Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1154/18.5JABRG.G1
Relator: CÂNDIDA MARTINHO
Descritores: DECISÃO INSTRUTÓRIA
ARGUIÇÃO VÍCIOS
DESPACHO INDEFERIMENTO
IRRECORRIBILIDADE DESPACHO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 12/17/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO PENAL
Sumário:
I) Como resulta do disposto no nº3 do citado art.310º foi intenção do legislador cingir a possibilidade de recurso ao despacho que indeferir a arguição da nulidade cominada no artigo 309º, esta atinente à alteração substancial dos factos.
II) Fica assim de fora a arguição de quaisquer outros vícios que afectem a decisão instrutória e, consequentemente, a possibilidade de recurso do despacho que deles conheça.
III) De facto, compreendia-se mal que tendo o legislador vedado o recurso nas situações previstas no art. 310º,nº1, permitisse depois, por via indirecta, através da arguição de nulidades do despacho de pronúncia, que se recorresse do despacho que se pronunciasse sobre tal arguição.
IV) Como resulta do Acórdão do Tribunal Constitucional nº482/2014, publicado no D.R II Série, de 28 de julho de 2014, o raciocínio que tem levado a considerar constitucionalmente admissível, em benefício da celeridade processual, a irrecorribilidade do despacho que pronuncia o arguido pelos mesmos factos constantes da acusação, bem como a irrecorribilidade da decisão instrutória na parte em que decide questões prévias ou incidentais àquele despacho, por tal não constituir uma restrição desproporcionada do direito ao recurso, tem também aqui de ser seguido.
Decisão Texto Integral:
Desembargadora Relatora: Cândida Martinho
Desembargador Adjunto: António Teixeira.

Acordam, em conferência, os Juízes na Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães.

I. Relatório

1.
Nos presentes autos com o número 1154/18.5JABRG, do Tribunal da Comarca de Braga, por despacho proferido em 27/5/2019 pela Mma Juiz de Instrução do Juízo de Instrução Criminal de Braga – Juiz 1 – foi indeferido o requerimento no qual foi invocada pelo arguido F. T., ora recorrente, uma nulidade – que não qualificou - decorrente do facto de não ter sido notificado de um relatório pericial que veio a ser ponderado na decisão instrutória, no caso, o relatório pericial em criminalística forense de fls. 379 e segs.

É do seguinte teor o mencionado Despacho:
“Vem o arguido invocar nulidade decorrente, em seu entender de não ter sido notificado de um relatório pericial que veio a ser ponderado na decisão instrutória o relatório pericial em criminalística forense de fls. 379 e ss.
Diz que a decisão instrutória ter-se-ia de limitar ao conjunto de prova constante do processo à data da dedução da acusação, pois de contrário, o juiz de instrução viola a estrutura acusatória do processo e o direito de defesa do arguido.
O Ministério Público teve vista e pronunciou-se quer pela extemporaneidade da alegação do arguido, quer, subsidiariamente, pela inexistência de qualquer nulidade, quando muito uma irregularidade, já sanada.
Apreciando.
As nulidades, em processo penal, são taxativas, pois “a violação ou a inobservância das disposições da lei do processo penal só determina a nulidade do acto quando esta for expressamente cominada na lei. Nos casos em que a lei não cominar a nulidade, o acto ilegal é irregular – artigo 118º do CP.
O catálogo de nulidades está elencado nos artigos 118º nº 1, 119º e 120º do CP, para além de outras previstas noutras disposições legais.
Ora a falta de notificação de um relatório pericial não consta do elenco das nulidades insanáveis do artigo 119º do CPP. Nem sequer uma nulidade dependente de arguição, do elenco previsto no artigo 120º do CP. E mesmo que fosse uma nulidade deste jaez, sempre teria de ter sido alegada antes que tivesse terminado o debate instrutório, porque ao debate e prolação de decisão instrutória assistiram tanto o arguido como a sua Ilustre Defensora, tudo nos termos do artigo 120º nº 3 al. a) do CPP.
Não se tratando de nulidade, estaríamos perante uma irregularidade, que teria de ter sido arguida pelo arguido no próprio acto a que assistiu, nos termos do artigo 123º nº 1 do CPP.
Assim, por ter estado presente do ato de leitura da decisão instrutória, a arguição posterior de uma irregularidade é extemporânea.
Mas ainda que assim não se entenda.
Subsidiariamente, sempre se dirá que inexiste qualquer irregularidade, porquanto em local algum da fundamentação da decisão instrutória foi utilizado, nem sequer mencionado, o relatório pericial em criminalística forense de fls. 376 e ss. Apenas ali se aludiu à prova produzida em inquérito, a que acresceu as declarações do arguido na instrução.
E, por ter sido realizado no inquérito, em matéria de prova pericial, apenas se aludiu na decisão instrutória, (mormente a fls. 390), ao relatório pericial de natureza sexual em direito penal de fls. 116 e ss. elaborado pelo INMLCF, conjugado com a demais prova testemunhal.
Até porque este relatório pericial de fls. 116 e ss., ainda sem conclusões quanto aos crimes de natureza sexual, aguardava precisamente o relatório pericial em criminalística forense, onde foram examinados os vestígios recolhidos de zaragatoas várias e de peças de vestuário da ofendida, para estudos de ADN, consignando-se, a final, que se aguarda o resultado desses exames para a elaboração das conclusões finais.
Ora, a decisão instrutória apenas considerou a final, que “Com cópia do relatório de criminalística forense a fls. 379 e ss. oficie ao INMLCF, IP para que seja concluído o exame pericial médico-legal, relativo à ofendida S. S., de fls. 116 a 118, cuja cópia também se remeterá.” – vide fls. 396.
Tal não configura qualquer convicção da decisão instrutória baseada em tal relatório pericial, antes uma diligência processual, a fim de ser completado, finalmente, o relatório pericial do INMLCF de fls. 116 e ss.
Assim, a decisão instrutória nunca poderia tirar deste relatório de criminalística forense de fls. 376 e ss. qualquer indício de agressão de natureza sexual, pois de per si, tal relatório não confirma tal facto (aliás, o arguido alega precisamente que teve relações sexuais consentidas com Sónia Patrícia, o que confere com o resultado da perícia segundo a qual, dos vestígios recolhidos para exame, não pode excluir-se que o arguido tenha contribuído para o material biológico analisado).
Mais se acrescenta que será com o relatório pericial de natureza sexual em direito penal a realizar em breve pelo INMLCF (e que completa o de fls. 116 e ss.) que o arguido será juntamente notificado do relatório de criminalística forense de fls. 376 e ss. a que aquele aludirá e no qual se fundamentará para elaborar as conclusões finais.
E só então o arguido poderá exercer os seus direitos de defesa, nomeadamente, reclamando do teor do relatório pericial do INMLCF, nos termos legais.
Assim, decidindo, inexiste qualquer nulidade ou irregularidade da decisão instrutória, que, em qualquer caso é de alegação extemporânea, improcedendo totalmente o requerimento de fls. 400 e ss.
Notifique, com cópia de fls. 404 e ss.»
2.
Não se conformando com essa decisão da Mma Juiz de Instrução, veio o arguido recorrer do mencionado despacho judicial, extraindo da motivação as conclusões que a seguir se transcrevem:
«A
O presente recurso visa a revogação do despacho proferido pelo Tribunal a quo a 27/05/2019 que indeferiu a arguição da nulidade da decisão instrutória.
B
O aqui recorrente arguiu a nulidade da decisão instrutória porquanto, entende que à mesma foi adicionado um novo elemento de prova surpresa, violador do princípio do contraditório e da estrutura acusatória do nosso sistema processual — art.° 32° CRP, art(s). 267°, 286° e seg. CPP — e que deve ser considerado proibido.
C
A instrução visa a comprovação judicial da decisão de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito e, apenas e somente, pode recair sobre o objecto que é fixado pela acusação ou requerimento de abertura de instrução,
D
Estando impedida — salvas as excepções previstas na lei — de ultrapassar o thema decidem/um e o thema probandum, sob pena de violação dos princípios do acusatório e da tutela das garantias do arguido.
E
Ou seja, a decisão de pronúncia tem de conter-se dentro dos elementos factuais que constituem o acervo investigatório e probatório do processo.
F
Porém, verifica-se que a decisão que pronunciou do arguido, adicionou meios de prova não contemplados na acusação, nem produzidos em sede instrutória, pelo que, estamos perante urna decisão que padece do vício de nulidade.
G
De facto, perfilha o recorrente que estamos perante uma nulidade, nulidade essa de cariz insanável.
H
Ao extravasar o thema probandum constante na acusação foi violado o princípio do acusatório, pois não pode haver alterações à acusação por parte do Julgador, não tendo o mesmo competência para tal.
I
que não estivesse tipificada,
J
E em conformidade com outras situaçãoes consagradas na Jurisprudência, teria que ser considerada, em nome da lógica do sistema, urna nulidade atípica insanável e de conhecimento oficioso.
L
Tudo, sob pena de violação dos artigos 118°, 119°, 267°, 283°, 268°, 269°, 309° do CPP e arts.° 32° e 219° n.° 1 CRP.
M
Deste jeito, impetra-se a revogação do despacho proferido, devendo a arguida nulidade ser julgada procedente, tudo com as consequências legais».


3.
O Exmo Procurador da República junto da primeira instância respondeu ao recurso e, concluindo pela sua improcedência, apresentou as seguintes conclusões:

«A) Apesar de o presente recurso versar exclusivamente sobre matéria de direito, o recorrente não observou o disposto no n.° 2 alínea b) do art.° 412.° do CPP;
B) Resulta no entanto claro que pretende arguir o vício da nulidade da decisão instrutória, por dela constar um meio de prova “novo” (o relatório de criminalística forense, de fis. 379 a 380);
C) No entanto, esse relatório veio complementar o relatório de exame médico-legal de fis. 116 a 118, nada tendo de novo, nem de surpresa;
D) As conclusões que se extraem do mesmo são inócuas para a defesa do arguido, vindo até ao encontro das declarações que prestou em sede de primeiro interrogatório judicial;
E) Esse relatório não foi valorado para efeitos de pronúncia do arguido;
F) Da sua indicação como meio de prova não resulta qualquer alargamento do thema probandum dos autos;
G) O arguido terá oportunidade para contraditar o teor desse relatório, se nisso tiver interesse, em sede de audiência de julgamento;
H) Não foi, assim, praticada qualquer nulidade;
1) E a decisão recorrida não merece qualquer censura.
Termos em que deverá o recurso em apreço ser considerado improcedente.
Este o entendimento que perfilhamos.
Vossas Excelências, porém, farão Justiça».

4.
Por despacho proferido em 14/6/2019, foi o presente recurso admitido, a subir nos próprios autos com o recurso que for interposto da decisão que ponha termo à causa e com efeito devolutivo e subida em separado.

5.
Remetidos os autos à distribuição e realizada a audiência de julgamento foi proferido o acórdão final em 24/1/2020, tendo-se decidido, para além do mais:
- Absolver o arguido F. T. da prática, como autor material, na forma consumada, de 1 (um) crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 13º, 1ª parte, 14º, nº1 e 26º, 1ª proposição, todos do CP, e artigo 25º, nº1, alínea a), este do Decreto-Lei nº15/93, de 22 de Janeiro, por referência à Tabela I-C anexa;
- Absolver o arguido F. T. da prática, como autor material, na forma consumada, de 1 (um) crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 13º, 1ª parte, 14º, nº1, 26º, 1ª proposição, e 143º, nº1, todos do CP;
- Absolver o arguido F. T. da prática, como autor material, na forma consumada, de 1 (um) crime de gravações (e fotografias) ilícitas, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 13º, 1ª parte, 14º, nº1, 26º, 1ª proposição, e 199º, nº2, alínea a), todos do CP;
- Condenar o arguido F. T. pela prática, como autor material, na forma consumada, em concurso efectivo, real e homogéneo, de 1 (um) crime de violação, de 1 (um) crime de sequestro e de 1 (um) crime de devassa da vida privada, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 13º, 1ª parte, 14º, nº1, 26º, 1ª proposição, 164º, nº1, alínea a) (actual artigo 164º, nº2, alínea a), 158º, nº1, e 192º, nº1, alínea b), todos do CP, nas penas parcelares de 4 (quatro) anos e 4 (quatro) meses de prisão, de 1 (um) ano e 2 (dois) meses de prisão e de 6 (seis) meses de prisão, respectivamente;
- Condenar o arguido F. T. em cúmulo jurídico, ao abrigo do vertido no artigo 77º, nºs1 e 2, do CP, na pena única de 4 (quatro) anos e 10 (dez) meses de prisão efectiva;
- Condenar o arguido F. T. a pagar à assistente S. S. uma indemnização no valor de €10.000,00 (dez mil euros), a título de reparação pelos prejuízos sofridos, nos termos do artigo 82º-A, do CPP.
6.
Não se conformando com o decidido, veio o arguido recorrer do acórdão condenatório, reiterando ainda o seu interesse em que o recurso interposto em sede de instrução seja apreciado e decidido.

Da sua motivação extraiu as seguintes conclusões:
« A
Por não concordar com a decisão proferida nos presentes autos, interpõe o Arguido o presente recurso por: erro de julgamento e apreciação da prova quanto aos crimes pelos quais foi condenado, erro notório na apreciação da prova da matéria de facto para a decisão, nulidade e contradição insanável da fundamentação e entre a fundamentação e decisão o que leva a insuficiência da matéria de facto para condenação, violação do art.º 18º Constituição República Portuguesa na determinação parcelar e única das penas, erro de julgamento e de direito quanto à medida e natureza das penas parcelares e pena cumulada.
B
Não pode o aqui recorrente conformar-se com a Sentença proferida e com o teor da mesma, perfilhando que a decisão, além de não traduzir a verdade e justiça do caso, violou o princípio da livre apreciação da prova – art.º 127º CPP –, padece de erro notório na apreciação da prova – art.º 410º n.º 2 al. a), b) e c) CPP e é nula nos termos do art.º 374, 379º do CPP, como adiante veremos.
C
Perfilha o recorrente que o Tribunal a quo cometeu erro de julgamento e de apreciação da prova quanto aos crimes de violação e sequestro, pois valorou acriticamente os depoimentos da Assistente e testemunha C. A..
D
No tipo de investigação e julgamento de crimes como o dos autos, é sabida a importância do depoimento das vítimas, devendo tal meio de prova ser cuidadosamente analisado.
E
É entender da defesa que o depoimento da vítima e da testemunha C. A. são demasiado frágeis por apresentarem incongruências de relevo que possam sustentar uma condenação.
F
Houve erro de valoração da prova ao dar como provados os pontos 51 e 52 da matéria de facto.
G
Pois neste preciso ponto a prova foi incorretamente valorada face aos depoimentos e prova documental existente nos autos, tendo sido dado como provado o que na primeira aparência podia parecer verdadeiro.
H
Com efeito, decorre do auto de diligência de páginas 280 que a ofendida na madrugada de 2/3 de fevereiro de 2019 estava no Bar ..., isto é, um bar com música ao vivo, local que, antes de mais, não é percepcionado pelo comum dos cidadãos como um local para unicamente tomar um café.
I
Do mesmo modo, decorre do depoimento da testemunha V. S. (cujo depoimento foi valorado em sede de motivação) ouvida na sessão datada de 18 de Dezembro de 2019 o seguinte, que passados dois dias após o ocorrido (dia 27 de Setembro de 2018) esteve com a Assistente nos bares que frequentavam na Universidade ... (ao minuto cinco).
J
Em igual sentido vai o depoimento da testemunha C. N., prestado na mesma sessão de audiência na qual afirmou (ao minuto 31,25) que, após os acontecimentos chegou a sair com a ofendida para tomar café.
K
Destrate, da prova produzida não se pode extrair o que ficou provado nos pontos 51 e 52, devendo os mesmos ser suprimidos devendo passar a constar o seguinte:
- A Assistente continuou a sair à noite e na madrugada de 2/3 de Fevereiro de 2019 esteve no Bar ....
L
No mesmo seguimento, face ao depoimento da testemunha C. A., prestado no dia 18 de Dezembro de 2019 e da própria motivação da decisão onde os factos são referidos (e que entra em flagrante oposição com a matéria de facto dada como prova), devem ser dados como provados os seguintes factos:
- A testemunha C. A., após a chegada da Assistente a sua casa, telefonou ao irmão do arguido, S. T., para que este as auxiliasse.
- O irmão do arguido, S. T., após o telefonema da testemunha C. A., dirigiu-se a casa desta e transportou a mesma e a Assistente para o seu estúdio de música.
- Só após a estadia no estúdio, a testemunha C. N. e Assistente foram ao hospital.
M
São estes os factos que resultam de parte da motivação da decisão posta em crise e que passamos a citar “ Fazendo, aqui, apelo ao que ditam os juízos da experiência comum e da normalidade do acontecer, o passo que ambas deveriam ter seguido de imediato seria o de recorrer ao auxílio de familiar (es) da assistente ou amigo (s) e, com o apoio deste (s), dirigirem-se a um hospital para a identificada S. S. receber tratamento e, posteriormente, à polícia para denunciar o ocorrido.
Contudo, não foi o que fizeram, pois que tal como a assistente afirmou e a testemunha C. A. confirmou, esta última telefonou ao irmão do arguido – a testemunha S. T..
Embora o telefonema para um familiar do agressor não seja o modo de proceder que mais se compatibilize com as regras da experiência corrente, a justificação que a mencionada C. A. apresentou não se nos afigurou despropositada…”,
N
De onde resulta que a Assistente e testemunha ligaram ao irmão do alegado agressor a pedir auxílio,
O
Não dar como provados tais factos depois de os mesmos serem valorados para efeitos de convicção do Tribuna, faz a decisão recorrida enfermar do vício elencado no art.º 410º n.º 2 al. b do C.P.P e é deveras patente neste ponto a violação das regras probatórias e o erro de julgamento – art.º 127º CPP e 410 n.º 2 al.c ambos do CPP.
P
A prova factual efectivamente produzida viola as presunções mais elementares da vida, sendo completamente contrário ao que qualquer pessoa (homem médio) faria.
Q
O supra exposto teria que obrigar o Tribunal a quo a questionar-se sobre o seguinte: Serão consentâneos com as regras da experiência e demonstrativos da realidade, os factos dados como provado nos pontos;
- 4 - Depois de se reunirem todos junto do ..., em Braga, decidiram ir para casa daquele….
- 5 – Nas descritas circunstâncias, o arguido insistiu com a mencionada S. S. e com a identificada C. A. para que passassem o resto da noite na sua habitação, o que estas negaram, tendo tal facto provocado irritação no aludido F. T.…

- 7 – Nestas circunstâncias de tempo e de lugar, o arguido pediu-lhes desculpa pela reacção que tivera em sua casa na noite de 25 de Setembro de 2018….”,
R
E, cumulativamente,
Um dia depois, a Assistente, ir por seu pé, nem que induzida ou seduzida, para a casa do arguido?
Não suportar ela própria (já que trabalhava), um táxi que a levasse a casa?
Irem por voltas das 14/15 horas ao café por livre e espontânea vontade e, já agora, uma vez que se fazia tarde, aproveitar para efetivamente ir embora?
Será crível que logo na noite em que sai, a ofendida vá ao bar onde se encontra o arguido?
S
Existe neste preciso ponto violação do art.º 127º do CPP, art.º 410 n.º 2 alíneas b e c do CPP, devendo ser devidamente valoradas e daí tirarem-se as devidas ilações, nomeadamente insuficiência da matéria de facto para a condenação.
T
Na primeira sessão de julgamento a Assistente (29 de Novembro de 2019) afirmou que no dia dos factos, ainda antes de querer ir embora que o arguido ora estava bem ora estava mal e não estava a perceber o seu comportamento (mais precisamente ao minuto 20,40) e este facto tem que ser dado como provado porque produzido em audiência de julgamento e deveras pertinente
U
Deste modo, fica por esclarecer como é que a Assistente ainda continuou na companhia do arguido e, mais uma vez, cabe saber porque não aproveitou a ida ao café para ir embora.
V
A prova de primeira aparência até poderá induzir em erro de julgamento, até porque muitas das vezes é analisada de forma mais fragmentária, porém, quando remetidos para a análise global, impõe-se que a credibilidade passe pela lógica e coerência aferidas à luz das regras da experiência.
W
Com o devido respeito, os factos trazidos para os autos carecem de coerência e lógica mundana e tal é tão notório que, em sede de motivação não se alcançou explicar o comportamento da ofendida e testemunha quando chamam o irmão do arguido para as “socorrer”.
X
O relatado e dado como provado viola as presunções naturais da vida e do normal do acontecer.
Y
Defende ainda o recorrente que houve erro de julgamento na interpretação do teor das mensagens trocadas entre si e o seu irmão e que, consequentemente, acabaram por ser erroneamente valoradas.
Z
Este meio de prova, no entender na defesa, foi erroneamente valorado porquanto foi analisado de uma forma estática, fora da dinâmica normal de uma conversação telefónica ou neste caso, de troca de mensagens através de uma rede social.
Aa
A dinâmica da conversa expõe o irmão do arguido preocupado com a filmagem (“nem vale a pena dizer que filmaste”). Se assim não fosse, diria, a título de exemplo, “nem vale a pena dizer que lhe bateste/obrigaste”.
Ab
E porque de um diálogo se trata e não de meras afirmações imperativas ou retóricas, o arguido responde com um “Hum?” (de surpreendido) e, mais uma vez só se fala em filmagem “…só n quis q eu filmasse tanto”.
Ac
As palavras em análise têm que ser enquadradas no diálogo mantido que fala em filmagem, em retraída e na qual, o irmão do arguido, acaba por usar a palavra medo. Ad
Retraída, a primeira palavra a ser usada significa introvertida, envergonhada, o que se coaduna com a filmagem..Se fosse apenas medo, resulta da normalidade que não seria usado o termo retraída em primeiro lugar.
Ae
Acresce que analisados os conteúdos das mensagens que decorrem como, reitera-se, se de uma conversa oral se tratasse, conclui-se que o arguido, que por sua vez não estava assim tão preocupado quanto isso com o conteúdo dos vídeos, foi aconselhado pelo irmão a apagar pois, como toda gente sabe, filmar ou fotografar contra a vontade de alguém é proibido.
Af
Dizem-nos as presunções da experiência que se estivesse a falar em violação, após estar com a ofendida e C. A., o irmão não esperaria pelo dia seguinte para manter esta conversa (como resulta da data das mensagens) ou, manter a conversa transcrita por mensagem, sabendo que os registos ficam e seriam acessíveis aos órgãos de polícia criminal a quem quer o arguido e seu irmão, entregaram tudo de forma livre.
Ag
Serão assim tão merecedoras de credibilidade as afirmações de S. S. e C. A. analisadas de forma articulada com a restante prova e, não menos importante, à luz das presunções da vida?
Ah
Uma decisão tem que ter todos os elementos que de acordo com a experiência e raciocínio lógico, constituem a razão de ser de uma absolvição e/ou condenação,
Ai
Impondo o art.º 205 n.º 1 C.R.P. uma análise crítica da prova e especificação motivada das provas consideradas decisivas para a convicção do julgador e da leitura da decisão da qual se recorre, constata-se que o tribunal a quo não articulou os meios de prova entre si, carecendo a decisão, na nossa humilde opinião, de uma fundamentação expressa por um discurso próprio, capaz de impor que ocorreu uma verdadeira reflexão o que, com o devido respeito, não sucede num processo algo complexo e com as inúmeras questões que suscita,
Aj
Violando-se, por conseguinte, cumulativamente os art.(s) 97º, 127º e 374 n.º 2 do C.P.P.
Assim, têm-se por violados expressamente o artigosº 379 n.º 1 al. a e 374 n.º 2 ambos do C.P.P.
Ak
Igualmente, e até em consequência da falta de fundamentação, a decisão da qual recorremos viola o art.º 127º C.P.P. que consagra o princípio da livre apreciação da prova que se traduz resumidamente, no princípio de que a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente.
Al
Face a erro de julgamento que deu como provados factos que não poderia e, não deu outros que deveria ter dado, razões existem para se considerar que a decisão deve ser revogada, devendo ser substituída por uma que valore devidamente os meios de prova.
Am
No que concerne à dosimetria final e parcelar da pena e a posterior opção pela sua não suspensão, não pode o arguido conformar-se com o decidido, sendo manifesta a violação dos Princípios da Necessidade, Proporcionalidade e Excesso – art.º 18~CRP –.
An
Houve factos de suma importância que não foram atendidos na determinação da pena ao arguido, pelo que houve omissão neste preciso ponto e falta de fundamentação da decisão, padecendo neste preciso ponto o Acórdão de nulidade nos termos do art.º 379º n.º 1 al.a e 374º n.º 2 CPP.
Ao
Existe concomitantemente erro de julgamento quanto à medida e natureza das penas parcelares e da pena cumulada,
Ap
Isto além de contradição insanável da fundamentação em direito quanto à questão do concurso real.
Aq
As penas parcelares e posteriormente a pena única aplicada ao recorrente são manifestamente excessivas, por violadoras do ordenamento jurídico penal vigente.
Ar
Não foram devidamente valorados factos de suma importância como:
- o de o arguido ter colaborado sempre de forma voluntária com as autoridades policiais, nomeadamente entregando todos os objetos solicitados, incluindo telemóvel com os vídeos pelos quais foi condenado;
- o facto de o arguido nunca mais ter contactado a ofendida por qualquer meio, facto que decorre dos autos;
- aquando da prática dos factos objeto dos presentes autos, o arguido nunca tinha sido condenado por factos desta natureza;
- inexiste qualquer notícia de que o arguido tenha praticado outro ilícito no tempo que mediou entre os factos julgados e a presente data;
- o que por si só revela que a integração familiar e laboral que o mesmo vive à data, constituem fatores inibidores de comportamentos desviantes.
As
Assim sendo, entende-se que a decisão da qual se recorre violou artigo 70º do CP que dispõe “Se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.”, na aplicação de pena de prisão no âmbito dos crimes de sequestro e devassa da vida privada porquanto,
At
Além de não se justificarem por razões de prevenção geral e especial, foi a opção tomada em função da data dos factos quando, conforme tem sido entendimento da doutrina e jurisprudência, tem-se como “momento relevante para o apuramento das necessidades preventivas é o do julgamento e não da prática do facto, razão pela qual o tribunal pode ponderar factos novos que tenham ocorrido entre a prática do facto e a audiência “(neste sentido Paulo Pinto de Albuquerque, anotação ao artigo 70º Comentário do Código Penal à luz da Constituição da República Portuguesa e Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 2ª Edição - UCP).
Au
Concluindo, atendendo ao imposto pela lei não podemos descurar o seguinte:
- o arguido, à data da decisão, encontra-se inserido profissionalmente, beneficiando de estabilidade emocional, enquanto que, na altura dos factos vivia manifestas dificuldades de organização pessoal e profissional (cfr. relatório social);
- resulta dos autos que o arguido nunca foi condenado por factos da natureza dos julgados;
- não existe qualquer notícia de crime desde a ocorrência dos factos julgados;
- o curso que imprimiu atualmente à sua vida reflete um modelo educativo normativo, com enquadramento profissional e pessoal estável.
Av
Perante este enquadramento, perfilha-se, em primeiro lugar, no que ao crime de devassa da vida privada concerne, que a pena é manifestamente excessiva e desproporcionada porquanto não atendeu desde logo à confissão do arguido relativamente ao crime,
Aw
O arguido confessou que filmou a ofendida na sua vida privada e íntima e que mostrou ao seu irmão.
Ax
Este facto por si só, além de o arguido ter entregue o seu telemóvel de forma voluntária para efeitos de perícia, deveriam ter sido valorados devidamente na pena parcelar aplicada ao arguido pelo crime de devassa da vida privada.
Ay
De igual forma, não se pode descurar que o arguido não tem qualquer condenação por este tipo de crime, sendo de natureza bem diversa as anteriores condenações.
Az
Em conclusão, entende-se que a pena em causa relativamente a este crime deve ser de multa ou, no caso de se optar por uma pena de prisão, tal escolha não deve exceder o mínimo legal de um mês.
Ba
No que ao crime de sequestro respeita, pelas razões já expostas, nomeadamente o arguido nunca ter sido condenado por qualquer crime desta natureza e o seu atual enquadramento social, entende-se que a escolha da pena pode perfeitamente recair sobre uma pena de multa, entendendo-se que esta acautela perfeitamente a prevenção geral e especial previstas na lei.
Bb
Mais uma vez, cumpre salientar a ausência de condenação por factos de idêntica natureza e a inserção atual do arguido e caso não se opte pela pena de multa, entende-se que se impõe, salvo o devido respeito, a aplicação de uma pena de prisão suspensa inferior a um ano.
Bc
Independentemente do que já foi supra expendido, perfilha o recorrente que deverá a pena de prisão aplicada ser imperativamente suspensa na sua aplicação, tendo o acórdão proferido violado o art.º 50º do C.P.
Bd
A suspensão tem que ser avaliada à data de aplicação da decisão proferida e, a bem da verdade, à data da mesma conforme plasmado na decisão da qual se recorre, o arguido encontra-se a trabalhar e vive com a sua companheira.
Be
É patente que tem uma situação pessoal completamente diferente da vivida aquando da ocorrência dos factos, data em que vivenciava manifestas dificuldades de organização pessoal e profissional.
Bf
O curso que imprimiu atualmente à sua vida reflete um modelo educativo normativo, com enquadramento profissional e pessoal estável.
Bg
O modelo de vida que imprimiu à sua vida reflete que se pode fazer um juízo de prognose favorável.
Bh
O facto de se adotar a um paradigma de vida conforme aos valores sociais dominantes, denota que a sua integração social está mais sólida do que nunca, o que é de suma importância quer em termos de prevenção especial, quer no âmbito da prevenção geral.
Bi
É indubitável que é muito mais favorável para a sociedade que este jovem adulto integre a sociedade de forma responsável e responsável e muito mais nefasto que cumprir uma pena de prisão.
Bj
Perante este enquadramento, não restam dúvidas de que o arguido apresenta condições para garantir a exequibilidade da sanção em comunidade, ainda que acompanhada, caso assim se entenda, de regime de prova, tudo com vista a acautelar a prevenção geral e especial que se entenda imporem-se ao caso.
Bl
Adequam-se, nesse caso, e no entender do aqui recorrente que serão proporcionais obrigações como por exemplo:
-não contactar com a assistente por qualquer forma;
-responder a convocatórias dos responsáveis pela execução da pena;
-receber visitas do técnico de reinserção social e comunicar-lhe ou colocar à sua disposição informações e documentos sobre os seus meios de subsistência e informar o mesmo sobre alterações de residência, trabalho, bem como deslocações superiores a dez dias;
- compensar a vítima. ´
Bm
A atualização da história pessoal do arguido assim o impõe, sob pena de dupla valoração do que contra o arguido depôs na fixação da opção pela pena de prisão e seus valores parcelares.
Bn
A pena conjunta deverá manter-se no mínimo pois a disparidade entre a gravidade dos crimes é substancial, veja-se a moldura máxima do crime de devassa da vida privada e de violação.
Bo
Deverá a decisão proferida ser revogada por violação dos artigos 40º, 50º, 51º, 52º, 53º, 54º, 7º, 71º, 77º e 192º CP, 97º, 124º, 128º,127º, 129º, 374º, 379º, 410n.º 2,º CPP, 31º, 32º, 205º CRP e substituída por uma que corrija os vícios apontados e, subsidiariamente, aplique pena inferior à proferida e suspensa na sua execução.
(…)»

7.

O Ministério Público na primeira instância respondeu ao recurso e pugnando pela sua improcedência concluiu nos seguintes termos:

1. Não assiste razão ao arguido em nenhuma das críticas que aponta ao douto acórdão proferido, não merecendo este nenhum reparo, nomeadamente, no que concerne à materialidade fáctica dada por assente, que espelha a prova (documental, pericial e testemunhal) produzida em sede de audiência de julgamento e junta aos autos.
2. Não merece acolhimento o argumento aduzido pelo arguido de que as declarações da assistente e o depoimento da testemunha C. A., foram valorados acriticamente. Efectivamente, o tribunal analisou de foram exaustiva estes meios de prova, que conjugou com os demais, plasmando de forma clara e perceptível as razões pelas quais estes mereceram credibilidade, nada ficando, neste ponto, por dizer, tendo feito constar, não só os factos que considerou provados e não provados, como também enumerou, exaustivamente, os motivos de facto e de direito da sua decisão, valorando critica e racionalmente não só estas, mas todas as provas carreadas para os autos, de acordo com as regras da razão e da experiência comum, de forma que não merce qualquer reparo e até, a nosso ver, insusceptível de complemento. Assim, a factualidade vertida nos pontos 51 e 52, dos factos provados, reflecte efectivamente, a prova produzida.
3. Não existe qualquer contradição entre a motivação e a decisão, sendo a primeira perfeitamente consentânea com a segunda, tendo, as considerações expendidas na motivação, servido para se demonstrar o raciocínio lógico que levou a tribunal a considerar credíveis os depoimentos prestados.
4. Tendo em conta as elevadas exigências de prevenção geral positiva verificados no caso, decorrentes do enorme alarme social que este tipo de ilícitos gera na comunidade, pondo em causa a intimidade, bem jurídico cada vez mais posto em crise pela crescente prática deste tipo de crime e bem assim, as elevadas exigências de prevenção especial positiva que se fazem sentir, tendo em conta que o arguido havia já tido contacto com o sistema de justiça penal, no âmbito do qual foi condenado, sem que tais condenações tivessem servido de suficiente advertência por forma a que este adequasse o seu comportamento ao direito, a aplicação de uma pena de multa, pela prática do crime de Devassa da vida privada não seria suficiente, para consciencializar o arguido e proteger o bem jurídico violado.
5. Quanto à dosimetria das penas concreta e única, o tribunal ponderou:
- o elevado grau de ilicitude,
- o dolo directo e
- as elevadas exigências de prevenção geral, transversais a todos os crimes e ainda,
- as também elevadas exigências de prevenção especial, denotando o modo e as circunstâncias em que o arguido praticou os crimes, um sentimento de acentuada desconformidade com valores essenciais e uma personalidade indiferente aos valores sociais vigentes, que impõe exigências de reinserção num grau elevado. Assim, no quadro dos fins das penas, as penas concretas parcelares e única aplicadas são ajustadas, não ultrapassando de modo nenhum os limites da culpa e dando resposta cabal às exigências de prevenção geral e especial.
6. Tendo em conta a personalidade do arguido reflectida nas circunstâncias e modo de cometimento dos crimes e bem assim, o facto de este já ter condenações anteriores (aliás, cometeu os crimes em causa em período de suspensão da execução da pena de 3 (três) anos de prisão, aplicada no Processo nº2029/14.2PBBRG), torna evidente a sua indiferença em relação aos valores tutelados pelas normas penais violadas e socialmente vigentes. Assim, uma vez que a finalidade político-criminal visada com o instituto da suspensão é o afastamento do agente, no futuro, da prática de novos crimes, afigura-se evidente que tal, no caso, não é de prever que venha a suceder, dada a manifesta gravidade da conduta do arguido e os seus antecedentes criminais, entendendo-se que bem andou o Tribunal ao não considerar viável optar pela suspensão da execução da pena de prisão, ainda que sujeita a regime de prova e ao cumprimento de condições.
Pelo exposto, deverá o recurso interposto ser julgado improcedente, mantendo-se na íntegra a douta decisão, assim se fazendo JUSTIÇA».

8.
A assistente veio também responder ao recurso e concluindo pela manutenção do decidido, formulou as seguintes conclusões:
1ª. A decisão recorrida não enferma dos vícios ou ilegalidades invocadas pelo arguido no seu recurso, nomeadamente, não ocorre erro notório na apreciação da prova, contradição insanável da fundamentação e entre a fundamentação e a decisão e erro de julgamento e de direito quanto à medida e natureza das penas parcelares e única;
2ª. Não há fundamento para invocara nulidade do acórdão com base no disposto nos arts. 374.º e 379.º do C.P.P.
3ª. O acórdão não incorre em qualquer violação do princípio da livre apreciação da prova, a que alude o art. 127.º do Código de Processo Penal,
4ª. Não se vislumbra no acórdão qualquer contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão, e de erro notório na apreciação da prova, pelo que, carece de fundamento a alusão ao disposto nas alíneas b) e c) do art. 410º do CPP.
5ª. A pena de prisão aplicada pelo crime de devassa da vida privada afigura-se justa, adequada e proporcional, atenta as exigências de prevenção geral que a gravidade do crime em causa apresenta.
6ª. A medida da pena única de prisão única é adequada e proporcional à gravidade da conduta apurada ao arguido.
7ª. A não suspensão da execução do cumprimento da pena única de prisão mostra-se consentânea com as necessidades de punição, nos termos do disposto no art. 70º do CP.
8ª. A decisão recorrida está devidamente fundamentada, enumera de forma clara e perfeitamente entendível quais os factos provados e não provados, e indica de forma precisa os motivosque a sustenta, e produz uma análise crítica de todas as provas produzidas, e que ajudaram na formação da convicção do tribunal, em obediência ao preceituado no n.º2 do art. 374.º do C.P.P.
9ª. A decisão recorrida apreciou a prova tendo em atenção as regras de experiência comum e segundo a livre convicção do julgador, assumindo aqui particular relevo quer as declarações da assistente, quer o depoimento das testemunhas.
10º. A decisão recorrida efetuou uma correta valoração do depoimento da assistente, tendo ainda o cuidado de justificar a credibilidade que o mesmo lhe mereceu, sem nunca ter deixado de se referir aos pontos que poderiam ser entendidos como mais fracos, como por exemplo a emoção que por vezes não conseguiu conter.
11ª. O tribunal descredibilizou o depoimento do arguido e justificou de forma fundamentada o porquê dessa posição, apontando de forma detalhada as falhas, incongruências e contradições das suas declarações».

9.
Neste Tribunal da Relação, o Exmo Procurador-Geral Adjunto, na intervenção a que se refere o artigo 416º, apenas emitiu parecer relativamente ao recurso interposto da decisão final e perfilhando da posição defendida na primeira instância concluiu pela improcedência do recurso.

10.
Cumprido o artigo 417º,nº2, do C.P.P., o arguido veio responder, reiterando o alegado na sua motivação e respectivas conclusões.

II. Fundamentação

A)Delimitação do objecto do recurso

Como é consensual, quer na doutrina quer na jurisprudência, são as conclusões extraídas pelo recorrente da motivação, sintetizando as razões do pedido, que definem e determinam o âmbito do recurso e os seus fundamentos, delimitando para o tribunal superior as questões a decidir e as razões por que devem ser decididas em determinado sentido, sem prejuízo do conhecimento oficioso de certos vícios e nulidades, ainda que não invocados ou arguidas pelos sujeitos processuais
Todavia, no caso vertente, impõe-se apreciar e decidir uma questão prévia.
Tal questão prende-se como a inadmissibilidade do recurso interposto da decisão proferida pela Mma Juiz de Instrução em momento posterior à prolação do despacho de pronúncia do arguido pelos factos constantes da acusação pública, decisão essa que indeferiu a arguição de uma nulidade.

Ora, dispõe o artigo 310º, do Código de Processo Penal, com a redacção que lhe foi introduzida pela Lei nº 48/2007, de 29 de Agosto, que:
1.A decisão instrutória que pronunciar o arguido pelos factos constantes da acusação do Ministério Público, formulada nos termos do artigo 283.º ou do n.º 4 do artigo 285.º, é irrecorrível, mesmo na parte em que apreciar nulidades e outras questões prévias ou incidentais, e determina a remessa imediata dos autos ao tribunal competente para o julgamento.
2. O disposto no número anterior não prejudica a competência do tribunal de julgamento para excluir provas proibidas.
3. É recorrível o despacho que indeferir a arguição da nulidade cominada no artigo anterior.

Anteriormente a esta redacção, dispunha-se no preceito em análise que:
1. A decisão instrutória que pronunciar o arguido pelos factos constantes da acusação do Ministério Público é irrecorrível e determina a remessa imediata dos autos ao tribunal competente para o julgamento.
2. É recorrível o despacho que indeferir a arguição da nulidade cominada no artigo anterior.
Face a tal sucessão, intui-se, desde logo, que foi acrescentado, no nº1, entre outros, o teor “é irrecorrível, mesmo na parte em que apreciar nulidades e outras questões prévias ou incidentais”.
À luz do texto originário, anterior à actual redacção, discutia-se, porém, se era recorrível o despacho de pronúncia na parte relativa à apreciação de nulidades e outras questões prévias e incidentais, vindo a entender-se que apesar da irrecorribilidade do despacho de pronúncia que pronunciasse o arguido pelos factos constantes da acusação do Ministério Público (art. 310º, nº1, do CPP), era todavia admissível o recurso de nulidades arguidas no decurso do inquérito ou instrução e das questões prévias ou incidentais.
Foi este o sentido do Assento do STJ, nº6/2000, de 19.1.2000, publicado no DR I-A série, de 7 de Março de 2000, no qual se decidiu que “A decisão instrutória que pronunciar o arguido pelos factos constantes da acusação do Ministério Público é recorrível na parte respeitante à matéria relativa às nulidades no decurso do inquérito ou da instrução e às demais questões prévias ou incidentais.”
E esta posição vingava apesar do Tribunal Constitucional entender que as normas dos artigos 308º, nº3 e 310º, nº1, do CPP não são inconstitucionais, na interpretação de que são irrecorríveis as decisões prévias ou incidentais constantes do despacho de pronúncia – acórdãos do TC nºs 216/99 e 387/99.
Com a alteração operada pela Lei nº 48/2007 de 29 de Agosto no teor do artigo 310º, do CPP, não existem actualmente dúvidas de que o legislador quis excluir o recurso mesmo em relação às nulidades e questões prévias e incidentais, ficando assim derrogada a jurisprudência fixada no citado Assento.
Como refere Maia Costa, in Código de Processo Penal, Comentado, 2014, Almedina, pág. 1025/1026
“A irrecorribilidade da decisão instrutória que pronuncia o arguido pelos factos constantes da acusação do Ministério Público é coerente com a natureza da instrução, fase destinada à comprovação judicial da acusação, não existindo um direito constitucional do arguido a não ser submetido a julgamento sem instrução exaustiva prévia”.
(…)
A nova solução legal, sendo embora mais restritiva dos direitos de defesa, não comporta, de forma alguma, um sacrifício insuportável dos mesmos de forma a poder considerar-se infringido o art.32º,nº1, da Constituição.
Desde logo, a lei expressamente dispôs, no novo nº2, que o juiz de julgamento tem competência para “excluir” provas proibidas, ainda que elas tenham sido validadas na decisão instrutória. Depois, porque essa decisão não forma caso julgado sobre as questões relacionadas com a responsabilidade penal do arguido, questões essas que o juiz de julgamento deve sempre apreciar.”
Aliás, suscitada repetidamente a constitucionalidade desta disposição legal, a verdade é que o Tribunal Constitucional foi sempre considerando que a irrecorribilidade do despacho que pronuncia o arguido pelos mesmos factos constantes da acusação, bem como a irrecorribilidade da decisão instrutória na parte em que decide questões prévias ou incidentais àquele despacho, não constitui uma restrição desproporcionada do direito ao recurso em processo penal, porquanto a natureza meramente provisória do juízo de imputação de factos suscetíveis de integrarem a prática de um crime que resulta da decisão instrutória de pronúncia permite que qualquer vício ou nulidade que a afete possa sempre ser ainda devidamente conhecido na sentença que vier a ser proferida após o encerramento da audiência de julgamento ou em sede de recurso a interpor da sentença que seja desfavorável ao arguido.
No caso em apreço, a Mma Juiz de Instrução, com exceção do crime de coacção sexual, pronunciou o arguido pela prática dos factos constantes da acusação e com a respectiva qualificação jurídica ai vertida.
Assim sendo, não tendo sido posta em causa essa não pronuncia pelo crime de coacção, a decisão instrutória é irrecorrível no demais, nos termos do citado art.310º,nº1, do C.P.P..
Como irrecorrível é também a decisão proferida pela Mma Juiz de Instrução posteriormente à prolação da decisão instrutória, por meio da qual indeferiu a nulidade arguida pelo arguido, nulidade essa que não se enquadra na situação excecional prevista no artigo 309º do C.P.P., pois como supra referimos, prende-se com o facto do arguido não ter sido notificado de um relatório pericial que veio a ser ponderado na decisão instrutória, no caso, o relatório pericial em criminalística forense de fls. 379 e segs
Desde logo, como resulta do disposto no nº3 do citado art.310º foi intenção do legislador cingir a possibilidade de recurso ao despacho que indeferir a arguição da nulidade cominada no artigo 309º, esta atinente à alteração substancial dos factos.
Fica assim de fora a arguição de quaisquer outros vícios que afectem a decisão instrutória e, consequentemente, a possibilidade de recurso do despacho que deles conheça.
De facto, compreendia-se mal que tendo o legislador vedado o recurso nas situações previstas no art. 310º,nº1, permitisse depois, por via indirecta, através da arguição de nulidades do despacho de pronúncia, que se recorresse do despacho que se pronunciasse sobre tal arguição.
No caso vertente, o recorrente está a pretender fazer entrar pela janela – a admissibilidade do recurso – o que não consegue fazer entrar pela própria porta.
Como resulta do Acórdão do Tribunal Constitucional nº482/2014, publicado no D.R II Série, de 28 de julho de 2014, o raciocínio que tem levado a considerar constitucionalmente admissível, em benefício da celeridade processual, a irrecorribilidade do despacho que pronuncia o arguido pelos mesmos factos constantes da acusação, bem como a irrecorribilidade da decisão instrutória na parte em que decide questões prévias ou incidentais àquele despacho, por tal não constituir uma restrição desproporcionada do direito ao recurso, tem também aqui de ser seguido.
Como ai se escreveu “Neste âmbito, em coerência, não pode deixar de se entender que o mesmo raciocínio se aplicará à irrecorribilidade do despacho que decida a arguição de vícios (v.g., nulidades) que afetem especificamente a decisão instrutória, designadamente na parte em que decida a arguição de nulidade da decisão instrutória por omissão do dever de pronúncia ou por falta de concretização dos factos imputados ao arguido.
Decidir o contrário seria, afinal, permitir, por via indireta, a recorribilidade de uma decisão cuja irrecorribilidade resulta claramente da lei, solução que tem sido constantemente confirmada pelo Tribunal Constitucional como conforme à Constituição.
Acresce que, o legislador infraconstitucional delineou a decisão instrutória que pronunciar o arguido pelos factos constantes da acusação do Ministério Público como traduzindo em si mesma já o resultado de uma função que representa uma dupla garantia, na medida em que impõe a comprovação por um juiz de instrução da acusação deduzida pelo Ministério Público. Através desta opção legislativa, o legislador procura proteger o arguido contra acusações infundadas ou ilegais, enquanto se garante a liberdade de decisão ao juiz do julgamento quanto à valoração das provas produzidas e à fixação dos factos provados.
Tendo em conta essa natureza de dupla garantia, não se representa como inconstitucional, na linha da jurisprudência constante do Tribunal Constitucional, que se neguem graus de garantia adicional face à decisão instrutória neste caso “.
Por tudo o exposto, sem necessidade de mais considerações, sendo a decisão em apreço legalmente irrecorrível e não estando este tribunal vinculado pelo despacho que admitiu o recurso (art.414º,nº3, do C.P.P.), outra solução não resta que rejeitar o recurso em apreço.

Posto isto, atenta a conformação das conclusões formuladas pelo recorrente no recurso interposto do acórdão final, bem como a inadmissibilidade do recurso interposto do despacho da Mma Juiz de Instrução, importa conhecer as seguintes questões, organizadas pela ordem lógica das consequências da sua eventual procedência.
- Nulidade do acórdão nos termos das disposições conjugadas dos artigos 379º,nº1, a) e 374º,nº2, ambos do C.P.P..
- Vícios decisórios a que aludem as alíneas a),b) e c) do artigo 410º,nº2, do C.P.P.
- Impugnação ampla da matéria de facto/Erro de julgamento
- Medida da pena

B) Do acórdão recorrido

Tendo em conta as questões supra enunciadas, importa ter presente o seguinte teor do acórdão recorrido:
« (…)

I. FUNDAMENTAÇÃO
II.1. Factos provados

Discutida a causa, com relevo para a decisão a proferir, resultou provada a seguinte matéria de facto:

1. O arguido F. T. conheceu a assistente S. S. numa noite que, em concreto, não foi possível apurar, mas situada em Setembro de 2018, antes do dia 21, o que sucedeu nas proximidades dos bares que se situam junto à Universidade ..., por intermédio da sua amiga C. A., que também era amiga do irmão do arguido, de nome S. T..
2. No dia 21 de Setembro de 2018, o aludido F. T. e a assistente encetaram uma conversação, através do messenger, da rede social facebook, com vista a combinar um encontro num dos bares da cidade de Braga ou uma ida ao cinema.
3. No dia 25 de Setembro de 2018, à noite, a assistente combinou encontrar- se com a amiga C. A. e o arguido.
4. Depois de se reunirem todos junto do ..., em Braga, decidiram ir para a casa daquele F. T., sita na Rua ..., porta …, da freguesia de ..., do concelho de Braga, onde permaneceram até cerca das 04 horas, a dançar, a consumir cerveja e a fumar haxixe, que o arguido forneceu.
5. Nas descritas circunstâncias, o arguido insistiu com a mencionada S. S. e com a identificada C. A. para que passassem o resto da noite na sua habitação, o que estas negaram, tendo tal facto provocado irritação no aludido F. T..
6. Na noite de 26 de Setembro de 2018, em hora que, em concreto, não foi possível apurar, mas situada nunca antes das 22 horas, o arguido encontrou a assistente e aquela C. A. junto aos bares sitos nas imediações da Universidade ....
7. Nestas circunstâncias de tempo e de lugar, o arguido pediu-lhes desculpa pela reacção que tivera em sua casa na noite de 25 de Setembro de 2018.
8. Após isto, a assistente, juntamente com a mencionada C. A., seguiu para o bar “...”, sito em Braga, onde aí permaneceram a consumir bebidas alcoólicas até cerca das 06 horas / 07 horas do dia seguinte.
9. Deste local ambas prosseguiram até ao estabelecimento denominado “…”, sito nas imediações do Centro Comercial …, onde estiveram a tomar o pequeno-almoço.
10. Quando eram 07 horas e 45 minutos já do dia 27 de Setembro de 2018, o arguido contactou a assistente através do messenger do facebook, tendo iniciado uma conversa no âmbito da qual o identificado F. T. ofereceu- se para transportar aquela S. S. a casa, o que esta aceitou.
11. Assim, pouco depois de terminada esta conversa, o arguido compareceu junto do referido estabelecimento comercial, transportado de táxi, nele seguindo juntamente com a assistente, como haviam previamente acordado.
12. Sucede que, ao contrário do combinado, o arguido deu instruções ao motorista do táxi para prosseguir em direcção ao local onde antes «o havia apanhado», ou seja a sua habitação, o que sucedeu.
13. De seguida, o arguido e a assistente permaneceram no interior da habitação do primeiro, a conversar e a consumir champanhe, o que sucedeu até cerca das 14 horas, altura em que se deslocaram até um café, situado por debaixo da casa do aludido F. T., onde este comprou 2 (duas) cervejas, após o que regressaram para a habitação deste último, mantendo-se a conversar.
14. Entretanto, a assistente, por aperceber-se que já seria tarde, manifestou ao arguido ser sua pretensão ir-se embora, para a sua habitação.
15. Nestas circunstâncias, o arguido, surpreendentemente, num tom de voz elevado, disse à assistente: “estou-te a fazer mal? … tu não vais embora, só vais quando eu quiser … eu estou a ser boa pessoa, vais fazer com que seja má … a partir de agora, vais fazer tudo o que eu quiser e só sais daqui quando eu quiser …”.
16. Aquela S. S., ante esta reacção, levantou-se do sofá com o propósito de abandonar a habitação, mas o arguido opôs-se, agarrando-a pelo pescoço, com força, e, de seguida, empurrando-a para cima do sofá.
17. Após, o arguido obrigou a assistente a permanecer consigo mais tempo no interior da habitação, a beber champanhe e a fumar haxixe e, para que os pais e a irmã desta não se preocupassem, comandando-a ainda a que dissesse a algum deles, pelo telefone, que «estava tudo bem» com ela.
18. Depois deste telefonema, o arguido ordenou à assistente, em tom de voz agressivo, para despisse os calções e as cuecas que vestia, acção que esta, por receio, começou a fazer vagarosamente, mas que o mencionado F. T., de forma violenta, e de imediato, apressou, puxando-lhe os calções para baixo.
19. Nessa altura, com o propósito de conseguir sair da habitação ou de pedir ajuda, a assistente pediu ao arguido um copo com água.
20. Neste sentido, enquanto o arguido se encontrava no compartimento da cozinha, a assistente, que se encontrava nua da cintura para baixo, abriu a porta da habitação e, a chorar, gritou por ajuda e tocou à campainha de um dos apartamentos do andar onde se situava a habitação do identificado F. T..
21. Apercebendo-se do sucedido, o arguido prosseguiu no encalço da assistente, agarrou-a no braço e empurrou-a violentamente para o interior da habitação.
22. Após trancar a porta, o arguido empurrou a assistente até ao seu quarto, onde a atirou para cima da cama.
23. Acto contínuo tapou-lhe a boca e desferiu-lhe várias bofetadas na cara, provocando-lhe uma ferida sangrante na zona do nariz, devido ao piercing que usava.
24. De seguida, empurrou a assistente até à zona da sala, onde lhe fez sexo oral, lambendo-lhe a vagina e obrigando-a a lamber-lhe o seu pénis.
25. Após, manteve com a assistente relações sexuais, penetrando-a no interior da vagina, por várias vezes, com o seu pénis erecto, sem fazer uso de preservativo, estando inicialmente a aludida S. S. na posição de deitada, de barriga para cima, e, depois, na posição de sentada sobre o seu pénis, até o identificado F. T. ejacular, o que sucedeu, em parte, no interior da vagina da assistente e ainda para o chão.
26. O arguido, fazendo uso do seu telemóvel, filmou todos os actos sexuais acima referidos que manteve com a assistente o que fez sem o consentimento ou autorização desta e contra a sua vontade.
27. Depois de ejacular, o arguido obrigou a assistente a que lavasse a sua vagina, com água, na casa de banho e, de seguida, obrigou-a ainda a limpar a sala da casa, só permitindo que esta saísse da habitação após ter terminado esta limpeza e de se ter novamente maquilhado.
28. O arguido apenas deixou sair a mencionada S. S. da sua casa quando eram cerca das 19 horas.
29. Após ter saído do interior da habitação, o arguido foi ainda atrás da assistente, a chamar pelo seu nome e a filmá-la, novamente sem o seu consentimento ou autorização e contra a sua vontade, o que esta ignorou, fugindo.
30. O arguido, de modo deliberado, livre e consciente, divulgou o conteúdo dos supra referidos registos de vídeo que captou da assistente S. S., pelo menos, ao seu irmão S. T., sem o consentimento ou autorização daquela e contra a sua vontade, com o propósito, alcançado, de divulgar imagens da sua intimidade, designadamente sexual, não obstante saber que assim prejudicava a sua privacidade, dignidade e imagem.
31. O identificado F. T. actuou com o propósito, concretizado, de satisfazer os seus impulsos sexuais, praticando com a assistente, contra a sua vontade e mediante o recurso à violência e agressão físicas, relações sexuais vaginais e orais.
32. O arguido sabia que na concretização das condutas que adoptou, supra descritas, não tinha o consentimento da assistente e, não obstante, agiu indiferente à oposição e resistência da mesma.
33. Mercê da violência exercida e da sua maior força e compleição físicas, o arguido logrou colocar a assistente na impossibilidade de lhe oferecer resistência a todas as suas investidas.
34. Ao obrigar aquela S. S., através do recurso à ameaça da prática de moléstias físicas, a permanecer no interior da sua habitação, desde que esta manifestou ser sua pretensão em ir-se embora, por ser já tarde, até às 19horas do dia 27 de Setembro de 2018, para com ela aí poder relacionar-se sexualmente e obrigá-la depois a efectuar a limpeza da sala da habitação, o arguido sabia que lhe cerceava os movimentos e estava a agir contra a vontade da assistente, constrangendo-a, nomeadamente, na sua liberdade de movimentação.
35. O arguido actuou ainda com o propósito, alcançado, de causar dor e moléstias físicas à assistente, em acto prévio e antecedente às relações sexuais a que a veio a sujeitar.
36. O aludido F. T. agiu sempre de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo serem proibidas as suas condutas.
37. Nas circunstâncias de tempo e de lugar referidas em 3. e 4., o arguido, ao partilhar haxixe quer com a assistente, quer com a mencionada C. A., conhecia as características desse produto.

Provou-se, ainda, que:

38. À data dos factos sob discussão o arguido fumava haxixe com uma frequência que, em concreto, não foi possível apurar.
39. O haxixe que o arguido partilhou na noite de 25 para 26 de Setembro de 2018 foi adquirido por forma e preço que, em concreto, não foi possível determinar.
40. O arguido detinha esse produto estupefaciente para seu consumo e também para, na sua habitação, privadamente, apenas partilhá-lo com a assistente S. S. e a aludida C. A., nas circunstâncias referidas em 3. e 4.

Provou-se, também, que:

41. Depois de sair da habitação do arguido, a assistente dirigiu-se para a residência daquela C. A., que se deparou com a identificada S. S. a chorar convulsivamente.
42. A assistente apresentava-se muito transtornada e assustada.
43. Além disso, tremia e manifestava sentir muito medo.
44. Nessa ocasião eram visíveis marcas no corpo da assistente, em concreto, pisaduras nos braços e arranhões no pescoço.
45. A aludida S. S., depois de apresentar queixa junto da Polícia de Segurança Pública – Comando Distrital de Braga, dirigiu-se ao serviço de urgência do “Hospital de Braga, E. P. E.”, onde deu entrada pelas 22 horas e 22 minutos.
46. Desta unidade hospitalar foi transferida para o “Centro Hospitalar de São João, E. P. E.” para observação e colheita de provas pelo departamento de medicina legal, após o que regressou ao “Hospital de Braga, E. P. E.” para observação ginecológica, rastreio de DST, aconselhamento contraceptivo e avaliação posterior.
47. Nesta unidade hospitalar foi-lhe entregue contracepção de emergência.
48. A assistente teve alta pelas 04 horas e 06 minutos do dia 28 de Setembro de 2018.
49. Aquela S. S. permaneceu na habitação da mencionada C. A. durante período de tempo que, em concreto, não foi possível apurar, mas situado entre 1 (uma) a 2 (duas) semanas, após o que regressou à casa dos seus pais.
50. Como resultado do comportamento do arguido, a assistente tornou-se uma pessoa triste.
51. Saiu apenas uma vez para os bares da Universidade ..., para tomar café, o que fez por insistência dos amigos.
52. Nessa ocasião, após aperceber-se que o arguido ali se encontrava, começou a chorar e a tremer.
53. Desde então passou a ficar em casa e isolou-se dos amigos, não convivendo com os mesmos.
54.A assistente, em virtude dos acontecimentos dos presentes autos, passou a sentir medo e receio de cruzar-se com o arguido.
55. Quando saía para a rua fazia-o sempre acompanhada.
56. A identificada S. S., à data dos factos, trabalhava há cerca de 6 (seis) meses no estabelecimento “Calçado …”, sito no shopping “…”, em Braga.
57. Auferia por mês um vencimento que rondava os €800,00 (oitocentos euros).
58. A assistente, em virtude do sucedido, por sentir-se emocionalmente instável e muito receosa, decidiu não renovar o seu contrato de trabalho.
59. Como resultado da conduta do arguido, supra descrita, a assistente, no dia 06 de Fevereiro de 2019, decidiu recorrer à ajuda da “APAV – Associação Portuguesa de Apoio à Vítima” (doravante, abreviadamente, “APAV”), onde passou a ser acompanhada.
60. No primeiro contacto com as técnicas desta associação mostrou-se extremamente fragilizada, receosa e insegura e revelou ter bastante dificuldade em contar o sucedido por sentir uma enorme vergonha.
61. Nessa altura mantinha-se desempregada.
62. Sempre que se deslocou a esta associação nunca o fez sozinha, por sentir muito receio em estar desacompanhada.
63. Até ao momento a “APAV” tem registados 11 (onze) atendimentos presenciais da assistente e inúmeros contactos telefónicos de apoio emocional.
64. Esta associação trabalhou com a aludida S. S. a necessidade de voltar a ter um emprego e uma rotina.
65. Procurou, também, esclarecê-la acerca da fase em que se encontravam os presentes autos.
66. Uma vez que a assistente manifestou ter bastante medo em cruzar-se com o arguido em tribunal e prestar depoimento na sua presença, a “APAV” acompanhou aquela S. S. numa visita às instalações do tribunal, em particular a uma sala de audiências.
67. Sem prejuízo de ainda necessitar de apoio psicológico, a assistente vem recuperando confiança de forma gradual.

Dos antecedentes criminais do arguido

68.O identificado F. T. foi já condenado:

a) No Processo Comum Singular nº2133/11.9PBBRG, do (extinto) 1º Juízo Criminal, do Tribunal Judicial da Comarca de Braga, por sentença proferida no dia 10 de Outubro de 2012, transitada em julgado no dia 30 de Outubro de 2012, pela prática, em 01 de Outubro de 2011, de um crime de resistência e coacção sobre funcionário, de um crime de injúria agravada e de um crime de dano qualificado, na pena de 310 (trezentos e dez) dias de multa, à razão diária de €5,00 (cinco euros), num total de €1.550,00 (mil quinhentos e cinquenta euros); posteriormente, foi tal pena de multa declarada extinta pelo pagamento;
b) No Processo Comum Singular nº2029/14.2PBBRG, do Juízo Local Criminal – Juiz 3, do Tribunal Judicial da Comarca de Braga, por sentença proferida no dia 13 de Outubro de 2016, transitada em julgado no dia 14 de Novembro de 2016, pela prática, em 27 de Setembro de 2014, de um crime de resistência e coacção sobre funcionário, na pena de 3 (três) anos de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 3 (três) anos, com sujeição a deveres.

Dos factos relativos à personalidade e condições pessoais do arguido

69. O arguido viveu em Luanda – Angola até aos seus 20 (vinte) anos de idade.
70. Os pais mantiveram a sua residência naquele país, sendo a mãe reformada e o pai funcionário público.
71. O arguido terminou o 12º ano de escolaridade em Luanda e veio para Portugal, juntamente com 2 (dois) irmãos, para frequentar o curso de designer, na Universidade …, em Braga.
72. O arguido beneficiou de bolsa de estudo, mas as dificuldades económicas e de adaptação aos conteúdos académicos determinaram a desistência da frequência universitária, atendendo ao facto de não lhe pagarem a bolsa e não poder suportar o pagamento das propinas.
73. Há 7 (sete) anos encetou uma relação afectiva com C. R., relação que oficializou em Junho de 2015.
74. Desta união resultou o nascimento de uma filha, sendo o relacionamento gratificante até há 3 (três) anos.
75. Inicialmente o casal viveu algum tempo com o irmão do arguido, arrendando posteriormente um apartamento.
76. Seguiu-se um período de mobilidade residencial por dificuldades para cumprir o pagamento da renda.
77. Na altura o arguido encontrava-se desempregado e o cônjuge frequentava um curso profissional e cumpria contratos de curta duração em lojas comerciais.
78. O casal vivenciava uma condição económica frágil, beneficiando do apoio dos pais do arguido e da família da mulher.
79. Contudo, as dificuldades agravaram-se atendendo às restrições da saída de dinheiro de Angola por parte dos pais do aludido F. T..
80. Há 2 (dois) anos o casal separou-se e oficializou o divórcio há 1 (um) ano, reportando o arguido um relacionamento extraconjugal, do qual nasceu um filho, situação que contribuiu para a desvinculação familiar.
81. A partir dessa altura o arguido passou a manifestar dificuldades de organização pessoal e profissional, alterando frequentemente a residência e experienciando trabalhos de curta duração, designadamente, no …..
82. Estas dificuldades prenderam-se também com a caducidade da autorização de residência, que alega ter sido renovada.
83. Entre 2017 e 2018 deixou de manter contactos com a DGRSP no âmbito do processo-crime referido em 68. – b), dificultando o acompanhamento inerente à medida em que foi condenado.
84. Tendo por referência a data dos factos, o arguido vivia junto do irmão, na Rua ..., em ... – Braga.
85. Posteriormente residiu noutros locais da cidade, por curtos períodos de tempo, encontrando-se a residir em Amares, na morada dos autos, há cerca de 4 (quatro) meses.
86. O arguido não exercia actividade profissional, subsistindo com o apoio do irmão e dos pais, ainda que num apoio irregular.
87. Frequentava os bares junto à Universidade ... e não apresentava actividades de lazer estruturadas.
88. O arguido encetou uma nova relação afectiva há cerca de 5 (cinco) meses.
89. Vive em união de facto com a actual companheira em Amares, relacionamento que considera gratificante.
90. Integra ainda o agregado a filha da companheira de 15 (quinze) anos de idade.
91. O arguido trabalha há 6 (seis) meses na empresa “…”, em Braga e recebe o vencimento de €970,00 (novecentos e setenta euros), por mês.
92. As principais despesas do agregado prendem-se com o arrendamento da habitação, no valor mensal de €280,00 (duzentos e oitenta euros), e cerca de
€140,00 (cento e quarenta euros) nos gastos correntes (electricidade, água e Telecomunicações…).
93. As despesas são repartidas com a companheira, que exerce actividade na empresa de Alumínios N..
94. O arguido despende mensalmente €75,00 (setenta e cinco euros) para o pagamento da creche do filho mais novo.
95. À filha entrega €100,00 (cem euros), assumindo que o faz de forma irregular, sempre que pode e de acordo com as necessidades da menor.
96. O arguido manifesta constrangimento face ao envolvimento nos presentes autos, não se revendo na totalidade da acusação formulada.
97. Assinalou como repercussões do processo judicial penal, alterações ao nível emocional, que se repercutiu, na altura, na inserção profissional.
98. Destacou ainda que no seio familiar sentiu o afastamento do progenitor, familiar que até há pouco tempo continuava a não manter qualquer relação com o arguido.
99. A mãe, embora constrangida, continuou a apoiar o arguido.

II.2. Factos não provados

Não se provaram quaisquer outros factos alegados nos autos ou em audiência de julgamento com interesse para a decisão da causa, designadamente:

a) que o arguido F. T., nas circunstâncias espácio- temporais referidas sob os nºs3 e 4, dos factos provados, ao ceder haxixe à assistente S. S. e à aludida C. A., tivesse conhecimento do carácter proibido desse seu comportamento e que, em consequência, praticava uma conduta criminosa;
b) que, para além do que ficou provado sob os nºs3, 4, 37, 38, 39 e 40, o arguido detivesse esse produto estupefaciente com vista também a cedê-lo a terceiros, gratuitamente ou com contrapartidas;
c) que nas circunstâncias de tempo e de lugar referidas sob os nºs22 e 23, da factualidade assente, o arguido se atirasse para cima da assistente;
d) que o arguido mantivesse uma relação de namoro com a assistente;
e) quaisquer outros factos para além dos descritos em sede de factualidade provada, que com os mesmos estejam em contradição ou que revelem interesse para a decisão a proferir.

II.3. Motivação

A convicção deste tribunal sobre a matéria de facto provada formou-se com base na avaliação de todos os meios de prova produzidos e/ou analisados em audiência de julgamento (cfr. artigo 355º, do CPP), sempre no confronto com as regras gerais da experiência e da norma do artigo 127º, do mesmo diploma legal, que estabelece o princípio da livre apreciação da prova.
Importa, desde já, realçar que nesta apreciação não pode deixar de dar-se a devida relevância à percepção que a oralidade e a imediação conferem ao julgador.
Com efeito, a convicção do tribunal não se funda apenas nos dados objectivos fornecidos pelos documentos e outras provas constituídas, mas também pela análise conjugada das declarações e depoimentos, em função das razões de ciência, das certezas e ainda das lacunas, contradições, hesitações, inflexões de voz, (im)parcialidade, serenidade, linguagem não verbal, coerência de raciocínio e de atitude, seriedade e sentido de responsabilidade manifestados, coincidências e inverosimilhanças que, porventura, transpareçam em audiência dessas mesmas declarações e depoimentos.
A apreciação da prova, ao nível do julgamento de facto, funda-se numa valoração racional e crítica de acordo com as regras comuns da lógica, da razão, das máximas da experiência e dos conhecimentos científicos, por modo que se comunique e se imponha aos outros, mas que não poderá deixar de ser enformada por uma convicção pessoal, que não se confunde, naturalmente, com arbitrariedade.
Tecidas estas prévias considerações, o tribunal atendeu, desde logo, aos documentos juntos aos autos e aos dados objectivos que dos mesmos é possível extrair, em concreto: [i] ao auto de notícia de 27 de Setembro de 2018, a fls.17-18;
[ii] ao auto de notícia de 27 de Setembro de 2018, elaborado pelas 21 horas e 50 minutos, a fls.29; [iii] ao aditamento a esse auto, datado de 29 de Setembro de 2018, a fls.34; [iv] ao relatório de diligências iniciais, datado de 27 de Setembro de 2018, a fls.19-23; [v] ao relatório para a polícia elaborado pelo “Hospital de Braga, E. P. E.” no dia 27 de Setembro de 2018, pelas 22 horas e 22 minutos, a fls.33; [vi] ao relatório de extracção das conversas mantidas entre o arguido F. T. e a assistente S. S. no messenger da rede social facebook, com início a 21 de Setembro de 2018 e termo a 27 de Setembro de 2018, a fls.45-55; [vii] ao auto de apreensão de calções de ganga, pertencentes à assistente, e reportagem fotográfica, a fls.56 e a fls.57-58, respectivamente; [viii] ao relatório de extracção da conversa mantida entre o arguido F. T. e o seu irmão S. T. no messenger da rede social facebook, datada de 28 de Setembro de 2018, pelas 10 horas e 50 minutos, a fls.62-71, em particular, fls.70-71; [ix] ao auto de visionamento de 2 (dois) vídeos guardados no telemóvel do arguido, datados de 27 de Setembro de 2019, a fls.72- 73; [x] ao relatório intercalar da Polícia Judiciária, datado de 14 de Outubro de 2018, a fls.81-88; [xi] ao auto de busca domiciliária e de apreensão, datado de 26 de Novembro de 2018, a fls.157-158; [xii] ao auto de apreensão do telemóvel pertencente ao irmão do arguido, a fls.169; [xiii] à reportagem fotográfica efectuada no apartamento do arguido, datada de 26 de Novembro de 2018, a fls.243-255;[xiv] aos registos Clínicos do “Centro Hospitalar de São João, E. P. E.”, datados de 28 de Setembro de 2018, a fls.257-258; e [xv] ao relatório clínico do “Hospital de Braga, E. P. E.”, datado de 27 de Setembro de 2018, a fls.550.
Assumiu, também, relevância o relatório de perícia de natureza sexual respeitante à assistente, efectuada no dia 28 de Setembro 2018, cujas conclusões datam de 16 de Maio de 2019, a fls.116-118 e fls.452-453, respectivamente, onde se encontram descritas as lesões corporais que evidenciava.
Foram, igualmente, considerados o relatório de exame pericial de informática de extracção de conta de facebook da assistente, a fls.132-140, o relatório de exame pericial de telecomunicações ao smartphone do arguido, a fls.142-151, e o relatório pericial de criminalística biológica, a fls.379-380.
As perícias supra identificadas não foram postas em causa em nenhum momento processual, designadamente, em sede de audiência de julgamento, atenta a idoneidade, isenção e conhecimento técnico que se reconhece a quem as realizou e elaborou os relatórios correspondentes.
Os elementos documentais e periciais acima enunciados foram conjugados com a apreciação crítica das declarações prestadas pelo arguido F. T. e pela assistente S. S., dos esclarecimentos prestados pela Sra. Perita médica, Dra. B. C., e do depoimento das testemunhas C. A. – amiga da assistente –, V. S. – amiga da assistente –, M. M. – técnica da “APAV”, que acompanha a assistente desde 06 de Fevereiro de 2019 –, S. T. – irmão do arguido – e L. P. – médico ginecologista do “Hospital de Braga, E. P. E.” que, no dia 27 de Setembro de 2018, acompanhou a assistente nesta unidade hospitalar.
A convicção do tribunal formou-se em função das razões de ciência, das certezas e ainda das lacunas, contradições, hesitações, inflexões, parcialidade, coincidências e mais inverosimilhanças que transpareceram em audiência dessas mesmas declarações, esclarecimentos e depoimentos.
As declarações da mencionada S. S. assumiram-se essenciais para o apuramento da verdade.
Não obstante ter-se emocionado no decurso das mesmas, tal deveu-se, segundo apreendemos, não a um qualquer carácter tendencioso e artificial do respectivo discurso, mas antes ao facto de ter que voltar a recordar e vivenciar acontecimentos que a marcaram e que a fizeram sofrer, não sendo esse, certamente, o desfecho que idealizou quando, no dia da factualidade que se discute, aceitou manter-se na residência do arguido a conversar em lugar de ir para a sua habitação.
Esta postura da assistente mostra-se, aliás, coerente com o que afirmou a testemunha M. M. ao esclarecer que aquela S. S. manifestou bastante medo e insegurança por ter que vir a tribunal, sobretudo pela possibilidade de ter que depor na presença do agressor, tendo esse seu receio sido “trabalhado” na “APAV”, designadamente, mediante uma visita às instalações do tribunal, em concreto a uma sala de audiências, bem como pedindo ao(à) seu/sua Ilustre Patrono(a) que requeresse que a inquirição tivesse lugar sem o mencionado F. T. na sala.
As declarações que se apreciam foram, por esse motivo, muito sentidas e muito emotivas, sem que estivesse subjacente ao relato da assistente uma qualquer elaboração mental, destituída de qualquer correspondência com a verdade.
Pelo contrário, a identificada S. S. aludiu aos acontecimentos sob apreciação nos presentes autos de forma espontânea, sincera, segura e circunstanciada, o que fez através de uma descrição que se mostrou lógica, linear, coerente e consistente.
A sua postura em julgamento foi genuína e evidenciadora de que procurou tão-só o esclarecimento do tribunal.
Não se logrou descortinar que procurasse ampliar os factos sobre que depôs, nem que pretendesse prejudicar ou denegrir o arguido, como seria até tentador, atenta a natureza humana e considerado o contexto e a gravidade do sucedido naquele dia 27 de Setembro de 2018.
A abordagem da assistente não se revelou hostil, o que contribuiu, decisivamente, para que o tribunal se convencesse da veracidade do seu relato.
Acresce que no seu discurso não resultaram evidenciadas quaisquer contradições, pelo menos, flagrantes, nem mesmo quando sujeita a interpelações que a poderiam induzir nesse sentido.
Poder-se-á argumentar – e é legítimo que se faça – que as declarações de assistente devem ser apreciadas com precaução, pois que tem um interesse natural no desfecho do processo, até porque, no caso decidendo, não manifestou oposição a que lhe fosse arbitrada uma indemnização.
No entanto, sem prejuízo das necessárias cautelas que tais declarações merecem, atento o interesse (in)directo na causa, a verdade é que as mesmas constituem um meio de prova livremente valorável.
Essa valoração dependerá do modo como as declarações forem prestadas, isto é, se forem produzidas de forma que se afigure séria, honesta e dotada de verosimilhança, serão atendíveis.
Foi, precisamente, o que sucedeu com a aludida S. S., não podendo, aqui, deixar de ter-se em consideração que os acontecimentos que se discutem ocorreram no interior de uma habitação, sem testemunhas, a coberto da sensação de impunidade dada pelo espaço fechado e, por isso, preservada da observação alheia.
Ora, nestes casos, o apuramento dos factos depende, sobretudo, das declarações da própria vítima.
Foi o que se verificou com a mencionada S. S., cujas declarações foram prestadas de forma concordante com a possibilidade de ocorrência de factos da natureza daqueles que descreveu e que se mostram alegados na acusação pública, rectius, na decisão de pronúncia.
Acresce que tais declarações apresentam-se sustentadas noutros elementos de prova (documental, pericial e testemunhal).
Assim, a fls.45-55 consta um relatório de extracção de conversas mantidas entre o arguido e a assistente através do messenger do facebook, podendo verificar- se que no dia 25 de Setembro de 2018, pelas 16 horas e 36 minutos – isto é, antes de a aludida S. S. e a testemunha C. A. encontrarem-se à noite com o mencionado F. T. no ... – Braga –, este perguntou: “Têm ganza?” (cfr. fls.49).
Na sequência de uma resposta negativa, o arguido escreveu: “Vou comprar então. Olha eu vou comprar a cena agora pra aproveitar a hora. É que tou de mudanças e não tenho nada em casa. Por isso quero comprar já pra não faltar nada logo. (cfr. fls.49-verso).
Ainda no seguimento desta conversa o arguido perguntou: “Olha queres que compre ganza para fumarmos” (cfr. fls.49-verso).
Após obter assentimento, acrescentou: “Tranquilo então, eu é que quero vos deixar bem e a vontade, gosto de cuidar das pessoas só n gosto q me lixem… (cfr. fls.49-verso).
Este excerto, conjugado com as declarações da assistente, serviu para convencer o tribunal que o haxixe que o arguido, aquela S. S. e a testemunha C. A. fumaram na noite de 25 para 26 de Setembro de 2018 foi adquirido pelo identificado F. T. e partilhado com as mesmas.
O que a assistente esclareceu acerca do que se passou nessa noite encontra igualmente reflexo na conversa que manteve com o arguido pelas 16 horas e 25 minutos do dia 26 de Setembro de 2018, pois que este reconheceu ter-se irritado (cfr. fls.51 e fls.51-verso): “Tbm n agi bem, isso é verdade, me desculpe. As pessoas erram, e tu eras a última pessoa com quem nunca quis falhar, nbprecisas de tarmagoada, sente, reflecte, e depois chega a conclusão. Se no fundo quem errou! Acredita q foram VCS estragaram e uma noite q tava tão bem por caprichos? Sabes bem no fundo eu n sou mau, falhar tal como VCS falharam… N deixas de ter razão, falhei, n sou assim acredita, fiquei muito triste mesmo, eu sei que isso n é desculpa…”.
Relativamente aos acontecimentos do dia 27 de Setembro de 2018, constata- se que o arguido tentou ligar à assistente pelas 07 horas e 45 minutos, tendo a chamada falhado, após o que iniciaram uma conversa em que esta lhe disse que iria para casa a pé (“Vou a pé pra casa agirá [agora]. Daqui a pouco” (fls.53); “E Vou para casa. Vou ficar sem net… Demoro 1h a chegar a casa a pe” (fls.54)) e aquele prontificou-se a levá-la de táxi (“Eu te apanho… De táxi… [E me levas a casa? – perguntou a assistente] Sim Levo” (fls.54)).
Ainda a propósito do sucedido nesse dia, verifica-se que a assistente apresentou queixa na Polícia de Segurança Pública de Braga pelas 21 horas e 50 minutos (cfr. fls.29), após o que dirigiu-se à urgência do “Hospital de Braga, E. P. E.”, pelas 22 horas e 22 minutos (cfr. fls.33), sendo atendida pela testemunha L. P. pelas 22 horas e 47 minutos (cfr. relatório clínico a fls.550) e transferida para o “Centro Hospitalar de São João, E. P. E.”, aí dando entrada às 00 horas e 33 minutos do dia 28 de Setembro de 2018 (cfr. fls.257-258).
Nesta unidade hospitalar foi sujeita a observação e colheita de provas pela Sra. Perita médica, Dra. B. C. (cfr. relatório de urgência a fls.258), que elaborou o relatório de perícia de natureza sexual de fls.116-118, assinalando-se que [a]presentava-se bastante nervosa. Discurso acelerado, que por vezes não seguia a linha temporal dos acontecimentos e dificultou a compreensão dos mesmos – postura que, de resto, se mostra consentânea com aquela de alguém que acabou de viver uma experiência traumática
e identificando-se como lesões e/ou sequelas relacionáveis com o evento as seguintes: (…)
Tórax: tronco equimose avermelhada estendendo-se do ombro à região escapular esquerda. Membro superior direito: duas equimoses rosadas na face anteromedial do 1/3 proximal do braço, a maior medindo 2,5cm de comprimento e a outra medindo 1,2cm de comprimento. Membro superior esquerdo: várias escoriações na face anterior do 1/3 proximal do antebraço ocupando uma área de 1,2x1cm. Membro inferior esquerdo: escoriação com crosta sanguínea na face anteromedial do 1/3 médio da coxa medindo 0,8cm de comprimento; equimose avermelhada na face posterior do 1/3 médio da perna medindo 1,4x2cm.
No supra referido relatório pericial conclui-se, entre o mais, que: (…) [a]nalisando a informação relativa ao suspeito evento e a totalidade dos exames efectuados e acima descritos, pode considerar-se que existe compatibilidade entre essa informação (apertões nomeadamente dos membros superiores e empurrões: penetração vaginal sem preservativo, com ejaculação intra-vaginal) e os dados resultantes dos exames efectuados – sublinhado nosso (cfr. fls.453).
Após aquela observação e colheita de prova, a assistente teve alta administrativa no dia 28 de Setembro de 2018, pelas 02 horas e 45 minutos (cfr., fls.258), regressando ao “Hospital de Braga, E. P. E.” nesse mesmo dia, pelas 04 horas e 06 minutos, onde foi atendida pela testemunha L. P. (cfr. fls.550) e nesta unidade hospitalar realizou exames microbiológicos e recebeu contracepção de emergência.
A par da prova documental e pericial vinda de enunciar, assumiu inequívoco relevo o depoimento da testemunha C. A., que é amiga da assistente há cerca de 3 (três) anos e que conhece o arguido há cerca de 2 (dois).
Foi esta testemunha que na noite de 25 para 26 de Setembro de 2018 esteve com a aludida S. S. na habitação do mencionado F. T..
A este respeito afirmou que consumiram álcool e que fumaram haxixe que era pertença do arguido, assim confirmando o relatado pela assistente acerca deste assunto.
Referiu, ainda, que, a dado momento, ausentou-se para a casa de banho e que quando regressou pôde notar que o ambiente estava estranho, vindo a saber pela assistente que o arguido a tinha tentado beijar.
Mais referiu que pelas 04 horas, quando pretendeu vir embora juntamente com a assistente, por ser já tarde, o arguido exaltou-se e levantou a voz porque queria que permanecessem na sua habitação.
Tal afirmação, para além de ser coincidente com o que esclareceu a assistente, encontra também apoio na conversa que esta manteve com o arguido no messenger do facebook (cfr. fls.51 e fls.51-verso).
A testemunha C. A. corroborou igualmente o relatado pela identificada S. S. acerca da sua pretensão em ir para casa quando saíram do bar “...” – onde passaram a noite –, o que, aliás, se alcança das mensagens trocadas entre esta e o arguido cerca das 08 horas (cfr. fls.53-54).
Não obstante essa sua intenção, o certo é que a assistente acabou por ser levada pelo arguido para a sua habitação, como ficou amplamente demonstrado.
A aludida S. S. voltou a estar com a testemunha C. A. cerca das 19 horas do mesmo dia, após ter abandonado a casa do arguido, sendo que segundo a descrição efectuada por esta última, apresentou-se consternada, muitíssimo transtornada e assustada, ao ponto de não conseguir expressar-se adequadamente – o que resulta igualmente anotado no relatório de perícia de natureza sexual (cfr. fls.116-118) –, mais tremendo e manifestando ter medo.
Além disso apresentava marcas no corpo, designadamente, nos braços – pisaduras – e no pescoço – arranhões –, o que se mostra similar ao que se fez constar nesse mesmo relatório, no ponto referente às lesões e/ou sequelas relacionáveis com o evento.
Na verdade, uma vez que a relação entre a assistente e os seus pais era distante, aquela S. S., após o sucedido na habitação do arguido, tomou a decisão de ir ter com a testemunha C. A., sua amiga mais próxima e confidente, a quem contou o que se havia passado.
Fazendo, aqui, apelo ao que ditam os juízos da experiência comum e da normalidade do acontecer, o passo que ambas deveriam ter seguido de imediato seria o de recorrer ao auxílio de familiar(es) da assistente ou amigo(s) e, com o apoio deste(s), dirigirem-se a um hospital para a identificada S. S. receber tratamento e, posteriormente, à polícia para denunciar o ocorrido.
Contudo, não foi o que fizeram, pois que tal como a assistente afirmou e a testemunha C. A. confirmou, esta última telefonou ao irmão do arguido - a testemunha S. T..
Embora o telefonema para um familiar do agressor não seja o modo de proceder que mais se compatibilize com as regras da experiência corrente, a justificação que a mencionada C. A. apresentou não se nos afigurou despropositada, antes pelo contrário, sobretudo se tivermos em consideração as circunstâncias em que se deparou com a assistente.
Neste contexto, como explicou, por viver com um tio que tem 64 (sessenta e quatro) anos, entendeu que não seria a pessoa indicada para ajudar a aludida S. S.. Por outro lado, uma vez que conhecia o irmão do arguido (S. T.) e que o mesmo aparentava ser um homem ajuizado, decidiu telefonar-lhe pois pretendia que as ajudasse, tanto mais que o aludido F. T. havia ameaçado de morte a assistente caso esta decidisse apresentar queixa.
Foi, como afirmou, “uma altura de desespero” e tratou-se da “primeira coisa que me veio à cabeça”.
Ora, em face desta conjuntura, o comportamento que adoptou, embora pouco sensato, assumiu-se compreensível.
Além disso, a testemunha S. T. permitiu atribuir credibilidade ao que referiu aquela C. A. a este propósito, porquanto confirmou que, efectivamente, recebeu uma chamada desta, na sequência do que foi ter com a mesma e também com a assistente.
Deste modo, o depoimento da identificada C. A. foi escorreito, sério, honesto e contextualizado.
Foi, também, emotivo por força da delicadeza da factualidade em apreço nos presentes autos.
Acresce que das declarações da assistente e do depoimento desta testemunha sobressaem inequívocas semelhanças e correspondências de conteúdo.
Complementaram-se, pois, entre si, seja individual, seja conjuntamente.
A mencionada C. A. revelou conhecimento directo sobre factos que depôs e, nos termos supra expostos, fê-lo de forma totalmente credível, não se tendo denotado subjectividade no seu discurso.
O seu relato, por essa razão, logrou merecer adesão, assumindo um particular peso persuasivo no convencimento dos factos.
A testemunha V. S., por seu turno, prestou um depoimento que se mostrou desinteressado, simples e coeso.
Por força da relação de amizade que mantém com a assistente há cerca de 3 (três) anos e do relacionamento que a mesma proporciona, descreveu quais as consequências que resultaram para esta dos factos em apreço nestes autos.
Assim, de modo que se teve por sincero, referiu que a aludida S. S. deixou de sair – com excepção de uma vez em que, após insistência, acedeu em ir tomar um café, altura em que se cruzou com o arguido F. T. –, mantendo-se em casa, isolada, deixando de “fazer a vida dela”, de tal forma que não quis renovar o contrato de trabalho.
A descrição efectuada por esta testemunha encontra inequívocos pontos de consenso com o que declarou a própria assistente, bem como a identificada C. A., pelo que serviu para atribuir maior credibilidade aos respectivos relatos.
Além disso não dissentem do que, a este respeito, mencionou a testemunha M. M. quando conheceu aquela S. S. no dia 06 de Fevereiro de 2019, caracterizando-a como uma pessoa “extremamente fragilizada”, com grande dificuldade em descrever o sucedido e evidenciando uma enorme vergonha, para além de apresentar-se muito receosa e insegura, ao ponto de não sair à rua desacompanhada por temer cruzar-se com o arguido.
Esta testemunha foi objectiva, séria e isenta no seu depoimento, tendo inteirado o tribunal acerca do acompanhamento que a “APAV” vem prestando à assistente e que, até ao momento, consiste em 11 (onze) atendimentos presenciais e inúmeros contactos telefónicos de apoio emocional.
As testemunhas L. P. e B. C. não evidenciaram qualquer interesse no desfecho do presente processo, tendo-se limitado a transmitir ao tribunal que acompanhamento médico prestaram à assistente, o que fizeram de modo absolutamente imparcial e em conformidade com os registos clínicos já anteriormente elencado.
Quanto às declarações prestadas pelo arguido F. T., não se revestiram as mesmas das características de coerência, objectividade, lógica e seriedade necessárias para abalar a convicção formada pelo tribunal, assim não tendo convencido da respectiva correspondência com a realidade.
O arguido situou a altura em que conheceu a assistente em finais de Julho/inícios de Agosto de 2018.
No entanto, quer esta, quer a testemunha C. A. desmentiram-no, pois que ambas situaram essa circunstância em Setembro de 2018, até porque foi em Agosto que aquela S. S. terminou uma relação de namoro, o que sucedeu antes de conhecer o arguido.
O aludido F. T. referiu, ainda, que o haxixe que fumaram na sua habitação na noite de 25 para 26 de Setembro de 2018 foi levado pela testemunha C. A., o que esta e a assistente desmentiram categoricamente e também não se coaduna com as mensagens que trocou com a mencionada S. S..
O arguido afirmou que a assistente, assim como a aludida C. A. eram “pessoas fáceis”, que aceitavam ter relações sexuais em troca de dinheiro e que acederam a estar consigo por saberem que não iam ter despesas.
Por esse motivo sustentou que a assistente decidiu mover-lhe este processo por sentir-se ressentida com o facto de não ter sido respeitado um acordo que fez com o arguido no dia 27 de Setembro de 2018 e que consistia em receber a quantia de €50,00 (cinquenta euros) se acedesse a ficar na habitação daquele F. T. até às 18 horas, sendo certo que, chegada essa hora, o mesmo pretendeu entregar-lhe apenas €15,00 (quinze euros).
Dito isto, como é sabido, o julgador não é um mero colector de depoimentos, impondo-se-lhe que os avalie criticamente, que os submeta ao crivo da razão e ao filtro da lógica, valendo-se das regras gerais da experiência corrente, da sua vivência social e pessoal e do conhecimento da normalidade do acontecer.
A convicção do juiz forma-se livremente, podendo, neste juízo de verosimilhança acerca dos dados processualmente adquiridos, estribar-se nas máximas da experiência e nos parâmetros de normalidade que subjazem à generalidade dos acontecimentos (cfr. artigo 127º, do CPP).
A credibilidade da prova passa pela plausibilidade da descrição factual, que, para ser tida em conta, deverá pautar-se pela lógica e coerência, aferida à luz dos juízos da experiência comum.
Ora, a versão dos acontecimentos sustentada pelo arguido, em nosso entender, além de isolada, apresentou-se incoerente e inconsistente.
Com efeito, quer a assistente, quer a testemunha C. A. negaram que tivessem decidido estar com o arguido em troca de dinheiro, tanto mais que na noite de 26 para 27 de Setembro de 2018 optaram por ir até ao bar “...”, em lugar de acompanharem-no ao bar “…”, não obstante este ter-lhes referido que se fossem consigo teriam bebidas pagas.
Por outro lado, o arguido afirmou que no dia 27 de Setembro de 2018 manteve relações sexuais com a assistente desde o momento em que chegaram à sua habitação, o que ocorreu de manhã cedo.
Ora, a assim ter sucedido, não deixa de afigurar-se estranho que o identificado F. T., tendo desfrutado, durante uma manhã inteira e ainda uma parte da tarde desse dia, da presença e do corpo da assistente, sem que tal tivesse envolvido o dispêndio de qualquer quantia monetária, de repente acedesse a pagar- lhe €50,00 (cinquenta euros), por mais uma 3 (três) / 4 (quatro) horas, quando não obteria nenhum “serviço” extra, para além do que tinha recebido.
Esta constatação assume-se ainda mais estranha quando o próprio arguido referiu que não tinha quaisquer dificuldades em encontrar mulheres dispostas a relacionar-se sexualmente consigo.
Também não se compreende a razão pela qual em consequência de um “negócio” não cumprido a assistente, na indicada data, exibisse marcas recentes no seu corpo (equimoses e escoriações) próprias de ter sido agredida fisicamente, quando é certo que não as apresentava na manhã daquele dia, quando se despediu da testemunha C. A. para ser levada para casa pelo arguido.
Na verdade dizem-nos as regras da experiência corrente que um “negócio” desta (pequena) monta normalmente não acarreta outras repercussões que não sejam eventuais insultos – até porque, no caso, a assistente jamais conseguiria chegar a vias de facto com o arguido, atenta a desproporção de forças existente em face da distinta compleição física de ambos –, já não equimoses, escoriações, choro convulsivo, medo, isolamento e apoio emocional.
No que concerne às filmagens que o arguido realizou, este referiu tê-las efectuado no período da tarde, seja quando beijou, seja quando teve sexo com a assistente, o que fez contra a vontade desta e sem a sua autorização.
Indagado se havia exibido essas filmagens ao seu irmão – a testemunha S. T. –, confirmou que o fez, sublinhando, no entanto, não ter mostrado o(s) vídeo(s) em que fazia sexo com a assistente (“o meu irmão em momento nenhum viu o vídeo de sexo… viu a parte que tivemos a arrumar… e outros vídeos que já tínhamos antes do sexo”).
O arguido foi confrontado com o relatório de extracção da conversa que manteve com esse seu irmão no dia 28 de Setembro de 2018, pelas 10 horas e 50 minutos (cfr. fls.70-71).
Na conversa em questão, o aludido S. T. refere: “É melhor apagares os vídeos Ou não mostrares Pq aqueles vídeos é que te vão incriminar Pq a miúda nota-se nos vídeos que ela tá retraída E medo Nem vale a pena dizer que filmaste”.
Segue-se a resposta do arguido, com o seguinte teor: “Hum? Bro eu não fiz nada e ela n tava retraída, só n quis q eu filmasse tanto q no vídeo ouve-se, mas tá tranquilo eu já apaguei”.
Em face deste diálogo, o mencionado F. T. sustentou que a advertência efectuada pelo seu irmão foi “no sentido de que filmar é crime”.
Este último, por sua vez, contrariou o que foi afirmado pelo arguido, na medida em que esclareceu também ter visualizado a(s) filmagem(ens) do sexo mantido com a assistente.
Além disso acrescentou que essa(s) filmagem(ens) foi/foram igualmente exibida(s) à mãe de ambos, tratando-se de um aspecto que não foi referido pelo arguido nas declarações que prestou.
O identificado S. T., no seu depoimento, procurou convencer o tribunal que no(s) vídeo(s) em questão apenas observou uma “miúda” que não queria ser filmada, mais acrescentando que “ela [a assistente] não estava a acusar nada”.
Justificou, porém, ter aconselhado o irmão a apagar esse(s) vídeo(s), por precaução, pois já sabia do que é que o acusavam.
Salvaguardando o devido respeito por opinião distinta, a explicação desenhada por esta testemunha não se nos afigurou plausível, nem convincente.
Com efeito, aquele S. T., na conversa supra transcrita, não se limitou a dizer ao arguido que a assistente estava (apenas) retraída com a filmagem, isto é, acanhada ou incomodada por esse motivo.
Se assim fosse, o depoimento que prestou em julgamento a propósito desta questão seria coerente e lógico.
Na verdade, as regras da experiência corrente e da normalidade do acontecer dizem-nos que quando alguém é filmado sem que tenha dado o seu consentimento, tanto pode assumir uma postura activa, expressando o seu desagrado através de gestos e/ou palavras, como uma postura passiva, de embaraço, de desconforto e de timidez.
No caso, a reacção da assistente enquadrar-se-ia nesta segunda hipótese.
Sucede que a testemunha S. T., além de referir ao irmão que a assistente mostrava-se retraída, acrescentou ser perceptível na(s) filmagem(ens) que estava com medo.
Ora estar retraído não tem o mesmo significado que manifestar medo, pois que este consiste num estado emocional próprio de quem se sente ameaçado, de quem sente que corre um perigo.
Em face do que vem de expor-se, nem o arguido, nem o seu irmão S. T. conseguiram oferecer motivo suficientemente ponderado que permitisse ao tribunal compreender a(s) razão/razões pela(s) qual/quais a aludida S. S. além de retraída também mostrava medo.
O mesmo já não se dirá em relação aos argumentos aduzidos pela própria assistente que justificam plenamente a causa dessa sua apreensão e constrangimento, visível no(s) vídeo(s) que foi/foram apagado(s).
Por outro lado, se a razão estivesse do lado do arguido, então a decisão de fazer desaparecer tal/tais vídeo(s) revelou-se impensada porquanto através da visualização do(s) mesmo(s) seria possível concluir o que aquele F. T. concluiu, isto é, a reacção da assistente expressava apenas o facto de não querer ser filmada e nada mais do que isso.
No que concerne aos factos que respeitam ao foro volitivo do arguido, insusceptível de percepção sensorial, importa salientar que, conforme ensina GERMANO MARQUES DA SILVA, na valoração da prova intervêm deduções e induções que o julgador realiza a partir dos factos probatórios, sendo certo que se as inferências não dependem substancialmente da imediação, terão de basear-se na correcção do raciocínio, o qual se alicerçará nas regras da lógica, princípios da experiência e conhecimentos científicos, tudo se podendo englobar na expressão regras da experiência (vide Curso de Processo Penal, Volume II, p.127).
A prova do elemento subjetivo é, pois, indireta, devendo ser extraída dos demais elementos existentes nos autos e das regras da normalidade e da experiência comum.
A este propósito, a convicção do tribunal formou-se em virtude da conjugação da atitude desenvolvida pelo arguido F. T. com as consequências que, segundo é adequado e esperado – atentas as regras da experiência –, dela decorrem, podendo concluir-se, com segurança, que agiu sempre de forma deliberada, livre e consciente, com o propósito, que logrou alcançar, de: [i] molestar fisicamente e causar incómodos à assistente antes de forçá-la a manter consigo relações sexuais orais e vaginais, mediante o recurso à violência e agressão físicas e indiferente à oposição e resistência daquela S. S.;
[ii] filmar os actos sexuais que consumou com a assistente, sem o consentimento e autorização desta; [iii] obrigá-la a permanecer na sua habitação até às 19 horas daquele dia 27 de Setembro de 2018, cerceando os seus movimentos, forçando-a a ter relações sexuais consigo e a limpar a sala dessa residência, assim constrangendo- a na sua liberdade de movimentação; e [iv] exibir ao seu irmão o conteúdo das filmagens que realizou contra a vontade e sem autorização da aludida S. S..
Todos estes comportamentos foram adoptados pelo arguido apesar de estar plenamente consciente que os mesmos eram proibidos e punidos por lei.
No que respeita às condições pessoais, familiares, profissionais, económicas e sociais do arguido, o tribunal fundou-se no relatório social junto a fls.533-535,cujo teor, no essencial, foi confirmado pelo mencionado F. T., sem prejuízo de algumas imprecisões que apontou e que foram tidas em consideração.
A convicção do tribunal quanto aos antecedentes criminais do arguido, alicerçou-se no respectivo Certificado do Registo Criminal, junto a fls.491-492.
*
A não demonstração dos factos não provados resultou, sempre sem prejuízo do exposto em sede de motivação dos factos provados, de, sobre os mesmos, não se ter logrado fazer prova (documental e/ou testemunhal), tendente a permitir concluir pela sua verificação, de acordo com o supra referido princípio da livre apreciação da prova consagrado no artigo 127º, do CPP.
(…)

II.4. Escolha e medida concreta da pena

Cumpre, pois, aplicar uma pena ao arguido F. T.. Na prossecução dessa tarefa verificamos que:

- o crime de violação é punido, em abstracto, com pena de prisão de 3 (três) até 10 (dez) anos, como resulta da previsão constante do artigo 164º, nº1, alínea a) (actual artigo 164º, nº2, alínea a);
- o crime de sequestro é punido, em abstracto, com pena de prisão de 1 (um) mês até 3 (três) anos ou, em alternativa, com pena de multa de 10 (dez) até 360 (trezentos e sessenta) dias, como resulta da conjugação dos artigos 158º, nº1, 41º, nº1 e 47º, nº1, todos do CP;
- o crime de devassa da vida privada é punido, em abstracto, em abstracto, com pena de prisão de 1 (um) mês até 1 (um) ano ou, em alternativa, com pena de multa de 10 (dez) até 240 (duzentos e quarenta) dias, como resulta da conjugação dos artigos 192º, nº1, 41º, nº1 e 47º, nº1, todos do CP.

A finalidade visada pela pena será, prima facie, a tutela necessária e suficiente dos bens jurídico-penais atingidos no caso concreto, traduzida pela necessidade de garantir a confiança e as expectativas da comunidade na manutenção da vigência da norma violada – a prevenção geral positiva ou de integração –, a qual decorre do princípio da necessidade da pena, consagrado no artigo 18º, nº2, da Constituição da República Portuguesa.
Como aponta FIGUEIREDO DIAS, a prevenção geral positiva traduz a medida óptima de tutela dos bens jurídicos e das expectativas da comunidade, mas não fornece ao juiz um quantum exacto de pena (vide Temas Básicos da Doutrina Penal, Coimbra Editora, 2001, p.107). A prevenção geral positiva fornece, assim, uma moldura de prevenção dentro de cujos limites actuarão considerações de prevenção especial.
A prevenção especial significa, na sua função positiva, a necessidade de (res)socialização do arguido, se tal se justificar, e, na sua vertente negativa, a suficiente advertência individual ao agente pela falta cometida.
A pena concreta será limitada, no seu máximo, pela culpa do arguido. O princípio da culpa dispõe que não há pena sem culpa e a medida da pena não pode, em caso algum, ultrapassar a medida da culpa (cfr. artigo 40º, nº2, do CP), consistindo esta no limite inultrapassável de todas e quaisquer considerações ou exigências preventivas – parafraseando aquele autor –, em nome do respeito pela dignidade humana, consagrado no artigo 1º, da Constituição da República Portuguesa.
Dispõe o artigo 70º, do CP, que se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição: a protecção do bem jurídico violado e a reintegração do agente na sociedade (cfr. artigo 40º, nº1, do CP).
O vertido neste normativo implica que o legislador penal tenha erigido, sem equívoco, o princípio de que, quando, no caso concreto, o juiz tenha à sua disposição uma pena de prisão e uma pena não detentiva, deve preferir a aplicação desta à aplicação daquela sempre que seja fundado supor que a primeira realizará, de forma adequada e suficiente, as já supra mencionadas finalidades da punição (vide FIGUEIREDO DIAS, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, p.328).
No caso dos autos, quanto ao crime de violação, essa opção não se coloca, uma vez que a norma incriminadora não oferece ao julgador qualquer possibilidade de opção, impondo-lhe a aplicação de uma pena detentiva.
O mesmo já não ocorre com os crimes de sequestro e de devassa da vida privada, uma vez que o legislador prevê a pena de multa como alternativa à pena de prisão.
Sem prejuízo da previsão de pena alternativa quanto a esses dois ilícitos criminais, o certo é que as necessidades de prevenção geral positiva que se convocam no caso decidendo são elevadas pois que o mesmo constitui reflexo dos tempos actuais em que vivemos onde prepondera a fragmentação de valores e a voragem pela concretização imediata da vontade individual, sacrificando-se, se assim se impuser, princípios basilares da comunidade, bem como a liberdade do outro.
Acresce tratarem-se de crimes com particular incidência na sociedade portuguesa.
Além disso, por força do crime de violação, tais necessidades adquirem uma dimensão ainda mais gravosa atento o enorme alarme social que este tipo de ilícitos gera na comunidade, em face do bem jurídico em causa, que bule com a própria intimidade das pessoas.
Deste modo, através da aplicação da pena, ter-se-á em vista reafirmar perante a comunidade a validade e eficácia das normas violadas na protecção dos bens jurídicos supra enunciados, tutelando-se a crença e confiança dessa comunidade na ordem jurídico-penal.
No que respeita às exigências de prevenção especial positiva ou de ressocialização, assume primordial importância que o arguido F. T. compreenda o desvalor do seu comportamento nos acontecimentos que aqui se apreciam, de forma a prevenir a prática de futuros actos delinquentes.
Estas exigências adensam-se na medida em que, antes da prática dos factos sob discussão nos presentes autos, o arguido havia já tido contacto com o sistema de justiça penal, no âmbito do qual foi condenado, sem que tais condenações, lamentavelmente, tivessem servido de suficiente advertência e surtido o efeito dissuasor pretendido.
Em face do que ficou supra expendido e feita a ponderação das elevadas necessidades de prevenção geral e especial que aqui se manifestam, entendemos que relativamente aos crimes de sequestro e de devassa da vida privada a aplicação de uma pena de multa não é suficiente para consciencializar o arguido e proteger os bens jurídicos violados.
Assim, em relação a esses ilícitos, o tribunal decide optar, nos termos do citado artigo 70º, do CP, por uma pena privativa da liberdade.

Cumpre, agora, determinar a medida concreta da pena de prisão dentro da moldura penal abstracta que cabe aos ilícitos-criminais em apreço nos autos.
Importa, desde já, deixar sublinhado que as finalidades de aplicação de uma pena assentam, em primeira linha, na tutela de bens jurídicos e na reintegração do agente na sociedade. Contudo, em caso algum, a pena pode ultrapassar a medida da culpa (cfr. artigo 40º, nºs1 e 2, do CP).
Na determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, o tribunal atenderá à culpa do agente e às exigências de prevenção bem como a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo, depuserem a favor do agente ou contra ele (cfr. artigo 71º, nºs1 e 2, do CP).
Assim, quanto ao crime de violação, depõe contra o arguido o grau da ilicitude dos factos, que se afigura acentuado, considerando todo o contexto fáctico em que a sua conduta se inseriu, abusando e atentando contra a relação de proximidade e de alguma confiança estabelecida com a assistente.
Com efeito, o mencionado F. T. logrou conseguir que a identificada S. S. acedesse a acompanhá-lo até à sua habitação e ali se mantivesse a conversar e a beber, para o que contribuiu certamente o facto de ter criado uma atmosfera que esta última considerou harmoniosa e segura.
No entanto, quando a mesma manifestou vontade de ir-se embora, por ser já tarde, foi tomada de surpresa pela personalidade impulsiva e extremamente agressiva do arguido.
Na verdade, a intensidade ofensiva do comportamento do arguido nos crimes de violação, de sequestro e de devassa da vida privada não pode ser desconsiderada, em particular no primeiro pois que praticou diferentes actos sexuais, envolvendo sexo oral e penetração vaginal, sem uso de preservativo, com ejaculação parcialmente no interior da vagina.
Acresce que a irascibilidade do identificado F. T. manteve-se desde o momento em que a assistente lhe disse que queria ir embora até que abandonou a habitação, o que sucedeu apenas pelas 19 horas, sendo certo que para quem está na posição de vítima esse período de tempo constitui uma “eternidade”.
Ainda no que concerne aos crimes de violação, de sequestro e de devassa da vida privada depõe contra o arguido o desprezo que evidenciou para com a assistente, havendo que realçar o facto de a ter obrigado a lavar-se e a limpar a sala da sua casa no seguimento das relações sexuais (orais e vaginais) que a forçou a manter consigo e de as registar em vídeo.
Tendo em atenção o que vimos de referir, não poderemos, igualmente, desconsiderar os sentimentos de indiferença que manifestou no cometimento dos crimes sob discussão, tendo o arguido actuado com o propósito único de satisfazer os seus instintos e prazeres sexuais, com total indiferença pela intimidade sexual da assistente (artigo 71º, nº2, alínea c), do CP).
A acentuar essa ilicitude estão ainda as consequências físicas e, sobretudo, psíquicas, que derivaram para aquela S. S. do comportamento do arguido (equimoses, escoriações, toma de contracepção de emergência, choro convulsivo, transtorno emocional, enorme sentimento de vergonha, medo, perda de emprego,
11 (onze) atendimentos presenciais na “APAV” – deslocando-se sempre acompanhada, note-se – e inúmeros contactos telefónicos de apoio psicológico).
Relativamente ao crime de sequestro depõe, ainda, contra o arguido o grau da ilicitude do seu comportamento e o modo como o empreendeu, que se assume considerável, em face da duração da conduta delituosa empreendida, bem como o facto de o aludido F. T. ter persistido nesse seu desígnio, mesmo quando a assistente ensaiou uma fuga.
Quanto ao crime de devassa da vida privada desfavorece-o o grau de ilicitude dos factos sob censura e as circunstâncias em que os executou, que são de gravidade não despicienda, tendo em consideração o número de actos em que se desdobrou a sua conduta, a natureza dos mesmos – com particular realce para a gravação de relações sexuais forçadas – e o facto de ter partilhado pelo menos com o seu irmão registos de vídeos muitos íntimos, expondo a esfera mais privada e íntima da assistente, a que foi plenamente indiferente.
Deste modo, as circunstâncias em que o arguido praticou os ilícitos criminais supra identificados revelam um sentimento de acentuada desconformidade com valores essenciais e uma personalidade crítica a impor acrescidas exigências de reinserção e recomposição valorativa.
Depõe também contra o arguido a intensidade do dolo nos crimes cometidos, consubstanciada na sua modalidade mais grave – o dolo directo –, projectando a sua actuação e as suas imediatas consequências e conformando-se com a sua actuação ilícita (cfr. artigos 14º, nº1 e 71º, nº2, alínea b), do CP), facto que, fazendo elevar a ilicitude inerente à sua conduta (é menor a sensibilidade à pena que lhe venha a ser aplicada) acentua o grau de premência das referidas exigências de prevenção, ao mesmo tempo que acentua o juízo de censurabilidade penal a fazer impender sobre aquele F. T..
Os factores relativos à sensibilidade à pena e susceptibilidade de por ela ser influenciado também desfavorecem a responsabilidade criminal do arguido (artigo 71º, nº2, alínea e), do CP).
Com efeito, à data dos factos que se discutem não era delinquente primário, na medida em que contava com as seguintes condenações: [i] pela prática, em 01 de Outubro de 2011, de um crime de resistência e coacção sobre funcionário, de um crime de injúria agravada e de um crime de dano qualificado, foi condenado em pena de multa por sentença transitada em julgado em 30 de Outubro de 2012 (Processo nº2133/11.9PBBRG); e [ii] pela prática, em 27 de Setembro de 2014, de um crime de resistência e coacção sobre funcionário, foi condenado em pena de prisão de 3 (três) anos, suspensa na sua execução, por sentença transitada em julgado em 14 de Novembro de 2016 (Processo nº2029/14.2PBBRG).
Esta circunstância acentua as exigências de prevenção especial a fazer impender sobre o arguido, sendo acrescidas as necessidades de ressocialização, uma vez que foi já anteriormente censurado pela prática de crimes.
É certo que os ilícitos dos presentes autos revestem natureza distinta, tendo em consideração os bens jurídicos atingidos.
No entanto, as anteriores condenações por resistência e coacção sobre funcionário e por injúria já revelam a sua personalidade irascível e agressiva também presente nos crimes de violação, sequestro e devassa da vida privada ora censurados.
Acresce, ainda, ter praticado os ilícitos criminais destes autos no período de suspensão da execução da pena de prisão aplicada no identificado Processo nº2029/14.2PBBRG.
A conduta posterior aos factos também é relevante atenta a ausência de qualquer demonstração de arrependimento por parte do mencionado F. T., nem tampouco de rejeição do comportamento adoptado (cfr. artigo 71º, nº2, alínea e), do CP).
Acresce que procurou desqualificar a vítima – insinuando que se movia exclusivamente por interesse económico – e minimizou o impacto dos danos causados, com o que demonstrou inserir-se no perfil de cidadão que tende a ver a violência, no caso sexual, contra as mulheres, como um acontecimento normal e atribuível a condutas assumidas pelas próprias.
Por esse motivo as condições de vida do aludido F. T. – beneficia do apoio da progenitora, do irmão e da companheira com quem iniciou uma relação afectiva há cerca de 5 (cinco) meses, exerce uma actividade profissional, contribuiu para o sustento dos seus filhos – mitigam apenas de forma relativa a sua responsabilidade pelo comportamento que assumiu na prática dos factos dos autos (cfr. artigo 71º, nº2, alínea d), do CP).

Face ao exposto, não obstante a conduta do arguido F. T. merecer um juízo ético-jurídico de censura, considera-se que retomará uma atitude fiel ao Direito, pelo que se julga justo, adequado e equitativo concluir que merece uma censura penal concreta que, não ultrapassando a medida da culpa e observando as finalidades e limites da prevenção geral e as necessidades de prevenção especial, se deve situar:

a) Crime de violação: na pena parcelar de 4 (quatro) anos e 4 (quatro) meses;
b) Crime de sequestro: na pena parcelar de 1 (um) ano e 2 (dois) meses;
c) Crime de devassa da vida privada: na pena parcelar de 6 (seis) meses.

II.5. Do cúmulo jurídico

Cabe proceder ao cúmulo jurídico das penas parcelares encontradas, ao abrigo do disposto no artigo 77º, nºs1 e 2, do CP.
Tendo em conta o preceituado no artigo 77º, nº2, do CP, deverá ser construída uma moldura penal entre 4 (quatro) anos e 4 (quatro) meses até 6 (seis) anos, sendo que aquele limite mínimo coincide com a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes e o limite máximo corresponde à soma de todas essas penas parcelares.
A medida concreta da pena do concurso, dentro da moldura abstracta aplicável, a qual se constrói a partir das penas aplicadas aos diversos crimes, é determinada, tal como na concretização da medida das penas singulares, em função da culpa e da prevenção, mas agora levando em conta um critério específico, constante do artigo 77º, nº1, do CP: a consideração em conjunto dos factos e da personalidade do arguido.
À visão atomística inerente à determinação da medida das penas singulares, sucede uma visão de conjunto, em que se consideram os factos na sua totalidade, como se de um facto global se tratasse, de modo a detectar a gravidade desse ilícito global, enquanto referida à personalidade unitária do agente.
Do que se trata agora é de ver os factos em relação uns com os outros, de modo a detectar a possível conexão e o tipo de conexão que intercede entre eles (“conexão autoris causa”), tendo em vista a totalidade da actuação do arguido como unidade de sentido, que há-de possibilitar uma avaliação do ilícito global e a “culpa pelos factos em relação”, a que se refere CRISTINA LÍBANO MONTEIRO em anotação ao Acórdão do STJ, de 12 de Julho de 2005 (vide “A Pena “Unitária” do Concurso de Crimes”, Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano 16, nº1, p.162ss). Ou, como diz FIGUEIREDO DIAS, tudo deve passar-se como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique (vide Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, p.291).
Na avaliação desta personalidade unitária do agente releva, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma “carreira”) criminosa, ou tão-só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta. De grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização (vide FIGUEIREDO DIAS, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, p.291).
Por conseguinte, a medida da pena do concurso de crimes tem de ser determinada em função desses factores específicos, que traduzem a um outro nível a culpa do agente e as necessidades de prevenção que o caso suscita.
E tem de ter uma fundamentação específica na qual se espelhem as razões por que, em atenção aos referidos factores (em particular a propensão ou não do agente para a prática de crimes ou de determinado tipo de crimes), se aplicou uma determinada pena conjunta.
Na determinação da medida concreta da pena conjunta dentro da moldura penal abstracta, os critérios gerais de fixação da pena, segundo os parâmetros indicados – culpa e prevenção – contidos no artigo 71º, do CP, servem apenas de guia para essa operação de fixação da pena conjunta, pois os mesmos não podem ser valorados novamente sob pena de se infringir o princípio da proibição da dupla valoração, a menos que tais factores tenham um alcance diferente enquanto referidos à totalidade de crimes (vide FIGUEIREDO DIAS, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, p.292, §422).
Como se vê de todo o exposto, o nosso sistema caracteriza-se por ser um sistema de pena única ou conjunta, e não de pena unitária. Por duas razões fundamentais: [i] é um sistema que não prescinde da determinação da medida concreta das penas parcelares, sendo a partir delas que se constrói a moldura penal do concurso; [ii] a medida da pena do concurso no caso concreto é determinada dentro da moldura penal abstracta, entre um mínimo e um máximo, com a mesma liberdade com que se determina a unicidade de pena – culpa e prevenção, relacionadas com a gravidade do ilícito global em conjugação com a personalidade unitária revelada pelo agente, e não por adição das penas parcelares (ou de uma dada porção ou fracção delas), só sendo de agravar a pena no caso de se concluir pela radicação da multiplicidade delituosa na personalidade daquele, em termos de constituir uma tendência ou carreira criminosa.
Nisto se distingue do modelo de pena unitária, caracterizado por: [i] não relevância da autonomia dos crimes concorrentes; [ii] a moldura do concurso não passa pela determinação das penas singulares; [iii] tudo se passa como se fosse um crime único, referido a um determinado agente, pois o que interessa é a personalidade deste (direito penal do agente).
Sendo um sistema de pena conjunta ou pena única, não se confunde, todavia, com um princípio de absorção, em que a pena do concurso corresponde à pena concretamente determinada do crime mais grave; nem com o princípio da exasperação ou agravação em que a pena do concurso é determinada em função da moldura penal prevista para o crime mais grave, mas agravada em função da pluralidade de crimes, sem poder ultrapassar o somatório das penas concretamente aplicadas (vide CRISTINA LÍBANO MONTEIRO, “A Pena “Unitária” do Concurso de Crimes”, Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano 16, nº1, p.156ss e FIGUEIREDO DIAS, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, p.283ss).
Apenas há a notar que a moldura penal abstracta apoia o limite mínimo na pena parcelar mais alta, o que apresenta alguma analogia, só neste aspecto, com o princípio da absorção e que o limite máximo é constituído pelo somatório de toda as penas (com o limite absoluto de 25 anos de prisão), o que também se relaciona de alguma forma com o princípio da exasperação ou agravação e até com o da cumulação material, mas também só para o efeito de determinar o limite máximo da moldura penal abstracta.
De resto, nada impede que, num dado caso concreto, a pena aplicada seja correspondente ao mínimo da moldura penal abstracta, ou seja, o equivalente à pena parcelar mais alta, tal como sucede com a determinação da medida da pena no caso de unicidade de crime.
No colóquio realizado no STJ em 03 de Junho de 2009, sob o tema A determinação da pena em concurso de crimes, o Exmo. Sr. Conselheiro CARMONA DA MOTA esclareceu que (…) a pena conjunta, no quadro das penas singulares, é uma pena pré- definida pelo jogo de forças das próprias penas singulares, que, esgotantemente, representam (numericamente) todos os factores legalmente atendíveis. Se as penas singulares esgotaram (ou deviam ter esgotado) todos os factores legalmente atendíveis, sobrará para a pena conjunta, simplesmente, a reordenação cronológica dos factos (julgados, nos processos singulares, fora da sua sequência histórica) e a actualização da história pessoal do agente dos crimes. Esse, para mim, o entendimento (residual) que deve ser dado - por força da proibição da «dupla valoração» - ao «conjunto dos factos)) e à «personalidade» a que alude o art. 77.1 do CP. Se os números (representativos do valor das penas singulares) - no seu jogo de forças contrárias (umas de expansão e outras de contracção) no quadro (numérico) traçado pelos limites legais - haverão de convergir num determinado ponto (igualmente numérico) do espaço que os medeia, há-de ser a ciência dos números a indicar-nos a forma de o alcançar. Ao jurista competirá apenas fornecer - ao operador matemático - quais os factores ponderáveis (parâmetros) e o seu valor relativo. Para mim, esses parâmetros serão - entre outros (menos significativos) - os seguintes (já acima assinalados): I) A representação das penas singulares na pena conjunta é, em regra, parcial, só se justificando que esta se aproxime ou atinja a sua soma material nos casos em que todas as penas singulares coenvolvidas correspondam a crimes de gravidade similar (puníveis por exemplo com penas de 1 a 5 anos de prisão) e a sua soma material se contenha dentro da moldura penal abstracta dos crimes concorrentes (no exemplo, 5 anos de prisão); II) A pena conjunta só deverá conter-se no seu limite mínimo ou na sua vizinhança em casos de grande disparidade entre a gravidade do crime mais grave (representada por uma pena por exemplo de 15 anos de prisão) e a gravidade dos demais (representadas por penas que, somadas, não excedam, por exemplo, um ano); III) Nos demais casos (em que os limites mínimo e máximo da pena conjunta distem significativamente), a representação das penas menores na cena conjunta não deve exceder um terço do seu peso quantitativo conjunto (acquis jurisprudencial conciliatório da tendência da jurisprudência mais «permissiva» - na procura desse terceiro termo de referência - em somar à «maior» 1/4 ou menos das demais com a jurisprudência mais «repressiva» que àquela usa - com o mesmo objectivo - adicionar metade ou mais das outras); IV) O tratamento no quadro da pena conjunta da pequena criminalidade deve divergir do tratamento devido à média criminalidade e o desta do imposto pelo tratamento da criminalidade muito grave, de tal modo que a pena conjunta de um concurso (ainda que numeroso) de crimes de menor gravidade não se confunda com a atribuída a um concurso (ainda que menos numeroso) de crimes de maior gravidade: E daí, por exemplo, que um somatório de penas até 2 anos de prisão - ainda que materialmente o ultrapasse em muito - não deva exceder, juridicamente, 8 anos, por exemplo; que um somatório de penas até 4 anos de prisão não ultrapasse, por exemplo, 10 anos, que um somatório de penas até 6 anos de prisão não ultrapasse,por exemplo, 12 anos; que um somatório de penas de 10 anos de prisão não ultrapasse, por exemplo, 16 anos, etc.; V) A medida da pena conjunta só deverá atingir o seu limite máximo absoluto em casos extremos (quatro penas de 20 anos de prisão, por exemplo), devendo por isso o efeito repulsivo/compressor desse limite máximo ser, proporcionalmente, tanto maior quanto maior o limite mínimo imposto pela pena parcelar mais grave e maior o somatório das demais penas parcelares. Sendo assim, poder-se-ão atingir – na enumeração dos parâmetros atendíveis e na ponderação relativa de cada um deles na sua relação dos demais – algoritmos diferentes (vide, ainda, o Exmo. Sr. Conselheiro RODRIGUES DA COSTA, exposição oral ocorrida no dia 04 de Março de 2011, no âmbito de acção de formação do Centro de Estudos Judiciários, Faculdade de Direito do Porto,acessível em https://www.stj.pt/wp-content/uploads/2018/01/rodrigues_costa_cumulo_juridico.pdf).
Ressalvou, porém, que o critério proposto não é, propriamente, um critério “matemático”, mas um critério jurídico, que, na sua operacionalidade, recorre ao auxílio da ciência matemática.
Por sua vez, o STJ, em Acórdão datado de 29 de Abril de 2010 (acessível em www.dgsi.pt/jstj, Processo nº9/07.3GAPTM.S1, relator SANTOS CARVALHO) decidiu que: I - O STJ tem adoptado a jurisprudência, na formação da pena única, de fazer acrescer à pena mais grave o produto de uma operação que consiste em comprimir a soma das restantes penas com factores variáveis, mas que se situam, normalmente, entre um terço e um sexto (por vezes até menos, chegando a um oitavo). II - Não se trata de uma operação puramente matemática, destituída de fundamento jurídico, mas o que se visa é criar regras que permitam que em situações idênticas a pena única seja similar, quer o tribunal seja o de Silves, quer o de Bragança. III - O factor de compressão variará de acordo com a consideração que se fizer, em conjunto, dos factos e da personalidade do agente, como indica a lei, mas só em casos verdadeiramente excepcionais se deve ultrapassar um terço da soma das restantes penas, principalmente se estiverem em consideração penas ou soma de penas muito elevadas, pois, se assim não fosse, facilmente se atingiria a pena máxima, reservada para a casos excepcionalmente graves.
Tendo em consideração o que ficou sobredito, haverá que atentar no nexo espácio-temporal existente entre os crimes sob discussão nos autos, cometidos nas mesmas circunstâncias de tempo e de lugar.
Subjacente a tais ilícitos-típicos está a incapacidade do arguido F. T. em refrear os seus instintos libidinosos, bem como as dificuldades que, por essa via, revela em conformar a sua personalidade com valores essenciais e comunitariamente sentidos com forte intensidade (liberdade sexual, liberdade de locomoção, privacidade/intimidade), cujo atropelo é fortemente censurado e rejeitado.
Não nos deparamos, é certo, com uma situação de pluriocasionalidade, mas a personalidade do arguido manifestada nos factos sob discussão, não obstante a sua apropriada inserção familiar e profissional, evidencia uma desconsideração bastante intensa dos valores afectados.
Deste modo, reputa-se por adequada e necessária a aplicação ao arguido F. T. de uma pena única de 4 (quatro) anos e 10 (dez) meses de prisão.

II.6. Da pena de substituição (suspensão da pena de prisão)

Como vem de expor-se, ao arguido foi aplicada uma pena de 4 (quatro) anos e 10 (dez) meses de prisão.
Coloca-se, agora, a questão de saber se a aplicação da pena com um sentido pedagógico e ressocializador, como é exigida no direito penal português, se alcança aqui com a efectividade da pena de prisão ou se, para tanto, ainda é suficiente a suspensão da execução da pena.
Nos termos do artigo 50º, nº1, do CP, o tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
De acordo com este normativo, o julgador dispõe, atento o quantum concreto da pena de prisão, de um poder-dever de substituir a pena de prisão por outra de carácter não detentivo.
A opção por uma pena de substituição passa de modo prevalente por considerações de prevenção especial de socialização, por serem sobretudo estas que justificam, numa perspectiva político-criminal, todo o movimento de luta contra a pena de prisão. Porém, preciso é que a comunidade tolere tal substituição.
Como se explicita no Acórdão da Relação de Coimbra, de 29 de Novembro de 2017 (acessível em www.dgsi.pt/jtrc, Processo nº202/16.8PBCVL.C1, relator ORLANDO GONÇALVES), a suspensão da execução da pena de prisão depende de dois pressupostos, um de natureza formal e outro de natureza material.
O primeiro impõe que a medida concreta da pena aplicada não seja superior a 5 (cinco) anos.
O segundo determina que o tribunal (…) conclua por um prognóstico favorável relativamente ao comportamento do arguido, ou seja, que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
Na formulação desse juízo de prognose deverá atender-se, no momento da elaboração da sentença, à personalidade do agente (designadamente ao seu carácter e inteligência), às condições da sua vida (inserção social, profissional e familiar, por exemplo), à sua conduta anterior e posterior ao crime (ausência ou não de antecedentes criminais e, no caso de os ter já, se são ou não da mesma natureza e tipo de penas aplicadas), bem como, no que respeita à conduta posterior ao crime, designadamente, à confissão aberta e relevante, ao seu arrependimento, à reparação do dano ou à prática de atos que obstem ao cometimento futuro do crime em causa) e às circunstâncias do crime (como as motivações e fins que levam o arguido a agir).
No caso de que nos ocupamos, não há dúvida de que os crimes em referência apresentam um conteúdo acentuadamente negativo para a comunidade, através da ofensa dos bens jurídicos supra identificados, que geram intranquilidade.
Mas as exigências de prevenção valoradas pelo legislador são aquelas que o facto pode presumivelmente assumir. Ao aplicador cabe valorar a medida da necessidade de tutela de bens jurídicos in concreto, interpretar as exigências que a comunidade faz da punição no caso concreto, se esta tolera que tais exigências fiquem satisfeitas com uma pena de substituição.
O tribunal, de acordo com FIGUEIREDO DIAS, só deverá negar a aplicação de uma pena de substituição quando, e apesar de permitido pelo mínimo de defesa do ordenamento jurídico, a execução da pena de prisão se revela mais conveniente do ponto de vista da necessidade de socialização (vide Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, p.230 e 241).
A suspensão de tal execução da pena de prisão assume-se, deste modo, como uma medida penal de conteúdo reeducativo e pedagógico (assim, MAIA GONÇALVES, Código Penal Português Anotado, 13ª edição, p.206).
Dito isto, do ponto de vista formal mostra-se preenchido o necessário requisito na medida em que o aludido F. T. foi condenado em pena de prisão inferior a 5 (cinco) anos.
Na base da decisão de suspensão da execução da pena deve estar um juízo de prognose social favorável ao arguido, isto é, deve ele compreender, por um lado, a advertência que lhe é feita e, por outro, conformar no futuro a sua conduta à ordem jurídica vigente, abstendo-se da prática de crimes.
Ora, em termos de personalidade o arguido revela-se uma pessoa resistente a uma convivência social de acordo com as regras do direito.
Apesar de as suas condições de vida se apresentarem estruturadas, seja no âmbito familiar, seja no âmbito profissional, as mesmas não o levaram a refrear os seus ímpetos, pois que não sentiu contra motivações éticas para não levar a cabo os crimes que, aqui, se discutem.
Além disso, não se mostrou arrependido da sua prática, pois que embora tenha comparecido na audiência de julgamento, não pediu desculpa, nem evidenciou rejeitar o comportamento por si adoptado.
Acresce, ainda, ter cometido os ilícitos criminais que se censuram em período de suspensão da execução da pena de 3 (três) anos de prisão aplicada no Processo nº2029/14.2PBBRG, o que é susceptível de revelar a já apontada indiferença em relação aos valores tutelados pelas normas penais violadas e à possibilidade de aplicação das respectivas sanções.
Apreciadas todas estas circunstâncias entendemos não ser possível acreditar nas possibilidades de recuperação do arguido F. T. em liberdade, sendo manifesta a necessidade de interiorizar a ilicitude da sua conduta e a sua punibilidade.
A sujeição à pena efectiva tem em vista fazê-lo perceber que a ausência de consentimento para a prática de acto sexual consubstancia uma grave violação da liberdade e autodeterminação do ser humano, seja criança ou adulto, homem ou mulher, e que não é aceitável numa sociedade actual.
Relembre-se que a suspensão da execução da pena de prisão só poderá ser negada quando, em termos de juízo de prognose, se mostrar desfavorável, nomeadamente, às exigências de defesa do ordenamento jurídico.
E tal juízo é aferido no momento da condenação, no presente, e não à data da prática dos factos.
Certo que num tal juízo não está em causa qualquer certeza, antes uma fundada esperança de que a socialização em liberdade possa ser alcançada, além de que o tribunal deve mostrar-se disposto a correr um certo risco (fundado e calculado) de manutenção do agente em liberdade (vide FIGUEIREDO DIAS, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, p.521).
Em face do que fica sobredito, atentas as elevadas exigências de prevenção, a pena única de prisão fixada será cumprida pelo arguido F. T., por não ser possível hoje concluir por uma ressocialização do mesmo em liberdade, não sendo possível formular o juízo de prognose favorável previsto na norma do artigo 50º, do CP, sobretudo ante a ausência de arrependimento e em face da personalidade que evidenciou.

C) Apreciando

- Nulidade do acórdão nos termos das disposições conjugadas dos artigos 379º,nº1, a) e 374º,nº2, ambos do C.P.P..

O artigo 379º estabelece um regime específico das nulidades da sentença.
Assim, de acordo com as três alíneas do seu nº 1, é nula a sentença penal quando, não contenha as menções previstas no nº 2 e na alínea b) do nº 3 do art. 374º, quando condene por factos diversos dos descritos na acusação ou na pronúncia, fora dos casos previstos nos arts. 358º e 359º, e quando o tribunal omita pronúncia ou exceda pronúncia.
O recorrente na invocação que faz da nulidade traz à liça o disposto no número 2 do artigo 374º.

Sendo a sentença/acórdão o ato decisório do juiz por excelência, este último dispositivo legal enuncia os seus requisitos, dispondo o seguinte:
Ao relatório segue-se a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.”.
O dever de fundamentação das decisões judiciais é hoje um imperativo constitucional, dispondo o art. 205º, nº 1, da Lei Fundamental que, as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei.
A fundamentação deve conter as razões da bondade da decisão, permitindo que ela se imponha, dentro e fora do processo, sendo uma exigência da sua total transparência já que através dela se faculta aos respectivos destinatários e à comunidade, a compreensão dos juízos de valor e de apreciação levados a cabo pelo julgador.
Para além disso, é ainda através da fundamentação da sentença que é viabilizado o controlo da actividade decisória pelo tribunal de recurso designadamente, no que respeita à validade da prova, à sua valoração, e à impugnação da matéria de facto.
Na lei ordinária o dever de fundamentação encontra-se genericamente consagrado no art. 97º, nº 5, do C. Processo Penal – os actos decisórios são sempre fundamentados, devendo ser especificados os motivos de facto e de direito da decisão.
A fundamentação da sentença penal, como decorre desta norma, é composta por duas vertentes: uma delas consiste na enumeração dos factos provados e não provados e outra consiste na exposição, concisa, mas completa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que contribuíram para a formação da convicção do tribunal.
Consiste pois, tal fundamentação, na exposição dos motivos de facto (motivação sobre as provas e sobre a decisão em matéria de facto) e de direito (enunciação das normas legais que foram consideradas e aplicadas) que determinaram o sentido («fundamentaram») a decisão.
As decisões judiciais, com efeito, não podem impor-se apenas em razão da autoridade de quem as profere, mas antes pela razão que lhes subjaz (Cfr. Germano Marques da Silva, "Curso de processo penal", III, pág. 289).
No que tange à enumeração dos factos provados e dos factos não provados, mais não é do que a narração de forma metódica, dos factos que resultaram provados e dos factos que não resultaram provados, com referência aos que constavam da acusação ou da pronúncia, da contestação, e do pedido de indemnização, e ainda dos factos provados que, com relevo para a decisão, e não constando de nenhuma daquelas peças processuais, resultaram da discussão da causa. É esta enumeração de factos que permite concluir se o tribunal conheceu ou não, de todas as questões de facto que constituíam o objecto do processo.
Já relativamente à exposição dos motivos de facto e de direito que fundamentam a decisão, trata-se de enunciar de forma concisa as provas que serviram para fundar a convicção alcançada pelo tribunal – sem que tal tenha de passar no que tange à prova por declarações pela assentada dos depoimentos produzidos em audiência – bem como de proceder a uma análise crítica de tais provas.
Esta análise crítica deve consistir na explicitação do processo de formação da convicção do julgador, concretizada na indicação das razões pelas quais, e em que medida, determinado meio de prova ou determinados meios de prova, foram valorados num certo sentido e outros não o foram, ou seja, a explicação dos motivos que levaram o tribunal a considerar certos meios de prova como idóneos e/ou credíveis e a considerar outros meios de prova como inidóneos e/ou não credíveis, e, ainda, na exposição e explicação dos critérios, lógicos e racionais, utilizados na apreciação efectuada (neste sentido, Ac. da Relação de Lisboa, de 18/1/2011, em que foi Relator o Juiz Desembargador Vasques Osório).
Como se extrai das conclusões, mais concretamente das enunciadas nas alíneas Ai) e An), o recorrente fez assentar a nulidade do acórdão na sua falta de fundamentação.
Para o recorrente, “o tribunal a quo não articulou os meios de prova entre si, carecendo a decisão (…) de uma fundamentação expressa por um discurso próprio, capaz de impor que ocorreu uma verdadeira reflexão o que, com o devido respeito, não sucede num processo algo complexo e com as inúmeras questões que suscita”..
“ Houve factos de suma importância que não foram atendidos na determinação da pena ao arguido, pelo que (…) houve falta de fundamentação da decisão”.
Salvo o devido respeito, não lhe assiste qualquer razão.
Volvendo-nos no acórdão recorrido consta do mesmo a enumeração dos factos provados e não provados.
E no que concerne à fundamentação de facto e de direito, não vislumbramos também que a mesma padeça de qualquer omissão que conduza à invocada nulidade.
E isto porque, lido e relido o acórdão recorrido, o mesmo permite uma avaliação segura do porquê da decisão e do processo lógico-mental que serviu de suporte ao respectivo conteúdo decisório.
O tribunal a quo indicou os meios probatórios de que se serviu para formar a convicção do tribunal, tendo também dado a saber o porquê da sua convicção quanto à valoração que deu a certas declarações, designadamente às da assistente, o que fez de forma exemplar, sem deixar de salientar os pontos que poderiam ser entendidos como mais fracos, declarações essas também sustentadas noutros elementos de prova (documental, pericial e testemunhal) que elencou de forma exaustiva, indicando a respectiva razão de ciência das testemunhas, a forma como depuseram, a credibilidade que lhe mereceu os respectivos depoimentos, em detrimento das declarações do arguido, tendo também quanto a estas exposto de forma critica e bem fundamentada as razões pelas quais não lhe mereceram credibilidade em face dos demais meios probatórios produzidos e das regras da experiência comum.
Concorde-se ou não, o tribunal a quo seguiu um procedimento de convicção lógico e racional na apreciação das provas, o que nos permite concluir que a decisão sobre a matéria de facto não é arbitrária, dominada pelas impressões, ou afastada do sentido determinado pelas regras da experiência de vida e das coisas.
E, por fim, o tribunal a quo procedeu ao enquadramento jurídico- penal dos factos e consequente determinação da natureza e medida da sanção a aplicar, tomando em consideração os factores que foi elencando e que entendeu deverem pesar a favor ou contra o arguido, os quais não têm que ser aqueles que o arguido considera como relevantes, concluindo no sentido em que veio a decidir,
Improcede pois a arguida nulidade do acórdão.

- Vícios decisórios a que aludem as alíneas a),b) e c) do artigo 410,nº2, C.P.P.

Refere o citado artigo 410,nº2, que “ «mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum: al.a) a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada; al. b) a contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão e al.c) erro notório na apreciação da prova».
Estes vícios são do conhecimento oficioso – conforme jurisprudência fixada no acórdão nº7/95, de 19 de outubro, in Diário da República, I Série – A, de 28/12/1995 - e constituindo um defeito estrutural da decisão têm que resultar da decisão recorrida, por si mesma ou conjugada com as regras da experiência comum, não sendo por isso admissível o recurso a elementos àquela estranhos para os fundamentar como, por exemplo, quaisquer dados existentes nos autos, mesmo que provenientes do próprio julgamento, tratando-se, assim, de vícios intrínsecos da decisão que, por isso, quanto a eles, terá que ser auto-suficiente.
Nesta forma de reagir - invocação dos vícios do art. 410º,nº2 - contra eventuais erros do julgador na livre apreciação das provas e na fixação da matéria de facto – a denominada “revista alargada” - o tribunal de recurso limita-se a detetar os vícios que a sentença em si mesmo evidencia e, não podendo saná-los, a determinar o reenvio do processo para novo julgamento, tendo em vista a sua sanação (art.426º,nº1).
E consabido que a chamada revista alargada configura uma impugnação restrita da matéria de facto, mas não é a verdadeira impugnação da matéria de facto conforme o disposto no art. 412º,nº3, do Código de Processo Penal.
Se é certo que a existência de um dos vícios do citado artigo 410º nos espelha algo de errado da decisão da matéria de facto, a circunstância de se não verificar nenhum daqueles vícios, não garante que a matéria de facto haja sido bem julgada.
Com efeito, pode não existir nenhum dos vícios previstos no nº2 do art.410º do C.P.P. e, no entanto, a prova ter sido mal apreciada, ocorrer um verdadeiro erro de julgamento.
Alega o recorrente na alínea B) das suas conclusões que o acórdão recorrido padece dos vícios decisórios das alíneas a),b) e c) do citado artigo 410º,nº2.
Vejamos então se assiste razão à recorrente.
Comecemos então pelo previsto na citada alínea a) - vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, o qual ocorre quando esta seja insuficiente para fundamentar a decisão de direito ou quando o tribunal não investigou toda a matéria de facto com interesse para a decisão.
Referem Simas Santos e Leal Henriques, in CPP Anotado, II volume, 2ª edição, pág. 737, que o mesmo refere-se “…à insuficiência que decorre da omissão pronuncia pelo tribunal, sobre factos, alegados pela acusação ou defesa ou resultantes da discussão da causa que sejam relevantes para a decisão, ou seja, a que decorre da circunstância de o tribunal não ter dado como provados ou não provados todos aqueles factos que, sendo relevantes para a decisão da causa, tenham sido alegados ou resultado da discussão”.
(…)
“Ocorre este vício quando, da factualidade vertida na decisão em recurso, se colhe que faltam elementos que, podendo e devendo ser indagados, são necessários para se poder formular um juízo seguro de condenação ou de absolvição”.
O conceito de insuficiência da matéria de facto provada significa que os factos apurados e constantes da decisão recorrida são insuficientes para a decisão de direito do ponto de vista das várias soluções que se perfilem: absolvição, condenação, existência de causa de exclusão da ilicitude, da culpa ou da pena, circunstâncias relevantes para a determinação desta última, etc.. E tal porque o tribunal deixou de apurar ou de se pronunciar sobre factos relevantes alegados pela acusação ou pela defesa ou resultantes da discussão da causa (art.368,nº2, do C.P.P.), ou ainda porque não investigou factos que deviam ter sido apurados na audiência, dada a sua importância para a decisão.
Consiste numa carência de factos que suportem uma decisão de direito dentro do quadro das soluções plausíveis da causa, conduzindo à impossibilidade de ser proferida uma decisão segura de direito sobre a mesma. É algo que falta para uma decisão de direito que se entenda ser a adequada ao âmbito da causa, seja a proferida efectivamente, seja outra, em sentido diferente.
Impõe-se pois ao recorrente que invoque este vício convencer o tribunal de recurso que faltam factos (os quais deve identificar), necessários (fundamentando esta necessidade) para a decisão e que não foi levada a cabo a indagação a respeito deles (fundamentando).
Mas que factos é que faltam, segundo o recorrente?
Quais são os factos sobre os quais o tribunal omitiu um juízo de censura de provado ou não provado e que seriam necessários para se proferir uma decisão de direito adequada ao âmbito da causa?
Que factos é que o tribunal não indagou e conheceu e que podia e devia tendo em vista uma decisão justa a proferir de harmonia com o objecto do processo?
Compulsadas as conclusões, as quais, tal como a motivação, não primam pela clareza, se bem percebemos a alegação do recorrente, cremos ter o mesmo invocado o vício em apreço na alínea T) das suas conclusões.
Alega o recorrente ter resultado da discussão da causa que a assistente declarou que “no dia dos factos, ainda antes de querer ir embora, que o arguido ora estava bem ora estava mal e não estava a perceber o seu comportamento”.
Mais alega o recorrente que tal facto “tem que ser dado como provado porque produzido em audiência de julgamento e deveras pertinente”, tendo ficado por esclarecer como é que a assistente ainda continuou na companhia do arguido e, mais uma vez, cabe saber porque não aproveitou a ida ao café para ir embora.
Salvo o devido respeito, não vislumbramos em que medida é que tal facto e tal indagação se mostram necessárias para uma decisão de direito que se entenda ser a adequada ao âmbito da causa, seja a proferida efectivamente, seja outra, em sentido diferente.
Mas também é certo que o recorrente, pese embora a invocada “pertinência”, não fundamentou, de modo algum, a sua importância para a decisão.
E compulsado o acórdão recorrido, pois é a partir do seu texto, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, que terá de ser averiguada a existência do vício invocado, não o vislumbramos.
Com efeito, o tribunal a quo tomou posição sobre todos os factos sobre os quais se impunha tomar posição, no caso, os vertidos no despacho de pronúncia, porquanto na contestação o arguido, para além da invocação da nulidade da acusação, limitou-se a oferecer o merecimento dos autos e todas as circunstâncias que forem apuradas em julgamento.
Acresce ainda que não decorre também do texto da decisão recorrida que tenham surgido factos relevantes para a decisão da causa (para além daqueles que constam da matéria de facto) sobre os quais devesse recair um juízo de provado ou não provado, sendo os factos dados como assentes bastantes para se poder decidir no sentido em que decidiu o tribunal.
Improcede assim o invocado vício.
Passemos agora ao vício previsto na alínea b) do citado artigo 410º,nº2 – contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão.
Quando os recorrentes alegam este vício cabe-lhes especificar, no texto da decisão impugnada, a matéria da contradição, isto é aquilo que está em contradição.
É consabido que a contradição insanável nos termos vertidos neste dispositivo legal tanto pode existir na motivação da decisão da matéria de facto como na própria decisão da matéria de facto.
Assim, há contradição na fundamentação quando para a decisão de um determinado ponto de facto são invocados meios probatórios inteiramente incompatíveis entre si. Como também parece haver contradição quando a motivação num raciocínio lógico conduz ao contrário do que se decidiu.
Por sua vez, ocorre contradição na decisão da matéria de facto quando se dão como provados dois factos totalmente incompatíveis entre si ou quando se dá como provado e não provado o mesmo facto.
Ora, para que este vício se verifique a contradição tem de ser insanável, isto é não ser ultrapassável pelo Tribunal de recurso com eventual recurso às regras de experiência ou elementos dos autos. Assim, o facto de se verificar uma qualquer contradição no texto da decisão não quer dizer que se esteja logo em presença do vício do art.410º,nº2,al.b) do C.P.P..
Segundo o recorrente, o acórdão recorrido padece do vício em apreço porquanto o tribunal não deu como provados factos que valorou para efeitos da motivação da sua convicção.
Como resulta do teor das conclusões vertidas nas alíneas L) a O), segundo o recorrente deve dar-se como provado que a testemunha C. A., após a chegada da Assistente a sua casa, telefonou ao irmão do arguido, S. T., para que este as auxiliasse; que o irmão do arguido, S. T., após o telefonema da testemunha C. A., dirigiu-se a casa desta e transportou a mesma e a Assistente para o seu estúdio de música, que só após a estadia no estúdio, a testemunha C. N. e Assistente foram ao hospital, e isto porque estes factos foram invocados, em parte, na motivação da decisão posta em crise, dela resultando que a Assistente e testemunha ligaram ao irmão do alegado agressor a pedir auxílio.
Assim, não dar como provados tais factos depois de os mesmos serem valorados para efeitos de convicção do Tribunal, faz a decisão recorrida enfermar do vício elencado no art.º 410º n.º 2 al. b) do C.P.P.
Ora, em face das considerações tecidas a respeito do vício em apreço, facilmente se percebe que tal alegação de modo algum é susceptível de o consubstanciar.
Com efeito, não se evidencia do texto da decisão recorrida qualquer contradição na motivação aduzida pelo tribunal na formação da sua convicção, nem também qualquer contradição entre esta e a decisão da matéria de facto, sendo a primeira perfeitamente consentânea com a segunda, tendo as considerações expendidas neste particular segmento da motivação servido apenas para se demonstrar o raciocínio lógico que levou o tribunal a considerar credíveis os depoimentos da assistente e da testemunha C. A..

A tal propósito fez-se constar do acórdão recorrido:
“… uma vez que a relação entre a assistente e os seus pais era distante, aquela S. S., após o sucedido na habitação do arguido, tomou a decisão de ir ter com a testemunha C. A., sua amiga mais próxima e confidente, a quem contou o que se havia passado.
Fazendo, aqui, apelo ao que ditam os juízos da experiência comum e da normalidade do acontecer, o passo que ambas deveriam ter seguido de imediato seria o de recorrer ao auxílio de familiar(es) da assistente ou amigo(s) e, com o apoio deste(s), dirigirem-se a um hospital para a identificada S. S. receber tratamento e, posteriormente, à polícia para denunciar o ocorrido.
Contudo, não foi o que fizeram, pois que tal como a assistente afirmou e a testemunha C. A. confirmou, esta última telefonou ao irmão do arguido - a testemunha S. T..
Embora o telefonema para um familiar do agressor não seja o modo de proceder que mais se compatibilize com as regras da experiência corrente, a justificação que a mencionada C. A. apresentou não se nos afigurou despropositada, antes pelo contrário, sobretudo se tivermos em consideração as circunstâncias em que se deparou com a assistente.
Neste contexto, como explicou, por viver com um tio que tem 64 (sessenta e quatro) anos, entendeu que não seria a pessoa indicada para ajudar a aludida S. S.. Por outro lado, uma vez que conhecia o irmão do arguido (S. T.) e que o mesmo aparentava ser um homem ajuizado, decidiu telefonar-lhe pois pretendia que as ajudasse, tanto mais que o aludido F. T. havia ameaçado de morte a assistente caso esta decidisse apresentar queixa.
Foi, como afirmou, “uma altura de desespero” e tratou-se da “primeira coisa que me veio à cabeça”.
Ora, em face desta conjuntura, o comportamento que adoptou, embora pouco sensato, assumiu-se compreensível.
Além disso, a testemunha S. T. permitiu atribuir credibilidade ao que referiu aquela C. A. a este propósito, porquanto confirmou que, efectivamente, recebeu uma chamada desta, na sequência do que foi ter com a mesma e também com a assistente.
Deste modo, o depoimento da identificada C. A. foi escorreito, sério, honesto e contextualizado.
Foi, também, emotivo por força da delicadeza da factualidade em apreço nos presentes autos.
Acresce que das declarações da assistente e do depoimento desta testemunha sobressaem inequívocas semelhanças e correspondências de conteúdo.
Complementaram-se, pois, entre si, seja individual, seja conjuntamente.
A mencionada C. A. revelou conhecimento directo sobre factos que depôs e, nos termos supra expostos, fê-lo de forma totalmente credível, não se tendo denotado subjectividade no seu discurso.
O seu relato, por essa razão, logrou merecer adesão, assumindo um particular peso persuasivo no convencimento dos factos”.
Por tudo o exposto, improcede o invocado vício elencado na citada alínea b), do artigo 410º,nº2 e, consequentemente, a pretendida inclusão na factualidade provada dos mencionados factos.
Vejamos agora se o acórdão recorrido padece de erro notório na apreciação da prova.
Para o recorrente o acórdão recorrido padece deste vício no que tange à factualidade atinente aos crimes de violação e de sequestro.
Fê-lo assentar não só na valorização concedida às declarações da Assistente e da testemunha C. A., valorização essa que considera anormal à luz das regras da experiência, desde logo em face do telefonema efectuado após a ocorrência dos factos para o irmão do arguido, telefonema esse que “o próprio acórdão em sede de motivação admite falta de conduta normal de ambas”, mas também na valorização/interpretação que fez das mensagens trocadas entre o arguido e o seu irmão, a qual foi também contra as regras da experiência comum, porquanto tal meio de prova foi analisado de forma estática, fora da dinâmica normal de uma troca de mensagens através de uma rede social.
Existe erro notório na apreciação da prova quando do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, resulte que se deu como provado ou não provado, um facto que contraria com toda a evidência, segundo o ponto de vista de um homem de formação média, a lógica mais elementar e as regras da experiência comum.
Ou seja, quando o tribunal valoriza a prova contra as regras da experiência comum ou contra critérios legalmente fixados, aferindo-se o requisito da notoriedade pela circunstância de não passar o erro despercebido ao cidadão comum ou, talvez melhor dito, ao juiz “normal”, ao juiz dotado da cultura e experiência que deve existir em quem exerce a função de julgar, devido à sua forma grosseira, ostensiva ou evidente (cf. Prof. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, Verbo, 2ª Ed., 341).
Trata-se de um vício de raciocínio na apreciação das provas que se evidencia aos olhos do homem médio pela simples leitura da decisão, e que consiste basicamente, em decidir-se contra o que se provou ou não provou ou dar-se como provado o que não pode ter acontecido (cf. Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6ª Ed., pág.74).
No dizer destes Conselheiros existe, designadamente, “…quando se dá como provado algo que notoriamente está errado, que não podia ter acontecido, ou quando, usando um processo racional e lógico, se retira de um facto dado como provado uma conclusão ilógica, arbitrária e contraditória ou notoriamente violadora das regras da experiência comum, ou ainda quando determinado facto provado é incompatível ou irremediavelmente contraditório com outro dado facto (positivo ou negativo) contido no texto da decisão recorrida” (obra citada, pág.740).
Por esta razão, na fundamentação da sentença, para além da enumeração dos factos provados e não provados, deve constar uma exposição, tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos de facto que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal (artigo374,nº2 do C.P.P.).
Salvo o devido respeito, não vislumbramos do texto da decisão sob escrutínio, por si só ou conjugado com os ditames da experiência comum, a verificação do invocado erro notório na apreciação da prova, designadamente no que respeita à valoração a que procedeu relativamente às declarações da assistente e ao depoimento da testemunha C. A., porquanto não se detecta ostensivamente que o tribunal tenha violado as regras da experiência comum ou feito uma apreciação da prova manifestamente incorreta, desadequada, ilógica, arbitrária ou contraditória, o que afasta a existência de qualquer vício de raciocínio nessa apreciação, que se evidencie aos olhos do homem médio pela simples leitura da decisão, e que se traduza em ter-se dado como provado algo que não se provou ou que não pode ter acontecido.
Na perspectiva da lógica interna da decisão e em face do respectivo texto, os factos dados como provados e atinentes à violação e ao sequestro têm perfeito suporte na prova que o tribunal elencou na motivação da decisão de facto e na valoração que dela foi feita a tal respeito, concretamente, nas declarações da assistente e no depoimento da testemunha C. A., que teve como credíveis e isentas, pelas razões que explicitou de forma lógica e racional e sustentadas também noutros meios probatórios que indicou, de natureza documental, pericial e testemunhal, analisados de forma dialéctica e crítica à luz das regras da experiência comum.
Ainda que o mencionado telefonema feito para o irmão do arguido, na sequência da ocorrência dos factos em apreço, não seja o modo de proceder que se esperaria à luz das regras da experiência comum, como bem salientou o Tribunal recorrido na sua motivação, a verdade é que explicação apresentada pela testemunha C. A., contextualizando a sua ocorrência, foi acolhida e tida como compreensível, não resultando do texto da decisão recorrida de forma ostensiva que a apreciação de tal depoimento, nos termos em que foi feita pelo Tribunal, se apresente incorreta e ilógica.
Não colhe também o invocado erro notório quanto à valorização/interpretação que o Tribunal fez das mensagens trocadas entre o arguido e o seu irmão.
De facto, compulsado o texto da decisão recorrida, agora no mencionado segmento, não se evidencia da matéria de facto enunciada, nem da respectiva fundamentação, por si ou conjugada com as regras da experiência, que o tribunal na apreciação que delas fez tivesse extraído deste meio probatório uma ilação contrária, logicamente impossível à luz das mencionadas regras.

Vejamos o que a respeito da apreciação e valoração de tal meio probatório se fez constar da decisão recorrida:
O arguido foi confrontado com o relatório de extracção da conversa que manteve com esse seu irmão no dia 28 de Setembro de 2018, pelas 10 horas e 50 minutos (cfr. fls.70-71).
Na conversa em questão, o aludido S. T. refere: “É melhor apagares os vídeos Ou não mostrares Pq aqueles vídeos é que te vão incriminar Pq a miúda nota-se nos vídeos que ela tá retraída E medo Nem vale a pena dizer que filmaste”.
Segue-se a resposta do arguido, com o seguinte teor: “Hum? Bro eu não fiz nada e ela n tava retraída, só n quis q eu filmasse tanto q no vídeo ouve-se, mas tá tranquilo eu já apaguei”.
Em face deste diálogo, o mencionado F. T. sustentou que a advertência efectuada pelo seu irmão foi “no sentido de que filmar é crime”.
Este último, por sua vez, contrariou o que foi afirmado pelo arguido, na medida em que esclareceu também ter visualizado a(s) filmagem(ens) do sexo mantido com a assistente.
Além disso acrescentou que essa(s) filmagem(ens) foi/foram igualmente exibida(s) à mãe de ambos, tratando-se de um aspecto que não foi referido pelo arguido nas declarações que prestou.
O identificado S. T., no seu depoimento, procurou convencer o tribunal que no(s) vídeo(s) em questão apenas observou uma “miúda” que não queria ser filmada, mais acrescentando que “ela [a assistente] não estava a acusar nada”.
Justificou, porém, ter aconselhado o irmão a apagar esse(s) vídeo(s), por precaução, pois já sabia do que é que o acusavam.
Salvaguardando o devido respeito por opinião distinta, a explicação desenhada por esta testemunha não se nos afigurou plausível, nem convincente.
Com efeito, aquele S. T., na conversa supra transcrita, não se limitou a dizer ao arguido que a assistente estava (apenas) retraída com a filmagem, isto é, acanhada ou incomodada por esse motivo.
Se assim fosse, o depoimento que prestou em julgamento a propósito desta questão seria coerente e lógico.
Na verdade, as regras da experiência corrente e da normalidade do acontecer dizem-nos que quando alguém é filmado sem que tenha dado o seu consentimento, tanto pode assumir uma postura activa, expressando o seu desagrado através de gestos e/ou palavras, como uma postura passiva, de embaraço, de desconforto e de timidez.
No caso, a reacção da assistente enquadrar-se-ia nesta segunda hipótese.
Sucede que a testemunha S. T., além de referir ao irmão que a assistente mostrava-se retraída, acrescentou ser perceptível na(s) filmagem(ens) que estava com medo.
Ora estar retraído não tem o mesmo significado que manifestar medo, pois que este consiste num estado emocional próprio de quem se sente ameaçado, de quem sente que corre um perigo.
Em face do que vem de expor-se, nem o arguido, nem o seu irmão S. T. conseguiram oferecer motivo suficientemente ponderado que permitisse ao tribunal compreender a(s) razão/razões pela(s) qual/quais a aludida S. S. além de retraída também mostrava medo.
O mesmo já não se dirá em relação aos argumentos aduzidos pela própria assistente que justificam plenamente a causa dessa sua apreensão e constrangimento, visível no(s) vídeo(s) que foi/foram apagado(s).
Por outro lado, se a razão estivesse do lado do arguido, então a decisão de fazer desaparecer tal/tais vídeo(s) revelou-se impensada porquanto através da visualização do(s) mesmo(s) seria possível concluir o que aquele F. T. concluiu, isto é, a reacção da assistente expressava apenas o facto de não querer ser filmada e nada mais do que isso”.
Por tudo o exposto, cremos pois que o acórdão recorrido não padece, de modo algum, de qualquer erro na apreciação da prova, e menos ainda de um erro notório, que se retire do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum.

- Impugnação ampla da matéria de facto/erro de julgamento

Veio também o recorrente invocar o erro de julgamento no que tange aos pontos 51 e 52 da matéria de facto dada como provada, os quais, no seu entender, devem ser suprimidos, devendo apenas constar da factualidade que :
“A Assistente continuou a sair à noite e na madrugada de 2/3 de fevereiro de 2020 esteve no Bar ...”.
O erro de julgamento, ínsito no apontado dispositivo legal, ocorre quando o tribunal considere provado um determinado facto sem que dele tivesse sido feita prova, pelo que deveria ter sido considerado não provado, ou quando dá como não provado um facto que, face à prova que foi produzida, deveria ter sido considerado provado.
Pressupõe que a prova produzida, analisada e valorada, não podia conduzir à fixação da matéria de facto provada e não provada nos termos em que o foi.
O que se visa com a impugnação ampla é uma reapreciação autónoma sobre a razoabilidade da convicção formada pelo tribunal a quo quanto aos pontos de facto que o recorrente especifique como incorretamente julgados, através da avaliação das provas que, em seu entender, imponham decisão diversa da recorrida.
Porém, tal reapreciação deverá ser feita com cuidado e ponderação necessários, atentos os princípios da oralidade, imediação e livre apreciação da prova.

Impõe-se, ao recorrente, o ónus de proceder a uma tríplice especificação, nos termos do artigo 412º,nº3 do C.P.P., o qual dispõe o seguinte:

«Quando impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, o recorrente deve especificar:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados
b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida;
c) As provas que devem ser renovadas.»

A especificação dos «concretos pontos de facto» traduz-se na indicação dos factos individualizados que constam da sentença recorrida e que se consideram incorrectamente julgados e só se se satisfaz com a indicação do conteúdo especifico do meio de prova ou de obtenção de prova e com a explicitação da razão pela qual essas «provas» impõem decisão diversa da recorrida.
A especificação das provas que devem ser renovadas implica a indicação dos meios de prova produzidos na audiência de julgamento em 1ª instância cuja renovação se pretenda, dos vícios previstos no artigo 410.º, n.º 2, e das razões para crer que aquela permitirá evitar o reenvio do processo (cfr. artigo 430.º).
Estabelece ainda o n.º 4 do artigo 412.º que, havendo gravação das provas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na acta, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens (das gravações) em que se funda a impugnação, pois são essas que devem ser ouvidas ou visualizadas pelo tribunal, sem prejuízo de outras relevantes (n.º 6 do artigo 412.º).
Assim, quando se trate de depoimentos testemunhais, de declarações dos arguidos, assistentes, partes civis, peritos, etc, o recorrente tem pois de individualizar, no universo das declarações prestadas, quais as particulares passagens, nas quais ficam gravadas, que se referem ao facto impugnado
O recorrente terá pois de indicar os elementos de prova que não foram tomados em conta pelo tribunal quando o deveriam ter sido ou que foram considerados quando não o podiam ser, nomeadamente por haver alguma proibição a esse respeito, ou então, de pôr em causa a avaliação da prova feita pelo tribunal, assinalando as deficiências de raciocínio que levaram a determinadas conclusões ou a insuficiência (atenta, sobretudo, a respetiva qualidade) dos elementos probatórios em que se estribaram tais conclusões.
Exige-se que o recorrente refira o que é que nos meios de prova por si especificados não sustenta o facto dado por provado ou não provado, de forma a relacionar o seu conteúdo específico, que impõe a alteração da decisão, com o facto individualizado que se considera incorretamente julgado.
No fundo, o que está em causa e se exige na impugnação mais ampla é que o recorrente indique a sua decisão de facto em alternativa à decisão de facto que consta da decisão de que se recorre, justificando, em relação a cada facto alternativo que propõe, porque deveria o Tribunal ter decidido de forma diferente.
Tem pois de demonstrar que a convicção obtida pelo tribunal recorrido é uma impossibilidade lógica, uma impossibilidade probatória, uma violação das regras da experiência comum, uma patentemente errada utilização de presunções naturais, ou seja, que demonstre não só a possível incorrecção decisória, mas o absoluto da imperatividade de uma diferente convicção.
Ao Tribunal da Relação, na sindicância do apuramento dos factos realizado em primeira instância, cabe, fundamentalmente, analisar o processo de formação da convicção do julgador e concluir, ou não, pela perfeita razoabilidade de se ter dado por provado o que se deu por provado.
E só pode/deve determinar uma alteração da matéria de facto assente quando concluir que os elementos de prova impõem uma decisão diversa e não apenas permitem uma outra decisão – neste sentido, Acórdãos do STJ de 15/5/2009,10/3/2010,25/3/2010, in www.dgsi.pt./stj.
No caso vertente, para o recorrente, como referimos, os concretos pontos de facto incorrectamente julgados são os elencados nos pontos 51º e 52º.

Consta dos mencionados pontos a seguinte factualidade:

- Saiu apenas uma vez para os bares da Universidade ..., para tomar café, o que fez por insistência dos amigos (ponto 51º).
- Nessa ocasião, após aperceber-se que o arguido ali se encontrava começou a chorar e a tremer (ponto 52º).
Quanto aos meios probatórios que, no entender do recorrente, impõem decisão diversa, veio o mesmo trazer à liça os seguintes:
- o “auto de diligência constante a fls. 280 dos autos”, do qual, segundo o recorrente, decorre que a ofendida na madrugada de 2/3 de fevereiro de 2019 estava no Bar …;
- o depoimento da testemunha V. S. prestado na sessão datada de 18 de dezembro ao minuto cinco;
- o depoimento da testemunha C. A. prestado na mesma sessão da audiência, ao minuto 31,25.
Com referiu nas alíneas I) e J) das suas conclusões:
Decorre do depoimento da testemunha V. S. (cujo depoimento foi valorado em sede de motivação) ouvida na sessão datada de 18 de Dezembro de 2019, que passados dois dias após o ocorrido (dia 27 de Setembro de 2018) esteve com a Assistente nos bares que frequentavam na Universidade ... (ao minuto cinco).
Em igual sentido vai o depoimento da testemunha C. N., prestado na mesma sessão de audiência, na qual afirmou (ao minuto 31,25) que, após os acontecimentos chegou a sair com a ofendida para tomar café.

Vejamos o que aduziu o Tribunal recorrido na sua motivação da decisão de facto a respeito desta factualidade atinente às consequências decorrentes para assistente dos factos em apreço.
(…)
“A testemunha V. S., por seu turno, prestou um depoimento que se mostrou desinteressado, simples e coeso.
Por força da relação de amizade que mantém com a assistente há cerca de 3 (três) anos e do relacionamento que a mesma proporciona, descreveu quais as consequências que resultaram para esta dos factos em apreço nestes autos.
Assim, de modo que se teve por sincero, referiu que a aludida S. S. deixou de sair – com excepção de uma vez em que, após insistência, acedeu em ir tomar um café, altura em que se cruzou com o arguido F. T. –, mantendo-se em casa, isolada, deixando de “fazer a vida dela”, de tal forma que não quis renovar o contrato de trabalho.
A descrição efectuada por esta testemunha encontra inequívocos pontos de consenso com o que declarou a própria assistente, bem como a identificada C. A., pelo que serviu para atribuir maior credibilidade aos respectivos relatos.
Além disso não dissentem do que, a este respeito, mencionou a testemunha M. M. quando conheceu aquela S. S. no dia 06 de Fevereiro de 2019, caracterizando-a como uma pessoa “extremamente fragilizada”, com grande dificuldade em descrever o sucedido e evidenciando uma enorme vergonha, para além de apresentar-se muito receosa e insegura, ao ponto de não sair à rua desacompanhada por temer cruzar-se com o arguido.
Esta testemunha foi objectiva, séria e isenta no seu depoimento, tendo inteirado o tribunal acerca do acompanhamento que a “APAV” vem prestando à assistente e que, até ao momento, consiste em 11 (onze) atendimentos presenciais e inúmeros contactos telefónicos de apoio emocional.
(…)».
Vejamos se os meios probatórios trazidos à liça pelo recorrente impõem decisão diversa daquela a que chegou o tribunal recorrido.
Começando pelo invocado “ auto de diligência constante a fls. 280 dos autos”, convirá desde já referir que tal não consubstancia qualquer diligência probatória atinente ao objecto dos autos, tratando-se antes de um relatório informativo elaborado pela Polícia Judiciária, dando conta de um eventual incumprimento das medidas de coação aplicadas ao arguido aquando do seu primeiro interrogatório, designadamente no que tange às proibições de frequentar bares e estabelecimentos de diversão nocturna e de contactar por qualquer meio com a ofendida e a testemunha C. A., elaboração essa que teve em vista a eventual passagem de mandados de detenção do arguido e posterior alteração das medidas de coação.
É certo que em tal relatório fez-se constar que a vítima confirmou ter-se cruzado com o arguido na madrugada do dia 2 de fevereiro, no espaço nocturno “… Karaoke Bar”, altura em chamou a PSP que se deslocou ao local e obrigou o arguido a abandonar o local.
Porém, não pode agora o recorrente pretender servir-se de tal relatório e com base em tal menção sustentar que a ofendida esteve também nesse dia no mencionado espaço nocturno.
Pode até ter estado, certamente até esteve, mas a prova desse facto não pode, de modo algum, ser feita com base em tal relatório, porquanto, na parte em que integra declarações, tal valoração não é admitida, quer por não terem sido prestadas presencialmente em audiência, quer por não constarem de um auto que pudesse ser validamente reproduzido.
Ou seja, por aqui, não poderá pois o recorrente sustentar o invocado erro de julgamento e almejar a pretendida alteração dos mencionados pontos da factualidade provada.
Mas será que os demais meios probatórios que trouxe à liça - os depoimentos das testemunhas V. S. e C. A. - impõem decisão diversa?
Tendo este tribunal procedido à audição integral de tais depoimentos, resultou dos mesmos, de forma consensual, que a assistente, em consequência dos factos descritos, começou a isolar-se muito em casa, recusava-se a sair, só após muita insistência dos amigos e na companhia destes aceitava sair para tomar café, pois receava poder vir a cruzar-se com o arguido.
A testemunha V. S. relatou ainda ao tribunal que a assistente, dois dias depois dos factos, após insistência sua, aceitou ir tomar café consigo, o que ocorreu nos bares da Universidade, tendo nessa ocasião visto o arguido, presença que lhe provocou uma reacção nunca vista pela testemunha, como ela própria referiu, pois logo começou a tremer e a chorar.
Se é certo que tal testemunha deu a saber que, na sua presença, a assistente apenas se cruzou uma única vez com o arguido, a verdade é que deste depoimento não pode retirar-se que a assistente não tenha saído outras vezes de casa para ir tomar café.
Com efeito, foi também referido pela testemunha V. S. que a assistente na maioria das vezes, porque não o fazia sozinha, saiu com ela e amigos próximos.
De igual modo, foi também referido pela testemunha C. A. que embora a assistente se sentisse triste e abalada, chegou algumas vezes a ir consigo tomar café aos bares da Universidade ..., após com ela insistir nesse sentido, embora não se sentisse confortável, pois tinha receio de cruzar-se com o arguido.
Não podendo deixar de concordar-se com o tribunal recorrido, atenta a audição integral a que procedemos dos mencionados depoimentos, ainda que não tendo o privilégio da imediação, no sentido de que tais depoimentos merecem a total credibilidade, atenta a forma sensata, objectiva e desinteressada como foram prestados, cremos que em face dos mesmos não poderá conclui-se que a assistente, em resultado do comportamento do arguido, apenas tenha saído uma vez para os bares da Universidade ..., como concluiu o tribunal recorrido.
Em conformidade, impõe-se alterar os pontos 51º e 52 da factualidade, nos seguintes termos:
- O ponto 51 passará para o elenco dos factos não provados.
- O ponto 52 passará a ter a seguinte redacção: “Numa das saídas que fez, por insistência dos amigos, para os bares da Universidade ..., a assistente após aperceber-se que o arguido ali se encontrava começou a chorar e a tremer”.
Nos termos e pelos fundamentos expostos, procede o invocado erro de julgamento.

Medida da Pena

Em face da factualidade considerada provada e da alteração a que se procedeu na sequência do invocado erro de julgamento, nenhum reparo merecendo o enquadramento jurídico-penal dos factos, passemos então à apreciação da última questão supra enunciada, a qual se prende com a medida da pena.
Alega o recorrente que as penas parcelares e a pena única são manifestamente excessivas, pugnando, no que tange aos crimes de devassa da vida privada e sequestro, pela opção por uma de multa, a qual, no caso do primeiro, não deve exceder o mínimo legal de um mês.
Por fim, defende ainda a suspensão da execução da pena única de prisão que lhe venha a ser aplicada.
Quanto à pretendida opção pela pena de multa, invocou o facto de nunca ter respondido pelo tipo de crimes em apreço, a circunstância de, à data da decisão, encontrar-se inserido profissionalmente, beneficiando de estabilidade emocional, a inexistência de qualquer notícia de crime desde a ocorrência dos factos em apreço e, por fim, o facto de ter confessado que filmou a ofendida na sua vida íntima e privada e que mostrou o vídeo ao irmão, para além de que procedeu à entrega voluntária do seu telemóvel para a realização da perícia.
Vejamos.
De acordo com o disposto no artigo 70.º, do CPenal, se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
Ora, determinar se as medidas não institucionais são suficientes para promover a recuperação social do delinquente e dar satisfação às exigências de reprovação e de prevenção do crime não é uma operação abstrata ou uma atitude puramente intelectual, mas fruto de uma avaliação das circunstâncias de cada situação concreta.
Só caso a caso, processo a processo, mediante uma apreciação dos elementos de prova disponíveis, se legitimará uma escolha entre as penas detentivas e não detentivas - Vide, neste sentido, Adelino Robalo Cordeiro, in Jornadas de Direito Criminal, publicação do Centro de Estudos Judiciários, pag. 237.
As finalidades da punição a atingir em sede de escolha da medida da pena são essencialmente preventivas; prevenção especial sob a forma de atingir a ressocialização, e de prevenção geral sob a forma de satisfação do sentimento jurídico da sociedade.
Como escreve o Prof. Figueiredo Dias, in Direito Penal Português, Consequências Jurídicas do Crime, Ed. Notícias, pág.333,“ Desde que impostas ou aconselhadas à luz de exigências de socialização, a pena alternativa ou a pena de substituição só não serão aplicadas se a execução da pena de prisão se mostrar indispensável para que não sejam postas irremediavelmente em causa a necessária tutela dos bens jurídicos e estabilização contrafática das expectativas comunitárias”.
Ainda a propósito do critério legal a seguir, refere-se no Ac. da Rel. de Coimbra, de 01-04-2009, in www.dgsi.pt. que « (…) o tribunal deve preferir à pena privativa de liberdade uma pena alternativa (de multa) sempre que, verificados os respetivos pressupostos de aplicação, a pena alternativa se revele adequada e suficiente à realização das finalidades da punição. O mesmo é dizer que a aplicação de uma pena alternativa à pena de prisão, no caso a pena de multa, depende tão somente de considerações de prevenção especial, sobretudo de prevenção especial de socialização, e de prevenção geral sob a forma de satisfação do «sentimento jurídico da comunidade».

A respeito da não opção pela pena de multa, consta da decisão recorrida o seguinte:
«Sem prejuízo da previsão de pena alternativa quanto a esses dois ilícitos criminais, o certo é que as necessidades de prevenção geral positiva que se convocam no caso decidendo são elevadas pois que o mesmo constitui reflexo dos tempos actuais em que vivemos onde prepondera a fragmentação de valores e a voragem pela concretização imediata da vontade individual, sacrificando-se, se assim se impuser, princípios basilares da comunidade, bem como a liberdade do outro.
Acresce tratarem-se de crimes com particular incidência na sociedade portuguesa.
Além disso, por força do crime de violação, tais necessidades adquirem uma dimensão ainda mais gravosa atento o enorme alarme social que este tipo de ilícitos gera na comunidade, em face do bem jurídico em causa, que bule com a própria intimidade das pessoas.
Deste modo, através da aplicação da pena, ter-se-á em vista reafirmar perante a comunidade a validade e eficácia das normas violadas na protecção dos bens jurídicos supra enunciados, tutelando-se a crença e confiança dessa comunidade na ordem jurídico-penal.
No que respeita às exigências de prevenção especial positiva ou de ressocialização, assume primordial importância que o arguido F. T. compreenda o desvalor do seu comportamento nos acontecimentos que aqui se apreciam, de forma a prevenir a prática de futuros actos delinquentes.
Estas exigências adensam-se na medida em que, antes da prática dos factos sob discussão nos presentes autos, o arguido havia já tido contacto com o sistema de justiça penal, no âmbito do qual foi condenado, sem que tais condenações, lamentavelmente, tivessem servido de suficiente advertência e surtido o efeito dissuasor pretendido.
Em face do que ficou supra expendido e feita a ponderação das elevadas necessidades de prevenção geral e especial que aqui se manifestam, entendemos que relativamente aos crimes de sequestro e de devassa da vida privada a aplicação de uma pena de multa não é suficiente para consciencializar o arguido e proteger os bens jurídicos violados.
Assim, em relação a esses ilícitos, o tribunal decide optar, nos termos do citado artigo 70º, do CP, por uma pena privativa da liberdade».
Perante esta fundamentação, nenhum reparo merece a decisão recorrida, não sendo os argumentos trazidos à liça pelo recorrente de molde a beliscar sequer o raciocínio seguido pelo tribunal recorrido.
A pretendida valoração da inexistência de condenações anteriores por crimes da mesma natureza dos ora em apreço, carece de qualquer fundamento, porquanto o que poderia relevar era a ausência de quaisquer antecedentes criminais, o que, claro está, não se verifica. Nenhum reparo merece também a não ponderação da circunstância do arguido ter confessado as filmagens em apreço, atento o seu irrelevante contributo para a descoberta da verdade material, não correspondendo à verdade de que tenha confessado igualmente tê-las mostrado ao irmão, porquanto não o admitiu na parte atinente às filmagens dos atos sexuais que manteve com a vítima.
Assim, e para além das fortes exigências de prevenção geral que se fazem sentir neste tipo de crimes, acrescidas em face do contexto em que ocorreram, as exigências de prevenção especial são, de facto, elevadíssimas, atento também o passado criminal do arguido.
Na verdade, o arguido insiste na senda do crime, evidenciando uma personalidade bastante deformada, a carecer de socialização, não tendo logrado arrepiar caminho nem mesmo após as condenações sofridas.
Vejamos agora se as penas concretas e a pena única aplicadas pelo Tribunal recorrido se se mostram excessivas, como alega o recorrente.

Foram as seguintes as penas aplicadas pelo Tribunal recorrido:
- crime de violação: pena parcelar de 4 (quatro) anos e 4 (quatro) meses;
- crime de sequestro: pena parcelar de 1 (um) ano e 2 (dois) meses;
- crime de devassa da vida privada: pena parcelar de 6 (seis) meses.

Em cúmulo jurídico foi aplicada ao arguido a pena de 4 (quatro) anos e 10 (dez) meses de prisão.
Ora, a aplicação de penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade (art. 40º, nº 1 do C. Penal) mas, em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa (nº 2 do mesmo artigo).
Por outro lado, estabelece o art. 71º, nº 1 do C. Penal que, a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção.
Um dos princípios basilares do C. Penal vigente reside na compreensão de que toda a pena tem de ter como suporte axiológico-normativo uma culpa concreta, como desde logo pronuncia o artigo 13º ao dispor que só é punível o facto praticado com dolo ou, nos casos especialmente previstos na lei, com negligência.
Tal princípio da culpa significa não só que não há pena sem culpa, mas também que a culpa decide da medida da pena, ou seja, a culpa não constitui apenas o pressuposto-fundamento da validade da pena, mas firma-se também como limite máximo da mesma pena.
A este propósito, e conforme salienta o Prof. Figueiredo Dias, in Direito Penal II, pag. 229, dentro do binómio culpa-prevenção há que ter em conta que a medida da pena não poderá ultrapassar a medida da culpa; a verdadeira função desta na teoria da medida da pena reside efectivamente numa incondicional proibição de excesso, pois, a culpa constitui um limite inultrapassável de todas e quaisquer questões preventivas, sejam de prevenção a nível geral positiva ou negativa, de integração ou intimidação; sejam de prevenção, neutralização ou pura defesa social.
Há decerto, uma medida óptima de tutela dos bens jurídicos e das expectativas comunitárias: medida, pois, que não pode ser excedida em nome de considerações de qualquer tipo. Mas, abaixo desse ponto óptimo, outros existem em que aquela tutela é ainda efectiva e consistente e onde, portanto, a medida da pena pode ainda situar-se sem que esta perca a sua função primordial; até se alcançar um limiar mínimo, abaixo do qual já não é comunitariamente suportável a fixação da pena sem se pôr irremediavelmente em causa a sua função tutelar. Nesta acepção, poderá até afirmar-se que é a prevenção geral positiva, ela sim (e não a culpa), que fornece um « espaço de liberdade ou de indeterminação, uma « moldura de prevenção », dentro da qual podem e devem actuar considerações extraídas das exigências de prevenção especial de socialização.
De acordo com o direito vigente, na fixação da pena deve partir-se da teoria da união, a qual exige que se chegue a uma relação equilibrada dos diferentes fins da pena.
A pena deve determinar-se de modo a que garanta a função retributiva, esta equacionada com o ilícito em si e a culpabilidade, sem pressuposto e limite último, e seja possível, pelo menos, o cumprimento também da missão ressocializadora da própria pena com respeito ao próprio arguido, acrescendo, deste modo, o fim da prevenção especial.
Além disso, a defesa do ordenamento jurídico exige, por último, que a pena se determine de tal modo que possa alcançar um efeito sócio-pedagógico na comunidade, que sirva ele de exemplo, de contra motivo à prática de idênticos ilícitos pelos demais indivíduos. Foi para fazer ou atingir a possível concordância dos fins das penas no caso concreto, que se desenvolveu na jurisprudência a teoria da margem da liberdade, teoria segundo a qual a pena adequada à culpabilidade não é uma medida exacta.
A pena concreta é fixada entre um limite mínimo (já adequado à culpa) e um limite máximo (ainda adequado à culpa ) determinado em função da culpa, intervindo os outros fins das penas – prevenção geral e prevenção especial – dentro daqueles limites – neste sentido, vide Claus Roxin, in Culpabilidad y Prevencion em Derecho Penal, 94-113.
Assim, quanto à determinação da pena a aplicar ao agente e para além da culpa do mesmo e das exigências de prevenção, geral e especial, atender-se-á, ainda, a todas as circunstâncias que não fazendo parte do tipo deponham a favor ou contra aquele.

São elas, nomeadamente:

a) O grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente;
b) A intensidade do doto ou da negligência;
c) Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram;
d) As condições pessoais do agente e a sua situação económica;
e) A conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime;
j) A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena".

Vejamos o que aduziu o Tribunal Coletivo ao determinar as concretas penas aplicadas ao recorrente e, por fim, a pena única.
« (…)
Assim, quanto ao crime de violação, depõe contra o arguido o grau da ilicitude dos factos, que se afigura acentuado, considerando todo o contexto fáctico em que a sua conduta se inseriu, abusando e atentando contra a relação de proximidade e de alguma confiança estabelecida com a assistente.
Com efeito, o mencionado F. T. logrou conseguir que a identificada S. S. acedesse a acompanhá-lo até à sua habitação e ali se mantivesse a conversar e a beber, para o que contribuiu certamente o facto de ter criado uma atmosfera que esta última considerou harmoniosa e segura.
No entanto, quando a mesma manifestou vontade de ir-se embora, por ser já tarde, foi tomada de surpresa pela personalidade impulsiva e extremamente agressiva do arguido.
Na verdade, a intensidade ofensiva do comportamento do arguido nos crimes de violação, de sequestro e de devassa da vida privada não pode ser desconsiderada, em particular no primeiro pois que praticou diferentes actos sexuais, envolvendo sexo oral e penetração vaginal, sem uso de preservativo, com ejaculação parcialmente no interior da vagina.
Acresce que a irascibilidade do identificado F. T. manteve-se desde o momento em que a assistente lhe disse que queria ir embora até que abandonou a habitação, o que sucedeu apenas pelas 19 horas, sendo certo que para quem está na posição de vítima esse período de tempo constitui uma “eternidade”.
Ainda no que concerne aos crimes de violação, de sequestro e de devassa da vida privada depõe contra o arguido o desprezo que evidenciou para com a assistente, havendo que realçar o facto de a ter obrigado a lavar-se e a limpar a sala da sua casa no seguimento das relações sexuais (orais e vaginais) que a forçou a manter consigo e de as registar em vídeo.
Tendo em atenção o que vimos de referir, não poderemos, igualmente, desconsiderar os sentimentos de indiferença que manifestou no cometimento dos crimes sob discussão, tendo o arguido actuado com o propósito único de satisfazer os seus instintos e prazeres sexuais, com total indiferença pela intimidade sexual da assistente (artigo 71º, nº2, alínea c), do CP).
A acentuar essa ilicitude estão ainda as consequências físicas e, sobretudo, psíquicas, que derivaram para aquela S. S. do comportamento do arguido (equimoses, escoriações, toma de contracepção de emergência, choro convulsivo, transtorno emocional, enorme sentimento de vergonha, medo, perda de emprego,11 (onze) atendimentos presenciais na “APAV” – deslocando-se sempre acompanhada, note-se – e inúmeros contactos telefónicos de apoio psicológico).
Relativamente ao crime de sequestro depõe, ainda, contra o arguido o grau da ilicitude do seu comportamento e o modo como o empreendeu, que se assume considerável, em face da duração da conduta delituosa empreendida, bem como o facto de o aludido F. T. ter persistido nesse seu desígnio, mesmo quando a assistente ensaiou uma fuga.
Quanto ao crime de devassa da vida privada desfavorece-o o grau de ilicitude dos factos sob censura e as circunstâncias em que os executou, que são de gravidade não despicienda, tendo em consideração o número de actos em que se desdobrou a sua conduta, a natureza dos mesmos – com particular realce para a gravação de relações sexuais forçadas – e o facto de ter partilhado pelo menos com o seu irmão registos de vídeos muitos íntimos, expondo a esfera mais privada e íntima da assistente, a que foi plenamente indiferente.
Deste modo, as circunstâncias em que o arguido praticou os ilícitos criminais supra identificados revelam um sentimento de acentuada desconformidade com valores essenciais e uma personalidade crítica a impor acrescidas exigências de reinserção e recomposição valorativa.
Depõe também contra o arguido a intensidade do dolo nos crimes cometidos, consubstanciada na sua modalidade mais grave – o dolo directo –, projectando a sua actuação e as suas imediatas consequências e conformando-se com a sua actuação ilícita (cfr. artigos 14º, nº1 e 71º, nº2, alínea b), do CP), facto que, fazendo elevar a ilicitude inerente à sua conduta (é menor a sensibilidade à pena que lhe venha a ser aplicada) acentua o grau de premência das referidas exigências de prevenção, ao mesmo tempo que acentua o juízo de censurabilidade penal a fazer impender sobre aquele F. T..
Os factores relativos à sensibilidade à pena e susceptibilidade de por ela ser influenciado também desfavorecem a responsabilidade criminal do arguido (artigo 71º, nº2, alínea e), do CP).
Com efeito, à data dos factos que se discutem não era delinquente primário, na medida em que contava com as seguintes condenações: [i] pela prática, em 01 de Outubro de 2011, de um crime de resistência e coacção sobre funcionário, de um crime de injúria agravada e de um crime de dano qualificado, foi condenado em pena de multa por sentença transitada em julgado em 30 de Outubro de 2012 (Processo nº2133/11.9PBBRG); e [ii] pela prática, em 27 de Setembro de 2014, de um crime de resistência e coacção sobre funcionário, foi condenado em pena de prisão de 3 (três) anos, suspensa na sua execução, por sentença transitada em julgado em 14 de Novembro de 2016 (Processo nº2029/14.2PBBRG).
Esta circunstância acentua as exigências de prevenção especial a fazer impender sobre o arguido, sendo acrescidas as necessidades de ressocialização, uma vez que foi já anteriormente censurado pela prática de crimes.
É certo que os ilícitos dos presentes autos revestem natureza distinta, tendo em consideração os bens jurídicos atingidos.
No entanto, as anteriores condenações por resistência e coacção sobre funcionário e por injúria já revelam a sua personalidade irascível e agressiva também presente nos crimes de violação, sequestro e devassa da vida privada ora censurados.
Acresce, ainda, ter praticado os ilícitos criminais destes autos no período de suspensão da execução da pena de prisão aplicada no identificado Processo nº2029/14.2PBBRG.
A conduta posterior aos factos também é relevante atenta a ausência de qualquer demonstração de arrependimento por parte do mencionado F. T., nem tampouco de rejeição do comportamento adoptado (cfr. artigo 71º, nº2, alínea e), do CP).
Acresce que procurou desqualificar a vítima – insinuando que se movia exclusivamente por interesse económico – e minimizou o impacto dos danos causados, com o que demonstrou inserir-se no perfil de cidadão que tende a ver a violência, no caso sexual, contra as mulheres, como um acontecimento normal e atribuível a condutas assumidas pelas próprias.
Por esse motivo as condições de vida do aludido F. T. – beneficia do apoio da progenitora, do irmão e da companheira com quem iniciou uma relação afectiva há cerca de 5 (cinco) meses, exerce uma actividade profissional, contribuiu para o sustento dos seus filhos – mitigam apenas de forma relativa a sua responsabilidade pelo comportamento que assumiu na prática dos factos dos autos (cfr. artigo 71º, nº2, alínea d), do CP)».
«(…)
Já a respeito da pena única, dentro de uma moldura penal abstracta de 4 anos e 4 meses a 6 anos, aduziu o Tribunal Coletivo:
«(…) haverá que atentar no nexo espácio-temporal existente entre os crimes sob discussão nos autos, cometidos nas mesmas circunstâncias de tempo e de lugar.
Subjacente a tais ilícitos-típicos está a incapacidade do arguido F. T. em refrear os seus instintos libidinosos, bem como as dificuldades que, por essa via, revela em conformar a sua personalidade com valores essenciais e comunitariamente sentidos com forte intensidade (liberdade sexual, liberdade de locomoção, privacidade/intimidade), cujo atropelo é fortemente censurado e rejeitado.
Não nos deparamos, é certo, com uma situação de pluriocasionalidade, mas a personalidade do arguido manifestada nos factos sob discussão, não obstante a sua apropriada inserção familiar e profissional, evidencia uma desconsideração bastante intensa dos valores afectados».
Em face do supra exposto, cremos que tribunal a quo seguiu corretamente o procedimento e as operações de determinação das penas concretas e observou os princípios gerais que lhe devem presidir, não tendo violado qualquer preceito legal.
Com efeito, as penas concretas estão de acordo com o grau de culpa do arguido, este elevadíssimo, porquanto atuou com dolo direto, forma mais grave da culpa, a ilicitude dos factos, as exigências de prevenção que se fazem sentir, as de prevenção especial muito acentuadas, atenta a sua personalidade deformadíssima já demonstrada nas anteriores condenações e que se acentuou nos factos em apreço, nos quais evidenciou uma personalidade agressiva, insensível, com incapacidade para controlar os seus ímpetos, o mesmo se passando com a postura assumida em audiência de julgamento, onde procurou minorar a sua responsabilização desqualificando a vítima, como muito bem salientou o Tribunal Coletivo, “insinuando que se movia exclusivamente por interesse económico – e minimizou o impacto dos danos causados, com o que demonstrou inserir-se no perfil do cidadão que tende a ver a violência, no caso sexual, contra as mulheres, como um acontecimento normal e atribuível a condutas assumidas pelas próprias”, ao invés de ter optado por assumir os seus atos criminosos, declarando-se arrependido.
Para além disto, o tribunal recorrido não omitiu também a ponderação daquelas circunstâncias que não fazendo parte dos tipos de crime, depuseram a favor ou contra eles, designadamente a seu favor, ainda que de forma mitigada, as suas condições pessoais de vida e a sua integração profissional.
Acresce que qualquer pena abaixo das fixadas também não asseguraria as exigências de prevenção geral que se fazem sentir neste tipo de crimes.
Nos termos e pelos fundamentos expostos, são de manter as concretas penas aplicadas, as quais asseguram adequada e suficientemente as finalidades da punição, não excedendo o limite estabelecido pela medida da culpa, pelo que não se apresentam desproporcionadas, nem excessivas, expressando uma correta e adequada valoração e ponderação das circunstâncias.
Também no que respeita à pena única, nenhum reparo merece o acórdão recorrido, tendo em conta a globalidade da atuação do arguido e a personalidade deste nela evidenciada nos termos já referidos supra.
Ora, não há dúvidas de que é suscetível de revista a correção do procedimento ou das operações de determinação da medida da pena, o desconhecimento pelo tribunal ou da errónea aplicação dos princípios gerais de determinação, a falta de indicação de fatores relevantes para aquela, ou, pelo contrário, a indicação de factores que devem considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis. Estando a questão do limite da culpa plenamente sujeita a revista, assim como a forma de atuação dos fins das penas no quadro da prevenção, já não o está a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exato da pena, exceto quando tiverem sido violadas regras da experiência ou se a quantificação se revelar de todo desproporcionada - Cfr. Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, 1993, Editorial Notícias, pág. 196.
O Tribunal de recurso deve assim intervir na pena, alterando-a, apenas quando detetar incorreções ou distorções no processo de aplicação da mesma, na interpretação e aplicação das normas legais e constitucionais que a regem. Nesta sede, o recurso não visa nem pretende eliminar alguma margem de atuação, de apreciação livre, reconhecida ao tribunal de primeira instância enquanto componente individual do ato de julgar.
A sindicabilidade da pena em via de recurso situa-se, pois, na deteção de um desrespeito dos princípios que norteiam a pena e das operações de determinação impostas por lei. E esta sindicância não abrange a determinação/fiscalização do quantum exato de pena que, decorrendo duma correta aplicação das regras legais e dos princípios legais e constitucionais, ainda se revele proporcionada – neste sentido, acórdão do TRE de 22-04-2014, disponível em http//www.dgsi.pt. .
Por tudo o exposto, improcede a pretendida alteração das penas parcelares e da pena única de prisão aplicadas ao recorrente.
Questiona também o recorrente a circunstância da pena de prisão aplicada não ter sido suspensa na sua execução.
No acórdão recorrido, após a análise dos pressupostos da suspensão da execução da pena de prisão aplicada, concluiu-se, fundamentadamente, que não se verificam os seus pressupostos, desde logo, porque não é possível fazer-se um juízo de prognose favorável ao arguido.
De acordo com o disposto no art.50º,nº1, do C.Penal, “O tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”.
Nesta matéria, vem sendo decidido pelo Supremo Tribunal de Justiça que “... não são considerações de culpa que interferem na decisão sobre a execução da pena, mas apenas razões ligadas às finalidades preventivas da punição, sejam as de prevenção geral positiva ou de integração, sejam as de prevenção especial de socialização, estas acentuadamente tidas em conta no instituto da suspensão, desde que satisfeitas as exigências de prevenção geral” (neste sentido, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 18.12.2008, processo n.º 08P3378, publicado em www.dgsi.pt).
São dois os pressupostos para que a pena de prisão possa ser suspensa na sua execução.
Um pressuposto formal: a medida concreta da pena aplicada ao arguido não seja superior a 5 anos.
Um pressuposto de natureza material: poder concluir-se por um prognóstico favorável relativamente ao comportamento do arguido, ou seja, que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
No caso vertente, mostra-se preenchido o primeiro pressuposto, porquanto a pena de prisão aplicada ao arguido é inferior a cinco anos.
Em causa está pois o segundo pressuposto.
A questão a resolver prende-se então com a possibilidade de poder fazer-se ou não um juízo de prognose favorável relativamente ao comportamento do arguido, no sentido de que a ameaça da pena de prisão seja ou não adequada e suficiente para realizar as finalidades da punição.
Como refere Hans Heinrich Jescheck, Tratado, Parte Geral, versão espanhola, vol. II, pp. 1152 e 1153, «na base da decisão de suspensão da execução da pena deverá estar uma prognose social favorável ao agente, baseada num risco prudencial. A suspensão da pena funciona como um instituto em que se une o juízo de desvalor ético-social contido na sentença penal com o apelo, fortalecido pela ameaça de executar no futuro a pena, à vontade do condenado em se reintegrar na sociedade».
Consabido que as finalidades da punição se circunscrevem à proteção dos bens jurídicos e à reintegração do agente na sociedade – artigo 40º, n.º1 – é em função de considerações exclusivamente preventivas, prevenção geral e prevenção especial, que o julgador tem de se orientar na opção pela pena de suspensão de execução da prisão.
Assim, para a aplicação daquela pena, é necessário, em primeiro lugar, que o julgador se convença, face à personalidade do arguido, comportamento global, natureza do crime e sua adequação a essa personalidade, que o facto cometido não está de acordo com essa personalidade e foi simples acidente de percurso, esporádico, e que a ameaça da pena, como medida de reflexos sobre o seu comportamento futuro evitará a repetição de comportamentos delituosos.
O preceito em referência atribui ao tribunal o poder-dever de suspender a execução da pena de prisão não superior a cinco anos, sempre que, reportando-se ao momento da decisão, o julgador possa fazer um juízo de prognose favorável relativamente ao comportamento futuro do arguido (Cfr. Figueiredo Dias, in “Velhas e novas questões sobre o tema de suspensão da execução da pena”, RLJ, Ano 124, pág.68 e “Direito Penal Português – “As Consequências Jurídicas do Crime”, Lisboa, 1993, §518, págs.342/343).
Como se salientou no Ac. do STJ de 08.05.97 (Proc. nº 1293/96), in www.dgsi.pt. “factor essencial à filosofia do instituto da suspensão da execução da pena é a capacidade da medida para apontar ao próprio arguido o rumo certo no domínio do seu comportamento de acordo com as exigências do direito penal, impondo-se-lhe como factor pedagógico de contestação e auto-responsabilização pelo comportamento posterior; para a sua concessão é necessária a capacidade do arguido de sentir essa ameaça, a exercer sobre si o efeito contentor, em caso de situação parecida, e a capacidade de vencer a vontade de delinquir”.
Em segundo lugar, é necessário que a pena de suspensão de execução da prisão não coloque irremediavelmente em causa a necessária tutela dos bens jurídicos e a estabilização contrafática das expectativas comunitárias, ou seja, o sentimento de reprovação social do crime ou sentimento jurídico da comunidade.
Ponto é que as exigências mínimas de prevenção geral fiquem também satisfeitas com a aplicação da pena de substituição. “O sentido destas é, aliás, nesta sede, o de se imporem como limite às exigências de prevenção especial, constituindo então o conteúdo mínimo de prevenção geral de integração de que se não pode prescindir para que não sejam, em último recurso, defraudadas as expetativas comunitárias relativamente à tutela dos bens jurídicos”(Ac. do STJ de 28/7/2007, in www.dgsi.pt, em que foi relator o Conselheiro Rodrigues da Costa).
Como escreve Figueiredo Dias: “a pena alternativa só não será aplicada se a pena de prisão se mostrar indispensável para que não sejam postas irremediavelmente em causa a necessária tutela dos bens jurídicos e a estabilização contrafática das expetativas comunitárias”(Figueiredo Dias, in “Consequências Jurídicas do Crime”, pág.333, §501).
Assim, em face da factualidade apurada, o juízo de prognose há-de ditar que, com toda a probabilidade, o arguido não voltará a cometer novo crime; e ainda que as expetativas da comunidade na manutenção da vigência da norma violada, no restabelecimento da paz jurídica comunitária abalada pelo crime, não sairão defraudadas.
Extraindo-se esta conclusão, deve decretar-se a suspensão da execução da pena.
Considerando os fundamentos vertidos no acórdão recorrido, não vislumbramos qualquer discordância com a decisão tomada pelo Tribunal Coletivo.
De facto, cremos que se mostra inviável qualquer juízo de prognose favorável ao arguido, no sentido de que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
Estamos perante um indivíduo que para além de se mostrar indiferente aos valores tutelados pelas normas penais violadas (liberdade sexual, liberdade de locomoção, privacidade/intimidade) tem uma personalidade agressiva, bem evidenciada nos factos, e que em situações de frustração reage com impulsividade, nada tendo feito para demonstrar ao tribunal que interiorizou a gravidade e desconformidade da sua conduta, que está arrependido e tem uma vontade séria em arrepiar caminho.
Pese embora as condenações anteriores e a circunstância de à data dos factos se encontrar com uma pena de 3 anos de prisão suspensa na sua execução, tal não o fez repensar a sua atuação e arrepiar caminho, tendo optado, ao invés, por continuar na senda do crime.
Acresce que também não interiorizou a sua desconformidade e gravidade, insistindo em audiência de julgamento por manter uma postura de desresponsabilização.
Ainda que o juízo prognóstico contemple uma margem de risco (fundado e calculado) no caso, mostra-se claramente ultrapassada e não permite sustentar a expectativa de êxito da suspensão.
Ou seja, só a pena de prisão efetiva se revela, no caso em apreço, adequada a realizar as finalidades de punição.
Por tudo o exposto, decide-se manter o decidido, julgando-se improcedente também neste segmento o presente recurso.

III. Dispositivo

Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes da secção penal do Tribunal da Relação de Guimarães, em:

- Rejeitar o recurso interposto do despacho proferido em 27/5/2019 pela Mma Juiz de Instrução.
- Proceder à alteração dos pontos 51 e 52º da factualidade nos seguintes termos:
- O ponto 51 passará para o elenco dos factos não provados.
- O ponto 52 passará a ter a seguinte redacção: “Numa das saídas que fez, por insistência dos amigos, para os bares da Universidade ..., a assistente após aperceber-se que o arguido ali se encontrava começou a chorar e a tremer.
- No mais, julgar improcedente o recurso interposto pelo arguido do acórdão final.

Pela rejeição do recurso, condena-se o recorrente nas custas, fixando-se a taxa de justiça em 3UC, a que acresce o pagamento da importância de 3UC, nos termos do artigo 420º,nº3 do C.P.P..

Custas do recurso interposto do acórdão final, igualmente a cargo do recorrente, fixando-se a taxa de justiça em quantia correspondente a 5 UC (arts. 513º,nº1 do C.P.P. e 8º,nº9, do Regulamento das custas Processuais, e Tabela III anexa a este último diploma).

(Texto elaborado pela relatora e revisto por ambos os signatários – art.94º,nº2, do C.P.P.)
Guimarães, 17 de dezembro de 2020