos do Cliente J. G., através das três operações que se detalham no quadro seguinte:


56) Existem em arquivo instruções assinadas pelo Cliente J. G. para as três vendas de títulos.
57) A Requerente, em Auto de Declarações prestadas à DAU do Banco Requerido, reconheceu que o Cliente assinou as instruções de venda convencido que estava a assinar a transferência da carteira de títulos para a conta .......79 do Cliente J. M., onde é procurador, (cfr. fls. 20 e ss. do processo disciplinar, que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais).
58) Motivo pelo qual o Cliente não identificava o património nas consultas que efetuava.
59) Ainda com respeito ao cliente J. G., verificou-se que, em 11 de Outubro de 2019, a Requerente por forma a sugerir ao Cliente que o mesmo era detentor de aplicação a prazo de EUR 100.000,00 (cem mil euros), sem que o fosse de facto, enviou por e-mail uma cópia extraída por si do sistema informático do Banco, com o detalhe do depósito a prazo n.º ………..018, constituído ou renovado em 05 de Janeiro de 2019, forjando o nome do Cliente para “J. G.”, com o prazo de 365 dias, com taxa de 0,0100%, e indicando aquele montante de EUR 100.000,00 (cem mil euros) (cfr. fls.16 do processo disciplinar, que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais).
60) No sistema informático do Banco Requerido, o depósito acima identificado não consta em nome do Cliente J. G., tendo sido constituído em nome de outro Cliente – L. F. –, com conta na Sucursal Vieira do Minho.
61) Posteriormente, em 14 de Fevereiro de 2020, a Requerente enviou da sua caixa de e-mail do BANCO... ..., um e-mail dirigido ao endereço ….@hotmail.com - endereço de e-mail que o Cliente J. G. tem registado no BANCO... ..., (cf. fls. 18 do processo disciplinar, que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais).
62) O assunto do referido e-mail é “DEPÓSITO A PRAZO” e o seu conteúdo diz respeito a uma cópia extraída do sistema informático do Banco, com o detalhe do depósito a prazo n.º …….49, constituído em 03 de Janeiro de 2020, com o prazo de 180 dias, com taxa de 0,010%, e indicando erradamente o montante de EUR 77.485,00 (setenta e sete mil quatrocentos e oitenta e cinco euros), que não corresponde ao valor real.
63) No sistema do Banco, o Depósito acima identificado, designado como Poupança Aforro e associado à conta à ordem n.º …….67 do Cliente J. G., aberta em 31 de Dezembro de 2019, foi constituído em 03 de Janeiro de 2020 pela Requerente, mas pelo montante de EUR 25,00 (vinte e cinto euros) (Cfr. fls. 62 do processo disciplinar, que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais).
64) No passado dia 26 de Março de 2020, chegou ao conhecimento do membro da Comissão Executiva do Requerido com o Pelouro da área da Requerente – titular do poder disciplinar – que a mesma havia cometido um conjunto de outros ilícitos disciplinares em relação à cliente M. B. (Cfr. fls 108 e ss do processo disciplinar, que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais).
65) A Senhora M. B. é Cliente do Banco desde 19 de Março de 1980, sendo titular da conta .......34, junto do Requerido, e tem a sua conta domiciliada junto da Sucursal Vieira do Minho (891).
66) No decurso da primeira semana do mês de Março de 2020, a referida Cliente, Sra. M. B., dirigiu-se à Sucursal Vieira do Minho e perguntou se “…o valor que tinha recebido seria para declarar em IRS”;
67) De acordo com a referida Cliente, quando confrontada com o recebimento do cheque [n.º .......71], julgou tratar-se da devolução pelo Banco relacionada com a OPT (Oferta Pública de Troca de valores mobiliários), admitindo-se que se quisesse referir à desvalorização dos títulos, alegando que a Requerente lhe dera dois documentos para assinar, mas que antes de o fazer os submeteu ao escrutínio de um advogado, assinando-os depois (cfr. fls. 130 e ss do processo disciplinar, que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais).
68) Os referidos documentos foram produzidos e entregues à Cliente pela Requerente.
69) Um dos documentos em papel sem timbre do Banco e com o assunto “Processo de indemnização - TROCA DE OBRIGAÇÕES”, datado de 28 de Novembro de 2019, com alusão a “Pessoa Segura e certificado”, com assinaturas dos Clientes e carimbo do Banco e rubrica da Requerente, onde, na qualidade de Obrigacionista se “solicita que o valor a indemnizar de € 40.271,36 seja efetuado em nome da Cliente e marido” (cfr. fls. 130 do processo disciplinar, que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais).
70) O outro documento corresponde a uma cópia forjada do sistema informático interno do Banco Requerido, com o código de operador “!C%)” que corresponde à Requerente, pretendendo tratar-se do detalhe do depósito a prazo .........42, com data de 03 de dezembro de 2019, no montante de EUR 41.206,84 (quarenta e um mil duzentos e seis euros e oitenta e quatro cêntimos), com o carimbo do Requerido e assinatura da Requerente (cfr. fls.130v do processo disciplinar, que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais).
71) Nos registos do Banco, ora Requerido, o Depósito a Prazo .........42 corresponde a uma Poupança Aforro, da Cliente M. B., constituído em 04 de Agosto de 2015 por EUR 935,46 (novecentos e trinta e cinco euros quarenta e seis cêntimos) e foi liquidado totalmente em 27 de janeiro de 2020 pelo mesmo montante (cfr. fls. 157 e ss do processo disciplinar, que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais).
72) Adicionalmente, a Cliente entregou um formulário autêntico de “Ordem de constituição de Depósito a Prazo”, com o n.º .........42, com a FIN (ficha informação normalizada), prazo de 30 dias, montante de EUR 40.271,36 (quarenta mil duzentos e setenta e um euros e trinta e seis cêntimos) e data de 28 de Novembro de 2019, assinado pelo marido, Sr. J. B., e carimbo do Banco Requerido e assinatura da Requerente, com data de 27 de Novembro de 2019, que difere da inicial (Cfr. fls. 131 e ss do processo disciplinar, que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais).
73) A Sucursal onde a Cliente M. B. se deslocou decidiu analisar qual seria o “valor recebido” referido pela Cliente, sendo que esta foi detentora, desde 2008, de 1.000 Obrigações de Caixa Subordinadas BANCO ... 1.º Série, adquiridas por EUR 50.000,00 (cinquenta mil euros), tendo aceite em 2015 a sua conversão em ações no âmbito de OPT, mas que desde aí se mostrou inconformada com a progressiva desvalorização da sua carteira, tendo formalizado uma reclamação em 26 de Outubro de 2018 (MCCA ………108) (cfr. fls. 123 e ss do processo disciplinar, que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais).
74) Apurou-se então que em 28 de Janeiro de 2020 foi emitido na conta n.º ……602 de cheques bancários da Sucursal, o cheque n.º .......71 de EUR 40.000,00 (quarenta mil euros), o qual contava apenas com a assinatura da Requerente em representação do Banco Requerido, à ordem da Cliente M. B. (cfr. fls. 119 v, 120 e 122 e ss do processo disciplinar, que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais).
75) Mais foi possível verificar que o referido cheque foi depositado naquela data, na conta n.º .......34, co-titulada também pelo marido da Cliente, Sr. J. B., acrescido de um depósito de valores em numerário no montante de EUR 271,56 (duzentos e setenta e um euros e cinquenta e seis cêntimos), o que totalizou EUR 40.271,56 (quarenta mil duzentos e setenta e um euros e cinquenta e seis cêntimos) (cfr. fls. 119 do processo disciplinar, que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais).
76) A emissão do cheque bancário foi processada como se o seu ordenante fosse o Cliente A. N., titular da conta n.º …….35, de onde foram transferidos os EUR 40.000,00 (quarenta mil euros) para a conta de cheques bancários da Sucursal (cfr. fls. 120v e 164 do processo disciplinar, que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais).
77) Não existe documentação de suporte para a emissão do cheque bancário que foi depositado na conta da Cliente M. B..
78) O Cliente A. N. quando confrontado com a transação anteriormente referida - movimentação dos EUR 40.000,00 (quarenta mil euros) na sua conta em 28 de janeiro de 2020 - referiu não a reconhecer.
79) O Banco Requerido já procedeu ao reembolso da quantia em que se encontrava lesado, devido ao comportamento da Requerente (cfr. fls. 164 e ss do processo disciplinar, que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais).
80) As transações acima referidas - de emissão irregular de cheque bancário e depósito em numerário, no total de EUR 40.271,56 (quarenta mil duzentos e setenta e um euros e cinquenta e seis cêntimos) na conta da Cliente M. B. - foram única e exclusivamente processadas pela Requerente.
*
Para além dos factos supra referidos, mais nenhum resultou indiciado (ou provado) que tivesse algum interesse para a apreciação deste procedimento cautelar, nomeadamente os factos constantes dos artigos 31º, 32º, 62º, 73º, 74º, 75º, 76º, 77º, 78º, 79º, 80º, 81º, 82º, 83º, 84º, 85º, 86º, 87º, 88º, 89º, 90º, 91º, 95º, 96º, 97º, 98º, 99º, 100, 101, 102º, 103, 104º, 114º, 115º, 116º, 117º, 118º, 119, 120, 121º, 122º, 123º, 124º, 125º, 126º, 127º, 128º, 129º, 130º, 131º, 132º, 133º, 134º, 135º, 136º, 137º, 138º, 139º, 140º, 141º, 142º, 143º, 144º, 145º, 146º, 147º, 148º, 149º, 150º, 151º, 152º, 153º, 154º, 155º, 156º, 157º, 158º, 159º e 160º do requerimento inicial, sendo certo que o demais aí articulado corresponde a meras conclusões e alegações de direito.

B - RECURSO DE DESPACHO DE INDEFERIMENTO DE JUNÇÃO DE DOCUMENTOS

Por requerimento de 12-03-2021, nos intervalos entre as várias sessões de julgamento, a requerente solicitou a admissão aos autos de dois documentos, que se destinariam a aquilatar da credibilidade (ou falta dela) da testemunha A. B. relativamente à data de suspensão de funções da autora (que esta defende ser 5-3-20), bem como para reforço da prova dos artigos 178º a 183º do requerimento inicial (invalidades do processo disciplinar).

O despacho impugnado refere:
“Veio a Requerente solicitar, ao abrigo do disposto no nº 2 do artigo 35º do CPT, a junção de dois documentos, que, no seu entender, são importantes para a descoberta da verdade e para a boa decisão da causa, os quais comprovam que foi suspensa em data anterior à indicada pela Requerida, sem qualquer justificação.
Com efeito, apesar de a regra processual dos procedimentos cautelares ditar que a prova terá de ser oferecida com a petição (artigo 365º, nº 2 do CPC), o nº 2 do artigo 35º do CPT, permite “a produção de quaisquer outras provas que considere indispensáveis à decisão”, “a requerimento fundamentado das partes”.
Contudo, os documentos ora oferecidos não são indispensáveis para a resolução das questões colocadas ao Tribunal, desde logo porque a eventual ilegalidade da suspensão imediata nunca poderia conduzir à invalidade do procedimento disciplinar. Na verdade, mesmo que a suspensão preventiva seja decidida “à margem das regras, por falta de justificação escrita, pela patente insuficiência da mesma ou ainda porque são excedidos os 30 dias previstos para a suspensão, antes da notificação da nota de culpa”, tal irregularidade não inquina de invalidade o procedimento de despedimento, desde logo porque não figura entre os vícios que a determinam (artigo 382º, nº 2 do Código do Trabalho).1
Assim sendo, porque as provas ora oferecidas não são indispensáveis à decisão, não admito a respectiva junção aos autos.”

Apreciando:
Aos procedimentos cautelares laborais aplica-se o regime estabelecido no Código de Processo Civil para o procedimento cautelar comum (362º a 376º, 293º COPC), salvo na parte em que houver regulamentação específica (32º, 1, 33º, 1, CPT).
Refere o artigo 365º CPC “1. Com a petição, o requerente oferece prova sumária do direito ameaçado e justifica o receio da lesão…. 3- É subsidiariamente aplicável aos procedimentos cautelares o disposto nos artigos 293º a 295º.
Refere o artigo 293º, CPC (Indicação das provas e oposição – 1. No requerimento em que se suscite o incidente e na oposição que lhe for deduzida, devem as partes oferecer o rol de testemunhas e requerer os outros meios de prova.”

Interessa atentar, ainda, na especificidade laboral que permite a apresentação de provas posteriores, nos seguintes termos:
Artigo 35º, CPT “(Meios de prova): 2 - O tribunal pode, oficiosamente ou a requerimento fundamentado das partes, determinar a produção de quaisquer provas que considere indispensáveis à decisão.”
A requerente fundamentou a extemporaneidade relacionando-o com a falta de credibilidade de depoimento de uma testemunha. Ora, o meio adequado a este objetivo é a excepção probatória da contradita, por via da qual se alega circunstância capaz de abalar o depoimento, quer por afectar a razão de ciência invocada pela testemunha, quer por diminuir a fé que ela possa merecer ((521º e 522º CPC). O incidente tem um processado próprio que não foi observado, como resulta da leitura da acta. Assim sendo, não releva este fundamento.
A requerente alegou ainda que o documento se destinava à prova do alegado nos artigos 178º a 183º do requerimento inicial.
Desde logo não justifica a extemporaneidade, designadamente alegando que não foi possível entrega-los anteriormente ou que se tenham tornando necessários em virtude de ocorrência posterior (se recorrermos ao regime específico da prova por documentos- 423º, 3, CPC). Aliás, tratando-se de suposta matéria anteriormente alegada não se vê que a circunstância seja posterior.
Mais, analisada a matéria dos artigos em causa verificamos o seguinte: art. 178 – não contem factos, mas meras reproduções de segmentos de documentos juntos pela ré respeitantes ao processo disciplinar; 179 e 180 idem; 181 a 183 não contém factos, mas meras considerações e conclusões referentes a hipotéticas nulidades do processo disciplinar. Portanto, quanto a estes, a requerida junção não tem sequer por objecto factos, pelo que, por maioria de razão, muito menos se pode concluir pela sua indispensabilidade.
Finalmente também se adere ao referido no despacho recorrido de que a data de suspensão de funções da autora (dia 5 ou dia 6-03-20) é matéria irrelevante em sede de nulidade do processo disciplinar (bem como no que respeita às excepções de prescrição e caducidade). Sendo a matéria irrelevante enquanto facto fundador de ilicitude de despedimento (causa de pedir da acção), consequentemente a prova que a ela se destina, além de perfeitamente dispensável, é inútil e impertinente (“Documento impertinente é o que diz respeito a factos estranhos à matéria da causa, a factos cuja prova seja irrelevante para a sorte da acção”- António Santos Abrantes Geraldes”, CPC anotado, Vol. I, Almedina, p. 511.- negrito nosso.)
Improcede o recurso.

C - RECURSO SOBRE A MATÉRIA DE FACTO
(…)

D – ENQUADRAMENTO JURÍDICO
O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões da recorrente (2).

São estas as questões:
Prescrição do direito de exercer o poder disciplinar (329º, 1, CT/09);
Caducidade do procedimento disciplinar (329º, 2, CT/09);
Nulidade do processo disciplinar, por ilegalidade do processo prévio de inquérito e das provas ali obtidas, por este não contemplar a factualidadae referente à cliente M. B. e por inobservância dos prazos de suspensão preventiva;
Inexistência de justa causa para despedir.

D.1 - Prescrição do direito de exercer o poder disciplinar (329º, 1, CT/09)

Defende a recorrente o seguinte: que ocorre a prescrição quanto aos factos de 29 e 30 de agosto e 15 de outubro todos do ano de 2018, factualidade do “caso J. G.”; que não é de aplicar o prazo prescricional penal mais longo porque não estão provados os elementos típicos do crime, mormente a intenção da trabalhadora e o prejuízo, além de que não houve participação criminal no prazo de 6 meses, mas tão só na véspera de a requerida apresentar a oposição à providência; ocorre violação do principio da presunção da inocência e da legalidade, caso se utilize o prazo de prescrição mais longo.
O direito de exercer o poder disciplinar prescreve um ano após a prática da infracção ou, se o facto constituir igualmente crime, no prazo de prescrição da lei penal - 329º, 1, CT/09. A estipulação deste prazo de prescrição visa obviar a que a ameaça de punição disciplinar se prolongue indefinidamente, de modo desrazoável, afectando as garantias do trabalhador.
A notificação da nota de culpa ao trabalhador interrompe a contagem deste prazo- 353º, 3, CT. Com esta, o empregador exprime perante o trabalhador o valor disciplinar que atribui a determinados actos ali exarados.
A nota de culpa, enviada em 13-04-2020, foi recebida pela trabalhadora em 14-04-2021 (7º do requerimento inicial).
Os factos, sobre os quais se invoca a prescrição, constam dos pontos provados nºs 47º a 53º, 55º a 57º. Deles resulta que a trabalhadora, sem autorização e à revelia do cliente J. G., entre 29-08-2018 e 15-10-2018, processou transferências (em valor superior a 100.000,00€) da conta deste ou na qual este era procurador, para a conta doutro cliente, a sociedade IMOBILIÁRIA Y (que pretenderia empréstimo para aquisição de apartamentos e não estavam aprovado pelo banco).
No entretanto, de modo a provisionar contas (sem saldo à ordem) e possibilitar as transferências, também sem autorização do cliente J. G. e à sua revelia, vendeu títulos da carteira (em 31-08-2018, total de 42.948,68), sendo que este tinha assinado 3 instruções convencido de que estava a assinar a mera transferência dos títulos de uma conta para outra, conforme indicação dada à trabalhadora.
Com interesse nesta área temos os pontos 58 a 63º, mormente a actuação da trabalhadora de 11-01-2019, comprovativa de actos de falsificação de um documento de depósito no valor de 100.000,00, destinado a convencer o cliente J. G. que detinha a aplicação a prazo, o que era falso. No mesmo sentido de falsificação de documentos, temos actos de Janeiro e fevereiro de 2020, atestando depósito a prazo inexistente de 77.485,00€, veja-se os pontos 61 a 63. Estes actos destinam-se a encobrir perante o cliente as transferências indevidamente efectuadas pela trabalhadora no ano de 2018.
Ora, estes factos (3), mormente os mais antigos de 2018 que a recorrente defende estarem prescritos, em abstracto, integram um caso clássico do crime de infidelidade (artigo 224º CP “(Infidelidade) 1 - Quem, tendo-lhe sido confiado, por lei ou por acto jurídico, o encargo de dispor de interesses patrimoniais alheios ou de os administrar ou fiscalizar, causar a esses interesses, intencionalmente e com grave violação dos deveres que lhe incumbem, prejuízo patrimonial importante é punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa.”
O crime foi introduzido (4) com vista a colmatar a lacuna nos casos em que fosse violada a “ regra de ouro” de violação de confiança por parte de quem tivesse o encargo de administrar interesses patrimoniais alheios e que dolosamente causasse graves prejuízos a esses interesses, ainda que o agente não tenha intenção de apropriação (para esta já estava tipificado o crime de abuso de confiança).
Ora, a actuação de uma funcionária bancária, quadro de “topo” (subgerente) que, sem consentimento e à completa revelia do cliente, mexe nas suas contas e aplicações e transfere esses valores para a conta de terceiros integra, em teoria, os elementos objectivo e subjectivo do referido ilícito criminal.
A recorrente insiste na inexistência dos elementos do tipo de crime objectivo referente ao “prejuízo patrimonial” e do elemento subjectivo por falta de “intenção de causar prejuízo” por parte da trabalhadora e de “não ter tirado qualquer proveito pessoal”.
Sendo esta uma mera verificação abstrata, diga-se que “o prejuízo“ evidencia-se à saciedade, atinge valor “elevado” e até mesmo “consideravelmente elevado” (respectivamente excedendo 5.100€ e 20.400€) (5). O cliente J. G. terá ficado lesado no momento da prática dos actos, sendo à data destes que se afere a verificação dos elementos do tipo. Se veio a ser reembolsado pelo Banco, o prejuízo é do BANCO .... Portanto, em teoria, há prejuízo sério.
Quanto ao elemento subjectivo “da intenção “ da trabalhadora, numa análise também meramente abstracta como aqui se exige, sempre se dirá que a recorrente confunde o seu propósito principal (que diz ser apenas o de resolver rapidamente situações e não causar prejuízo a quem quer que seja) com a noção legal de dolo específico, que se basta com a mera consciência de que, com tal conduta, causará necessariamente prejuízo aos interesses pelos quais lhe competia, em primeiro lugar, zelar (6). Sendo, ainda mais irrelevante, que não tenha tirado proveito pessoal, o que aliás se desconhece.
A possibilidade abstracta de subsunção do comportamento no ilícito criminal é quanto basta para a aplicação no campo disciplinar do prazo penal mais longo, no caso, atenta a moldura penal abstacta, de 5 anos a contar da data da prática do facto. Somente prescrevendo, assim, os actos no ano de 2023 – 118º, 1, c, CP. O objectivo da lei é conferir ao empregador um prazo maior para situações que, em teoria, sejam valoradas de forma mais graves ao ponto de serem incriminadas pelo direito punitivo (penal) e, quiçá, a necessitarem de maior pré-averiguação.
A jurisprudência superior do STJ tem frisado que a aplicação dos prazos de prescrição penais maiores para aferir do exercício tempestivo do poder disciplinar no campo laboral não depende de quaisquer outros requisitos, que não sejam a mera possibilidade abstracta de verificação do ilícito criminal. A lei (329º, 1, CT) não exige outros requisitos e não compete ao aplicador laboral qualquer outra indagação. Mormente a aplicação do prazo não está dependente nem da apresentação de queixa crime por parte do lesado (7), nem, muito menos, da condenação penal (na doutrina, Paulo Sousa Pinheiro, “O procedimento disciplinar no âmbito do direito do trabalho português”, Almedina, 2020, p. 222-227).
Não existe violação de qualquer principio constitucional de legalidade ou de presunção de inocência, porque a aplicação do prazo no campo disciplinar não tem qualquer repercussão no processo crime, que seguirá o seu curso autónomo. Não se cria qualquer novo “tipo de crime” nem se alarga a interpretação dos “tipos de ilícito” pré-existentes, portanto não se viola o principio da legalidade/tipicidade. Ainda que se aplique no campo laboral um prazo de prescrição penal, a trabalhadora também continua a presumir-se inocente no processo crime e, como tal, o acusador (MP) continua a ali ter de provar que aquela cometeu actos que se subsumem num ilícito criminal. É deslocada, portanto, a invocação de institutos que servem outros fins.

Neste sentido, acórdão do STJ de 2-09-2011 (8), em cujo sumário consta:

“I - Quando os factos disciplinarmente imputados ao trabalhador integrarem, simultaneamente, ilícito criminal, o prazo de prescrição da infracção disciplinar passa a ser o da prescrição prevista para o ilícito penal, sendo que esse alargamento não depende do efectivo exercício da acção penal, nem da prévia verificação de qualquer outra condição ou pressuposto, maxime do exercício do direito de queixa-crime, quando o exercício daquela esteja dependente desta. II - Para que o prazo da prescrição penal aplicável, nos termos do artigo 372.º, n.º 2, do Código do Trabalho de 2003, basta que os factos sujeitos também consubstanciem, em abstracto, a prática de um crime, sendo esse o único requisito para o alargamento do prazo de prescrição da infracção disciplinar.

E ainda o acórdão do STJ de 13-01-2010, em cujo sumário consta:

1. Quando os factos imputados ao trabalhador integrarem ilícito criminal, o prazo de prescrição da infracção disciplinar passa a ser o prazo de prescrição previsto para o ilícito penal, caso este seja superior àquele.2. O alargamento do prazo de prescrição nos termos referidos não depende do efectivo exercício da acção penal, nem do exercício do direito de queixa-crime, quando o exercício daquela esteja dependente desta.3. O entendimento perfilhado no número anterior não viola o princípio constitucional de presunção de inocência do arguido contido no art.º 32.º, n.º 2, da Constituição, uma vez que o alargamento em causa não tem quaisquer implicações de natureza penal para o trabalhador, nem tem subjacente qualquer juízo de natureza criminal que lhe seja desfavorável, ainda que em termos meramente presuntivos.”
Improcede a excepção de prescrição.

D.2 - Excepção de caducidade

A recorrente sustenta que a empregadora teve conhecimento dos factos referentes ao cliente J. G. em 17-10-2019, tendo decorrido mais de 60 dias entre o conhecimento e a instauração do procedimento disciplinar.
Nos autos de providência cautelar de suspensão do despedimento a caducidade é um facto constitutivo da ilicitude do despedimento, a comprovar pela trabalhadora- 39º, 1, CPT, 342º, 1, CC
O procedimento disciplinar deve iniciar-se nos 60 dias subsequentes àquele em que o empregador, ou o superior hierárquico com competência disciplinar, teve conhecimento da infracção - 329º, 2, CT/09. Subjaz à norma o entendimento de que se o empregador, bem ciente da infracção, não reage a ela atempadamente é porque não lhe reconhece gravidade.
Conforme provado no ponto de facto nº 1 o procedimento disciplinar iniciou-se em 5-03-2020.
Conforme provado nos pontos 1, 44, o conhecimento dos factos referentes ao “caso J. G.” chegou ao conhecimento do empregador nesse dia -em 5-03-2020-, através do Memorando vindo da direcção de auditoria (DAU).
Ora, tendo o processo sido instaurado de imediato é de concluir que foi completamente respeitado o prazo de 60 dias.
Os factos referentes ao “caso M. B.” chegaram ao conhecimento do empregador em 26-03-2020 (pontos 64, 66) durante o decurso do processo disciplinar (mas antes do envio da nota de culpa). Estes factos, porém, não estão em causa para efeitos de caducidade, mas meramente para efeitos da dita” irregularidade do processo disciplinar”.
O equívoco da recorrente centra-se numa errada interpretação do que é o conhecimento efectivo da infracção capaz de desencadear a contagem do prazo e numa errada noção da entidade que deve aceder a esse conhecimento e que detém o poder disciplinar.

No caso dos autos, a montante do procedimento disciplinar propriamente dito, decorreu uma auditoria e averiguação prévia levada a cabo pela entidade interna do BANCO ... denominada DAU (direcção de auditoria), departamento com meras funções de prevenção e averiguação de fraude, de analise de reclamações de clientes ou outras, que poderão culminar (ou não) em propostas de instauração de processos disciplinares (depoimento bem explicado de A. B.). Diga-se que essa averiguação durou menos de um mês (iniciada a meados de fevereiro/20 e concluída em 4-03-20, conforme documentação do processo disciplinar).
Este tipo de procedimento tem lugar quando existem meras suspeitas ou se desconhece a identidade do infractor e, portanto, ainda não há um conhecimento perfeito ou integral do potencial infracção.
Trata-se de “…atos/diligências de cariz preparatório, inspectivo ou investigatório, com vista a infirmar ou confirmar a prática de uma infracção disciplinar e, caso ela exista, possibilitar a sua imputação a um ou a mais do que um trabalhador. In casu, estar-se-á fora do procedimento disciplinar, perante simples (ou bem mais complexas) auditorias, averiguações, investigações, inspeções inquéritos ou sindicâncias, que poderá redundar num processo disciplinar stricto sensu, ou, em dadas circunstâncias, num procedimento prévio de inquérito” (Paulo Sousa Pinheiro, ob. cit., p. 235).
O procedimento prévio de inquérito é algo distinto, nos seus pressupostos e objectivos. É um procedimento meramente eventual que, quando tem lugar, integra o próprio processo disciplinar, tudo dependendo da sua necessidade e tem por objectivo “fundamentar a nota de culpa”. Pressupõe, pois, que já esteja apurada a infracção e o infractor – 352º CT. Recorre-se a este procedimento quando não se pode fazer logo a nota de culpa com uma descrição circunstanciada dos factos a imputar ao trabalhador (Paulo Sousa Pinheiro, ob. cit., p. 258 e 259).
No caso sucede que a reclamação apresentada pelo cliente J. G. foi mantida durante certo tempo apenas no conhecimento local da agência do BANCO ... de Vieira do Minho, em face de apresentação ali feita pelo cliente, em 17-10-2019 (facto 46), da qual a trabalhadora, subgerente, teve conhecimento e que a levou, aliás, a prática de novos actos de encobrimento da situação (pontos 59 a 63).
Ora, o prazo de 60 para iniciar o procedimento disciplinar conta-se a partir do conhecimento efectivo e qualificado dos contornos essenciais da infração pelo próprio empregador pessoa singular ou, no caso das pessoas colectivas, pelo órgão competente com poderes de gestão (gerência ou conselho de administração) ou em quem aqueles deleguem. A titularidade do poder disciplinar é só do empregador ou de quem tenha detenha competências disciplinares delegadas - 98º CT- ac. STJ de 13-10-2010.
Não é assim qualquer pessoa do banco ou qualquer agência local que detém o poder disciplinar, mas, no caso, apenas o membro da comissão executiva do pelouro (pontos de facto 1 e 44). Entidade essa que, conforme consta do processo disciplinar, determinou em 5-03-2020, a pronta instauração do processo disciplinar, logo no mesmo dia em que teve conhecimento dos primeiros factos. E, bem assim, dos referentes à outra cliente M. B. em 26-03-2020 (ponto 64), após a cliente se ter deslocado à agência local do BANCO ... precisamente na primeira semana de março de 2020 (ponto 66).
Assim sendo, improcede a excepção de caducidade porque o conhecimento efectivo e cabal da infracção só chegou à entidade com competência disciplinar em 5-03-2020 no caso respeitante a J. G. tendo o despacho formal de instauração do processo disciplinar sido proferido no próprio dia.
No sentido exposto veja o acórdão do STJ de 18-02-2011 (9) “( 1.A investigação efectuada por iniciativa do Departamento de Auditoria e Inspecção da ré para esclarecimento de uma questão colocada por um cliente e o subsequente relatório não podem considerar-se um procedimento prévio de inquérito, já que só o Conselho de Administração da ré, que é o órgão com competência disciplinar, é que podia ordenar a instauração daquele procedimento, pelo que não há lugar à aplicação do regime estabelecido no artigo 412.º do Código do Trabalho”)- vd também no mesmo sentido o ac. STJ de 12-09-2007.

D.3 - Da nulidade do processo disciplinar:

Segundo o artigo 39º do CPT :” 1 - A suspensão é decretada se o tribunal, ponderadas todas as circunstâncias relevantes, concluir pela probabilidade séria de ilicitude do despedimento, designadamente quando o juiz conclua: a) Pela provável inexistência de procedimento disciplinar ou pela sua provável invalidade; b) Pela provável inexistência de justa causa…” – negrito nosso.
Os vícios capazes de gerar invalidade do processo disciplinar (sendo evidente a existência do processo) são os previstos na lei e não os que as partes perscrutam.

Equivale isto a dizer que o procedimento é inválido, ressalvada a questão dos prazos já analisada, se:

Artigo 382º CT:
2- O procedimento é inválido se:
a) Faltar a nota de culpa, ou se esta não for escrita ou não contiver a descrição circunstanciada dos factos imputados ao trabalhador;
b) Faltar a comunicação da intenção de despedimento junta à nota de culpa;
c) Não tiver sido respeitado o direito do trabalhador a consultar o processo ou a responder à nota de culpa ou, ainda, o prazo para resposta à nota de culpa;
d) A comunicação ao trabalhador da decisão de despedimento e dos seus fundamentos não for feita por escrito, ou não esteja elaborada nos termos do n.º 4 do artigo 357.º ou do n.º 2 do artigo 358.º

Ora, os fundamentos invocados pela recorrente ou não se subsumem sequer nas hipóteses legais geradoras de invalidade, ou não se alicerçam em factos que possam ser subsumidos na previsão.
Quanto à alínea a), aponta-se o carácter vago do ponto 108 da nota de culpa. A subsunção é meramente aparente.
O ponto tem a seguinte redacção: 108 “Com efeito, não pode a arguente deixar de questionar-se sobre a frequência com que a Colaboradora-Arguida descura e desconsidera regras essenciais de conduta e procedimentos do Banco.”
Ora, este ponto é uma mera conclusão final que a recorrida retira e nada mais do isso. Antes constam 107 artigos referentes ao “modo, quando e onde”. Sendo narrado todo o abundante e concreto circunstancialismo fáctico que é imputado à trabalhadora, que ela bem compreendeu e do qual se defendem como resulta do processo disciplinar e do requerimento inicial. Não está vedado ao empregador que na nota de culpa adicione conclusões ou faça considerações, embora seja desejável uma peça “enxuta”. O que se proíbe é que a nota de culpa seja de tal modo vaga e imprecisa que, não sendo relatadas os factos concretos, o trabalhador não esteja assim apto a rebate-los e a defender-se. Não é seguramente o caso. A invocação não tem assim qualquer fundamento.
Depois invoca a recorrente a “irregularidade” da sua suspensão preventiva.
A notificação da nota de culpa deu-se, efectivamente, para além dos 30 dias subsequentes à suspensão preventiva, em contravenção do prazo previsto na norma – 354º, 2, CT.
Mas, a “irregularidade” na suspensão do trabalhador não consta como causa de invalidade do processo disciplinar. Não é sequer uma deficiência procedimental por omissão de diligência probatórias (382º, 389º, 2, CT). A irregularidade, a ser real e gravosa, constituiria uma violação dos direitos da trabalhadora suscetível de fundamentar uma acção ressarcitória, pedido completamente estranho aos presentes autos (Paulo Sousa Pinheiro, ob. cit., p. p. 291). No caso nem sequer há dados nesse sentido, só se sabe que decorreram a mais 9 dias.
A recorrente invoca ainda que os factos constantes da nota de culpa (e depois do relatório e decisão final) referente à cliente M. B. não foram “contemplados” no “processo prévio de inquérito”. E que foram utilizados no procedimento prévio meios probatórios sem contraditório.
Este pensamento está inquinado por pressupostos errados.
Reiteramos que não houve lugar a procedimento prévio de inquérito.
Ainda que houvesse, os actos probatórios produzido durante o procedimento prévio de inquérito (352º CT) não estão, nesta fase, sujeitos a contraditório, sendo consultáveis mais tarde. Não integram nenhum dos fundamentos de invalidade do processo (382º, 2, 389º, 2, CT).
Na verdade, até à dedução da nota de culpa está-se numa fase preliminar, em que o empregador averigua livremente as circunstâncias das infracções e procura prova.
Também não integra causa de nulidade a audição da trabalhadora pela DAU durante as averiguações prévias, antes da instauração do processo disciplinar (ponto 57), ainda que as suas declarações tenham sido aproveitadas pela empregadora no procedimento disciplinar como suporte da nota de culpa.
Indo um pouco mais longe, diga-se que a questão se relaciona com o valor probatório dos meios de prova recolhidos no procedimento disciplinar (ou antes dele e depois nele acolhido) e se eles violam qualquer presunção” de não culpabilidade do trabalhador”.
Ora, tal não acontece na medida em que a lei não atribui qualquer valor probatório especial ou superior à prova obtida pelo empregador no decurso das suas investigações, a qual possa ser imposta em juízo.
É seguro que o procedimento disciplinar é, em si mesmo, um conjunto de documentos e, como tal, sujeito ao valor probatório que o código civil lhes atribui. Assim, a sua força dependerá consoante sejam documentos particulares, autênticos e autenticados (362º e ss do CC). Fora os casos em que o documento tenha força probatória plena (como o tem qualquer documento em qualquer acção) caberá ao tribunal, em conjunto com as demais provas, apreciá-los livremente segundo a sua prudente convicção. Logicamente que um procedimento disciplinar organizado e que evidencie o cumprimento do contraditório, em abstracto, oferecerá maior eficácia probatória. E a sua utilidade aumentará se o mesmo for repetido ou confirmado em tribunal, assim se aferindo a sua credibilidade.
Pode, ainda, acontecer que o meio tenha autonomia relativamente à prova documental e goze de força probatória especial, como acontece se houver confissão do extrajudicial do trabalhador, em documento autêntico ou particular, feita à parte contrária – 352º, 2, CC. Nesse caso, valerão as regras próprias deste meio de prova como valem em qualquer tipo de processo.
Repare-se que a declaração de confissão extrajudicial de um trabalhador obtida pelo empregador durante as suas averiguações poderá ser declarada nula ou anulada, nos termos gerais, por falta ou vícios da vontade.
No caso, nada do referido é invocado, nem nada se extrai dos autos no sentido de que a prestação de declarações não tivesse sido voluntária e livre.
Ademais, a recorrente prestou depoimento de parte em julgamento e confirmou o teor das acusações, voltando a depor no mesmo sentido.
Quanto ao invocado apuramento de novas infracções disciplinares, este pode ter lugar a todo o tempo, apenas sendo balizado pela nota de culpa.
Finalmente, o próprio processo disciplinar orienta-se numa primeira fase sob o principio do inquisitório e da descoberta da verdade material e a empregadora tem liberdade quase total na investigação que decorre de modo reservado “…e à margem do trabalhador implicado, que desconhece, propositadamente e até ser notificado do teor da nota de culpa, a factualidade de que aqueloutro é realmente sabedor e as provas que contra si estão a ser recolhidas” ( Paulo Sousa Pinheiro, ob. cit., p. 171-2).
Não integra, assim, qualquer nulidade a determinação da abertura de processo disciplinar para apuramentos dos factos referentes ao cliente J. G., o qual, entretanto, no seu decurso se “alarga” a outra infracção referente à cliente M. B., cujo conhecimento chega à empregadora. O que importa é que na nota de culpa constem os factos referentes a todas as infracções que o empregador imputa ao trabalhador, de modo a que este as possa contraditar.
Na verdade, o que tem sido discutido na doutrina e jurisprudência é outra coisa. Que é a de saber se, depois de enviada a nota de culpa e antes de proferida decisão, vindo ao conhecimento da empregadora novas infracções, esta poderá ou não aproveitar o processo disciplinar, fazendo um aditamento ou adicional à nota de culpa, com base numa ideia de economia processual. Ora, não é isso que aconteceu no caso, porque todos os factos referentes a todos os clientes constam já da nota de culpa.
O contraditório tem lugar a partir da fase da instrução, após a notificação da nota de culpa. Consiste no direito de consulta do processo, direito de resposta e de apresentação de provas – 355º e 356º CT. Não consta que tais direitos, assim definidos, fossem violados. A trabalhadora foi notificada da nota de culpa onde constam todos os factos que são os mesmos que foram depois acolhidos no relatório e decisão final de despedimento respeitantes aos dois clientes em que esteve envolvida. Durante o processo disciplinar apresentou as provas que quis e não lhe foi recusado o acesso ao processo, nem do mesmo resulta qualquer denegação probatória.
Improcede a alegação.

D.4 - Justa causa

Aqui chegados e rebatidas todas as excepções, a suspensão do despedimento pode ainda ser decretada se o tribunal, ponderadas todas as circunstâncias relevantes, concluir pela provável inexistência de justa causa.
A lei refere a justa causa de despedimento como “…o comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho” -351º CT/09.
Faz-se uso de um conceito indeterminado de “justa causa” que serve de critério geral, sendo o motivo atendível aferido casuisticamente.
A noção nuclear assenta: (i) num comportamento culposo, por dolo ou mera negligência, violador de deveres, grave por si ou pelas suas consequências (elemento subjectivo); (ii) na impossibilidade de o empregador manter a relação laboral (elemento objectivo); (iii) em decorrência da gravidade da falta cometida (causalidade).
Donde, a justa causa assenta, em primeiro lugar, num incumprimento dos deveres contratuais por parte do trabalhador.
A propósito dos deveres gerais refere a lei que: “O empregador e o trabalhador devem proceder de boa fé no exercício dos seus direitos e no cumprimento das respectivas obrigações.” ( 126º, 1, CT/09).

São “deveres do trabalhador” (128º, CT/09):
1 - Sem prejuízo de outras obrigações, o trabalhador deve:
… c) Realizar o trabalho com zelo e diligência; …
e) Cumprir as ordens e instruções do empregador respeitantes a execução ou disciplina do trabalho, bem como a segurança e saúde no trabalho, que não sejam contrárias aos seus direitos ou garantias;
f) Guardar lealdade ao empregador, nomeadamente não negociando por conta própria ou alheia em concorrência com ele, nem divulgando informações referentes à sua organização, métodos de produção ou negócios;”

Na globalidade, resulta dos factos que a requerente, subgerente na agência bancária de Vieira do Minho, sem autorização e à revelia do cliente J. G., procedeu a diversas transferências da sua conta para a conta de um terceiro (pontos provados nºs 45 a 53). Mais procedeu, sem autorização e à revelia do mesmo, a venda de títulos da sua carteira (pontos provados nºs 55 a 58) e à transferência do respectivo produto para a conta de um terceiro, tudo em valor superior a 100.000,00€. A requerente para ocultar estes movimentos chegou a forjar documentos, como se o cliente mantivesse uma conta a prazo (pontos provados nºs 59 a 63).
Mais se provou que actuou da mesma maneira no caso do cliente A. N., transferindo dinheiro da sua conta no valor de 40.000,00€, emitindo um cheque, sem o seu conhecimento e à sua revelia, para a conta da cliente M. B., que vinha solicitando o reembolso de um investimento de 50.000,00 e que se encontrava desvalorizado (pontos provados nºs 64º a 80º).
A gravidade dos factos recomenda brevidade. Os factos, inclusive, integram ilícitos criminais.
Dado o circunstancialismo, à apreciação da justa causa não interessa a concreta intenção da autora, nem tão pouco saber se obteve ou não proveito com os actos praticados.

Considerou-se na decisão recorrida:
“Em suma, não restam quaisquer dúvidas de que está claramente indiciada a violação por parte da Requerente dos seus deveres, enquanto trabalhadora da Requerida, de lealdade, zelo, diligência, obediência, custódia e confiança, violação essa que, para além de ser grave, objectivamente colocou em crise a relação de confiança essencial à manutenção do contrato de trabalho entre ambos celebrado. Por outras palavras, a gravidade da conduta é, em si mesma, “apta a abalar incontornavelmente a confiança que o empregador depositava na sua pessoa e na sua actividade”, não sendo, nesse caso, necessária a verificação de qualquer outra consequência para o empregador, seja de cariz patrimonial, seja de outra natureza”
A conclusão é inteiramente correcta.
Não restam dúvidas que a trabalhadora violou de forma grave o dever de lealdade e de diligência, aliás ela própria admite a prática dos actos imputados.
Prosseguindo para o requisito de “impossibilidade de subsistência da relação de trabalho”, este tem sido identificado com a inexigibilidade e a perda irremediável da confiança na viabilidade futura da relação, inerente à natureza pessoal do contrato de trabalho (Maria do Rosário Palma Ramalho, Tratado de Direito do Trabalho, Parte II, 4º ed., p. 820).
O conceito de lealdade é um conceito “elástico” de grande amplitude, sendo uma decorrência do princípio da boa-fé na execução dos contratos, com campo de aplicação por excelência no domínio das relações duradouras, como as laborais. Identifica-se com a prevenção de comportamentos, por acção ou omissão, suscetíveis de destruírem ou danificaram o interesse da outra parte.
São múltiplas as situações que cabem no conceito, sendo o dever mais acentuados nos chamados cargos de “topo”. O dever de lealdade está fortemente ligado ao valor de confiança nas relações entre as partes. É tradicionalmente associado no domínio laboral a comportamento desonestos, como furtos ou falsificações.

António Monteiro Fernandes (10), a propósito do princípio da confiança refere:
É necessário -quanto a este aspecto do dever de lealdade- que a conduta do trabalhador não seja, em si mesma, susceptível de destruir ou abalar tal confiança, isto é, capaz de criar no espírito do empregador a duvida sobre a idoneidade futura da conduta daquele.”
Mais refere” …a diminuição da confiança não está dependente da verificação de prejuízos nem- salvo no tocante à medida ou grau- da existência de culpa grave do trabalhador. Com efeito, se é certo que o animus revelado no comportamento em causa determina, ou pode determinar, um menor ou maior abalo às expectativas de segurança do empregador, é também verdade que da simples materialidade desse comportamento, aliado a um grau moderado de culpa, pode, em certos contextos (funções requerendo a “máxima confiança”, como as de caixa de um banco, assistente de administração, diretor-geral ou diretor) decorrer, razoavelmente, uma diminuição dessa expectativa, com possível repercussão na viabilidade futura da relação de trabalho”- negrito nosso.
Assim, quer na doutrina, quer na jurisprudência têm sido reconhecidos como de “ruptura irreversível” casos de quebra da confiança e em que a gravidade de comportamentos, em si mesmo, encerra a violação do dever de lealdade, independentemente do prejuízo patrimonial ( Maria do Rosário Palma Ramalho, Direito do Trabalho, Parte II, 4º ed., p. 819, e na jurisprudência, entre tantos, ao nível do STJ, os acórdãos de 17-10-2001, 20-10-2020, 6-11-2019, 22-02-2017, dois ac.s de 23-11-2011, R. Pinto Hespanhol e R. Fernandes Cadilhe).

O caso dos autos referindo-se à actuação de uma subgerente bancária é um caso paradigmático de violação do principio da confiança, que qualquer cidadão comum (“homem médio”) apelidará facilmente como sendo de “sem retorno”. A que, aliás, se associa a existência de prejuízo patrimonial avultado, primeiro para os clientes e depois para o banco através do reembolso que teve de assegurar. Sendo desfasada a invocação em recurso de abuso de direito, cujos pressupostos nitidamente não se verificam, na medida em que, por tudo o dito, a empregadora aplicou com justeza a medida que inevitavelmente é proporcional à gravidade da infração disciplinar cometida e nenhum comportamento se vislumbra da parte desta que assuma contornos abusivos.
É de confirmar a decisão recorrida.

I.I.I. DECISÃO

Pelo exposto, acorda-se em negar provimento ao recurso, confirmando-se a decisão recorrida - 87º, CPT e 663, CPC
Custas a cargo da recorrente
Notifique.
*
23-09-2021

Maria Leonor Chaves dos Santos Barroso (relatora)
Antero Dinis Ramos Veiga
Alda Martins


1. Segundo os artigos 635º/4, e 639º e 640º do CPC.
2. Segundo os artigos 635º/4, e 639º e 640º do CPC, o âmbito do recurso é balizado pelas conclusões do/s recorrente/s.
3. Sem entrar nas questões do foro criminal de saber se estamos perante uma infracção instantânea ou de natureza continuada e quando se consuma, pois o resultado lesivo prolongou-se no tempo e há actos de permeio, questionando-se se não há que fazer analise da globalidade das condutas ilícitas.
4. No ordenamento pena, pela Revisão do NP de 1982.
5. Artigo 202, a), b), CP.
6. Nuno Alexandre Venâncio Pereira, O CRIME DE INFIDELIDADE E O CRIME DE FAVORECIMENTO PESSOAL 4. Crime de infidelidade. Enquadramento jurídico, prática e gestão processual, cadernos do CEJ online, abril de 2019, p 99 e ss.
7. Que, aliás, a recorrente nas alegações refere ter sido apresentada, ainda que, segundo ela, extemporaneamente.
8. www.dgsi.pt.
9. www.dgsi.pt
10. Direito do Trabalho, Almedina, 19º ed., p. 348-9.