Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
3726/19.1T8VNF.G1
Relator: VERA SOTTOMAYOR
Descritores: CONTRA-ORDENAÇÃO
FALTA DE DISCOS
ADMOESTAÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 02/06/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO SOCIAL
Sumário:
I - O preenchimento da contra ordenação a que alude o artigo 25.º, n.º 1, b) da Lei 27/2010, de 30/08 conjugado com o artigo 15º, nº 7, a) do Regulamento CEE n.º 3821/85 do Conselho de 20/12/1985, na redacção que lhe foi dada pelo Regulamento (CE) n.º 561/2006, do Parlamento Europeu e do Conselho de 15/03/2006 verifica-se com a não apresentação, no momento da fiscalização, das folhas de registo de tacógrafo do dia e dos 28 dias anteriores, ou de outros registos que justifiquem a omissão, não podendo esse incumprimento ser justificado ou suprido a posteriori.

II - No que respeita a responsabilidade da empresa pela prática da infracção, esta presume-se (cfr. art.º 13.º n.ºs 1 e 2 da Lei n.º 27/2010), cabendo-lhe por isso o ónus da prova dos factos idóneos a afastar a sua responsabilidade, o que no caso não sucedeu.

III- O que justificaria a falta de apresentação das folhas de registo de tacógrafo do dia e dos 28 dias anteriores e excluiria a ilicitude da sua conduta seria a exibição, no acto da fiscalização, de documento justificativo da falta de registo, documento que poderia ser a declaração de actividade ou um qualquer outro documento.

IV - Quando está em causa a prática de infracção de natureza laboral classificada quer como grave, quer como de muito grave, a lei veda ao julgador a possibilidade de aplicar a pena de admoestação.
Decisão Texto Integral:
RECORRENTE: X - PERFIS – J. V., LDA.
RECORRIDO: MINISTÉRIO PÚBLICO

Tribunal da Comarca de Braga, Juízo do Trabalho de Vila Nova de Famalicão

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Guimarães

Relatório

No âmbito da decisão administrativa proferida pela Unidade Local do Ave da Autoridade para as Condições do Trabalho em 26/04/2019, foi aplicada à Recorrente X - PERFIS – J. V., LDA., a coima de €2.600,00, pela prática da infracção p. e p. nos artigos 25.º, n.º 1, b) da Lei 27/2010, de 30/08 conjugado com o artigo 14º, nº 4, a) da mesma lei e 15º, nº 7, a) do Regulamento CEE n.º 3821/85 do Conselho de 20/12/1985, na redacção que lhe foi dada pelo Regulamento (CE) n.º 561/2006, do Parlamento Europeu e do Conselho de 15/03/2006.
A arguida/recorrente não concordando com a decisão administrativa recorreu para o Juízo do Trabalho de Barcelos, pugnando pela procedência do recurso, com as demais consequências.

Recebido o recurso e realizado o julgamento foi proferida decisão que terminou com o seguinte dispositivo:

“Pelo exposto, julgo o recurso improcedente e, em consequência, mantenho a decisão proferida pela ACT.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 1 UC – artigo 8.º, n.º 7 do RCP.
Comunique à autoridade administrativa.
Notifique e deposite.”

A arguida X - PERFIS – J. V., LDA. inconformada com esta decisão, que julgou improcedente a impugnação judicial e manteve a decisão proferida pelo Centro Local do Ave da Autoridade para as Condições do Trabalho, recorreu para este Tribunal da Relação de Guimarães pedindo a revogação da decisão com a sua substituição por outra que a absolva da infracção que lhe é imputada pela autoridade administrativa ou caso assim não se entenda que lhe seja aplicada a pena de admoestação, motivando o seu recurso com as seguintes conclusões:

“1- Ficou provada que:
3) O condutor T. A., no momento da fiscalização, não tinha em sua posse registos de tacógrafo correspondentes a parte dos aos 28 dias anteriores à fiscalização.
4) O condutor apenas apresentou aos agentes fiscalizadores registos de tacógrafo relativos aos dias 23/10; 05/11; 13/11; 16/11; 18/11; 19/11; e 20/11 de 2015.
5) Além dos registos acima referidos, o condutor não apresentou aos agentes fiscalizadores, qualquer outro registo referente aos restantes dias compreendidos nos 28 dias anteriores à fiscalização, nem apresentou qualquer documento destinado a justificar a ausência de registos de tacógrafo, relativamente aos dias de que não apresentou folhas de registo de tacógrafo, nem apresentou o cartão de condutor.
6) O condutor T. A. trabalhou para a arguida entre Setembro de 2015 e setembro de 2016, como empregado de armazém e não conduzia diariamente.
8) Os discos de tacógrafo que o condutor apresentou no momento da fiscalização (os referidos no facto provado 4), correspondem aos dias compreendidos nos 28 dias anteriores ao da fiscalização, nos quais tinha conduzido ao serviço da arguida a viatura indicada no auto de notícia.
9) No período dos 28 dias anteriores à fiscalização o condutor passou muitos dias no armazém da empresa sem conduzir, efetuando tarefas próprias da atividade armazenista, tais como preparar cargas e a agrupar cargas dos produtos produzidos pela empresa.
10) Nos dias relativamente aos quais não apresentou registos de tacógrafo aquele condutor trabalhou no armazém.
2- Sociedade recorrente entende que não se verifica qualquer infracção, pois esta organizou - como sempre organiza - devidamente o trabalho de modo a que o motorista pudesse dar cumprimento à obrigação de apresentação dos registos tacógrafos aquando da fiscalização – o que sucedeu no que diz respeito aos períodos efectivos de trabalho prestados nos 28 dias anteriores -.
3- se assim não se entender, a sociedade arguida/recorrente, jamais agiu com qualquer tipo de dolo e, ou, intenção.
4- Devendo por isso ter sido decretado pelo Tribunal a quo a dispensa da aplicação de qualquer coima, pois,
5- A mera ameaça da aplicação da tal coima é mais que suficiente para a conduta futura da arguida/recorrente,o qual, obviamente, nunca mais praticar a infração dos autos.

Por outro lado e, quando assim se não entender,

6- A arguida/recorrente, não praticou intencionalmente qualquer infracção, não tendo, desta forma, agido com dolo.
7- Não obteve - muito antes pelo contrário - qualquer benefício económico com a descrita omissão.
8- De facto como foi dado como provado (ponto 10) o trabalhador em questão - Nos dias relativamente aos quais não apresentou registos de tacógrafo aquele condutor trabalhou no armazém.
9- A arguida/recorrente é primária, já que nunca antes foi acusada e muito menos condenada pela prática de qualquer infracção.
10- Pelo que, não tendo havido qualquer benefício económico, e a circunstância de não ser elevada a culpa da arguida/recorrente e ainda, o facto da arguida não ter antecedentes contra - ordenacionais,
11- Deveria, nos termos do artigo 51° n° 1 do R.G.C.C., ter sido aplicada à arguida, a Pena de Admoestação.
12- O quadro geral do Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas (Dec. Lei 433/82 de 27 de Outubro) estabelece no artigo 51º que «quando a reduzida gravidade da infracção e da culpa do agente o justifique pode a entidade competente limitar-se a proferir uma admoestação».
13- Pese embora o pouco esclarecedor quadro normativo que envolve a «admoestação» no domínio do Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas - Decreto-lei n.º 433/82 de 27 de Outubro -.
14-Entende a recorrente que o modo como o legislador estabeleceu o regime da admoestação não pode deixar de ser visto ainda como uma medida sancionatória de substituição da coima, admissível em qualquer fase do processo e por isso passível de ser aplicada nesta fase processual, desde que verificados os seus pressupostos.
15- Não existindo qualquer justificação dogmática para impedir o funcionamento da admoestação como medida de substituição à coima no processo de contra-ordenação.
16- É ainda a concretização do princípio da necessidade das sanções que perpassa no ordenamento sancionatório penal e contra-ordenacional que se faz sentir.
17- Daí que a Admoestação a que se alude no artigo 51º do RGCO, é uma verdadeira sanção de substituição da coima, traduzida na sua dispensa, desde que verificados determinados pressupostos.
18- Pressupostos que decorrem da constatação da reduzida gravidade da infracção (ilicitude) e da diminuição da culpa do agente.
19- Sendo certo que, a aplicação da pena de admoestação se afigura, nos presentes autos, como proporcionalmente adequada e justa em função das circunstâncias em que ocorreram os factos.
20- A sentença recorrida violou, entre outras, as disposições contidas nos artigos 13º da Lei 27/2010 e 51º doRGCC.

Nestes termos e nos melhores de direito, que será doutamente suprido por V. Exas., deverá ser dado provimento ao presente recurso, com a consequente revogação da douta sentença recorrida,
Assim se fazendo como sempre, JUSTIÇA!.”

Por despacho de 17-06-2019, foi o recurso admitido na 1.ª instância.
O Ministério Público apresentou contra alegação, pugnando pela manutenção da decisão recorrida.
Remetidos os autos para este Tribunal da Relação de Guimarães, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer, no sentido da improcedência do recurso, parecer esse que não foi objecto de qualquer resposta.
Colhidos os vistos legais, cumpre agora apreciar e decidir.
*
Objecto do Recurso

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente na sua motivação – artigos 403º n.º 1 e 412º n.º 1, ambos do C.P.P. e aqui aplicáveis por força do artigo 50.º n.º 4 da Lei n.º 107/2009, de 14/09.
Atentas as conclusões de recurso as questões que importa decidir cingem-se apenas em apurar se a arguida/recorrida cometeu a contra-ordenação que lhe foi imputada pela entidade administrativa e em caso afirmativo apurar da aplicação da pena de admoestação.

Fundamentação de facto

O Tribunal de 1ª instância considerou provada a seguinte matéria de facto.

1) A arguida é sociedade comercial, com o NIPC …, que tem como objeto social a “fabricação e comercialização de estruturas metálicas para placas de gesso. Comércio, importação e exportação de materiais para construção civil”, e é legalmente representada pelo gerente, J. V., NIF ….
2) No dia 30/11/2015, pelas 10h40m, agentes da Guarda Nacional Republicada/Posto de Trânsito de Ponte de Lima, no nó de ligação das Autoestradas A7/A3, em Cabeçudos, Vila Nova de Famalicão, intercetaram e fiscalizaram o condutor T. A., titular do cartão de cidadão n.º …, o qual se encontrava a conduzir ao serviço da arguida, a viatura pesada de mercadorias com a matrícula LS, equipada com tacógrafo analógico.
3) O condutor T. A., no momento da fiscalização, não tinha em sua posse registos de tacógrafo correspondentes a parte dos aos 28 dias anteriores à fiscalização.
4) O condutor apenas apresentou aos agentes fiscalizadores registos de tacógrafo relativos aos dias 23/10; 05/11; 13/11; 16/11; 18/11; 19/11; e 20/11 de 2015.
5) Além dos registos acima referidos, o condutor não apresentou aos agentes fiscalizadores, qualquer outro registo referente aos restantes dias compreendidos nos 28 dias anteriores à fiscalização, nem apresentou qualquer documento destinado a justificar a ausência de registos de tacógrafo, relativamente aos dias aos dias de que não apresentou folhas de registo de tacógrafo, nem apresentou o cartão de condutor.
6) O condutor T. A. trabalhou para a arguida entre setembro de 2015 e setembro de 2016, como empregado de armazém e não conduzia diariamente.
7) Quando conduzia, tanto o fazia com a viatura referida nos autos, como com uma outra viatura pesada de mercadorias da arguida, de matrícula MG, também equipada com tacógrafo analógico.
8) Os discos de tacógrafo que o condutor apresentou no momento da fiscalização (os referidos no facto provado 4), correspondem aos dias compreendidos nos 28 dias anteriores ao da fiscalização, nos quais tinha conduzido ao serviço da arguida a viatura indicada no auto de notícia.
9) No período dos 28 dias anteriores à fiscalização o condutor passou muitos dias no armazém da empresa sem conduzir, efetuando tarefas próprias da atividade armazenista, tais como preparar cargas e a agrupar cargas dos produtos produzidos pela empresa.
10) Nos dias relativamente aos quais não apresentou registos de tacógrafo aquele condutor trabalhou no armazém.
11) Aquando da fiscalização, o condutor declarou ao agente autuante o referido em 10).
12) Em Janeiro de 2016 a arguida deu formação ao condutor sobre a utilização de tacógrafos, tempos de condução pausas e períodos de repouso, no domínio dos transportes rodoviários.
13) A arguida actuou sem o cuidado devido a que estava obrigada e de que era capaz, conhecendo a natureza contra-ordenacional do seu comportamento.
14) O volume de negócios da arguida no ano de 2014 foi de 1.049.243€.

Fundamentação de direito

Da prática da imputada infracção

Defende a recorrente que em função da factualidade provada deveria ter sido absolvida da imputada infracção, já que o motorista ao seu serviço não apresentou a totalidade dos 28 discos referentes aos dias anteriores ao da fiscalização, porque nesses dias desempenhou tarefas diferentes da condução (esteve a trabalhar no estaleiro da sociedade), tendo assim o tribunal a quo feito errada interpretação das normas aplicáveis.
Sobre esta mesma questão já tivemos oportunidade de nos pronunciarmos por diversas vezes, sendo que a mais recente teve lugar em 17/12/2019, no Acórdão proferido no Proc. n.º 1677/19.9T8BRG (não publicado), o qual passamos a transcrever no que aqui nos interessa.

“A recorrente foi condenada por o seu motorista não ter apresentado todos os registos relativos aos 28 dias anteriores à fiscalização, infringindo assim o p. e p. pelo artigo 25.º, n.º 1, alínea b) da Lei n.º 27/2010, de 30/08 (regime sancionatório por violação das regras sobre tempos de condução, pausas e períodos de repouso de condutores rodoviários), a qual sob a epígrafe de “Apresentação de dados a agente encarregado da fiscalização” prescreve o seguinte:

“1 — Constitui contraordenação muito grave a não apresentação, quando solicitada por agente encarregado da fiscalização:
(…)
b) De cartão de condutor, das folhas de registo utilizadas e de qualquer registo manual e impressão efetuados, que o condutor esteja obrigado a apresentar;”

Por seu turno, importa ainda atentar no prescrito no artigo 36.º, n.º 1 do Regulamento (UE) n.º 165/2014 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 4 de Fevereiro de 2014, respeitante à utilização de tacógrafos nos transportes rodoviários, no qual se estabelece o seguinte:

“1. Se conduzirem um veículo equipado com tacógrafo analógico, os condutores devem apresentar, quando os agentes de controlo autorizados o solicitem:
i) As folhas de registo do dia em curso e as utilizadas pelo condutor nos 28 dias anteriores;
ii) O cartão de condutor, se o possuir; e
iii) Qualquer registo manual e impressão efetuados durante o dia em curso e nos 28 dias anteriores, tal como previsto no presente regulamento e no Regulamento (CE) n.º 561/2006.”

Por fim, ainda de acordo com a alínea a) do n.º 7 do artigo 15.º do Regulamento (CEE) n.º 3821/85, alterado pelo referido Regulamento (CE) n.º 561/2006:

i) “a) Sempre que o condutor conduza um veículo equipado com um aparelho de controlo em conformidade com o anexo I, deve poder apresentar, a pedido dos agentes encarregados do controlo: as folhas de registo da semana em curso e as utilizadas pelo condutor nos 15 dias anteriores; o
ii) cartão de condutor, se o possuir; e
iii) qualquer registo manual e impressão efectuados durante a semana em curso e nos 15 dias anteriores, tal como previsto no presente regulamento (CE) n.º 561/2006.

No entanto, após 1 de Janeiro de 2008, os períodos referidos nas subalíneas i) e iii) abrangerão o dia em curso e os 28 dias anteriores.”

Da alínea b) do citado preceito resulta o seguinte:

Sempre que o condutor conduza um veículo equipado com aparelho de controlo em conformidade com o anexo 1B, deve poder apresentar, a pedido dos agentes encarregados do controlo:

i) Cartão de condutor de que for titular;
ii) Qualquer registo manual e impressão efectuados durante a semana em curso e nos 15 dias anteriores, tal como previsto no presente regulamento e no Regulamento (CE) n.º 561/2006 e
iii) As folhas de registo correspondentes ao período referido na alínea anterior, no caso de ter conduzido um veículo equipado com um aparelho de controlo com anexo I.

No entanto, após 1 de Janeiro de 2008, os períodos referidos na subalínea ii) devem abranger o dia em curso e os 28 dias anteriores.”

E a alínea c) do citado n.º 7 do artigo 15.º do Regulamento (CEE) n.º 3821/85 do Conselho estabelece ainda o seguinte:

Os agentes autorizados para o efeito podem verificar o cumprimento do Regulamento (CE) 561/2006 através da análise das folhas de registo ou dos dados, visualizados ou impressos, registados pelo aparelho de controlo ou pelo cartão de condutor, ou na falta destes meios, através da análise de qualquer outro documento comprovativo que permita justificar o incumprimento de qualquer disposição, como as previstas nos n.ºs 2 e 3 do artigo 16”. (sublinhado nosso).
(…)
Dos citados normativos resulta patente que a fiscalização poderá ser efetuada através da análise das folhas ou dos dados visualizados ou impressos, registados pelo aparelho de controlo ou pelo cartão de condutor ou, na falta destes meios, através da análise de qualquer outro documento comprovativo que permita justificar o incumprimento de qualquer disposição.
O legislador não pretendeu, apenas, assegurar a existência dos registos em questão, mas sim e também a sua imediata apresentação ou justificação documentada da sua falta, às autoridades competentes quando tal lhes seja solicitado no controlo em estrada (sublinhado nosso).
Tal decorre da letra da lei, ao referir no art.º 15º, nº 7, do Regulamento (CEE) nº 3821/85 do Conselho, que o condutor “deve poder apresentar, a pedido dos agentes encarregados do controlo” (sublinhado nosso), da obrigação de conservar a bordo as folhas de registo dos 28 dias anteriores ao da fiscalização, do facto dos agentes poderem verificar o cumprimento do Regulamento, através da análise de qualquer outro documento comprovativo que permita justificar o incumprimento de qualquer disposição (sublinhado nosso) e do facto de o controlo dever ser feito em estrada (por contraposição ao controlo nas instalações da empresa).
A lei prevê assim o momento da apresentação de tal documentação comprovativa quer da condução, quer a justificativa do incumprimento de qualquer disposição (designadamente da impossibilidade de apresentação da totalidade dos 28 discos anteriores ao do dia da fiscalização) – no acto da fiscalização -, razão pela qual tais documentos tem de estar na posse do condutor por forma a poderem ser apresentados às autoridades que procedem à fiscalização na estrada.
Em suma, para que o agente encarregado da fiscalização possa analisar e verificar do cumprimento do citado Regulamento tem o condutor necessariamente ter consigo ou os registos dos 28 dias anteriores ao da fiscalização ou documento comprovativo que permita justificar o facto de não possuir um ou mais destes registos.
Acresce dizer que tem sido entendimento dominante da jurisprudência, o de que a contra-ordenação muito grave prevista e punida nos termos das disposições conjugadas dos arts. 15.º, n.° 7, alínea a), e alíneas i) e iii) do Regulamento CEE n.° 3821, do Conselho, de 20/12/1985, na redacção que lhe foi dada pelo Regulamento (CE) n.° 561/2006, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15/03/2006, e 25° n.°1, alínea b) da Lei n.° 27/2010, de 30/08, ou seja a não apresentação, pelo motorista, das folhas do registo tacógrafo relativas ao período dos 28 dias anteriores solicitadas pelo agente fiscalizadora, verifica-se com a não apresentação de qualquer uma destas folhas, já que esta não apresentação é o único facto constitutivo do tipo legal.
Este é também o entendimento que forma unânime tem sido sufragado por este Tribunal da Relação de Guimarães, designadamente nos seguintes arestos: Proc. n.º 1550/14.7T8VCT, Ac. de 6/10/2016 (não publicado); Proc. n.º 1154/15.7T8BCL.G1, Ac. de 20/10/2016 (relatora Alda Martins), Procs n.º 2169/17.6T8VNF, n.º 2401/17.6T8VNF e n.º 4016/17.0T8VNF por nós relatados, respectivamente, em 19/10/2017, em 16/11/2017 e em 05/04/2018 (consultáveis em www.dgsi.pt), passando a transcrever o sumário do que se fez constar a este propósito, neste último acórdão.
I –. Mostra-se praticada a infracção ao disposto no art. 15.º, n.º 7, als. a) e b) do Regulamento (CEE) n.º 3821/85, de 20 de Dezembro, com a redacção que lhe foi dada pelo Regulamento (CE) 561/2006 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de Março, se o condutor do veículo não apresentar as folhas de registo do dia em curso e dos 28 dias anteriores, sendo necessário, para excluir a ilicitude da sua conduta, que no acto da fiscalização o mesmo exiba documento comprovativo que permita justificar o incumprimento, nos termos da al. c) do citado art. 15.º, n.º 7, seja a «Declaração de Actividade» ou um qualquer outro documento.”

Com efeito, o legislador não pretendeu assegurar apenas a existência dos registos em causa, mas também, a sua imediata apresentação às autoridades fiscalizadoras quando tal seja por elas solicitado no controlo em estrada, a fim de permitir àquelas autoridades percepcionar os tempos de trabalho e não trabalho, pausas e períodos de repouso dos trabalhadores envolvidos no transporte rodoviário quer de mercadorias, quer de passageiros nos últimos 28 dias e isto, quer o motorista tenha, ou não, exercido a condução nesse período que antecedeu o dia da fiscalização.
Impunha-se assim que a arguida/empregadora tivesse entregado, atempadamente, ao seu motorista os documentos que o mesmo pudesse exibir às entidades policiais e que justificassem a ausência de registos.
Retornando ao caso dos autos diremos que não tendo o motorista consigo a totalidade dos registos correspondentes ao trabalho realizados nos últimos 28 dias, designadamente por não ter conduzido pelos mais diversos motivos, neles se incluindo o gozo de férias, mostra-se verificada a imputada infracção, sendo certo que de forma de excluir a ilicitude da sua conduta, teria a arguida de ter preenchido e entregue ao motorista quer o formulário previsto no artigo 11°, n° 3, da Directiva n.° 2006/22/CE do Parlamento Europeu e do Conselho de 15 de Março de 2006 e na Decisão da Comissão de 14 de Dezembro de 2009 (a denominada Declaração de Actividade), quer qualquer outra justificação que viesse a ser apresentada nos termos da alínea c) do artigo 15.º, n.°7 do Regulamento n.°3821/85.
Como refere o Tribunal da Relação de Évora, no Acórdão proferido em 1/10/2015, Proc. n.º 77/15.4T8STC.E1, que pode ser consultado em www.dgsi.pt,
“Da interpretação conjugada dos referidos normativos legais, resulta, pois, em síntese, que quando solicitado por agente encarregado de fiscalização, o condutor de veículo de transporte rodoviário pesado de mercadorias deve apresentar o cartão de condutor de que for titular, as folhas de registo do dia em curso e dos 28 dias anteriores, sendo que a não apresentação de tais elementos constitui contra-ordenação muito grave.
Naturalmente que a fiscalização poderá ser efectuada através da análise das folhas ou dos dados, visualizados ou impressos, registados pelo aparelho de controlo ou pelo cartão de condutor ou, na falta destes meios, através da análise de qualquer outro documento comprovativo que permita justificar o incumprimento de qualquer disposição.
Note-se que, tratando-se, por exemplo, de um condutor inserido em escalas de serviço, deve ser portador de um extracto da escala de serviço e de uma cópia do horário de serviço, devendo incluir o período mínimo que abranja os 28 dias anteriores (cfr. artigo 16.º do Regulamento 561/2006).”
Resumindo, não sendo apresentada ao agente fiscalizadora todos ou alguns dos registos referentes aos 28 dias que antecederam o dia da fiscalização de condução, deve o condutor apresentar documento comprovativo que justifique a ausência das folhas de registo em relação aos dias em falta, pois só por esta via, se pode concluir que foram apresentadas ou não, ao agente fiscalizador todas as folhas referentes a período temporal em questão e assim excluir ou não a ilicitude da sua conduta.
Neste sentido ver entre outros, Acórdão da Relação do Porto de 05/12/2011, Proc. 68/11.4TTVCT.P1, relatora Paula Leal de Carvalho; Acórdão da Relação Évora de 8/11/2017, Proc.1523/15.2T8BJA.E1, relatora Paula Paço; Acórdão da Relação de Lisboa, de 16/03/2016, Proc. 196/15.7T8BRR.L1.4, relator José Eduardo Sapateiro e de 19/04/2017, Proc. 14013/16.7T8LSB.L1, relatora Maria José Costa Pinto.
Cabe-nos dizer que a inexistência no acto da fiscalização de documento justificativo ou comprovativo da falta do registo dos 28 dias anteriores ou de alguns destes dias, não pode ser colmatada a posteriori, pois tal conduziria à completa inutilidade das ações inspetivas, revelando-se assim desprovido de interesse o facto de se ter apurado que o condutor no período entre 03 e 15 de Setembro de 2017, esteve de férias, uma vez que não foi exibido ao agente fiscalizador qualquer documento que atestasse tais factos, o que como acima já deixámos expresso teria excluído a ilicitude da conduta.
Caso assim não se entendesse, levaria a que os condutores circulassem sem a documentação legalmente exigível, inviabilizando a fiscalização da sua actividade e permitindo ocultar a existência das folhas de registo nas quais se verificassem infracções, com o pretexto de que nesse dia não tinham registos por o condutor não ter conduzido, de nada assim servindo a atividade dos agentes fiscalizadores. A que acresce dizer que tal obstaria, sem margem para dúvidas, ao efectivo controlo dos tempos de trabalho prestados pelos condutores pondo em causa os princípios subjacentes à regulamentação comunitária nesta matéria referentes à melhoria da segurança rodoviária, à melhoria das condições sociais dos trabalhadores dos transportes rodoviários e à promoção da concorrência leal no sector do transporte rodoviário.
Por fim, voltamos a repetir que não é a falta de declaração de actividade que integra o tipo legal da contraordenação do artigo 15.º n.º 7 do Regulamento (CEE) n.º 3821/85, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20/12 conjugado com o artigo 25º n.º 1 da Lei n.º 27/2010, o que integra o tipo legal da infracção é a falta das folhas de registo do dia em curso e dos 28 dias anteriores.

No caso em apreço, o tipo legal, mormente o elemento objectivo da infracção mostra-se preenchido, pois o condutor efetivamente não possuía consigo os 28 registos.
O que justificaria a sua falta e excluiria a ilicitude da sua conduta seria a exibição, no acto da fiscalização, de documento justificativo da falta de registo, documento que poderia ser a declaração de actividade, que constitui documento idóneo justificativo do incumprimento ou um qualquer outro documento, o que no caso em apreço não sucedeu.”

Em suma o preenchimento do tipo de contra ordenação em causa consuma-se com a mera não apresentação, no momento da fiscalização, das folhas de registo de tacógrafo do dia e dos 28 dias anteriores, ou de outros registos que justifiquem a omissão, não podendo esse incumprimento ser justificado ou suprido a posteriori. No que respeita a responsabilidade da empresa pela prática da infracção, esta presume-se (cfr. art.º 13.º n.ºs 1 e 2 da Lei n.º 27/2010), cabendo-lhe por isso o ónus da prova dos factos idóneos a afastar a sua responsabilidade, o que no caso não sucedeu.”

Assim sendo e resultando da factualidade provada que no acto da fiscalização o trabalhador não tinha em sua posse os registos de tacógrafo correspondentes a parte dos 28 dias anteriores à fiscalização, sem que tivesse apresentado qualquer documento destinado a justificar a ausência de registos de tacógrafo, relativamente aos dias em que não apresentou folhas de registo de tacógrafo, é de concluir pelo preenchimento dos elementos típicos da infracção. E resultando ainda da factualidade apurada que a arguida não logrou ilidir a presunção que sobre si impendia, já que não logrou provar qualquer facto idóneo que demonstrasse que organizou o trabalho de modo a que o seu condutor pudesse cumprir o disposto no Regulamento (CEE) n.º 3821/85, do Conselho, de 20 de Dezembro, e no capítulo ii do Regulamento (CE) n.º 561/2006, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de Março, afastando assim a sua responsabilidade, terá a mesma de ser considerada responsável pelo cometimento da contra-ordenação, impondo-se concluir que o tribunal a quo procedeu à correta interpretação e aplicação do direito, sendo inexistente a violação de qualquer disposição legal designadamente da contida no artigo 13º da Lei 27/2010, de 30/08.

Em face do exposto improcede nesta parte o recurso.

Da aplicação de uma admoestação

Pretende a Recorrente que lhe seja aplicável a pena de admoestação em substituição da coima que lhe foi aplicada, mas sem qualquer razão.
Importa desde já salientar que a norma a aplicar não é a do regime geral de contra-ordenações invocada pela recorrida (art.º 51), mas sim a norma prevista no regime processual aplicável às contra-ordenações laborais e de segurança social e isto por força do previsto no art.º 12.º n.º 2 da Lei n.º 25/2010, o qual prevê ser este o regime aplicável às contra-ordenações previstas nesta lei.

Assim prescreve o art.º 48.º do RPCOLSS o seguinte:

Excepcionalmente, se a infracção consistir em contraordenação classificada como leve e a reduzida culpa do arguido o justifique, pode o juiz proferir uma admoestação” (sublinhado nosso).
E resulta do citado art.º 25º, 1, al. b), da Lei 27/2010, de 30/08, que a contra-ordenação praticada está classificada como tendo natureza de muito grave.
Na verdade, a lei veda ao julgador a possibilidade de aplicar a pena de admoestação quando estão em causa infracções classificadas quer como graves, quer como de muito graves, tal como sucede no caso em apreço.
Estando assim afastada a possibilidade de aplicar a pena pretendida pela recorrente, fácil é de concluir pela improcedência da sua pretensão a qual não tem qualquer sustento na lei aplicável.

DECISÃO

Por todo o exposto e nos termos dos artigos 50.º e 51.º do Regime Processual das Contra-Ordenações Laborais e de Segurança Social (Lei n.º 107/2009, de 14/09), acorda-se, neste Tribunal da Relação de Guimarães, em julgar improcedente o presente recurso, confirmando-se a sentença recorrida
Custas do recurso a cargo da arguida/recorrente, fixando a taxa de justiça em 3 UC.
Após trânsito em julgado comunique à ACT com cópia certificada do acórdão.
Guimarães, 6 de Fevereiro de 2020

Vera Maria Sottomayor (relatora)
Maria Leonor Barroso


Sumário:

I - O preenchimento da contra ordenação a que alude o artigo 25.º, n.º 1, b) da Lei 27/2010, de 30/08 conjugado com o artigo 15º, nº 7, a) do Regulamento CEE n.º 3821/85 do Conselho de 20/12/1985, na redacção que lhe foi dada pelo Regulamento (CE) n.º 561/2006, do Parlamento Europeu e do Conselho de 15/03/2006 verifica-se com a não apresentação, no momento da fiscalização, das folhas de registo de tacógrafo do dia e dos 28 dias anteriores, ou de outros registos que justifiquem a omissão, não podendo esse incumprimento ser justificado ou suprido a posteriori.
II - No que respeita a responsabilidade da empresa pela prática da infracção, esta presume-se (cfr. art.º 13.º n.ºs 1 e 2 da Lei n.º 27/2010), cabendo-lhe por isso o ónus da prova dos factos idóneos a afastar a sua responsabilidade, o que no caso não sucedeu.
III- O que justificaria a falta de apresentação das folhas de registo de tacógrafo do dia e dos 28 dias anteriores e excluiria a ilicitude da sua conduta seria a exibição, no acto da fiscalização, de documento justificativo da falta de registo, documento que poderia ser a declaração de actividade ou um qualquer outro documento.
IV - Quando está em causa a prática de infracção de natureza laboral classificada quer como grave, quer como de muito grave, a lei veda ao julgador a possibilidade de aplicar a pena de admoestação.

Vera Sottomayor