Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
95/14.0T8BGC.G1
Relator: MARGARIDA ALMEIDA FERNANDES
Descritores: MATÉRIA DE FACTO
MATÉRIA DE DIREITO
TRANSMISSÃO DE ACÇÕES
ANULAÇÃO DE DELIBERAÇÃO SOCIAL
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 09/13/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I - É admissível a utilização, pelas partes nos articulados e pelo juiz na decisão de facto, de conceitos jurídicos simples e inequívocos, correntemente utilizados na linguagem vulgar, desde que não incidam sobre o ponto dúbio do litígio.

II - A sentença não tem que incluir como provados e não provados todos os factos alegados pelas partes nos respectivos articulados, mas apenas os factos essenciais (art. 5º nº 1 do C.P.C.)., e os factos complementares ou concretizadores (art. 5º nº 2 b) do C.P.C.).

III- A transmissão de acções tituladas (nominativas ou ao portador) e escriturais, fora do mercado bolsista, dá-se por efeito da celebração de negócio jurídico translativo nos termos do art. 408º nº 1 do C.C. exigindo-se ainda, como requisito de validade, a observância das formalidades exigidas nos art. 80º nº 1, 101º e 102º nº 1 do C.V.M (antes das alterações introduzidas pela Lei nº 15/2017 de 3 de Maio) que, no caso das acções ao portador é a traditio ou entrega física das próprias acções, no caso das acções nominativas é a declaração no título seguida de registo, e que no caso das acções escriturais é o registo na conta do adquirente.

IV - Numa acção de nulidade ou de anulação de deliberações sociais em que o autor se contra o facto de ter sido impedido de participar e votar na assembleia geral a este incumbe o ónus de alegação e prova dos factos constitutivos do seu direito, a saber, a sua qualidade de accionista e a existência de deliberação não votada por si.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I – Relatório

A. M. instaurou a presente acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra X – Investimentos Imobiliários, S.A., pedindo que a anulação das deliberações sociais tomadas das Assembleias Gerais Extraordinárias de accionistas da sociedade "X Investimentos Imobiliários, S. A.", realizadas nos dia 30/09/2014, pelas 10.30 horas e pelas 15.00 horas.

Para o efeito e, em síntese, referiu que, sendo accionista da sociedade, foi impedida de participar e votar nas referidas assembleias.
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A ré contestou invocando as excepções de erro na forma do processo, ineptidão da petição inicial, ilegitimidade da autora e impugnando parcialmente os factos articulados na petição.
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Procedeu-se à realização de audiência prévia, onde foi proferido despacho saneador, foram julgadas improcedentes as excepções deduzidas.

Procedeu-se a audiência final, após a qual foi proferida sentença, cuja parte decisória reproduzimos na íntegra:

“Pelo exposto, julgo a presente acção procedente e, em consequência:
Declaro nulas [anulo] as deliberações sociais tomadas das Assembleias Gerais Extraordinárias de accionistas da sociedade X Investimentos Imobiliários, S. A., realizadas no dia 30 de Agosto de 2014, pelas 10.30 horas, e, no mesmo dia, pelas 15.00 horas.
Registe e notifique.
Custas a cargo da ré (artigo 527.º, números 1 e 2, do C. P. Civil).”.
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Não se conformando com esta decisão veio a ré dela interpor recurso de apelação, apresentando alegações e formulando as seguintes conclusões:

“(Nulidades da sentença)

1. Compulsada a decisão proferida, verifica-se que o Tribunal a quo decidiu não integrar na fundamentação da decisão proferida os factos vertidos nos artigos 21.°, 28.°, 29.°, 30.°, 31.°, 32.°, 40.°, 41.°, 43.° e 63.° da contestação, não se pronunciando sobre tais factos. Com efeito, nada é dito a respeito de tal factualidade, sendo a decisão de facto e, bem assim, toda a restante sentença, completamente omissa no que a tais factos diz respeito.
2. Esta decisão traduz-se num incumprimento da regra estabelecida no artigo 615.°, nº 1, d) do CPC, uma vez que omite, na fundamentação da sentença, parte dos factos essenciais alegados pela ora Apelante no seu articulado, que foram objecto de prova documental, testemunhal e depoimento de parte da Autora - alterando, deste modo, a realidade histórica tal como resultou da produção da prova -, não considerando tais factos na matéria de facto adquirida, impedindo, desta forma, uma apreciação verdadeira, rigorosa e completa da matéria de facto, com possíveis consequências na decisão de direito.
3. Face ao exposto e nos termos do disposto no art. 615.°, n. 1, aI. d), segunda parte do CPC, a sentença proferida é nula.
4. No Ponto 14 do elenco dos Factos Provados lê-se: "A autora é actualmente possuidora de 10.500 (dez mil e quinhentas) acções ao portador da X - Investimentos Imobiliários, SA, no valor unitário de €5,00 (cinco euros), o que perfaz o valor de €52.500,00 (cinquenta e dois mil e quinhentos euros), a que corresponde uma percentagem de participação no capital de 52,5% (cinquenta e dois virgula cinco por cento). "
5. Salvo melhor opinião, o termo "possuidora" traduz-se num conceito de direito e, por isso, conclusivo, e não num facto, razão pela qual não deve constar da decisão da matéria de facto.
6. Na presença do enquadramento legal e jurisprudencial, apresenta-se luzente que, no vertente caso, a factualidade considerada provada no ponto 14.0 (por se não conter nos factos articulados), é manifestamente excessiva, pelo que, nesta parte, a sentença proferida é nula, devendo ter-se por não escrita, ao abrigo do disposto no art. 615.°, n. 1, aI. d), segunda parte, do CPC.

Sem Prescindir das nulidades invocadas, (Recurso sobre a matéria de facto)

7. Face à prova apresentada, atento o depoimento de parte da Autora e o depoimento da testemunha Joaquim, a Ré, ora Apelante entende que o facto constante do ponto 14 dos Factos Provados deve ser alterado, passando a ter o seguinte teor: "No dia 30.08.2014, a autora tinha na sua mão 10.500 (dez mil e quinhentas) acções ao portador da X - Investimentos Imobiliários, SA, no valor unitário de €5,00 (cinco euros), o que perfaz o valor de €52.500,00 (cinquenta e dois mil e quinhentos euros), a que corresponde uma percentagem de participação no capital de 52,5% (cinquenta e dois virgula cinco por cento)."
8. Face à prova produzida nos autos, nomeadamente a prova documental, prova testemunhal e o depoimento de parte da Autora, a Ré entende que, sem prejuízo da restante factualidade provada, resultam, também, provados os seguintes factos - contantes dos artigos 21.°, 28.°, 29.°, 30.°, 31.°, 32.°, 40.°, 41.°, 43.° e 63.° da contestação -, devendo, tais factos ser aditados ao rol de factos provados, nos seguintes termos:

- "A sociedade anónima ora Ré era uma sociedade familiar, em cuja escritura de constituição outorgaram os Pais, António e Maria e as Filhas M. C., M. F. e Luísa, todas de apelido C. G."
- "Por se tratar de uma sociedade familiar todas as acções representativas do capital social da Ré se encontravam na casa de família à Rua ..., nº 1, em Bragança, num cofre à guarda do Pai, António que tinha o encargo de as conservar e guardar. "
-"As sócias filhas M. C., M. F. e Luísa requereram a notificação judicial avulsa do sócio seu Pai António para proceder à entrega de todas as acções de que elas eram titulares, notificação ocorrida pelas 12h05 no dia 20 de Maio de 2014 pela Solicitadora de Execução Carla (Processo 343/14. 6TBBGC do 2º juízo do Tribunal Judicial de Bragança. "
-"Perante a recusa da entrega das acções por parte do sócio Pai, as filhas M. C., M. F. e Luísa viram-se compelidas a demandar judicialmente o Pai para esse efeito no Processo n. o 96/14.8T8BGC, da Instancia Central de Bragança - Secção Cível e Criminal, Juiz 3. "
-"Nas assembleias gerais do dia 30.08.2014 e na petição inicial que apresentou nestes autos, a Autora nunca explicou a forma como chegou à posse das acções de que se arroga titular e não apresentou qualquer meio de prova com vista ao esclarecimento da sua alegada titularidade. "
-"Após o falecimento da sócia Mãe, o sócio Pai foi viver com a Autora, para casa desta última. "

(Recurso sobre a matéria de direito)

9. Tendo em conta o pugnado no ponto I deste recurso e a respectiva alteração da Factualidade Provada, com a alteração do Ponto 14 e o aditamento dos seis factos acima descritos, teremos que a Ré é uma sociedade familiar, em cuja escritura de constituição outorgaram os Pais, António e Maria e as Filhas M. C., M. F. e Luísa, todas de apelido C. G., que, precisamente por se tratar de uma sociedade familiar todas as acções representativas do capital social da Ré se encontravam na casa de família à Rua ..., nº 1 em Bragança, num cofre à guarda do Pai, António que tinha o encargo de as conservar e guardar, que em 07.09.2012 a accionista Mãe Maria vendeu as suas acções (títulos 7001 a 8000, 9001 a 10.000 e 10.0001 a 18.500) às accionistas suas filhas, M. C., M. F. e Luísa e que, após o falecimento da Mãe, estas requereram a notificação judicial avulsa do seu Pai António para proceder à entrega de todas as acções de que elas eram titulares e que, perante a recusa da entrega das acções por parte do accionista Pai, as filhas M. C., M. F. e Luísa viram-se compelidas a demandar judicialmente o Pai para esse efeito (Processo nº 96/14.8T8BGC, da Instância Central de Bragança ¬Secção Cível e Criminal, Juiz 3); que o accionista Pai foi viver com a aqui Autora, para casa desta, após o falecimento da sua esposa, a accionista Maria e que posteriormente, nas Assembleias Gerais do dia 30.08.2014 a Autora, representada pelo Mandatário Dr. Paulo, se apresentou nas reuniões, exibindo 10.500 acções, correspondendo, a sua maioria, às acções subscritas por Maria e vendidas por esta às suas filhas na escritura datada de 7 de Setembro de 2012 (títulos 7001 a 8000, 9001 a 10.000 e 10.0001 a 18.500), sem que tais acções lhe tenham sido entregues pela accionista Maria ou pelas Filhas desta e sem que tenha celebrado qualquer negócio jurídico translativo de tais acções com qualquer uma das accionistas referidas.
10. A doutrina e jurisprudência são hoje praticamente unânimes no que respeita ao regime jurídico da transmissão das anteriormente existentes acções ao portador, entendendo que a transmissão de tais acções só ficava perfeita com a entrega dos títulos, sendo certo que tal acto de entrega, só por si, não bastava para operar a transmissão, uma vez que para tal - para a transmissão - era necessário que tal entrega fosse sustentada por um título válido, um negócio jurídico, o negócio causal subjacente.
11. No presente caso, no que toca à alegada transmissão de acções por Maria à Autora, resulta da prova constante dos autos que não houve contrato nem modo, uma vez que ficou provado que a accionista Maria não celebrou qualquer contrato com a Autora referente às acções e não lhe entregou tais títulos, correspondentes às acções com os números 700l a 8000, 9001 a 10.000 e 10.0001 a 18.500, pelo que não se verificando nenhum dos requisitos necessários à existência da transmissão dos títulos, não poderá a Autora ser considerada legítima titular dos mesmos, accionista da sociedade Ré, com os direitos inerentes a tal qualidade.
12. Não se diga, em contrário do acima referido, que, tendo a Autora as acções na sua mão é possuidora das mesmas, estando dessa forma legitimada a exercer os direitos inerentes aos títulos. Com efeito, a posse dos títulos conferiria à Autora - apenas e só - a presunção de titularidade das acções. Nada mais.
13. No entanto, tal presunção resultou ilidida da abundante prova produzida nestes autos, tendo, no entender da Ré - e como já foi acima referido - ficado claro que a Autora não pode ser considerada uma possuidora de boa-fé, uma vez que não celebrou qualquer negócio com Maria com respeito às acções aqui em causa, inexistindo, assim, uma justa causa para a detenção das acções pela Autora, pelo que também por este motivo, a Autora não tem qualquer direito de participação e voto nas Assembleias Gerais da sociedade Ré.
14. Na decisão proferida, em consonância com o aqui defendido, o Tribunal a quo adopta o regime jurídico da transmissão de acções acima descrito - de acordo com o qual tal transmissão só se verifica mediante a existência do contrato e da entrega dos títulos para defender que uma vez que Maria não entregou às suas Filhas as acções de que era titular e que lhes vendeu por escritura de 7.09.2012, é a Autora a legitima titular de tais títulos.
15. Salvo o devido respeito por opinião contrária, a falta de titularidade da Autora não se deve a qualquer facto relativo ao contrato celebrado entre Maria e as suas Filhas. Tal falta de titularidade deve-se, antes, ao facto de não existir um acordo de vontades entre Maria e a Autora no sentido da transmissão das acções, nem tão pouco a entrega dos títulos por Maria à Autora

Ou seja,

16. A falta de titularidade e a consequente conclusão de que a Autora não é accionista da X, SA não resulta nem está dependente de qualquer vicissitude do contrato celebrado entre Maria e as suas Filhas, resulta, sim, da não verificação dos requisitos necessários para a transmissão das acções - o contrato e a entrega dos títulos.
17. A Autora não é titular das acções da X, SA, não é accionista da sociedade, nem tem legitimidade para o exercício dos direitos inerentes às acções - direito de participação e de voto nas Assembleias Gerais da Ré -, razão pela qual as deliberações sociais tomadas nas reuniões do dia 30.08.2014 são válidas, não devendo ser anuladas.
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Não foram apresentadas contra-alegações.
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O recurso foi admitido como sendo de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.
*
Foram colhidos os vistos legais.
Cumpre apreciar e decidir.
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Tendo em atenção que o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da recorrente, sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso, as questões a decidir são:

A) Nulidade da sentença por omissão e excesso de pronúncia;
B) Apurar se houve erro na apreciação da matéria de facto;
C) Apurar se houve erro na subsunção jurídica.
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II – Fundamentação

Foram considerados provados os seguintes factos:

1. A ré é uma sociedade anónima constituída por escritura pública celebrada em 04/05/2000.
2. O artigo terceiro da escritura referida em 1 tem o seguinte teor:
“A sociedade tem como objecto principal a compra e venda de imóveis e revenda dos adquiridos para esse fim e por actividade acessória a administração e gestão de bens imóveis”.
3. O artigo quarto da escritura referida em 1 tem o seguinte teor:

“O capital social, integralmente subscrito e realizado, é de cem mil euros (equivalente a vinte milhões, quarenta e oito mil e duzentos escudos) representado por dividido em vinte mil acções, com o valor nominal de cinco euros cada uma, assim distribuídas:
“NOVE MIL, NOVECENTOS E QUARENTA ACÇÕES pertencentes a cada um dos accionistas ANTÓNIO e MARIA…” (23.º)
QUARENTA AÇÕES pertencentes a cada uma das accionistas M. C. DE C. G., M. F. DE C. G. e LUÍSA DE C. G.…” (24.º)
4. O artigo quinto da escritura referida em 1 tem o seguinte teor:

“1. As acções serão nominativas e, ou, ao portador, reciprocamente convertíveis à vontade do accionista, após aprovação por maioria de quatro quintos do capital social, em Assembleia Geral expressamente convocada para o efeito, ficando a cargo do interessado as despesas de conversão. Neste caso deixará de ser aplicado o disposto no artigo sétimo destes estatutos.
2. Haverá títulos de uma, cinco, dez, cinquenta, cem, quinhentas e mil acções.
3. Os títulos representativos das acções serão autenticados com o carimbo da sociedade e assinados por dois administradores.”
5. O artigo sétimo da escritura referida em 1 tem o seguinte teor:

“1. Os accionistas terão direito de preferência no caso de qualquer alienação a título oneroso ou gratuito de acções nominativas, sendo livre a sua cedência entre accionistas.
2. O accionista que pretender ceder a terceiro as suas acções nominativas deverá comunicar tal intenção ao conselho de administração, fazendo constar da comunicação os elementos essenciais do negócio projectado, bem como a identidade do eventual adquirente.
3. O conselho de administração, no prazo de cinco dias úteis notificará os demais accionistas constantes do livro de registo de acções para, querendo, manifestarem a intenção de adquirir as acções, informando-os igualmente dos prazos e condições regulamentares do respectivo processo de alienação.”
6. O artigo décimo da escritura referida em 1 tem o seguinte teor:

“1. A assembleia geral é constituída pelos accionistas com direito a voto, que tenham as suas acções averbadas ou depositadas numa instituição de crédito ou registadas nos termos legais, até dez dias antes da assembleia.
2. A cada grupo de cem acções corresponde um voto.
(…)
4. Os accionistas que não possam comparecer à assembleia, poderão fazer-se representar por outro accionista ou membro dos corpos sociais, mediante carta dirigida ao presidente da mesa, entregue na sede da sociedade até ao dia anterior à assembleia, na qual será indicado o accionista representante.”
7. Em 07/09/2012, subscrito pelos intervenientes, foi outorgado documento particular com o seguinte teor:

“CONTRATO DE CESSÃO DE ACÇÕES

PRIMEIRO - MIGUEL, natural da freguesia da ..., concelho de Bragança, residente na Av. ..., Coimbra, na qualidade de procurador de MARIA, natural da freguesia de Bragança (...), concelho de Bragança, casada com António sob o regime da comunhão geral de bens, residente na Rua ..., n.º 1, Bragança, NIF. (...);
SEGUNDA - M. C. DE C. G., divorciada, natural da freguesia de Bragança (...), concelho de Bragança, residente na Rua (...), freguesia da (...), concelho de Cascais, NIF. (...);
TERCEIRA - M. F. DE C. G., divorciada, natural da freguesia de Bragança (...), concelho de Bragança, residente na Rua (...), freguesia de (...), concelho de Coimbra, NIP. (...);
QUARTA - LUISA C. G., natural da freguesia de Bragança (...), concelho de Bragança, casada com Joaquim sob o regime da comunhão de adquiridos, residente na Rua (...), freguesia de (...), concelho de Coimbra, NIF. (...);
A representada do primeiro e seu cônjuge, segunda, terceira e quarta são accionistas da sociedade anónima "X INVESTIMENTOS IMOBILIÁRIOS, S.A.", com sede na Rua (...), freguesia de Bragança (...), concelho de Bragança, matriculada na Conservatória do Registo Comercial, sob o número único de matrícula e de identificação fiscal (...), com o capital social de cem mil cures, que é representado por vinte mil acções, ao portador, com o valor nominal de cinco euros cada uma, assim distribuídas:

- MARIA - nove mil novecentas e quarenta acções;
- ANTÓNIO - nove mil novecentas e quarenta acções;
- M. C. DE C. G. - quarenta acções; -
- M. F. DE C. G. - quarenta acções; e
- LUÍSA C. G. - quarenta acções.
O primeiro, na sua indicada qualidade e pelo presente contrato, cede à segunda, terceira e quarta as acções de que a sua representada é titular na referida sociedade nas seguintes proporções:
- Três mil trezentas e catorze acções a M. C. de C. G., pelo preço de cinco euros;
- Três mil trezentas e treze acções a M. F. de C. G., pelo preço de cinco euros;
- Três mil trezentas e treze acções a Luísa de C. G., pelo preço de cinco euros;
E pelo primeiro, na sua invocada qualidade, foi dito, que a sua representada já recebeu o preço das cessões, pelo que dá a respectiva quitação.
A segunda, terceira e quarta declaram que aceitam o presente contrato nos termos exarados.”
8. Foi lavrado e subscrito pelos presentes o seguinte
“Termo de Autenticação
No dia sete de Setembro do ano dois mil e doze, perante mim, Licenciado Manuel, Notário do Cartório Notarial, sito na Avenida (...), em Lisboa, compareceram como outorgantes:
PRIMEIRO - MIGUEL, natural da freguesia da ..., concelho de Bragança, residente na Av. ..., Coimbra; que outorga na qualidade de procurador de MARIA, natural da freguesia de Bragança (...), concelho de Bragança., casada com António sob o regime da comunhão geral de bens, residente na Rua ..., n.º 1, NIF. (...), com poderes para o acto, conforme verifiquei por Procuração outorgada em 28 de Agosto de 2012 no Cartório Notarial sito em Bragança a cargo do notário Américo;
SEGUNDA - M. C. DE C. G., divorciada, natural da freguesia de Bragança (...), concelho de Bragança, residente na Rua (...), Murtal, freguesia da (...), concelho de Cascais, NIF. (...);
TERCEIRA – M. F. DE C. G., divorciada, natural da freguesia de Bragança (...), concelho de Bragança, residente na Rua (...), freguesia de (...), concelho de Coimbra, NIF. (...);
QUARTA - LUÍSA DE C. G., natural da freguesia de Bragança (...), concelho de Bragança, casada com Joaquim sob o regime da comunhão de adquiridos, residente na Rua (...), freguesia de (...), concelho de Coimbra, NIF. (...);

Verifiquei: -
- a) a identidade dos outorgantes, as da segunda e terceira pela exibição dos seus Bilhetes de Identidade números (...), de 23/02/2005, emitido em Lisboa, e (...), de 10/07/2002, emitido em Coimbra, pelos Serviços de Identificação Civil, e a dos restantes pela exibição dos seus Cartões de Cidadão números (...), válido até 13/04/2016, (...), válido até 27/01/2017, ambos emitidos pelo competente serviço emissor da República Portuguesa; e
b) a matrícula, o capital social e o número de identificação fiscal da sociedade "X INVESTIMENTOS MOBILIÁRIOS, S.A.", por consulta efectuada hoje, da certidão comercial permanente, através do site www.portaldaemprcsa.pt, com o código de acesso (...).
E PELOS PRIMEIRO, NA SUA INDICADA QUALIDADE, SEGUNDA, TERCEIRA E QUARTA OUTORGANTES foi dito:
Que, leram o documento que antecede, que é um Contrato, e que o mesmo, tal como está redigido, exprime a vontade de todos.
Este instrumento foi lido e explicado o seu conteúdo aos outorgantes tudo em voz alta e na presença simultânea de todos.”
9. A sociedade obriga-se actualmente com a assinatura de um administrador único, cargo desempenhado actualmente por M. C. de C. G., NIF (...), divorciada, residente em Rua (...), lugar do Murtal, freguesia de (...), Concelho de Cascais.
10. Desempenha actualmente, o cargo de Presidente da Mesa da Assembleia Geral, M. F. de C. G., N1F (...), residente na Avenida (...), freguesia de (...), concelho de Coimbra.
11. Por convocatória datada de Junho de 2014 a Senhora Presidente da Mesa convocou os accionistas da sociedade X - Investimentos Imobiliários, S. A. para uma assembleia geral extraordinária, a ocorrer no dia 30/08/2014, 10.30 horas, no lugar na respectiva sede, com a seguinte ordem de trabalhos: “7. Análise da situação relativa a auditoria e certificação legal das contas da sociedade nos anos de 2004 a 2013; 8. Medidas a tomar".
12. Por convocatória datada de Junho de 2014 a Senhora Presidente da Mesa convocou os accionistas da sociedade X - Investimentos Imobiliários, S.A. para uma assembleia geral extraordinária, a ter na respectiva sede, no dia 30/08/2014, pelas 15:00 horas, com a seguinte ordem de trabalhos: "1.Apreciação discussão e votação do Relatório e Contas dos exercícios de 2004. 2005, 2006, 2007, 2008, 2009, 2010, 2011, 2012 e 2013; 2. Apreciação e votação da proposta de aplicação de resultados aos exercícios supra referidos; 3. Apreciação da administração e fiscalização da sociedade em relação aos exercícios referidos no ponto 1; 4. Eleição dos órgãos sociais para os mandatos dos anos referidos no ponto 1.”
13. A autora não foi convocada para as assembleias gerais extraordinárias referidas em 11. e 12..
14. A autora é actualmente possuidora de 10.500 (dez mil e quinhentas) acções ao portador da X - Investimentos Imobiliários, S.A., no valor unitário de € 5,00 (cinco euros), o que perfaz o valor de € 52.500,00 (cinquenta e dois mil e quinhentos euros), a que corresponde uma percentagem de participação no capital de 52,5% (cinquenta e dois virgula cinquenta por cento).
15. Sendo tais acções identificadas sob os números 7001 a 8000; 9001 a 10000; 10001 a 11000; 11001 a 12000; 120001 a 13000; 13001 a 14000; 14001 a 15000; 15001 a 16000; 16001 a 17000; 17001 a 18000 e 18001 a 18500.
16. Para efeitos de representação nessas mesmas assembleias gerais, a autora constituiu seu representante o Sr. Dr. Paulo a quem outorgou a respectiva "Carta de Representação/Mandadeira em Assembleias Gerais a realizar no dia 30 de Agosto de 2014, uma pelas 10:30 horas e outra pelas 15:00 horas".
17. Por via de tal carta de representação a autora conferiu-lhe "...todos os mais amplos poderes necessários para a representar nas ditas Assembleias, designadamente para, em seu nome, discutir, propor e votar quanto entender, no sentido que se lhe afigurar por mais conveniente".
18. No dia 30/08/2014, peias 10.30 horas, o ora mandatário subscritor compareceu no local da respectiva sede, na Rua (...), para, em nome da sua representada, participar e votar nas deliberações a tomar e constantes da ordem de trabalhos, nos termos constantes da carta de representação.
19. Na Assembleia Geral estavam presentes, a Senhora Presidente da Mesa da Assembleia Gerai, D. Fernanda de C. G.; o Senhor Secretário da Assembleia Geral, Sr. Joaquim; o Sr. Dr. J. G., Ilustre advogado, em funções de assessoria jurídica à Senhora Presidente da Mesa; o Sr. Dr. José, Revisor Oficial de Contas e Fiscal único da sociedade e o Sr. F. J., Oficial de Contas da sociedade.
20. A assembleia geral iniciou-se pelas 10,30 horas. Pelas 11,10 horas, o Sr. Dr. Paulo entregou à Senhora Presidente da Mesa da Assembleia Geral o original da carta de representação, acompanhada de respectiva cópia do cartão de cidadão da Autora, e cópia dos títulos representativos das 10.500 (dez mil e quinhentas) acções ao portador, o que fez invocando a qualidade de representante da mesma e nos termos e para os efeitos constantes daquela carta mandadeira
21. O mandatário era possuidor dos títulos originais representativos daquelas 10.500 que exibiu, pelo que as respectivas cópias foram devidamente conferidas e reconhecidas pela Senhora Presidente da Mesa da A.G., como sendo conformes aos originais.
22. Acto contínuo, a Senhora Presidente da Assembleia Geral ditou para a acta, “disse, que não aceita a participação da senhora Dona A. M. na Assembleia Geral por não lhe reconhecer a qualidade de accionista da sociedade nos termos do art. 10º do Pacto Social uma vez que, a ser verdadeira a transmissão de acções, não cumpriu o disposto no artigo 7º do Pacto Social, seja no que toca ao reconhecimento por parte da Sociedade da transmissão de acções, seja na notificação para exercício do direito de preferência ali previsto, seja por último porque não deu nota à sociedade da transmissão daquelas acções e por isso não consta do respectivo livro de registo de acções. O problema não é pois, do direito de representação invocado pelo Dr. Paulo ao abrigo do art. 380º do C.S.C., ou seja, não são os poderes de representação que estão em causa, mas a origem da concessão desses poderes, pelo que foi convidado a sair, pelas 11h45m”.
23. Em sequência e no âmbito dos seus poderes de representação da autora, o mandatário subscritor ditou para a respectiva Acta o seu requerimento de admissão à assembleia, pugnando pela legitimidade da sua representada enquanto accionista da sociedade.
24. Pretensão que foi indeferida por declaração da Senhora Presidente da Mesa, também exarada em Acta.
25. Em consequência, o mandatário subscritor, por considerar ilegal a sua não admissão na qualidade de representante da accionista Autora, requereu ainda em Acta que lhe fornecida certidão integral do teor da Acta a elaborar e correspondente àquela mesma assembleia geral, para efeitos de impugnação das deliberações a tomar, cuja remessa solicitou fosse efectuada para o local do seu escritório identificado na carta rnandadeira.
26. Em consequência o mandatário ausentou-se de seguida da aludida assembleia geral, que continuou sem a sua presença.
27. Pelas 15.00 horas do mesmo dia 30 de agosto de 2014, o mandatário subscritor compareceu de novo no local da respectiva sede, na Rua (...), para estar presente na Assembleia Geral (segunda desse dia) designada para essa hora e, da mesma forma, actuando em representação da accionista agora Autora.
28. Estavam presentes, agora, a Senhora Presidente da Mesa da Assembleia Geral D. M. F. de C. G.; o Senhor Secretário da Mesa da Assembleia Geral, Sr. Joaquim; o Sr. Dr. J. G., Ilustre Advogado, em funções de assessoria jurídica à Senhora Presidente da Mesa; o Sr. Dr. José, Revisor Oficial de Contas e Fiscal único da sociedade e ainda, de novo, outras duas senhoras que o mandatário subscritor não reconheceu ou identificou.
29. Tendo sido concedida a palavra, o mandatário subscritor invocou, de novo, os termos da carta de representação e cópia dos títulos das 10 500 acções que havia entregue na A.G. realizada na parte da manhã e a sua qualidade de representante da accionista autora, formulando requerimento para ser admitido a participar e votar mesma qualidade e pugnando pela legitimidade e qualidade de accionista da sua representada.
30. O que ficou exarado na respectiva Acta.
31. Pretensão que foi também indeferida pela Senhora Presidente da Mesa, também em Acta, de novo com o fundamento de não reconhecer na representada do ora mandatário a qualidade de accionista da sociedade ora ré e tendo pedido, de novo, a sua retirada da assembleia geral.
32. O que o mandatário fez, logo após ter solicitado, também de novo, lhe fosse fornecida certidão da Acta a elaborar e correspondente àquela segunda assembleia geral, para efeitos de impugnação das deliberações a tomar.
33. Maria faleceu em 21/04/2014.
*
Com interesse para a boa decisão da causa não se consideraram provados outros factos.
*
A) Nulidade da sentença por omissão e excesso de pronúncia

Veio a apelante dizer que a sentença recorrida é nula por omissão de pronúncia uma vez que o tribunal não se pronunciou acerca dos factos por si alegados nos art. 21º, 28º a 32º, 40º, 41º, 43º e 63º da sua contestação, os quais são factos essenciais nos termos do art. 5º nº 1 do C.P.C.. Mais refere que a decisão é igualmente nula por excesso de pronúncia dado que, no ponto 14 dos factos provados, não podia fazer constar a expressão “possuidora” por se tratar de conceito de direito e conclusivo.

Vejamos.

Dispõe o art. 615º do C.P.C.:

“1. É nula a sentença quando:
(…)
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões que não podia tomar conhecimento;”
Esta nulidade apenas ocorre quando não se decide alguma das questões suscitadas pelas partes que não tenha ficado prejudicada pela solução dada a outra ou se conheça de questões de que não se podia tomar conhecimento (art. 608º nº 2 do C.P.C.). Como se lê no Ac. do S.T.J. de 16/02/2015, relatado pelo Cons. Sousa Peixoto, in www.dgsi.pt “Questões, para o efeito do disposto no nº 2 do art. 660º do C.P.C., não são aqueles argumentos e razões, mas sim e apenas as questões de fundo, isto é, as que integram matéria decisória, os pontos de facto ou de direito relevantes no quadro do litígio, ou seja, os concernantes ao pedido, à causa de pedir e às excepções”.
Ora, o não atendimento a factos alegados num articulado, factos esses considerados essenciais, não se traduz em vício de omissão de pronúncia uma vez que tais factos não constituem, por si, uma questão a resolver nos termos do art. 608º, nº 2 do C.P.C.. Reconduz-se antes a erro de julgamento. Neste sentido vide Alberto dos Reis, in Código de Processo Civil Anotado, Vol. V, Coimbra Editora, 1981, pp. 144-146 que refere: “(…) o facto material é um elemento para a solução da questão, mas não é a própria questão.”.
O mesmo se diga no que diz respeito à segunda alegada nulidade. Com efeito, a inclusão na matéria de facto de menção que alegadamente integra um conceito de direito ou uma conclusão não constitui uma questão de que não se podia conhecer nos termos do art. 608º nº 2 do C.P.C., mas corresponde a eventual erro de julgamento da matéria de facto a apreciar noutra sede.

Pelo exposto, temos por não verificadas as invocadas nulidades.
*
B) Reapreciação da matéria de facto

Veio a apelante dizer que, no ponto 14 dos factos provados, não pode constar a expressão “possuidora” por se tratar de conceito de direito e conclusivo. Por outro lado, defende que os factos por si alegados nos art. 21º, 28º, 30º a 32º, 43º da contestação, sendo factos essenciais nos termos do art. 5º nº 1 do C.P.C., e tendo resultado provados, devem contar da matéria de facto. Igualmente deve constar um facto onde conste que o sócio pai, depois do óbito da mulher, foi viver para casa da autora.

Vejamos.

O Tribunal da 1ª Instância, ao proferir sentença, deve, em sede de fundamentação “(…) declarar quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas de factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência” (art. 607º nº 4 do C.P.C.) e “O juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto; a livre apreciação não abrange os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, nem aqueles que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes” (art. 607º nº 5 do C.P.C.).

Sendo certo que o julgador aprecia a prova de acordo com a sua livre convicção, salvo algumas limitações, a análise crítica da prova é da maior importância do ponto de vista da fundamentação de facto da decisão. Com efeito, esta deve ser elaborada por forma a que, através da sua leitura, qualquer pessoa possa perceber quais os concretos meios de prova em que o Tribunal se baseou para considerar determinado facto provado ou não provado e a razão pela qual tais meios de prova foram considerados credíveis e idóneos para sustentar tal facto. Esta justificação terá de obedecer a critérios de racionalidade, de lógica, objectivos e assentes nas regras da experiência. A este propósito refere Abrantes Geraldes, in Temas da Reforma do Processo Civil, Vol. II, 3ª ed., p. 256: “A exigência legal, para ser atacada, impõe que, de acordo com as circunstâncias do caso concreto, se estabeleça o fio condutor entre a decisão de facto (resultado) e os meios de prova que foram usados na aquisição da convicção (fundamento), fazendo a respectiva apreciação crítica nos seus aspectos mais relevantes”.

A exigência de análise crítica da prova nos termos supra referidos permite à parte não convencida quanto à bondade da decisão de facto tomada pelo tribunal da 1ª instância interpor recurso contrapondo os seus argumentos e justificar as razões da sua discordância.

Caso seja requerida a reapreciação da matéria de facto incumbe, desde logo, ao Tribunal da Relação verificar se os ónus previstos no art. 640º do C.P.C. se mostram cumpridos, sob pena de rejeição do recurso.

Não havendo motivo de rejeição procede este tribunal à reapreciação da prova nos exactos termos requeridos. Incumbe a este Tribunal controlar a convicção do julgador da primeira instância verificando se esta se mostra contrária às regras da experiência, da lógica e dos conhecimentos científicos e sindicar a formação da sua convicção. i.e., o processo lógico. Assim sendo, nada impede que, fundado no mesmo princípio da livre apreciação da prova, o tribunal superior conclua de forma diversa da do tribunal recorrido, mas para o fazer terá de ter bases sólidas e objectivas.
Tendo por base estas considerações e por entendermos que inexiste fundamento para rejeição do recurso importa analisar um a um os factos acerca dos quais a apelante discorda.

1. Facto provado nº 14

Entendemos que a expressão “possuidora” não constitui matéria de facto pelo que não deve constar da matéria de facto dada como provada.

É certo que se tem entendido que as partes podem reconhecer determinadas situações ou qualidades jurídicas, como por ex. A é casado com B ou A é proprietário de X, mas tal apenas é admitido quando tais realidades jurídicas não são precisamente o objecto do processo. A este propósito refere Lebre de Freitas, in A Acção Declarativa Comum, 3ª ed., Coimbra Editora, pág. 195 “é admissível a utilização, pelas partes nos articulados e pelo juiz na decisão de facto, de conceitos jurídicos simples e inequívocos, correntemente utilizados na linguagem vulgar, desde que não incidam sobre o ponto dúbio do litígio”.

Ora, uma vez que no caso em apreço é objecto do processo a posse de acções ao portador da sociedade ré por parte da autora, subsequente qualidade de accionista e legitimação para o exercício de direitos sociais, entendemos que não pode o tribunal recorrer à referida expressão que terá que se considerar como não escrita.

Assim, aquele ponto da matéria de facto deve passar a ter a seguinte redacção:

“14. No dia 30/08/2014 a autora era portadora de 10.500 (dez mil e quinhentas) acções ao portador da X - Investimentos Imobiliários, S.A., no valor unitário de € 5,00 (cinco euros), o que perfaz o valor de € 52.500,00 (cinquenta e dois mil e quinhentos euros), a que corresponde uma percentagem de participação no capital de 52,5% (cinquenta e dois virgula cinquenta por cento).”.
2.
A sentença não tem que incluir como provados e não provados todos os factos alegados pelas partes nos respectivos articulados, mas apenas os factos essenciais, i.e., aqueles que integram a causa de pedir ou o fundamento da excepção e cuja falta determina a invalidade da acção ou da excepção (art. 5º nº 1 do C.P.C.)., e os factos complementares ou concretizadores, i.e., aqueles que participam de uma causa de pedir ou de uma excepção complexa e por isso são indispensáveis à procedência da acção ou da excepção (art. 5º nº 2 b) do C.P.C.).
Os factos instrumentais, probatórios ou acessórios definem-se por contraposição aos factos essenciais e complementares sendo aqueles que podem ser utilizados para a prova indiciária destes últimos (art. 5º nº 2 a) do C.P.C.). Os factos instrumentais não têm que ser alegados pelas partes, podem ser livremente discutidos e apreciados na audiência final, não devem ser objecto de um juízo probatório específico não carecendo de ser dados como provados ou não provados na sentença (art. 607º nº 4 do C.P.C.).
Tendo em atenção estes considerandos vejamos da inclusão na matéria de facto da factualidade constante da contestação a que alude a apelante.

No que concerne ao art. 21º da contestação verificamos que parte do alegado (identificação dos accionistas) consta já no ponto 3 dos factos provados. A referência a “empresa familiar” é desnecessária na medida em que se trata de um mero facto instrumental, o qual resulta aliás dos apelidos dos vários accionistas. Logo, a matéria de facto aí constante não é de aditar.

Por se entender que a matéria constante do art. 28º da contestação constitui um facto complementar ou concretizador da excepção deduzida pela ré, a saber, que a autora não é legítima portadora das 10.500 acções e atenta a prova produzida acerca da mesma – depoimento da testemunha Joaquim, genro de António e marido de Luísa de C. G., que nos mereceu credibilidade ainda que não revelasse um conhecimento directo, e ainda dos doc. juntos a fls. 65 a 67 (notificação judicial avulsa) e 67V a 69 (requerimento executivo para entrega de coisa certa) – entendemos que é de aditar à matéria de facto dada como provada um ponto com a seguinte redacção:

34. Todas as acções representativas do capital social da ré encontravam-se na casa de família sita na R. ..., nº 1, Bragança, primeiro num cofre e depois numa gaveta de uma cómoda existente no quarto ocupado por António, sendo que neste caso estavam à guarda deste.”.
Pelas mesmas razões, atentos os acima referidos documentos e a prova testemunhal produzida, o alegado no art. 30º da contestação é igualmente de aditar à matéria de facto dada como provada nos seguintes termos:

35. As sócias filhas, M. C., M. F. e Luísa requereram a notificação judicial avulsa do sócio seu pai, António, para proceder à entrega de todas as acções de que se consideravam titulares.”.
A matéria de facto constante do art. 31º da contestação é de dar como não provada uma vez que inexiste nos autos documento comprovativo da alegada notificação. Assim, é de aditar um ponto aos factos não provados com a seguinte redacção:

“- Que a notificação no âmbito da notificação judicial avulsa tenha sido efectuada pelas 12H05m do dia 20/05/2014 pela solicitadora de execução Carla.”.

Pelas razões supra referidas, o alegado no art. 32º da contestação é de aditar à matéria de facto dada como provada nos seguintes termos:

36. Face à não entrega das acções por parte do sócio António as filhas M. C., M. F. e Luísa instauraram contra aquele acção executiva para entrega de coisa certa (proc. nº 96/14.8T8BGC a correr termos no Juízo Central Cível e Criminal de Bragança – Juiz 3).”.
O alegado no art. 43º da contestação, bem como a menção que o sócio pai, depois do óbito da mulher, tenha ído viver para casa da autora, não consubstanciam factos essenciais ou complementares que devam constar dos factos provados pelo que entendemos que nesta sede nada há a aditar.
*
Por uma questão metodológica passar-se-á a descrever a matéria de facto apurada de acordo com o decidido nesta instância:

1. A ré é uma sociedade anónima constituída por escritura pública celebrada em 04/05/2000.
2. O artigo terceiro da escritura referida em 1 tem o seguinte teor:
“A sociedade tem como objecto principal a compra e venda de imóveis e revenda dos adquiridos para esse fim e por actividade acessória a administração e gestão de bens imóveis”.
3. O artigo quarto da escritura referida em 1 tem o seguinte teor:
“O capital social, integralmente subscrito e realizado, é de cem mil euros (equivalente a vinte milhões, quarenta e oito mil e duzentos escudos) representado por dividido em vinte mil acções, com o valor nominal de cinco euros cada uma, assim distribuídas:
“NOVE MIL, NOVECENTOS E QUARENTA ACÇÕES pertencentes a cada um dos accionistas ANTÓNIO e MARIA…” (23.º)
QUARENTA AÇÕES pertencentes a cada uma das accionistas M. C. DE C. G., M. F. DE C. G. e LUÍSA DE C. G.…” (24.º)
4. O artigo quinto da escritura referida em 1 tem o seguinte teor:
“1. As acções serão nominativas e, ou, ao portador, reciprocamente convertíveis à vontade do accionista, após aprovação por maioria de quatro quintos do capital social, em Assembleia Geral expressamente convocada para o efeito, ficando a cargo do interessado as despesas de conversão. Neste caso deixará de ser aplicado o disposto no artigo sétimo destes estatutos.
2. Haverá títulos de uma, cinco, dez, cinquenta, cem, quinhentas e mil acções.
3. Os títulos representativos das acções serão autenticados com o carimbo da sociedade e assinados por dois administradores.”
5. O artigo sétimo da escritura referida em 1 tem o seguinte teor:
“1. Os accionistas terão direito de preferência no caso de qualquer alienação a título oneroso ou gratuito de acções nominativas, sendo livre a sua cedência entre accionistas.
2. O accionista que pretender ceder a terceiro as suas acções nominativas deverá comunicar tal intenção ao conselho de administração, fazendo constar da comunicação os elementos essenciais do negócio projectado, bem como a identidade do eventual adquirente.
3. O conselho de administração, no prazo de cinco dias úteis notificará os demais accionistas constantes do livro de registo de acções para, querendo, manifestarem a intenção de adquirir as acções, informando-os igualmente dos prazos e condições regulamentares do respectivo processo de alienação.”
6. O artigo décimo da escritura referida em 1 tem o seguinte teor:
“1. A assembleia geral é constituída pelos accionistas com direito a voto, que tenham as suas acções averbadas ou depositadas numa instituição de crédito ou registadas nos termos legais, até dez dias antes da assembleia.
2. A cada grupo de cem acções corresponde um voto.
(…)
4. Os accionistas que não possam comparecer à assembleia, poderão fazer-se representar por outro accionista ou membro dos corpos sociais, mediante carta dirigida ao presidente da mesa, entregue na sede da sociedade até ao dia anterior à assembleia, na qual será indicado o accionista representante.”
7. Em 07/09/2012, subscrito pelos intervenientes, foi outorgado documento particular com o seguinte teor:
“CONTRATO DE CESSÃO DE ACÇÕES
PRIMEIRO - MIGUEL, natural da freguesia da ..., concelho de Bragança, residente na Av. ..., Coimbra, na qualidade de procurador de MARIA, natural da freguesia de Bragança (...), concelho de Bragança, casada com António sob o regime da comunhão geral de bens, residente na Rua ..., Bragança, NIF. (...);
SEGUNDA - M. C. DE C. G., divorciada, natural da freguesia de Bragança (...), concelho de Bragança, residente na Rua (...), Murtal, freguesia da (...), concelho de Cascais, NIF. (...);
TERCEIRA - M. F. DE C. G., divorciada, natural da freguesia de Bragança (...), concelho de Bragança, residente na Rua (...), freguesia de (...), concelho de Coimbra, NIP. (...);
QUARTA - LUISA C. G., natural da freguesia de Bragança (...), concelho de Bragança, casada com Joaquim sob o regime da comunhão de adquiridos, residente na Rua (...), freguesia de (...), concelho de Coimbra, NIF. (...);
A representada do primeiro e seu cônjuge, segunda, terceira e quarta são accionistas da sociedade anónima "X INVESTIMENTOS IMOBILIÁRIOS, S.A.", com sede na Rua (...), freguesia de Bragança (...), concelho de Bragança, matriculada na Conservatória do Registo Comercial, sob o número único de matrícula e de identificação fiscal (...), com o capital social de cem mil cures, que é representado por vinte mil acções, ao portador, com o valor nominal de cinco euros cada uma, assim distribuídas:
- MARIA - nove mil novecentas e quarenta acções;
- ANTÓNIO - nove mil novecentas e quarenta acções;
- M. C. DE C. G. - quarenta acções; -
- M. F. DE C. G. - quarenta acções; e
- LUÍSA C. G. - quarenta acções.
O primeiro, na sua indicada qualidade e pelo presente contrato, cede à segunda, terceira e quarta as acções de que a sua representada é titular na referida sociedade nas seguintes proporções:
- Três mil trezentas e catorze acções a M. C. de C. G., pelo preço de cinco euros;
- Três mil trezentas e treze acções a M. F. de C. G., pelo preço de cinco euros;
- Três mil trezentas e treze acções a Luísa de C. G., pelo preço de cinco euros;
E pelo primeiro, na sua invocada qualidade, foi dito, que a sua representada já recebeu o preço das cessões, pelo que dá a respectiva quitação.
A segunda, terceira e quarta declaram que aceitam o presente contrato nos termos exarados.”
8. Foi lavrado e subscrito pelos presentes o seguinte
“Termo de Autenticação
No dia sete de Setembro do ano dois mil e doze, perante mim, Licenciado Manuel, Notário do Cartório Notarial, sito na Avenida (...), em Lisboa, compareceram como outorgantes:
PRIMEIRO - MIGUEL, natural da freguesia da ..., concelho de Bragança, residente na Av. ..., Coimbra; que outorga na qualidade de procurador de MARIA, natural da freguesia de Bragança (...), concelho de Bragança., casada com António sob o regime da comunhão geral de bens, residente na Rua ..., NIF. (...), com poderes para o acto, conforme verifiquei por Procuração outorgada em 28 de Agosto de 2012 no Cartório Notarial sito em Bragança a cargo do notário Américo;
SEGUNDA - M. C. DE C. G., divorciada, natural da freguesia de Bragança (...), concelho de Bragança, residente na Rua (...), Murtal, freguesia da (...), concelho de Cascais, NIF. (...);
TERCEIRA – M. F. DE C. G., divorciada, natural da freguesia de Bragança (...), concelho de Bragança, residente na Rua (...), freguesia de (...), concelho de Coimbra, NIF. (...);
QUARTA - LUÍSA DE C. G., natural da freguesia de Bragança (...), concelho de Bragança, casada com Joaquim sob o regime da comunhão de adquiridos, residente na Rua (...), freguesia de (...), concelho de Coimbra, NIF. (...);

Verifiquei: -

- a) a identidade dos outorgantes, as da segunda e terceira pela exibição dos seus Bilhetes de Identidade números (...), de 23/02/2005, emitido em Lisboa, e (...), de 10/07/2002, emitido em Coimbra, pelos Serviços de Identificação Civil, e a dos restantes pela exibição dos seus Cartões de Cidadão números (...), válido até 13/04/2016, (...), válido até 27/01/2017, ambos emitidos pelo competente serviço emissor da República Portuguesa; e
b) a matrícula, o capital social e o número de identificação fiscal da sociedade "X INVESTIMENTOS MOBILIÁRIOS, S.A.", por consulta efectuada hoje, da certidão comercial permanente, através do site www.portaldaemprcsa.pt, com o código de acesso (...).
E PELOS PRIMEIRO, NA SUA INDICADA QUALIDADE, SEGUNDA, TERCEIRA E QUARTA OUTORGANTES foi dito:
Que, leram o documento que antecede, que é um Contrato, e que o mesmo, tal como está redigido, exprime a vontade de todos.
Este instrumento foi lido e explicado o seu conteúdo aos outorgantes tudo em voz alta e na presença simultânea de todos.”
9. A sociedade obriga-se actualmente com a assinatura de um administrador único, cargo desempenhado actualmente por M. C. de C. G., NIF (...), divorciada, residente em Rua (...), lugar do Murtal, freguesia de (...), Concelho de Cascais.
10. Desempenha actualmente, o cargo de Presidente da Mesa da Assembleia Geral, M. F. de C. G., N1F (...), residente na Avenida (...), freguesia de (...), concelho de Coimbra.
11. Por convocatória datada de Junho de 2014 a Senhora Presidente da Mesa convocou os accionistas da sociedade X - Investimentos Imobiliários, S. A. para uma assembleia geral extraordinária, a ocorrer no dia 30/08/2014, 10.30 horas, no lugar na respectiva sede, com a seguinte ordem de trabalhos: “7. Análise da situação relativa a auditoria e certificação legal das contas da sociedade nos anos de 2004 a 2013; 8. Medidas a tomar".
12. Por convocatória datada de Junho de 2014 a Senhora Presidente da Mesa convocou os accionistas da sociedade X - Investimentos Imobiliários, S.A. para uma assembleia geral extraordinária, a ter na respectiva sede, no dia 30/08/2014, pelas 15:00 horas, com a seguinte ordem de trabalhos: "1.Apreciação discussão e votação do Relatório e Contas dos exercícios de 2004. 2005, 2006, 2007, 2008, 2009, 2010, 2011, 2012 e 2013; 2. Apreciação e votação da proposta de aplicação de resultados aos exercícios supra referidos; 3. Apreciação da administração e fiscalização da sociedade em relação aos exercícios referidos no ponto 1; 4. Eleição dos órgãos sociais para os mandatos dos anos referidos no ponto 1.”
13. A autora não foi convocada para as assembleias gerais extraordinárias referidas em 11. e 12..
14. No dia 30/08/2014 a autora tinha na sua mão 10.500 (dez mil e quinhentas) acções ao portador da X - Investimentos Imobiliários, S.A., no valor unitário de € 5,00 (cinco euros), o que perfaz o valor de € 52.500,00 (cinquenta e dois mil e quinhentos euros), a que corresponde uma percentagem de participação no capital de 52,5% (cinquenta e dois virgula cinquenta por cento).
15. Sendo tais acções identificadas sob os números 7001 a 8000; 9001 a 10000; 10001 a 11000; 11001 a 12000; 120001 a 13000; 13001 a 14000; 14001 a 15000; 15001 a 16000; 16001 a 17000; 17001 a 18000 e 18001 a 18500.
16. Para efeitos de representação nessas mesmas assembleias gerais, a autora constituiu seu representante o Sr. Dr. Paulo a quem outorgou a respectiva "Carta de Representação/Mandadeira em Assembleias Gerais a realizar no dia 30 de Agosto de 2014, uma pelas 10:30 horas e outra pelas 15:00 horas".
17. Por via de tal carta de representação a autora conferiu-lhe "...todos os mais amplos poderes necessários para a representar nas ditas Assembleias, designadamente para, em seu nome, discutir, propor e votar quanto entender, no sentido que se lhe afigurar por mais conveniente".
18. No dia 30/08/2014, peias 10.30 horas, o ora mandatário subscritor compareceu no local da respectiva sede, na Rua (...), para, em nome da sua representada, participar e votar nas deliberações a tomar e constantes da ordem de trabalhos, nos termos constantes da carta de representação.
19. Na Assembleia Geral estavam presentes, a Senhora Presidente da Mesa da Assembleia Geral, D. Fernanda de C. G.; o Senhor Secretário da Assembleia Geral, Sr. Joaquim; o Sr. Dr. J. G., Ilustre advogado, em funções de assessoria jurídica à Senhora Presidente da Mesa; o Sr. Dr. José, Revisor Oficial de Contas e Fiscal único da sociedade e o Sr. F. J., Oficial de Contas da sociedade.
20. A assembleia geral iniciou-se pelas 10,30 horas. Pelas 11,10 horas, o Sr. Dr. Paulo entregou à Senhora Presidente da Mesa da Assembleia Geral o original da carta de representação, acompanhada de respectiva cópia do cartão de cidadão da Autora, e cópia dos títulos representativos das 10.500 (dez mil e quinhentas) acções ao portador, o que fez invocando a qualidade de representante da mesma e nos termos e para os efeitos constantes daquela carta mandadeira
21. O mandatário era possuidor dos títulos originais representativos daquelas 10.500 que exibiu, pelo que as respectivas cópias foram devidamente conferidas e reconhecidas pela Senhora Presidente da Mesa da A.G., como sendo conformes aos originais.
22. Acto contínuo, a Senhora Presidente da Assembleia Geral ditou para a acta, “disse, que não aceita a participação da senhora Dona A. M. na Assembleia Geral por não lhe reconhecer a qualidade de accionista da sociedade nos termos do art. 10º do Pacto Social uma vez que, a ser verdadeira a transmissão de acções, não cumpriu o disposto no artigo 7º do Pacto Social, seja no que toca ao reconhecimento por parte da Sociedade da transmissão de acções, seja na notificação para exercício do direito de preferência ali previsto, seja por último porque não deu nota à sociedade da transmissão daquelas acções e por isso não consta do respectivo livro de registo de acções. O problema não é pois, do direito de representação invocado pelo Dr. Paulo ao abrigo do art. 380º do C.S.C., ou seja, não são os poderes de representação que estão em causa, mas a origem da concessão desses poderes, pelo que foi convidado a sair, pelas 11h45m”.
23. Em sequência e no âmbito dos seus poderes de representação da autora, o mandatário subscritor ditou para a respectiva Acta o seu requerimento de admissão à assembleia, pugnando pela legitimidade da sua representada enquanto accionista da sociedade.
24. Pretensão que foi indeferida por declaração da Senhora Presidente da Mesa, também exarada em Acta.
25. Em consequência, o mandatário subscritor, por considerar ilegal a sua não admissão na qualidade de representante da accionista Autora, requereu ainda em Acta que lhe fornecida certidão integral do teor da Acta a elaborar e correspondente àquela mesma assembleia geral, para efeitos de impugnação das deliberações a tomar, cuja remessa solicitou fosse efectuada para o local do seu escritório identificado na carta mandadeira.
26. Em consequência o mandatário ausentou-se de seguida da aludida assembleia geral, que continuou sem a sua presença.
27. Pelas 15.00 horas do mesmo dia 30 de agosto de 2014, o mandatário subscritor compareceu de novo no local da respectiva sede, na Rua …, para estar presente na Assembleia Geral (segunda desse dia) designada para essa hora e, da mesma forma, actuando em representação da accionista agora Autora.
28. Estavam presentes, agora, a Senhora Presidente da Mesa da Assembleia Geral D. M. F. de C. G.; o Senhor Secretário da Mesa da Assembleia Geral, Sr. Joaquim; o Sr. Dr. J. G., Ilustre Advogado, em funções de assessoria jurídica à Senhora Presidente da Mesa; o Sr. Dr. José, Revisor Oficial de Contas e Fiscal único da sociedade e ainda, de novo, outras duas senhoras que o mandatário subscritor não reconheceu ou identificou.
29. Tendo sido concedida a palavra, o mandatário subscritor invocou, de novo, os termos da carta de representação e cópia dos títulos das 10.500 acções que havia entregue na A.G. realizada na parte da manhã e a sua qualidade de representante da accionista autora, formulando requerimento para ser admitido a participar e votar mesma qualidade e pugnando pela legitimidade e qualidade de accionista da sua representada.
30. O que ficou exarado na respectiva Acta.
31. Pretensão que foi também indeferida pela Senhora Presidente da Mesa, também em Acta, de novo com o fundamento de não reconhecer na representada do ora mandatário a qualidade de accionista da sociedade ora ré e tendo pedido, de novo, a sua retirada da assembleia geral.
32. O que o mandatário fez, logo após ter solicitado, também de novo, lhe fosse fornecida certidão da Acta a elaborar e correspondente àquela segunda assembleia geral, para efeitos de impugnação das deliberações a tomar.
33. Maria faleceu em 21/04/2014.
34. Todas as acções representativas do capital social da ré encontravam-se na casa de família sita na R. ..., nº 1, Bragança, primeiro num cofre e depois numa gaveta de uma cómoda existente no quarto ocupado por António, sendo que neste caso estavam à guarda deste.
35. As sócias filhas, M. C., M. F. e Luísa requereram a notificação judicial avulsa do sócio seu pai, António, para proceder à entrega de todas as acções de que se consideravam titulares.
36. Face à não entrega das acções por parte do sócio António as filhas M. C., M. F. e Luísa instauraram contra aquele acção executiva para entrega de coisa certa (proc. nº 96/14.8T8BGC a correr termos no Juízo Central Cível e Criminal de Bragança – Juiz 3).
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Não se provou:

- Que a notificação no âmbito da notificação judicial avulsa tenha sido efectuada pelas 12H05m do dia 20/05/2014 pela solicitadora de execução Carla.
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B) Subsunção jurídica

A autora alegou como fundamento do pedido de anulação das deliberações sociais referidas a violação dos art. 21º nº 1 b) (direito do sócio em participar nas deliberações), 379º nº 1 (direito do accionista com direito a um voto a estar presente na assembleia geral e aí discutir e votar) e 384º (votos) do Código das Sociedades Comerciais e art. 10º do pacto social (constituição da assembleia geral).

Na presente apelação a ré insurge-se contra a sentença que declarou nulas as deliberações tomadas nas assembleias gerais extraordinárias da sociedade X Investimentos Imobiliários, S.A. realizadas no dia 30/08/2014, pelas 10H30 e 15H00, por haver considerado que a autora, tendo-se apresentado com 10.500 acções ao portador, tinha legitimidade para exercer os seus direitos sociais e por ter entendido que as sócias M. C., M. F. e Luísa não tinham o direito de se arrogar proprietárias das acções que a sócia Maria lhes declarou transmitir.

Vejamos.

As sociedades comerciais (art. 1º nº 2 do C.S.C.) constituem-se por contrato, o qual deve obedecer a determinada forma e incluir determinados elementos (art. 7º, 9º do cit. diploma). Os sócios adquirem um conjunto de obrigações e de direitos, sendo um dos mais importantes o direito de participar nas deliberações de sócios (art. 20º, 21º, 53º do cit. diploma).

Estas deliberações devem obedecer a um determinado conteúdo e a um determinado processo de formação, sob pena de as mesmas poderem vir a ser declaradas nulas (art. 56º) ou anuláveis (art. 58º) em acção instaurada para o efeito (art. 57º e 59º).

Dispõe o art. 56º do C.S.C., sob a epígrafe “Deliberações nulas”:

“1- São nulas as deliberações dos sócios:
a)Tomadas em assembleia geral não convocada, salvo se todos os sócios tiverem estado presentes ou representados;
(…).”
E dispõe o art. 58º do mesmo diploma, sob a epígrafe “Deliberações anuláveis”:
“1 - São anuláveis as deliberações que:
a)Violem disposições quer da lei, quando ao caso não caiba a nulidade, nos termos do artigo 56.º, quer do contrato de sociedade;
(…).”

Um dos tipos de sociedades comerciais é a sociedade anónima (art. 271º e ss.). O vocábulo “acção” é um conceito polissémico no direito societário, uma vez que tanto é usado como fracção do capital social, como participação social (posição jurídica do sócio para com a sociedade que integra um conjunto de direitos e deveres), como ainda representação da participação social ou como documento que incorpora a situação jurídica do sócio (valor mobiliário – art. 1º a), 46º do C.V.M.). É esta última acepção a que nos interessa.

A matéria da transmissão de acções de uma sociedade anónima encontrava-se prevista nos art. 326º e 327º do C.S.C., preceitos que foram revogados pelo Novo Código de Valores Mobiliários (C.V.M.) aprovado pelo Decreto-Lei nº 486/99 de 13/11.
Existe uma discussão na doutrina e jurisprudência acerca desta temática que importa abordar e tomar posição

A mesma prende-se com o facto de saber se a transmissão de acções tituladas (nominativas ou ao portador) e escriturais, fora do mercado bolsista, se dá por mero efeito da celebração de negócio jurídico translativo nos termos do art. 408º nº 1 do C.C. ou se se exige ainda, como requisito de validade, a observância das formalidades exigidas nos art. 80º nº 1, 101º (este preceito entretanto revogado pela Lei nº 15/2017 de 3 de Maio) e 102º nº 1 do C.V.M que, no caso das acções ao portador era a traditio ou entrega física das próprias acções, no caso das acções nominativas é a declaração no título seguida de registo e no caso das acções escriturais é o registo na conta do adquirente.

Os defensores da primeira tese defendem que a transmissão da propriedade dos títulos se transmitia por mero acordo de vontades entre cedente e cessionário (art. 408º nº 1 do C.C.) e que as formalidades previstas no C.V.M. são apenas requisitos de legitimação do aquirente para o exercício dos seus direitos sociais. Sendo a transmissão efectuada mediante contrato de compra e venda este seria um contrato com eficácia real.

Os defensores da segunda tese defendem que a transmissão da propriedade das acções do alienante para o aquirente necessita de um título (por ex. o contrato de compra e venda) e de um “modo” ou um conjunto de actos sem cuja prática a transmissão, apesar do título, não opera. Assim, no caso da compra e venda, encontramo-nos perante um contrato com efeitos meramente obrigacionais

Entre os defensores desta tese destaca-se Coutinho de Abreu, in Curso de Direito Comercial, Vol. II, “Das sociedades”, 2002, pág. 371 e 372, onde refere: “(…) as acções-título (bem como as acções escriturais) estão sujeitas a regras próprias de circulação. E a lei marca ou acentua exactamente as especialidades dessa circulação. Omite (porque pressuposta) a necessidade do acordo entre as partes (circulação entre vivos) e explicita a necessidade da entrega ou da declaração de transmissão escrita no título (acções tituladas), ou do registo em conta (acções escriturais). Estas formalidades são essenciais para que a transmissão das acções se efective. O mero acordo entre transmitente e transmissário produz efeitos entre as partes – mas não produz, por si só, a transmissão de acções”.

Destaca-se igualmente Vera Eiró, in “A transmissão de Valores Mobiliários – As Acções em Especial”, publicado in “THEMIS” – Revista da Faculdade de Direito da UNL, ano VI, nº 11, 2005, pág. 145 a 185, que apelida as referidas formalidades previstas no C.V.M. de “modo”. Nesta obra lê-se “(…) a propriedade sobre as acções – independentemente da sua forma de representação ou da modalidade que revestem – não se transmite por mero efeito do contrato” (pág. 167), “não se dá apenas e tão só por efeito do modo” (pág. 171, só se efectua por força do contrato e do modo (pág. 172-175).
Subscrevemos esta segunda tese, a qual é maioritária na jurisprudência sendo paradigmático o Ac. do S.T.J. de 15/05/2008, in www.dgsi,pt..

Com efeito, apesar do art. 408º nº 1 do C.C. consagrar a regra da eficácia real dos contratos, prevê a possibilidade de excepções. O C.V.M., lei especial, previu uma excepção a tal regra e, no caso da compra e venda, ao art. 879º a) do C.C. (neste sentido vide Ac. do S.T.J. de 13/03/2007, da R.C. de 03/07/2012, da R.L. de 29/11/2011 in www.dgsi.pt).
Contra a primeira tese argumenta-se que o adquirente que não recebeu as acções ao portador não as pode alienar (sob pena de ser considerada uma aquisição a non domino), nem onerá-las, nem exercer quaisquer faculdades inerentes à sua titularidade (por ex. votar, receber dividendos) por lhe faltar a legitimidade. Assim, se se qualificasse o titular das acções como titular do direito de propriedade sobre as mesmas o mesmo seria titular de um direito sem conteúdo.

Por efeito do contrato o aquirente adquire, não o direito de propriedade sobre as acções, mas o direito de crédito a exigir a entrega das mesmas no caso das acções ao portador.

Revertendo ao caso em apreço, antes de mais, importa ter presente que numa acção de nulidade ou de anulação de deliberações sociais como a presente compete à autora a alegação e prova dos factos constitutivos do seu direito (art. 342º nº 1 do C.C.), a saber, a sua qualidade de accionista e a existência de deliberação não votada por si. Neste sentido vide Ac. da R.L. de 13/07/2016, in www.dgsi.pt.

Ora, se é incontestável que, nas referidas assembleias gerais, a autora foi impedida de permanecer e votar as deliberações aí tomadas, não obstante se ter apresentado como detentora de acções ao portador que exibiu, importa apurar se a mesma provou ter a qualidade de accionista.

Entendemos que não.

O facto da autora se ter apresentado como portadora das acções que exibiu e assim estar aparentemente legitimada para exercer os direitos inerentes às mesmas não conduz necessariamente que a mesma seja titular do direito de propriedade sobre as mesmas. A mesma apenas beneficia da presunção que o direito existe e que ela é a sua titular. Uma vez que a ré pôs em causa que a autora fosse titular do direito de propriedade sobre as acções incumbia a esta, quer no momento em que se apresentou nas assembleias, quer no momento em que instaurou a presente acção, ter alegado e provado, o negócio causal subjacente através do qual, juntamente com a entrega das acções pelo seu anterior titular, adquiriu o direito de propriedade sobre as mesmas.

Compreende-se que assim seja, pois em tese aquele que se apresenta como simples portador de acções ao portador pode tê-las simplesmente “achado” ou mesmo furtado.

Acresce que, no caso em apreço, Maria adquiriu a qualidade de accionista por simples outorga da escritura do contrato de sociedade em 04/05/2000 (art. 274º do C.S.C.), no qual lhe foram atribuídas 9.940 acções. No livro de registo de acções, cuja cópia se mostra junta aos autos, consta que a mesma era titular das acções ao portador nº 9941 a 19880. Ora, são exactamente estes títulos (e não só) que surgem nas mãos da autora sem que esta alegue, nem o negócio translativo da propriedade dos mesmos por parte de Maria para si ou de outrem (que as tenha adquirido daquela) para si, nem quem lhas entregou, sendo que também não alegou factos dos quais pudesse resultar que se encontra de boa fé.

Por outro lado, o contrato de sociedade em apreço impôs, nos termos do art. 328º do C.S.C., limitações à livre transmissibilidade das acções na medida em que estipulou, no art. 7º, um direito de preferência a favor dos accionista no caso de alienação a título oneroso ou gratuito de acções nominativas e previu no art. 10º que o accionistas com direito de voto na assembleia geral são os que têm as suas acções averbadas ou depositadas numa instituição de crédito ou registadas nos termos legais até 10 dias antes da mesma.
Por todo o exposto, não tendo a autora logrado provar a sua qualidade de accionista, as deliberações em causa não são nulas ou anuláveis.
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Apurou-se que, em 07/09/2012, Maria declarou ceder às suas três filhas as suas 9940 acções na sociedade ré. Contudo, tendo em atenção as considerações que se efectuaram supra, conclui-se que, neste caso, não tendo havido entrega das acções por parte da primeira às segundas, existe o negócio jurídico desacompanhado de “modo” pelo que as adquirentes não são titulares do direito de propriedade sobre as mesmas, tendo apenas o direito de crédito a que as mesmas lhe sejam entregues, direito aliás que já exerceram mediante notificação judicial avulsa e execução para entrega de coisa certa. Mas isto em nada colide com o que decidiu supra.
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Sumário – 663º nº 7 do C.P.C.:

I - É admissível a utilização, pelas partes nos articulados e pelo juiz na decisão de facto, de conceitos jurídicos simples e inequívocos, correntemente utilizados na linguagem vulgar, desde que não incidam sobre o ponto dúbio do litígio.
II - A sentença não tem que incluir como provados e não provados todos os factos alegados pelas partes nos respectivos articulados, mas apenas os factos essenciais (art. 5º nº 1 do C.P.C.)., e os factos complementares ou concretizadores (art. 5º nº 2 b) do C.P.C.).
III- A transmissão de acções tituladas (nominativas ou ao portador) e escriturais, fora do mercado bolsista, dá-se por efeito da celebração de negócio jurídico translativo nos termos do art. 408º nº 1 do C.C. exigindo-se ainda, como requisito de validade, a observância das formalidades exigidas nos art. 80º nº 1, 101º e 102º nº 1 do C.V.M (antes das alterações introduzidas pela Lei nº 15/2017 de 3 de Maio) que, no caso das acções ao portador é a traditio ou entrega física das próprias acções, no caso das acções nominativas é a declaração no título seguida de registo, e que no caso das acções escriturais é o registo na conta do adquirente.
IV - Numa acção de nulidade ou de anulação de deliberações sociais em que o autor se contra o facto de ter sido impedido de participar e votar na assembleia geral a este incumbe o ónus de alegação e prova dos factos constitutivos do seu direito, a saber, a sua qualidade de accionista e a existência de deliberação não votada por si.
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III – Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal em julgar procedente a apelação e, consequentemente, revogar a decisão recorrida absolvendo a ré do pedido.
Custas pela apelada.
Guimarães, 13/09/2018

(Margarida Almeida Fernandes)
(Margarida Sousa)
(Afonso Cabral de Andrade)