Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
8009/17.9T8SNT.L1-2
Relator: PAULO FERNANDES DA SILVA
Descritores: NULIDADE DA SENTENÇA
FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
ÓNUS DE IMPUGNAÇÃO
RESPONSABILIDADE CIVIL
DANO BIOLÓGICO
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
LIQUIDAÇÃO ULTERIOR
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/07/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: (artigo 663.º, n.º 7, do CPCivil):
I. Sob pena de nulidade, exige-se que a sentença esteja minimamente motivada de facto e de direito, sendo nula tão-só aquela em que falte de todo em todo tal motivação.
II. Sem prejuízo da prejudicialidade que o discurso jurídico impõe, o juiz deve referir-se aos temas, aos assuntos nucleares do processo, suscitados pelas partes, bem como àqueles de que oficiosamente deva conhecer, cumprido que se mostre o contraditório, não se exigindo, contudo, que o juiz aprecie toda e qualquer consideração ou argumento tecido pelas partes.  
III. Sob pena de rejeição do recurso da decisão de facto, na impugnação desta o Recorrente tem um triplo ónus: (i) concretizar os factos que impugna, (ii) indicar os concretos meios de prova que justificam a impugnação e impõem uma decisão diversa, sendo que caso tenha havido gravação daqueles deve o Recorrente indicar as passagens da gravação em que funda a sua discordância, e (iii) especificar a decisão que entende dever ser proferida quanto à factualidade que impugna.
IV. A responsabilidade civil por facto ilícito pressupõe a existência de um facto voluntário, ilícito, culposo e danoso da parte de uma pessoa.
V. O dano biológico corresponde à ofensa à integridade físico-psíquica da pessoa lesada, exprimindo as sequelas decorrentes daquela ofensa, nomeadamente o seu eventual défice funcional, com perdas de natureza patrimonial e de índole não patrimonial.
VI. No domínio patrimonial o dano biológico compreende a perda ou redução de capacidade geral e específica de ganho, a perda ou redução de réditos de atividades lucrativas do lesado, bem como as despesas acrescidas tendo em vista a realização das suas atividades profissionais remuneradas e as demais atividades da sua vivência enquanto pessoa.
VII. Nos chamados danos não patrimoniais estão em causa prejuízos sofridos pela vítima, insuscetíveis de avaliação pecuniária, embora ressarcíveis monetariamente, como forma de compensar o sofrimento que o facto danoso provocou na vítima.  
VIII. Provando-se que  a A. (i) tinha 53 anos à data do sinistro, (ii) ficou com um défice funcional permanente de integridade físico-psíquica de 41 pontos, (iii) à data do acidente em causa, em 2012, trabalhava como servente, auferindo o vencimento mensal líquido de cerca de €525,00, sendo que após o acidente e em razão do mesmo deixou de exercer qualquer atividade profissional (iv) tem dependência permanente de ajuda medicamentosa de analgésicos, tratamentos médicos regulares de fisioterapia e de terceira pessoa, cerca de 3 horas por semana, (v) apresenta dificuldades na realização de tarefas domésticas, em atividades da sua vida diária e na ida a consultas médicas, necessitando de apoio de familiar, (vi) e  gastou €83,75 em consultas médicas, é de arbitrar à A. a quantia de €171.833,75 relativo ao dano biológico na vertente dos respetivos prejuízos patrimoniais, acrescida do que vier a ser ulteriormente liquidado quanto a despesas medicamentosas e de fisioterapia efetuadas pela A. em virtude do atropelamento em causa.    
IX. Naquela situação, provando-se igualmente que (i) a A. foi hospitalizada durante três dias, efetuou diversos exames médicos, teve várias consultas médicas e realizou diversos tratamentos de fisioterapia, (ii) foi atribuída à A. um quantum dolores físico e psíquico de grau 5 em 7 (iii)  e um dano estético de grau 5 em 7, (iv) a A. tem significativas dificuldades em dormir, (v) padece de tristeza profunda e desânimo, (vi) sendo que em virtude do acidente de viação em causa atravessou dificuldades económicas, passou fome e teve de recorrer à ajuda de terceiros, é de arbitrar à A. uma indemnização de €75.000,00 a título do dano biológico na vertente de danos não patrimoniais.
X. No que respeita a prejuízos do sinistro que não se encontrem verificados, nem sejam determináveis à data da sentença, mas que venham a ocorrer com elevada probabilidade, com razoável segurança, o Tribunal pode condenar no que se vier a liquidar em decisão ulterior.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 2.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa

I.
RELATÓRIO.
A A., “AA”, intentou ação declarativa com processo comum contra a R., COMPANHIA DE SEGUROS TRANQUILIDADE, SA., pedindo a condenação desta:
«no pagamento de uma indemnização à A. em valor não inferior a 149.765,40 € (cento e quarenta e nove mil setecentos e sessenta e cinco euros e quarenta cêntimos), acrescidos de juros à taxa legal a contar da citação e até integral pagamento».
Como fundamento do seu pedido, a A. alegou, em suma, que no dia 19.09.2012, cerca das 20h20min, na Rua Alexandre Herculano, em Belas, quando se encontrava a atravessar uma passadeira de peões, foi atropelada pelo veículo automóvel de matrícula 50-17-(…), conduzido por “BB”, a qual conduzia de forma desatenta, sendo que a responsabilidade civil decorrente da circulação daquele veículo encontrava-se na altura transferida para a R.
Referiu também que em virtude daquele embate foi projetada mais de cinco metros, caiu no chão junto à berma e sofreu lesões traumáticas, com internamento hospitalar, realizou diversos exames médicos, teve acompanhamento fisiátrico e ficou de baixa médica até 07.07.2014, sendo que em 17.07.2014 a sua entidade patronal comunicou-lhe a cessação do seu contrato de trabalho, por impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva da trabalhadora prestar o seu trabalho, provocada por terceiros estranhos à entidade empregadora.
Alegou ainda que à data do acidente de viação em causa auferia a retribuição mensal líquida de cerca de €525,00 e que por causa do referido embate a A. tem dores e muita dificuldade em dormir, passou a padecer de angústia e tristeza profunda, deixou de ter vontade de viver, chora várias vezes por dia e passou a viver com graves dificuldades financeiras.
A A. computou em (i) €464,25 as despesas de saúde por si já suportadas, (ii) €85.465,40 o valor aproximado relativo à perda dos rendimentos do trabalho, (iii) €15.300,00 (quinze mil e trezentos euros) as despesas de saúde futuras, (iv) €40.000,00 os danos morais e (v) €6.000,00 os honorários de advogado inerentes à presente ação.
A R. apresentou contestação.
Referiu que alterou a sua denominação para SEGURADORAS UNIDAS, SA.
Aceitou a dinâmica do acidente invocada pela A. e, pois, assacou à condutora do 50-17-(…) a culpa do atropelamento da A.
Impugnou, contudo, parte dos danos invocados pela A. e designadamente os montantes indemnizatórios por ela peticionados, termos em que concluiu pedindo que a presente ação seja declarada parcialmente improcedente, por não provada, e, em consequência, a Ré parcialmente absolvida do pedido.
 Entretanto, na sequência do alegado pela R. na contestação, a A. veio requerer que o valor do pedido seja retificado para o montante de €147.229,65, correspondente à soma das referidas quantias de €464,25, €85.465,40, €15.300,00, €40.000,00 e €6.000,00.
O Instituto da Segurança Social foi citado nos termos do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 59/89, de 22.02, e nada disse.
Realizou-se a audiência prévia, tendo nela sido fixado à ação o valor de €147.229,65, foi proferido saneador, identificado o objeto do litígio e enunciados os temas da prova.
Em 03.09.2019 o Tribunal homologou transação para arbitramento de quantia certa sob a forma de renda mensal de €400,00 como reparação provisória do dano.
O Instituto de Medicina Legal e Ciências Forenses procedeu a perícias médicas à pessoa da A., com elaboração de relatórios periciais.
Em 15.10.2021, na sequência do último daqueles relatórios, a A. apresentou articulado superveniente, no qual veio ampliar o pedido, concluindo pela condenação da R. «em valor não inferior à quantia de €476.965,40 (…), à qual deverá acrescer a condenação nas quantias que houverem a ser liquidadas em momento ulterior à prolação da sentença, tudo acrescido de juros à taxa legal a contar da citação e até integral e efectivo pagamento».
A R. passou a denominar-se GENERALI SEGUROS, SA., e impugnou o apontado articulado superveniente, concluindo como na contestação.
Tal articulado foi admitido por despacho de 03.11.2021, entendendo o Tribunal que estar-se perante uma «mera ampliação do pedido, que é legalmente admissível (…), sendo os factos alegados meramente concretizadores dos essenciais e, por conseguinte, cognoscíveis na medida em que resultaram da instrução da causa até à apresentação deste requerimento ou possam ainda resultar desta até ao encerramento da discussão em 1ª Instância». 
Realizou-se a audiência de discussão e julgamento, a qual decorreu com sessões em 10.05.2019, 25.11.2021 e 14.12.2021.
O Juízo Central Cível de Sintra proferiu sentença cujo dispositivo tem o seguinte teor:
«julgo parcialmente procedente a presente acção e, em conformidade, condeno a R. a pagar à A.:
A) A quantia de 86.193,25€ (oitenta e seis mil cento e noventa e três euros e vinte e cinco cêntimos)[1], a título de danos patrimoniais, acrescida dos juros de mora contados desde a citação da R. para a presente acção e até efectivo pagamento, aplicáveis às operações civis, fixados em 4% ao ano pela Portaria nº 291/2003, de 8 de Abril.
B) A quantia de 65.000,00€ (sessenta e cinco mil euros), a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros legais, à taxa aplicável às operações civis, fixada actualmente em 4% ao ano, desde a data da presente decisão até pagamento.
Do mais vai a R. absolvida».
Inconformada com tal decisão, dela recorreu a A., a qual apresentou as seguintes conclusões[2]:
«A) INTRODUÇÃO
I. A A./Recorrente instaurou os presentes autos com vista à condenação da R./Recorrida no pagamento de uma indemnização pelos danos que sofreu directamente em virtude do acidente de que foi vítima em 19/09/2012.
II. O presente recurso tem por objecto a sentença proferida nos autos em 23/05/2023, que julgou a acção parcialmente procedente, condenando a R./Recorrida na indemnização à A./Recorrente de montante manifestamente inferior ao peticionado nos presentes autos por esta última.
III. Para além de padecer de manifestas nulidades, a sentença recorrida traduz uma decisão marcadamente injusta, evidenciando erros de apreciação e julgamento da matéria de facto com relevância para a correcta aplicação do Direito e uma incorrecta interpretação e ponderação das normas jurídicas aplicáveis ao caso, para determinação e quantificação dos danos sofridos pela A./Recorrente.
B) QUESTÕES PRÉVIAS
B.1) Da nulidade da sentença por ausência de fundamentação quanto ao ponto “e” da matéria não provada
IV. A sentença recorrida discrimina os factos que considera provados e não provados nos presentes autos, e expõe a sua motivação quanto aos concretos meios de prova que serviram para formar a sua convicção.
V. Contudo, omite qualquer fundamentação que permita sustentar o facto “e” da matéria de facto não provada, não fazendo, no demais, qualquer referência no corpo da sentença, que permita sequer intuir a razão subjacente à decisão sobre este concreto ponto de facto.
VI. Daqui resultando que a A./Recorrente fica impossibilitada de discernir as razões que levaram o Tribunal a quo, a dar como não provado tal facto, indispensável à sua impugnação.
VII. Pelo exposto, a sentença recorrida é nula, por ausência de fundamentação, apta a sustentar a conclusão de que “Com a falta de mobilidade, a A. tem vindo a aumentar de peso e a sofrer de dores musculares” (v. ponto “e” da matéria não provada, a fls. 16 da sentença recorrida), nos termos do disposto no artigo 615.º n.º 1, alínea b), do CPC, o que desde já se invoca para todos os efeitos.
VIII. Admitindo, por mera cautela, a hipótese de assim não se entender, sempre se requer, subsidiariamente, que este Venerando Tribunal da Relação se digne, nos termos e para os efeitos do estatuído no artigo 662.º, n.º 2, alínea d) do CPC, a remeter os autos à 1.ª instância, para que o Tribunal recorrido motive devidamente a decisão proferida quanto ao ponto "e” da matéria dada como não provada.
B.2) Da nulidade da sentença por omissão de pronúncia
IX. Resulta do artigo 608.º, n.º 2 do CPC, a imposição legal do Tribunal tomar conhecimento de todas as questões que tenham sido trazidas e debatidas pelas partes no processo.
X. Sucede que o Tribunal a quo omitiu pronunciar-se sobre o pedido formulado na segunda parte da alínea b) do articulado apresentado nos autos pela A./Recorrente, em 15/10/2021, onde foi requerido que fosse relegado para momento posterior à prolação da sentença, a indemnização das quantias que viessem a ser liquidadas por consequência do agravamento das sequelas da A./Recorrente.
XI. O mesmo devendo ter sido considerado quanto aos custos decorrentes da eventual necessidade de instalação de um elevador no prédio onde a A./Recorrente reside, conforme devidamente alegado no referido articulado de ampliação do pedido.
XII. Salvo melhor entendimento, tal constitui omissão de pronúncia, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alínea d) do CPC, a qual deverá ser declarada sob pena de A./Recorrente se ver coartada de, no futuro, se ver ressarcida dos danos de natureza patrimonial e não patrimonial, que venham a emergir de tratamentos, intervenções cirúrgicas, medicação ou consultas que se relacionem com o agravamento futuro das sequelas e da eventual necessidade de instalação de um elevador no prédio onde vive actualmente.
C) IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO SOBRE A MATÉRIA DE FACTO
C.1) Do erro de julgamento na “fundamentação da matéria de facto”
XIII. O facto, “d” dado como não provado pelo Tribunal recorrido, está amplamente suportado pela prova produzida nos autos.
XIV. As declarações da parte da A./Recorrente e os depoimentos das testemunhas “CC”, “DD” e “EE” (passagens transcritas supra nos pontos 31, 32, 33, 34, 35, 36 e 37), não denotam a falta de coincidência que lhes é apontada pelo Tribunal a quo, descrevendo com clareza e conhecimento de facto quanto à A./Recorrente ter dificuldades em dormir durante a noite, desde o acidente.
XV. Acresce que o facto de as testemunhas terem um grau de parentesco próximo da A./Recorrente, não pode significar que disso resultem depoimentos “claramente tendenciosos”, nem tal facto poderá servir de critério para que o Tribunal a quo possa decidir nos termos expendidos, porquanto a prova de tal facto se pode basear unicamente nos testemunhos de quem é próximo o suficiente da A./Recorrente para dele ter conhecimento directo.
XVI. Por conseguinte, ao abrigo do disposto no artigo 640.º n.º 1, alínea c), do CPC, o ponto “d” dado como não provado pelo Tribunal recorrido, deve passar a constar da matéria de facto provada.
C.2) Do aditamento à “matéria de facto provada”
XVII. Em primeiro lugar, resulta comprovado dos depoimentos prestados pelas testemunhas “CC”, “DD” e “EE” (passagens transcritas supra nos pontos 54, 55, 56, 57 58 e 59), e pelas declarações de parte produzidas em sede de audiência de julgamento (passagens transcritas supra no ponto 53), que a A./Recorrente sofre de uma profunda tristeza, em virtude do acidente, bem como as circunstâncias vivenciais a que se viu obrigada fruto da incapacidade laboral/ para as tarefas do dia-a-dia, que daí resultou.
XVIII. O facto em questão encontra-se alegado na Petição inicial da A./Recorrente (v. artigos 99.º, 122.º e 123.º), e é complementar dos pontos de facto provados “28.1.2”, “28.1.2.1.”, “28.1.2.2.”, “28.1.2.3.” da sentença recorrida, que se referem aos danos psicológicos sofridos pela A./Recorrente e, no global, à existência uma deterioração significativa do seu estado de saúde mental, integrando-se ainda no âmbito do tema de prova fixado com a seguinte formulação: “4º) Das dores e demais danos psicológicos sofridos pela Autora em virtude do acidente” (sublinhado nosso).
XIX. Face ao exposto, requer seja aditado à matéria assente o seguinte facto, ao abrigo do disposto no artigo 640.º n.º 1, alínea c), do CPC:
- A Autora passou a padecer de uma tristeza profunda e desânimo, por ter deixado de ter uma vida saudável, activa e financeiramente independente.
XX. Em segundo lugar, resulta dos depoimentos prestados em sede de audiência de julgamento, que a A./Recorrente, em virtude do acidente, e face à impossibilidade de exercer a sua actividade laboral, sendo a única fonte de sustento da família à data, viveu com os seus filhos numa situação de pobreza extrema, passou fome, e inclusivamente que ficou dependente da ajuda de terceiros para conseguir sobreviver.
XXI. Os depoimentos da testemunha “CC” (passagens transcritas supra nos pontos 65 e 66), conjugados com as declarações de parte da A./Recorrente (passagens transcritas supra nos pontos 63 e 64), ilustram devidamente o papel desempenhado pela A./Recorrente como única fonte de sustento dos seus descendentes e as sérias dificuldades financeiras que resultaram para a A./Recorrente por ter ficado privada dos rendimentos do seu laboro.
XXII. Trata-se de matéria de facto relevante para a demonstração das consequências nefastas que o acidente teve para a vida da A./Recorrente, mormente, ao nível do dano não patrimonial, o que foi devidamente concretizado e alegado nos artigos 109.º, 119.º, 120.º e 129.º (segundo ponto) da Petição Inicial.
XXIII. Pelo exposto, requer-se que sejam aditados à matéria assente os seguintes factos, por respeito ao tema da prova fixado “6º) Da perda de rendimentos por parte da Autora e alterações na respetiva vida familiar como consequência dessa perda de rendimentos”, (sublinhado nosso), ao abrigo do disposto no artigo 640.º n.º 1, alínea c), do CPC:
- A Autora era a única fonte de receita do seu agregado familiar, tendo uma filha menor e os restantes filhos desempregados;
- A Autora, em virtude do acidente, passou a não ter dinheiro para alimentar o seu agregado familiar, muito menos para comprar roupas e outros bens considerados indispensáveis;
- A Autora teve de recorrer à ajuda de terceiros para conseguir sobreviver;
- A Autora passou fome.
XXIV. Em terceiro lugar, quer os esclarecimentos prestados pela Sra. Perita Médica do INML, Dra. “FF” em sede de audiência de julgamento, quer o relatório pericial datado de 27/07/2020, por essa elaborado, comprovam o seguinte facto, que, por assumir relevância face ao objecto do litígio no contexto dos danos futuros para a A./Recorrente em virtude do agravamento natural das sequelas, se requer que seja aditado à matéria assente, enquanto facto resultante da instrução da causa, nos termos do disposto no artigo 640.º n.º 1, alínea b), do CPC:
- É de perspectivar a existência de dano futuro, consubstanciado no agravamento das sequelas, que constitui uma previsão fisiopatologicamente certa e segura, por corresponder à evolução lógica, habitual e inoxerável do quadro clínico.
XXV. O que se extrai dos mencionados esclarecimentos (passagens transcritas supra no ponto 74) em pleno alinhamento relatório pericial datado de 27/07/2020, é um agravamento futuro certo do quadro clínico da A./Recorrente.
XXVI. As conclusões de facto que antecedem, permitindo a correcta inserção dos factos cujo aditamento se requer, na matéria de facto provada, é determinante para a aferição do justo montante indemnizatório a arbitrar como se verá no capítulo seguinte.
D) IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO SOBRE A MATÉRIA DE DIREITO
D.1) Dos danos corporais, dano biológico objectivo e danos futuros
XXVII. O montante arbitrado pelo Tribunal a quo, a título de danos corporais, dano biológico objectivo e dano futuro, não se afigura adequado ou muito menos justo face às concretas circunstâncias do caso concreto que cumpre atender, parte não contempladas pelo Tribunal recorrido.
XXVIII. Como é entendimento da nossa jurisprudência e pacificamente aceite pelo Tribunal recorrido, o lesado haverá que ser indemnizado pelos lucros cessantes, decorrentes da perda de rendimentos laborais (dano patrimonial futuro), mas também numa “quantia que constitua justa compensação do referido dano biológico, consubstanciado na privação de futuras oportunidades profissionais, (…) bem como pelo esforço acrescido que o já relevante grau de incapacidade fixado irá envolver para o exercício de quaisquer tarefas, da vida profissional ou pessoal [do lesado] …” (cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 10/10/2012, processo n.º 632/2001.G1.S1, disponível em www.dgsi.pt).
XXIX. Em primeiro lugar, quanto aos danos traduzíveis na frustração de ganhos / perda de rendimentos pela A./Recorrente, enquanto dano patrimonial futuro, deve tomar-se por base o seguinte acervo de factos:
- a efectiva perda da capacidade de ganho da A./Recorrente, consequentemente determinando a perda efectiva de remuneração no exercício da mesma (v. ponto 26 da matéria de facto provada).
- que a A./Recorrente tinha 53 anos de idade à data do acidente (matéria não controvertida);
- que a A./Recorrente trabalhava como servente para “JM (…), Lda.”, auferindo cerca de 525,00 € mensais líquidos (v. ponto 31. da matéria de facto provada).
XXX. Considerando a idade de reforma aos 66,4 anos (cfr. referido pelo próprio Tribunal recorrido) e recorrendo a cálculos puramente matemáticos, a título de perda de rendimentos pela incapacidade laboral até à idade expectável de reforma, a A./Recorrente teria direito a receber o valor total de 95.550,00 € (noventa e cinco mil, quinhentos e cinquenta euros).
XXXI. Admitindo-se a subtracção do montante arbitrado pelo Tribunal a quo a título de perdas salariais entre o período de 19/09/2012 e 18/09/2014 (a fls. 29 a 31 da sentença recorrida), o Subsídio Social de Desemprego Subsequente recebido pela A./Recorrente, entre 13/10/2017 e 12/04/2019 e a Prestação de Medida extraordinária de apoio aos desempregados de longa duração, recebido pela A./Recorrente, entre 05/11/2019 e 04/05/2020 (v. factos provados “38.2.” e “38.3”), a A./Recorrente sempre teria direito a ser indemnizada em 71.316,05 € (setenta e um mil, trezentos e dezasseis euros e cinco cêntimos), somente por respeito à perda dos rendimentos do trabalho até à idade da reforma.
XXXII. Deveria ainda o Tribunal a quo ter tido em conta que o montante a arbitrar a este título sempre teria de servir para assegurar a vivência condigna da A./Recorrente durante 30 anos (por referência à sua vida esperança média de vida, de 83 anos), por ser entendimento jurisprudencial pacífico que não pode ser considerada a relevância da lesão apenas com referência à vida activa provável do lesado.
XXXIII. Para além disso, o montante atribuído pelo Tribunal a quo não se afigura consentâneo com as indemnizações que têm vindo a ser atribuídas pela nossa jurisprudência em situações similares.
XXXIV. Sendo a equidade o critério último, obrigatório e decisivo para a fixação dos danos em causa e atendendo-se ao valor das indemnizações arbitradas a título de dano biológico que têm vindo a ser fixadas pela jurisprudência (Acórdãos aludidos supra nos pontos 103 a 106), por referência à idade da A./Recorrente à data do acidente e ao Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica fixado de em 41 (quarenta e um) pontos de 100 (cem) (v. ponto 25 da matéria de facto provada), resulta patente que o valor arbitrado pelo douto Tribunal a quo é manifestamente baixo.
XXXV. Acresce que o Tribunal a quo não contemplou, ao nível do dano futuro, as despesas que a A./Recorrente terá de suportar por tarefas que, se não fosse o acidente, ela mesma desempenharia, apesar de tais despesas decorrerem, ainda que indirectamente da matéria de facto provada e terem sido alegadas pela A./Recorrente no seu articulado de ampliação do pedido, como se verá.
XXXVI. Para a indemnização dos referidos danos, o Tribunal a quo deveria ter tido em consideração o seguinte acervo da matéria de facto provada:
- a A./Recorrente tem “dificuldades na realização das tarefas domésticas e actividades da sua vida diária, nomeadamente nas transferências, no transporte de compras e a calçar-se, necessitando de apoio da familiares e acompanhamento para ir a consultas médicas” (v. ponto provado “29.1.1.”);
- a A./Recorrente tem necessidade de “ajuda de terceira pessoa cerca de 3 horas por semana na realização de compras” (v. facto provado “27.4.”);
- a A./Recorrente necessita de tratamentos médicos regulares de fisioterapia (v. facto provado “27.2.”);
- a A./Recorrente tem dependência medicamentosa de analgésicos (v. facto provado “27.1.”).
XXXVII. Estes factos dados como factos provados na sentença, consubstanciam danos que, na formulação são previsíveis, sendo certo que ocorrerão, e, por isso, indemnizáveis nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 564.º, n.º 2 do CC.
XXXVIII. Os quais, em todo o caso, deverão ser indemnizados em montante nunca inferior a 50.500,00 € (cinquenta mil euros e quinhentos euros), considerando, quanto aos montantes quantificáveis e atento o alegado no artigo 69.º do articulado de ampliação do pedido, a que a A./Recorrente deu entrada nos autos em 15/10/2021:
- valor/hora mínimo no mercado de € 6,00 (seis euros) para o pagamento de serviço a terceiro contratado para o efeito e o período inicial por referência à presente data e período limite para o efeito que deverá ser calculado em função da esperança média de vida das mulheres em Portugal actualmente fixada em 83 anos de idade;
- valor por sessão semanal de fisioterapia, que se atende mínimo no mercado de € 25,00 (vinte e cinco euros) e tendo por base um período inicial por referência à presente data e um período limite para o efeito que deverá ser calculado em função da esperança média de vida das mulheres em Portugal actualmente fixada em 83 anos de idade.
XXXIX. Por conseguinte, a sentença recorrida violou, o disposto nos artigos 564.º n.º 1 e 2 e 566.º, n.º 2 e 3 do CC.
XL. Sendo que uma correcta interpretação e aplicação dos supracitados artigos implicaria que o Tribunal a quo, tivesse arbitrado um montante muito superior ao fixado a nível do dano biológico, face também ao valor das indemnizações que têm vindo a ser fixadas pela jurisprudência, por recurso à equidade,
XLI. Bem como que tivesse considerado os danos futuros, que nos termos da lei são indemnizáveis porque previsíveis face ao disposto no artigo 564.º, n.º 2 do CC.
XLII. Afigurando-se como justa, proporcional e adequado às concretas circunstâncias do caso, a atribuição de uma indemnização no montante de 260.500,00 € (duzentos e sessenta mil e quinhentos euros), a título de dano corporal, biológico objectivo e dano futuro (conforme peticionado pela A./Recorrente, no seu articulado de ampliação do pedido, designadamente nos artigos 65.º e 69.º do mesmo).
D.2) Dos danos não patrimoniais
XLIII. Como é consabido, na fixação da indemnização deve atender-se a todos os danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito, conforme resulta do artigo 496.º, n.º 1, do CC.
XLIV. Apesar de na sentença recorrida ser feita expressa referência às consequências que o acidente teve na vida da A./Recorrente ao nível da cognição e afectividade (a saber, designadamente, isolamento social, labilidade emocional com choro fácil, humor deprimido, irritabilidade fácil, cfr. factos provados “28.1.2”, “28.1.2.1.”, “28.1.2.2.” e “28.1.2.3.”), os mesmos não vêm minimamente atendidos pelo Tribunal a quo, (v. fls. 33 a 35 da sentença recorrida), apesar de se tratarem de danos provados do foro psicológico da A./Recorrente.
XLV. Devendo, ademais, tomar-se por base para a compensação dos danos não patrimoniais, igualmente o seguinte acervo da matéria de facto provada, cujo aditamento se requereu no capítulo C) supra, a respeito da impugnação da decisão sobre a matéria de facto, a saber, que:
- A Autora passou a padecer de uma tristeza profunda e desânimo, por ter deixado de ter uma vida saudável, activa e financeiramente independente;
- De noite, a A. passou a não conseguir descansar, acordando vezes sem conta e tem muita dificuldade em dormir.
XLVI. Sem prescindir do que fica exposto e que, de si, implicaria que a A./Recorrente fosse compensada por um valor superior ao arbitrado pelo Tribunal a quo, para fazer face ao considerável dano moral/emocional de tal sinistro resultante,
XLVII. Há que não esquecer que estando em causa a fixação do valor da indemnização por danos não patrimoniais, haverá que fixar um montante necessariamente com apelo a um julgamento segundo a equidade, tendo-se por referência os valores das indemnizações por danos não patrimoniais que vêm sido fixadas pela jurisprudência, mormente por referência aos Acórdãos que vêm nomenclados pelo Tribunal a quo.
XLVIII. Afigurando-se de fácil conclusão de que a jurisprudência, em casos em que estão em causa danos não patrimoniais de menor gravidade, tem fixado a indemnização em montante bastante superior àquele que foi arbitrado nos presentes autos (v. Acórdãos aludidos supra nos pontos 129 e 132).
XLIX. De igual modo, o Tribunal a quo descurou contemplar o que resulta do disposto no n.º 4 do artigo 496.º do CC, isto é, ponderar, quanto ao caso concreto, as circunstâncias referidas no artigo 494.º do CC, sendo absolutamente evidente a enorme gravidade do facto, o seu elevadíssimo grau de ilicitude, e a conduta gravemente negligente da condutora do veículo (segurada da R./Recorrida).
L. Devendo-se também neste aspecto atentar-se à manifesta e preponderante relevância da correcta inserção dos factos cujo aditamento à matéria de facto provada se requereu quanto à situação económica da A./Recorrente, por referência às duras condições em que a A./Recorrente viveu (e ainda vive), em virtude do acidente, que é determinante para a aferição do montante indemnizatório. A saber:
“- A Autora era a única fonte de receita do seu agregado familiar, filha menor e filhos desempregados;
- A Autora, em virtude do acidente, passou a não ter dinheiro para alimentar o seu agregado familiar, muito menos para comprar roupas e outros bens considerados indispensáveis;
- A Autora teve de recorrer à ajuda de terceiros para conseguir sobreviver;
- A Autora passou fome”.
LI. Neste circunstancialismo, e salvo o devido respeito, não podem existir dúvidas de que o Tribunal recorrido andou mal ao decidir que se revelava adequada uma indemnização no montante de € 65.000,00 (sessenta e cinco mil euros), na medida em que o referido valor é manifestamente baixo e não encontra assento nem paralelismo nas decisões jurisprudenciais.
LII. Por conseguinte, a sentença recorrida violou o disposto no artigo 494.º e 496.º do CC.
LIII. Sendo que uma correcta interpretação e aplicação dos supracitados artigos implicaria que o Tribunal a quo, tivesse arbitrado um montante muito superior ao fixado ao nível do dano não patrimonial, face também ao valor das indemnizações que têm vindo a ser fixadas pela jurisprudência, por recurso à equidade.
LIV. Tudo visto, entende-se como equitativamente justa uma compensação de € 100.000,00 (cem mil euros) que se deve ter por proporcional e adequada às circunstâncias concretas dos presentes autos (conforme peticionado pela A./Recorrente, no seu articulado de ampliação do pedido, designadamente no artigo 66.º do mesmo).
Termos em que:
i. Deverá ser declarada a nulidade da sentença recorrida, por ausência de fundamentação, nos termos do disposto no artigo 615.º n.º 1, alínea b), do CPC;
ii. Deverá ser declarada a nulidade da sentença por omissão de pronúncia, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alínea d) do CPC;
iii. Deverá ser modificada a decisão da matéria de facto;
iv. Deverá ser revogada a sentença recorrida, com fundamento em erros de julgamento em matéria de Direito, e substituída por outra que, sem prejuízo dos montantes indemnizatórios fixados pelo Tribunal a quo a título de perdas salariais e despesas, que se devem manter, mais condene:
a) A R./Recorrida no pagamento à A./Recorrente de indemnização por danos corporais, dano biológico objectivo e danos futuros, no valor de 260.500,00 € (duzentos e sessenta mil e quinhentos euros);
b) A R./Recorrida no pagamento de uma compensação por danos não patrimoniais à A./Recorrente, no montante de € 100.000,00 (cem mil euros)
Devendo, em qualquer dos casos, acrescer ao capital em dívida, a título de danos patrimoniais, os juros de mora contados desde a citação da R./Recorrida e a título de danos não patrimoniais, juros legais, à taxa aplicável às operações civis, fixada actualmente em 4% ao ano, desde a data da prolação da decisão até pagamento.
v. Mais se requer que seja relegado para momento ulterior, a condenação da R./Recorrida, no pagamento das quantias que se venham a apurar em momento posterior, por consequência do agravamento das sequelas da A./Recorrente.
Assim se fazendo a costumada JUSTIÇA!»
A R. contra-alegou, alegando que «o pedido formulado pela Autora nunca poderá proceder por ser superior ao valor fixado à ação» e sustentando, no mais, a manutenção da sentença recorrida.
No despacho que recebeu o recurso, em 13.11.2023 o Tribunal recorrido pronunciou-se igualmente quanto à suscitada nulidade por falta de fundamentação do facto dado como não provado na alínea e), referindo tratar-se de um «mero lapso de escrita», pois onde se motivou os factos dados como não provados em «c. e d.» pretendia-se antes dizer «c., d. e e.».
Colhidos os vistos, cumpre ora apreciar a decidir.
II.
OBJETO DO RECURSO.
Atento o disposto nos artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2, todos do CPCivil, as conclusões do recorrente delimitam o objeto do recurso, sem prejuízo do conhecimento de questões que devam oficiosamente ser apreciadas e decididas por este Tribunal da Relação.
Nestes termos, atentas as conclusões deduzidas pela Recorrente, não havendo questões de conhecimento oficioso a apreciar, nos presentes autos está em causa apreciar e decidir:
- Da nulidade por falta de fundamentação;
- Da nulidade de omissão de pronúncia;
- Da impugnação da decisão de facto;
- Do quantum indemnizatório.
Assim.
III.
DA NULIDADE POR FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO.
(Conclusões III. a VIII. das alegações de recurso).
Nesta sede a Recorrente alega, em suma, que a sentença recorrida padece de falta de fundamentação por não ter sido motivado o facto dado como não provado e.
Vejamos.
Nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alínea b), do CPCivil, «[é] nula a sentença quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão (…)».
Sob pena de nulidade, exige-se, pois, que a sentença esteja minimamente motivada de facto e de direito, sendo nula tão-só aquela em que falte de todo em todo tal motivação.
A fundamentação escassa ou deficiente ou incorreta não constituem causas de nulidade da decisão nos termos da apontada disposição legal. 
Como referem Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, volume I, edição de 2020, página 763, no que ora está em causa a sentença é nula quando ocorre «(…) a absoluta falta de fundamentação e não a fundamentação alegadamente insuficiente e ainda menos o putativo desacerto da decisão (…)».
No mesmo sentido refere o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23.01.2024, processo n.º 1307/16.0T8BRG.G1.S1, «quanto ao vício atinente à falta de fundamentação, correlaciona-se o mesmo com o dever de fundamentação das decisões que se impõe ao julgador “por imperativo constitucional e legal (artigos 208º, nº 1, da Constituição e 154º, nº 1, do CPC) tendo ainda a ver com a legitimação da decisão judicial em si mesma e com a própria garantia do direito ao recurso (as partes precisam de ser elucidadas quanto aos motivos da decisão, sobretudo a parte vencida, para poderem impugnar os fundamentos perante o tribunal superior)” (cfr. Ac. STJ de 4.6.2019, proc. 64/15.2T8PRG-C.G1.S1)».
«No entanto, como é sublinhado pela doutrina e afirmado, de forma constante, por este Supremo, só a falta absoluta de fundamentação, entendida como a total ausência de indicação dos fundamentos de fundamentos de facto e de direito da decisão, gera a nulidade do acórdão, não integrando tal vício a fundamentação deficiente, errada ou não convincente».
No caso em apreço.
Compulsando os autos constata-se a sentença recorrida nada refere quanto à fundamentação do facto não provado e.
Contudo, conforme relatório do presente acórdão, tal omissão foi suprida no despacho de 13.11.2023 que igualmente recebeu o recurso: aí o Tribunal recorrido referiu que a sentença recorrida padece de «lapso de escrita» quanto à fundamentação do facto não provado e., procedendo na sua fundamentação as mesmas razões que justificaram as respostas negativas indicadas em c. e d., ou seja,  «[n]ão foi feita prova bastante da ocorrência destes factos, ainda que existam alusões parciais aos mesmos nas declarações da parte da A. e nos depoimentos de “CC”, “DD” e “EE”, mas não foram coincidentes entre si, com o que ficou o tribunal na dúvida quanto à sua ocorrência, uma vez que, a A. por natureza e as testemunhas por parentesco próximo, têm interesse no desfecho dos autos, tendo prestado ademais depoimentos claramente tendencioso a favor da A. razão pela qual não foram tidos por bastantes quanto a estes factos relativamente aos quais não foi produzida outra prova».
Notificado daquele despacho a A., aqui Recorrente, nada disse.
Nestes termos, uma vez que foi, entretanto, suprida a alegada omissão de fundamentação, mostra-se prejudicada a suscitada nulidade por falta de fundamentação.
IV.
DA NULIDADE POR OMISSÃO DE PRONÚNCIA.
(Conclusões III. e IX. a XII. das alegações de recurso).
Neste domínio a Recorrente alega, em resumo, que o Tribunal recorrido omitiu pronúncia sobre danos futuros referentes ao agravamento das sequelas de que padece a A./Recorrente em virtude do acidente de viação em causa.
Apreciemos.
Segundo o disposto no artigo 608.º, n.º 2, do CPCivil, o Tribunal «deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras (…)».
No que aqui releva, o artigo 615.º n.º 1, alínea d), do CPCivil dispõe que «[é] nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar (…)».
Na omissão de pronúncia estão, pois, em causa questões e não simples razões ou argumentos aduzidos pelas partes.
Sem prejuízo da prejudicialidade que o discurso jurídico impõe, o juiz deve referir-se aos temas, aos assuntos nucleares do processo, suscitados pelas partes, bem como àqueles de que oficiosamente deva conhecer, cumprido que se mostre o contraditório, não se exigindo, contudo, que o juiz aprecie toda e qualquer consideração ou argumento tecido pelas partes.  
Como referem Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, volume 2.º, edição de 2019, página 737, «[d]evendo o juiz conhecer de todas as questões que lhe são submetidas, isto é, de todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e exceções invocadas e todas as exceções de que oficiosamente lhe cabe conhecer (art. 608-2), o não conhecimento de pedido, causa de pedir ou exceção cujo conhecimento não esteja prejudicado pelo anterior conhecimento de outra questão constitui nulidade, já não a constituindo a omissão de considerar linhas de fundamentação jurídica, diferentes da da sentença, que as partes hajam invocado (…)».
No mesmo sentido refere o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19.12.2023, processo n.º 619/21.6T8VCT.G1-A.S1, que «a omissão de pronúncia não se confunde com as razões, argumentos ou motivos invocados pelas partes para sustentarem e fazerem vingar as suas posições (jurídico-processuais ou jurídico-substantivas): só a omissão da abordagem de uma qualquer questão temática central integra vício invalidante duma sentença/despacho, que não a falta de consideração de um qualquer elemento da retórica argumentativa produzida pelas partes».
In casu.
A presente ação declarativa de condenação circunscreve-se a duas questões nucleares: (i) apurar a responsabilidade civil da R. quanto a um determinado acidente de viação e, sendo ela responsável, (ii) determinar os termos da indemnização em que a R. deve ser condenada.
Ora, a decisão recorrida não deixou a abordar tais questões.
Com efeito, começou por um «relatório», procedeu a um «saneamento» tabelar, indicou os «factos provados» e «não provados», com a respetiva «motivação», e aplicou o «direito», considerando preenchidos os «pressupostos da responsabilidade civil da R.» e pronunciando-se quanto à indemnização devida a título de «danos patrimoniais» e «não patrimoniais», após o que concluiu por uma «decisão» absolutamente inteligível.
Em particular, quanto aos «danos futuros», a decisão recorrido não deixou de os referenciar em sede de «relatório», a propósito do «articulado superveniente», e no «direito» aplicável, com referência ao artigo 564.º, n.º 2, do CCivil, embora sem reportar tais danos em sede indemnizatória no caso concreto em causa, seguramente em razão da factualidade que deu como provada, termos em que absolveu a R. da condenação em danos futuros.  
Tal absolvição é, pois, uma decorrência da decisão de facto tomada pelo Tribunal recorrido, não se afigurando, em função daquela decisão, que a matéria relativa a danos futuros tivesse necessariamente que merecer uma abordagem mais explícita na decisão de direito.
A justeza daquela absolvição é questionável e a A./Recorrente não deixa de o fazer em sede recursiva, quer na impugnação da decisão de facto, quer na aplicação do direito e determinação da indemnização em causa, aspetos que serão ulteriormente abordados no presente acórdão, mas que não respeitam à omissão de pronúncia ora em causa.
Em suma, não pode assacar-se à sentença recorrido o alegado vício da omissão de pronúncia, sendo que a matéria relativa aos invocados danos futuros será abordada infra.
Improcede, pois, nesta parte o recurso. 
V.
DA IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO.
(Conclusões III. e XIII. a XXVI. das alegações de recurso). 
1. Segundo o disposto no artigo 640.º, n.º 1 e 2, alínea a), do CPCivil,
«1. Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;

c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes».

Ou seja, sob pena de rejeição do recurso da decisão de facto, na impugnação desta o Recorrente tem um triplo ónus: (i) concretizar os factos que impugna, (ii) indicar os concretos meios de prova que justificam a impugnação e impõem uma decisão diversa, sendo que caso tenha havido gravação daqueles deve o Recorrente indicar as passagens da gravação em que funda a sua discordância, e (iii) especificar a decisão que entende dever ser proferida quanto à factualidade que impugna.
Como refere Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, edição de 2018, páginas 163 e 169, o legislador optou «por restringir a possibilidade de revisão de concretas questões relativamente às quais sejam manifestadas e concretizadas divergências por parte do recorrente», sendo que as exigências decorrentes do apontado regime legal «devem ser apreciadas à luz de um critério de rigor.  Trata-se, afinal, de uma decorrência do princípio da autorresponsabilidade das partes, impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo (…)».
2. No caso vertente.
A Recorrente observou os indicados ónus de impugnação da matéria de facto, pelo que importa conhecer do recurso da decisão de facto.
Ora, nesta sede, a Recorrente requer que (i) o facto dado como não provado d. seja dado como provado e (ii) sejam aditados seis novos factos ao elenco dos factos provados.  
Vejamos.
2.1. Quanto ao facto não provado d.
O Tribunal recorrido deu como não provado que:
«d. De noite, a A. passou a não conseguir descansar, acordando vezes sem conta e tem muita dificuldade em dormir».
Fundamentou tal nos seguintes termos:
«Não foi feita prova bastante da ocorrência destes factos, ainda que existam alusões parciais aos mesmos nas declarações da parte da A. e nos depoimentos de “CC”, “DD” e “EE”, mas não foram coincidentes entre si, com o que ficou o tribunal na dúvida quanto à sua ocorrência, uma vez que, a A. por natureza e as testemunhas por parentesco próximo, têm interesse no desfecho dos autos, tendo prestado ademais depoimentos claramente tendenciosos a favor da A. razão pela qual não foram tidos por bastantes quanto a estes factos relativamente aos quais não foi produzida outra prova».
(negrito da autoria dos aqui subscritores).
Fundado naquela mesma prova pessoal, a partir de excertos que transcreve, a Recorrente concluiu que o facto em causa deve ser dado como provado.
Vejamos.
A factualidade em causa foi alegada nos artigos 96.º e 98.º da petição inicial.
Na matéria em causa este Tribunal da Relação de Lisboa procedeu à audição integral do depoimento das testemunhas “CC”, filha da A., “DD”, igualmente filha da A., e “EE”, companheira do filho da A., bem como ouviu também integralmente as declarações de parte da A., depoimentos e declarações essas prestadas nas sessões de julgamento de 10.05.2019 e 25.11.2021.
Embora com palavras e expressões não inteiramente iguais, mas de significado similar, o que confere espontaneidade e autenticidade, da apontada prova pessoal decorre que após o embate em causa, em razão do mesmo, a A. passou a ter noites mal dormidas, revelando significativas dificuldades de sono.
Nesse sentido, ouçam-se designadamente os minutos 18:43 a 18:59 e 19:57 a 20:26 do depoimento da testemunha “CC” de 10.05.2019 e minutos 12:20 a 12:41 do depoimento da mesma testemunha de 25.11.2021, minutos 13:00 a 13:20 do depoimento da testemunha “DD” de 10.05.2019 e minutos 11:00 a 11:35 do depoimento daquela testemunha de 15.11.2021, minutos 06:05 a 06:20 do depoimento da testemunha “EE” de 10.05.2019 e minutos 05:34 a 6:00 da mesma testemunha de 25.11.2021, assim como minutos 21:30 a 22:50 das declarações de parte da A. de 10.05.2019 e minutos 02:39 a 03:37 das mesmas declarações de 25.11.2021.
Ponderando tais depoimentos/declarações, prestados de forma clara e coerente em si e entre si, conforme as regras da lógica e da experiência comum, importa, em consequência, eliminar a factualidade em causa da matéria de facto dada como não provada e considerar como provado o seguinte facto:
«41. Em razão do acidente de viação a que se referem os autos a A. passou a ter significativas dificuldades em dormir, não tendo um sono reparador».
2.2. No que respeita ao aditamento da tristeza e desânimo da A.
Nesta sede a A. pretende que se adite à factualidade dada como provada que:
«A A. passou a padecer de uma tristeza profunda e desânimo, por ter deixado de ter uma vida saudável, activa e financeiramente independente».
Fundamentou tal nas suas declarações de parte, bem como no depoimento das testemunhas “EE”, “DD” e “CC”.
Apreciemos.
A factualidade em causa foi alegada nos artigos 99.º, 122.º e 123.º da petição inicial.
Ouvindo aquela prova pessoal indicada pela Recorrente, este Tribunal da Relação de Lisboa também considera provada tal factualidade, conforme designadamente minutos 27.57 a 28:56 do depoimento da testemunha “CC” de 10.05.2019, bem como minutos 10:20 a 10:30 e minutos 19:39 a 20:45 do depoimento da mesma testemunha de 25.11.2021, minutos 04:00 a 04:35 e 12:14 a 13:00 do depoimento da testemunha “DD” de 10.05.2019 e minutos 04:35 a 05:25 do depoimento daquela testemunha de 15.11.2021, minutos 03:18 a 03:50 e minutos 10:36 a 11:26 do depoimento da testemunha “EE” de 10.05.2019, assim como minutos 25:04 a 27:03 das declarações de parte da A. de 10.05.2019, decorrendo da globalidade dessas declarações e das de 25.11.2021 o sentimento de enorme tristeza e desânimo da A. em razão do atropelamento que sofreu.
Nestes termos, importa aditar à factualidade dada como provada o seguinte facto:
«42. Em virtude do atropelamento em causa, a A. passou a padecer de uma tristeza profunda e desânimo, por ter deixado de ter uma vida saudável, ativa e financeiramente independente».
2.3. Quanto ao aditamento da alteração da situação económica da A.
Pretende a A. que sejam aditados como provados os seguintes factos:
«- A autora era a única fonte de receita do seu agregado familiar, tendo uma filha menor e os restantes filhos desempregados;
- A Autora, em virtude do acidente, passou a não ter dinheiro para alimentar o seu agregado familiar, muito menos para comprar roupas e outros bens considerados indispensáveis;
- A Autora teve de recorrer à ajuda de terceiros para conseguir sobreviver;
- A Autora passou fome».
Motivou tal factualidade nas suas declarações de parte e no depoimento da testemunha “CC”.
Analisemos.
A apontada factualidade em causa foi alegada nos artigos 109.º, 119.º, 120.º e 129.º da petição inicial.
Na matéria factual ora em causa este Tribunal ouviu o depoimento das testemunhas “CC”, “DD” e “EE”, bem como as declarações de parte da A.
Do confronto crítico daquela prova pessoal segundo as regras da experiência comum e da lógica decorre provada no essencial a factualidade cujo aditamento está ora em causa, com as explicitações abaixo indicadas, sendo que tais depoimentos/declarações mostram-se claras, objetivas e coerentes em si e entre si, conforme designadamente minutos 2:54 a 6:45 e minutos 22:20 a 22:55 do depoimento da testemunha “CC” de 10.05.2019, minutos 09:00 a 10:32 do depoimento da testemunha “DD” de 10.05.2019, minutos 03:18 a 5:38 do depoimento da testemunha “EE” de 10.05.2019 e minutos 10:40 a 12:35 das declarações de parte da A. de 10.05.2019.
Em suma, importa aditar à factualidade apurada os seguintes factos:
«43. À data do embate a que se referem os autos a A. era a única fonte de receita do seu agregado familiar, constituído por uma filha de 17 anos de idade e dois filhos maiores, ambos então desempregados;
44. Em virtude do atropelamento em causa, pelo menos no ano subsequente ao mesmo, a A. passou a não ter dinheiro para alimentar o seu agregado familiar e para comprar vestuário e calçado, tendo passado fome e recorrido à ajuda de terceiros para sobreviver».
2.4. No que se refere à factualidade relativa ao dano futuro.
Nesta sede a A. pretende que seja aditado aos factos provados o seguinte:
«É de perspectivar a existência de dano futuro, consubstanciado no agravamento das sequelas, que constitui uma previsão fisiopatologicamente certa e segura, por corresponder à evolução lógica, habitual e inoxerável do quadro cliníco».
Fundamentou tal no relatório pericial de 27.07.2020, bem como nas declarações da Sra. Perita Médica “FF” prestadas na sessão de julgamento de 15.10.2021.
A factualidade ora em causa foi alegada nos artigos 47.º e 70.º do articulado superveniente apresentado em 15.10.2021.
Apreciemos.
No relatório do exame pericial complementar de neurocirurgia de 29.06.2020, subscrito pelo Senhor Consultor de Neurologia “GG”, consta que é «de admitir dano futuro».
No relatório final da perícia de avaliação do dano corporal em direito civil de 27.07.2020, subscrito pela Senhora Perita Médica “FF”, consta que «[n]a situação em apreço é de perspetivar a existência de Dano Futuro (considerando exclusivamente como tal o agravamento das sequelas que constitui uma previsão fisiopatologicamente certa e segura, por corresponder à evolução lógica, habitual e inexorável do quadro clínico), o que pode obrigar a uma futura revisão do caso».
Em declarações prestadas na sessão de julgamento de 14.12.2021, a Senhora Perita Médica “FF” referiu claramente que do atropelamento em causa e no que respeita ao quadro clínico da A. é previsível de forma segura o agravamento daquele quadro clínico, com necessidade de futura revisão do caso, com circunstâncias por ora indetermináveis, conforme designadamente minutos 07:17 a 08:27 e minutos 25:04 a 25:55 das respetivas declarações.
Nestes termos, urge aditar aos factos provados o seguinte:
«45. Em virtude do atropelamento a que se referem os autos, com o decurso do tempo, a situação clínica da A. irá seguramente agravar-se de forma que por ora não é possível determinar em concreto».
Procede, pois, o recurso da matéria de facto da A.
*
* *
Em função do exposto, este Tribunal da Relação de Lisboa tem, pois, como provada a seguinte factualidade:
1. No dia 19.09.2012, cerca das 20h20, na Rua Alexandre Herculano, em Belas, ocorreu um acidente de viação;
2. No acidente estiveram envolvidos o veículo automóvel de matrícula 50-17-(…), conduzido por “BB”, e a A. que seguia apeada;
3. O veículo de matrícula 50-17-(…) é pertença de “HH”, que transferiu a responsabilidade infortunística adveniente da circulação do mesmo para a R. através do contrato de seguro titulado pela apólice nº 0002055950, em vigor à data do sinistro;
4. O acidente ocorreu quando o veículo conduzido por “BB” circulava na Rua Alexandre Herculano (EN 117), no sentido Belas – Queluz;
5. A A. encontrava-se a atravessar a passadeira de peões, em passo normal, da direita para a esquerda, atento o sentido de marcha do veículo conduzido por “BB”;
6. Ao aproximar-se da passadeira onde a A. atravessava a via, “BB” não parou, nem reduziu a velocidade do referido veículo, indo embater com o mesmo no corpo da A.;
7. A condutora “BB” seguia desatenta no exercício da sua condução, não tendo avistado a tempo a A., não travando nem reduzindo a velocidade, não obstante a aproximação da passadeira;
8. A condutora “BB” não atuou como era devido a qualquer condutor medianamente prudente, travando ou abrandando o veículo à aproximação da passadeira, do que era capaz, assim dando causa ao referido sinistro;
9. No momento do acidente o estado do tempo era bom, existia boa visibilidade, não se encontrando o piso molhado ou escorregadio;
10. A A. foi Admitida no Serviço de Urgência do Hospital São Francisco de Xavier, no mesmo dia, pelas 21h37 horas, apresentando traumatismos múltiplos, nomeadamente craniano, facial, torácico e do membro inferior esquerdo;
11. À observação apresentava restrição da mobilização do membro inferior esquerdo por dor, sem défices neurológicos focais. Foi submetida a TC-CE que revelou discreta HSA traumática na vertente pós da hemo-tenda direita, bem como a TC da coluna cervical que não evidenciou alterações. Foi internada para vigilância e controlo imagiológico;
12. Em 20.09.2009, foi repetido TC-CE cujo resultado foi sobreponível ao de 19-09-2009: “HSA traumática da região talâmica e do esplénio do corpo caloso à direita”;
13. A A. teve alta em 21.09.2012, pelas 08h12 com destino a consulta externa no Hospital Prof. Dr. Fernando da Fonseca;
14. No dia 02.11.2012, a A. foi submetida a:
14.1. TC-CE que revelou: “Traço de fratura da parede lateral do antro maxilar direito, assim como da parede anterior, envolvendo o buraco intra-orbitário; prolongamento superior do traço fraturário para a parede externa da órbita”;
14.2. TC da Coluna Cervical: “Sem luxações, sem vidência de traço de fratura; espessamento dos ligamentos amarelos nos níveis C6-C1 e C7-D1”;
14.3. RM do joelho esquerdo: “Fratura cominutiva globalmente coaptada da cabeça do perónio. Rotura completa do terço proximal do ligamento cruzado anterior. Subluxação externa da cunha meniscal externa. Rotura com perda de substância do corno anterior; rotura parcial da inserção distal do ligamento lateral interno. Aspetos de gonartrose tricompartimental; condromalacia retropatelar; condropatia de grau II/III da tróclea femoral; condropatia do compartimento femoro-tibial externo”;
15. Em consulta de Neurocirurgia, a 09.11.2012, a A. não apresentava alterações no exame neurológico e radiograficamente não foram detectadas alterações (TC-CE);
16. Em 19.11.2012, a A. passou a ser seguida pela especialidade de Medicina Física e de Reabilitação;
17. Em 11.12.2012 teve indicações da especialidade de Ortopedia para iniciar marcha com uma canadiana;
18. A A. teve alta da consulta de Cirurgia Máxilo-facial em 21.11.2012;
19. Em 11.12.2012, a A. realizou TC torácica que mostrou: “Fraturas do 2º, 3º e 4º arcos costais anteriores direitos com algum calo ósseo fraturas subagudas em fase de consolidação.”;
20. A A. fez 18 tratamentos de fisioterapia no Centro de Reabilitação São Jorge, em Sintra, tendo sido seguida pela Fisioterapeuta “II”, sem evolução positiva da sua condição;
21. Em 09.04.2013, por a A. não apresentar evolução na Medicina Física e de Reabilitação, a especialidade de Ortopedia deu-lhe alta definitiva com desvalorização;
22. A data de consolidação médico legal das lesões sofridas pela A. na sequência do acidente é fixável em 18.09.2014, tendo esta sofrido, em consequência do acidente, de:
22.1. Um período de Défice Funcional Temporário Total fixável em 30 (trinta) dias (de 19.09.2012 a 18.10.2012);
22.2. Um período de Défice Funcional Temporário Parcial, fixável em 700 (setecentos) dias (entre 19.10.2012 e 18.09.2014[3]);
22.3. Um período de Repercussão Temporária na Atividade Profissional total de 730 (setecentos e trinta) dias (entre 19.09.2012 e 18.09.2014[4]);
22.4. Um quantum dolores físico e psíquico, de grau 5 (cinco) em 7 (sete) de gravidade crescente, considerando o tipo de traumatismo, as lesões resultantes, os tratamentos efetuados, o período de recuperação funcional, bem como sofrimento psíquico vivenciado;
23. A A. apresenta as seguintes lesões advenientes do referido sinistro:
23.1. Na face:
23.1.1. Área cicatricial, ligeiramente hipercrómica, embora quase inaparente, supra-ciliar direita, medindo 1cm x 0,5cm de maiores eixos;
23.1.2. Cicatriz discretamente hipercrómica, embora quase inaparente, no canto lateral do olho direito, medindo 1 cm de comprimento;
23.1.3. Sem alterações de mímica facial;
23.1.4. Dor e crepitação na articulação temporo-mandibular direita, sem limitação da abertura bucal, embora referindo dor;
23.1.5. Sem deformações à palpação;
23.2. No tórax: subjetivos dolorosos referidos no hemitórax direito à compressão látero-lateral e ântero-posterior;
23.3. No membro inferior direito: área cicatricial hipercrómica, no maléolo lateral, medindo 2 cm x 1,5cm de maiores eixos;
23.4. No membro inferior direito: área cicatricial hipercrómica, no maléolo lateral, medindo 2 cm x 1,5 cm de maiores eixos;
23.5. No membro inferior esquerdo:
23.5.1. Rigidez dolorosa do joelho, com arco de movimento de 70º (20º-90º);
23.5.2. Joelho aumentado em tamanho cerca de 1,5 cm, comparativamente com o oposto;
23.5.3. Amiotrofia dos músculos da coxa de 2 cm e da perna de 1,5 cm medidos a 15 centímetros do polo superior e inferior da rótula e comparativamente com o membro oposto;
23.5.4. Diminuição da força muscular em vários segmentos anatómicos contra a resistência (grau IV);
23.5.5. Rótula amovível, com dor à palpação;
23.5.6. Derrame articular clinicamente objectivável;
23.5.7. Dor à palpação da face medial e lateral do joelho;
23.5.8. Instabilidade lateral;
23.5.9. Instabilidade antero-posterior;
24. A A. ficou a padecer, em consequência do acidente e lesões sofridas com o mesmo, dos seguintes danos permanentes:
24.1. Compromisso cognitivo, condicionando labilidade da atenção, lentificação ideativa, dificuldades de memorização, fatigabilidade intelectual, intolerância ao ruído, instabilidade do humor, persistindo para além de 2 anos;
24.2. Raquialgias cervicais residuais, sem lesão óssea ou disco-ligamentar;
24.3. Dor a nível da hemiface direita, com sensação de "agulha a espetar" no olho e a nível da articulação temporo-mandibular com irradiação para o ouvido, agravada com a mastigação;
24.4. Rigidez do joelho esquerdo, no movimento de flexão 70º e défice no movimento de extensão -20º;
24.5. Instabilidade ligamentar mista do referido joelho;
24.6. Dores intercostais – pós-fratura de arcos costais;
24.7. De Dano Estético Permanente, fixável no grau 5 (cinco), numa escala de 7 (sete) graus de gravidade crescente, a claudicação da marcha, a utilização de canadiana na locomoção, deformação do joelho, amiotrofia muscular e as características morfológicas das cicatrizes;
25. Tais sequelas importam num Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica fixável em 41 (quarenta e um) pontos de 100 (cem);
26. As sequelas que a A. apresenta são impeditivas do exercício da atividade profissional habitual;
27. A A. tem as seguintes dependências permanentes de ajudas:
27.1. Ajuda medicamentosa de analgésicos;
27.2. Tratamentos médicos regulares de fisioterapia;
27.3. Ajuda técnica de uma canadiana;
27.4. Ajuda de terceira pessoa cerca de 3 horas por semana na realização de compras;
28. A A. tem as seguintes queixas:
28.1. A nível funcional:
28.1.1. Postura, deslocamentos e transferências: da necessidade de apoio de uma canadiana nas deslocações, mesmo no domicílio, que usa do lado esquerdo, por falta de força muscular do membro inferior esquerdo, instabilidade do joelho e gonalgia homolaterais; dificuldade em caminhar no piso inclinado e irregular, subir e com maior gravidade em descer as escadas, com quedas frequentes; incapacidade em ajoelhar-se e pôr-se de cócaras;
28.1.2. Cognição e afetividade:
28.1.2.1. Isolamento social;
28.1.2.2. Labilidade emocional com choro fácil;
28.1.2.3. Humor deprimido, irritabilidade fácil e impaciência com familiares;
28.1.2.4. Alterações de memória com esquecimento fácil;
28.1.3. Fenómenos dolorosos:
28.1.3.1. Cefaleias esporádicas, de intensidade variada, associadas a sensação tipo "aperto", na região fronto-parietal direita;
28.1.3.2. Permanentes a nível da articulação temporo-mandibular direita com irradiação para o ouvido homolateral, agravados com a mastigação;
28.1.3.3. Esporádicos na hemiface direita, com sensação de "agulha a espetar" no olho direito, associados a sensação de dormência e formigueiros;
28.1.3.4. No hemotórax direito, ao efetuar inspiração profunda e ao tossir;
28.1.3.5. Gonalgia esquerda quase persistente, de características mistas, embora de predomínio mecânico, que lhe dificulta a marcha;
28.1.3.6. Necessita recorrer a medicação analgésica diariamente (Nurofen e Paracetamol em SOS);
28.2. Outras queixas a nível funcional:
28.2.1. Instabilidade do joelho;
28.2.2. Vertigens;
28.2.3. Intolerância ao ruído e barulho, tornando-se impaciente e irritada;
29. A nível situacional:
29.1. Nos atos da vida diária:
29.1.1. Dificuldades na realização das tarefas domésticas e atividades da sua vida diária, nomeadamente nas transferências, no transporte de compras e a calçar-se, necessitando de apoio de familiares e acompanhamento para ir a consultas médicas;
29.1.2. Vida profissional: não retomou a sua atividade por limitação funcional e quadro doloroso;
30. A A. nasceu em 27.01.1959;
31. À data do sinistro, a A. tinha 53 anos de idade, trabalhava para a “JM (…), Lda.”, como servente, exercendo funções profissionais na reciclagem de papel numa fábrica e auferindo cerca de 525,00€ mensais líquidos;
32. Aquando do sinistro, a A. já trabalhava em tal empresa há cerca de 12 anos;
33. As funções da A. eram a escolha de papéis para reciclagem;
34. Tais funções implicam que se esteja de pé e dobrado sobre o corpo;
35. Terminado o período de baixa médica, a A. apresentou-se ao serviço, mas não conseguiu voltar ao trabalho, por não conseguir manter-se em pé durante muito tempo, nem dobrar-se para alcançar os papéis a separar;
36. Em 17.07.2014, por escrito que a A. recebeu, “JM (…), Lda.” comunicou-lhe a cessação[5] do seu contrato de trabalho, por incapacidade da A. o prestar e por inexistir na empresa posto de trabalho adequado à condição física da A.;
37. Por escrito datado de 26.10.2012, recebido pela A., a R. comunicou-lhe a assunção da responsabilidade pelos danos advenientes do referido sinistro;
38. A A. auferiu da Segurança Social, entre 18.06.2014 e 04.05.2020, a quantia total de 12.732,10€ (doze mil, setecentos e trinta e dois euros e dez cêntimos):
38.1. Prestação de Subsídio de Desemprego, entre 18.06.2014 e 13.10.2014, no montante diário de 15,45€;
38.2. Prestação de Subsídio Social de Desemprego Subsequente, entre 13.10.2017 e 12.04.2019, no montante diário de 15,45€;
38.3. Prestação de Medida extraordinária de apoio aos desempregados de longa duração, entre 05.11.2019 e 04.05.2020, no montante diário de 13,75€;
39. A R. pagou à A. a quantia de 3.800,00€, a título de dano biológico e de perda de salário;
40. A A. gastou:
40.1. Em consultas no Centro de Saúde, em 03.05.2013 e 30.05.2013, a quantia total de 6,00€;
40.2. A A. pagou ao Hospital de Sant’Ana, em 21.08.2013, por consulta de ortopedia, a quantia de 7,75€;
40.3. A A. pagou a quantia de 70,00€, em consulta de ortopedia, do dia 18.09.2013, a “S+Sintrama, clínica médica de Massamá”;
40.4. A A. pagou a quantia de 250,00€, referente a relatório médico, do dia 13.01.2014, a “S+Sintrama, clínica médica de Massamá”;
41. Em razão do acidente de viação a que se referem os autos a A. passou a ter significativas dificuldades em dormir, não tendo um sono reparador
42. Em virtude do atropelamento em causa, a A. passou a padecer de uma tristeza profunda e desânimo, por ter deixado de ter uma vida saudável, ativa e financeiramente independente»;
43. À data do embate a que se referem os autos a A. era a única fonte de receita do seu agregado familiar, constituído por uma filha de 17 anos de idade e dois filhos maiores, ambos então desempregados;
44. Em virtude do atropelamento em causa, pelo menos no ano subsequente ao mesmo, a A. passou a não ter dinheiro para alimentar o seu agregado familiar e para comprar vestuário e calçado, tendo passado fome e recorrido à ajuda de terceiros para sobreviver;
45. Em virtude do atropelamento a que se referem os autos, com o decurso do tempo, a situação clínica da A. irá seguramente agravar-se de forma que por ora não é possível determinar em concreto.
*
Este Tribunal da Relação de Lisboa considera que não ficou provado que:
Da prova produzida, com relevo para a decisão, resultaram não provados os seguintes factos:
a. Aquando do atropelamento, a A. caiu inanimada no chão, tendo sido socorrida pelos bombeiros ainda no local;
b. A A. passou a padecer de falta de visão após o acidente;
c. A A. passa os dias sentada e/ou deitada;
d. (eliminado);
e. Com a falta de mobilidade, a A. tem vindo a aumentar de peso e a sofrer com dores musculares;
f. A A. passou a ter gastos mensais com antidepressivos e ansiolíticos.
VI.
FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO.
(Conclusões I. a III. e XXVII. a LIV. das alegações de recurso). 
A presente ação funda-se em responsabilidade civil extracontratual, mais concretamente na responsabilidade civil por facto ilícito ou responsabilidade delitual.
Nos termos do artigo 483.º, n.º 1, do CCivil, «[a]quele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação».
A responsabilidade civil por facto ilícito pressupõe, assim, a existência de um facto ilícito, culposo e danoso por parte de uma pessoa.
As partes concordam que a R. Seguradora deve civilmente responder pelo acidente de viação em causa, por a condutora do veículo segurado ter cometido facto ilícito, culposo e danoso, compreendido no respetivo contrato de seguro, termos que este Tribunal da Relação de Lisboa tem tal matéria de direito por adquirida nos presentes autos, sem demais considerações.  
As partes discordam, contudo, quanto ao quantum indemnizatório adequado ao caso em apreço, havendo na matéria que equacionar o chamado dano biológico e distinguir os danos patrimoniais dos danos não patrimoniais, bem como equacionar ainda da condenação em danos futuros peticionada pela A., aqui Recorrente.
Do quantum indemnizatório.
Em causa está a avaliação do denominado dano biológico, que corresponde à ofensa à integridade físico-psíquica da pessoa lesada, exprimindo as sequelas decorrentes daquela ofensa, nomeadamente o seu eventual défice funcional, com perdas de natureza patrimonial e de índole não patrimonial.
Como refere Henrique Sousa Antunes, Comentário ao Código Civil, Direitos das Obrigações, Das Obrigações em Geral, edição 2018, UCE, página 562, «o conceito de dano biológico é, hoje, geralmente utilizado na jurisprudência para designar a afetação da integridade físico-psíquica de uma pessoa. A lesão é perspetivada como um dano-evento (em sentido naturalístico), reconhecendo, assim, a possibilidade de uma verificação simultânea das repercussões patrimoniais e não patrimoniais do facto».
Em sentido similar, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28.01.2016, processo n.º 7793/09.8T2SNT.L1.S1, in www.dgsi.pt/jstj, refere que «[a] afectação da integridade físico-psíquica (em si mesma um dano evento, que, na senda do direito italiano, tem vindo a ser denominado “dano biológico”) pode ter como consequência danos de natureza patrimonial e danos de natureza não patrimonial. Na primeira categoria não se compreende apenas a perda de rendimentos pela incapacidade laboral para a profissão habitual, mas também as consequências da afectação, em maior ou menor grau, da capacidade para o exercício de outras actividades profissionais ou económicas, susceptíveis de ganhos materiais».
Ainda na matéria, o acórdão do STJ de 17.11.2021, processo n.º 3496/16.5T8FAR.E1.S1, in www.dgsi.pt/jstj, refere que «[n]a doutrina e na jurisprudência fala-se em dano biológico para aludir ao dano causado ao corpo e à saúde do lesado; ao dano causado à integridade física e psíquica que a todos assiste».
«É entendimento pacífico que a limitação funcional, ou dano biológico, em que se traduz essa incapacidade é apta a provocar no lesado danos de natureza patrimonial e não patrimonial. E tem sido considerado que, no que aos primeiros respeita, os danos futuros decorrentes de uma lesão física não se reconduzem apenas à redução da sua capacidade de trabalho, já que, antes do mais, se traduzem numa lesão do direito fundamental à saúde e à integridade física; por isso, não deve ser arbitrada uma indemnização que tenha em conta apenas aquela redução».
Assim.
1. Do Dano biológico - do quantum dos danos patrimoniais in casu.
Nos termos dos artigos 562.º e 564.º, n.º 1, ambos do Código Civil, «[q]uem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação», sendo que «[o] dever de indemnização compreende não só o prejuízo causado, como os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão».
Por outro lado, segundo o artigo 566.º, n.ºs 1 e 2, do mesmo diploma legal, «[a] indemnização é fixada em dinheiro, sempre que a reconstituição natural não seja possível (…)» e «[s]e não puder ser averiguado o valor exato dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados».
Ou seja, em situações como a presente, em que o evento causa uma incapacidade permanente parcial na lesada e, pois, uma ofensa na sua integridade físico-psíquica, de cariz irreversível, não sendo, pois, de todo em todo possível proceder à reparação natural, a indemnização deve ser fixada em dinheiro, segundo critérios de equidade, devendo tal indemnização ressarcir o défice funcional de integridade físico-psíquica do lesado em razão do acidente de viação em causa.
No domínio patrimonial o dano biológico compreende a perda ou redução de capacidade geral e específica de ganho, a perda ou redução de réditos de atividades lucrativas do lesado, bem como as despesas acrescidas tendo em vista a realização das suas atividades profissionais remuneradas e as demais atividades da sua vivência enquanto pessoa.
Nesta sede, o dano biológico corresponde à diminuição somático-psíquica e funcional do lesado, com repercussão na sua vida profissional e pessoal, em sede patrimonial do lesado presente e futura.
Como refere Maria Graça Trigo, O conceito de dano biológico como concretização jurisprudencial do princípio da reparação integral dos danos – Breve contributo, Revista Julgar, n.º 46, Janeiro-Abril de 2022, página 269, «(…) o que importa, em nome do princípio da reparação integral dos danos, é assegurar que, diversamente do que sucedia no passado, se indemnizem as vítimas não apenas pela perda de capacidade laboral específica para a profissão exercida à data do evento lesivo, mas também pela perda de capacidade laboral geral que as afectará ao longo do resto da vida. (…)». 
Na matéria o Acórdão de 29.10.2019, processo n.º 683/11.6TBPDL.L1.S2, in www.dgsi.pt/jstj, refere que a «vertente patrimonial do dano biológico (…) tem a virtualidade de ressarcir não só (i) as perdas de rendimentos profissionais correspondentes à impossibilidade de exercício laboral e/ou económico-empresarial e as frustrações de proveitos existentes à data da lesão (ponderadas até um certo momento de vida activa), mas também (ii) a privação de futuras oportunidades profissionais e o esforço acrescido de reconversão (enquanto determinado pela incapacidade resultante da lesão) para o exercício profissional (…) – num caso e noutro, danos patrimoniais futuros previsíveis, na variante de “lucros cessantes” (arts. 562º, 564º, 1 e 2, CCiv.)».
O acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19.10.2021, processo n.º 7098/16.8T8PRT.P1.S1, in www.dgsi.pt/jstj, refere que «[c]entrado o objecto do recurso na indemnização do dano biológico, o Supremo Tribunal de Justiça tem-se pronunciado com frequência e constância no sentido de afirmar esse dano, na sua vertente patrimonial, como abrangendo um espectro alargado de prejuízos incidentes na esfera patrimonial do lesado, desde a perda do rendimento total ou parcial auferido no exercício da sua actividade profissional habitual até à frustração de previsíveis possibilidades de desempenho de quaisquer outras actividades ou tarefas de cariz económico, passando ainda pelos custos limitações ou de maior onerosidade no exercício ou no incremento de quaisquer dessas actividades ou tarefas, com a consequente repercussão de maiores despesas daí advenientes ou o malogro do nível de rendimentos expectáveis».
Por outro lado, na estipulação do quantum indemnizatório, o disposto na Portaria n.º 377/2008, de 26.05, alterada pela Portaria n.º 679/2009, de 25.06, de aplicação extrajudicial, embora possa ser ponderada pelo Tribunal, em caso algum vincula este na fixação do montante indemnizatório, o qual deve decorrer de juízos de equidade, nos termos do apontado artigo 566.º, n.º 3 do Código Civil.
Como se refere no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 04.06.2015, processo n.º 1166/10.7TBVCD.P1.S1, in www.dgsi.pt/jstj, «(…) o critério fundamental para a determinação judicial das indemnizações é fixado pelo Código Civil. Os critérios seguidos pela Portaria nº 377/2008, de 26 de Maio, com ou sem as alterações introduzidas pela Portaria nº 679/2009, de 25 de Junho, (…) destinam-se expressamente a um âmbito de aplicação extra-judicial e, se podem ser ponderados pelo julgador, não se sobrepõem àquele».
No mesmo sentido veja-se o acórdão do mesmo Supremo Tribunal de 28.03.2023, processo n.º 3410/20.3T8VNG.P1.S1.
Na estipulação do quantum indemnizatório segundo critérios de equidade importa considerar designadamente a idade do lesada à data do sinistro, a sua esperança média de vida, o seu grau de incapacidade geral permanente, as suas qualificações, competências e potencialidades de ganho, bem como de aumento de ganho e despesas.
A fim de dissipar eventual subjetividade na estipulação do quantum indemnizatório segundo critérios de equidade e, pois, o risco de aleatoriedade da decisão judicial, assegurando os princípios da igualdade e da unidade do direito, assim como o valor da previsibilidade da decisão judicial,  na fixação do quantitativo indemnizatório importa considerar o conferido pelos Tribunais Superiores em situações similares.
Como se refere no referido acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19.10.2021, processo n.º 7098/16.8T8PRT.P1.S1, in www.dgsi.pt/jstj, «a equidade praticada ou a praticar não pode afastar-se de modo substancial e injustificado, dos critérios ou padrões que se entende, generalizadamente, deverem ser adoptados numa jurisprudência evolutiva e actualística para não abalarem a segurança na aplicação do direito, decorrente da necessidade de adopção de critérios jurisprudenciais minimamente uniformizados e, em última análise, o princípio da igualdade, não incompatível com a devida atenção às circunstâncias do caso».
Na situação vertente.
O Tribunal recorrido arbitrou à A. a quantia de €108.393,25 a título de danos patrimoniais.
A Recorrente pretende que os mesmos sejam fixados em €260.500,00.
Ora, no que aqui releva, apurou-se que:
- A A. tinha 53 anos à data do sinistro, conforme factos provados com os n.ºs 30 e 31;
- A sua esperança de vida é de 83,5 anos, conforme elementos recolhidos na pordata, in www.pordata.pt;   
- A A. ficou com um défice funcional permanente de integridade físico-psíquica de 41 pontos, conforme facto dado como provado com o n.º 25;
- À data do acidente em causa, em 2012, trabalhava como servente, auferindo o vencimento mensal líquido de cerca de €525,00, sendo que após o acidente e em razão do mesmo deixou de exercer qualquer atividade profissional, conforme factos provados 26 e 31 a 36;
- A A. tem dependência permanente de (i) ajuda medicamentosa de analgésicos, (ii) tratamentos médicos regulares de fisioterapia e (iii) ajuda de terceira pessoa, cerca de 3 horas por semana, na realização de compras, (iv) apresentando ainda dificuldades na realização de tarefas domésticas, em atividades da sua vida diária e na ida a consultas médicas, necessitando de apoio de familiar, conforme factos provados 27.1., 27.2., 27.4. e 29.1.1.;
- A A. gastou €83,75, correspondente à soma de €6,00 em consultas no Centro de Saúde, €7,75 consulta no Hospital de Sant’ Ana e €70,00 em consulta de ortopedia na S+Sintrama, conforme factos provados 40.1., 40.2. e 40.3.
- No período de 18.06.2014 a 04.05.2020 a A. auferiu da Segurança Social a quantia total de €12.732,10, conforme facto provado 38;
- A R. pagou à A. a quantia de €3.800,00 a título de dano biológico e perda salarial, conforme facto provado 39.  
Quanto a situações similares, na jurisprudência do nosso Supremo Tribunal apontam-se os seguintes casos, todos in http://www.dgsi.pt/jstj:
- Acórdão de 06.12.2017, processo n.º 1509/13.1TVLSB.L1.S1, lesado de 59 anos, administrador, com IP de 25,6 pontos, indemnização de €100.000,00,
- Acórdão de 25.10.2018, processo n.º 2416/16.1T8BRG.G1.S1, lesado de 48 anos à data do sinistro, oleiro/rodista, com IP de 8 pontos, indemnização de €120.000,00;
- Acórdão de 19.09.2019,  processo n.º 2706/17.6T8BRG.G1.S1, lesado de 45 anos à data do sinistro, serralheiro mecânico, com IP de 32 pontos, indemnização de €200.000,00;
- Acórdão de 14.01.2021,  processo n.º 644/12.8TBCTX.L1.S1, lesado de 32 anos à data do sinistro, gerente, com IP de 40 pontos, indemnização de €500.000,00
- Acórdão de 29.04.2021, processo n.º 2648/18.8T8FNC.L1.S1, lesado de 54 anos à data do sinistro, empregado de mesa, com IP de 22, indemnização de €182.160,00,
- Acórdão de 11.05.2022, processo n.º 3028/17.8T8LRA.C1.S1, lesado de 49 anos, gerente, com IP de 18 pontos, indemnização de €110.000,00,
- Acórdão de 14.03.2023, processo n.º 4452/13.0TBVLG.P1.S1, lesada de 40 anos à data do acidente, esteticista, com IP de 26 pontos, indemnização de €200.000,00.
Tudo ponderado, designadamente (i) a jurisprudência expressa nos indicados acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, (ii) a idade da A., (iii) a sua esperança de vida, (iv) a IP em causa, (v) a circunstância de na data do sinistro exercer uma atividade profissional, com remuneração superior ao salário mínimo nacional, atividade essa que ficou impedida de exercer em virtude do sinistro em causa, (vi) as dependências da A. em termos de medicação, fisioterapia e de ajuda de terceiros quanto a atividades diárias e acompanhamento a consultas, segundo juízos de equidade, entende-se de arbitrar à A. a quantia de €171.833,75 relativo ao dano biológico na vertente dos respetivos prejuízos patrimoniais, sendo que naquela quantia:
- €124.950,00 correspondem a perdas salariais, considerando que o salário mensal da A. à data do atropelamento era de €525,00 e perspetivando-se que a A. trabalharia até aos 70 anos de idade – ou seja, (€525,00 x 14] x 17 anos;
- € 46.800,00 correspondem aos encargos referentes ao apoio de terceiros, considerando um pagamento horário de €6,00, cinco vezes por semana – isto é, (€6,00 x 5 horas) x 52 semana/ano x 30 anos, levando em conta a indicada esperança de vida da A.;
- €83,75 correspondem a gastos da A. com consultas.
Na matéria não se inclui qualquer verba relativa a despesas medicamentosas e de fisioterapia: embora sejam certas tais despesas em consequência do sinistro, conforme factos provados 27.1., 27.2. e 2.28.1.3.6. não se mostra por ora possível quantificar as mesmas, havendo, por isso, nessa sede que condenar a R./Recorrido no que vier a ser liquidado, conforme disposto no artigo 609.º, n.º 2, do CPCivil. 
Por outro, se é certo que a indicada quantia de €171.833,75 é entregue a breve trecho e de uma só vez, o que representa um benefício imediato para a A., convém não olvidar a depreciação que o dinheiro tem com o tempo, em função da inflação, e a baixa rentabilidade do dinheiro em depósitos bancários ou similares, considerando as respetivas taxas de juro, sendo certo que o acidente de viação em causa já ocorreu há mais de 13 anos e a esperança de vida da A. estima-se ora em cerca de 18 anos e meio, termos em que urge entender que relativamente àquela indicada quantia de €171.833,75 não há que deduzir qualquer percentagem/fator/taxa quanto ao benefício decorrente da sua entrega à A./Recorrente.
Finalmente, considerando a factualidade dada como provada em 38. e 39., tendo-se apurado que a A. auferiu entretanto da Segurança Social a quantia total de €12.732,10 e que a R. pagou à A. a quantia de €3.800,00 a título de dano biológico e perda salarial, o que tudo perfaz a quantia de €16.532,10 (€3.800,00 + €12.732.10), deve este último montante ser deduzido à referida quantia de €171.833,75, liquidando-se, pois, por ora em €155.301,65 (€171.833,75 – €16.532,10) o quantitativo relativo dano patrimonial em causa.
Em suma, a título de dano biológico na vertente do dano patrimonial, deve a R. ser condenada a pagar à A. a quantia de €155.301,65, sem prejuízo do que vier a ser ulteriormente liquidado quanto a despesas medicamentosas e de fisioterapia efetuadas pela A. em virtude do atropelamento em causa, conforme disposto no artigo 609.º, n.º 2, do CPCivil.  
Àquela quantia de €155.301,65 acrescem juros moratórios, contados desde a citação da R. até integral pagamento, à taxa do juro civil, conforme decisão recorrida, não impugnada nessa sede pelas partes. 
2. Do dano biológico - do quantum dos danos não patrimoniais in casu.
Em causa estão ora danos não patrimoniais e, pois, prejuízos insuscetíveis de avaliação pecuniária, embora ressarcíveis monetariamente, como forma de compensar o sofrimento que o facto danoso provocou na vítima.  
Nos termos dos artigos 496.º, n.ºs 1 e 4, e 494.º, ambos do Código Civil, «na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito», sendo que «o montante da indemnização é fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso» «o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso».
Conforme refere Gabriela Páris Fernandes, Comentário ao Código Civil, Direitos das Obrigações, Das Obrigações em Geral, edição de 2018, UCE, página 359, «a gravidade do dano afere-se, no entendimento da jurisprudência e da doutrina, segundo critérios objetivos – de acordo com um padrão de valorações ético-culturais aceite numa determinada comunidade, num determinado momento histórico, e, tendo em conta o circunstancialismo do caso (…). O recurso a um critério objetivo na apreciação da gravidade do dano justifica-se para negar as pretensões ressarcitórias por meros incómodos, contrariedades ou prejuízos insignificantes, que cabe a cada um suportar na vida em sociedade, evitando-se, deste modo, uma extensão ilimitada da responsabilidade».
Na situação vertente.
O Tribunal recorrido arbitrou à A. a quantia de €65.000,00 a título de danos não patrimoniais.
A Recorrente pretende que os mesmos sejam fixados em €100.000,00.
Nesta sede relevam os factos dados como provados com os n.ºs 1 e 10 a 30.
Designadamente, importa considerar que a A., aqui Recorrente, 
- Tinha 53 anos à data do acidente de viação em causa, ocorrido em 19.09.2012, conforme factos provados 1 e 30;
- Foi hospitalizada durante três dias, efetuou diversos exames médicos, teve várias consultas médicas realizou diversos tratamentos de fisioterapia, conforme factos provados 10 a 20;
- Foi-lhe atribuída um quantum dolores físico e psíquico de grau 5 em 7, conforme facto provado 22.4.;  
- Apresenta um défice funcional permanente de 41 pontos em 100, com lesões na face, no tórax, no membro inferior direito e no membro inferior esquerdo, padecendo de danos permanente do foro neurológico e raquialgias cervicais, conforme factos provados 23. a 24.6 e 25.
- Foi-lhe atribuída um dano estético de grau 5 em 7, conforme facto provado 24.7.; 
- Tem significativas dificuldades em dormir, padecendo de tristeza profunda e desânimo, sendo que em virtude do acidente de viação em causa atravessou dificuldades económicas, passou fome e teve de recorrer à ajuda de terceiros, conforme factos provados 41. a 44.
Considerando a gravidade dos apurados danos não patrimoniais, entende-se que os mesmos merecem indubitavelmente a tutela do direito.
No que respeita a situações similares, na jurisprudência do nosso Supremo Tribunal apontam-se os seguintes casos, todos in http://www.dgsi.pt/jstj:
- Acórdão de 19.09.2019,  processo n.º 2706/17.6T8BRG.G1.S1, lesado de 45 anos à data do sinistro, com IP de 32 pontos, sujeito a vários ciclos de fisioterapia e a uma intervenção cirúrgica, quantum doloris de 5 em 7 pontos, dano estético 3 em 7 pontos, com rebate em termos psicológicos, indemnização de €50.000,00;
- Acórdão de 29.10.2020, processo n.º 2631/17.0T8LRA.C1.S1, lesado de 48 anos à data do acidente, professor, com IP de 31 pontos, quantum doloris de 6 em 7 pontos, dano estético 5 em 7 pontos, indemnização de €75.000,00,
-Acórdão de 29.04.2021, processo n.º 2648/18.8T8FNC.L1.S1, lesado de 54 anos à data do sinistro, empregado de mesa, com IP de 22, com dano estético de grau 2 em 7, quantum doloris de grau 4 em 7, indemnização de €60.000,00,
- Acórdão de 21.06.2022, processo n.º 1991/15.2T8PTM.E1.S1, lesado de 30 anos, com IP de 39 pontos, teve  um quantum doloris de 5 numa escala de 7, um dano estético relevante (3 em 7), consequências permanentes na sua atividade sexual (fixado em 3 numa escala de 7), na repercussão nas atividades desportivas e de lazer (2 em 7), no relacionamento social com familiares e amigos, sente-se menorizado em resultado da sua situação de incapacidade para o trabalho e encontra-se reformado por invalidez, continuando a necessitar de medicamentos, consultas e tratamentos no futuro, indemnização de €85.000,00,
- Acórdão de 14.03.2023, processo n.º 4452/13.0TBVLG.P1.S1, lesada de 40 anos à data do acidente, esteticista, com IP de 26 pontos, com quantum doloris de 5 em 7 e dano estético de 2 em 7, indemnização de €50.000,00.
- Acórdão de 06.06.2023, processo n.º 9934/17.2T8SNT.L1, lesada de 35 anos, cabeleireira, com IP de 12 pontos, quantum doloris de grau 5 em 7, dano estético de grau 3 em 7, indemnização de €50.000,00.
Tudo ponderado, considerando o apontado regime legal, os apurados danos e a jurisprudência indicada, entende-se de arbitrar a quantia de €75.000,00 relativa ao dano biológico na vertente dos respetivos prejuízos não patrimoniais.
Àquela quantia de €75.000,00 acrescem juros moratórios, contados desde a data da decisão recorrida até integral pagamento, à taxa do juro civil, conforme decidido em matéria de juros de mora pelo Tribunal, não impugnado pelas partes. 
3. Do Dano futuro.
Segundo o disposto no artigo 564.º, n.º 2, do CCivil, «[n]a fixação da indemnização pode o tribunal atender aos danos futuros, desde que sejam previsíveis; se não forem determináveis, a fixação da indemnização correspondente será remetida para decisão ulterior».
Por outro lado, nos termos do artigo 609.º, n.º 2, do CPCivil, «[s]e não houver elementos para fixar o objeto ou a quantidade, o tribunal condena no que vier a ser liquidado, sem prejuízo de condenação imediata na parte que já seja líquida».
Ou seja, no que respeita a prejuízos do sinistro que não se encontrem verificados, nem sejam determináveis à data da sentença, mas que venham a ocorrer com elevada probabilidade, com razoável segurança, o Tribunal pode condenar no que se vier a liquidar em decisão ulterior.
Como refere Menezes Leitão, Direito das Obrigações, volume I, edição de 2018, página 332, «(…) o facto de o dano ainda não se ter verificado não é fundamento para excluir a indemnização, bastando-se o tribunal com a previsibilidade da verificação do dano para a fixar. A fixação da indemnização naquele momento depende, porém, da determinabilidade do dano futuro. Efectivamente, se não for logo determinável em objecto ou quantidade a fixação da indemnização deverá ser remetida para execução de sentença (cfr. art. 609.º, nº 2 CPC)».
Como se refere no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 04.11.2021, processo n.º 590/13.8TVLSB.L1.S1, «(…) os danos futuros previsíveis são certos ou altamente prováveis. Para serem indemnizados, devem ser provados pelo lesado, pois é sobre ele que impende o ónus da prova da existência do dano (o an), da sua medida (o quantum) e do nexo de causalidade entre ele e o facto ilícito. No caso de os danos futuros previsíveis não serem determináveis, a fixação da respetiva indemnização é remetida para decisão ulterior (art. 564.º, n.º 2, do CC).
(…) A previsibilidade dos danos futuros inculca, pois, um elevado grau de probabilidade, atendendo aos efeitos geralmente associados à lesão causada e às especificidades das circunstâncias concretas do lesado e do evento. Daqui resulta a necessidade da existência de “suficiente segurança”: i.e., os danos futuros devem ser previsíveis com segurança bastante».
Na situação em apreço.
Relevam o facto dado como provado com o n.º 45:
«45. Em virtude do atropelamento a que se referem os autos, com o decurso do tempo, a situação clínica da A. irá seguramente agravar-se de forma que por ora não é possível determinar em concreto».
Ou seja, apuraram-se danos futuros previsíveis relacionados com o agravamento da situação de saúde da A./Recorrente em virtude do atropelamento de que foi vítima, podendo nessa sede emergir designadamente os custos decorrentes da eventual necessidade de instalação de um elevador no prédio onde a A./Recorrente reside, termos em que deve a R./Recorrida ser condenada no pagamento de tais danos patrimoniais futuros cuja determinação concreta se relega «no que vier a ser liquidado» ulteriormente, conforme o referido artigo 609.º, n.º 2, do CPCivil.
*
Finalmente.
O facto de o montante indemnizatório arbitrado à A./Recorrente ser superior ao valor atribuído à ação no despacho saneador/condensação não obsta à condenação da R./Recorrida em tal montante, pois, conforme disposto no artigo 608.º, n.º 1, do CPCivil, «[a] sentença [apenas] não pode condenar em quantidade superior ou em objeto diverso do que se pedir», o que de todo não sucede no caso, sem prejuízo do disposto nos artigos 306.º, n.º 2, e 299.º, n.º 4, do CPCivil, matéria que escapa ao objeto do recurso.
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* *
Quanto às custas.
Segundo o disposto nos artigos 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPCivil e 1.º, n.º 2, do Regulamento das Custas Processuais, «[a] decisão que julgue a ação ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa», entendendo-se «que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção que o for».
Ora, in casu procede parcialmente o recurso.
Em sede de recursiva, feitas as respetivas proporções, constata-se que a Recorrente decaiu em 36%, pois peticionava a condenação da Recorrente em €360.550,00 e logrou o ganho de €230.301,65, cifrando-se, pois, em 64% o decaimento da Recorrida, termos em que Recorrente e Recorrida devem ser condenadas nas custas do recurso nos exatos termos do seu decaimento, sem prejuízo do apoio judiciário concedido à Recorrente.
No que respeita à ação, considerando o articulado superveniente e o pedido aí deduzido no montante de €476.965.40, o decaimento da A. é maior, cifrando-se o mesmo em 52%, ao passo que o decaimento da R. é de 48%, sem prejuízo do apoio judiciário concedido à A.

VII.
DECISÃO  
Pelo exposto, julga-se parcialmente procedente o recurso e, em consequência, condena-se a R., aqui Recorrida, a pagar à A, ora Recorrente,
1. A título de dano biológico, na vertente patrimonial, a quantia de €155.301,65, acrescida de juros moratórios contados sobre aquela quantia, desde a citação da R. até integral pagamento, à taxa legal do juro civil, e do que vier a ser ulteriormente liquidado quanto a despesas medicamentosas e de fisioterapia efetuadas pela A. em virtude do atropelamento em causa;
2. A título de dano biológico, na vertente não patrimonial, a quantia de €75.000,00, acrescida de juros moratórios, desde a data da decisão recorrida até integral pagamento, à taxa legal do juro civil;
3. As quantias que venham a liquidar-se ulteriormente em consequência do agravamento da situação clínica da A./Recorrente em razão do atropelamento de que foi vítima e em causa nos presentes autos.
Custas do recurso pela Recorrente e Recorrida, na percentagem de 36% e 64%, respetivamente, sem prejuízo do apoio judiciário concedido à Recorrente.
As custas da ação são suportadas pela A. e R., na proporção de 52% e 48%, respetivamente, sem prejuízo do apoio judiciário concedido à A.

Lisboa, 07 de março de 2024
Paulo Fernandes da Silva
António Moreira
Rute Sobral
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[1] Teve-se em conta a decisão de 30.06.2023 que retificou o «erro de cálculo» constante da sentença de 23.05.2023
[2] Na reprodução das conclusões que se segue não se considerou nem o sublinhado, nem o negrito constante das originais.
[3] Na sentença recorrida refere-se, por manifesto lapso, o período “entre 23-04-2015 e 17-07-2015”:
[4] Na sentença recorrida refere-se, por manifesto lapso, o período “entre 19-09-2012 e 09-04-2013”:
[5] No doc. n.º 33 junto pela A. com a PI consta cessão (ato ou efeito de ceder, transmissão) ao invés de cessação (ato ou efeito de cessar, pôr fim), o que se deverá a lapso do Ilustre Causídico que o elaborou.