Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
8079/18.2T8LRS-B.L1-2
Relator: ARLINDO CRUA
Descritores: PROCESSO DE PROMOÇÃO E PROTECÇÃO
AUDIÇÃO DA CRIANÇA
CRITÉRIOS
DISPENSA
INVALIDADE
NULIDADE
ANULAÇÃO
MEDIDAS DE PROMOÇÃO E PROTEÇÃO
DEFINITIVAS
PROVISÓRIAS
DURAÇÃO
PRORROGAÇÃO DA MEDIDA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/07/2024
Votação: MAIORIA COM * VOT VENC
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: I - Conforme prevê o art.º 5º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível, aplicável ao processo de promoção e protecção por força do prescrito no art.º 84º da Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo, a audição da criança ou jovem pode ocorrer em duas diferenciadas situações;
II - numa primeira, para que a criança ou jovem possam expressar a sua opinião e vontade relativamente à decisão proferenda – cf., os n.ºs 1 e 4, do art.º 5º; numa segunda, para que as declarações a tomar à criança ou jovem possam ser consideradas como meio probatório - cf., os nºs. 6 e 7, do mesmo normativo;
III - no âmbito do processo de promoção e protecção, a criança ou jovem possuem o inalienável direito, na defesa do seu superior interesse, de ser ouvidos e participar nos actos e definição da medida de promoção e protecção aplicanda, ou seja, têm o direito que o seu ponto de vista seja considerado no processo de formação da decisão de que são destinatários;
IV - tal audição deve ter em consideração a capacidade da criança ou jovem para a compreensão dos assuntos e matérias em discussão, na ponderação da sua idade e (i)maturidade;
V - o que implica uma análise casuística dos critérios subjectivos de aferição, tais como a (i)maturidade, discernimento e capacidade de compreensão ou entendimento suficientes, tendo em atenção o assunto objecto das declarações a prestar;
VI - caso o tribunal decida pela dispensa da audição, deve justificá-la, fundamentando e indicando as razões que a não permitem ou aconselham, nomeadamente as resultantes da baixa idade ou notória imaturidade revelada;
VII - apenas sendo de dispensar tal justificação para a não audição nas situações em que é notório que a baixa idade da criança não o permite ou aconselha, o que vem sendo considerado nas situações em que a mesma tem idade inferior a três anos;
VIII - as consequências processuais de tal falta de audição não se reconduzem à aplicação do regime das nulidades processuais civis secundárias, pois, correspondendo a um princípio geral com relevância substantiva, afecta a validade das decisões proferidas no processo; 
IX - ou seja, tal não audição configura, para além de uma falta processual, uma clara violação das regras de direito material, que se traduz em inegável violação da intrínseca validade substancial da decisão, isto é, faz-se repercutir o vício directamente na decisão enquanto causa da invalidade desta;
X - assim, ocorrendo omissão de audição, sem que exista despacho que a justifique, tal tem efectiva repercussão na decisão proferida, maculando-a de nulidade em virtude de ter decidido sobre matéria a que lhe estava vedada pronúncia, sem aquela audição, assim traduzindo a prática do vício de excesso de pronúncia inscrito na 2ª parte, da alínea d), do nº. 1, do art.º 615º, do Cód. de Processo Civil;
XI – o que determina a anulação da decisão proferida, de forma a proceder-se à omitida audição da criança ou jovem ou, em alternativa, ser prolatado despacho que fundamente e justifique tal dispensa de audição, com consequente prolação de nova decisão;
XII - as medidas de promoção e protecção provisórias ou cautelares são aplicadas quando se verifique a situação de urgência ou emergência enunciada no nº. 1, do art.º 91º, da LPCJP – existência de perigo atual ou iminente para a vida ou de grave comprometimento da integridade física ou psíquica da criança ou jovem -, ou enquanto se diagnostica a situação da criança ou jovem, com vista a definir o pertinente âmbito de intervenção;
XIII - presentemente, resulta do nº. 3, do art.º 37º, da LPCJP, ser de seis meses o prazo máximo de duração de tais medidas, as quais devem ser revistas no prazo máximo de três meses;
XIV - findo tal prazo, sem que seja aplicada qualquer medida definitiva, a medida cautelar ou provisória deve ser, prima facie, declarada extinta por caducidade;
XV - o que só não sucederá, admitindo-se prorrogação para além daquele prazo máximo, caso a urgência de intervenção se mantenha e a cessação da medida cautelar aplicada faça colocar a criança ou jovem na antecedente situação de emergência, retornando à situação de perigo anteriormente vivenciada;
XVI - situação em que tal juízo prorrogativo deve merecer uma acrescida fundamentação, justificativo da mesma e balizando um período mínimo necessário à aplicabilidade de uma medida definitiva;
XVII - relativamente às medidas de promoção e protecção definitivas, aplicadas no meio natural de vida, com excepção da medida de apoio para a autonomia de vida (que pode ser prorrogada até que a criança ou jovem perfaça 21 anos de idade), cada uma das demais possui um período temporal máximo de um ano que, sob determinadas condições, pode ser prorrogado até aos 18 meses – o art.º 60º, da LPCJP;
XVIII - tal prazo de duração tem natureza peremptória, pelo que não pode nem deve ser excedido, donde, decorrido o respectivo prazo de duração, ou da sua eventual prorrogação, cessa, por caducidade, a medida aplicada – o art.º 63º, nº. 1, alín. a), da LPCJP;
XIX - com efeito, a medida aplicada tem por desiderato dever permanecer apenas pelo tempo necessário a remover a situação de perigo que a justificou, e criar as condições necessárias à promoção da salvaguarda total da criança ou jovem, e não que se arraste por anos sem resultados positivos visíveis ou palpáveis ;
XX - ou seja, as medidas de promoção e protecção têm claramente uma natureza excepcional, de provisoriedade, justificando-se num quadro de urgência, sendo assim de total pertinência o estabelecimento de um prazo peremptório para a sua duração/prorrogação;
XXI - diferenciado entendimento conduziria a um arrastar incessante do processo, muitas vezes sem resultados práticos, inviabilizando que a situação devesse ser regulada ou definida no seu local processual próprio, ou seja, no âmbito das providências tutelares cíveis;
XXII - com efeito, a ultrapassagem de tal prazo (e não a sua cessação), em nome de aludidos superiores interesses da criança ou jovem, é que seria desmerecer estes mesmos interesses, pois estar-se-ia a tutelar a manutenção de vigência de uma medida não adequada, por se revelar incapaz de ultrapassar ou mitigar a situação de perigo que justificou a sua aplicação ;
XXIII - ou seja, caso se conclua que, decorrido aquele prazo máximo de duração da medida aplicada, a criança ou jovem permanece em situação de perigo, então urge considerar que a medida aplicada revelou-se inadequada, por sê-lo incapaz de remover, pelo que deveria ter sido substituída, por outra, durante o prazo de execução ;
XXIV - donde, considerar o alargamento de tal prazo, ainda que de forma consensual, não garante qualquer êxito na prossecução daquele objectivo;
XXV - efectivamente, a admissão de putativas prorrogações para além dos limites temporais legalmente definidos seria factor lesivo dos interesses da criança ou jovem, pois promoveria a manutenção de uma intervenção que se vinha revelando inadequada, ineficaz, impotente e tradutora de uma clara inércia ou ineficácia perante a situação de perigo a debelar;
XXVI - assim, decorrido o seu prazo de duração máxima, mantendo-se a situação de perigo que legitimou a sua aplicabilidade, impõe-se a reanálise de toda a situação e, caso a situação não possa ser dirimida ou ultrapassada em sede de providência tutelar cível, equacionar a aplicabilidade de outras medidas, com suficiente eficácia de salvaguarda dos interesses da criança ou jovem;
XXVII - admitindo-se, assim, que o período temporal máximo equacionado no art.º 60º, da LPCJP, se reporte a cada uma das medidas em separado, e não propriamente à soma dos períodos temporais de medidas de promoção e protecção diversas;
XXVIII - tendo-se admitido que uma medida provisória e cautelar pudesse ser prorrogada, para além do seu prazo máximo de seis meses, caso a urgência da situação se mantivesse e a cessação da medida cautelar aplicada colocasse a criança ou jovem na antecedente situação de emergência, retornando à situação de perigo anteriormente vivenciada, consideramos, porém, que tal eventual prorrogação nunca poderá exceder o prazo máximo da mesma medida quando aplicada em termos definitivos.

Sumário elaborado pelo Relator – cf., nº. 7 do art.º 663º, do Cód. de Processo Civil
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: ACORDAM os JUÍZES DESEMBARGADORES da 2ª SECÇÃO da RELAÇÃO de LISBOA o seguinte [1]:

I – RELATÓRIO
1 O DIGNO MAGISTRADO DO MINISTÉRIO PÚBLICO junto do Tribunal de Família e Menores de Loures, no interesse da menor:
- AB, nascida em 19 de Janeiro de 2014, filha de LS e de JL, requereu a abertura de PROCESSO JUDICIAL DE PROMOÇÃO E PROTECÇÃO, nos termos do disposto nos artigos 1º, 3º, nºs. 1 e 2, alíneas c) e f), 11º, 34º e 35º, nº. 1, da Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo (L.P.C.J.P.), aprovada pela Lei nº 147/99, de 01/09, com os seguintes fundamentos:
“1. A criança AB é filha de LS e de JL, residindo com a progenitora na Rua …, n.º …, …, Bobadela, Loures.
2. No âmbito do Processo de Regulação do Exercício das Responsabilidades Parentais n.º 8079/18.T8LRS, que correu termos no Juízo de Família e Menores de Loures – J1, a criança ficou aos cuidados e a residir com a progenitora.
3. A APAV sinalizou a criança AB à CPCJ de Loures, dando conta, em suma, que “que tem vindo a acompanhar a D. JL, na sequência de apoio perante quadro de alegada prática de violência doméstica, perpetrada pelo ex-companheiro, Sr. LS. a D. JL deu conta de alegada violência física e psicológica que fora vítima, salientando que a filha menor de ambos assistiu a vários desses momentos de violência.
4. Os progenitores da AB viveram em condições análogas à dos cônjuges, tendo sido reportado actos de violência no decorrer do último ano antes da separação.
5. A progenitora informou a APAV que, “no mês de Outubro de 2018, recebeu uma fotografia, na sua caixa de correio, da criança com um caixão e coroas funerárias”.
6. Em Dezembro de 2018, a progenitora contactou novamente a APAV, reportando que o ex-companheiro (progenitor da criança), lhe colocara “várias cartas com notícias de pais que mataram os filhos para se vingarem das mães e uma foto da minha filha e um caixão”; disse alinda que nessa mesma altura, o progenitor terá dito à filha que “nunca mais iria ver a sua mãe”, o que terá consternado a AB, fazendo-a “chorar e urinar na roupa e ficar com problemas de sono”.
7. No dia 25/12/2018, a progenitora reportou à APAV que o progenitor deixou junto à entrada da sua residência uma fotografia da menor e uma fotografia da entrada do cemitério de Loures.
8. No dia 3 de Janeiro de 2019, a progenitora disse que o pai da sua filha tinha novamente deixado “uma carta no correio com fotos minhas, dele e da nossa filha com uma tinta por cima a simular sangue e um bilhete a dizer: para a minha mamã, e com o nome da menina”
9. A progenitora decidiu não cumprir o regime de visitas fixado em Tribunal, por medo que sentia face o acima descrito.
10. No dia 20 de Fevereiro de 2020, a progenitora informou a APAV que o pai continuava a procurar a filha na escola, não obstante ter sido determinado pelo tribunal que as visitas seriam supervisionadas.
11. Em Janeiro de 2021, a progenitora apresentou nova denúncia no DIAP, porquanto o progenitor havia colocado na porta da arrecadação uma fotografia da filha com uma faca de cozinha espetada junto ao rosto (cf. cópia junta ao processo).
12. A criança reside com a progenitora na morada acima indicada; a mãe é enfermeira no Hospital do Mar.
13. O progenitor é igualmente enfermeiro, residindo na Estrada …, n.º …, …, Cova da Piedade.
14. A progenitora não deu consentimento à intervenção da Comissão.
15. A C.P.C.J. de Loures deliberou, em 25 de Fevereiro de 2021, remeter os presentes autos, porquanto não foi possível obter consentimento à intervenção por parte da progenitora.
16. A criança AB, na sequência das condutas supra descritas, está, assim, exposta a situações de perigo evidente, que põem em causa a sua estabilidade emocional, o seu bem-estar generalizado, a sua auto-estima, formação, saúde, e a sua infância.
17. Dos factos acima expostos resulta que se poderá estar perante uma situação de perigo para a saúde, formação e desenvolvimento integral da criança, sendo necessária a aplicação de medida de promoção e protecção que evite o prolongamento e agravamento de situação”.
Conclui, no sentido de requerer que:
“I - Nos termos do disposto no artigo 81º, n.º 1, da Lei 147/99, de 01/09, e 11º, n.º 1, do RGPTC, sejam os presentes autos autuados por apenso ao Processo de Regulação do Exercício das Responsabilidades Parentais n.º …/…, do Juízo de Família e Menores de Loures – J1;
II - Nos termos do disposto no artigo 107º, n.º 1, da Lei 147/99, de 1/09, seja declarada aberta a instrução e, no seu decurso:
a) se dê cumprimento ao disposto no artigo 107º, n.º 3, da LPCJP – notificação dos pais para requererem as diligências instrutórias ou juntarem os meios de prova que entenderem;
b) se ouçam os pais;
c) se solicite à EMAT, com nota de muito urgente e ao abrigo do art.º 108º, n.º 2 da LPCJP, a elaboração de relatório social acerca das condições socioeconómicas, e familiares da criança bem como do seu agregado”.
Tal processo foi proposto em 08/04/2021.
2 – Conforme despacho inicial de 12/04/2021, foi determinada:
· Data para a realização de conferência com vista à obtenção de eventual acordo de promoção e protecção, com vista à aplicação de medida a título definitivo;
· A realização de relatório social à EMAT – cf., fls. 93.
3 – Tal relatório social de avaliação veio a ser apresentado em 04/05/2021, no qual foi exarado Parecer no sentido de aplicação à menor da “medida de promoção e protecção de apoio junto de pais, na pessoa da mãe, com um regime de visitas supervisionadas por uma Entidade externa” – fls. 115 a 119.
4 – Tendo-se determinado a elaboração de relatório social complementar, mais exaustivo e detalhado, veio esta a ser apresentado em 19/05/2021, constando do seu Parecer final o seguinte:
Em suma, a situação da AB foi sinalizada à CPCJ de Loures, pelo Tribunal de Família e Menores de Loures, J1, no âmbito do processo de incumprimento das Responsabilidades Parentais, na sequência dos e-mails de alegadas ameaças do progenitor e apresentação de queixas-crime, pela progenitora, bem como, os sucessivos incumprimentos por parte desta.
Embora tenha ficado definido a regulação do exercício das responsabilidades parentais por mútuo acordo, o mesmo encontra-se em incumprimento. Este incumprimento é assumido pela progenitora, que alega que está em causa a integridade física e psicológica da filha.
No âmbito do processo Tutelar Cível, foi elaborado relatório social da mãe pela EMAT Loures/Odivelas e do pai pela EMAT congénere que resulta da avaliação realizada de que as partes apresentam versões díspares relativamente aos mesmos factos, o que dificultou a perceção do sucedido e a avaliação das competências parentais. Mais se refere que a AB se encontra privada do contato com o pai, assim como, com a família paterna e para tal se sugere a possibilidade de os convívios com a família paterna se realizem mediante supervisão através de uma entidade creditada para o efeito.
Tais convívios já haviam sido sinalizados pelo Tribunal à Associação Passo-a-Passo em 25/09/2019, que posteriormente, após diligências junto da progenitora respondeu não haver condições de segurança para a realização destes convívios.
No âmbito do processo criminal, nº …/…, o progenitor foi ilibado das acusações de violência doméstica, uma vez que não resultaram provados os factos apresentados pela requerente. Aguarda recurso.
No âmbito das diligências realizadas foi possível verificar que os cuidados e necessidades diárias da AB se encontram devidamente asseguradas pela progenitora, com o apoio dos avós maternos.
A progenitora afirma, juntamente com a filha, que é sujeita a recorrentes ameaças por parte do progenitor e que vive em constante sobressalto. Embora a progenitora se apresente colaborante, a mesma recusa qualquer tipo de contatos da filha com o progenitor, justificando que a criança corre perigo físico e emocional.
Avós maternos atribuem pouca importância à presença do pai e da família paterna, bem como não identificam benefícios destes contatos para o bem estar integral da neta. Avó materna verbaliza que sente receio pela vida da filha e da neta, considerando que nenhum dos avós maternos se constitui como mediadores para a promoção dos convívios com a família paterna.
Os avós paternos validam a progenitora como cuidadora e apresentam-se disponíveis para mediar os contatos e os convívios que vierem a ser estipulados.
Consta das perícias realizadas à AB, “ (…) que não foram detetados bloqueadores ou constrangimentos que sejam relevantes ao nível do seu desenvolvimento psicológico, que parece estar num registo global saudável, sendo que o único ponto de alguma dificuldade se prende com a relação com o seu progenitor e a exposição ao conflito parental. (…)., os únicos factores stressores parecem ser a exposição ao conflito parental e a relação com o seu progenitor, que parece ser indutora de tensão, medo e ansiedade pela menor. (…)
A menor expressa uma boa reacção com a figura materna, sendo que ao nível da figura paterna coexistem representações díspares. Se por um lado reconhece ter tido bons momentos com a figura paterna, predomina uma representação negativa e indutora de stress e angústia intensa, associada directamente às ameaças que a menor atribui ao seu pai.” (sic)
Relativamente às competências parentais, verifica-se que os progenitores são ambos afectuosos e preocupados com o bem estar da filha.
Face ao exposto, verifica-se a existência de um conflito parental, caracterizado por acusações mútuas e versões opostas, em que a AB se encontra exposta.
Nesse sentido importa avaliar o bem estar emocional da AB e os padrões de comunicação de ambos os pais na relação com a filha, resultando informação da perceção da menor sobre o conflito parental e se decorre necessidade por parte desta, na relação com cada um dos pais, de ajustar os seus comportamentos às expectativas parentais com o objetivo de adaptação e procura do seu bem estar.
Considera-se assim de suma importância o início de intervenção terapêutica especializada, nomeadamente ao nível de avaliação/acompanhamento em psicologia da AB, por entidade neutra, eventualmente, designada por esse Douto Tribunal, com inclusão de ambos os progenitores no processo terapêutico de forma a promover o desenvolvimento de uma comunicação saudável e a aquisição de estratégias adaptativas e protectivas da AB ao conflito parental.
Considera-se ainda pertinente a retoma gradual dos contactos da AB com o progenitor e família paterna por meio de entidade competente salvaguardando o sentir da menor e o desenvolvimento de uma relação paterno-filial percepcionada como securizante e de confiança assim como o desenvolvimento de uma intervenção com cada um dos pais no sentido de diminuir o conflito e potenciar os factores de protecção.
Pelo acima exposto propõe-se a aplicação da medida aplicada de apoio junto dos pais, na pessoa da mãe de modo a retomar-se os contactos paterno-filiais com a intervenção do CAFAP.
A progenitora deverá providenciar apoio psicológico para a AB, manter os cuidados básicos e necessidades diárias da filha, promover a estabilidade familiar, não discutir na presença da filha e cumprir com a regulação do poder paternal estipulado pelo tribunal de forma a não expor a criança a situações de conflito, partilhar as informações de extrema importância com o progenitor, através de meios seguros e colaborar com os técnicos intervenientes no processo.
O progenitor deverá respeitar a progenitora, promover a estabilidade familiar, não discutir, nem fazer comentários depreciativos sobre o outro progenitor na presença da filha. Deverá ainda colaborar com as orientações dos técnicos envolvidos no processo e cumprir com a regulação parental estipulado pelo tribunal de forma a não expor a criança a situações de conflito” – fls. 157 a 160.
5 – Consta da acta datada de 19/05/2021, no âmbito da realização de conferência para acordo, que após a realização das devidas audições, foi proferido o seguinte:
“D E S P A C H O
Uma vez que não foi possível alcançar o acordo para aplicação da medida a título definitivo face à falta de acordo entre os progenitores e não estando ainda junto aos autos todos os elementos para aplicação de medida ainda que provisória, impõe-se resolver de alguma forma os convívios da AB com o pai no Estabelecimento de Ensino de forma a poder proporcionar à criança algum inicio de contacto com o progenitor.---
Efectivamente, afigura-se que a AB se encontra em situação de risco, face à ausência de convívios com o pai os quais não têm vindo a verificar-se pelas razões e como documentado nos autos. ---
Assim, e atento o disposto nos artigos 37º, e 39º da LPCJP determina-se o seguinte: ---
1. O pai pode ver a AB na escola na hora do recreio, sem prejuízo dos seus horários escolares, devendo para tal efeito contactar antecipadamente a Professora SC ou outro responsável do Estabelecimento de Ensino frequentado pela criança. ---
2. Mantêm-se os contactos telefónicos nos termos e moldes em que se encontram consignados no âmbito do apenso A, comprometendo-se a mãe a desenvolver esforços e providenciar para que a AB possa falar telefonicamente com o pai e os restantes familiares. ---
3. O que fica determinado tem efeitos imediatos. ---
Notifique. ---“ – fls. 161 a 171.
6 – Datado de 04/07/2021, foi junto aos autos novo relatório social elaborado pela EMAT, constando do respectivo Parecer final o seguinte:
Em suma e de acordo com as informações possíveis de apurar, o reinício dos convívios da AB com o progenitor ocorridos em contexto escolar, resultaram de forma positiva, não se verificando na menor uma alteração significativa de comportamentos. Consta do relatório escolar que as visitas ocorreram todas as semanas e a interacção entre a Beatriz e o pai decorre de forma tranquila e a menor mostra-se receptiva à presença do progenitor, permanecendo próximo do pai durante todo o período de intervalo.
Relativamente aos contatos telefónicos, verifica-se que só ocorreram uma vez e tanto a progenitora como o progenitor apontam indisponibilidade e impossibilidades em realizar as chamadas.
O progenitor apresenta vontade de manter e desenvolver a relação com a filha. A progenitora mantém os mesmos receios, justificando que as ameaças não cessaram.
A família paterna, designadamente os avós, mantêm-se disponíveis para mediar e prestar apoio na monotorização dos convívios entre a neta e o progenitor.
Face ao exposto e atendendo que a escola vai encerrar para período de férias grandes no dia 08/07/2021 e não havendo para já resposta do CAFAP, considera-se imprescindível que a AB mantenha o contato com a família paterna. De forma a assegurar os convívios e tendo em conta os horários laborais do progenitor, somos a propor no primeiro mês, que os convívios possam decorrer duas vezes durante a semana, para a menor fazer uma refeição (lanche) com o pai e avós e quinzenalmente, no dia de sábado ou domingo, fazer uma refeição principal (almoço ou jantar), com a família paterna, sem prejuízo do período de férias laborais de cada um dos progenitores. A recolha e a entrega deverá ser sempre efectuada pelos avós paternos” – fls. 203 a 207.
7 – Conforme relatório da perícia médico-legal – relatório psicológico -, datado de 28/06/2021, efectuado ao progenitor LS, consta das respectivas Conclusões não se ter observado “a presença de distúrbio, sintomatologia, traços ou características de personalidade que possam ser considerados per si restritivos e/ou impeditivos para que consiga exercer de forma integra e predominantemente adequada as competências e as suas responsabilidades associadas à sua função parental.
Da avaliação efetuada não se observou a presença de sintomatologia clinicamente relevante, não se observando alteração de personalidade ou outra que possa afetar o exercício da sua parentalidade, não obstante expressa alguma imaturidade emocional e alguns traços ansiosos na sua personalidade.
Em relação às competências parentais, o examinado demonstra dispor de recursos internos adequados e de suficientes competências parentais para que consiga identificar, responder e satisfazer às diversas necessidades básicas e psicoafectivas da sua filha, sem qualquer comprometimento ou presença de atitudes e/ou práticas claramente disfuncionais.
Assim, na avaliação efetuada o examinado revela atitudes e práticas parentais que sugerem que tende a funcionar num estilo parental tendencialmente democrático, no qual tentará integrar os afetos, as regras e os limites de forma predominantemente adequada” – fls. 210 a 217.
8 – Conforme relatório da perícia médico-legal – relatório psicológico -, datado de 28/06/2021, efectuado à progenitora JL, consta das respectivas Conclusões não se ter observado “a presença de distúrbio, sintomatologia, traços ou características de personalidade que possam ser considerados per si restritivos e/ou impeditivos para que consiga exercer de forma autónoma e responsável todas as competências e responsabilidades associadas à sua função parental.
Da avaliação psicológica realizada sobressai uma organização de personalidade estável, sem manifestar sinais de disfunção emocional ou psicopatológica que possam eventualmente comprometer de alguma forma o exercício da sua parentalidade.
Em relação às competências parentais, a examinada demonstra dispor de recursos internos adequados e de boas competências parentais para que consiga identificar, responder e satisfazer às diversas necessidades básicas e psicoafectivas da sua filha.
Assim, a examinada revela atitudes tendencialmente positivas que sugerem que procura, em geral, funcionar num estilo parental democrático, no qual consegue integrar os afetos, as regras e os limites de forma adequada e com uma dinâmica comunicacional, em geral, flexível, assertiva e funcionante.
Relativamente ao quesito acerca da presença de eventual síndrome de alienação parental, parece-nos que subsistem algumas dúvidas, nomeadamente face às alegações em que versam os eventuais episódios de violência doméstica, bem como os contornos pouco habituais dos mesmos, que carecerão da devida prova em sede própria, mas que são aqui usados nestes autos como os principais fundamentos para o afastamento da díade pai-filha e que, tendo em conta, a observação efetuada aos intervenientes, poderão estar, de alguma forma, consciente ou não, a contaminar e a prejudicar a relação da menor com o seu progenitor” – fls. 220 a 226.
9 – Em 14/07/2021, foi proferido o seguinte DESPACHO:
“- Resulta dos presentes autos que, AB, nascida em 19 de janeiro de 2014, é filha de JL e de LS. ---
- A AB foi sinalizada pelo tribunal, na CPCJ, no âmbito do apenso A de incumprimento tendo o processo sido remetido em 8 de abril de 2021 a este J1 por falta de consentimento para intervenção por parte da progenitora da criança. ---
- No âmbito dos presentes autos teve lugar no dia 19 de maio de 2021 uma conferência de promoção e protecção com vista à aplicação de medida a título definitivo a favor da criança, que não se mostrou possível face à recusa por parte da progenitora em alcançar acordo. ---
- No âmbito dessa diligência foram estabelecidos de forma provisória convívios da criança com o pai a terem lugar no Estabelecimento de Ensino frequentado pela AB e contactos telefónicos a acontecerem através de videochamadas. ---
- As responsabilidades da AB encontram-se estabelecidas por acordo no processo de regulação das responsabilidades parentais por decisão de homologação proferida em 9 de outubro de 2018. --- - Em junho de 2019 a mãe da AB proibiu os convívios da menor com o pai por alegados comportamentos e ameaças que a progenitora imputa ao progenitor. ---
- Corre termos processuais o inquérito com o nº …/… no DIAP de Loures que se encontra em fase de investigação derivado de queixa formulada pela progenitora contra o progenitor e pelos factos que daí constam. ---
- No âmbito do apenso A de incumprimento e uma vez que o pai ficou sem conviver com a filha desde junho de 2019 o tribunal fixou um regime provisório de convívios supervisionados pelo MDV.
- Resulta dos autos não ter sido possível colocar em prática tais convívios supervisionados face à falta de colaboração por parte da progenitora que recusou levar a filha às instalações do MDV para que tal se mostrasse possível. ---
- Resulta, igualmente, dos autos que o pai foi absolvido do crime de violência doméstica que correu os seus termos no J4 com o nº de P. 1294/18.0T9LRS da Instância Local Criminal de Loures por decisão proferida em 9 de dezembro de 2020. ---
- Por acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa em 24 de junho de 2021 no âmbito do mencionado processo foi confirmada a decisão de absolvição e julgado improcedente o recurso interposto pela progenitora conforme resulta de fls., 232 a 264 e que antecede. ---
- Numa das comunicações juntas aos autos pelo Instituto de Apoio à Vítima pode ler-se as seguintes declarações aí prestadas pela mãe “(…) o progenitor é um excelente pai o pai adora a menina e a menina adora o pai (…)”. ---
- Alegando suspeitas e receios a mãe tem de variadas formas impedido os convívios da criança com o pai conforme documentam os autos. ---
- Até à presente data não foi possível apurar correspondência prática para as suspeitas e os receios manifestados pela mãe uma vez que, ela própria, sente grande dificuldade na sua explicação conforme resulta das declarações que ficaram consignadas em acta. ---
- As declarações prestadas pela mãe e consignadas na acta da diligência realizada no dia 19 de maio de 2021 são contrariadas pelos profissionais que têm vindo a intervir neste caso em concreto. ---
- Resulta das perícias efectuadas à criança e aos pais o seguinte: ---
Relativamente à AB e em síntese (…) “a examinada demonstra dispor de recursos internos adequados e de boas competências para que possa identificar, responder e satisfazer às necessidades básicas e psicoafectivas da sua filha (…) a menor expressa uma boa relação e vinculação com a figura materna, sendo que a nível da figura paterna coexistem representações díspares. Se por um lado a menor reconhece ter tido bons momentos com a figura paterna, predomina uma representação negativa e indutora de stress e angústia intensa, associada diretamente às ameaças que a menor atribui ao seu pai
Relativamente à mãe e em síntese (…) “Relativamente ao quesito acerca da presença de eventual síndrome de alienação parental, parece-nos que subsistem algumas dúvidas, nomeadamente face às alegações em que versam os eventuais episódios de violência doméstica, bem como os contornos pouco habituais dos mesmos, que carecerão da devida prova em sede própria, mas que são aqui usados nestes autos como os principais fundamentos para o afastamento da díade pai – filha e que, tendo em conta, a observação efectuada aos intervenientes, poderão estar, de alguma forma, consciente, ou não, a contaminar e a prejudicar a relação da menor com o seu progenitor
Relativamente ao pai e em síntese (…) Em relação às competências parentais, o examinado demonstra dispor de recursos internos adequados e de suficientes competências parentais para que consiga identificar, responder e satisfazer às diversas necessidades básicas e psicoafectivas da sua filha, sem qualquer comprometimento ou presença de atitudes e/ou práticas claramente disfuncionais.
Assim, na avaliação efectuada o examinado revela atitudes e práticas parentais que sugerem que tende funcionar num estilo parental tendencialmente democrático, no qual tentará integrar os afetos, as regras e os limites de forma predominantemente adequada”. ---
- A família paterna nomeadamente os avós e tia demonstram total disponibilidade para que a AB possa conviver com o pai servindo de intermediação para a efectivação desses convívios.
- A AB sente carinho e afeição pelos elementos da família paterna sendo gratificantes para a criança os momentos de convívio entre todos. —
- Por parte da família materna não existe disponibilidade nem vontade para intermediarem os convívios do pai com a filha.
- Resulta do último relatório social que os convívios da menor com o pai fixados pelo tribunal decorreram dentro da normalidade tendo sido gratificantes para a criança.
- Resulta, ainda, do relatório de que tais convívios deverão continuar a verificar-se nos termos que que aí se encontram propostos.
- Os pais foram notificados para virem informar do seu período pessoal de férias sendo que ambos cumpriram o determinado pelo tribunal. ---
- O comportamento adotado por parte da mãe de impedimento dos convívios do pai com a filha não apresenta consistência prática e tem servido apenas para causar instabilidade à criança e afectar o seu livre e saudável crescimento. ---
O Ministério Público pronunciou-se no sentido de serem retomados os convívios da AB com o pai conforme parecer que antecede.
Destarte, os autos contêm os elementos suficientes para proferir decisão, ainda que a título provisório, porquanto não vemos qualquer motivo ou fundamento para que a AB não possa conviver com o pai e restantes familiares, em fins de semana e férias escolares que se iniciam. ---
Face ao exposto, no superior interesse da criança impõe-se a aplicação, a título cautelar, de medida de promoção e proteção que potencie o mais rapidamente possível o convívio da criança com o pai e que garanta acompanhamento intensivo e permanente aos respectivos agregados, de modo a garantir a sua estabilidade, bem estar e salvaguarda do crescimento saudável e desenvolvimento integral da AB (cf. art.ºs 34º, al.s a) e b), 35º, n.º 1, al. a), e 37º, n.º 1, da Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo).
Assim e atento o disposto nos artigos 37º e 35º, n.º 1 al. a) da LPCJP determina-se o seguinte: ---
A) Á menor AB é aplicada a medida de apoio junto dos pais na Pessoa da mãe JL, ficando à sua guarda e cuidados como se verifica na prática. ---
B) Os convívios da AB com o pai e restantes familiares paternos ficam estabelecidos nos seguintes termos: ---
- A partir do próximo fim de semana (sexta feira 16 de julho de 2021) a AB iniciará fins de semana de 15 em 15 dias em casa da avós paternos MF e LN onde poderá conviver com o pai e restante família alargada devendo a avó paterna MF ir buscar a AB a casa da mãe às sextas feiras pelas 14h e 30m e entregá-la-á no mesmo local aos domingos pelas 21 horas.---
- Na semana que antecipe o fim de semana da mãe a AB passará o dia de quarta feira ou outro dia da semana a indicar de comum acordo entre a avó paterna e a mãe da AB na casa dos avós paternos a fim de conviver com o pai e restantes familiares devendo a avó paterna ir buscar a criança a casa da mãe pelas 10 horas da manhã entregando-a pelas 21 horas desse mesmo dia, ou em outro horário a combinar entre ambas.---
- A partir do dia 21 de agosto de 2021 e até ao dia 26 de agosto de 2021 a AB passará tal período de férias com o pai e restante família paterna. ---
- A avó paterna irá buscar a AB no dia 21 de agosto de 2021 pelas 10 horas a casa da mãe e entregá-la-á no mesmo local no dia 27 de agosto de 2021 pelas 10 horas. ---
Deveres da progenitora:
1.- Providenciar e proporcionar os convívios que ficam estabelecidos colaborando e contribuindo para que os mesmos decorram de maneira tranquila e em ambiente saudável para a AB. ---
2.- Abster-se de denegrir a imagem do pai e restantes familiares perante a filha evitando iniciar ou manter conversas nesse sentido com a criança.
3.- Manter-se contactável sempre que seja necessário resolver assuntos relacionados com a AB. ---
4. – Manter diálogo com a avó paterna e restantes familiares paternos (caso se mostre necessário) relativamente aos assuntos da vida da AB. ---
5. – Facilitar os contactos telefónicos entre a criança e o pai caso se proporcione e se mostre necessário, nomeadamente por vontade da AB. ---
Deveres do progenitor:
1.- Conviver com a filha conforme estabelecido colaborando e proporcionando um ambiente tranquilo e saudável para a AB. ---
2.- Abster-se de denegrir a imagem da mãe evitando iniciar ou manter conversas nesse sentido com a filha.
3.- Manter-se contactável sempre que esteja com a filha e seja necessário resolver assuntos relacionados com a AB. ---
4. – Manter disponibilidade e estar contactável para durante o período de férias (caso se mostre necessário) resolver com a mãe através da avó paterna assuntos da vida da AB. ---
5. – Facilitar os contactos telefónicos entre a criança e a mãe, caso se proporcione e se mostre necessário nomeadamente por vontade da AB. ---
Deveres da avó paterna:
1.- Proporcionar que os convívios da AB decorram em sua casa de maneira tranquila e saudável para a AB.---
2.- Manter diálogo franco com a mãe da AB para que os convívios por seu intermédio decorram de forma tranquila e sejam gratificantes para criança.
3.- Manter-se contactável sempre que seja necessário resolver assuntos relacionados com a AB. ---
- Os pais da AB e restante família alargada deverão aceitar e colaborar com a intervenção da EMAT de Loures/Odivelas, comparecendo sempre que solicitada a sua presença e cumprindo com as orientações que lhe venham a ser dadas. ---
A presente medida provisória tem efeitos imediatos e terá a duração de quatro meses, sem prejuízo de eventual prorrogação ou revisão antecipada. ---
A execução da medida bem como os respectivos agregados familiares serão acompanhados monitorizados e supervisionados de forma intensiva pela Exma. Técnica da EMAT, nomeadamente através de contactos telefónicos (durante o período de férias) e visitas domiciliárias (durante os fins de semana) devendo uma das visitas ser agendada e realizada pela técnica Dra. CF ou outra Colega caso esteja impossibilitada de o fazer ou no seu período de férias em casa dos avós paternos já na próxima sexta feira (16 de julho de 2021) a fim de recolher elementos pertinentes relacionados com os convívios que ficam determinados, reportando a informação aos autos.---
Mais se determina que no início de setembro (se antes não se justificar) seja junto aos autos relatório social actualizado a elaborar pela EMAT. ---
Notifique e comunique pela forma mais expedita. ---
 D.N., cumprindo de imediato. ---“ – fls. 268 a 271.
10 – Datado de 14/07/2021, foi junto aos autos novo relatório social elaborado pela EMAT, constando do respectivo Parecer final o seguinte:
Face ao exposto, atendendo a existência de novas ocorrências, e verificando-se a necessidade de se perceber o ponto de situação no âmbito da intervenção e investigação criminal, somos do entendimento que no momento presente não se encontram reunidas as condições de segurança necessárias à realização de visitas sem supervisão técnica. Considera-se contudo, que é necessário garantir que a menor mantenha uma relação saudável com ambos progenitores, pelo a ocorrer, sugere-se que as visitas da AB com o pai, se possam realizar num local público, com a presença dos avós paternos, sugerindo-se desde já a zona do Parque das Nações.
Solicita-se ainda ao Douto Tribunal que sejam remetidos a esta EMAT os resultados das perícias médico-legais realizadas aos progenitores, face ao eventual contributo do respetivo conteúdo para a análise da situação” – fls. 275 a 277.
11 – Em 09/08/2021, foi proferido o seguinte DESPACHO:
Tomei conhecimento do expediente que antecede, nomeadamente da informação intercalar remetida aos autos pela EMAT e bem assim da indisponibilidade demonstrada quanto à supervisão dos convívios. —
Face à factualidade que resulta dos autos e uma vez que a progenitora não se encontra na sua residência com a filha suspendo, por enquanto, a forma como iriam decorrer os convívios da AB com o pai determinados no despacho proferido em 14 de julho de 2021 e reiterado o seu teor em 15 de julho de 2021. ---
Resulta assente que alguém de mente muito perversa e cruel tem tomado comportamentos e atitudes reprováveis que pretendem destabilizar não só os progenitores, mas e principalmente a situação vivencial da AB. ---
A progenitora alega ser o progenitor, no entanto, por enquanto, não existe qualquer indicador de que o mesmo seja o autor de tais comportamentos e atitudes, carecendo tal situação de ser investigada no âmbito do inquérito crime que se encontra correr os seus normais termos. ---
Face ao exposto, encontrando-se inviabilizados os convívios nos termos em que foram ordenados e uma vez que a EMAT considera os convívios da AB com o progenitor essenciais determino que os mencionados convívios sejam supervisionados pela EMAT a delinear e a planear pelas técnicas no prazo de 10 dias, sendo que e em caso de recusa deverá comunicar à tutela com cópia das respostas juntas aos autos pelas demais entidades. ---
Reiterando o já determinado a execução da medida bem como os respectivos agregados familiares deverão continuar a ser acompanhados monitorizados e supervisionados de forma intensiva pela Exma. Técnica da EMAT, nomeadamente através de contactos telefónicos e visitas domiciliárias devendo uma das visitas a ser agendada e realizada, de imediato, pela técnica Dra. CF à casa onde se encontra a progenitora com a filha a fim de recolher elementos pertinentes, reportando a informação aos autos, no prazo de 10 dias. ---
Notifique o progenitor para que venha aos autos informar se já foi ouvido no âmbito do processo ou processos crime e bem assim se corre termos processuais alguma queixa contra a progenitora uma vez que alega não ser ele o autor dos factos relatados pela mesma.
Tendo em conta o mencionado pela progenitora a fls., 382 dos autos dando a mesma conta da necessidade de acompanhamento psicológico notifique-a para q no prazo de cinco dias juntar aos autos relatório médico de diagnóstico e identificação do médico psicólogo. ---
Notifique, ainda, a progenitora para vir indicar a morada onde se encontra com a criança devendo a mesma permanecer como confidencial, nos presentes autos. ---
Insista, ainda, junto do DIAP no âmbito do processo crime por toda a documentação pertinente relativamente ao aditamento feito à queixa formulada anteriormente pela progenitora no Processo nº …/… e que informe se além deste processo crime existe outro ou outros processos derivados dos factos agora relatados. ---
Notifique. ---
D.N., cumprindo de imediato. ---“ – fls. 393.
12 – Em 23/08/2021, foi junto aos autos novo relatório social elaborado pela EMAT, constando do respectivo Parecer final o seguinte:
Face ao exposto, e atendendo à indisponibilidade manifestada pela progenitora em colaborar na realização de um plano que contemple aos convívios da criança com o progenitor, pese embora as possibilidades de realização apresentadas, é nosso parecer que se mantêm comprometidas as condições para realização das visitas paterno filiais, na medida em que a progenitora considera que não se encontram asseguradas todas as condições que garantam a sua segurança e a proteção da filha para ocorrer convívios com o progenitor.
Contudo, em resposta a esse Douto Tribunal, e por forma a minimizar riscos e os receios manifestados pela progenitora, somos a informar a disponibilidade desta Equipa em realizar a supervisão dos mencionados convívios, a título excecional e semanalmente em contexto de sede judicial, utilizando para efeito, caso mereça concordância de suas excelências, a sala de espelho do Tribunal.
Pese embora, tenham sido realizados convívios em contexto escolar, considera-se que estes convívios realizados de forma condicionante, impostas pelas medidas de combate à pandemia, ao serem realizados nestes moldes, podem comprometer o relacionamento saudável da díade.
Solicita-se ainda a esse Douto Tribunal, a prestimosa colaboração para efeitos de notificação da supracitada entidade de saúde, para que comunique sobre o acompanhamento de consultas de psicologia da menor e que resulte esclarecido se a AB, teve efectivamente alta da consulta” – fls. 518 e 519.
13 – Em 21/12/2021, foi proferido o seguinte DESPACHO:
Sem prejuízo de ulterior apreciação, conclui-se, por enquanto, que a medida aplicada à AB, mantém a sua actualidade, proporcionalidade e adequação. ---
Face ao exposto, por inalterados os pressupostos de facto e de direito em que se baseou a decisão de aplicação, a favor da menor AB da medida de apoio junto dos pais, na Pessoa da mãe JL ao abrigo do disposto no artigo 62º, nº 3, al. a) e artigo 37º da LPCJP, decido manter, por mais seis meses, a referida medida de promoção e protecção nomeadamente no que diz respeito aos convívios supervisionados nos termos em que se mostram definidos no plano que antecede e com início em 13 de novembro de 2021.” – Fls. 577.
14 – Datado de 05/01/2022, foi junto aos autos novo relatório social elaborado pela EMAT, constando do respectivo Parecer final o seguinte:
Em suma, desde a aplicação da medida de promoção e proteção aplicada, embora as necessidades básicas diárias da AB se encontrem asseguradas, verifica-se a necessidade de se continuar a avaliar e a acompanhar a díade pai-filha, no sentido de se criar uma base de segurança na menor.
Pese embora a progenitora alegue que se mantêm as ameaças, não se conhece conclusões ou evidências. O progenitor apresenta alguma frustração por a intervenção não coincidir com as suas iniciais expectativas.
Constata-se ainda que ambos progenitores colaboram com as orientações dos técnicos do CAFAP e a AB sente empatia com os técnicos.
Face ao exposto a atendendo que os convívios supervisionados se situam ainda na fase inicial somos a propor a manutenção da medida de promoção e proteção de apoio junto dos pais, por 6 meses, com a intervenção do CAFAP Interagir, no registo de Ponto de Encontro Familiar” – fls. 580 a 582.
15 – Novo relatório da EMAT, datado de 06/04/2022, foi junto aos autos, constando da respectiva Conclusão/Parecer técnico o seguinte:
Face ao exposto, e atendendo às diligências possíveis de realizar, é do nosso entendimento que o acompanhamento psicológico é no momento imprescindível para AB. Pese embora a recusa da menor em fazer-se acompanhar pelo avô materno, figura de referência e presente na vida diária da mesma, não se considera que os avós paternos, no presente momento possam desempenhar a mesma função, no que concerne ao acompanhamento às visitas, atendendo que a AB não mantém contatos próximos com os mesmos, bem como, face à instabilidade que tem vindo a manifestar.
Pese embora se verifique que as visitas supervisionadas com o CAFAP se encontrem condicionadas, face à pressão exercida pela progenitora face à intervenção, bem como, face à recusa da AB, esta modalidade de convívios é por ora, a que melhor responde aos interesses da menor, na construção da relação e aproximação gradual do progenitor” – fls. 642 a 645.
16 – Em 08/04/2022, foi proferido novo DESPACHO, com o seguinte teor:
Tomei conhecimento do relatório social e do expediente que antecede, oportunamente, solicite informações acerca de ulteriores desenvolvimentos quanto aos convívios da AB com o pai. ---
*
Sem prejuízo de ulterior apreciação, conclui-se, por enquanto, que a medida aplicada à AB, mantém a sua actualidade, proporcionalidade e adequação. ---
Face ao exposto, por inalterados os pressupostos de facto e de direito em que se baseou a decisão de aplicação, a favor da menor AB da medida de apoio junto dos pais, na Pessoa da mãe JL ao abrigo do disposto no artigo 62º, nº 3, al. a) e artigos 37º e 49º da LPCJP, decido manter, por mais seis meses, a referida medida de promoção e proteção com revisão aos três meses, ou antecipadamente, caso se justifique. ---“ – fls. 652.
17 – Datada de 13/07/2022, foi junto aos autos, pela EMAT, novo relatório social de acompanhamento da execução da medida, constando do Parecer técnico o seguinte:
Em suma, desde a última revisão efetuada da atual medida, verifica-se que as necessidades básicas diárias da AB se encontram devidamente asseguradas.
No que concerne aos convívios supervisionados e ao plano de intervenção previsto pelo CAFAP, as interrupções ocorridas não permitiram uma observação e avaliação contínua, sendo que presentemente as sessões se encontram suspensas.
Atendendo à manutenção da situação de incumprimento do regime de convívios supervisionados entre a AB e o pai, logrando-se todas as tentativas encetadas até ao momento para a sua concretização e inviabilizando a execução de um plano de aproximação gradual, verifica-se a necessidade de identificar alternativas ao que foi sugerido até agora.
As tentativas de intervenção apresentadas até ao momento foram delineadas tendo por prioridade o respeito pela intervenção mínima e a minimização, dentro do possível, da perturbação do equilíbrio emocional da criança. Contudo, o que se verifica é o protelar de uma situação com repercussões no desenvolvimento psicoafectivo da criança, colocando em risco a prevalência da figura paterna na vida da criança, ainda que não existam até ao momento indicadores concretos que de alguma forma a convivência da Beatriz com o pai possa representar uma situação de risco / perigo para a sua segurança e bem-estar, atendendo que não são conhecidas evidências e conclusões sobre o processo criminal relativamente às queixas de ameaças apresentadas pela progenitora.
Como é do conhecimento, a colaboração da progenitora residente para a concretização de um regime de convívios com o progenitor não residente representa um fator estrutural para o sucesso do mesmo, o que na situação em apreço, do que nos é dado a conhecer não tem acontecido, nomeadamente do que se pode observar de algumas situações ocorridas em contexto das instalações do CAFAP, bem como pelas manifestações de receios em acompanhar a AB nas deslocações feitas pela mesma na presença da filha.
Pese embora estes registos, a progenitora tem cumprido com as consultas da menor que se realizam no IAC e apresenta-se sempre disponível quando contatada pelos técnicos intervenientes.
Pelo exposto, conclui-se pela necessidade de retomar os contactos entre a menor e o progenitor, que já havia sido iniciada e apresentava uma evolução positiva, propondo-se deste modo, o acompanhamento do avô materno na deslocação da AB, durante o período de férias escolares, nas instalações do Tribunal, a título excecional com supervisão técnica da EMAT dos convívios paterno filiais.
Assim sendo em resposta à solicitação do Douto Tribunal, referência n.º 152974009 de 31/05/2022, vimos colocar à consideração desse douto tribunal a possibilidade de vir a ser tentado o seguinte plano de aproximação gradual entre a AB e o pai:
- Entrega da AB pelo avô materno às técnicas da EMAT, às sextas-feiras, a iniciar no dia 05/08/2022, das 11 horas às 12h30 até o dia 26/08/2022, a realizar nas instalações do Tribunal de Família de Loures, utilizando para o efeito a sala de audição da criança (sala de observação unidirecional).
Caso o Tribunal acolha a presente proposta de plano de convívios, solicita-se a respetiva homologação assim como a prorrogação da medida aplicada” – fls. 697 a 700.
18 – Em 15/07/2022, foi proferido o seguinte DESPACHO:
Sem prejuízo de ulterior apreciação tendo em conta que estamos perante uma medida cautelar, o decurso do prazo para revisão da mesma e porque se conclui que, por enquanto, a medida aplicada à AB, mantém a sua atualidade, proporcionalidade e adequação entende-se manter a mencionada medida de apoio junto dos pais na Pessoa da mãe JL, a título provisório, por mais seis meses, o que se determina nos termos do disposto nos artigos 35º, n.º 1 al. a) , 49º e 62º, n.º 3, al. c) da LPCJP.---
Comunique à Exma. técnica de que o tribunal concorda com o plano de convívios proposto no relatório que antecede devendo a mesma diligenciar e providenciar para que os mesmos se iniciem no dia 5 de agosto de 2022 das 11 horas às 12 horas e 30 minutos e até ao dia 26 de agosto de 2022, conforme aí se mostra consignado.---
Os pais da AB deverão aceitar e colaborar com a intervenção da EMAT de Loures/Odivelas devendo o avô materno transportar a criança às instalações do tribunal entregando-a às Ex.mas técnicas da EMAT, conforme fica determinado, e cumprindo com as orientações que lhe venham a ser dadas nos termos e para efeitos do artigo 417º do CPC ex vi artigo 126º da LPCJP.---
A Exma. gestora do processo deverá supervisionar os convívios, continuar a acompanhar de perto e de forma intensiva o agregado familiar providenciar pelo determinado com a maior brevidade possível elaborar e remeter aos autos, atempadamente, o próximo relatório, dando conta do resultado dos convívios da criança com o pai, a fim de a medida voltar a ser revista e a situação poder ser reavaliada na prática, tendo em conta a salvaguarda do superior interesse da AB.---“ – fls. 702.
19 – Datado de 06/09/2022, foi junto aos autos relatório da assessoria em psicologia – Gabinete de Apoio aos Magistrados Judiciais, Tribunal da Comarca de Lisboa Norte -, do qual consta, como Conclusões e Recomendações, o seguinte:
A AB evidenciou resistência e rejeição aos contactos com o pai. O comportamento da criança está enquadrado na atual situação familiar, pautada por elevado e prolongado conflito parental, com desconfiança, hostilidades e acusações constantes. Relativamente ao conflito parental verifica-se, também, o envolvimento reiterado de forças policiais, tribunal e serviços de proteção de crianças e jovens. Este contexto apresenta dificuldades significativas para a AB, nomeadamente, o impacto negativo no seu ajustamento e saúde mental, bem como na relação pai-filha.
Nesse sentido, recomenda-se:
i) Potenciar uma gestão eficaz das intervenções a desenvolver com a família, através de uma colaboração concertada e articulada entre os profissionais envolvidos – EMAT, centro de saúde, IAC, entidades de proteção de vítimas, escola e tribunal.
ii) Atuar sobre os fatores que contribuem e mantêm a disfuncionalidade familiar, sendo essencial trabalhar as questões do conflito parental e da co-parentalidade;
iii) Intervir junto dos pais, da AB e dos avós paternos e maternos;
iv) Desenvolver intervenções diversificadas, em função das características de cada um dos membros da família, bem como dos seus recursos e vulnerabilidades;
v) Definir a intervenção articulada e implementá-la com a maior brevidade, com vista a proteger a AB” – fls. 729 e 730.
20 – Com a data de 01/10/2022, foi junta aos autos informação por parte da Associação para a Inclusão Social – CAFAP, por referência à sua intervenção nos presentes autos, subscrita por JB (Gestor de Processo), do qual consta, para além do mais, o seguinte:
2. Conforme indicámos no nosso relatório de dia 29/04/2022, observamos um carácter simbiótico da relação entre a mãe e a menor, com esta a fazer suas as crenças e opiniões da mãe (em prejuízo do desenvolvimento das suas próprias) e a agir com base nas mesmas.
3. Adicionalmente, observou-se uma elevada exposição da menor, por conduta da progenitora, ao conflito que esta tem com o progenitor, com a menor a ser instrumentalizada pela progenitora e a agir em conformidade com os objectivos e interesses desta (vd. O nosso relatório de 29/04/2022).
4. Em sede de CAFAP, esta circunstância inicialmente observada em verbalizações da menor e, posteriormente, traduziu-se em comportamentos de oposição e desafio da menor no âmbito da participação nos convívios supervisionados.
5. Adicionalmente, verifica-se que a progenitora apresentou uma postura intimidatória e agressiva perante o CAFAP ao não ser validada na sua posição, o que se manifestou designadamente nas denúncias feitas á Segurança Social e no recurso à comunicação social para pressionar o CAFAP (vd. O nosso relatório de 29/04/2022).
6. Os comportamentos de oposição e desafio da menor são graves e não são expectáveis na sua faixa etária, revelando sofrimento interno e levantando preocupações quanto ao seu desenvolvimento emocional autónomo e são da AB.
7. Dado o caráter simbiótico da relação entre a progenitora e a menor que observámos, é nosso entendimento que a agressividade, oposição e desafio apresentados pela menor são resultado da mimetização dos comportamentos observados pela menor na sua única figura de vinculação (a mãe).
Face ao exposto, é a nossa opinião técnica que a medida de promoção e proteção atualmente em vigor está a colocar a menor numa situação de perigo. Assim, recomendamos a V/Exa. A revisão e alteração urgente da medida de promoção e proteção vigente, de modo a proteger a menor” – fls. 793.
21 – Conforme relatório da perícia médico-legal – relatório psicológico -, datado de 12/10/2022, efectuado ao progenitor LS, consta das respectivas Conclusões e Resposta a Quesitos o seguinte:
6.1) No decurso do processo pericial LS, apresentou-se cordial e colaborante com a situação do exame, e na realização dos vários métodos e técnicas de recolha de informação, com comportamento adequado ao contexto.
6.2) O pai nega todas as acusações de violência física ou verbal na presença da filha Beatriz, verbalizando, no entanto, em algumas ocasiões “podem ter existido algumas discussões, e a Beatriz ter ouvido” (…) “falávamos mais efusivamente, mas sem agressão verbal” (…) “poderia ter-se protegido um pouco mais a Bia, foi algo que me levou a pensar” (sic.)
6.3) Evidencia uma personalidade emocionalmente estável, com alguma capacidade de adaptação perante situações de stresse, compassivo e cooperante e tolerância à frustração, posicionando-se perante os outros de uma forma mais reservada e cautelosa, com pensamento prática e realista, sentindo-se capaz e preparado para lidar com a vida. Sobressaí, entre as suas características, sentimentos de inferioridade e vergonha na presença dos outros, inerente a alguma ansiedade social, originando esta, em algumas ocasiões em que sente colocado em causa, que se apresente com arrogância e uma visão exaltada de si, tendo a “mania que é superior”.
6.4) Verifica-se, ainda, um funcionamento, que caracteriza pessoas que vivenciam problemáticas associadas ao ajustamento sociofamiliar, são reservados e arredios, com rigidez e hipersensibilidade interpessoal, apresentando sentimentos de perseguição e desconfiança, e sensações peculiares, medos preocupações, sendo ainda assim, sujeitos prontos para se preocuparem e cooperarem com os outros. O perfil de respostas do examinando, apresenta-se com validade questionável, não sendo possível aferir objetivamente a existência de traços psicopatológicos, sendo efetuada unicamente uma análise intra-individual das características mais evidentes
6.5) Quanto às práticas parentais educativas, verifica-se o recurso frequente a práticas educativas adequadas, sendo estas consistentes com as que caracteriza como adequadas. Não se verifica a utilização de práticas inadequadas ou maltratantes, bem como de práticas adequadas associadas à colocação de regras e limites. Sendo este inventário preenchido, tendo em consideração as formas educativas utilizadas, durante o último ano, com os “enteados”, e referindo este “eu sou o elemento que ajuda, sem imposição de regras” (sic.).
6.6) Não se verifica a existência de crenças legitimadoras e/ou aceitantes da punição física, como estratégia educativa.
6.7) Relativamente ao estabelecimento de relação enquanto cuidador/prestador de cuidados, no qual o desempenho parental se inclui, afirma-se como um cuidador responsável que tende a cumprir as suas obrigações, a finalizar as atividades que começa cumprindo os objetivos propostos, sendo em algumas circunstâncias, dependente da aprovação dos outros. Evidencia alguma sensibilidade às necessidades dos que estão ao seu cuidado, considerando às necessidades alheias. Estas relações, nem sempre são sentidas como satisfatórias, sendo pautadas por uma comunicação menos assertiva, potenciado uma baixa satisfação com o seu desempenho, que se revela, no entanto, responsável, amável e sensível.
Face ao exposto, e apesar da acentuada motivação para a parentalidade, “focada na preocupação com o bem-estar da filha Beatriz”, referindo estar disponível para encetar “um acordo parental” em que a menor tenha contacto com ambos os progenitores, verbaliza também que a única solução que considera viável para resolver “este conflito”, passa pela menor “mudar para sua casa, onde tem um quarto preparado e uma gatinha à espera à sua espera” (sic.).
Ao longo do processo, torna-se muito presente a fusão do exercício da parentalidade, num conflito parental ainda ativo, com necessidade de procurar responsáveis, atribuindo em exclusivo à “ex-companheira”, a responsabilidade pelo ponto a que a situação chegou.
Considerando as características do examinando, a sua hipersensibilidade interpessoal e a sua dificuldade em desapegar-se de acontecimentos dolorosos e resolver os processos de luto, bem como a sua estabilidade emocional e capacidade para cooperar na resolução das problemáticas, considera-se pertinente a integração em acompanhamento psicoterapêutico individual, que promova competências para elaborar o luto, e desenvolver uma comunicação assertiva, que permita a disponibilização para o exercício da parentalidade, positiva e promotora do desenvolvimento harmonioso da filha Beatriz” – fls. 813 a 820.
22 – Datada de 30/10/2022, foi junto aos autos, pela EMAT, novo relatório social de acompanhamento da execução da medida, constando do Parecer técnico o seguinte:
Em suma e face às diligências possíveis de realizar, verifica-se que as necessidades básicas diárias da AB se encontram devidamente asseguradas pela progenitora, com o apoio dos avós maternos.
No que concerne aos convívios supervisionados no CAFAP, foram findos, na modalidade de ponto de encontro familiar.
Relativamente à proposta, alternativa, para efeitos de realização de convívios com a supervisão da EMAT no Tribunal, verificou-se que o estado emocional e a posição da AB não permitiram a concretização dos mesmos, face à recusa da presença do progenitor. Não foi possível restabelecer os convívios paterno filiais, bem como realizar uma observação da interação entre pai e filha.
A AB cumpre com as consultas de forma regular e o parecer da psicóloga revela que presentemente a menor não apresenta condições psicológicas e emocionais para dar continuidade aos convívios, necessitando de trabalhar as suas emoções, de forma a construir uma estrutura e capacidades mentais.
Pese embora o acompanhamento psicológico da AB, é do nosso entendimento, em conformidade com os técnicos envolvidos que existe a necessidade de extensão desta vertente junto dos progenitores, numa perspetiva sistémica do contexto familiar.
Face à possibilidade de acompanhamento de consultas de psicologia na APAV, o progenitor apresenta disponibilidade. Por sua vez, a progenitora recusou, por duplicação na intervenção, justificando já se encontrar a usufruir de apoio psicológico.
Face ao exposto, somos a propor a continuidade da medida de promoção e proteção de apoio junto de pais, na pessoa da mãe, a título definitivo, solicitando-se a esse Douto Tribunal, que fique acautelado a título de aditamento a importância face ao acompanhamento psicológico para cada um dos progenitores” – fls. 834 a 837.
23 – Em 29/11/2022, foi proferido o seguinte DESPACHO:
Sem prejuízo de ulterior apreciação tendo em conta a factualidade, documentação e relatório social que antecede conclui-se, por enquanto, que a medida aplicada à AB, mantém a sua atualidade, proporcionalidade e adequação mantendo-se a mencionada medida de apoio junto dos pais na Pessoa da mãe JL, a título provisório, por mais seis meses, o que se determina nos termos do disposto nos artigos 35º, n.º 1 al. a) , 49º e 62º, n.º 3, al. c) da LPCJP (e muito recentemente o Acórdão referente ao Processo Nº 8824/21.9T8LRS.L1-A do Tribunal da Relação de Lisboa 8ª Secção Cível de 22 de setembro de 2022). ---
Face ao parecer dos Ex.mos técnicos, postura de colaboração do progenitor determino, ainda, por enquanto, a suspensão dos convívios da AB com o pai (os quais se mostram interrompidos), mantendo-se o apoio psicológico da criança e dos progenitores, devendo os Ex.mos técnicos continuar a articular e a comunicar entre si na defesa do seu superior interesse. ---
Os pais da AB deverão aceitar e colaborar com a intervenção da EMAT de Loures/Odivelas e restantes técnicos intervenientes cumprindo com as orientações que lhe venham a ser dadas nos termos e para efeitos do artigo 417º do CPC ex vi artigo 126º da LPCJP. ---
A execução da medida bem como os respetivos agregados familiares continuarão a ser acompanhados de forma intensiva pela Exma. Técnica da EMAT e restantes técnicos que continuarão a comunicar e a articular entre si devendo o relatório de acompanhamento da medida ser junto aos autos atempadamente com vista à sua próxima revisão, se antes não se justificar.---“ – fls. 914.
24 – No dia 20/02/2023, foi proferido o seguinte DESPACHO:
Tomei conhecimento do relatório de acompanhamento psicológico da AB pela Exma. psicóloga Dra. SM do IAC, onde se dá conta além dos mais que a progenitora tem prestado a sua colaboração e a menor tem comparecido de forma assídua e pontual às consultas que são agendadas. ---
Tomei conhecimento do email remetido aos autos em 6 de fevereiro de 2023 pela Dra. BS e da reunião realizada em 18 de janeiro de 2023 entre os técnicos intervenientes destinada à partilha de informação, articulação, definição e delineação de etapas no âmbito da intervenção à situação da AB e sua família, aguardando os autos pelo seu desenvolvimento com remessa de relatório. ---
Tomei conhecimento do email remetido aos autos em 1 de fevereiro de 2023 pelo Exmo. Psicólogo da progenitora e do expediente junto (tendo o mesmo expediente sido remetido ao gabinete de assessoria que por sua vez o juntou ao processo). ---
Efetivamente fazem parte do expediente junto variados estudos, peças processuais juntas no apenso C, emails de caracter privado trocados com a progenitora, fotografias que fazem parte dos inquéritos crime que correm termos no DIAP, ainda em investigação, cópias de autos de apreensão datados de julho de 2021, cópias das perícias que se encontram juntas aos autos no âmbito do apenso C sendo que em relação ao progenitor apenas junta um pequeno trecho da mesma. ---
Assim e no que tange ao mencionado expediente considero de nenhum efeito a documentação que acompanha o email por ser estranha ao objeto do processo e não ter sido solicitada, devendo ser desentranhada, devolvida ao seu apresentante e eliminada do sistema, reiterando-se, quanto à sua junção, a advertência feita em despacho anterior. ---
Efetivamente, resulta dos autos que desde o início da sua intervenção o Exmo. Psicólogo, mantém um discurso, com uma postura centrada na defesa dos interesses da progenitora, com juízos de valor, pouco rigorosa, alheada quanto aos desenvolvimentos e intervenção técnica que está a ser efetuada no processo relativamente à qual assume manter-se à margem, mas tecendo considerações e críticas ao trabalho que está a ser desenvolvido pelos restantes técnicos intervenientes. ---
Acresce que a postura assumida pelo Exmo. Psicólogo contrasta com a postura de colaboração que tem vindo a ser relatada aos autos, por parte da progenitora, nomeadamente da sua comparência junto do MDV e da colaboração evidenciada nas consultas de psicologia da AB.---
Por outro lado cumpre deixar aqui consignado que os convívios da AB com o progenitor, por iniciativa deste, proposta dos técnicos e determinação do tribunal encontram-se suspensos e assim permanecerão enquanto não se encontrem reunidas condições para que possam ser realizados, tendo sempre como principal escopo o bem-estar da AB e a salvaguarda do seu superior interesse.---
Notifique e comunique, nomeadamente a documentação que ainda não se mostra notificada às partes. ---“ – fls. 1131.
25 – Datada de 09/03/2023, foi junto aos autos, pela EMAT, novo relatório social de acompanhamento da execução da medida, constando da Conclusão Parecer técnico o seguinte:
Face ao exposto, e atendendo às diligências possíveis de realizar, mantém-se do entendimento desta equipa que a AB deverá continuar a usufruir do acompanhamento psicológico prestado no IAC, onde se encontra em construção uma relação terapêutica.
É ainda do nosso entendimento, em consonância com os técnicos envolvidos, que no atual momento, a intervenção deverá ser sistémica e centrada no trabalho junto de cada um dos progenitores, antes de reiniciar gradualmente os convívios paterno filiais.
Pese embora, não se tenha verificado a mesma minha de pensamento por parte do psicólogo da progenitora, face à postura demonstrada relativamente à possibilidade de uma relação de coparentalidade, somos da opinião, que o CAFAP MDV deverá intervir com os progenitores, nos moldes propostos pela Entidade.
Foi possível constatar que a progenitora cumpriu com a presença nas sessões do CAFAP e o progenitor manifesta disponibilidade para a intervenção.
Face ao exposto, somos a propor a continuidade da medida de promoção e proteção de apoio junto de pais, na pessoa da mãe, a título definitivo, com a inclusão da cláusula de obrigação de acompanhamento psicológico para cada um dos progenitores” – fls. 1134 a 1136.
26 – No dia 06/04/2023, foi proferido o seguinte DESPACHO:
Sem prejuízo de ulterior apreciação tendo em conta a factualidade, documentação e relatório social que antecede conclui-se, por enquanto, que a medida aplicada à AB, mantém a sua atualidade, proporcionalidade e adequação mantendo-se a mencionada medida de apoio junto dos pais na Pessoa da mãe JL, a título provisório, por mais seis meses, o que se determina nos termos do disposto nos artigos 35º, n.º 1 al. a) , 49º e 62º, n.º 3, al. c) da LPCJP (e muito recentemente o Acórdão referente ao Processo Nº8824/21.9T8LRS.L1-A do Tribunal da Relação de Lisboa 8ª Secção Cível de 22 de setembro de 2022, mantendo a suspensão dos convívios da AB com o pai e mantendo-se o apoio psicológico da criança e dos progenitores, devendo os Ex.mos técnicos continuar a articular e a comunicar entre si na defesa do seu superior interesse.---
Os pais da AB deverão aceitar e colaborar com a intervenção da EMAT de Loures/Odivelas e restantes técnicos intervenientes cumprindo com as orientações que lhe venham a ser dadas nos termos e para efeitos do artigo 417º do CPC ex vi artigo 126º da LPCJP. ---
A execução da medida bem como os respetivos agregados familiares continuarão a ser acompanhados de forma intensiva pela Exma. Técnica da EMAT, com a Exma. psicóloga do gabinete de assessoria e restantes técnicos que continuarão a comunicar e a articular entre si devendo o relatório de acompanhamento da medida ser junto aos autos atempadamente com vista à sua próxima revisão, se antes não se justificar.---
Insista junto do DIAP pelas informações solicitadas, solicitando relatório de acompanhamento psicológico da AB e relatório pericial ao IML da progenitora. ---
Notifique e comunique. ---“ – fls. 1151.
27 – Conforme relatório da perícia médico-legal – relatório psicológico -, datado de 17/04/2023, efectuado à progenitora JL, consta das respectivas Conclusões e Resposta a Quesitos o seguinte:
6.1) No decurso do processo pericial, JL, apresentou-se cordial e colaborante com a situação do exame, e na realização dos vários métodos e técnicas de recolha de informação, com comportamento adequado ao contexto.
Não se apurando alterações psicopatológicas em observação clínica.
Evidencia um humor predominantemente eutímico, ajustável e coerente com os factos relatos, com insight acerca das dificuldades e problemas, evidenciando emoções autoconscientes,
6.2) Ao longo do processo pericial, destaca-se a acentuada defensividade na forma como aborda a avaliação psicológica, apresentando uma postura de enviesamento designada por “faking good”, onde se verifica a negação da mais pequena falha ou dificuldade, sugerindo uma impressão acentuadamente favorável, promovendo uma imagem de ajustamento emocional e social, que associa a um maior valor pessoal, que reflete algum do seu comportamento habitual, mas que é significativamente acentuado, tendo em vista os ganhos associado ao enquadramento processual. O enviesamento tem impacto nos instrumentos e medidas de avaliação utilizadas, limitando a possibilidade de análise e interpretação integral, permitindo apenas uma análise intradividual, considerando a acentuada negação e desejabilidade social.
6.3) Quanto às suas características de personalidade emergentes, destaca-se alguma dificuldade na gestão de impulsos e emoções, que emergem de forma exagerada, como reação perante a mais pequena dificuldade ou problema, às quais reage, apresentando atitudes defensivas, exigentes, reduzindo o seu raio de ação, e intensificação de queixas físicas, e as preocupações com a saúde, considerando a postura de internalização, com adoção de uma vida cautelosa.
Manifestando pouca satisfação com a vida, pessimismo, preocupação, inibição, fadiga e alguma irritabilidade, inibindo, no entanto, os impulsos hostis perante os outros, que raramente vivencia.
As relações interpessoais são caracterizadas por uma postura de introversão, e hipersensibilidade à desconsideração e rejeição, moralismo e um discurso de alguma vitimização, mantendo relações pautadas pela confiança, até que emergem sentimento de traição, ou rejeição, assumindo a responsabilidade pelos seus atos e comportamentos, posicionando-se como uma pessoa íntegra e de confiança.
6.4) Considerando o posicionamento das suas características pessoais, e o seu funcionamento mental, verifica-se um temperamento moderado, sendo emocionalmente estável, capaz de resistir a tentações e impulsos, sugerindo a existência de algumas preocupações geradoras de ansiedade ou medo específico que inibe, e mantem em valores adaptativos.
Apresenta um acentuado grau de organização, e autodisciplina na persecução dos seus objetivos, verifica-se abertura e interesse por novas ideias e conhecimentos, com recetividade aos sentimentos e emoções, que considera de forma sensível e empática, mas prevalecendo um pensamento realista e prático.
Revela ainda, ser uma pessoa que estabelece relações interpessoais de proximidade, afetiva, e confiança, mantendo numa fase inicial, uma postura cautelosa, e séria.
Posicionando-se de forma frontal e sincera, sem recurso a estratégias sociais (elogio, ou chantagem), com necessidade de nutrir, alimentar, educar, cuidar, e estimular, inibindo a agressividade/hostilidade, sendo capaz de esquecer e perdoar, considerando a existência de humildade, com pouca preocupação consigo própria.
6.5) Quanto ao relacionamento existente na díade materno-filial, apura-se uma dinâmica mutuamente gratificante, verbalizando a progenitora “é muito próxima, vivemos juntas sozinhas há muitos anos” (sic.), identificando como maiores dificuldades “balancear as regras e amor, atenção, às vezes misturam-se um bocadinho, balancear é difícil” (sic.)
Apurando-se o recurso frequente a práticas educativas adequadas, nomeadamente, “dar conselhos”, “elogiar a criança quando se porta bem” e “explicar à criança o que fez mal”, e com menor frequência as formas educativas associadas ao estabelecimento regras e implementação de consequências, tais como, “mandar a criança para o quarto, sem fechar a porta” e “castigar a crianças retirando-lhe coisas de que gosto”.
Assume, ainda, de forma ocasional o recurso a práticas inadequadas, mas não abusivas, nomeadamente “dar sermões”.
6.6) Identifica-se consistência entre as práticas que considera adequadas, e as que refere utilizar na educação da AB, não se verificando a utilização de práticas educativas maltratantes ou abusivas, ou a existência de crenças legitimadoras e/ou aceitantes da punição física, como estratégia educativa.
6.7) Relativamente ao estabelecimento de relação enquanto cuidadora/prestador a de cuidados, não evidenciam limitações, no desempenho do seu papel como uma cuidadora responsável, com capacidade para assumir o compromisso com o cuidado ativo de outro. Ressalvando-se as competências a requererem intervenção, a Autoestima, e a Sociabilidade, face a existência de um autoconceito desfavorável, bem como alguma dificuldade inicial no estabelecimento de relações interpessoais, com pouca tendência para procurar estímulos sociais, que têm algumas implicações na implementação e comunicação assertiva de regras claras e definidas.
Face ao exposto, verifica-se acentuada motivação para a parentalidade, por parte da progenitora, bem como, alguma “exaustão” face à duração do processo, com insight acerca das suas dificuldades, que surgem de forma sintónica, evidenciando a internalização de conflitos, o que potencia alguma motivação para a mudança. Ressalvamos que não se identificavam estes indicadores, de potencial para a mudança, aquando da entrevista efetuada à progenitora, durante o processo pericial da menor AB, que decorreu a 29/04/2022, verificando-se, como tal, alguma evolução.
Considerando-se como tal, pertinente a continuação do processo de acompanhamento psicológico a decorrer, devendo este ser promotor da autoestima e do autoconceito da progenitora, com reflexo positivo na dinâmica materno-filial, e na capacidade de promover com a Beatriz uma relação securizante que facilite o processo de mudança da “imagem paterna”, e a aproximação relacional do progenitor” – fls. 1153 a 1160.
28 – Datado de 05/05/2023, foi junta aos autos Informação do Acompanhamento Psicológico da menor AB, elaborado pelo Instituto de Apoio à Criança, através da Psicóloga Clínica SM, constando como Dados da Observação Clínica o seguinte:
Ao longo da maioria das sessões de acompanhamento psicológico decorridas até à presente data, a AB continua a manifestar uma atitude pouco cooperante, muito desafiante e de grande tensão emocional, revelando grande resistência ao estabelecimento de uma relação terapêutica, que a própria atribui à falta de confiança perante “os psicólogos”. De facto, parece emergir na AB, uma barreira protetora, face a um contexto que sente como ameaçador, e que impossibilita a entrada no seu mundo interno, prevalecendo uma clara dificuldade em expressar as suas emoções.
Em contexto clínico, juntamente com este retraimento, denota uma atitude opositora e impulsiva que poderão remeter para uma baixa tolerância à frustração perante situações ansiogénicas.
Neste sentido, o seu discurso é pouco espontâneo e mais provocado, evitando abordar os conteúdos relacionados com a sua dinâmica familiar, nomeadamente relacionados com a figura paterna, tendo apenas verbalizado um episódio em que terá sido exposta a uma situação de violência do pai contra a mãe.
Face ao exposto, nesta fase este acompanhamento psicológico terá como principal objetivo reparar o sentimento de confiança e segurança face à intervenção psicológica, fundamental para este processo terapêutico. Somente deste modo, a AB estará recetiva a este suporte emocional, para reconhecimento dos seus estados afetivos, elaboração dos seus conflitos e diminuição das suas angústias.
Neste sentido e no superior interesse da menor, reitero a minha total disponibilidade para continuar a acompanhar a AB em consulta, no Serviço de Atendimento Psicológico do SOS-Criança, para que continue a beneficiar de um espaço terapêutico, neutro e imparcial, onde é encorajada a expressar os seus sentimentos e emoções, e desenvolva capacidades de mentalização, essenciais para um desenvolvimento emocional harmonioso” – fls. 1171 vº e 1172.
29 – Datada de 19/10/2023, foi junto aos autos, pela EMAT, novo relatório social de acompanhamento da execução da medida, constando da Conclusão Parecer técnico o seguinte:
Face ao exposto, e atendendo às diligências possíveis de serem realizadas, constata-se que a AB mantém-se devidamente integrada em contexto escolar e a progenitora assegura a presença da filha nas consultas de psicologia no IAC.
Pese embora, se constate uma evolução lenta, mantém-se do entendimento desta equipa, em consonância com o entendimento dos técnicos envolvidos, que a AB deverá manter o acompanhamento psicológico.
Verifica-se que o progenitor acolheu as orientações técnicas e aderiu ao acompanhamento psicológico. Procura manter-se presente na vida da filha, respeitando a sua vontade.
Ambos progenitores estiveram presentes nas respetivas sessões com o CAFAP MDV e considera-se pertinente manter a intervenção canalizada com cada um dos progenitores e a abordagem da coparentalidade antes de se iniciar os contatos/ convívios paterno-filiais.
Face ao exposto, somos a propor a continuidade da medida de promoção e proteção de apoio junto de pais, na pessoa da mãe, com carater definitivo” – fls. 1217 a 1220.
30 – No âmbito da audição prevista no art.º 85º, da LPCJP, veio a progenitora mãe, em 31/10/2023, apresentar pronúncia, concluindo no sentido de que:
i) seja proferido despacho de revisão da medida de promoção e proteção aplicada que determine a continuação de apoio junto dos pais, na pessoa da mãe, com carácter definitivo;
~ii) seja, se necessário para melhor perceção das dificuldades que a menor apresenta em estar em contacto com o pai, um parecer de quando a menor se sentir apta a retomar os convívios” – fls. 1221 a 1223.
31 – No âmbito da mesma audição, o progenitor pai apresentou pronúncia datada de 06/11/2023, a qual concluiu requerendo a marcação de “conferência para audição dos progenitores, com presença da equipa técnica, de forma a redefinir as medidas a aplicar, fazer cessar a suspensão dos convívios com o pai e antes calendarizar convívios com o pai, o que se requer” – fls. 1224 a 1226.
32 – O Digno Magistrado do Ministério Público, apresentou, em 21/11/2023, a seguinte promoção:
Ambos os progenitores extremam, em certa medida, as suas posições.
O pai aceita medida definitiva, mas com a condição de se iniciarem convívios imediatos com a filha.
 A mãe aceita a medida, mas considera que a filha não está preparada para convívios.
O inquérito de violência doméstica foi arquivado.
Subsistem sérias dúvidas se a criança não vê o pai pelos olhos da mãe e, num conflito de lealdade para com a mãe, continua a não querer conviver com o pai.
Os traumas da mãe ou a perspectiva da frustração da sua relação conjugal com o progenitor e a, eventual, desadequação do pai da criança na gestão do conflito conjugal, não revestem gravidade suficiente para privar esta criança da tentativa de vir a restabelecer uma relação com o progenitor. De outro modo, o inquérito não teria sido arquivado.
Com efeito, quer o pai quer a mãe da criança, aceitaram o acompanhamento psicológico, sendo este um factor positivo para o objecto dos autos que é sempre a defesa do superior interesse da AB.
Todavia, não se pode avançar já para convívios supervisionados da criança com o progenitor, mas também não se deve prolongar ad eterno esta situação, não tendo fundamento os receios da mãe da menor, já que a criança não privará com o progenitor sem supervisão de terceiros.
Face ao exposto, considera o MP que estão reunidas as condições para a aplicação de uma medida definitiva, de apoio junto da mãe, com convívios supervisionados ao progenitor, devendo os progenitores procurar demonstrar que estão efectivamente na disposição de caminhar no sentido certo que é reaproximar esta criança do progenitor, ainda que, com todas as cautelas.
Também se concorda que o progenitor deixe de surgir na escola de surpresa para que não exista desculpa para que a menor se sinta amedrontada, competindo aos técnicos preparar a menor para esses convívios e também para mitigarem os conflitos de lealdade que a menor tem para com a mãe.
Efectivamente, este é o caminho certo e avançar para um debate instrutório para se atrasar apenas esse caminho não é seguramente a defesa do superior interesse desta criança, mas uma estratégia de evitar os convívios.
A mãe não perderá a filha se a mesma vier a conviver com o progenitor, podendo perdê-la se, no futuro, a mesma vier a considerar que, sem fundamento, foi privada de ter um pai.
E o pai terá a obrigação de demonstrar que aceita as indicações dos técnicos e que a sua relação conjugal com a mãe da criança não terá qualquer tipo de reflexo na sua relação da criança e transmitir à sua filha segurança.
Assim, p. o MP que tenha lugar conferência com vista à obtenção de acordo, reiterando-se que tudo o que alega a mãe para protelar os convívios não tem assento em prova nos autos, pelo menos no sentido de que não devam ter lugar os convívios do pai com a filha.
Inclusivamente em termos escolares, a criança demonstra adequação e equilíbrio, conseguindo cumprir as suas tarefas e, com convívios ou sem convívios, a verdade é que mesma tem noção do conflito.
Aliás, a criança tem noção de que está a ser preparada para conviver com o pai, mas nunca mais se iniciam tais convívios, protelando ainda mais o seu sofrimento.
O tribunal tudo tem feito para dar início aos convívios desta criança, sendo compreensivo com os tempos da criança, alavancando todo o tipo de apoio técnico, mas o “boicote” à actividade do tribunal também pode ter consequências, estando sempre em cima da mesa a possibilidade de ser aplicada outra medida que não passe pela de apoio junto dos progenitores” – fls. 1229.
33 – No dia 24/11/2023, foi proferido o seguinte DESPACHO:
Sem prejuízo de ulterior apreciação tendo em conta a factualidade, documentação e relatório social que antecede conclui-se, por enquanto, que a medida aplicada à AB, mantém a sua atualidade, proporcionalidade e adequação mantendo-se a mencionada medida de apoio junto dos pais na Pessoa da mãe JL, a título provisório, por mais seis meses, o que se determina nos termos do disposto nos artigos 35º, n.º 1 al. a) , 49º e 62º, n.º 3, al. c) da LPCJP (e muito recentemente o Acórdão referente ao Processo Nº8824/21.9T8LRS.L1-A do Tribunal da Relação de Lisboa 8ª Secção Cível de 22 de setembro de 2022) mantendo a suspensão dos convívios da AB com o pai e mantendo-se o apoio psicológico da criança e dos progenitores, devendo os Ex.mos técnicos continuar a articular e a comunicar entre si na defesa do seu superior interesse.---
Os pais da AB deverão aceitar e colaborar com a intervenção da EMAT de Loures/Odivelas e restantes técnicos intervenientes cumprindo com as orientações que lhe venham a ser dadas nos termos e para efeitos do artigo 417º do CPC ex vi artigo 126º da LPCJP. ---
A execução da medida bem como os respetivos agregados familiares continuarão a ser acompanhados de forma intensiva pela Exma. Técnica da EMAT, com a Exma. psicóloga do gabinete de assessoria e restantes técnicos que continuarão a comunicar e a articular entre si devendo o relatório de acompanhamento da medida ser junto aos autos atempadamente com vista à sua próxima revisão, se antes não se justificar.---
Notifique e comunique. ---
D.N., remetendo cópia da Douta Promoção que antecede aos progenitores para que digam da disponibilidade e pertinência em ser designada data para a realização de uma diligência e aos Ex.mos técnicos intervenientes para que se pronunciem quanto ao teor da mesma no que diz respeito aos convívios da AB com o pai ---“ – fls. 1230.
34 – Inconformado com tal decisão, veio o Progenitor LS interpôr recurso de apelação, em 15/12/2023, por referência ao despacho prolatado.
Apresentou, em conformidade, o Recorrente as seguintes CONCLUSÕES (procede-se à correcção dos lapsos de redacção):
A) “O Tribunal a quo proferiu uma douta sentença, que mantém a medida de apoio junto dos pais na Pessoa da mãe, JL, a título provisório, por mais seis meses, mantendo a suspensão de convívios da AB com o pai e mantendo-se o apoio psicológico da criança e dos progenitores ….
B) O decidido amparou-se em factualidade, que não descreve, nem sequer elenca;
C) Documentação que não identifica;
D) Relatório Social que não escrutina.
E) Sustentando tal decisão em três palavras: atualidade, proporcionalidade e adequação, sem mais fundamentar, o que é manifestamente insuficiente.
F) Mantém a suspensão dos convívios com o pai, progenitor com quem a criança não convive há mais de 5 anos.
G) Olvida que já se encontra arquivado o processo-crime que estava em fase de inquérito contra o Progenitor, bem como olvida a existência de processo-crime de subtração de menor contra a Progenitora e ainda de processo incumprimento e de alteração de exercício das responsabilidades parentais, do qui Recorrente contra a Recorrida, desde 6 de dezembro de 2018, no sentido de alargar os convívios da criança com o pai.
H) Olvida a sentença a avaliação do real e atual estado da criança, bem como o que é que terá levado a criança a ficar como está, qual a participação e colaboração da Progenitora no estado da criança e na hipotética rejeição ao pai.
I) A AB tem estado a receber o acompanhamento psicológico sugerido, aquando da aplicação da medida de promoção, e os Progenitores também, sendo que há relatórios que estando confidenciais, desconhecendo-se a razão da confidencialidade, o que por si não permite exercer o contraditório e/ou pedir esclarecimentos, ou mesmo considerar errado a existência de perigo merecedor de tutela, em sede de promoção e proteção.
J) Com efeito, não tendo as medidas de proteção por finalidade «acções desenvolvidas no domínio da chamada «prevenção secundária», destinada a eliminar ou reduzir factores de risco, através da actuação directa ao nível da criança, dos pais e do seu meio envolvente», conclui-se que a douta sentença violou os princípios consignados nas sobreditas alíneas do artigo 4.º da LPCJP, sendo, por isso, merecedora de censura e devendo ser revogada .
K) Acresce que, o Tribunal não identificou qual o perigo atual a que esta criança está exposta, sendo que vive com a mãe, não sendo plausível que a situação atual da AB seja por si só suficiente e bastante para desencadear a abertura de um processo de promoção e proteção e/ou mantê-lo.
L) A audição da criança no âmbito de um processo que lhe diz respeito é essencial na determinação do seu interesse superior.
M) Assumindo relevância tal que ignorar a sua vontade equivale a suprimir o seu direito de ser ouvida em decisão que irá impactar a sua vida, com consequente ofensa dos princípios do interesse superior da criança e da audição obrigatória e participação da criança previstos nas alíneas a) e j) do artigo 4.º da LPCJP.
N) Tribunal a quo decidiu manter a suspensão dos convívios da AB com o pai, sem motivar as razões de facto e de direito.
O) O Tribunal a quo extravasa as finalidades do processo de promoção e proteção, porque “nem todos os riscos para o desenvolvimento da criança são legitimadores da intervenção do Estado e da sociedade na sua vida e autonomia e na sua família.”, cingindo-se a tutela legal às situações de risco, em sentido estrito, que ponham em perigo a segurança, a saúde, a formação, a educação ou o desenvolvimento da criança ou do jovem.
P) Com a existência deste processo está suspenso um processo de incumprimento que o Recorrente intentou contra a Recorrida em dezembro de 2018, por incumprimento de convívios e no qual requer alargamento de convívios com a filha.
Q) O presente processo promove e facilita o afastamento do pai da vida da filha e promoveu uma verdadeira alteração ao exercício das responsabilidades parentais, ceifando o progenitor da vida desta criança.
R) Não se descortinando a fundamentação de facto e de direito em que se alicerça a sentença para ter mantido o processo de promoção e proteção, na medida em que foi proferido à revelia da vontade da criança e sem que se verifique, ou sequer a tal se tenha feito menção, qualquer situação de perigo em sentido estrito, está o mesmo inquinado da nulidade prevista no artigo 615.º, n.º 1, alínea b), do CPC.
S) Importa indicar onde é que está o perigo e se o perigo deixou de subsistir, a douta sentença terá de o assumir e antes arquivar os presentes autos.
T) A AB não tem nomeado patrono, o que é obrigatório nos termos do artigo 103.º da LPCJP.
U) Ainda para mais quando, como no caso, se encontra pendente junto do Tribunal a quo, sob o Apenso A, providência tutelar cível de incumprimento e alteração das responsabilidades parentais apenas suspensa, por força da pendência dos presentes autos do promoção e proteção.
V) A Progenitora está a ser favorecida pela existência deste processo de promoção, que por si tem afastado o Recorrente da filha e legitimado os incumprimentos dos convívios da criança com o pai.
W) Ante a falta de acordo dos progenitores e a inexistência de situação de perigo, o Tribunal a quo deveria ter determinado cessada a medida aplicada e arquivado o processo de promoção e proteção, o que não tendo ocorrido impõe a revogação da sentença.
X) Normas jurídicas violadas: artigo 12.º da Convenção sobre os Direitos da Criança; artigos 3.º e 6.º da Convenção Europeia sobre o exercício dos Direitos da Criança; artigo 5.º, n.ºs 1 e 2 e 35.º, n.º 3 do RGPTC; artigos 3.º, 4.º, alíneas a), d), e) e j), 35.º, 84.º, 103.º e 121.º da LPCJP; artigos 13.º e 18.º da CRP; artigos 154.º e 615.º, n.º 1, al. b) e d) do CPC.”.
Conclui, no sentido de ser dado “provimento ao presente recurso e, em consequência, revogar-se a douta sentença recorrida, substituindo-a por outra que decrete a cessação da medida de suspensão de convívios com o pai e, subsidiariamente, na hipótese de assim não se entender, declare a nulidade da mesma sentença e do processado subsequente, com os fundamentos supramencionados (…)” – fls. 1235 a 1245.
35 – O Ministério Público apresentou resposta às alegações apresentadas (contra-alegações), consignando as seguintes CONCLUSÕES:
I- A medida provisória de apoio junto da mãe mantém a sua actualidade e é adequada a afastar o perigo em que a AB se encontra, não se tendo registado alterações na situação da mesma, não tendo o recorrente vindo colocar em causa de despachos anteriores que foram proferidos nos mesmos termos;
II- Resulta, à saciedade dos autos, que a AB ainda não está preparada para reiniciar os convívios com o progenitor, disso dando conta os múltiplos técnicos que têm intervenção nos autos.
III- Daí a razão dos convívios continuarem suspensos pelo tribunal, aguardando-se a informação dos técnicos no sentido de que estão reunidas todas as condições para se reiniciarem os convívios da menor com o pai.
IV- Com efeito, o pai, tal como a criança, está a beneficiar de apoio psicológico, e a mãe a título particular, estando a medida a ser acompanhada de forma intensiva pela gestora do processo da EMAT, com intervenção da psicóloga do Gabinete de Assessoria ao tribunal, pelo IAC, pela LIGA DE AMIGOS DO HOSPITAL GARCIA DE ORTA, pelo MOVIMENTO DE DEFESA DA VIDA, MDV, havendo reuniões de articulação de todas estas entidades.
V- Resulta, pois, que o tribunal tudo tem procurado fazer para que se reatem os convívios que já tiveram lugar, mas que tiveram que ser suspensos devido à reacção negativa da criança que o próprio pai, nessa altura, percebeu e aceitou.
VI- O trabalho na valência de Psicologia de que estão a beneficiar o progenitor e a criança, ainda, não teve tempo de dar frutos para que se colmate o risco de nova rejeição desses convívios.
VII- O tribunal não se pronunciou no despacho recorrido sobre as questões da audição da criança, bem como da necessidade ou não de lhe ser nomeado um defensor oficioso.
VIII- Decorre do disposto no Art.º 195º do CPC, no que diz respeito à omissão da audição da criança e da nomeação de defensor oficioso, que teria que ser arguida, ab initio, a nulidade decorrente dessa omissão, não sendo atendível recurso quanto o tribunal nem se pronunciou sobre tais questões.
IX- A audição da criança é um direito da mesma, mas não se justifica no caso em apreço, quando a criança vem transmitindo a sua pretensão junto do psicólogo que a acompanha e existe articulação entre todas os técnicos que têm intervindo nos autos e todos concordam que não devem já ser retomados os convívios, ainda que supervisionados.
X- O tribunal, no que aos presentes autos interessa, tem perfeito conhecimento da posição da AB quanto ao querer ou não os convívios com o progenitor.
XI- Não estamos na fase de produção de prova em que ouvir a criança permitirá perceber, em conjugação com outros elementos de prova, ou não, a raiz do problema.
XII- O facto da própria criança ter ou não uma visão distorcida da realidade, não implica que seja a mesma obrigada a conviver com o progenitor, tendo que ser respeitada a sua perspectiva e trabalhada para ultrapasse a rejeição aos convívios.
XIII- O processo está pendente há muito e também o MP desejava que a situação fosse ultrapassada, mas, reitera-se, os técnicos envolvidos não são favoráveis a que os convívios sejam para já retomados, não existindo nos autos elementos de prova que contradigam a posição desses técnicos”.
Conclui, no sentido da improcedência do recurso, com consequente manutenção da decisão recorrida – fls. 1249 a 1253.
36 – Nas contra-alegações apresentadas, a progenitora JL referencia acompanhar, na íntegra, o aduzido pelo Ministério Público na resposta ao recurso, pelo que conclui no sentido da improcedência deste – fls. 1267.
37 - O recurso foi admitido por despacho de 11/01/2024, como apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.
38 – Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar, valorar, ajuizar e decidir.

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II ÂMBITO DO RECURSO DE APELAÇÃO
Prescrevem os nºs. 1 e 2, do art.º 639º do Cód. de Processo Civil [2], estatuindo acerca do ónus de alegar e formular conclusões, que:
1 – o recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão.
2 – Versando o recurso sobre matéria de direito, as conclusões devem indicar:
a) As normas jurídicas violadas;
b) O sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas;
c) Invocando-se erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, devia ter sido aplicada”.
Por sua vez, na esteira do prescrito no n.º 4 do art.º 635º do mesmo diploma, o qual dispõe que “nas conclusões da alegação, pode o recorrente restringir, expressa ou tacitamente, o objecto inicial do recurso”, é pelas conclusões da alegação do Recorrente Apelante que se define o objecto e se delimita o âmbito do recurso, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.
Pelo que, na ponderação do objecto do recurso interposto pelo Recorrente progenitor, delimitado pelo teor das conclusões expostas, a apreciação a efectuar na presente sede consubstancia-se em aferir acerca do seguinte:

A) DA VIOLAÇÃO da NECESSÁRIA AUDIÇÃO da CRIANÇA, nos termos dos artigos 84º, da LPCJP (Lei da Protecção de Crianças e Jovens em Perigo) e 4º e 5º, ambos do RGPTC (Regime Geral do Processo Tutelar Cível) – Conclusões L) e M) e Conclusões Contra-alegacionais VIII a XI;
B) DA OBRIGATORIEDADE de NOMEAÇÃO de PATRONO à CRIANÇA, nos termos do art.º 103º, da LPCJP – Conclusões T) e U) e Conclusões Contra-alegacionais VII e VIII;
C) NULIDADE DA DECISÃO POR FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO (não especificação dos fundamentos de facto e de direito), nomeadamente no que concerne à continuada suspensão dos convívios do pai: o art.º 615º, nº. 1, alín. b), do Cód. de Processo Civil – Conclusões B) a E), N) e R);
D) DA NULIDADE da DECISÃO POR EXCESSO de PRONÚNCIA, decorrente do extravasar das finalidades do processo de promoção e protecção: o art.º 615º, nº. 1, alín. d), do CPC, ex vi do art.º 126º, da LPCJP – Conclusões O) e P);
E) DA (IN)ADEQUAÇÃO E (IM)PERTINÊNCIA DO DECIDIDO
=> Da violação dos princípios da intervenção mínima e da proporcionalidade e actualidade, enunciados nas alíneas d) e e), do art.º 4º, da LPCJP – Conclusão J);
=> Da inexistência de justificação para a manutenção da medida de promoção e protecção e da sua necessária cessação e arquivamento do processoConclusões F) a i), K), Q), S), V) e W) e Conclusões Contra-alegacionais I a VI, XII e XIII.

Para além do conhecimento das questões enunciadas, quer de natureza ou índole processual, quer de natureza substantiva, a apreciação a efectuar impõe, necessariamente, o conhecimento do quadro legal do processo judicial de promoção e protecção.


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III - FUNDAMENTAÇÃO

A –
FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A factualidade a ponderar é a que decorre do iter processual supra exposto.

Nos termos dos nºs. 3 e 4, do art.º 607º, bem como na ponderação do disposto no art.º 611º, no que concerne à atendibilidade dos factos jurídicos supervenientes, ambos ex vi do nº. 2, do art.º 663º, todos do Cód. de Processo Civil (sem olvidar o consignado no nº. 2, do art.º 986º, do mesmo diploma, aplicável aos processos de jurisdição voluntária), tendo por base a prova documental e pericial junta aos autos, consideram-se ainda provados os seguintes factos:
I)  Conforme assento de nascimento nº. …, do ano de 2014, datado de 20/01/2014, emitido pela Conservatória do Registo Civil de Lisboa, no dia 19 de Janeiro de 2014, na freguesia de Alvalade, concelho de Lisboa, nasceu AB, filha de LS e de JL;
II)  Consta como Averbamento nº. 1, de 23/11/2018, a tal assento de nascimento, ter sido “homologado acordo do exercício das responsabilidades parentais, nos termos da sentença de 09 de outubro de 2018, proferida pelo Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Norte - Juízo de Família e Menores de Loures – Juiz 1, ficando a registada a residir com a mãe, sendo as responsabilidades parentais quanto às questões de particular importância para a sua vida, exercidas por ambos os pais, e as inerentes aos atos da vida corrente, são exercidas pelo progenitor com quem a menor se encontrar nesse momento”;
III) Consta do teor do Acordo de Regulação das Responsabilidades Parentais da mesma menor, objecto de homologação, no que concerne ao regime de visitas ao progenitor pai, o seguinte:
11- Durante um período de um mês a contar da data da presente conferência o pai estará três vezes por semana, segunda-feira, quarta-feira e sexta-feira sem supervisão indo buscar à casa dos avós maternos por voltas das 16:30 e entregá-la-á por volta das 20:30 na casa dos avós maternos, ---
12 - Decorrido o período de um mês em 9-11-2018, a criança pernoitará com o progenitor uma vez por semana de sexta-feira para sábado, indo buscá-la a casa dos avós maternos por volta das 16:30 e entregando-a na casa dos avós matemos no dia seguinte por volta das 17:00 horas. —
13 - Em 9-12-2018 decorrido um mês por referência à data consignada no ponto 12 a criança passará fins de semana alternados indo o pai buscá-la à sexta-feira por volta das 16:30·na casa dos avós maternos e entregá-la-á no domingo por volta das 20:30 na casa dos avós maternos. ---
14 - Durante a semana que antecede o fim de semana em que a menor não estará com o pai a AB passará a quarta-feira, com o pai indo busca-la à casa dos avós maternos por volta das 16:30 e entregá-la-á por volta das 20:30 na casa dos avós maternos. ---
15- O período de terias será passado alternadamente e em igual período de tempo com cada um dos progenitores, devendo os mesmos combinar e informar entre si o período pessoal de férias até ao final de Março de cada ano civil. ---
16- Com início em 9-12-2018 a criança passará as épocas festivas (Natal, Fim de Ano e Páscoa), alternadamente com cada um dos progenitores, e a combinar entre ambos.
17- No Natal de 2018 a criança passará o dia 24 de Dezembro com a mãe e o dia 25 de Dezembro com o pai indo o mesmo busca-la a casa dos avós maternos por volta das 11:00 da manhã e entregá-la-á no mesmo local por volta das 20:30 horas.
18- No dia do pai e aniversário deste, a menor passará o dia na companhia do progenitor. ----
(….)
20- No aniversário da menor, esta tomará uma refeição com cada um dos progenitores, em anos alternados e a combinarem entre si. ----“ ;
IV) No âmbito do PCTS n.º 1294/18.0T9LRS, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Norte – Juízo Local Criminal de Loures – Juiz 4, foi proferida sentença, datada de 09/12/2020, que absolveu o ali arguido LS da prática de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo art.º 152º, nº. 1, alíneas b) e c), e 2 do Código Penal, pelo qual vinha acusado e pronunciado;
V) Interposto recurso de tal sentença para o Tribunal da Relação de Lisboa, por parte da assistente JL, por Acórdão datado de 24/06/2021, foi julgado improcedente, confirmando-se a sentença recorrida;
VI) No âmbito do Inquérito nº. …/…, do Departamento de Investigação e Ação Penal – 2ª Secção de Loures, Procuradoria da República da Comarca de Lisboa Norte, em que figurou como arguido LS e assistente JL, foi proferido, em 31/07/2023, despacho de arquivamento, relativamente ao crime de violência doméstica que lhe era imputado;
VII) Constando do mesmo despacho resultar “de forma clara e inequívoca das incontáveis exposições efectuadas por JL, junto de inúmeras entidades que a mesma encetou uma demanda em que decidiu que a sua filha não iria ter contactos com o seu progenitor”;
VIII) Tendo, ainda, o mesmo despacho determinado o arquivamento dos autos relativamente ao crime de violência doméstica, crime de denúncia caluniosa e crime de perseguição por parte de JL;  
IX) Relativamente a Reunião realizada em 14/12/2023, foi junta aos autos Notas da Reunião da assessoria em psicologia – Gabinete de Apoio aos Magistrados Judiciais, Tribunal da Comarca de Lisboa Norte -, na qual participaram o Instituto de Apoio à Criança, IAC (Psicóloga Dra. SM), Instituto da Segurança Social, I.P. ISS, I.P. (Gestora do Processo Dra. CF), Liga de Amigos do Hospital Garcia da Horta (Psicóloga Dra. PS), Movimento de Defesa da Vida, MDV (Diretora Executiva Dra. CD), Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Norte, Gabinete de Apoio aos Magistrados Judiciais, GAMJ (Assessora na Área de Psicologia, Dra. BM Sacur), tendo por assunto a “análise conjunta da evolução da intervenção junto da criança e da família no processo de promoção e proteção nº. 8079/18.2T8LRS-B”;
X) Constam de tais Notas que “a Dr.ª CD, da MDV, concluiu com a anuência das restantes participantes:
Neste momento, é necessário esgotar todas as possibilidades de intervenção, para concluir sobre o potencial de mudança desta família. Considera-se que é contraproducente manter a situação como está. Neste sentido, a Dr.ª CD irá propor aos pais a realização de sessões conjuntas. Esta proposta está enquadrada pelo ofício remetido pelo tribunal que atesta o arquivamento do processo-crime contra o pai. Caso se verifique a inexistência de potencial de mudança por parte da JL, terá de ser a Justiça a tomar uma decisão, sendo que se vislumbra a possibilidade da criança não voltar a conviver com o pai ou a possibilidade de acolher a criança num contexto alternativa ao que se encontra atualmente.

Discussão sobre as próximas etapas na intervenção com a criança e a sua família

- A Dr.ª CD ficou de contactar os pais da AB para agendar uma sessão conjunta- Foi agendada a próxima reunião online para fazer novo ponto de situação sobre a intervenção, para o dia 11 de janeiro de 2024 pelas 14:30 horas”;
XI) Datada de 28/12/2023, foi junta aos autos informação actualizada por parte do Movimento de Defesa da Vida, MDV, através da Directora Executiva Dra. CD, da qual consta que:
(…) sem nenhuma acção que permita a progenitora adotar outra postura, no caminho da construção de uma coparentalidade, não haverá condições de serem restabelecidos contactos da AB com o progenitor. Para isso, para além de um acompanhamento psicoterapêutico da progenitora que lhe permita fortalecer-se, com consequente impacto na relação materno-filial que facilite à AB aproximar-se do progenitor (tal como já sugerido na conclusão da última perícia realizada à progenitora) seria importante um trabalho conjunto de gestão de conflitos entre os dois progenitores que passe para além das sessões individuais, por sessões conjuntas, aproximando-se daquilo que poderia ser uma mediação, assente no modelo narrativo, que permitisse «auxiliar as partes conflituantes a separarem-se da história do conflito e a cultivarem uma história de cooperação, baseada momentaneamente, e às vezes aparentemente, em incidentes isolados de respeito, colaboração e apoio (Winslade & Monk, 2016)».
Abordamos esta questão com o progenitor e ele mostrou disponibilidade, a progenitora mão «vislumbra» forme de isso poder acontecer, sentindo que só o fato de se sugerir isso demonstra «a falta de compreensão sobre o sofrimento da pessoa e o que têm sido os últimos anos»”;  
XII) Em 04/01/2024, a Magistrada do Ministério Público exarou nos autos a seguinte promoção:
Tal como sustentou nas suas contra-alegações de recurso, não se nos afigura adequado que as visitas supervisionadas do pai à filha ocorram no meio escolar, face à relutância que a criança, com ou sem razão, manifesta relativamente aos convívios com o progenitor e sem embargo de se encontrarem alternativas para se retomarem os convívios.
A escola deve permanecer como um local neutro, em que a criança ali está para adquirir conhecimentos e conviver com os seus pares, devendo estar disponível para os objectivos escolares.
A sujeição desta criança ao conflito parental na escola constituirá mais uma fonte de sofrimento para a AB.
Todavia, face ao resultado dos processos de inquérito, não sendo recolhida prova suficiente dos factos que a mãe imputa ao progenitor, resultando esse não pode de todo ser ignorado, ao contrário do sustentado no seu requerimento junto a 30.12.2023, e face a todos os obstáculos que a mãe da criança coloca aos convívios, afigura-se-nos que é manifesto que não existirá da parte da mãe colaboração na realização de qualquer tipo de abordagem para ser ultrapassada a questão.
Tal como resulta dos elementos constantes dos autos, o pai demonstra não desistir da filha e não existem nos autos elementos que apontem no sentido de o pai não dever ter contactos com a filha.
Nenhum técnico considerou essa possibilidade de forma objectiva e imparcial. Conforme é evidente, mesmo para quem não tem formação em Psicologia, as crianças vêem o mundo pelos olhos dos adultos de referência.
A AB apenas consegue ver o mundo pelos olhos da sua mãe, com quem reside a tempo inteiro.
A AB não tem capacidade para fazer uma avaliação crítica da conduta da sua mãe ou do seu pai, seja essa avaliação negativa ou positiva.
Resulta à saciedade dos autos que, se depender da mãe da criança, esta nunca terá contactos com o progenitor.
Se as coisas continuarem nestes termos, a AB será completamente dependente da sua mãe, não será dotada de quaisquer ferramentas que a façam querer partilhar a sua vida com outras pessoas, já que a forma como está a ser educada pela mãe terá forçosamente reflexo não só na sua relação com o progenitor.
Afigura-se-nos que os convívios da criança com o pai não podem estar eternamente dependentes da colaboração da mãe da menor.
Assim, p. o MP que, partindo desse pressuposto, sejam auscultados os técnicos que têm intervenção no acompanhamento da situação, com a mediação da Sra. psicóloga do Gabinete de apoio ao Tribunal, sobre qual a melhor solução para que se iniciem os convívios da criança com o pai e em que termos e evolução.
Mais p. o MP que a mãe da AB seja notificada para colaborar com o tribunal, sob pena de ser aplicada à menor medida de promoção e protecção diversa da que está em curso, já que o tribunal tem respeitado a relação da criança com a mãe, mas a mãe tem desconsiderado a benevolência a paciência do tribunal.
Com efeito, considera o MP que a relação entre mãe e filha não seja positiva já que uma criança que vive alguém que não consegue ultrapassar os seus próprios medos exerce sobre a criança uma visão distorcida da realidade e compromete o seu bem-estar e desenvolvimento saudável.
P. ainda o MP que seja avaliada a família alargada da criança para que possa estabelecer a ponte entre o pai e a criança, caso se verifique essa necessidade, ou até vir a ser confiada a familiar que permita um desenvolvimento mais harmonioso da AB”;
XIII) Após, em 09/01/2024, foi proferido o seguinte DESPACHO:
“Tomei conhecimento do expediente e documentação junta aos autos devendo ser notificado o seu teor, sendo de realçar o empenho e excelente trabalho que tem vindo a ser desenvolvido pelos técnicos intervenientes neste processo. ---
Resulta dos autos que as diversas queixas crime formuladas, ao longo do tempo, pela progenitora contra o progenitor se mostram arquivadas por despacho proferido em 31 de julho de 2023, transitado em julgado, no âmbito do inquérito crime P. nº …/… e conforme informação veiculada pelo DIAP. ---
Assim não vislumbramos razões ou motivos para o comportamento adotado pela progenitora de medo e receio intitulando-se vítima de violência doméstica quando o progenitor foi não só absolvido do referido crime por sentença proferida no processo nº …/… confirmada pelo tribunal da Relação de Lisboa, como foi arquivado, no DIAP, o processo resultante das inúmeras queixas que a mesma formulou contra o mesmo. ---
Acresce que o arquivamento do inquérito teve como consequência a cessação do estatuto de vítima e bem assim a cessação da avaliação de risco com comunicação à PSP da cessação da aplicação da medida de teleassistência, tendo a progenitora sido notificada para entregar o aparelho de teleassistência numa esquadra próxima da sua área de residência. ---
Razão porque não conseguirmos encontrar motivo atendível para o incumprimento das determinações e orientações técnicas por parte da progenitora que não seja a vontade deliberada de afastar a criança dos convívios com o progenitor. E cumprindo tal propósito mais não fez ao longo do tempo do que desdobrar-se formulando queixas e apelos a várias entidades e organismos apresentando reclamações e pondo em causa o trabalho dos profissionais envolvidos, sendo prova disso o último requerimento que juntou aos autos. ---
Resulta de forma clara e inequívoca, baseados na factualidade e documentação junta ao processo, que a separação do casal teve consequência direta o afastamento deliberado por parte da progenitora da filha menor dos convívios com o pai, centrando-se mais na intervenção técnica de que ela própria poderia beneficiar olvidando o bem-estar e estabilidade emocional da AB e incutindo à criança os seus próprios medos e receios. ---
Efetivamente a progenitora apesar das várias advertências que lhe têm sido feitas teima em centrar-se em si própria e na sua condição esquecendo-se de que este processo existe para debelar o risco/perigo da filha menor e defender o seu superior interesse. Aliás prova do que se acaba de dizer é o requerimento que a mesma atravessou aos autos no passado dia 30 de dezembro de 2023 e na sequência do contacto que teve dias antes com a técnica do MDV.---
Nesse requerimento a progenitora além de reclamar da proposta feita pelo MDV, que consistiria na realização de sessões conjuntas para ultrapassar o conflito com vista ao exercício da coparentalidade, teceu críticas despropositadas à técnica interveniente centrando-se na sua condição de vitima de violência doméstica, desprezando todos os desenvolvimentos processuais, as decisões e despachos que têm sido proferidos nomeadamente nos processos crime que supra referimos. ---
Conclui-se assim, que além da progenitora não poder ser considerada uma vítima de violência doméstica em relação ao progenitor, continua a mostrar-se indisponível, ao contrário do progenitor, para aceitar a intervenção técnica que lhe tem sido proposta parecendo dar 1 passo em frente mas com retrocesso na prática dificultando todo o trabalho que está a ser feito em prol do bem estar da filha, que se apresenta de semblante triste como dá nota a Exma. psicóloga que a acompanha.---
Não temos dúvidas de que este medo e receio que constantemente alega sentir em relação ao progenitor se transmite à AB pelas razões que o MDV tão bem explica na informação que junta aos autos e que antecede. ---
Aliás o acompanhamento que a mesma pretende e procura por si mesma recusando o que lhe é sugerido pelos técnicos intervenientes pretendendo que o processo siga um rumo diferente daquele a que está destinado e que é debelar e ultrapassar a situação de risco em que a AB se encontra, demonstra além do mais que se encontra centralizada em si própria sem qualquer abertura para deixar entrar o progenitor na vida da filha e com prejuízos manifestos para a vida da criança. ---
Face ao exposto determino o seguinte: ---
Requerimento apresentado pela progenitora em 30 de dezembro de 2023 com a refª Citius 14641066:
Por despachos constantes dos autos a progenitora já havia sido advertida de que seria condenada em custas por apresentar requerimentos desrespeitando, dessa forma, o que havia sido determinado. ---
Pese embora a advertência efetuada a verdade é que a progenitora continua a juntar requerimentos e documentação ao processo que extravasa do seu objeto, não tem relevância para a boa decisão da causa, para além de ser a sua junção, na presente fase, processual e legalmente inadmissível. ---
Efetivamente na presente fase processual a progenitora só tem que aceitar ou não a intervenção, transmitindo a sua posição à Exma. técnica informação que esta reportará aos autos, não devendo segundo sua própria resolução dirigir-se aos autos nos termos em que o fez, muito menos para tecer considerações acerca do trabalho e intervenção da profissional do MDV .---
Assim desentranhe e devolva à apresentante o mencionado requerimento condenando-se a progenitora na soma de 2 U.C`s., artigo 7º, nºs 4 e 8 do RCP e tabela II anexa pelo incidente a que novamente deu caso. ---
- Com vista à reaproximação do progenitor à criança solicite aos Ex.mos técnicos inclusivamente à Exma. psicóloga Dra. SM para na reunião que irá ter lugar no dia 11 de janeiro de 2024 abordarem e ponderarem a possibilidade de a AB iniciar convívios com o progenitor por intermediação dos avós paternos que sempre se mostraram disponíveis para não só conviverem com a neta como para ajudar no que fosse necessário tendo em conta o bem estar da neta.---
- Em caso de desconsideração de tal hipótese possa ser estudada a hipótese de se iniciarem convívios entre a AB os avós paternos e família alargada. ---
- Considerem ainda, em articulação com o Estabelecimento de Ensino, a possibilidade de se iniciarem breves encontros entre o progenitor e a AB no espaço escolar uma vez que resulta dos autos ter a professora da criança uma influência positiva nos comportamentos e reações da mesma. ---
- Informar o Estabelecimento de Ensino frequentado pela AB de que o progenitor não está inibido ou suspenso de exercer as responsabilidades parentais nomeadamente relativamente á vida escolar da filha, devendo ser sempre informado de assuntos de relevo da vida da criança, nomeadamente ser convocado para reuniões a ter lugar no espaço escolar, uma vez que tal atitude poderá ter impacto positivo no sentido de demonstrar perante a criança que o pai não se esqueceu de si e continua interessado, como sempre esteve, no seu percurso de vida.---
- Solicitar parecer a todos técnicos intervenientes nomeadamente à Exma. psicóloga que acompanha a AB da possibilidade de ser alterada a medida de apoio junto da mãe caso persista esta recusa da mesma em aceitar a intervenção que lhe é delineada pelos técnicos. ---
- Caso não seja considerada viabilidade às indicadas medidas deverão os Ex.mos técnicos fazer propostas concretas e bem definidas no sentido de avançar e poder ser tomada decisão definitiva no âmbito deste processo em prol do bem estar da AB.---
D.N., cumprindo de imediato. ------
Notifique. ---“.
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B - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO


1) Da nulidade da decisão por falta de fundamentação (não especificação dos fundamentos de facto e de direito) – a alínea b), do nº. 1, do art.º 615º, do Cód. de Processo Civil

Referencia o Recorrente que a decisão apelada amparou-se “em factualidade, que não descreve, nem sequer elenca”, em “documentação que não identifica” e em “relatório social que não escrutina”, sustentando aquela “em três palavras: atualidade, proporcionalidade e adequação, sem mais fundamentar, o que é manifestamente insuficiente”.
Assim, decidiu o Tribunal a quo manter a suspensão dos convívios da AB com o progenitor, “sem motivar as razões de facto e de direito”, ou seja, não se descortina qual foi a fundamentação de facto e de direito em que se enformou a decisão para manter o processo de promoção e protecção, pois, desde logo, não foi feita menção a qualquer situação de perigo em sentido estrito.
O que determina, consequentemente, estar tal decisão inquinada pela nulidade prevista no art.º 615º, nº. 1, alín. b), do Cód. de Processo Civil.

Analisemos a decisão apelada:
- começa por referenciar a factualidade, documentação e relatório social antecedentes;
- conclui que, com base naqueles, a medida aplicada à criança mantém “a sua atualidade, proporcionalidade e adequação”;
- pelo que determina a manutenção da “medida de apoio junto dos pais na Pessoa da mãe JL, a título provisório, por mais seis meses”, invocando o enquadramento normativo subjacente a tal decisão;
- determina, ainda, a manutenção da “suspensão dos convívios da AB com o pai”, bem como a manutenção do “apoio psicológico da criança e dos progenitores, devendo os Ex.mos técnicos continuar a articular e a comunicar entre si na defesa do seu superior interesse”;
- adverte os progenitores da criança do dever de “aceitar e colaborar com a intervenção da EMAT de Loures/Odivelas e restantes técnicos intervenientes cumprindo com as orientações que lhe venham a ser dadas nos termos e para os efeitos do artigo 417º do CPC ex vi artigo 126º da LPCJP”;
- por fim, referencia que a execução da medida, “bem como os respectivos agregados familiares, continuarão a ser acompanhados de forma intensiva pela Exma. Técnica da EMAT, com a Exma. psicóloga do gabinete de assessoria e restantes técnicos que continuarão a comunicar e a articular entre si”, acautelando que o próximo relatório de acompanhamento deverá ser tempestivamente junto, com vista ao próximo juízo de revisão, caso este não se justifique antes.

Foi esta a motivação feita constar na decisão apelada, sem que da mesma se vislumbre qualquer especificação da matéria factual ponderada ou avaliada e sua devida fundamentação.
Ora, corresponderá a presente situação ao apontado e invocado vício de nulidade de sentença (despacho proferido)?

No regime jurídico das nulidades dos actos decisórios releva “a divergência entre o que é objectivamente praticado ou declarado pelo juiz, e o que a lei determina ou o que resultou demonstrado da produção de prova”. Estamos no campo do error in procedendo, que se traduz “na violação de uma disposição reguladora da forma (em sentido amplo) do ato processual: o ato executado é formalmente diferente do legalmente previsto. Aqui não se discute se a questão foi bem julgada, refletindo a decisão este julgamento acertado – por exemplo, é irrelevante que a sentença (à qual falte a fundamentação) reconheça a cada parte o que lhe pertence (suum cuique tribuere)[3] [4].
Assim, nas situações ou manifestações mais graves, o error in procedendo fere o acto de nulidade, estando-se perante vícios do acto processual formais, pois os “vícios substanciais, como por ex., os cometidos na apreciação da matéria de fundo, ou na tramitação do processo, são objecto de recurso, não se inserindo na previsão normativa das nulidades[5].
A diferenciação ocorre, assim, por referência ao error in judicando, que “é um vício de julgamento do thema decidendum (seja este de direito, processual ou material ou de facto). O juiz falha na escolha da norma pertinente ou na sua interpretação, não aplicando apropriadamente o direito – dito de outro modo, não subsume correctamente os factos fundamento da decisão à realidade normativa vigente (questão de direito) -; ou falha na afirmação ou na negação dos factos ocorridos (positivos ou negativos), tal como a realidade histórica resultou demonstrada da prova produzida, havendo uma divergência entre esta demonstração e o conteúdo da decisão de facto (questão de facto). Não está aqui em causa a regularidade formal do ato decisório, isto é, se este satisfaz ou não as disposições da lei processual que regulam a forma dos atos. A questão não foi bem julgada, embora a decisão – isto é, o ato processual decisório – possa ter sido formalmente bem elaborada.
A decisão (ato decisório) que exteriorize um error in judicando não é, com este fundamento, inválida. O meio adequado à sua impugnação é o recurso, sendo o objecto deste o julgamento em que assenta a pronúncia. Confirmando-se o julgamento, a decisão é mantida; no caso oposto, é, por consequência, cassada, ou revogada e substituída – dependendo do sistema de recursos vigente[6].
O vício de fundamentação em equação – alínea b), do citado nº. 1 do art.º 615º do Cód. de Processo Civil -, a apreciar no campo do error in procedendo, concretiza-se na omissão da especificação dos fundamentos de direito ou na omissão de especificação dos fundamentos de facto que justificam a decisão.
Todavia, “só a absoluta falta de fundamentação da sentença gera a nulidade. O vício de fundamentação deficiente constitui uma irregularidade da sentença, mas não gera a sua nulidade[7] [8] [9].
Donde decorre que “a falta de motivação da decisão de facto (art.º 607º, nº. 4), considerada isoladamente, não gera a nulidade da sentença por falta de fundamentação, desde que esta contenha a discriminação dos factos que o juiz considera provados e a indicação, interpretação e aplicação das normas jurídicas correspondentes (art.º 607º, nº. 3). Este vício pode ser eliminado, sanando-se a sentença irregular, em caso de recurso (art.º 662º, nºs. 2, al. d), e 3, al. d)), por haver nisso utilidade processual, pois permite uma impugnação pelo vencido e uma reapreciação da decisão pelo tribunal ad quem mais esclarecidas.
A absoluta falta de motivação da decisão de facto pode contribuir, no limite, para tornar a decisão final (art.º 607º, nº. 3) ininteligível, gerando, por esta via, a nulidade da sentença (nº. 1, al. c). Sendo a sentença anulada com este fundamento, valerá a regra da substituição da Relação ao tribunal recorrido (art.º 665º, nº. 1)[10].

A necessidade/dever de fundamentação de qualquer decisão judicial encontra-se plasmada no art.º 154º do Cód. de Processo Civil, o qual prescreve que:
1 – as decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas.
2 – A justificação não pode consistir na simples adesão aos fundamentos alegados no requerimento ou na oposição, salvo quando, tratando-se de despacho interlocutório, a contraparte não tenha apresentado oposição ao pedido e o caso seja de manifesta simplicidade”.
Possui inclusive tal dever legal consagração constitucional, conforme decorre do previsto no art.º 205º, nº. 1, da Constituição da República Portuguesa, ao prescrever que “as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei”.
O dever de fundamentação tem por objectivo a explicitação por parte do julgador acerca dos motivos pelos quais decidiu em determinado sentido, dirimindo determinado litígio que lhe foi colocado, de forma a que os destinatários possam entender as razões da decisão proferida e, caso o entendam, sindicá-la e reagir contra a mesma.
Bem sabemos que no âmbito dos processos de jurisdição voluntária, nos quais os presentes autos se inserem, o tribunal “não está sujeito a critérios de legalidade estrita, devendo antes adoptar em cada caso a solução que julgue mais conveniente e oportuna” - cf., art.º 987º do Cód. de Processo Civil.
Todavia, tal não significa que o julgador tenha um poder discricionário ou ausente das legais prescrições, mas antes que a equidade, como a justa e adequada decisão para o caso concreto, deve funcionar como directriz fundamental e nuclear nas providências a tomar.
Ora, o presente processo de promoção e protecção, apesar de ter a natureza de processo de jurisdição voluntária – cf., o art.º 100º da LPCJP -, não deixa igualmente de estar sujeito, nas decisões a proferir, a tal dever de fundamentação, conforme claramente decorre do art.º 295º, ex vi do art.º 986º, nº. 1, que remete para o art.º 607º, todos do mesmo diploma.
Nas palavras do douto aresto desta Relação, datado de 07/11/2013 [11], “é, assim, manifesta a existência de um dever de fundamentação das decisões judiciais, dever esse com consagração constitucional e que se justifica pela necessidade das partes de conhecer a sua base fáctico- jurídica, com vista a apurar do seu acerto ou desacerto e a decidir da sua eventual impugnação.
Com efeito, há que ter em conta os destinatários da sentença que aliás, não são só as partes, mas a própria sociedade. Para que umas e outra entendam as decisões judiciais e as não sintam como um acto autoritário, importa que as sentenças e decisões se articulem de forma lógica. Uma decisão vale, sob ponto de vista doutrinal, o que valerem os seus fundamentos. E, embora a força obrigatória da sentença ou despacho esteja na decisão, sempre a força se deve apoiar na justiça. Ora os fundamentos destinam-se precisamente a formar a convicção de que a decisão é conforme à justiça”.
O princípio da motivação das decisões judiciais constitui uma das garantias fundamentais do cidadão no Estado de Direito (citando Pessoa Vaz, Direito Processual Civil – Do antigo ao novo Código, Coimbra, 1998, p.211.).
E, acrescenta, “conforme decorre do n.º 2 do art.º 154.º do CPC a fundamentação das decisões não pode ser meramente formal ou passiva, consistente na mera declaração de adesão às razões invocadas por uma das partes, o preceito legal exige antes, uma “fundamentação material ou activa, consistente na invocação própria de fundamentos que, ainda que coincidentes com os invocados pela parte, sejam expostos num discurso próprio, capaz de demonstrar que ocorreu uma verdadeira reflexão autónoma” (citando José Lebre de Freitas, Código de Processo Civil Anotado, Vol.1.º, Coimbra Editora, 2.ª edição, p.302-303).
Tal, não se verifica, claramente, no caso em apreço. Não se trata de uma fundamentação parca ou deficiente. Trata-se de ausência de fundamentação.
Consequentemente, por não se encontrarem especificados os fundamentos de facto e de direito que determinaram a convicção do julgador e o levaram a decidir como decidiu, há que concluir pela falta de fundamentação e por consequência, pela nulidade da decisão recorrida nos termos do art.º 668.º n.º b) (actual art.º 615.º n.º 1 b)) do CPC”.

Em situação na qual estava em equação a fixação de um regime provisório de regulação das responsabilidades parentais – Apelação nº. 2585/16.0T8LSB-B.L1, relatada pelo ora Relator -, apreciando-se acerca de invocação de idêntica nulidade, consignou-se o seguinte:
Acresce reconhecer-se, ainda, conforme legalmente prescrito, a especial particularidade da decisão recorrida. Efectivamente, estamos perante uma decisão provisória, proferida em sede de conferência de progenitores, pelo que deverá considerar-se, e aceitar-se, que a mesma não deverá estar sujeita a especiais particularidades ou a juízos bastamente fundamentados ou exegéticos.
Com efeito, conforme legal determinação, o juízo é intercalar, a valer na pendência das ulteriores fases processuais, devendo ser proferido “em função dos elementos já obtidos” até àquela data.
É certo, por outro lado, que o julgador tem a faculdade (poder/dever), para que profira tal decisão, de proceder “às averiguações sumárias que tiver por convenientes”, o que sempre lhe concede um amplo espaço de ponderação, nomeadamente a de aferir se os elementos que dispõe são suficientes e bastantes para que profira decisão, ou se, ao invés, carece de obter novas informações, ainda que sumárias, que lhe permitam a adopção de uma decisão mais esclarecida e sustentada.
Todavia, apesar de tal específica particularidade da decisão proferida, esta não pode considerar-se arredada do citado dever de fundamentação, ainda que o admitindo mais mitigado ou sucinto.
Ora, a decisão recorrida/apelada não contém qualquer enunciação da factualidade apurada, considerada provada e não provada, com base na qual se tenha decidido provisoriamente nos termos expostos. É totalmente omissa acerca de tal enunciação, pois apenas se limita a consignar ter-se procurado um regime com um mínimo de adesão por parte dos progenitores, que seja capaz de restaurar e incrementar os contactos entre pai e filha e por se entender ser o adequado ao superior interesse de uma criança com cerca de um ano de idade. Inexiste qualquer factualidade que se considerasse provada, conducente a tal decisão, para além, ainda, de lógica ausência de fundamentação de uma factualidade que não se discriminou ou indicou.
Pelo que, na ausência de tal indicação ou especificação, omitiu-se aquela obrigatoriedade na decisão proferida, assim se incumprindo os ditames contidos nos nºs. 3 e 4 do art.º 607º do Cód. de Processo Civil. Conducente à enunciada verificação do apontado vício, que determina a nulidade da decisão proferida”.

Jurisprudencialmente, o entendimento que vem sendo perfilhado não é distinto do exposto.
Exemplificativamente, referenciou-se no douto Acórdão desta Relação de 20/02/2014 – Relator: Luís Correia de Mendonça, Processo nº. 496/09.5TBPNI.L1-8, in www.dgsi.pt -, em situação na qual a decisão impugnada consistia numa decisão proferida em processo de jurisdição voluntária que manteve anterior decisão que havia decidido e fixado a intervenção do Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores, que tal nulidade se verificava quando a 1ª instância não havia discriminado, “pura e simplesmente, os factos que considerava provados e que o levou a manter a decisão anteriormente proferida, pese embora a alteração do quadro legislativo aplicável”.
Em tal situação, o Tribunal recorrido havia-se limitado a fazer “uma análise de mérito, sem suporte factual, e sem, como se disse, discriminar devidamente os pertinentes factos onde deveria ter feito radicar o pedido de manutenção das prestações”, assim omitindo “em termos suficientes e adequados a explicitação dos factos relevantes, o que inviabiliza o controle interno da decisão, a reponderação a esse respeito do juízo de facto”.
Conducente a decisão de anulação da decisão apelada, com a consequente obrigação do tribunal a quo de “emitir decisão com cabal discriminação dos factos que considere provados”.

Mais recentemente, referenciou-se em douto aresto desta Relação de 22/03/2022 – Relator: Luís Filipe Pires de Sousa, Processo nº. 2274/19.4T8LSB-A.L1-7, in www.dgsi.pt -, igualmente perante situação em que estava em causa a prolação de despacho fixador de um regime provisório em processo tutelar de alteração do exercício das responsabilidades parentais,  e após diferenciar-se entre falta de fundamentação de facto e falta de fundamentação de direito, que as “exigências da fundamentação são passíveis de variar em função da menor ou maior complexidade da questão em análise, compreendendo-se também que possa estar subentendida, numa adesão, mais ou menos expressa ao requerido”.
Seguidamente, cita a jurisprudência mais recente sobre tal matéria, nomeadamente:
Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 2.6.2020, Luís Cravo, 184/15:
I–Uma decisão provisória proferida no âmbito de providência tutelar cível de Alteração da Regulação das Responsabilidades Parentais instaurada no âmbito do RGPTC, sendo processo de “jurisdição voluntária” (cf. art.º 12º do RGPTC), deve ser fundamentada, por lhe serem aplicáveis as disposições que constam dos art.ºs 154º e 607º do n.C.P.Civil, este último por força das remissões que resultam da conjugação do disposto nos art.ºs 295º e 986º, nº 1, do mesmo diploma legal.
II– Assim, o julgador, em consonância com o preceituado no art.º 607º, nº 4 do n.C.P. Civil, ainda que em medida devidamente adaptada ao caso, deve fundamentar tanto no plano fáctico, como no plano jurídico, a decisão por si proferida.
III– Consequente e decorrentemente, não obstante o princípio da “simplificação instrutória” a que se alude no art.º 4º do RGPTC, devia ter sido proferida decisão sobre os meios de prova requeridos para alicerçar a posição duma das partes no particular de facticidade controvertida, por mais do que conveniente se afigurar como necessária a sua produção em ordem à prolação de uma fundamentada decisão sobre tal questão.
Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 27.2.2020, Mata Ribeiro, 2069/19:
i)- A referência às declarações dos progenitores não supre a exigência de discriminação dos factos a que há que aplicar o direito, porque as declarações e a documentação junta aos autos, são meros meios de prova de factos alegados pelas partes ou a ter em conta oficiosamente pelo tribunal;
ii)- No âmbito de uma providência tutelar cível, na qual o critério da oportunidade ou conveniência dá azo à prolação de uma decisão provisória, tal não implica que o julgador esteja dispensado de cumprir o ritualismo mínimo inerente à decisão, designadamente a discriminação dos factos que considera provados e relevantes para sustentar a sua posição aplicando-lhe o direito que tiver por adequado;
iii)- As decisões judiciais, sejam elas sentenças ou simples despachos, carecem de ser fundamentadas, excluindo-se apenas o dever de fundamentação das decisões de mero expediente.
iv)- A não discriminação de factos, bem como de qualquer norma legal que sustente a decisão, conduz necessariamente à nulidade da sentença.
Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 10-7.2019, Paulo Reis, 1947/19:
Ainda que não seja aqui exigível uma fundamentação exaustiva, atenta a provisoriedade da decisão recorrida e a natureza do processo, tal não dispensa o juiz de fundamentar a decisão proferida tanto no plano fáctico, como do ponto de vista jurídico, sob pena de nulidade por falta de fundamentação”.
Assim, ajuizando in concreto, acrescentou que “a decisão impugnada (de fixação de um regime provisório) não contém qualquer fundamentação de facto. Com efeito, o despacho contém uma parte preambular em que se faz uma alusão genérica às declarações prestadas na conferência, em particular às do ainda menor, seguindo-se a fixação do regime provisório.
Não foi feita qualquer enumeração dos factos provados que estribem o decidido nem foi explicitado o porquê do regime fixado, ou seja, por que razão se justifica (na ótica do tribunal a quo) o regime determinado e não outro qualquer. Note-se que os progenitores manifestaram posições absolutamente antagónicas quanto ao regime de alimentos, ou seja, perante tal dissenso os deveres de fundamentação deviam ser acrescidos e não eliminados…
Não é percetível minimamente o racional da decisão tomada nem esta foi precedida da enunciação dos factos provados que possam justificá-la.
Ocorre, pois, a nulidade da decisão por falta de fundamentação”.

Com particular realce, referenciemos, ainda, o douto Acórdão desta mesma Relação de 12/10/2010 – Relatora: Ana Resende, Processo nº. 944/09.4TMLSB-A.L1-7, in www.dgsi.pt -, no qual estava igualmente em aferição a eventual falta de fundamentação de decisão provisória proferida em sede de processo tutelar de regulação do exercício das responsabilidades parentais.
Mencionou-se que “caindo nós no âmbito dos processos de jurisdição voluntária, como de forma expressa se consagra no art.º 150, também, da OTM, não se impõem critérios de legalidade estrita, procurando-se antes a solução mais adequada ao caso concreto, com vista à melhor regulação do interesse a acautelar, art.º 1409, e seguintes do CPC, o que não significa que o julgador possa abstrair-se do direito positivo vigente, quer em termos substantivos, quer em termos processuais, acrescendo que em causa está, uma decisão, provisória, proferida ao abrigo do disposto no art.º 157, n.º1, da OTM, verificada que foi a falta de acordo na conferência de pais”.
Todavia, acrescenta-se, “no contexto em que a decisão foi proferida, atendeu-se sobretudo às posições veiculadas pelas partes nos seus requerimentos iniciais, bem como ao que reiteraram em sede da conferência, que se entende como corporizando o decidido, sendo certo que não se patenteia dos autos que aquando da respectiva prolação tivesse sido já efectuada qualquer diligência de prova, e em conformidade o seu resultado devesse ser apreciado criticamente, pelo que, através de tal corporização, mostra-se, embora em termos mínimos, realizada a fundamentação do despacho em crise, não se divisando, assim, arguida nulidade” (sublinhado nosso) – vimos seguindo, de perto, o aresto desta Relação e Secção de 09/06/2022, Processo nº. 406/21.1T8MFR-F.L1-2, relatado pelo ora Relator, in www.dgsi.pt .

Relativamente ao (in)cumprimento do dever de fundamentação por remissão para antecedente decisão, referenciou-se em douto Acórdão desta Relação de 05/12/2019 – Relatora: Ana de Azeredo Coelho, Processo nº. 3689/19.3T8LRS-F.L1-6, in www.dgsi.pt – que “a resposta tem de assentar na já indicada razão de ser da estatuição constitucional e legal: dar a conhecer as razões de decidir de modo que, nomeadamente, permita dissentir.
Na verdade, inexiste proscrição legal da fundamentação por remissão, com a excepção do artigo 154.º, n.º 2, I.ª parte, do CPC, inaplicável ao caso. A mesma remissão está aliás prevista quanto à Relação no artigo 663.º, n.º 5 e 6, do CPC.
O Tribunal Constitucional julgou já bastante às exigências constitucionais tal tipo de fundamentação, aliás no caso, talvez de maior exigência dela, de aplicação de medida de prisão preventiva. Veja-se a respeito o acórdão 147/2000 de 21 de Março de 200 (Artur Maurício). Nele se lê:
O que a fundamentação visa – disse-se já também – é assegurar a ponderação do juízo decisório e permitir às partes – no caso, ao arguido – o perfeito conhecimento das razões de facto e de direito por que foi tomada uma decisão e não outra, em ordem a facultar-lhes a opção reactiva (impugnatória ou não) adequada à defesa dos seus direitos.
(…)
Mas se isto é assim, não é o facto de, na sua fundamentação, o despacho judicial remeter para as razões expressas noutras peças processuais que, só por si, põe em causa a razão de ser da imposição constitucional. Sucede, apenas, que a leitura do despacho em causa não é directa e imediata, como o seria se o acto decisório contivesse, ele mesmo, as razões do decidido; ela só se completa com o conhecimento das outras peças processuais para que o despacho remete, o que, de todo, não compromete as garantias de defesa do arguido.
No limite, poderia, apenas, suscitar dúvidas a constitucionalidade da norma em causa, nos casos em que, pelo facto da remissão, a acessibilidade dos fundamentos se tornasse labiríntica ou particularmente complexa. Mas não é o caso.
O que se deixa dito e que poderá justificar a conformidade constitucional de uma norma que expressamente permitisse a fundamentação por remissão não nos desvia da questão concreta de constitucionalidade agora em causa.
 Ora, concluindo que a Constituição não obsta à fundamentação por remissão e não impõe, por isso, que a ela corresponda a nulidade do acto decisório, por maioria de razão se convirá que a não violará a sujeição do despacho que ordena a prisão preventiva, proferido com tal forma de fundamentação, ao regime das irregularidades em processo penal, por força das normas do Título V do Livro II, em particular do artigo 123º nº 1, do CPP.
Em conclusão se dirá que a fundamentação por remissão não é fundamentação que se recomende, mas não ultrapassa o limiar da nulidade quando não inviabiliza a perceptibilidade das razões de decidir”.
Donde, ter lavrado sumário com o seguinte teor:
IV) Apenas a absoluta falta de fundamentação, que não a sua insuficiência, determina a nulidade da decisão a que se acolhe o Recorrente; à falta absoluta assimila-se a fundamentação que não permita descortinar as razões de decidir.
V) A fundamentação por remissão para despacho judicial anterior - fundamentação per relationem ou per remissionem – não determina por si só nulidade por falta de fundamentação, desde que cumpra com a razão de ser da imposição constitucional e legal da fundamentação: dar a conhecer as razões de decidir de modo que, nomeadamente, permita dissentir.
VI) A fundamentação por remissão ultrapassa o limiar da nulidade quando inviabiliza a perceptibilidade das razões de decidir”.

Por fim, referenciemos, atenta a sua pertinência para o caso sub judice, o juízo exposto no douto Acórdão da RP de 15/12/2021 – Relator: João Ramos Lopes, Processo nº. 515/14.3TBVCD-G.P1, in www.dgsi.pt.
Ajuizando acerca do cumprimento do dever de fundamentação no âmbito da prolação das decisões cautelares, começou por referenciar ser “inquestionável que também as decisões cautelares (art.º 5º, c), 35º, nº 2, 37º, nº 1 da Lei 147/99, de 01/09 – doravante LPCJP), porque incidem sobre direitos dos sujeitos e interessados, devem ser fundamentadas - a sua recorribilidade (art.º 123º da LPCJP) comprova-o”.
Apreciando acerca do grau de fundamentação exigível, consignou que “na apreciação do cumprimento do dever de fundamentação (ou, por contraponto, da falta de fundamentação) de um despacho não podem deixar de ser ponderados os princípios da adequação e da proporcionalidade – é em função do processo concreto e da particular questão a decidir que deve ponderar-se a eventual ausência de fundamentação do despacho que a decide, ao conceder ou negar a pretensão deduzida pela parte.
As decisão cautelares (assim como as provisórias, no âmbito dos processos tutelares cíveis), conceptualmente, revestem natureza sumária, e por isso se impõe que sejam simples (o que não significa ligeireza) – espera-se ponderação adequada e proporcionada à situação que importa acautelar e aos interesses a tutelar, mas exige-se uma decisão pronta, uma justificação circunscrita aos aspectos que ao caso importem e, por isso, forçosamente frugal, ainda que esclarecedora quando às razões valorizadas para concluir pela injunção decretada (seja em vista de convencer as partes quanto ao seu mérito e justeza, seja para demonstrar, no mínimo, que a decisão foi alcançada pela ponderação das regras que ao caso importam).
Na situação concreta trazida em apelação, por mais críticas que possa merecer a sua frugalidade, tem de reconhecer-se que a fundamentação da decisão não é inexistente nem padece de insuficiência que impossibilite os seus destinatários de apreender as razões justificativas – independentemente de ser deficiente, incompleta e/ou não convincente, não pode considerar-se que a fundamentação apresentada seja, de todo em todo, inexistente ou que padeça de deficiência que comprometa a exposição das razões para a decisão tomada (ou que a justificação seja incompreensível)” (sublinhado nosso).
Donde, acrescentou-se no sumário elaborado, que “tendo a decisão aludido aos factos que considerou e ponderou para a injunção decretada (ainda que os não tenha elencada autónoma e separadamente), não padece de falta de fundamentação (art.º 615º, nº 1, b) do CPC)”.

De retorno ao caso concreto, e na adopção dos princípios e considerações plasmados, temos que:
- a decisão apelada corresponde ao sexto juízo de prorrogação da medida de promoção e protecção, cautelar e provisória, de apoio junto dos pais, na pessoa da progenitora mãe;
- ou seja, anteriormente à prolação da decisão recorrida, já tinham sido proferidas nos autos seis decisões de idêntica natureza: a primeira, datada de 14/07/2021, no âmbito da qual foi determinada a aplicabilidade de tal medida, e outras cinco decisões posteriores, que determinaram a prorrogação da aplicação e execução da mesma medida;
- naquela decisão inicial aplicadora da medida, foi enunciado facticiamente o quadro justificativo da mesma, ou seja, foi detalhada a factualidade enformadora da necessidade da sua aplicabilidade, tendo-se, ainda, especificado o quadro da sua concreta execução, com referência aos deveres a que os progenitores ficaram adstritos – cf., fls. 268 a 271;
- o juízo de prorrogação ora determinado enquadrou-se, assim, naquele iter revisional da medida cautelar ou provisória aplicada, efectuando juízo remissivo para o teor da documentação entretanto junta (com especial relevo para o relatório social) e factualidade entretanto adquirida;
- com base nestes, formulou um juízo de actualidade, proporcionalidade e adequação na manutenção da vigência da medida em execução, tendo necessariamente por pressuposto o manancial probatório entretanto adquirido, reconhecidamente eivado de juízos periciais, acompanhamento efectuado por várias entidades em articulação (exemplificativamente, na área da sociologia e psicologia) e mesmo fruto de reuniões interdisciplinares sob a égide do Gabinete de Apoio aos Magistrados Judiciais, no qual têm intervenção, entre outras, entidades ligadas ao apoio à criança e movimento de defesa da vida;
- desta forma, o juízo contido na decisão não pôde deixar de considerar este lastro, ainda que o tenha feito de forma genérica, daí retirando um juízo justificativo de prorrogação da medida em execução, e ressalvando aquilo que terá considerado como os pontos principais desta: a manutenção da suspensão dos convívios da criança com o pai e do apoio psicológico dos progenitores e filha;
- reconhece-se a manifesta frugalidade da decisão em equação, e mesmo a sua prolação no limite da sua concreta compreensibilidade, o que deveria ter sido acautelado, com a devida elencagem da factualidade essencialmente provada e fonte probatória desta devidamente escalpelizada;
- nesse desiderato, também se poderia ter tido em atenção e consideração, com a devida enunciação, as posições veiculadas por escrito nos autos pelos intervenientes processuais (progenitores), decorrentes da audição inscrita no art.º 85º, da LPCJP, bem como pelo Ministério Público;
- efectivamente, tais posições, e o argumentário nas mesmas exposto, como que auxiliariam a estruturar o teor do decidido, ou seja, arquitectariam e traduziriam os alicerces da decisão proferida, modelando-a e corporizando-a;
- todavia, apesar do exposto, a decisão sob sindicância não padece de qualquer insuficiência que seja impossibilitadora dos seus destinatários apreenderem e compreenderem os argumentos e as razões justificativas do determinado juízo de prorrogação de vigência da medida cautelar ou provisória;
- ou seja, independentemente da sua notória deficiência ou incompletude, a fundamentação aduzida não é de todo inexistente (até por que vem na sequência de cinco anteriores decisões que determinaram idêntico juízo prorrogativo), nem padece de insuficiência ou incompletude capazes de serem comprometedoras da compreensão da decisão tomada, e percepção das razões desta;
- o que determina o não reconhecimento da invocada nulidade da decisão apelada - nos termos da alínea b), do nº. 1, do art.º 615º, do Cód. de Processo Civil -, improcedendo, neste segmento, as conclusões recursórias.


2) Da nulidade da decisão por excesso de pronúncia, decorrente do extravasar das finalidades do processo de promoção e protecção – o art.º 615º, nº. 1, alínea d), 2º segmento, do CPC, ex vi do art.º 126º da Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo

No seu excurso recursório, referencia o Apelante ter o Tribunal a quo extravasado as finalidades do processo de promoção e protecção, pois “nem todos os riscos para o desenvolvimento da criança são legitimadores da intervenção do Estado e da sociedade na sua vida e autonomia e na sua família”, devendo a tutela legal cingir-se às situações “de risco, em sentido estrito, que ponham em perigo a segurança, a saúde, a formação, a educação ou o desenvolvimento da criança ou do jovem”.
Acrescenta, ainda, que com a existência e pendência deste processo “está suspenso um processo de incumprimento que o Recorrente intentou contra a Recorrida em dezembro de 2018, por incumprimento de convívios e no qual requer alargamento de convívios com a filha”.

Apreciando:

Enunciando as causas de nulidade da sentença, prescreve a alínea d), do nº. 1, do art.º 615º, ser “nula a sentença quando:
d) o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento (sublinhado nosso).
 Por sua vez, o nº. 2, do art.º 608º, prevendo acerca das questões a resolver e sua ordem, referencia que “o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras ; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras” (sublinhado nosso).

As nulidades de sentença – cf., artigos 615º e 666º -, integrando, juntamente com as nulidades de processo – artigos 186º a 202º -, “o género das nulidades judiciais ou adjectivas”, distinguem-se, entre si, “porquanto, às primeiras, subjazem desvios ao formalismo processual prescrito na lei, quer por se praticar um ato proibido, quer por se omitir uma ato prescrito na lei, quer por se realizar um acto imposto ou permitido por lei mas sem o formalismo requerido, enquanto que as segundas se traduzem na violação da lei processual por parte do juiz (ou do tribunal) prolator de alguma decisão”.
Como vício de limite, a nulidade de sentença enunciada na transcrita alínea d) divide-se em dois segmentos, sendo o segundo atinente ao excesso de pronúncia
Neste, em correspondência com o citado 2º segmento, do nº. 2 do art.º 608º, “encontra-se vedado ao juiz conhecer de causas de pedir não invocadas ou de excepções que não sejam do seu conhecimento oficioso[12].
No excesso de pronúncia, e a nulidade daí resultante de excesso de pronúncia de facto, nas palavras de Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro [13], “não é de conhecimento oficioso, só podendo o tribunal que proferiu a decisão anular (parcialmente) a sentença com esse fundamento, sobre requerimento da parte (art.º 196º).
Embora este vício seja impressivo, por representar uma ostensiva violação do matricial princípio dispositivo, é por esta mesma razão que não se justifica o seu conhecimento oficioso. Se o vencido renuncia a invocar a inadmissibilidade da pronúncia sobre o facto essencial – o que está na sua disponibilidade (art.º 264º) -, sujeita-se á sua consideração pelo tribunal ad quem na base factual do julgamento de direito”.

Cotejados os expostos ensinamentos doutrinários, articulemo-los com o caso sub júdice.

Entende o Recorrente que se verifica o vício da decisão em equação em virtude do Tribunal a quo ter extravasado as finalidades do processo de promoção e protecção, que deve cingir-se à tutela legal das situações de risco, ou seja, quando se verifica um quadro factual que coloca em perigo a segurança, saúde, a formação, educação e desenvolvimento da criança ou jovem.
Situação que não se verificará no caso concreto, o que determina que o Tribunal recorrido tenha conhecido de questões de que não podia tomar conhecimento.
Ora, conforme parece evidente, a ocorrer a situação descrita, ou seja, a ter o Tribunal a quo extravasado as finalidades ou desiderato do processo de promoção e protecção, fora do quadro de legitimação inscrito no art.º 3º, da LPCJP, estamos perante um concreto e real erro jurídico ou de direito, e não perante qualquer vício da decisão impugnada com a natureza de nulidade.
Efectivamente, aquela putativa situação não traduz qualquer violação da lei processual por parte do julgador prolator da decisão, mas antes um eventual erro de julgamento, que não é susceptível de enformar a imputada causa de nulidade.
Com efeito, ao entender verificada a situação de risco ou perigo que legitimava a intervenção do tribunal para a tutela da situação da criança, o julgador não conheceu de qualquer causa de pedir não invocada por parte do Requerente Ministério Público, ou de qualquer excepção em equação, pelo que a invocada causa de nulidade não tem qualquer pertinente acolhimento.
Por todo o exposto, e sem necessidade de ulterior argumentação, num juízo de não reconhecimento da invocada nulidade, prevista na 2ª parte, da alín. d), do nº. 1, do art.º 615º, do Cód. de Processo Civil, improcedem, nesta parte, as conclusões recursórias.


3) Da obrigatoriedade de nomeação de patrono à criança, nos termos do art.º 103º da Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo

Referencia o progenitor Apelante que a filha não tem patrono nomeado, o que é obrigatório, nos termos do art.º 103º, da LPCJP, acrescentando que tal sucede quando, ainda para mais, encontra-se pendente junto do Tribunal a quo, sob o apenso A, providência cautelar cível de incumprimento e alteração das responsabilidades parentais, que se encontra suspensa por força da pendência dos presentes autos de promoção e protecção.

Apreciando:

Estatui o art.º 103º, da Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo que:
“1 - Os pais, o representante legal ou quem tiver a guarda de facto podem, em qualquer fase do processo, constituir advogado ou requerer a nomeação de patrono que o represente, a si ou à criança ou ao jovem.
2 - É obrigatória a nomeação de patrono à criança ou jovem quando os seus interesses e os dos seus pais, representante legal ou de quem tenha a guarda de facto sejam conflituantes e ainda quando a criança ou jovem com a maturidade adequada o solicitar ao tribunal.
3 - A nomeação do patrono é efetuada nos termos da lei do apoio judiciário.
4 - No debate judicial é obrigatória a constituição de advogado ou a nomeação de patrono aos pais quando esteja em causa a aplicação da medida prevista na alínea g) do n.º 1 do artigo 35.º e, em qualquer caso, à criança ou jovem”.
Resulta do presente normativo ser obrigatória a nomeação de patrono à criança ou jovem nas seguintes situações:
- os interesses da criança ou do jovem e os dos pais, representante legal ou de quem tenha a guarda de facto sejam conflituantes;
- quando a criança ou jovem com a maturidade adequada o solicitar ao tribunal;
- no debate judicial – n.ºs 2 e 4” – Tomé d’Almeida Ramião, Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo Anotada e Comentada, 7ª Edição Revista e Atualizada, Quid Juris, 2014, pág. 212.
Acerca da situação descrita no nº. 4 deste normativo – obrigatoriedade, no debate judicial, de constituição de advogado ou de nomeação de patrono à criança ou jovem -, referenciou-se no douto aresto desta Relação e Secção de 12/09/2019 – relatado pelo ora 1ª Ajunto, Processo nº. 1210/17.7T8CSC.L1-2, in www.dgsi.pt -, estarmos perante “uma norma obrigatória, cujo incumprimento não pode ser suprido pelo facto de não ter sido arguida a falta de cumprimento da mesma e tem de ser conhecido oficiosamente, pois que, o menor, não tendo advogado, não o pode arguir e é ele o directo interessado no cumprimento.
O que, naturalmente, tem que implicar a nulidade de todo o processado subsequente à falta de nomeação de advogado (art.ºs 195/1-2 e 196, ambos do CPC), pois que, pela natureza do incumprimento, a omissão pode influir no exame e na decisão da causa”.
Ora, in casu, não estamos perante as duas últimas situações referenciadas, pois não foi solicitada ao tribunal qualquer nomeação de patrono (nem a criança, por si, nem os seus progenitores, entre os quais figura o ora apelante, ora reclamante de tal nomeação), nem o presente processo atingiu a fase de debate judicial.
Desta forma, está em causa a situação descrita no nº. 2. do mesmo normativo, ou seja, a situação de obrigatoriedade de nomeação quando os interesses da criança e dos seus progenitores sejam conflituantes, ou seja, quando decorra do próprio processo de promoção e protecção um antagonismo ou antinomia dos concretos interesses afirmados pelos progenitores, de um lado, e da filha menor, do outro.
Ora, apesar da situação de litígio pendente, e que se vem reiterando desde há longo tempo, não é possível extrair que exista propriamente uma situação conflituante entre os interesses da menor e dos seus progenitores, com maior enfoque relativamente ao progenitor pai, de molde a traduzir obrigatoriedade na nomeação de patrono à criança filha.
Efectivamente, os interesses equacionáveis serão, na realidade, o de bem-estar da criança, o qual não deixará de passar pela existência de sãos convívios com o progenitor pai, com quem não reside, tendo este idêntico interesse em prol do bem-estar da filha.
Acresce, conforme já indiciámos, que se o progenitor pai, ora apelante, entendia que existia tal situação de conflito de interesses, sempre poderia ter justificado a mesma, descrevendo-a e factualizando-a e, consequentemente, ter solicitado tal nomeação para a filha menor. O que não fez.
Donde, improcedem igualmente, neste segmento, as conclusões recursórias.


4) Da violação da necessária audição da criança, nos termos dos art.ºs 84º da Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo, e 4º e 5º, ambos do Regime Geral do Processo Tutelar Cível

Na prossecução da sua pretensão recursória, alega o Recorrente progenitor que a audição da criança no âmbito de um processo que lhe diz respeito é essencial na determinação do seu interesse superior, pelo que “ignorar a sua vontade equivale a suprimir o seu direito de ser ouvida em decisão que irá impactar a sua vida, com consequente ofenda dos princípios do interesse superior da criança e da audição obrigatória e participação da criança previstos nas alíneas a) e j) do artigo 4º da LPCJP”.

Na resposta contra-alegacional apresentada, referencia o Ministério Público que a “audição da criança é um direito da mesma, mas não se justifica no caso em apreço, quando a criança vem transmitindo a sua pretensão junto do psicólogo que a acompanha e existe articulação entre todas os técnicos que têm intervindo nos autos e todos concordam que não devem já ser retomados os convívios, ainda que supervisionados”.
Acrescenta que o Tribunal, “no que aos presentes autos interessa, tem perfeito conhecimento da posição da AB quanto ao querer ou não os convívios com o progenitor”, sendo que “não estamos na fase de produção de prova em que ouvir a criança permitirá perceber, em conjugação com outros elementos de prova, ou não, a raiz do problema”.

Apreciemos:

Fruto da alteração introduzida pela Lei nº. 142/2015, de 08/09, prescreve o art.º 84º, da LPCJP, que “as crianças e os jovens são ouvidos pela comissão de proteção ou pelo juiz sobre as situações que deram origem à intervenção e relativamente à aplicação, revisão ou cessação de medidas de promoção e proteção, nos termos previstos nos artigos 4.º e 5.º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível, aprovado pela Lei n.º 141/2015, de 8 de setembro”.
Anteriormente, este normativo, na sua redacção inicial – decorrente da Lei nº. 147/99, de 01/09 -, prescrevia que:
“1 - As crianças e os jovens com mais de 12 anos, ou com idade inferior quando a sua capacidade para compreender o sentido da intervenção o aconselhe, são ouvidos pela comissão de protecção ou pelo juiz sobre as situações que deram origem à intervenção e relativamente à aplicação, revisão ou cessação de medidas de promoção e protecção.
2 - A criança ou o jovem tem direito a ser ouvido individualmente ou acompanhado pelos pais, pelo representante legal, por advogado da sua escolha ou oficioso ou por pessoa da sua confiança”.
Os artigos 4º e 5º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível – aprovado pela Lei nº. 141/2015, de 08/09 -, preveem acerca dos princípios orientadores e audição da criança, estatuindo (no ora relevante) que:
Artigo 4º:
“1 - Os processos tutelares cíveis regulados no RGPTC regem-se pelos princípios orientadores de intervenção estabelecidos na lei de proteção de crianças e jovens em perigo e ainda pelos seguintes:
a) Simplificação instrutória e oralidade - a instrução do processo recorre preferencialmente a formas e a atos processuais simplificados, nomeadamente, no que concerne à audição da criança que deve decorrer de forma compreensível, ao depoimento dos pais, familiares ou outras pessoas de especial referência afetiva para a criança, e às declarações da assessoria técnica, prestados oralmente e documentados em auto;
(….)
c) Audição e participação da criança - a criança, com capacidade de compreensão dos assuntos em discussão, tendo em atenção a sua idade e maturidade, é sempre ouvida sobre as decisões que lhe digam respeito, preferencialmente com o apoio da assessoria técnica ao tribunal, sendo garantido, salvo recusa fundamentada do juiz, o acompanhamento por adulto da sua escolha sempre que nisso manifeste interesse.
2 - Para efeitos do disposto na alínea c) do número anterior, o juiz afere, casuisticamente e por despacho, a capacidade de compreensão dos assuntos em discussão pela criança, podendo para o efeito recorrer ao apoio da assessoria técnica” (sublinhado nosso).
Artigo 5º:
“1 - A criança tem direito a ser ouvida, sendo a sua opinião tida em consideração pelas autoridades judiciárias na determinação do seu superior interesse.
2 - Para efeitos do disposto no número anterior, o juiz promove a audição da criança, a qual pode ter lugar em diligência judicial especialmente agendada para o efeito.
3 - A audição da criança é precedida da prestação de informação clara sobre o significado e alcance da mesma.
4 - A audição da criança respeita a sua específica condição, garantindo-se, em qualquer caso, a existência de condições adequadas para o efeito, designadamente:
a) A não sujeição da criança a espaço ou ambiente intimidatório, hostil ou inadequado à sua idade, maturidade e características pessoais;
b) A intervenção de operadores judiciários com formação adequada.
5 - Tendo em vista o cumprimento do disposto no número anterior, privilegia-se a não utilização de traje profissional aquando da audição da criança.
6 - Sempre que o interesse da criança o justificar, o tribunal, a requerimento ou oficiosamente, pode proceder à audição da criança, em qualquer fase do processo, a fim de que o seu depoimento possa ser considerado como meio probatório nos atos processuais posteriores, incluindo o julgamento.
7 - A tomada de declarações obedece às seguintes regras:
a) A tomada de declarações é realizada em ambiente informal e reservado, com vista a garantir, nomeadamente, a espontaneidade e a sinceridade das respostas, devendo a criança ser assistida no decurso do ato processual por um técnico especialmente habilitado para o seu acompanhamento, previamente designado para o efeito;
b) A inquirição é feita pelo juiz, podendo o Ministério Público e os advogados formular perguntas adicionais;
c) As declarações da criança são gravadas mediante registo áudio ou audiovisual, só podendo ser utilizados outros meios técnicos idóneos a assegurar a reprodução integral daquelas quando aqueles meios não estiverem disponíveis e dando-se preferência, em qualquer caso, à gravação audiovisual sempre que a natureza do assunto a decidir ou o interesse da criança assim o exigirem;
d) Quando em processo-crime a criança tenha prestado declarações para memória futura, podem estas ser consideradas como meio probatório no processo tutelar cível;
e) Quando em processo de natureza cível a criança tenha prestado declarações perante o juiz ou Ministério Público, com observância do princípio do contraditório, podem estas ser consideradas como meio probatório no processo tutelar cível;
f) A tomada de declarações nos termos das alíneas anteriores não prejudica a prestação de depoimento em audiência de julgamento, sempre que ela deva ser possível e não puser em causa a saúde física e psíquica e o desenvolvimento integral da criança;
g) Em tudo o que não contrarie este preceito, aplica-se, com as necessárias adaptações, o regime processual civil previsto para a prova antecipada” (sublinhado nosso).
O transcrito art.º 84º, da LPCJP, concretiza ou operacionaliza o princípio orientador de intervenção de audição obrigatória e participação, plasmado na alínea j), do art.º 4º, do mesmo diploma, no qual se consigna que “a criança e o jovem, em separado ou na companhia dos pais ou de pessoa por si escolhida, bem como os pais, representante legal ou pessoa que tenha a sua guarda de facto, têm direito a ser ouvidos e a participar nos atos e na definição da medida de promoção dos direitos e de proteção”.
Referencie-se, ainda, no ponderável quadro legislativo, o estatuído no art.º 12º da Convenção das Nações Unidas Sobre os Direitos da Criança [14], ao referenciar que:
“1 - Os Estados Partes garantem à criança com capacidade de discernimento o direito de exprimir livremente a sua opinião sobre as questões que lhe respeitem, sendo devidamente tomadas em consideração as opiniões da criança, de acordo com a sua idade e maturidade.
2 - Para este fim, é assegurada à criança a oportunidade de ser ouvida nos processos judiciais e administrativos que lhe respeitem, seja directamente, seja através de representante ou de organismo adequado, segundo as modalidades previstas pelas regras de processo da legislação nacional” (sublinhado nosso).
Com relevância, urge, ainda, mencionar o prescrito nos artigos 3.º e 6.º da Convenção Europeia sobre o exercício dos Direitos da Criança - adoptada em Estrasburgo, em 25 de Janeiro de 1996, acolhida na nossa ordem jurídica pela Resolução da Assembleia da República n.º 7/2014, de 13 de Dezembro de 2013, e pelo Decreto do Presidente da República n.º 3/2014, de 27 de Janeiro -, onde se consigna que: “à Criança que à luz do direito interno se considere ter discernimento suficiente deverão ser concedidos, nos processos perante uma autoridade judicial que lhe digam respeito, os seguintes direitos, cujo exercício ela pode solicitar: b) ser consultada e exprimir a sua opinião;
Nos processos que digam respeito a uma Criança, a autoridade judicial antes de tomar uma decisão deverá: c) ter devidamente em conta as opiniões expressas da Criança”.
Referencie-se, ainda, a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, que no seu art.º 24º, a propósito dos Direitos das crianças, enuncia que “1. As crianças têm direito à proteção e aos cuidados necessários ao seu bem-estar. Podem exprimir livremente a sua opinião, que será tomada em consideração nos assuntos que lhes digam respeito, em função da sua idade e maturidade”.
Por fim, considere-se, igualmente, o Regulamento (CE) n.º 2201/2003, de 27 de Novembro (Decisões em Matéria Matrimonial e Responsabilidade Parental – Bruxelas IIBis), que, tendo em vista a execução de decisões entre Estados–Membros, salienta igualmente a importância da audição da criança.

Exposto o quadro legislativo matricial, vejamos como jurisprudencialmente tem sido equacionada a necessidade de proceder á prévia audição da criança ou jovem relativamente aos assuntos que lhe digam directamente respeito. O que faremos por enunciação cronológica (todos os arestos encontram-se em www.dgsi.pt ).
- do STJ de 14/12/2016 – Relatora: Maria dos Prazeres Pizarro Beleza, Processo nº. 268/12.0T8MGL.C1.S1 -, no qual se exarou que “a audição da criança num processo que lhe diz respeito não pode ser encarada apenas como um meio de prova, com o qual se pretende fazer prova de um facto relevante no processo. É muito mais vasta a finalidade da audição. Trata-se antes de mais de um direito da criança a que o seu ponto de vista seja considerado no processo de formação da decisão que a afecta.
O exercício do direito de audição, enquanto meio privilegiado de prossecução do superior interesse da criança, que consabidamente norteia processos como o presente, está naturalmente dependente e relacionado com a maturidade da criança em causa. A lei portuguesa actual – cfr. artigos 4º, i) e 84º da Lei nº 147/99 de 1 de Setembro, na anterior e na actual redacção, que lhes foi dada pela Lei nº 142/2015, de 8 de Setembro de 2015, e artigos 4º e 5º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível, aprovado pela Lei nº 141/2015, de 8 de Setembro, e que se aplica aos processos pendentes à data da sua entrada em vigor (artigo 5º da Lei nº 141/2015) –, seguindo os diversos instrumentos internacionais vinculativos (ou não) do Estado Português, alterou a forma de determinar a obrigatoriedade de audição da criança. Onde dantes se estabelecia como obrigatória a audição da criança com mais de 12 anos “ou com idade inferior quando a sua capacidade para compreender o sentido da intervenção o aconselhe” (nº 1 do artigo 84º da Lei nº 147/99), diz-se agora que a criança deve ser ouvida quando tiver “capacidade de compreensão dos assuntos em discussão, tendo em conta a sua idade e maturidade” art.4º, c), do Regime Geral do Processo Tutelar Cível).
Se antes da entrada em vigor da Lei nº 141/2015 se exigia que o tribunal ouvisse as crianças com mais de 12 anos e, quanto àquelas que tivessem idade inferior, ponderasse a sua maturidade e justificasse a decisão de não as ouvir – salvo se a criança tivesse uma idade em que é notória essa falta de maturidade, naturalmente –, após a sua entrada em vigor essa ponderação não pode deixar de se revelar na decisão – continuando a ser dispensada quando for notório que a baixa idade da criança não a permite ou aconselha”.
E, no que concerne ao vício decorrente dessa não audição carente de justificação, acrescenta ser inadequado “aplicar o regime das nulidades processuais à falta de audição. Entende-se antes que essa falta afecta a validade das decisões finais dos correspondentes processos, por corresponder a um princípio geral com relevância substantiva e, por isso mesmo, processual”.
Donde, ter-se decidido pela anulação do acórdão recorrido, com consequente baixa do processo “a fim de, ou serem ouvidos os menores, se a sua capacidade de compreensão assim o determinar, ou ser justificada a sua não audição”.
Em consonância, lavrou-se o seguinte sumário:
“I - A audição da criança num processo que lhe diz respeito – no caso, de promoção e protecção – não pode ser encarada apenas como um meio de prova, tratando-se antes de um direito da criança a que o seu ponto de vista seja considerado no processo de formação da decisão que a afecta.
II - O exercício do direito de audição, enquanto meio privilegiado de prossecução do superior interesse da criança, está, naturalmente, dependente da maturidade desta.
III - A lei portuguesa actual, seguindo os diversos instrumentos internacionais, alterou a forma de determinar a obrigatoriedade dessa audição, tendo passado a prever – onde antes se estabelecia que era obrigatória a audição de criança com mais de 12 anos “ou com idade inferior quando a sua capacidade para compreender o sentido da intervenção o aconselhe” – que a criança deve ser ouvida quando tiver ”capacidade de compreensão dos assuntos em discussão, tendo em conta a sua idade e maturidade” (art.º 4.º, al. c), do Regime Geral do Processo Tutelar Cível, aprovado pela Lei n.º 141/2015, de 08-09).
IV - A ponderação acerca da maturidade da criança terá de se revelar na decisão, só estando dispensada a justificação para a sua eventual não audição quando for notório que a sua baixa idade não a permite ou aconselha.
V - A falta de audição da criança afecta a validade das decisões finais dos correspondentes processos por corresponder a um princípio geral com relevância substantiva, não sendo adequado aplicar-lhe o regime das nulidades processuais”;
- da RP de 04/11/2019 – Relator: Miguel Baldaia de Morais, Processo nº. 1474/17.6T8PRD.P1 -, no qual se consignou que a reforma legislativa operada pelas já citadas Leis nºs. 141/2015 e 142/2015, foi no sentido de fomentar a audição da criança ou jovem, “sendo que para tal deixou de se falar de idades para realização da mesma, ficando a realização da audição judicial da criança a depender, fundamentalmente, do critério da “capacidade de compreensão dos assuntos em discussão, tendo em atenção a sua idade e maturidade” (cfr. art.º 4º, nº 1 al. c))”.
Decorre, assim, do exposto que a “consagração da audição judicial da criança deixou de se filiar num critério objectivo (como, por via de regra, sucedia na lei pretérita, onde se estabelecia a obrigatoriedade de audição relativamente a toda e qualquer criança de 12 anos ou mais), passando antes a assentar em critérios subjectivos de aferição, como a “capacidade de compreensão”, a “maturidade” e o “discernimento”. Esta capacidade de “compreensão suficiente”, ou capacidade de entendimento mínimo, consubstancia-se então numa capacidade de compreensão relativa, assente na capacidade de compreender qual o assunto que será objecto das suas declarações, ou de, pelo menos, identificá-lo, o que, naturalmente, pressupõe uma ponderação casuística a levar a cabo pelo julgador.
Desta forma, na prossecução do antecedente juízo exposto no citado aresto do STJ, bem como na demais jurisprudência que cita, acrescenta que “a ponderação acerca da maturidade da criança terá de se revelar na decisão, somente estando dispensada a justificação para a sua eventual não audição quando for notório que a sua baixa idade (que se tem considerado ser o caso de crianças com idade inferior a três anos) não o permite ou aconselhe. Dito de outro modo, quando a criança não é ouvida, terá sempre de existir um despacho a reflectir a necessidade ou não da sua audição, devidamente fundamentado (sublinhado nosso).
Ponderando acerca das consequências processuais dessa não audição, referencia quer tal omissão “afeta a validade da decisão final do correspondente processo por corresponder a um princípio geral com relevância substantiva, não sendo adequado aplicar-lhe o regime das nulidades processuais”.
Nesse sentido, e para além do referenciado aresto do STJ, apela ao entendimento de Salazar Casanova – O regulamento (CE) n.º 2201/2003 do Conselho e o princípio da audição da criança, in Scientia Juridica, Tomo LV, n.º 306 – abril/junho 2016, pág. 236 -, “quando afirma que as razões que permitem a audição de uma criança em juízo são de “ordem substantiva” e que se devem ao superior interesse da criança, e “assim, onde determinada diligência processual colida com tal interesse, há-de prevalecer este”.
Esta não audição da criança, não justificada, configura, assim, uma falta processual mas também a clara violação de regras de direito material, não devendo um tribunal limitar-se a ver esta omissão numa restrita visão processual, reconduzindo, antes, a falta a uma violação inegável da sua intrínseca validade substancial, ao dito princípio geral com relevância substantiva, e, por isso mesmo, processual” (sublinhado nosso);
- desta RL de 08/07/2021 – Relator: Nuno Lopes Ribeiro, Processo nº. 8812/14.1T8LSB-B.L2-6 -, no qual estava em equação a audição de criança de 9 anos, à data da decisão, em processo de promoção e protecção, em que se procedeu à aplicabilidade de medida de confiança, com vista a futura adopção.
Considerando-se o gravíssimo objecto da audição, entendeu-se que o mesmo constituía, “ele mesmo e por si, o fundamento que desaconselha a mesma audição, na medida em que transfere para a criança o fardo insuportável e injusto de opinar sobre a situação de perigo grave relativamente à sua segurança, saúde, formação, educação ou desenvolvimento.
E uma criança de 9 anos não tem capacidade de compreensão das várias vertentes que conduzem à conclusão de que se encontra em perigo grave, inultrapassável senão pela aplicação desta medida de confiança para adopção”.
Acrescentou-se que “não estando em causa a relevância probatória das suas declarações – pois que dos autos fluem à exaustão outros meios probatórios, por si suficientes -, a sua audição encontraria justificação enquanto exercício do direito fundamental a ser ouvida sobre a medida de promoção e protecção que se pretende beneficie e a verificação dos respectivos pressupostos.
Contudo, a sua tenra idade permite concluir que não possui a capacidade de compreensão relativamente à verificação dos necessários pressupostos de aplicação da medida em concreto – o perigo grave para a sua segurança, saúde, formação, educação e desenvolvimento, que apenas poderá ser debelado pela confiança judicial com vista a adopção.
A idade da menor indicia fortemente falta de maturidade e de capacidade para compreender os assuntos em questão.
Pelo contrário, essa audição poderá ter efeitos perniciosos no seu crescimento e construção de personalidade, na medida em que, de futuro, poderá consolidar uma ideia de que a sua opinião foi decisiva para a decisão do julgador, quando não se encontrava em condições de a tomar, pela sua tenra idade”.
Entendeu-se, assim, que “o reconhecimento formal de um direito a ser ouvido pode ter efeitos negativos de futuro, que não suplantam as vantagens dessa audição, nesta altura.
Reconhecendo-se que a situação é de fronteira – 9 anos à data presente – e afastando-se a existência de um limite mínimo etário automático para a audição, parece-nos que as vantagens e riscos dessa audição para a própria criança, justificam que, agora, não seja ouvida”, assim se considerando justificada a não audição da criança;
- desta RL de 10/11/2022 – Relatora: Ana de Azeredo Coelho, Processo nº. 3007/22.3T8LRS-B.L1-6 -, no qual, apreciando acerca das consequências da preterição da audição da criança, sem que se tenha lavrado despacho justificativo de tal exclusão, referenciou que “literalmente, a situação pode enquadrar-se no regime das nulidades processuais enquanto omissão de um acto que a lei prescreve – artigo 195.º, n.º 1, do CPC. Assim, o acórdão desta Relação e Secção de 14 de Abril de 2005, proferido no processo 1634/2005-6 (Manuel Gonçalves).
Enquadramento possível é o de considerar a omissão de audição como integrando vício da previsão do artigo 662.º, n.º 2, alínea c), do CPC, determinando a anulação da decisão para ampliação da sua base fáctica. Assim, o acórdão desta Relação de 9 de Novembro de 2021, proferido no processo 1117/14.0TMLSB-F.L1-7 (Luís Filipe Pires de Sousa), e o da Relação do Porto de 8 de Outubro de 2020, proferido no processo 2970/19.0T8PRT-C.P1 (Filipe Caroço).
Numa terceira posição, a jurisprudência vem tratando amiudadamente a omissão de que nos ocupamos como de direito material, com consequência de invalidade da decisão, excluindo o seu tratamento no âmbito das nulidades processuais, fazendo repercutir o vício directamente na decisão enquanto invalidade desta.
Encontramos enunciada esta posição no acórdão do STJ de 14 de Dezembro de 2016, proferido no processo 268/12.0TBMGL.C1.S1 (Maria dos Prazeres Beleza) e no desta Relação e Secção de 14 de Julho de 2020, proferido no processo 24889/19.0T8LSB-A.L1-6 (Nuno Ribeiro)”.
Aduzindo perfilhar este último entendimento, aduz que “a omissão em causa não é a omissão de um acto enquanto trâmite processual previsto pela lei, mas o desrespeito por um princípio enformador do direito das crianças, com repercussão processual, mas natureza substantiva, enquanto direito a ser ouvido, a ser-lhe proporcionada a liberdade de expressão de um verdadeiro sujeito de direitos e direito a fazer ouvir a sua voz no que lhe respeita, segundo a sua maturidade e capacidade de compreensão. O que afasta o enquadramento enquanto nulidade processual.
Por outro lado, embora sejam configuráveis situações de possível enquadramento no artigo 662.º, n.º 2, alínea c), do CPC, quando a audição da criança sirva os propósitos do artigo 5.º, n.º 6, do RGPTC, não é menos certo que o direito da criança a ser ouvida, a dimensão fundamental do princípio, mantém-se íntegro mesmo quando considerações de necessidade probatória não intervenham”.
Acrescentando que na concreta situação trata-se da prolação de uma decisão com omissão de um acto que a lei estabelece, com essencialidade, dever ser previamente respeitado, cita a posição de Miguel Teixeira de Sousa assumida em casos similares, e condensada no post de 08/09/2020, no sentido de que:
a) O acórdão segue a orientação que sempre se defendeu neste Blog: o proferimento de uma decisão que devia ter sido antecedida de um acto que foi indevidamente omitido implica a nulidade da decisão proferida por excesso de pronúncia (art.º 615.º, n.º 1, al. d), CPC). Sobre o problema, cf. Jurisprudência 2019 (242)).
Uma sentença só pode constituir uma nulidade processual nos termos do art.º 195.º CPC se o que estiver em causa não for a sentença como acto, mas antes a sentença como trâmite. Se, a seguir à fase dos articulados, o juiz proferir, em processamento normal, a sentença final, este proferimento constitui uma nulidade processual, porque a sentença é proferida num momento que não é o estabelecido pela lei.
Sempre que o que esteja em causa seja o conteúdo da sentença (e em que, portanto, a sentença tenha de ser vista como acto), o que pode haver é uma nulidade da sentença, nunca uma nulidade processual.
b) Diferente da situação analisada no acórdão - o tribunal omite um acto essencial e, ainda assim, profere uma decisão - é aquela em que existe uma decisão do tribunal que dispensa esse acto. Neste caso, trata-se de uma decisão contra legem que é impugnável nos termos gerais (mas com a limitação imposta pelo art.º 630.º, n.º 2, CPC)”.
Donde, conclui que:
“- a não audição da criança antes da prolação da decisão que lhe respeita tem de ser apreciada e decidida em despacho judicial, impugnável nos termos gerais.
- a omissão de audição, sem despacho que a justifique, constitui, com repercussão na decisão proferida por a tornar nula em razão de decidir de matéria sobre a qual lhe estava vedada pronúncia sem aquela audição, vício da previsão do artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do CPC”, assim se determinando a anulação da decisão proferida, e consequente audição da criança, antes da prolação de nova decisão ;
- desta RL de 12/01/2023 – Relatora: Carla Maria Oliveira, Processo nº. 438/17.4T8VFX-E.L1-8 -, o qual efectuou a distinção entre os âmbitos da audição da criança no âmbito do processo de promoção e protecção, ou seja, podendo ou não destinar-se a efeitos probatórios.
Sumariou, então, numa vertente das formalidades a cumprir nessa audição, que a “I- A intervenção para a promoção dos direitos e protecção da criança em perigo tem como princípio primeiro o interesse superior da criança, sendo corolário desse princípio, em termos processuais, a audição do menor (o mesmo deverá ser ouvido sempre que a sua maturidade e idade o permitam).
II- O art.º 5º do RGPTC, aplicável aos processos de promoção e protecção por força do art.º 84º, da LPCJP, estabelece a audição da criança em duas situações distintas: a primeira, para que a criança possa manifestar a sua opinião, a atender na decisão a tomar (cfr. nºs 1 e 4); a segunda, para que sejam tomadas declarações à criança, sempre que tal o justifique, para que o seu depoimento possa ser considerado como meio probatório (cfr. nºs 6 e 7);
III- Quando a audição da criança se assuma como uma diligência probatória, essa audição deverá efectuar-se na presença dos mandatários dos progenitores, sob pena de nulidade, nos termos do art.º 5º, nº 7, al. b) do RGPTC e art.º 3º, nº 3, do NCPC, ev xi do art.º 549º, nº 1, do NCPC.
IV- Já quando a audição da criança seja para esta possa livremente exprimir a sua opinião, a mesma não está sujeita às regras referidas nos citados nºs 6 e 7 do referido art.º 5º, não existindo qualquer nulidade quando a mesma não é realizada na presença de advogados, podendo o juiz ouvir a criança sem a presença de qualquer mandatário”;
- da RC de 13/06/2023 – Relatora: Teresa Albuquerque, Processo nº. 437/21.1T8CLD-A.C1 -, o qual começa por referenciar que “o respeito pelo superior interesse da criança - que exige sempre a ponderação dos interesses conexos com os seus bens prioritários (a vida, a liberdade, a integridade moral, a identidade pessoal, a autonomia, o desenvolvimento da personalidade) - não prescinde da sua audição quando esteja em causa decisão que a afecte naqueles seus interesses”.
Reconhecendo inexistir convergência jurisprudencial relativamente às consequências da não audição da criança, quando esta se impõe, inexistindo despacho justificativo da exclusão dessa audição, perfilha a orientação estabelecida no citado aresto do STJ de 14/12/2016, assim concluindo pela anulação da decisão, com consequente cumprimento pelo Tribunal recorrido dos actos omitidos;
- da RP de 23/11/2023 – Relatora: Isabel Silva, Processo nº. 3063/20.9T8VFR-G.P1 -, no qual se sumariou que:
I - A omissão da audição da criança integra uma realidade jurídica complexa, que tanto pode redundar numa nulidade processual, como num erro de julgamento, com repercussão na apreciação e decisão da matéria de facto, a impor a anulação da decisão.
II - Há que distinguir entre a omissão de audição tout court, e uma decisão expressa e fundamentada de não audição; neste último caso, estamos no âmbito duma impugnação por erro de julgamento”;
- desta RL de 05/12/2023 – Relatora: Cristina Silva Maximiano, Processo nº. 28159/17.0T8LSB.L1-7 -, no qual se referenciou que tem sido entendimento jurisprudencial, aí expressamente acolhido, 
que a ponderação acerca da maturidade da criança terá de se revelar na decisão, apenas estando dispensada a justificação para a sua não audição quando for notório que a sua baixa idade (que se tem considerado ser o caso de crianças com idade inferior a três anos) não o permite ou aconselhe. Ou seja, quando a criança não é ouvida, terá sempre de existir um despacho, devidamente fundamentado, a dispensar tal audição”.
Relativamente às consequências processuais decorrentes de tal falta de audição, quando esta é devida, ou da falta de consignação de justificação para a não audição, apelou ao entendimento de Paulo Guerra - in “A Audição de Crianças em Tribunal – e quando não se ouvem?”, em “Questões do Regime Geral do Processo Tutelar Cível”, caderno de “Colecção Formação Contínua”, E-book publicado pelo Centro de Estudos Judiciários, Julho 2019, p. 89-90, acessível em https://cej.justica.gov.pt/LinkClick.aspx?fileticket=wpeLi5nKGq0%3D&portalid=30 -, no sentido de que atendendo ao princípio de respeito pelas opiniões da criança, reconhecido pelo art.º 12º da Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança, “fácil é de concluir que o regime das nulidades processuais não é, de facto, o mais adequado à catalogação do vício da falta de audição de uma criança em sede judiciária. (…) Na realidade, e para finalizar, se é verdade que a criança não tem, em regra, capacidade de exercer sozinha os seus legais direitos, também o é que haverá certos direitos ligados à substância e ao «ser» da criança que só podem gozados por ela própria, de viva voz, sem interferência de terceiros. E aí basta-lhe a sua capacidade regra de gozo de direitos. E bastará ao tribunal afirmar essa essência e substância para declarar que a omissão da audição de uma criança com maturidade para o efeito, quando conveniente, afeta a subsistência da decisão que não a admitiu, não por força da constatação de uma nulidade processual civil de natureza secundária, mas por aplicação direta do princípio básico (de essência) da existência de uma criança – ter direito a ser ouvida por quem vai decidir relevantes aspetos da sua vida.” (sublinhado nosso).
Donde, ter-se entendido que, perante a não audição legalmente tutelada, e falta de decisão fundamentante da respectiva dispensa, impunha-se a anulação da decisão apelada, com consequente determinação da baixa do processo a fim de, ou proceder-se à audição olvidada, caso a capacidade de compreensão o determinasse, ou justificar-se a decisão de não audição.

Acerca da questão em apreciação, referencia Paulo Guerra - QUESTÕES DO REGIME GERAL DO PROCESSO TUTELAR CÍVEL 3. Audição da criança, pg. 88 e sgs, disponível em http://www.cej.mj.pt/cej/recursos/ebooks/familia/eb_QRGTPC.pdf: - que “a criança não tem capacidade em regra para exercer os seus direitos em tribunal. Mas, nesta sede, por gozar do direito de ser ouvido em tribunal, tem de se fazer ouvir, quando tal for considerado conveniente e tiver maturidade para o efeito.
Deixar de ouvir uma criança neste jaez é «matar» um seu direito substancial, colado à sua pele com a própria «essência das coisas».
Ouvir uma criança em tribunal não é um acidente de percurso – é um direito inalienável de toda a criança, para o exercício do qual, nesta sede, não tem de ser representado por terceira pessoa.
Isso faz parte da essência dos seus direitos. Volto à Magna Carta da Infância.
Quanto ao conteúdo normativo da Convenção da ONU de 1989, pode-se dizer que o mesmo se reconduz a quatro princípios fundamentais:
— Princípio da não discriminação, consagrado no artigo 2.º, segundo o qual os Estados Partes se comprometem a respeitar e a garantir os direitos firmados na Convenção «a todas as crianças que se encontrem na sua jurisdição, sem discriminação alguma, independentemente de qualquer consideração de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião pública ou outra da criança, de seus pais ou representantes legais, ou da sua origem nacional, étnica ou social, fortuna, incapacidade, nascimento ou de qualquer outra situação»;
— Princípio do interesse superior da criança, plasmado no artigo 3.º, o qual deverá constituir a consideração primacial a ter em conta em «todas as decisões relativas a crianças, adotadas por instituições públicas ou privadas de proteção social, por tribunais, autoridades administrativas ou órgãos legislativos»;
— Princípio de que a criança tem direito à vida, à sobrevivência e ao desenvolvimento, estabelecido pelo artigo 6.º, que protege não só o direito à vida, como também à sobrevivência e ao desenvolvimento, devendo estes últimos ser assegurados na «máxima medida possível» (e aqui a noção de «desenvolvimento» deve ser interpretada num sentido amplo e abarcando uma dimensão qualitativa que contemple, para além da saúde física da criança, o seu desenvolvimento mental, emocional, cognitivo, social e cultural);
— Princípio do respeito pelas opiniões da criança, reconhecido pelo artigo 12.º, o qual se reconduz ao direito de que a criança é titular de exprimir livremente a sua opinião sobre as questões que a ela respeitem e de as suas opiniões serem devidamente tomadas em consideração, de acordo com a sua idade e maturidade – para tanto, «deve ser assegurada à criança a oportunidade de ser ouvida nos processos judiciais e administrativos que lhe respeitem».
Atento este último princípio, fácil é de concluir que o regime das nulidades processuais não é, de facto, o mais adequado à catalogação do vício da falta de audição de uma criança em sede judiciária.

E daí a relevância deste aresto de 2016 que vem lançar novos desafios ao próprio direito processual da criança.
Na realidade, e para finalizar, se é verdade que a criança não tem, em regra, capacidade de exercer sozinha os seus legais direitos, também o é que haverá certos direitos ligados à substância e ao «ser» da criança que só podem gozados por ela própria, de viva voz, sem interferência de terceiros.
E aí basta-lhe a sua capacidade regra de gozo de direitos.

E bastará ao tribunal afirmar essa essência e substância para declarar que a omissão da audição de uma criança com maturidade para o efeito, quando conveniente, afeta a subsistência da decisão que não a admitiu, não por força da constatação de uma nulidade processual civil de natureza secundária, mas por aplicação direta do princípio básico (de essência) da existência de uma criança – ter direito a ser ouvida por quem vai decidir relevantes aspetos da sua vida” (sublinhado nosso).

Aqui chegados, podemos enunciar as seguintes directrizes ou critérios:
- conforme prevê o art.º 5º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível, aplicável ao processo de promoção e protecção por força do prescrito no art.º 84º da Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo, a audição da criança ou jovem pode ocorrer em duas diferenciadas situações;
- na primeira, para que a criança ou jovem possam expressar a sua opinião e vontade relativamente à decisão proferenda – cf., os nºs. 1 e 4, do art.º 5º; na segunda, para que as declarações a tomar à criança ou jovem possam ser consideradas como meio probatório - cf., os nºs. 6 e 7, do mesmo normativo;
- no âmbito do processo de promoção e protecção, a criança ou jovem possuem o inalienável direito, na defesa do seu superior interesse, de ser ouvidos e participar nos actos e definição da medida de promoção e protecção aplicanda, ou seja, têm o direito que o seu ponto de vista seja considerado no processo de formação da decisão de que são destinatários;
- tal audição deve ter em consideração a capacidade da criança ou jovem para a compreensão dos assuntos e matérias em discussão, na ponderação da sua idade e (i)maturidade;
- o que implica uma análise casuística dos critérios subjectivos de aferição, tais como a (i)maturidade, discernimento e capacidade de compreensão ou entendimento suficientes, tendo em atenção o assunto objecto das declarações a prestar;
- caso o tribunal decida pela dispensa da audição, deve justificá-la, fundamentando e indicando as razões que a não permitem ou aconselham, nomeadamente as resultantes da baixa idade ou notória imaturidade revelada;
- apenas sendo de dispensar tal justificação para a não audição nas situações em que é notório que a baixa idade da criança não o permite ou aconselha, o que vem sendo considerado nas situações em que a mesma tem idade inferior a três anos;
- as consequências processuais de tal falta de audição não se reconduzem à aplicação do regime das nulidades processuais civis secundárias, pois, correspondendo a um princípio geral com relevância substantiva, afecta a validade das decisões proferidas no processo
- ou seja, tal não audição configura, para além de uma falta processual, uma clara violação das regras de direito material, que se traduz em inegável violação da intrínseca validade substancial da decisão, isto é, faz-se repercutir o vício directamente na decisão enquanto causa da invalidade desta;
- desta forma, ocorrendo omissão de audição, sem que exista despacho que a justifique, tal tem efectiva repercussão na decisão proferida, maculando-a de nulidade em virtude de ter decidido sobre matéria a que lhe estava vedada pronúncia, sem aquela audição, assim traduzindo a prática do vício de excesso de pronúncia inscrito na 2ª parte, da alínea d), do nº. 1, do art.º 615º, do Cód. de Processo Civil;
- o que determina a anulação da decisão proferida, de forma a proceder-se à omitida audição da criança ou jovem ou, em alternativa, ser prolatado despacho que fundamente e justifique tal dispensa de audição, com consequente prolação de nova decisão.

Reportando tais ensinamentos ao caso sub judice, temos então que:
· O presente processo de promoção e protecção iniciou-se em 08/04/2021, ou seja, encontra-se pendente há quase três anos;
· A primeira medida de natureza cautelar, ainda que sem estrita aplicabilidade de medida de promoção e protecção (pois apenas foi determinada relativamente ao regime de visitas do progenitor pai à menor filha), data de 19/05/2021;
· Por sua vez, a medida de promoção e protecção de apoio junto dos pais, na pessoa da progenitora mãe, foi aplicada inicialmente, com natureza cautelar ou provisória, em 14/07/2021, por um período de 4 meses;
· Tal medida, sempre com natureza provisória ou cautelar, foi objecto de (6) seis despachos de prorrogação na sua execução (nunca foi proferido qualquer despacho de continuação de execução da medida), cada um deles pelo prazo de 6 meses, proferidos em 21/12/2021, 08/04/2022, 15/07/2022, 29/11/2022, 06/04/2023 e 24/11/2023 (sendo esta última a decisão apelada);
· Ou seja, até à prolação da decisão recorrida, a enunciada medida, aplicada a título cautelar ou provisório, teve uma duração real superior a 2 anos e 4 meses, e uma duração determinada superior a 2 anos e 10 meses, sendo que, com a última prorrogação determinada, a sua duração seria de 3 anos e 4 meses;
· Ora, durante todo este período, nunca o Tribunal a quo procedeu à audição da criança AB, nem nunca consignou qualquer despacho justificativo do motivo pelo qual não deu operacionalidade ao comando legal que o obrigava a proceder a tal audição, quer no que concerne à alegada situação de perigo legitimadora da sua intervenção na presente sede de promoção e protecção, quer no que concerne á medida que foi aplicada, e subsequentes juízos de revisão da mesma ;
· Ou seja, todo o conhecimento que o Tribunal apreendeu acerca da percepção da criança acerca da instauração da presente acção, natureza da medida cautelar aplicada e juízos de prorrogação desta, foram obtidos por intermédio de terceiros, nomeadamente pelos relatórios da psicóloga que acompanha a menor, relatórios sociais da EMAT e das demais instâncias ou entidades que vêm acompanhando a situação da criança e respectivos progenitores;
· A AB nasceu em 19/01/2014, pelo que à data do início dos presentes autos tinha 7 anos, tendo 9 anos (quase 10) à data da prolação da decisão de prorrogação recorrida.
Ora, atendendo ao exposto, impunha-se, com efectividade, que o Tribunal a quo tivesse procedido à devida audição da criança, ou que, caso assim o entendesse e considerasse, tivesse proferido fundada decisão justificadora para a não operacionalização de tal audição, nomeadamente as resultantes de notória imaturidade revelada, ou de ausência de capacidade de compreensão e entendimento para emitir pronúncia acerca do assunto em equação.
Atendendo ao assunto primordial em equação – o exercitar do direito de convívios estipulado da AB ao pai, em articulação com o mau relacionamento entre os progenitores e a alegada situação de violência doméstica do progenitor pai perante a progenitora mãe -, não evidenciam minimamente os autos que a menor não possua capacidade ou entendimento para manifestar a sua vontade, perante o julgador, relativamente ao assunto primordial em equação, traduzido na execução do regime de convívios com o progenitor pai.
Pelo que, verificada tal omissão, urgiria determinar a anulação da proferida decisão de prorrogação de execução da medida, cautelar e provisória, de promoção e protecção, de forma a proceder-se à omitida audição da criança ou, em alternativa, ser prolatado despacho que fundamente e justifique tal dispensa de audição, com consequente prolação de nova decisão.

Acresce que, neste ponto, não é pertinente afirmar-se não ter o Apelante arguido a nulidade da decisão, pois resulta com evidência que o fez – cf., exemplificativamente, os pontos L), M), R) e X), das conclusões alegacionais -, embora com diferenciada qualificação jurídica que, nesta sede, se impõe apenas corrigir.
O que determinaria, relativamente ao presente segmento, juízo de procedência das conclusões alegacionais e, prima facie, prejudicialidade no conhecimento das demais questões decidendas.

Todavia, entendemos que o juízo exposto não prejudica a análise da questão subsequente, cujo conhecimento se impõe desde logo por razões de economia e celeridade processual, pelo que a passaremos a apreciar.


5) Da (in)adequação e (im)pertinência do decidido

5.1. Da violação dos princípios da intervenção mínima e da proporcionalidade e actualidade, enunciados nas alíneas d) e e), do art.º 4º, da LPCJP
5.2. Da inexistência de justificação para a manutenção da medida de promoção e protecção e da sua necessária cessação e arquivamento do processo

Enuncia o Apelante que a decisão apelada mantém “a suspensão dos convívios com o pai, progenitor com quem a criança não convive há mais de 5 anos”, olvidando “que já se encontra arquivado o processo-crime que estava em fase de inquérito contra o Progenitor, bem como olvida a existência de processo-crime de subtração de menor contra a Progenitora e ainda de processo incumprimento e de alteração de exercício das responsabilidades parentais, do aqui Recorrente contra a Recorrida, desde 6 de dezembro de 2018, no sentido de alargar os convívios da criança com o pai”.
Acrescenta que a mesma decisão olvida, ainda, “a avaliação do real e atual estado da criança, bem como o que é que terá levado a criança a ficar como está, qual a participação e colaboração da Progenitora no estado da criança e na hipotética rejeição ao pai”, sendo que, “não tendo as medidas de proteção por finalidade «acções desenvolvidas no domínio da chamada «prevenção secundária», destinada a eliminar ou reduzir factores de risco, através da actuação directa ao nível da criança, dos pais e do seu meio envolvente», conclui-se que a douta sentença violou os princípios consignados nas sobreditas alíneas do artigo 4.º da LPCJP, sendo, por isso, merecedora de censura e devendo ser revogada”.
Aduz, ainda, não ter sido identificado pelo Tribunal a quoo perigo atual a que esta criança está exposta, sendo que vive com a mãe, não sendo plausível que a situação atual da AB seja por si só suficiente e bastante para desencadear a abertura de um processo de promoção e proteção e/ou mantê-lo”, pelo que o presente processo “promove e facilita o afastamento do pai da vida da filha e promoveu uma verdadeira alteração ao exercício das responsabilidades parentais, ceifando o progenitor da vida desta criança”.
Assim, referencia que importa “indicar onde é que está o perigo e se o perigo deixou de subsistir, a douta sentença terá de o assumir e antes arquivar os presentes autos”, estando a progenitora a ser favorecida “pela existência deste processo de promoção, que por si tem afastado o Recorrente da filha e legitimado os incumprimentos dos convívios da criança com o pai”.
Donde, conclui, “ante a falta de acordo dos progenitores e a inexistência de situação de perigo, o Tribunal a quo deveria ter determinado cessada a medida aplicada e arquivado o processo de promoção e proteção, o que não tendo ocorrido impõe a revogação da sentença”.

Em sede de resposta alegacional, referencia o Ministério Público que a medida “provisória de apoio junto da mãe mantém a sua actualidade e é adequada a afastar o perigo em que a AB se encontra, não se tendo registado alterações na situação da mesma, não tendo o recorrente vindo colocar em causa de despachos anteriores que foram proferidos nos mesmos termos”.
Acrescenta resultar “à saciedade dos autos, que a AB ainda não está preparada para reiniciar os convívios com o progenitor, disso dando conta os múltiplos técnicos que têm intervenção nos autos”, sendo essa a “razão dos convívios continuarem suspensos pelo tribunal, aguardando-se a informação dos técnicos no sentido de que estão reunidas todas as condições para se reiniciarem os convívios da menor com o pai”.
Efectivamente, “o pai, tal como a criança, está a beneficiar de apoio psicológico, e a mãe a título particular, estando a medida a ser acompanhada de forma intensiva pela gestora do processo da EMAT, com intervenção da psicóloga do Gabinete de Assessoria ao tribunal, pelo IAC, pela LIGA DE AMIGOS DO HOSPITAL GARCIA DE ORTA, pelo MOVIMENTO DE DEFESA DA VIDA, MDV, havendo reuniões de articulação de todas estas entidades”, resultando, assim, “que o tribunal tudo tem procurado fazer para que se reatem os convívios que já tiveram lugar, mas que tiveram que ser suspensos devido à reacção negativa da criança que o próprio pai, nessa altura, percebeu e aceitou”.
Assim, entende que o trabalho “na valência de Psicologia de que estão a beneficiar o progenitor e a criança, ainda, não teve tempo de dar frutos para que se colmate o risco de nova rejeição desses convívios”, sendo que o facto “da própria criança ter ou não uma visão distorcida da realidade, não implica que seja a mesma obrigada a conviver com o progenitor, tendo que ser respeitada a sua perspectiva e trabalhada para ultrapasse a rejeição aos convívios”.
Por fim, conclui que o “processo está pendente há muito e também o MP desejava que a situação fosse ultrapassada, mas, reitera-se, os técnicos envolvidos não são favoráveis a que os convívios sejam para já retomados, não existindo nos autos elementos de prova que contradigam a posição desses técnicos”.

Analisemos.

Prescrevendo acerca do objecto da Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo – aprovada pelo art.º 1º da Lei nº. 147/99, de 01/09 -, o art.º 1º deste diploma enuncia que a finalidade do mesmo é “a promoção dos direitos e a protecção das crianças e dos jovens em perigo, por forma a garantir o seu bem-estar e desenvolvimento integral”.

Acrescenta o art.º 3º do mesmo diploma – entretanto alterado pela Lei nº. 142/2015, de 08/09 e pela Lei 26/2018, de 05/07 -, prevendo acerca da legitimidade da intervenção, que:
“1 - A intervenção para promoção dos direitos e proteção da criança e do jovem em perigo tem lugar quando os pais, o representante legal ou quem tenha a guarda de facto ponham em perigo a sua segurança, saúde, formação, educação ou desenvolvimento, ou quando esse perigo resulte de ação ou omissão de terceiros ou da própria criança ou do jovem a que aqueles não se oponham de modo adequado a removê-lo.
2 - Considera-se que a criança ou o jovem está em perigo quando, designadamente, se encontra numa das seguintes situações:
a) Está abandonada ou vive entregue a si própria;
b) Sofre maus tratos físicos ou psíquicos ou é vítima de abusos sexuais;
c) Não recebe os cuidados ou a afeição adequados à sua idade e situação pessoal;
d) Está aos cuidados de terceiros, durante período de tempo em que se observou o estabelecimento com estes de forte relação de vinculação e em simultâneo com o não exercício pelos pais das suas funções parentais;
e) É obrigada a atividades ou trabalhos excessivos ou inadequados à sua idade, dignidade e situação pessoal ou prejudiciais à sua formação ou desenvolvimento;
f) Está sujeita, de forma direta ou indireta, a comportamentos que afetem gravemente a sua segurança ou o seu equilíbrio emocional;
g) Assume comportamentos ou se entrega a atividades ou consumos que afetem gravemente a sua saúde, segurança, formação, educação ou desenvolvimento sem que os pais, o representante legal ou quem tenha a guarda de facto se lhes oponham de modo adequado a remover essa situação.
h) Tem nacionalidade estrangeira e está acolhida em instituição pública, cooperativa, social ou privada com acordo de cooperação com o Estado, sem autorização de residência em território nacional”.

O perigo a que se reporta o presente normativo “traduz a existência de uma situação de facto que ameace a segurança, saúde, formação, educação ou desenvolvimento da criança ou do jovem, não se exigindo a verificação da efectiva lesão da segurança, saúde, formação, educação ou desenvolvimento. Basta, por isso, a criação de um real ou muito provável perigo, ainda longe de dano sério”, sendo que a situação de perigo deve ser actual e persistente à data da decisão, conforme decorre dos artigos 4º, alín. e) e 111º, do diploma em equação [15].

Relativamente aos princípios orientadores da intervenção, estão previstos no art.º 4º do mesmo diploma. Com relevo para o caso sub júdice podemos enunciar, exemplificativamente, os seguintes:
- o princípio do interesse superior da criança e do jovem, o qual traduz que “a intervenção deve atender prioritariamente aos interesses e direitos da criança e do jovem, nomeadamente à continuidade de relações de afecto de qualidade e significativas, sem prejuízo da consideração que for devida a outros interesses legítimos no âmbito da pluralidade dos interesses presentes no caso concreto”;
- o princípio da privacidade, o qual dispõe que “a promoção dos direitos e protecção da criança e do jovem deve ser efectuada no respeito pela intimidade, direito à imagem e reserva da sua vida privada”;
- o princípio da proporcionalidade e actualidade, no sentido de que “a intervenção deve ser a necessária e a adequada à situação de perigo em que a criança ou o jovem se encontram no momento em que a decisão é tomada e só pode interferir na sua vida e na da sua família na medida do que for estritamente necessário a essa finalidade” ;
- o princípio da responsabilidade parental, no sentido de que “a intervenção deve ser efectuada de modo que os pais assumam os seus deveres para com a criança e o jovem”;
- o princípio da prevalência da família, no sentido de que “na promoção de direitos e na protecção da criança e do jovem deve ser dada prevalência às medidas que os integrem na sua família, quer na sua família biológica, quer promovendo a sua adopção ou outra forma de integração familiar estável”.

No que concerne à finalidade das medidas de promoção dos direitos e de protecção, aduz o artigo 34º do mesmo diploma visarem as mesmas:
a) Afastar o perigo em que estes se encontram;
b) Proporcionar-lhes as condições que permitam proteger e promover a sua segurança, saúde, formação, educação, bem-estar e desenvolvimento integral;
c) Garantir a recuperação física e psicológica das crianças e jovens vítimas de qualquer forma de exploração ou abuso”.

Por fim, o art.º 35º, consagrando o princípio da tipicidade, efectua a elencagem das medidas de promoção e protecção, dividindo-as entre as executadas no meio natural de vida ou em regime de colocação, e fazendo-as elencar pela respectiva ordem de preferência e prevalência.

Dispõem os n.ºs 1 e 2 do art.º 69º da Constituição da República Portuguesa que “as crianças têm direito à protecção da sociedade e do Estado, com vista ao seu desenvolvimento integral, especialmente contra todas as formas de abandono, de discriminação e de opressão e contra o exercício abusivo da autoridade na família e nas demais instituições.
2. O Estado assegura especial protecção às crianças órfãs, abandonadas ou por qualquer forma privadas de um ambiente familiar normal”.
Por sua vez, os artigos 19º e 20º da Convenção Sobre os Direitos da Criança [16], na prossecução de idênticos princípios, dispõem que:
“Os Estados Partes tomam todas as medidas legislativas, administrativas, sociais e educativas adequadas à protecção da criança contra todas as formas de violência física ou mental, dano ou sevícia, abandono ou tratamento negligente; maus tratos ou exploração, incluindo a violência sexual, enquanto se encontrar sob a guarda de seus pais ou de um deles, dos representantes legais ou de qualquer outra pessoa a cuja guarda haja sido confiada.
2. Tais medidas de protecção devem incluir, consoante o caso, processos eficazes para o estabelecimento de programas sociais destinados a assegurar o apoio necessário à criança e aqueles a cuja guarda está confiada, bem como outras formas de prevenção, e para identificação, elaboração de relatório, transmissão, investigação, tratamento e acompanhamento dos casos de maus tratos infligidos à criança, acima descritos, compreendendo igualmente, se necessário, processos de intervenção judicial.
1. A criança temporária ou definitivamente privada do seu ambiente familiar ou que, no seu interesse superior, não possa ser deixada em tal ambiente tem direito à protecção e assistência especiais do Estado.
2. Os Estados Partes asseguram a tais crianças uma protecção alternativa, nos termos da sua legislação nacional.
3. A protecção alternativa pode incluir, entre outras, a forma de colocação familiar, a kafala do direito islâmico, a adopção ou, no caso de tal se mostrar necessário, a colocação em estabelecimentos adequados de assistência às crianças. Ao considerar tais soluções, importa atender devidamente à necessidade de assegurar continuidade à educação da criança, bem como à sua origem étnica, religiosa, cultural e linguística”.
Refira-se, ainda, o Princípio VII da Declaração dos Direitos da Criança [17], o qual consagra que:
A criança tem direito à educação, que deve ser gratuita e obrigatória, pelo menos nos graus elementares. Deve ser-lhe ministrada uma educação que promova a sua cultura e lhe permita, em condições de igualdade de oportunidades, desenvolver as suas aptidões mentais, o seu sentido de responsabilidade moral e social e tornar-se um membro útil à sociedade.
 O interesse superior da criança deve ser o princípio directivo de quem tem a responsabilidade da sua educação e orientação, responsabilidade essa que cabe, em primeiro lugar, aos seus pais.
A criança deve ter plena oportunidade para brincar e para se dedicar a actividades recreativas, que devem ser orientados para os mesmos objectivos da educação; a sociedade e as autoridades públicas deverão esforçar-se por promover o gozo destes direitos”.
Bem como os Princípios 4º e 5º da mesma Declaração, estatuindo que:
a criança deve beneficiar da segurança social. Tem direito a crescer e a desenvolver-se com boa saúde; para este fim, deverão proporcionar-se quer à criança quer à sua mãe cuidados especiais, designadamente, tratamento pré e pós-natal. A criança tem direito a uma adequada alimentação, habitação, recreio e cuidados médicos.
A criança mental e fisicamente deficiente ou que sofra de alguma diminuição social, deve beneficiar de tratamento, da educação e dos cuidados especiais requeridos pela sua particular condição”.

Resulta do legal enquadramento efectuado, estar “na protecção e garantia de direitos básicos da criança ou do jovem, nomeadamente o direito à vida, ao desenvolvimento saudável, ter uma família, à privacidade, a condições de vida acima do limiar da pobreza, a cuidados primários de saúde, uma educação, a participar nas decisões que lhe dizem respeito, as garantias de sucesso na sua integração social e prevenir situações de perigo e de condutas desviantes ou de marginalidade[18].

Ainda com relevo para a situação concreta em análise, estatui o art.º 37º da LPCJP, prevendo acerca de medidas cautelares, que:
1 - A título cautelar, o tribunal pode aplicar as medidas previstas nas alíneas a) a f) do n.º 1 do artigo 35.º, nos termos previstos no n.º 1 do artigo 92.º, ou enquanto se procede ao diagnóstico da situação da criança e à definição do seu encaminhamento subsequente.
2 - As comissões podem aplicar as medidas previstas no número anterior enquanto procedem ao diagnóstico da situação da criança e à definição do seu encaminhamento subsequente, sem prejuízo da necessidade da celebração de um acordo de promoção e proteção segundo as regras gerais.
3 - As medidas aplicadas nos termos dos números anteriores têm a duração máxima de seis meses e devem ser revistas no prazo máximo de três meses (sublinhado nosso).
Por sua vez, os nºs. 2 e 3, do art.º 59º, acerca do acompanhamento da execução das medidas, enuncia que:
2 - A execução da medida aplicada em processo judicial é dirigida e controlada pelo tribunal que a aplicou.
3 - Para efeitos do disposto no número anterior, o tribunal designa equipas específicas, com a composição e competências previstas na lei, ou entidade que considere mais adequada, não podendo, em qualquer caso, ser designada a comissão de proteção para executar medidas aplicadas pelo tribunal”.
Acrescentando o nº. 4, do art.º 35º, que “o regime de execução das medidas consta de legislação própria”.
O que nos remete para o DL nº. 12/2008, de 17/01 – acerca do regime de execução das medidas de promoção e protecção das crianças e jovens em perigo em meio natural de vida -, nomeadamente para o nº. 2, do art.º 5º, ao prescrever que a “execução das medidas decididas em processo judicial é dirigida e controlada pelo tribunal, cabendo os actos materiais da sua execução e respectivo acompanhamento às entidades que forem legalmente competentes e designadas na decisão”.
O acompanhamento e monotorização na aplicação da medida encontra-se enunciada no art.º 20º do mesmo diploma, acrescentando as alíneas a) a c), do nº. 1, do art.º 22º, prevendo acerca dos direitos da criança ou jovem, que:
“1 - A criança ou o jovem quando lhe seja aplicada uma medida de apoio junto dos pais de apoio junto de outro familiar ou de confiança a pessoa idónea tem direito:
a) A ser ouvido e a participar em todos os actos relacionados com a execução da medida, de acordo com a sua capacidade para entender o sentido da intervenção;
b) A ser ouvido pela comissão de protecção ou pelo tribunal que aplicou a medida, sempre que o requeira e o seu grau de maturidade o permita, podendo fazer-se acompanhar pelos pais, representante legal, pessoa que tenha a guarda de facto ou pessoa da sua confiança;
c) A receber a protecção e educação que garanta o desenvolvimento integral da sua personalidade e suas potencialidades, sendo-lhe assegurada a prestação dos cuidados de saúde, formação escolar, vocacional e profissional e a participação em actividades culturais, desportivas e recreativas, de acordo com as suas motivações e interesses”.

Prevendo acerca da duração das medidas no meio natural de vida, estatuem os nºs. 1 e 2, do art.º 60º, da LPCJP, que:
“1 - Sem prejuízo do disposto no número seguinte, as medidas previstas nas alíneas a), b), c) e d) do n.º 1 do artigo 35.º têm a duração estabelecida no acordo ou na decisão judicial.
2 - Sem prejuízo do disposto no número seguinte, cada uma das medidas referidas no número anterior não pode ter duração superior a um ano, podendo, todavia, ser prorrogadas até 18 meses se o interesse da criança ou do jovem o aconselhar e desde que se mantenham os consentimentos e os acordos legalmente exigidos(sublinhado nosso).
A revisão das medidas encontra-se prevista no art.º 62º, do mesmo diploma, o qual dispõe que:
“1 - Sem prejuízo do disposto no n.º 3 do artigo 37.º, as medidas aplicadas são obrigatoriamente revistas findo o prazo fixado no acordo ou na decisão judicial, e, em qualquer caso, decorridos períodos nunca superiores a seis meses, inclusive as medidas de acolhimento residencial e enquanto a criança aí permaneça.
2 - A revisão da medida pode ter lugar antes de decorrido o prazo fixado no acordo ou na decisão judicial, oficiosamente ou a pedido das pessoas referidas nos artigos 9.º e 10.º, desde que ocorram factos que a justifiquem.
3 - A decisão de revisão determina a verificação das condições de execução da medida e pode determinar, ainda:
a) A cessação da medida;
b) A substituição da medida por outra mais adequada;
c) A continuação ou a prorrogação da execução da medida;
d) (Revogada.)
e) (Revogada).
4 - Nos casos previstos no número anterior, a decisão de revisão deve ser fundamentada de facto e de direito, em coerência com o projeto de vida da criança ou jovem.
5 - É decidida a cessação da medida sempre que a sua continuação se mostre desnecessária.
6 - As decisões tomadas na revisão constituem parte integrante dos acordos de promoção e proteção ou da decisão judicial”.
Por fim, as fases do processoinstrução, decisão negociada, debate judicial, decisão e execução da medida – encontram-se enunciadas no art.º 106º, relativamente á sua duração, referencia o art.º 109º que “a instrução do processo de promoção e proteção não pode ultrapassar o prazo de quatro meses”, após o que se deverá proceder ao encerramento da instrução, decidindo-se consoante as alternativas inscritas no art.º 110º, todos da LPCJP – arquivamento do processo, designação de conferência com vista a, em decisão negociada, obter acordo de promoção e proteção ou em matéria tutelar cível e, por fim, determinação da prossecução do processo para debate judicial.

Enunciam Helena Bolieiro e Paulo Guerra – A Criança e a Família – Uma Questão de Direito(s), 2ª Edição, Coimbra Editora, pág. 73 e 74 – que a aplicabilidade das medidas provisórias ou cautelares encontra legal justificação “quando a emergência do caso assim o justifique ou enquanto se procede ao diagnóstico da situação da criança e à definição do seu encaminhamento subsequente”, configurando como situação de emergência toda aquela “que requer uma intervenção imediata, ainda que a título precário e provisório, de modo a remover tempestivamente o perigo detectado”.
Relativamente à duração máxima das medidas cautelares, ajuizando com base na antecedente redacção do art.º 37º - redacção inicial, decorrente da Lei nº. 147/99, de 01/09 -, a qual dispunha que “as medidas provisórias são aplicáveis nas situações de emergência ou enquanto se procede ao diagnóstico da situação da criança e à definição do seu encaminhamento subsequente, não podendo a sua duração prolongar-se por mais de seis meses”, referenciou que tal prazo tem levantado algumas dificuldades na prática judiciária, “uma vez que nem sempre é possível imprimir uma marcha processual que permita a aplicação de uma medida definitiva dentro de tal moldura temporal”.
Assim, equaciona qual a solução a adoptar nas situações em que, decorrido tal prazo de seis meses, a medida provisória continua a justificar-se, sem que se possa ainda aplicar uma medida definitiva, enunciando duas soluções contrárias jurisprudencialmente já acolhidas. Numa delas, decorrido tal prazo, a medida cessa ipso lege, caso não tenha sido ainda fixada medida definitiva; na demais, entende-se que a cessação automática da medida “não se coaduna com a natureza do processo de promoção e protecção, nem com o interesse superior da criança e do jovem a ele subjacente”.
Relativamente a esta última posição, aduzem, ainda, um outro argumento: a circunstância do nº. 6, do art.º 62º estabelecer “que as medidas provisórias devem ser necessariamente revistas no prazo máximo de 6 meses e que, segundo o nº. 3 do mesmo preceito, a decisão de revisão pode determinar a cessação, continuação, prorrogação ou substituição da medida por outra mais adequada, parece apontar para a possibilidade de se estender a sua duração para além daquele prazo. Assim sendo esgotado o prazo da sua duração, havendo razões ponderosas para que seja prorrogada, e apenas nestes casos, a medida não cessará, devendo a decisão de prorrogação ser devidamente fundamentada”.
Os mesmos Autores adoptam esta segunda posição, acrescentando que “atendendo à natureza e finalidades da intervenção de protecção, bem como aos seus princípios orientadores, afigura-se-nos que nos casos em que a efectiva protecção da criança impõe a manutenção da medida provisória, sob pena de se voltar a colocá-la na situação de perigo que desencadeou o processo, a prorrogação da execução da medida deve ser admitida, proferindo-se para tanto despacho devidamente fundamentado”.
Esta mesma posição foi perfilhada, no âmbito da redacção inicial do art.º 37º, da LPCJP, por Tomé d’Almeida Ramião – ob. cit., pág. 70 e 71.
Este Autor começou por aduzir que a fixação do limite temporal de seis meses para a duração das medidas provisórias foi considerado pelo legislador como suficiente, pois “a definição do projeto de vida da criança ou jovem implica uma avaliação aprofundada da sua situação e meio familiar, decisões que importa ponderar, mas exigem igualmente alguma celeridade, uma vez que o tempo útil da criança é diferente do tempo útil do adulto”.
Acrescenta, todavia, ser tal prazo “apenas indicativo, na medida em que o seu decurso não pode implicar a cessação imediata da medida provisória.
Na verdade, o art.º 62.º/6 impõe a revisão das medidas provisórias no prazo máximo de seis meses após a sua aplicação. Revisão que pode determinar a cessação, continuação ou substituição da medida por outra mais adequada, entre outros (art.º 62º/3). Se assim é, não faria sentido proceder à revisão da medida provisória quando esta cessa logo que alcançado esse prazo”.
Adita, como outro argumento, que “estando em causa, como está, a defesa dos interesses superiores da criança ou do jovem, cuja medida provisória se justificou face a uma situação de perigo atual e eminente que afete a sua saúde, segurança, formação, educação ou desenvolvimento, não faria sentido fazer cessar automaticamente essa medida findo esse prazo, com a consequente colocação da criança ou do jovem na anterior situação de emergência”.
Pelo que, “deverá, em princípio, ser respeitado esse prazo, mas pode ser justificadamente ultrapassado, em sede de decisão de revisão”.
Ora, um dos argumentos enunciados, que apontava no sentido da admissibilidade da extensão do prazo máximo de seis meses, não tem presentemente qualquer pertinência.
Com efeito, atenta a nova redacção introduzida nos artigos 37º e 62º, da LPCJP, pela Lei nº. 142/2015, de 08/09, resulta que o nº. 3 do art.º 37º mantém a duração máxima das medidas cautelares em 6 meses, mas prevê agora a sua revisão no prazo máximo de 3 meses, enquanto que o art.º 62º, prevendo acerca da revisão das medidas, ressalva, no 1º segmento do nº. 1, o disposto no nº. 3 do art.º 37º, no que concerne à duração e prazo de revisão das medidas cautelares, deixando o nº. 6 deste mesmo normativo de prever acerca do período de revisão das medidas provisórias ou cautelares.
Pelo que, eliminado tal argumento, que tinha evidente lógica jurídica, parece ter sido real intenção do legislador, ao manter o período de duração máxima em seis meses, e ao estabelecer um prazo máximo de revisão de três meses, limitar a duração máxima das medidas provisórias ou cautelares ao prazo legalmente definido.
Não se olvida, todavia, que atendendo à específica função do processo de promoção e protecção, traduzido na efectiva protecção da criança em situação de perigo, que reclama muitas vezes uma intervenção urgente, este entendimento confrontar-se-á, por vezes, com uma situação em que a prorrogação, mesmo que para além do prazo máximo, não poderá deixar de ser operacionalizada.
É o que sucederá quando, findo tal prazo máximo, a cessação da medida cautelar aplicada faça colocar a criança ou jovem na antecedente situação de emergência, retornando à situação de perigo anteriormente vivenciada, o que deverá ser evitado, mediante uma ponderação dos interesses conflituantes e decisão acrescidamente fundamentada, que justifique tal prorrogação para além do enunciado prazo máximo de seis meses (e, neste caso, com a prorrogação minimamente necessária à consumação da aplicabilidade de uma medida definitiva).

Relativamente à duração das medidas no meio natural de vida, já constatámos que, com excepção da medida de apoio para a autonomia de vida (que pode ser prorrogada até que a criança ou jovem perfaça 21 anos de idade), cada uma das demais “não pode ter duração superior a um ano, podendo, todavia, ser prorrogadas até 18 meses se o interesse da criança ou do jovem o aconselhar e desde que se mantenham os consentimentos e os acordos legalmente exigidos” – o nº. 2, do art.º 60º, da LPCJP.
Referencia Tomé d’Almeida Ramião – ob. cit., pág. 128 a 130 – estabelecer a lei, com precisão, “o período temporal máximo das medidas definitivas aplicadas á criança ou jovem, prazo esse que não pode, nem deve, ser excedido”, decorrendo assim daquele normativo “a natureza perentória do prazo de duração das medidas em causa, não podendo, em qualquer caso, ser ultrapassado esse limite, que o legislador considerou suficiente para que a medida aplicada atingisse a finalidade subjacente à sua aplicação”.
Pelo que, “decorrido o respectivo prazo de duração ou da sua eventual prorrogação, cessa a medida de promoção e proteção aplicada, nos precisos termos do art.º 63º., nº. 1, alínea a)”.
Aduz ser perfeitamente entendível tal solução legal, “visto que estamos em presença de um processo de natureza instrumental e cautelar - as medidas de promoção e proteção cessam logo que seja proferida decisão em procedimento cível que assegure o afastamento da criança/jovem da situação de perigo - art.º 63.º/1, alínea e) -, urgente, cuja fina­lidade é o afastamento do perigo em que a criança ou o jovem se encontra e propor­cionar-lhe as condições que permitam proteger e promover a sua segurança, saúde, formação, educação, bem-estar e desenvolvimento integral (art.º 34.º).
A natureza instrumental e cautelar do processo de promoção e proteção, o qual tem uma finalidade concreta - intervenção imediata junto de crianças e jovens em situação de perigo, removendo-o, proporcionando adequada condições que permi­tam proteger e promover a sua segurança, saúde, formação, educação, bem-estar e desenvolvimento integral -, e não a de resolver definitiva e juridicamente a situação dessa criança/jovem, cuja resolução é remetida para o processo tutelar cível adequado (vide art.ºs 63º/1, al. e), 64º/2, 72º/3 e 75º, al. b))”.
Acrescenta ter pretendido o legislador que “a medida aplicada perdure apenas durante o tempo que se considerou (no acordo ou na decisão judicial) necessário a afastar a situação de perigo e suficiente para criar as adequadas condições que permitam proteger e promover a sua segurança, saúde, formação, educação, bem-estar e de­senvolvimento integral, e não que a medida aplicada se arraste durante longos meses ou anos (em alguns casos até que o menor atinja a maioridade), sem qual­quer preocupação em definir um projeto de vida para a criança/jovem, nomeada­mente sem a obrigação em definir, em termos tutelares cíveis, a situação jurídica da criança/jovem, tal como sucedia no anterior regime, mais concretamente com as medidas aplicadas no âmbito do revogado art.º 19.º da O.T.M., com desconsideração do superior interesse da criança”.
Citando Beatriz Marques Borges - in Proteção de Crianças e Jovens em Perigo, Almedina, pág. 209 -, aduz que esse prazo de 18 meses "é mais do que suficiente para verificar se os apoios concedidos à criança/jovem e aos seus pais, ou o período de confiança a pessoa idónea, foram os meios adequados para que a família biológica pudesse reassumir em plenitude os seus poderes/deveres parentais, de forma a assegurar um projeto de desenvolvimento integral da criança/jovem".
Pelo que, a “seguir-se outro entendimento, ou seja, de nova prorrogação da medida para além do período de 18 meses, o processo poderia arrastar-se, quiçá até a criança/jovem atingir a maioridade, sem que fosse necessária a instauração de qualquer providência tutelar cível adequada à sua situação, com grave prejuízo deste, man­tendo a sua indefinição jurídica, o que seria de todo inaceitável, sendo certo que o juiz carece de iniciativa processual”.
Donde, decorrido aquele prazo máximo legal, cessa a medida aplicada, com consequente “arquivamento do processo judicial” (sublinhado nosso).

Diferenciada posição é assumida por Helena Bolieiro e Paulo Guerra – ob. cit., pág. 82 a 85 -, os quais, perante a situação em que se atingiu o prazo máximo de duração da medida, mantendo-se a situação de perigo legitimadora da sua aplicabilidade, aduzem que “a hipótese de se declarar cessada a medida e pôr termo a autos, iniciando de seguida um novo processo judicial, em que se percorrerão as fases para ele previstas, culminando na decisão, já esperada, de aplicação de medida igual à primeiramente decretada, por continuar a justificar-se a intervenção nesses precisos moldes, parece-nos estar fora de qualquer enquadramento legal, para além de poder constituir uma afronta directa ao princípio da subsidiariedade.
A medida deverá cessar, como é óbvio, mas tal não ignifica que o processo tenha de ser arquivado.
Nos casos em que a medida a cessar tenha sido aplicada por acordo de promoção, o que pode acontecer é marcar-se uma nova conferência a que alude o artigo 112.º da LPCJP, aí se delineando e celebrando outro acordo, eventualmente com a aplicação da mesma medida, mas com novo figurino e cláusulas”.
Criticando tal solução, aduz Tomé d’Almeida Ramião – ob. cit., pág. 131 e 132 – que, desde logo, existe aqui “uma contradição, entre o legislador entender que a medida devia cessar findo o prazo máximo de duração da medida, não admitindo a sua prorrogação para além desse prazo, mas permitir que de novo viesse a ser aplicada na sequência de nova conferência”.
Acresce, ainda, que tal “procedimento conduziria, na prática, a contornar o limite do prazo fixado para a duração da medida, alargando o prazo de duração, isto é. manter a execução da medida para além do prazo de 18 meses, sem garantias de que, esgotado esse novo prazo, se não repetisse o procedimento e assim sucessivamente, objetivo que o legislador vedou. Dito de outro modo, traduzir-se-ia em al­cançar, por outra via (a conferência), uma finalidade não permitida - alargar o prazo de duração da medida para além do período de 18 meses -, ou seja, perdoe­se-nos a expressão, seria fazer entrar pela janela aquilo que o legislador não permitiu entrar pela porta, quando pretendeu justamente impedir prorrogações ad infinitum, criando aparente a ilusão de uma intervenção promotora do interesse do menor em casos em que se constata inércia e inadequação.
E não se argumente que esta solução afronta ou não tem em conta ''superiores interesses" da criança/jovem, quando na verdade será pela ultrapassagem desse prazo, sem que seja aplicada a medida adequada, em sede de revisão da medida durante a sua execução ou tomadas as medidas tutelares definitiva que melhor enquadrem a situação jurídica e solidifiquem um adequado projeto de vida da criança/ jovem, afastando a situação concreta de perigo, que justificou a intervenção e aplicação da medida, que prejudica os seus superiores interesses, não a cessação da medida e o consequente arquivamento do processo.
Assim, urge considerar e entender que “se a criança/jovem continua em situação de perigo, após o decurso do prazo máximo de duração da medida (18 meses), então urge concluir que a medida aplicada se revelou inadequada e, por isso, deveria ter sido substituída, durante esse período de execução, por outra medida. Se a medida aplicada não foi suficiente a remover a situação de perigo num período de 18 meses, não se pode afirmar, com o mínimo de segurança, que o alargamento desse prazo, ainda que pela via consensual, atingirá esse objetivo (sublinhado nosso).
Acresce, ainda, não relevar “a invocação de se tratar de um processo de jurisdição voluntária e, consequentemente, não estar sujeito a critérios de legalidade estrita, realidade que se reconhece, mas insuficiente para fundamentar e justificar o atropelo a regras que o legislador fixou como imperativas”.
Por outro lado, em segundo lugar, “o processo de promoção e proteção, com as suas fases de instrução, debate judicial, decisão e execução da medida (art.º 106.º), não pode passar da fase de execução da medida (fase final do processo) para nova fase de instrução, debate judicial, decisão e execução, e assim sucessivamente, como se lhe fosse reconhecida legalmente a elasticidade processual pretendida (em particular nos casos em que a medida foi aplicada na sequência de debate judicial e onde não é previsível haver qualquer acordo dos envolvidos, pressupostos necessários para aplicação de medida no âmbito de acordo de promoção e proteção), com violação da elementar tramitação processual, não permitida pela natureza de jurisdição vo­luntária do processo. O ritualismo processual tem de ser respeitado”.
Por fim, ressalva que “o facto de a medida cessar, com consequente arquiva­mento do processo, a equipa técnica que acompanha a execução da medida, obtido o consenso dos pais e da criança/jovem, continua a manter-se devidamente informada sobre o percurso de vida da criança/jovem por um período em regra não inferior a 6 meses, dando de imediato conhecimento á comissão de proteção ou ao tribunal onde correu o processo de qualquer perturbação no seu desenvolvimento, como flui dos art.ºs 21º/2 e 3 e 34º, n." 2 do Decreto-Lei n." 12/2008”.
Acrescendo que, a manter-se a situação de perigo, “por inércia na instauração do procedimento cível adequado, sempre poderá dar origem à intervenção da comissão de proteção, face ao princípio da subsidiariedade inscrito no art.º 4.º, alínea j), ficando, em qualquer caso, salvaguardas as situações de perigo atual ou iminente para a vida ou integridade física da criança/jovem, mediante os procedimentos urgentes previstos nos art.ºs 91.º e 92.º, ou seja, a criança/jovem não fica em situação de desproteção em consequência da cessação da medida e arquivamento do processo, o que equivale a dizer que os seus superiores interesses podem, e devem, ser assegurados por outros meios de intervenção e mecanismos processuais”.

Prosseguindo o nosso excurso apreciativo, vejamos qual o entendimento que vem sendo jurisprudencialmente sustentado acerca dos prazos máximos de duração das medidas de promoção e protecção (nomeadamente das aplicadas em meio natural de vida).
O douto Acórdão desta RL de 27/03/2014 – Relatora: Ana de Azeredo Coelho, Processo nº. 2333/11.1TBTVD.L1-6, com voto de vencido, in www.dgsi.pt -, traduz os diferenciados entendimentos expostos.
Assim, neste aresto, onde estava em equação a aplicação de medida de promoção e protecção semelhante à aplicada, cautelarmente, nos presentes autos, obteve vencimento o entendimento de que “as medidas de promoção e protecção têm manifestamente um carácter de excepcionalidade, de urgência de intervenção e de provisoriedade que determina seja estabelecido um prazo peremptório para a sua duração/prorrogação”, inexistindo assim qualquer razão válida para o art.º 63º, nº. 1, alín. a), da LPCJP, deva ser interpretado como admitindo a prorrogação das medidas para além dos prazos fixados, numa alegada interpretação “à luz da teleologia de todo o diploma em que se insere e, mais, do sistema constitucional que o enquadra, ou seja, tendo em vista o superior interesse da criança ou jovem”.
Ressalva-se, assim, ter efectivamente querido o legislador “afastar a prorrogação de medidas para além dos prazos máximos que estabelece. Mais, cremos que ao estabelecer um prazo máximo improrrogável, o legislador o fez no interesse da criança e do jovem e não esquecendo-o.
Isto porque as medidas de promoção e protecção têm manifestamente um carácter de excepcionalidade, de urgência de intervenção e de provisoriedade que determina seja estabelecido um prazo peremptório para a sua duração/prorrogação.
Mais, essa natureza das medidas e a intervenção que suscitam destina-se a promover uma alteração no meio de vida do menor em ordem a transformá-lo num meio adequado ao seu desenvolvimento, sem o que medidas mais definitivas devem ser encaradas. Ora, o apoio suscitado, no caso junto da mãe, deve poder ser avaliado naquele prazo de dezoito meses em ordem a concluir-se pelo afastamento do perigo ou pela irrelevância da medida. O que o legislador pretende é obstar a que as prorrogações ad infinitum criem a ilusão de uma intervenção promotora do interesse do menor onde apenas se verifica impotência, inadequação ou inércia. Por isso o legislador assinala um prazo que entendeu bastante.
Pugnar pelos interesses do menor, em tal situação, deve levar as autoridades envolvidas a agir proactivamente na análise da situação, o que é diverso de prolongar a medida.
Na verdade, é a ultrapassagem deste prazo - sem que sejam tomadas as medidas mais definitivas que instituam um sólido projecto de vida do menor, afastando os perigos que justificaram a intervenção -, dizíamos, é justamente o atraso na instituição deste projecto de vida, que lesa o interesse do menor, não a cessação da medida.
Acrescenta-se não se ver motivo para não aplicar o estatuído na alínea a), do nº. 1, do art.º 63º, da LPCJP, pois o que configura este normativo é o reconhecimento “de o processo ter esgotado as suas potencialidades sem que nele tenham sido prosseguidas as finalidades adequadas, havendo que o fazer por outro modo.
Assim, conclui, em antecipação crítica ao juízo exposto no voto de vencido (que corresponde ao entendimento, já supra exposto, de Helena Bolieiro e Paulo Guerra), “não permitir a lei, no caso de cessação da medida, a marcação da conferência a que alude o artigo 112.º, da LPCJP”, pois, caso contrário, “a nova conferência teria a consequência de aplicar uma medida que, em substância, constituiria ou a prorrogação da que cessara ou a sua revisão. Ao que obsta o que se referiu em interpretação do artigo 63.º” (sublinhado nosso).
No douto Acórdão, igualmente desta RL, de 23/10/2014 – Relatora: Teresa Prazeres Pais, Processo nº. 144/07.8TMLSB-K.L1-8, in www.dgsi.pt -, afirmou-se que “verificados os pressupostos substantivos legalmente estabelecidos para a revisão e prorrogação da medida determinada pelo tribunal e a sua adequação à ainda vigente situação de perigo da criança, não obstante o esgotamento do prazo máximo de duração da medida, é ainda admissível a sua prorrogação (sublinhado nosso), o que parece corresponder à segunda das posições enunciadas.
Todavia, logo se ressalva, que “não podemos esquecer que as medidas de promoção e protecção têm manifestamente um carácter de excepcionalidade de urgência, de intervenção e de provisoriedade, destinando-se a promover uma alteração no meio e modo de vida do menor. Por isso, a prorrogação não pode ser encarada como mais uma “tentativa” de alcançar a protecção e promoção da criança, quando nos 18 meses antecedentes o que ocorreu foi a falência da mesma, por inadequação, inércia, desajustamento.
Termos em que só podemos concluir que a prorrogação é possível, mas os critérios para a validarem terão que atender a outra perspectiva, ou seja, a uma avaliação dos resultados da aplicação da medida no período em que vigorou”.
Adrede, factualiza a situação em equação, claramente com alguma atinência ao caso sub judice, nos seguintes termos:
“ressalta dos autos que o conflito entre os progenitores é de nível máximo. E o mais grave é que esta relação de conflituosidade não tem qualquer fim à vista, antes pelo contrário. A cada fase deste processo de promoção e protecção aquela torna-se mais violenta, servindo os autos como forma de exteriorização, quiçá de “carburante” do litígio entre os progenitores.
Como é óbvio neste quadro de relacionamento entre os progenitores, sem que se esteja avaliar as razões de ambos, e ainda que estes pensem que protegem as crianças, sejam bem intencionados, o que sucede é que são eles próprios que criam o risco para os filhos.
Reparemos, nada é feito de comum acordo, nada corre bem (consultas, percurso educativo, constantes alegações de incumprimentos de parte a parte).
Aliás, é o próprio requerido que reconhece tal, ainda que de forma implícita, quando formula esta conclusão acerca da anterior apelação:
E não pode deixar de se referir que o presente processo de promoção e proteção começou há 3 anos, a sentença é de Março de 2011, com posterior decisão de Maio de 2012 em que se reconhece que não estar totalmente removida a situação de perigo que motivou a intervenção judicial, pelo que, na verdade e lamentavelmente, os menores continuam na mesma situação (se não pior) do que há 3 anos.
Esta conclusão, ainda que descontextualizada do sentido do texto do requerido, só nos pode levar a pressupor que o Tribunal não tem meios para combater a situação de perigo. E isto sucede porque os progenitores se movem numa esfera de um conflito levado ao extremo, perdendo a noção, ainda que involuntariamente, do que é melhor para os filhos.
Logo, reportando-nos às considerações efectuadas acerca da prorrogação da medida, a pergunta é: em que é que este processo irá proteger o menor, quando a situação real, nua e crua, é que ele é o alvo do litígio entre os pais?
A resposta surge clarividente e segura: em nada, tal como também o reconhece o requerido na conclusão acima citada.
Na verdade, se o requerido entende que a situação é igual ou pior do que a existente aquando da instauração do processo, não se percebe o fundamento para continuar um processo tão desgastante para todos os interessados, e em especial para o menor.
Daí que concordemos em absoluto com a decisão impugnada, porquanto:
-- o cerne da discussão está na guarda dos filhos e quanto ao modo de exercício das responsabilidades parentais, sobretudo em matéria de educação e saúde.
Logo, o processo a seguir só pode ser a acção de regulação do exercício do poder paternal pendente. É que definidas as regras haverá a expectativa de cumprimento das mesmas e diminuição do conflito”.
Ainda desta RL, referenciemos o douto aresto de 19/05/2015 – Relator: Luís Espírito Santo, Processo nº. 835/09.9TMLSB-B.L1-7, in www.dgsi.pt -, referente a situação em que foi aplicada medida de promoção e protecção de apoio junto dos pais, cuja execução se havia prolongado por mais de 18 meses.
Entendeu-se que “atento o lapso temporal indicado, cumpre concluir que a medida de protecção e promoção aplicada extinguiu-se necessariamente passados os 18 meses (prazo máximo) previstos na lei – considerando as suas prorrogações -, isto é, em 27 de Novembro de 2014, nos precisos termos do artigo 63º, nº 1 alínea a) da LPCJP.
Não se compreende, portanto, a revisão da medida efectuada por despacho de 15 de Dezembro de 2014, quando a mesma já havia inevitavelmente caducado, por via do decurso do prazo a que a lei associa esse efeito extintivo”.
Acrescentou-se, ainda, não se verificar “in casu qualquer situação de excepcional perigo para a menor que, atendendo à natureza de processo de jurisdição voluntária destes autos (cfr artigo 100º da LPCJP) e à necessidade suprema e primordial de salvaguardar, em qualquer circunstância, o seu interesse, leve porventura a questionar o carácter peremptório do termo do prazo fixado na lei, e a defender fundadamente a sua ultrapassagem.
Com efeito, os processos de protecção e promoção de menor revestem carácter de excepcionalidade, fundando-se numa situação de urgência a que urge acudir, sendo sempre a intervenção junto da menor e do meio familiar envolvente de natureza provisória, com fim (breve) à vista.
In casu, o processo principal encontra-se suspenso há muito, após a produção de prova em audiência de julgamento, a aguardar o encerramento dos presentes autos a fim de ser proferida a decisão final que fixe, definitivamente, o regime jurídico pertinente”.
No douto Acórdão da RC de 15/01/2019 – Relator: Arlindo Oliveira, Processo nº. 827/15.9T8CBR-D.C1 – consignou-se que “o legislador fixou como prazo normal, máximo, de tais medidas, o de um ano e, excepcionalmente, a sua prorrogação até 18 meses, se o interesse da criança ou do jovem o aconselhar e desde que se mantenham os consentimentos e acordos legalmente exigidos – cf. artigo 60.º, n.º 2.
Não sendo despiciendo considerar que para algumas medidas (cf. artigos 60.º, n.º 3 e 61.º), o legislador entendeu alargar o prazo de aplicação e/ou de prorrogação de tais medidas.
Pelo que se fosse sua intenção fazê-lo relativamente às demais previstas, tê-lo-ia dito, como o fez em relação a algumas delas. Mas não o fez, pelo que, salvo o devido respeito, não deve o intérprete sobrepor-se ao que foi a vontade do legislador, para mais quando este, expressamente, fixa tais prazos e, em alguns casos, os excepciona.
Daqui, pois, urge tirar a conclusão de que a medida em causa, não pode exceder o prazo de 18 meses, pelo que se impõe a revogação da decisão recorrida.
Efectivamente, as medidas de promoção têm um carácter de provisoriedade e, por isso, sujeitas a um prazo máximo de vigência ou duração e finda esta, mantendo-se a situação de perigo que as motivou é porque a medida aplicada não foi eficaz, não sendo desejável a sua prorrogação, havendo que reanalisar a situação que as determinou e, sendo esse o caso, se necessário, partir para a aplicação de outras medidas que, de forma eficaz, salvaguardem o interesse do menor.
O que, salvo o devido respeito, não pode, é eternizar-se a aplicação de uma medida, que o legislador pretendeu não se prolongar por mais do que um certo período de tempo, com o fundamento em que a situação ainda não está consolidada, de molde a salvaguardar o interesse do menor.
Este, como já acima referido, é a pedra basilar do processo de promoção e protecção. Não surtindo efeito a medida aplicada, a solução não passará pela sua aplicação indefinida no tempo ou para lá do expressa e legalmente determinado, havendo que buscar outras soluções ou, pelo menos, reiniciar o processo de avaliação da situação em causa (sublinhado nosso).
Pelo que se determinou a cessação da medida de promoção e protecção de apoio junto da mãe, que havia sido decretada.
No douto Acórdão da RE de 30/05/2019 – Relator: Tomé Ramião, Processo nº. 473/16.0T8FAR.E1, in www.dgsi.pt -, referenciou-se que “o art.º 60.º, n.ºs 1 e 2 da L.P.C.J.P. fixa o prazo de duração máxima para a medida de apoio junto dos pais.
A medida de apoio junto dos pais terá a duração estabelecida no acordo de promoção ou na decisão judicial, mas nunca por um período superior a um ano.
Porém, após a sua execução, admite-se que esse prazo, em sede de revisão da medida nos termos do art.º 62.º/3, alínea c), possa ser prorrogado até 18 meses, desde que o interesse da criança ou do jovem o aconselhe e, simultaneamente, se mantenham os consentimentos e os acordos legalmente exigidos, nomeadamente se tiverem sido aplicadas em acordo de promoção e proteção se mantenham os consentimentos (dos pais, representante legal ou pessoa que tenha a sua guarda de facto) e o acordo do familiar ou da pessoa idónea, conforme o caso, e das entidades que subscreveram o acordo de promoção e proteção.
Decorre deste preceito legal a natureza perentória do prazo de duração da medida em causa, não podendo, em qualquer caso, ser ultrapassado esse limite, que o legislador considerou suficiente para que a medida aplicada alcance a finalidade subjacente à sua aplicação (art.º 34.º).
Por isso, é estabelecido, com precisão, o período temporal máximo das medidas definitivas aplicadas à criança ou jovem, prazo que não pode, nem deve, ser excedido (sublinhado nosso neste último parágrafo).
Por fim, defendeu-se no douto aresto do STJ de 23/08/2021 – Relator: Jorge Dias, Processo nº. 2476/18.0T8VFX-B.L1.S1, in www.dgsi.pt –, que no caso de aplicação sucessiva de duas medidas de promoção e protecção, possuindo estas natureza autónoma, “o limite temporal imposto pelo art.º 60º da LPCJP não se reporta ao conjunto das duas medidas, mas a cada uma delas em separado.
É este o sentido da norma referida sendo que, quando uma medida de proteção não atinge a finalidade que a execução da mesma pressupõe, essa medida de proteção pode/deve ser substituída por outra com a qual se preveja será atingido o objetivo, sempre ponderando o superior interesse da criança”.
Pelo que, caso se mantenha a situação de perigo para a criança e a necessidade de proteção, “após o decurso do prazo da medida de proteção aplicada, deve ser aplicada uma outra que se manifeste eficaz, tendo em conta o superior interesse da criança”.

Atento o supra exposto, podemos enunciar os seguintes critérios ou directrizes:
- as medidas de promoção e protecção provisórias ou cautelares são aplicadas quando se verifique a situação de urgência ou emergência enunciada no nº. 1, do art.º 91º, da LPCJP – existência de perigo atual ou iminente para a vida ou de grave comprometimento da integridade física ou psíquica da criança ou jovem -, ou enquanto se diagnostica a situação da criança ou jovem, com vista a definir o pertinente âmbito de intervenção;
- presentemente, resulta do nº. 3, do art.º 37º, da LPCJP, ser de seis meses o prazo máximo de duração de tais medidas, as quais devem ser revistas no prazo máximo de três meses;
-  findo tal prazo, sem que seja aplicada qualquer medida definitiva, a medida cautelar ou provisória deve ser, prima facie, declarada extinta por caducidade;
- o que só não sucederá, admitindo-se prorrogação para além daquele prazo máximo, caso a urgência de intervenção se mantenha e a cessação da medida cautelar aplicada faça colocar a criança ou jovem na antecedente situação de emergência, retornando à situação de perigo anteriormente vivenciada;
- situação em que tal juízo prorrogativo deve merecer uma acrescida fundamentação, justificativo da mesma e balizando um período mínimo necessário à aplicabilidade de uma medida definitiva;
- relativamente às medidas de promoção e protecção definitivas, aplicadas no meio natural de vida, com excepção da medida de apoio para a autonomia de vida (que pode ser prorrogada até que a criança ou jovem perfaça 21 anos de idade), cada uma das demais possui um período temporal máximo de um ano que, sob determinadas condições, pode ser prorrogado até aos 18 meses – o art.º 60º, da LPCJP ;
- tal prazo de duração tem natureza peremptória, pelo que não pode nem deve ser excedido, donde, decorrido o respectivo prazo de duração, ou da sua eventual prorrogação, cessa, por caducidade, a medida aplicada – o art.º 63º, nº. 1, alín. a), da LPCJP;
- com efeito, a medida aplicada tem por desiderato dever permanecer apenas pelo tempo necessário a remover a situação de perigo que a justificou, e criar as condições necessárias à promoção da salvaguarda total da criança ou jovem, e não que se arraste por anos sem resultados positivos visíveis ou palpáveis ;
- ou seja, as medidas de promoção e protecção têm claramente uma natureza excepcional, de provisoriedade, justificando-se num quadro de urgência, sendo assim de total pertinência o estabelecimento de um prazo peremptório para a sua duração/prorrogação;
- diferenciado entendimento conduziria a um arrastar incessante do processo, muitas vezes sem resultados práticos, inviabilizando que a situação devesse ser regulada ou definida no seu local processual próprio, ou seja, no âmbito das providências tutelares cíveis;
- com efeito, a ultrapassagem de tal prazo (e não a sua cessação), em nome de aludidos superiores interesses da criança ou jovem, é que seria desmerecer estes mesmos interesses, pois estar-se-ia a tutelar a manutenção de vigência de uma medida não adequada, por se revelar incapaz de ultrapassar ou mitigar a situação de perigo que justificou a sua aplicação ;
- ou seja, caso se conclua que, decorrido aquele prazo máximo de duração da medida aplicada, a criança ou jovem permanece em situação de perigo, então urge considerar que a medida aplicada revelou-se inadequada, por sê-lo incapaz de remover, pelo que deveria ter sido substituída, por outra, durante o prazo de execução ;
- donde, considerar o alargamento de tal prazo, ainda que de forma consensual, não garante qualquer êxito na prossecução daquele objectivo;
- efectivamente, a admissão de putativas prorrogações para além dos limites temporais legalmente definidos seria factor lesivo dos interesses da criança ou jovem, pois promoveria a manutenção de uma intervenção que se vinha revelando inadequada, ineficaz, impotente e tradutora de uma clara inércia ou ineficácia perante a situação de perigo a debelar;
- assim, decorrido o seu prazo de duração máxima, mantendo-se a situação de perigo que legitimou a sua aplicabilidade, impõe-se a reanálise de toda a situação e, caso a situação não possa ser dirimida ou ultrapassada em sede de providência tutelar cível, equacionar a aplicabilidade de outras medidas, com suficiente eficácia de salvaguarda dos interesses da criança ou jovem;
- admitindo-se, assim, que o período temporal máximo equacionado no art.º 60º, da LPCJP, se reporte a cada uma das medidas em separado, e não propriamente à soma dos períodos temporais de medidas de promoção e protecção diversas;
- resulta, ainda, do exposto que, tendo-se admitido que uma medida provisória e cautelar pudesse ser prorrogada, para além do seu prazo máximo de seis meses, caso a urgência da situação se mantivesse e a cessação da medida cautelar aplicada colocasse a criança ou jovem na antecedente situação de emergência, retornando à situação de perigo anteriormente vivenciada, consideramos, porém, que tal eventual prorrogação nunca poderá exceder o prazo máximo da mesma medida quando aplicada em termos definitivos.

Aplicando-se tal entendimento ao caso concreto sob apreciação, urge considerar o seguinte:
=> Conforme já enunciámos, a medida de promoção e protecção de apoio junto dos pais, na pessoa da progenitora mãe, foi aplicada inicialmente, com natureza cautelar ou provisória, em 14/07/2021, por um período de 4 meses;
. Tal medida, sempre com natureza provisória ou cautelar, foi objecto de (6) seis despachos de prorrogação na sua execução (nunca foi proferido qualquer despacho de continuação de execução da medida), cada um deles pelo prazo de 6 meses, proferidos em 21/12/2021, 08/04/2022, 15/07/2022, 29/11/2022, 06/04/2023 e 24/11/2023 (sendo esta última a decisão apelada);
. Ou seja, até à prolação da decisão recorrida, a enunciada medida, aplicada a título cautelar ou provisório, teve uma duração real superior a 2 anos e 4 meses, e uma duração determinada superior a 2 anos e 10 meses, sendo que, com a última prorrogação determinada, a sua duração chegaria aos 3 anos e 4 meses;
. A duração máxima de tal medida cautelar encontra-se, desde há muito, ultrapassada, sendo certo que os sucessivos juízos das seis prorrogações decretadas mostram-se proferidos em termos tabelares, sem que tivesse sido minimamente fundamentada a necessidade de ultrapassagem de tal prazo máximo, ou seja, sem que tivesse sido justificado ou fundamentado, de forma acrescida, a razão ou justificação para o incumprir daquele limite máximo de duração legalmente estipulado, com consequente estipulação de um prazo para a devida adopção de medida de promoção definitiva ;
. Por outro lado, a duração de tal medida também extravasa o limite máximo legalmente previsto caso a mesma tivesse sido adoptada em termos definitivos (18 meses), entendendo-se este como o limite máximo de vigência daquela medida;
. O que, por si só, conduz à revogação da decisão apelada, declarando-se cessada, por caducidade, a medida de promoção e protecção, de natureza cautelar e provisória, aplicada à criança AB;
. E, não tendo os presentes autos encerrado sequer a fase de instrução (com normal duração de 4 meses, cf., o art.º 109º, da LPCJP, mas já aberta desde 12/04/2021), deverá o Tribunal a quo, nos quadros do art.º 110º, do mesmo diploma, proceder a tal encerramento, com a prolação de uma das decisões aí equacionadas.

Neste despacho de encerramento da instrução, e prolação de subsequente tramitação, deverá o Tribunal a quo considerar o seguinte:
- a circunstância da medida de promoção até então aplicada já ter ultrapassado, de forma assaz manifesta, a sua duração máxima legal, o que impedirá, logicamente, a sua aplicabilidade em termos de medida definitiva;
- o facto de tal medida não ter logrado obter quaisquer efeitos positivos visíveis e sólidos, antes esgotando todas as suas potencialidades, sem que tenham sido minimamente atingidas as finalidades prosseguidas, que não o afastamento da menor dos convívios com o progenitor pai, sem que os presentes autos continuem a evidenciar qualquer razão válida para tal;
- efectivamente, o que se evidencia é a existência de uma criança profundamente condicionada pela forma como a progenitora mãe, que detém a sua guarda, percepciona o mundo, e fundamentalmente a figura do progenitor pai, o que se vem revelando manifestamente nefasto para os interesses da filha, completamente afastada dos convívios de que carece, no âmbito do seu são desenvolvimento, junto do progenitor ;
- ou seja, após um longo período de intervenção, realização de várias perícias, também aos progenitores, participação de várias entidades na área da psicologia e de apoio à criança, de mobilização de recursos mesmo de uma equipa multidisciplinar, o que se constata é que a enunciada situação de perigo não foi dirimida ou ultrapassada;
- ademais, urge mesmo ponderar se tal situação de perigo se mantém, ou mesmo se a sua fonte não será a forma como a progenitora influencia e, voluntária ou involuntariamente, manipula a filha para a percepção que deverá ter da figura paterna e, consequentemente, agir em conformidade;
- com efeito, não pode olvidar-se, nem ter a tentação de desvalorizar, o facto das variadas e múltiplas queixas criminais apresentadas pela progenitora contra o progenitor por alegada violência doméstica terem merecido, num primeiro processo, juízo absolutório, confirmado pela 2ª instância e, no segundo, despacho de arquivamento do inquérito criminal;
- nem a circunstância de, na pendência dos presentes autos, revelar-se como diferenciada a atitude de ambos os progenitores perante as sugestões e propostas dos vários técnicos acompanhantes, sendo que o progenitor pai sempre assumiu uma atitude de adesão e cooperação, tudo fazendo para a retoma dos convívios com a filha menor, enquanto que a progenitora mãe evidenciou, em muitas situações, atitude contrária, de difícil adesão ou mesmo oposição, parecendo querer perpetuar o afastamento da filha do progenitor pai, ao obstaculizar os convívios ou criando suplementares ou supervenientes dificuldades ;
-  em consonância, aliás, com a posição que a Digna Procuradora já evidencia na sua promoção posterior à apresentação do recurso (em clara e nítida evolução ao enunciado nas contra-alegações recursórias), de 04/01/2024 – cf., facto provado XII -, onde se alude “aos obstáculos que a mãe da criança coloca aos convívios”, denotadores de ser “manifesto que não existirá da parte da mãe colaboração na realização de qualquer tipo de abordagem para ser ultrapassada a questão” ; que a criança apenas “consegue ver o mundo pelos olhos da sua mãe, com quem reside a tempo inteiro” ; que “resulta à saciedade dos autos que, se depender da mãe da criança, esta nunca terá contactos com o progenitor” ; se as coisas continuarem nos mesmos termos a criança “será completamente dependente da sua mãe, não será dotada de quaisquer ferramentas que a façam querer partilhar a sua vida com outras pessoas, já que a forma como está a ser educada pela mãe terá forçosamente reflexo não só na sua relação com o progenitor” ; que os convívios da criança com o pai “não podem estar eternamente dependentes da colaboração da mãe da menor” ;
- determinando, inclusive, promoção de notificação da mãe da menor “para colaborar com o tribunal, sob pena de ser aplicada à menor medida de promoção e protecção diversa da que está em curso, já que o tribunal tem respeitado a relação da criança com a mãe, mas a mãe tem desconsiderado a benevolência a paciência do tribunal”, entendendo o Ministério Público que a relação entre mãe e filha não é “positiva já que uma criança que vive alguém que não consegue ultrapassar os seus próprios medos exerce sobre a criança uma visão distorcida da realidade e compromete o seu bem-estar e desenvolvimento saudável”, promovendo, ainda, a avaliação da “família alargada da criança para que possa estabelecer a ponte entre o pai e a criança, caso se verifique essa necessidade, ou até vir a ser confiada a familiar que permita um desenvolvimento mais harmonioso da AB” ;
- bem como com o despacho que se lhe seguiu, datado de 09/01/2024 - cf., facto provado XIII -, no qual se consignou não se vislumbrar “razões ou motivos para o comportamento adotado pela progenitora de medo e receio intitulando-se vítima de violência doméstica quando o progenitor foi não só absolvido do referido crime por sentença proferida no processo nº …/… confirmada pelo tribunal da Relação de Lisboa, como foi arquivado, no DIAP, o processo resultante das inúmeras queixas que a mesma formulou contra o mesmo” ;  que, deste modo, “não conseguirmos encontrar motivo atendível para o incumprimento das determinações e orientações técnicas por parte da progenitora que não seja a vontade deliberada de afastar a criança dos convívios com o progenitor” ; que, no cumprimento de tal propósito, a progenitora mãe “mais não fez ao longo do tempo do que desdobrar-se formulando queixas e apelos a várias entidades e organismos apresentando reclamações e pondo em causa o trabalho dos profissionais envolvidos, sendo prova disso o último requerimento que juntou aos autos” ; que resulta de forma clara e inequívoca “que a separação do casal teve consequência direta o afastamento deliberado por parte da progenitora da filha menor dos convívios com o pai, centrando-se mais na intervenção técnica de que ela própria poderia beneficiar olvidando o bem estar e estabilidade emocional da AB e incutindo à criança os seus próprios medos e receios”; que a “progenitora apesar das várias advertências que lhe têm sido feitas teima em centrar-se em si própria e na sua condição esquecendo-se de que este processo existe para debelar o risco/perigo da filha menor e defender o seu superior interesse”, do que é prova “o requerimento que a mesma atravessou aos autos no passado dia 30 de dezembro de 2023 e na sequência do contacto que teve dias antes com a técnica do MDV”, onde, para “além de reclamar da proposta feita pelo MDV, que consistiria na realização de sessões conjuntas para ultrapassar o conflito com vista ao exercício da coparentalidade, teceu críticas despropositadas à técnica interveniente centrando-se na sua condição de vitima de violência doméstica, desprezando todos os desenvolvimentos processuais, as decisões e despachos que têm sido proferidos nomeadamente nos processos crime que supra referimos” ;
- concluindo-se, assim, no mesmo despacho, não poder a progenitora “ser considerada uma vítima de violência doméstica em relação ao progenitor, continua a mostrar-se indisponível, ao contrário do progenitor, para aceitar a intervenção técnica que lhe tem sido proposta parecendo dar 1 passo em frente mas com retrocesso na prática dificultando todo o trabalho que está a ser feito em prol do bem estar da filha, que se apresenta de semblante triste como dá nota a Exma. psicóloga que a acompanha”, sendo indubitável “de que este medo e receio que constantemente alega sentir em relação ao progenitor se transmite à AB pelas razões que o MDV tão bem explica na informação que junta aos autos e que antecede” ; que o acompanhamento “que a mesma pretende e procura por si mesma recusando o que lhe é sugerido pelo técnicos intervenientes pretendendo que o processo siga um rumo diferente daquele a que está destinado e que é debelar e ultrapassar a situação de risco em que a AB se encontra, demonstra além do mais que se encontra centralizada em si própria sem qualquer abertura para deixar entrar o progenitor na vida da filha e com prejuízos manifestos para a vida da criança” ;
- e, após adoptar concretas medidas de reaproximação da criança ao progenitor pai, quer no contexto escolar, quer por intermediação dos avós paternos (e eventualmente da demais família alargada), e realçar dever o estabelecimento de ensino frequentado pela criança ser informado que o progenitor não está inibido ou suspenso de exercer as responsabilidades parentais, nomeadamente no que concerne à vida escolar da filha, solicitou parecer “a todos técnicos intervenientes nomeadamente à Exma. psicóloga que acompanha a AB da possibilidade de ser alterada a medida de apoio junto da mãe caso persista esta recusa da mesma em aceitar a intervenção que lhe é delineada pelo técnicos” ;
- Por fim, consignar que, atenta a concreta situação potenciadora do perigo elencado no requerimento inicial, bem como toda a aquisição factual já supra exposta, e a inexistência de qualquer desenvolvimento positivo na aplicabilidade da medida cautelar decretada, deverá priorizar-se solução a obter em sede de providência tutelar cível, seja neste mesmo processo, nos termos dos artºs. 110º, nº. 1, alín. b) e 112º-A, ambos da LPCJP, seja no invocado suspenso processo de alteração da regulação das responsabilidades parentais;
- sem se olvidar que, mesmo nesta sede, existe um caminho a percorrer, de forma gradual e direcionada, pois, caso se venham a confirmar os receios da menor, na mimetização da visão da progenitora (induzida ou não), aquela não deixa de sentir um efectivo e concreto sofrimento, que urge ir fazendo diminuir e monotorizar ;
- com efeito, conforme sumariado em douto Acórdão da RC de 22/06/2021 – Relator: Alberto Ruço, Processo nº. 230/11.0TMCBR-K.C1, in www.dgsi.pt -, acerca de situação com algumas semelhanças ao caso sub judice, “se o menor, com 10 anos de idade, manifesta, por actos e palavras, que não quer estar com o pai, que tem medo dele e se recusa a estar com ele, não assume relevo imediato se essa crença tem fundamento ou não tem, relevando sim o receio que invade o menor gerado por essa crença, pelo que se justifica a alteração provisória dos convívios entre ambos, passando estes a ser supervisionados pela segurança social com o fim de restabelecer a confiança do menor no seu pai”.

Por todo o exposto, em guisa conclusiva, num juízo de parcial precedência das conclusões recursórias (ainda que parcialmente com diferenciado enquadramento jurídico), decide-se o seguinte:
1. Determinar a revogação da decisão apelada/recorrida;
2. A qual se substitui por decisão que declara cessada, por caducidade, a medida de promoção e protecção (apoio junto dos pais, na pessoa da progenitora mãe), de natureza cautelar e provisória, aplicada à criança AB;
3. Consequentemente, determinar que o Tribunal a quo proceda, no imediato, ao encerramento da fase de instrução, nos quadros do art.º 110º, da LPCJP, com a prolação de uma das decisões aí equacionadas;
4. Caso tal decisão não seja a do arquivamento do processo, nos termos dos artigos 110º, nº. 1, alín. a) e 111º, do mesmo diploma, determinar que previamente à prolação de qualquer outra decisão, se proceda à devida audição da AB, conforme o prescrito no art.º 84º, ainda da LPCJP, ou que seja devidamente justificado o motivo pelo qual não se procede à mesma.

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Nos quadros do art.º 4º, nº 1, alínea i), do Regulamento das Custas Processuais, não são devidas custas.

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IV. DECISÃO

Destarte e por todo o exposto, acordam os Juízes desta 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa em:
a) Julgar parcialmente procedente o recurso de apelação interposto pelo Apelante/Recorrente progenitor LS, em que figuram como Apelados/Recorridos a progenitora JL e o DIGNO MAGISTRADO do MINISTÉRIO PÚBLICO;
b) Consequentemente:
1. Determinar a revogação da decisão apelada/recorrida;
2.  A qual se substitui por decisão que declara cessada, por caducidade, a medida de promoção e protecção (apoio junto dos pais, na pessoa da progenitora mãe), de natureza cautelar e provisória, aplicada à criança AB;
3.  Consequentemente, determinar que o Tribunal a quo proceda, no imediato, ao encerramento da fase de instrução, nos quadros do art.º 110º, da LPCJP, com a prolação de uma das decisões aí equacionadas;
4.  Caso tal decisão não seja a do arquivamento do processo, nos termos dos artigos 110º, nº. 1, alín. a) e 111º, do mesmo diploma, determinar que previamente à prolação de qualquer outra decisão, se proceda à devida audição da AB, conforme o prescrito no art.º 84º, ainda da LPCJP, ou que seja devidamente justificado o motivo pelo qual não se procede à mesma ;
c) Nos quadros do art.º 4º, nº 1, alínea i), do Regulamento das Custas Processuais, não são devidas custas.
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Lisboa, 07 de Março de 2024
Arlindo Crua
Pedro Martins (parcialmente vencido, conforme voto infra)
Rute Sobral

Voto vencido quanto a duas questões:
Da matéria de facto a ter em conta:
I - A decisão recorrida data de 23/11/2023. Os recursos têm por objecto as decisões recorridas e estas são proferidas com base nos factos que ocorreram até serem proferidas. Assim, não devem, salvo circunstâncias fora do normal, que não foram assinaladas, constar dos factos provados factos ocorridos depois da decisão recorrida, que não foram objecto de apreciação por esta, nem foram tidos em conta pelos progenitores ou pelo MP.
A invocação do disposto no art.º 611 do CPC não é justificação pois que o próprio artigo restringe o seu alcance com a expressão inicial “sem prejuízo das restrições estabelecidas noutras disposições legais”, estando incluídas nestas as normas que dizem em que condições os factos supervenientes podem ser introduzidos no processo, entre elas e principalmente o art.º 588/1 do CPC - Termos em que são admitidos - Os factos constitutivos, modificativos ou extintivos do direito que forem supervenientes podem ser deduzidos em articulado posterior ou em novo articulado, pela parte a quem aproveitem, até ao encerramento da discussão. Sendo que a introdução, pelo tribunal de recurso, de factos posteriores à decisão recorrida não está naturalmente abrangido por essa norma.
A consideração, pelo tribunal de recurso, de factos posteriores, principalmente ocorrências processuais posteriores, para as ter em conta, transforma o objecto do recurso que deixa de ser a decisão recorrida para passar a ser todo o processo e transforma também o tribunal de recurso num tribunal concorrente do tribunal de primeira instância, imiscuindo-se nas competências deste.
O art.º 986/2 do CPC tem a ver com a actividade do juiz durante a instrução da causa, não com a actividade do tribunal de recurso que tem por objecto uma decisão recorrida tomada com base em factos fixados pelo tribunal recorrido, pelo que também não pode ser invocado validamente como justificação para a consideração de tais factos/ocorrências processuais posteriores.
Em suma, entendo que devem ser eliminados os factos IX e seguintes e todas as referências posteriores a tais factos.
*
Da nomeação de patrono à filha:
II - Dado que o comportamento da mãe revela, no caso, que os interesses dela estão em conflito com os da menor (a mãe está a utilizar o processo, há longos anos, para se opor ao convívio do pai com a filha, muitos desses anos já depois de se terem demonstradas sem valor as razões que aduzia para o efeito), entendo que um dos fundamentos da revogação da decisão era a falta de nomeação de patrono à menor (art.º 103/2 da LPCJP).
Pedro Martins
_______________________________________________________
[1] A presente decisão é elaborada conforme a grafia anterior ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990, salvaguardando-se, nas transcrições efectuadas, a grafia do texto original.
[2] Todas as referências legais infra, salvo expressa menção em contrário, reportam-se ao presente diploma.
[3] Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro, Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil, 2014, 2ª Edição, Almedina, pág. 599.
[4] Traduzem estas nulidades da sentença a “violação da lei processual por parte do juiz (ou do tribunal) prolator de alguma decisão”, pertencendo ao género das nulidades judiciais ou adjectivas – cf., Ferreira de Almeida, Direito Processual Civil, Vol. II, 2015, Almedina, pág. 368.
[5] Artur Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, Coimbra, Almedina, Vol. III, pág. 102.
[6] Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro, ob. cit, pág. 600 e 601.
[7] Idem, pág. 603, citando doutrina de Alberto dos Reis, bem como o sustentado no douto aresto da RP de 28/10/2013, Processo nº. 3429/09.5TBGDM-A, no sentido de que “só a falta absoluta de fundamentação, entendida como a total ausência de fundamentos de facto e de direito, gera a nulidade prevista na alínea b) do nº. 1 do citado art.º 615º do Novo Código Processo Civil. A fundamentação deficiente, medíocre ou errada, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade”.
[8] Ferreira de Almeida, ob. cit., pág. 370, especifica traduzir-se o presente vício na “falta de externação dos fundamentos de facto e de direito que os nºs. 3 e 4 do art.º 607º impõem ao julgador. Só integra este vício, nos termos da doutrina e da jurisprudência correntes, a falta absoluta de fundamentação, que não uma fundamentação simplesmente escassa, deficiente, medíocre ou mesmo errada; (esta última pode afectar a consistência doutrinal da sentença, sujeitando-a a ser revogada ou alterada pelo tribunal superior, não gerando, contudo nulidade)”, citando Alberto dos Reis, CPC Anotado, Vol. V, pág. 140.
[9] Neste sentido, cf, entre outros, o douto aresto do STJ de 06/07/2017, Relator: Nunes Ribeiro, Processo nº. 121/11.4TVLSB.L1.S1, in http://www.dgsi.pt/jstj.nsf .
[10] Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro, ob. cit, pág. 603.
[11] Relatora: Maria de Deus Correia, Processo nº. 7598/12.9TBCSC-A.L1-6, in  http://www.dgsi.pt/jtrl.nsf , citado pelo Apelante.
[12] Ferreira de Almeida, ob. cit., pág. 372.
[13] Ob. cit., pág. 606.
[14] Introduzida na ordem jurídica nacional pela Resolução da AR nº. 20/90, de 12/09.
[15] Tomé d’Almeida Ramião, Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo, Anotada e Comentada, ob. cit., pág. 25.
[16] Publicada no DR nº. 211/90, Série I, 1º Suplemento, de 12/09/1990.
[17] Adoptada em 20 de Novembro de 1959 pela Assembleia-geral das Nações Unidas.
[18] Tomé d’Almeida Ramião, ob. Cit., pág. 64.