Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
103875/17.4YIPRT.G1
Relator: ALCIDES RODRIGUES
Descritores: OBRIGAÇÃO DE JUROS
ANATOCISMO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 10/11/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I – A lei civil só permite a capitalização de juros vencidos (o "anatocismo") desde que exista convenção posterior ao vencimento da obrigação ou após a notificação judicial feita ao devedor para capitalizar os juros vencidos ou proceder ao seu pagamento sob pena de capitalização (art. 560º, n.º 1 do Cód. Civil).

II – Sendo peticionados juros de mora vencidos e vincendos, no segmento decisório da sentença condenatória a incidência dos juros de mora vincendos deve ser delimitada ao capital em dívida, sob pena da decisão permitir ao credor capitalizar juros sobre os juros vencidos, sem que se verifiquem os pressupostos legais que legitimam o estabelecimento de uma situação de anatocismo.
Decisão Texto Integral:
I. Relatório

Em 27/10/2017, “X - Metalomecânica Lda.” requereu injunção contra “Y, Sociedade de Equipamentos Ecológicos e Sistemas Ambientais, S.A.”, para haver desta o pagamento do montante global de €50.847,71 (cfr. fls. 2).

Para tanto alegou, em resumo, que as facturas relativas aos serviços prestados perfazem um total de €49.497,21 e que para pagamento do valor das identificadas facturas a R. entregou à A. a quantia de €1.500,00, razão pela qual, à data, permanece ainda em dívida a quantia de € 47.997,21.

Mais alegou que sobre a quantia em dívida já se venceram juros de mora, calculados às taxas de juros comerciais de 8%, desde a data de vencimento de cada uma das supra referidas facturas até à data da apresentação do requerimento de injunção que perfazem o montante de €2.850,50, pelo que o montante global em dívida por parte da R. à A. era de €50.847,71.
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Notificada, a ré deduziu oposição à injunção, na qual arguiu a exceção de ineptidão da petição inicial (cfr. fls. 3 e 4).
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Na resposta à contestação, nos termos do art. 3º, n.º 3 do Código de Processo Civil, a A. alegou, entre o mais, que “o que visa nesta sede é que seja pago o valor atualmente em dívida titulado pelas ditas facturas (€47.997,21) – tendo ainda reconhecido que a Ré, relativamente a todas aquelas faturas, pagou a quantia de €1.500,00 –, acrescido do valor devido a título de juros de mora (que à data da instauração dos presentes autos se computavam em €2.850,50)” (cfr. fls. 14 a 17).
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Por decisão proferida em 27/02/2018, o Tribunal “a quo” decidiu julgar improcedente a invocada exceção dilatória de ineptidão da petição inicial e, conhecendo de imediato do mérito da causa, julgou a acção procedente por provada, condenando, em consequência, «a R. a pagar à A. a quantia de €50.847,71 euros (cinquenta mil, oitocentos e quarenta e sete euros e setenta e um cêntimos), acrescida dos juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal supletiva dos juros comerciais taxa, desde 28/10/2017 até integral e efectivo pagamento» (cfr. fls. 24 a 27).
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Inconformada, a ré interpôs recurso da sentença (cfr. fls. 31 a 34) e formulou, a terminar as respectivas alegações, as seguintes conclusões (que se transcrevem):

«1.
Vem a presente apelação interposta da Douta Sentença proferida pelo Tribunal a quo que condenou a Ré/Recorrente no pagamento à A. da “quantia de €50.847,71 euros (cinquenta mil, oitocentos e quarenta e sete euros e setenta e um cêntimos), acrescida dos juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal supletiva dos juros comerciais taxa, desde 28/10/2017 até integral e efectivo pagamento”.
2.
Ora, a Recorrente não pode concordar com tal decisão uma vez que a mesma é ilegal, como adiante se demonstrará.
3.
A decisão do Tribunal a quo é ilegal pois no sistema jurídico português vigora o princípio geral da proibição do anatocismo, estabelecido no art. 560º do Código Civil.
4.
Estabelece o n.º 1 do art. 560º do Código Civil que “para que os juros vencidos produzam juros é necessária convenção posterior ao vencimento; pode haver também juros de juros, a partir da notificação judicial feita ao devedor para capitalizar os juros vencidos ou proceder ao seu pagamento sob pena de capitalização”.
5.
Resulta do requerimento de injunção e, posteriormente, do requerimento da A. de 10 de Janeiro de 2018, que não foi outorgada entre as partes qualquer convenção de vencimento de juros sobre juros nem houve qualquer notificação judicial efectuada para o efeito.
6.
Dito isto, no requerimento de injunção a A. peticionou o seguinte: Capital: € 47.997,21, Juros de mora: € 2.850,50.
7.
Na exposição dos factos, a A. alegou que as facturas relativas aos serviços prestados perfazem um total de €49.497,21 (quarenta e nove mil quatrocentos e noventa e sete euros e vinte e um cêntimos) e que para pagamento do valor das identificadas facturas a R. entregou à A. a quantia de €1.500,00 (mil e quinhentos euros). Razão pela qual, nesta data permanece ainda em divida a quantia de €47.997,21 (quarenta e sete mil novecentos e noventa e sete euros e vinte e um cêntimos).
8.
Mais adiante alegou que sobre a quantia em dívida já se venceram juros de mora, calculados às taxas de juro comerciais de 8% desde a data de vencimento de cada uma das supra referidas facturas até à presente data que perfazem o montante de €2.850,50 (dois mil oitocentos e cinquenta euros e cinquenta cêntimos).
9.
A Ré não impugnou os factos alegados pela A. pelo que o Tribunal a quo julgou provada toda a matéria, nomeadamente o valor dos serviços no ponto 2 (€ 49.497,21), o pagamento parcial efectuado pela Ré/Recorrente no ponto 3 (€ 1.500,00) e o valor actualmente em dívida (€ 47.997,21).
10.
Ora, perante estes factos, o Tribunal a quo deveria ter condenado a Ré/Recorrente no pagamento à A. da quantia € 47.997,21, acrescida de juros vencidos desde a data de vencimento de cada uma das facturas até ao efectivo e integral pagamento.
11.
Porém, a decisão do Tribunal a quo condenou R. no pagamento à A. do capital em dívida acrescido de juros desde a data do vencimento das facturas até à data da apresentação do requerimento de injunção, que perfaz o montante global de € 50.847,71, acrescido de juros vencidos e vincendos desde a data da apresentação do requerimento de injunção até efectivo e integral pagamento.
12.
A decisão tal como foi proferida permite à A. capitalizar juros sobre os juros vencidos até à data da apresentação do requerimento de injunção sem qualquer suporte convencional ou legal, o que claramente consubstancia uma decisão ilegal.
13.
Assim, deverá ser procedente o presente recurso e revogada a decisão, substituindo-a por outra que condena a Ré/Recorrente no pagamento à A. da quantia € 47.997,21, acrescida de juros vencidos desde a data de vencimento de cada uma das facturas até ao efectivo e integral pagamento, ou, em alternativa, condenar a Ré no pagamento à A. da quantia € 47.997,21, acrescida de juros vencidos desde a data de vencimento de cada uma das facturas até 28/10/2017, que se fixam €2.850,50, e dos juros vencidos e vincendos desde 28/10/2017 até ao efectivo e integral pagamento.

Nestes termos, e sempre com o douto suprimento de V. Exas., Venerandos- Desembargadores, deve ser revogada a sentença recorrida, substituindo-se aquela por outra que condene a Ré/Recorrente no pagamento à A. da quantia € 47.997,21, acrescida de juros vencidos desde a data de vencimento de cada uma das facturas até ao efectivo e integral pagamento, assim se fazendo a costumada Justiça!».
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Não consta que tenham sido apresentadas contra-alegações.
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O recurso foi admitido como de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito devolutivo (cfr. fls. 39).
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Foram colhidos os vistos legais.
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II. Objeto do recurso

Sendo o âmbito dos recursos delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente – artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil (doravante, abreviadamente, designado por CPC), aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho –, ressalvadas as questões do conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado, a (única) questão que se coloca à apreciação deste Tribunal consiste em saber da ilegalidade da decisão recorrida no tocante à condenação dos juros de mora, por violação do princípio geral da proibição do anatocismo, estabelecido no art. 560º do Código Civil.
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III. Fundamentação de facto.

Os factos que foram dados como provados foram os seguintes:

1. A requerente é uma sociedade comercial que se dedica, com escopo lucrativo, à indústria de fabricação de estruturas de construções metálicas e sua comercialização.
2. No âmbito da sua actividade, a pedido e no interesse da requerida, no período compreendido entre 25/11/2016 e 22/3/2017, a requerente prestou-lhe serviços e forneceu-lhe (vendeu-lhe) vários materiais de entre aqueles que comercializa, tendo emitido no âmbito desta relação comercial as seguintes facturas (de fls. 18 a 20 vº) (que remeteu à requerida, que as recebeu sem ter apresentado qualquer reclamação):

- factura nº FAC X16/299, com data de emissão em 25.11.2016 e data de Vencimento em 25.12.2016, no valor de €17.317,91 (dezassete mil trezentos e dezassete euros e noventa e um cêntimos),
- factura nº FAC X16/326, com data de emissão em 16.12.2016 e data de Vencimento em 15.01.2017, no valor de €171,39 (cento e setenta e um euros e trinta e nove cêntimos),
- factura nº FAC X16/327, com data de emissão em 16.12.2016 e data de Vencimento em 15.01.2017, no valor de €189,71 (cento e oitenta e nove euros e setenta e um cêntimos),
- factura nº FAC X16/335, com data de emissão em 21.12.2016 e data de vencimento em 20.01.2017, o valor de €17.317,91(dezassete mil trezentos e dezassete euros e noventa e um cêntimos),
- factura nº FAC X17/2, com data de emissão em 06.01.2017 e data de vencimento em 02.05.2017, no valor de €182,11(cento e oitenta e dois euros e onze cêntimos),
- factura nº FAC X17/49, com data de emissão em 22.03.2017 e data de vencimento em 21.04.2017, no valor de €14.318,18 (catorze mil trezentos e dezoito euros dezoito cêntimos), as quais, perfazem um total de €49.497,21 (quarenta e nove mil quatrocentos e noventa e sete euros e vinte e um cêntimos).
3. Para pagamento do valor das identificadas facturas a Requerida entregou à requerente a quantia de €1.500,00 (mil e quinhentos euros), razão pela qual, nesta data permanece ainda em divida a quantia de €47.997,21 (quarenta e sete mil novecentos e noventa e sete euros e vinte e um cêntimos).
4. Sucede que, apesar de interpelada para proceder ao pagamento da quantia em falta a requerida não pagou nem, tão pouco demonstrou intenções de o fazer, permanecendo, nesta data, por liquidar o montante de €47.997,21 (quarenta e sete mil novecentos e noventa e sete euros e vinte e um cêntimos).
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IV. Fundamentação de direito

– É unanimemente reconhecido que os juros são frutos civis (art. 212º, n.ºs 1 e 2 do Código Civil - abreviadamente CC), constituídos por coisas fungíveis que representam o rendimento de uma obrigação de capital, ou seja, a compensação que o obrigado deve pela utilização temporária de certo capital, que se determina em função dos seguintes factores: a) o valor do capital devido; b) o tempo durante o qual se mantém a privação deste pelo credor; c) a taxa de remuneração fixada por lei ou convencionada pelas partes (1).

Os juros são, assim, a compensação que o devedor paga continuadamente pelo uso ou simplesmente pela disponibilidade temporária de um capital constituído por dinheiro ou outras coisas fungíveis e que é expressa numa fracção previamente determinada ou determinável da quantidade devida (2).

A obrigação de juros pressupõe, portanto, uma obrigação de capital, da qual é dependente ou acessória (pois sem a qual não se pode constituir) e tem o seu conteúdo e extensão delimitados em função do tempo, sendo por isso uma prestação duradoura periódica. Mas essa dependência é meramente relativa, dado que, a partir do momento em que se constitui, o crédito de juros adquire autonomia em relação ao crédito de capital, podendo qualquer deles ser cedido ou extinguir-se sem o outro (art. 561º do CC) (3).

Distinguem-se os juros quanto à sua fonte entre legais e voluntários ou convencionais (art. 806º, n.º 2 do CC): os primeiros são aqueles que são aplicáveis sempre que haja normas legais que determinem a sua atribuição em consequência do diferimento na realização de uma prestação, funcionando ainda supletivamente sempre que as partes estipulem a sua exigência, mas sem fixarem a taxa; os segundos são aqueles em que a sua taxa ou quantitativo é estipulada pelas partes, dentro dos limites legalmente estabelecidos.

Quanto ao titular, de harmonia com natureza dos intervenientes na operação, os juros podem ser civis (art. 559º do CC), comerciais (art. 102º do Código Comercial) ou das instituições de crédito e sociedades financeiras decorrentes de operação de crédito.

O juro legal estabelecido no direito civil (aplicável, portanto, às prestações civis, não comerciais) é de 4% (art. 559º do CC e Portaria n.º 291/2003, de 8/04). Excecionalmente, no n.º 4 do art. 829º-A do CC, além dos juros de mora, prescrevem-se juros à taxa de 5%.

Para as prestações comerciais, sujeitas ao regime dos juros do art. 102º do Cód. Comercial, os juros legais dependem da fixação por parte do Banco Central Europeu. Como resulta da Portaria n.º 277/2013, de 26/08, o juro legal para as operações comerciais é de 7% ou 8% acima da taxa de juro aplicada pelo banco Central europeu para operação central de refinanciamento (art. 2º), taxa esta aplicada semestralmente em Aviso da Direção-Geral do Tesouro e Finanças (art. 3º).

No tocante à sua função ou finalidade económica e social, podem ainda distinguir-se entre juros remuneratórios, compensatórios, moratórios e indemnizatórios (4).

Os juros remuneratórios têm uma finalidade remuneratória, correspondente ao preço do empréstimo do dinheiro, pelo tempo que o credor se priva do capital por o ter cedido ao devedor por meio de mútuo, exigindo uma remuneração por essa cedência (art. 1145º, n.º 1, do CC).

Os juros compensatórios destinam-se a proporcionar ao credor um pagamento que compense uma temporária privação do capital que ele não deveria ter suportado.

Os juros moratórios têm uma natureza indemnizatória dos danos causados pela mora, visando recompensar o devedor pelos prejuízos em virtude do retardamento no cumprimento da obrigação pelo devedor (art. 806º do CC).
Por último, os juros indemnizatórios são aqueles que se destinam a indemnizar os danos por outro facto praticado pelo devedor.

No que respeita à obrigação de juros, importa atender ao regime do anatocismo (art. 560º do CC)

Segundo o referido normativo, que tem como epígrafe “Anatocismo”:

«1. Para que os juros vencidos produzam juros é necessária convenção posterior ao vencimento; pode haver também juros de juros, a partir da notificação judicial feita ao devedor para capitalizar os juros vencidos ou proceder ao seu pagamento sob pena de capitalização.
2. Só podem ser capitalizados os juros correspondentes ao período mínimo de um ano.
3. Não são aplicáveis as restrições dos números anteriores, se forem contrárias a regras ou usos particulares do comércio».

O anatocismo corresponde, na prática, aos juros de juros, isto é, à cobrança de juros sobre juros. Embora os juros não vençam juros, por força do anatocismo pretende-se dizer que os juros vencidos se integram no capital, procedendo-se, portanto, à capitalização de juros, passando os juros a incidir sobre um capital acrescido. Deste modo, o anatocismo pressupõe a capitalização de juros vencidos e a subsequente contagem de juros sobre um capital acrescido (5).

Assim, se alguém emprestar 1000€ a uma taxa de 10% ao ano, ao fim de cinco anos terá de receber 1500€. Caso os juros fossem capitalizados, cada vencimento de juros implicaria um acréscimo no capital, que no segundo ano passaria a ser de 1100,00€, no terceiro de 1210€, no quarto de 1331 € e no quinto de 1461,10, sendo o total a restituir de 1610,51€, o que implicaria ter a taxa de juro efetiva ultrapassado os 12% anuais (6).

A lei civil consagra a regra de que o juro não vence juros – uma vez que essa cobrança poderia redundar num expediente sofisticado de usura, proibido por lei (art. 559º-A do CC); mas essa regra (de desfavor perante o anatocismo) não é absoluta, uma vez que a lei permite juros de juros (ou a capitalização de juros vencidos) desde que haja convenção das partes posterior ao vencimento ou seja efetuada notificação judicial ao devedor para capitalizar os juros vencidos, ou proceder ao seu pagamento sob pena de capitalização (art. 560º, n.º 1 do CC). Só nestes dois últimos casos há lugar a capitalização de juros, em todo o caso só podendo abranger os juros correspondentes ao período mínimo de um ano (art. 560º, n.º 2 do CC).

Estas considerações sobre os institutos jurídicos em apreço habilitam-nos a resolver a controvérsia que constitui objecto do recurso.

Na presente ação a A. peticionou a condenação da Ré no pagamento do capital de € 47.997,21, acrescido de juros de mora (que, à data da instauração dos autos, computou em € 2.850,50).

Por sua vez, a sentença recorrida condenou “a Ré a pagar à A. quantia de €50.847,71 euros (cinquenta mil, oitocentos e quarenta e sete euros e setenta e um cêntimos), acrescida dos juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal supletiva dos juros comerciais taxa, desde 28/10/2017 até integral e efectivo pagamento”.

Ora, ao conformar o segmento decisório condenatório ao montante global em dívida acrescido de juros de mora, a Mmª juíza a quo não cuidou de destrinçar na condenação o valor devido a título de capital do valor referente à obrigação de juros.

Como resulta dos autos, o capital em dívida ascende a € 47.997,21 [€49.497,21 - €1.500,00] e os juros de mora, à taxa legal, vencidos à data da instauração do requerimento de injunção perfaziam – segundo o cálculo feito pela demandante – o valor de € 2.850,50, assim se alcançando o valor global de € 50.847,71.

Sucede que, a manter-se nos seus precisos termos a decisão da 1ª instância, os juros de mora vincendos a partir da propositura da ação não incidiriam apenas sobre o capital em dívida (€ 47.997,21), mas sim sobre o valor global apurado (€ 50.847,71), ou seja, repercutir-se-iam igualmente sobre os juros já vencidos.

Nessa pressuposição, como bem refere a recorrente, a decisão recorrida tal como foi proferida permite à A. capitalizar juros sobre os juros vencidos até à data da apresentação do requerimento de injunção, o que nos reconduz à verificação de uma situação de anatocismo.

Acontece que, não só não resulta dos autos que as partes tenham outorgado qualquer convenção de vencimento de juros sobre juros posterior ao vencimento, como identicamente não se mostra comprovada qualquer notificação judicial efectuada à devedora para capitalizar os juros vencidos ou proceder ao seu pagamento sob pena de capitalização.

Pelo exposto, a referida decisão viola a proibição (relativa) do anatocismo, visto não se mostrarem apuradas as condições legais que permitiriam o estabelecimento desse regime específico de capitalização dos juros vencidos (art. 560º do CC).

Resta, pois, concluir pela procedência da apelação, com a consequente revogação (na parte impugnada) da decisão recorrida.
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Sumário (ao abrigo do disposto no art. 663º, n.º 7 do CPC):

I – A lei civil só permite a capitalização de juros vencidos (o "anatocismo") desde que exista convenção posterior ao vencimento da obrigação ou após a notificação judicial feita ao devedor para capitalizar os juros vencidos ou proceder ao seu pagamento sob pena de capitalização (art. 560º, n.º 1 do Cód. Civil).
II – Sendo peticionados juros de mora vencidos e vincendos, no segmento decisório da sentença condenatória a incidência dos juros de mora vincendos deve ser delimitada ao capital em dívida, sob pena da decisão permitir ao credor capitalizar juros sobre os juros vencidos, sem que se verifiquem os pressupostos legais que legitimam o estabelecimento de uma situação de anatocismo.
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V. DECISÃO

Perante o exposto acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em:

- Julgar procedente a apelação interposta pela ré/recorrente e, em consequência, alterar a decisão recorrida, condenando a ré no pagamento à autora da quantia € 47.997,21 (quarenta e sete mil, novecentos e noventa e sete euros e vinte e um cêntimos), acrescida de juros, à taxa legal, desde a data de vencimento de cada uma das facturas e até ao efectivo e integral pagamento.
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Sem custas a apelação (7).
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Guimarães, 11 de outubro de 2018

Alcides Rodrigues
Joaquim Boavida
Paulo Reis

1. Cfr., Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, vol. I, 6.ª ed., Almedina, pp. 839-840.
2. Cfr., Vaz Serra, Obrigação de Juros, BMJ nº 55, pp. 159 a 170 e Correia das Neves, Manual dos Juros, 3ª edição, 1989, p. 14 e ss.
3. Cfr., Mário Júlio de Almeida Costa, Direito das Obrigações em Geral, 6.ª ed., Almedina, pp. 644/645 e Luís Manuel Telles de Menezes Leitão, Direito das Obrigações, vol. I, 2ª ed., 2002, Almedina, pp. 152/153.
4. Cfr., na exposição em apreço seguir-se-á de perto o ensinamento de Luís Manuel Telles de Menezes Leitão, obra citada, pp. 152/153.
5. Cfr. Pedro Romano Martinez, Direito das Obrigações - Programa 2017/2018 - Apontamentos, 5ª ed., AAFDL Editora, 2017, p. 152.
6. Exemplo retirado de Luís Manuel Telles de Menezes Leitão, obra citada, p. 153.
7. Dado o erro de julgamento que motivou o recurso ser exclusivamente imputável ao Tribunal recorrido (não tendo sido sequer apresentadas contra-alegações).