Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
7257/22.4T9SNT.L1-3
Relator: MARIA DA GRAÇA DOS SANTOS SILVA
Descritores: LEI TUTELAR EDUCATIVA
ACOMPANHAMENTO EDUCATIVO
INTERNAMENTO EM CENTRO EDUCATIVO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/20/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NÃO PROVIDO
Sumário: - A institucionalização de um menor é sempre uma moeda de duas faces: uma positiva, de reintegração e outra extremamente negativa, de eventualidade de contacto com jovens com comportamentos mais desajustados, alguns portadores de distúrbios de personalidade normalmente associados a grande capacidade de manipulação pelo simples gosto de exercer poder sobre terceiros, fazendo com que se corra o risco de piorar a influência de terceiros junto do jovem, em lugar de a melhorar.
- Em face das características de personalidade reveladas, das concretas necessidades educativas, da necessidade de permitir ao menor que encontre um ocupação profissionalizante que lhe permita uma integração social adequada, continuando o caminho já percorrido, é adequada a medida tutelar de acompanhamento educativo, para cumprimento da qual deverão os serviços de reinserção social elaborar projecto educativo pessoal, com ocupação de tempos livres de molde a evitar o contacto com os grupos de delinquência com que acompanhava e a complementar o processo educativo materno que inclua acompanhamento a nível pedopsiquiátrico e psicológico adequados.
- Considerando a gravidade dos factos e a sua origem no convício estruturado com grupos desviante, considera-se proporcional e adequada a fixação da medida pelo período de 18 meses.
(sumário elaborado pela relatora)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes, em conferência, na 3ª Secção Criminal, deste Tribunal:
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I – Relatório:
Em processo tutelar educativo, o Ministério Público apresentou requerimento para abertura da fase jurisdicional relativamente aos menores:
- BB e
- CC, nascido em 26/2/2008, de nacionalidade Portuguesa,
Imputando-lhes o cometimento de dois crimes de roubo agravado.
Proferida decisão, foi considerado que os menores cometeram factos previstos e punidos pelos artigos 210º/1, com referência ao artigo 204ª/2- f), do Código Penal (CP), pelo que lhes foram aplicadas as seguintes medidas tutelares educativas:
- A CC, internamento em centro educativo em regime aberto, pelo período de 6 meses;
- A BB, internamento em centro educativo em regime fechado, pelo período de 14 meses.
CC recorre do acórdão proferido.
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II- Fundamentação de facto:
No acórdão recorrido foram considerados provados os seguintes os factos:
1- No dia 20 de dezembro de 2022, cerca das 17:10 horas, no exterior do Centro Comercial Colombo, em Lisboa, os jovens BB, CC e DD e outros indivíduos do sexo masculino, cuja identidade não se logrou apurar, formando um grupo de seis indivíduos, firmaram o propósito de em comunhão de esforços assaltarem outras pessoas, despojando-os dos bens seus e quantias em numerário que tivessem, mediante o recurso de força física e ameaça, com objeto idêntico ao de uma de fogo arma de fogo, de que o CC era portador.
2- Nessas circunstâncias de tempo e lugar, ao se aperceberem da presença no local de um grupo de quatro indivíduos, no caso, os ofendidos EE, FF, GG e HH, logo decidiram concretizar o seu propósito de os assaltar.
3- Na concretização desse propósito, encontrando-se os ofendidos EE e FF mais à frente do GG e da HH, um dos elementos o grupo que os jovens BB, CC e DD formavam, dirigiu-se ao EE dizendo-lhe: «Oh, tu aí, pára»,
4- EE parou, com medo, ao aperceber-se que a ordem vinha de um elemento desse grupo e que os seus elementos se aproximavam e um deles abria o casaco que trajava, exibindo parte do objeto que aparentava ser uma arma de fogo verdadeira e que estava num bolso interior, e dizendo «diz lá ao teu amigo para parar quieto, senão leva dois tiros».
5- Perante a situação, o ofendido FF, veio para junto do EE.
6- HH e GG, apercebendo-se do assalto, logo foram procurar auxílio, voltando a entrar no Centro Comercial.
7- De seguida, os elementos do grupo em que os jovens BB, CC e DD se incluíam, rodearam os ofendidos EE e FF, tendo um deles ordenado ao EE que lhe entregasse a bolsa, de marca «Gucci», no valor de pelo menos 50 euros que o mesmo possuía, o que aquele com medo e contra a sua vontade fez, tendo tal elemento verificado o seu conteúdo, ficado de posse da bolsa e da quantia de 65 euros.
8- Enquanto isso, outro elemento do mesmo grupo dos jovens BB, CC e DD, tirou ao FF um boné da «NBA» que o mesmo usava, o telemóvel de marca iPhone modelo XR, no valor de 300 euros, um carregador de telemóvel no valor de 49,98 euros, e uma mala, de marca Louis Vuitton, no valor de 150€.
9- FF não reagiu, com medo da ameaça que fora feita do uso de arma de fogo.
10- Os jovens vieram a ser intercetados pela PSP, nas imediações e pouco depois.
11- Ao BB foi apreendido um passa montanhas e um telemóvel de marca iPhone XR, ao CC a mala da marca Louis Vuitton, uma arma de fogo aparente, um passa montanhas e um telemóvel e carregador iPhone, e ao DD um telemóvel de marca iPhone 7 plus.
12- Com a descrita conduta os jovens actuaram de forma deliberada, de comum acordo e em conjugação de esforços, com intuito apropriativo e com perfeita consciência de que os bens e a quantia em numerário não lhes pertenciam e que o faziam contra a vontade dos seus donos e mediante o uso de ameaça com arma de fogo e de superioridade numérica, colocando os ofendidos na impossibilidade de resistir, bem sabendo, ainda, que a sua conduta era proibida por lei.
13- Do relatório social relativo a BB consta o seguinte:
"BB é o segundo de uma fratria de três, sendo que o irmão mais velho tem dezanove anos e possui agregado próprio. O jovem, a sua irmã de doze anos, e a progenitora de quarenta e oito, integram o agregado familiar da avó materna de sessenta e três anos de idade, titular da atribuição da casa, e respetivo companheiro, com quarenta e oito anos de idade.
O jovem e sua família têm apresentado instabilidade ao nível habitacional, dado que anteriormente residiram em casa de uma idosa, de onde foram forçados a sair por ordem do tribunal, tendo a mãe e o padrasto sido alvo de processo crime, por agressões àquela. Posteriormente passaram a residir numa casa propriedade de um familiar, de onde foram despejados por falta de pagamento da renda. Esta informação relativamente à situação habitacional foi em parte clarificada pelos técnicos da SCML, já que a mãe do jovem tem demonstrado pouca transparência na abordagem desta dinâmica.
Neste momento, e há cerca de quatro meses, desde que a mãe se separou do companheiro, o jovem reside com aquela em casa seus avós maternos.
Os progenitores do jovem estão separados há cerca de onze anos, mantendo este uma relação irregular com o pai.
O envolvente social em que se insere o espaço habitacional em que o jovem vive, apresenta algumas vulnerabilidades, sendo composto por uma população carenciada, onde coexistem diversas problemáticas de ordem social, nomeadamente ao nível da marginalidade e delinquência, sendo neste envolvente que BB possui as suas referências pessoais e familiares, e onde decorre o seu processo de socialização.
A situação económica da família, depende do rendimento social de inserção e da prestação familiar atribuída ao menor, e do suporte disponibilizado pela família alargada, dado que a mãe não exerce qualquer atividade profissional, desde há longa data.
As práticas educativas face ao jovem são assumidas pela progenitora, a qual denota uma postura pouco assertiva na transmissão de regras e valores normativos, recorrendo a modelos educativos permissivos e pouco fomentadores do sentido de responsabilidade.
Do que nos foi dado apurar, esta família tem sido alvo de tentativa de intervenção por parte da equipa da SCML, nomeadamente ao nível do desenvolvimento de competências parentais, área na qual revela vulnerabilidades. Contudo, a progenitora tem manifestado resistência à intervenção, reagindo por vezes de forma pouco conciliadora, numa postura reivindicativa ao nível de apoios económicos, em detrimento da intervenção direcionada às necessidades do jovem.
De acordo com referências da escola o jovem apresenta um percurso escolar com sucessivas retenções, e um histórico de irregularidades na pontualidade, bem como perturbação das atividades e dificuldade em acatar as instruções dos professores. No último ano letivo frequentou o sexto ano de escolaridade pela terceira vez na escola MM, sem aproveitamento. O seu comportamento manteve-se em níveis igualmente pouco aceitáveis, assim como o seu rendimento escolar, acabando por ficar retido, Apresentava resultados insuficientes, ausência de motivação e fraca apetência para o trabalho escolar.
Ao nível do comportamento revelou acentuadas dificuldades em adequar-se ao funcionamento da sala de aulas, nomeadamente fazendo comentários despropositados, interferindo na concentração dos colegas e dos professores. Revelava igualmente dificuldades em aceitar as regras e em reconhecer as figuras de autoridade, recorrendo a uma postura desafiadora e de fraca diferenciação de papeis face aos professores, a quem tratava de forma desrespeitosa, na segunda pessoa. Foram sinalizados episódios de confronto direto com os agentes educativos e outros fora da escola, alguns dos quais levaram à intervenção escola segura.
Em contexto de entrevista o jovem não reconheceu o desadequado dos seus comportamentos alegando sentir-se injustiçado por parte dos professores. A progenitora, por seu lado, nem sempre está em consonância com a intervenção por parte escola junto do seu educando, ao desresponsabilizá-lo, alegando ser vítima de mau trato por parte dos agentes educativos, numa postura que favorece os seus comportamentos disruptivos. Subvaloriza a autoridade dos professores, referindo-se-lhes como demasiado exigentes e intolerantes face a comportamentos por parte do jovem, fazendo referência a algumas regras escolares com as quais não concorda e desvaloriza, nomeadamente referiu que o filho foi punido injustamente "apenas" por ter filmado colegas dentro da escola, (ato que sabe ser proibido). De igual modo faz referência a excessivas repreensões e castigos que considera desnecessários. Embora perante a escola a progenitora adotasse por vezes uma postura aparentemente empenhada e preocupada relativamente ao desempenho e ao comportamento do seu educando, as suas verbalizações de desqualificação do sistema educativo e respetivas regras, na presença deste, condicionaram negativamente a sua adesão às mesmas.
Na prática, não se verificaram resultados positivos ao nível do comportamento e da postura do jovem em meio escolar, durante o passado ano letivo, tendo adotado um funcionamento persistentemente desadequado, sendo alvo de intervenções disciplinares recorrentes. De acordo com referências da escola, a progenitora verbalizava recorrentemente dificuldades em lidar com seu educando e fazer face às dificuldades e problemas por ele evidenciados, demonstrando impotência, alegando simultaneamente falta de apoio das entidades a quem recorre, e por parte do pai do seu filho, o qual, segundo a própria, mantém com ele uma relação esporádica.
No presente ano letivo (2022/2023) o jovem continua a frequentar o sexto ano de escolaridade pela quarta vez, na escola MM. Identifica-se falta de pontualidade e assiduidade, adotando uma postura de desafio das figuras de autoridade, argumentando de forma a conseguir fazer prevalecer as suas ideias e vontades. Recusa-se a trabalhar em sala de aulas e adota recorrentemente atitudes desadequadas na interação com o adulto.
Foi referido um episódio em contexto escolar de posse de arma por parte do jovem, o qual apesar de intimado a dizer onde ela se encontrava nunca o fez, sendo que os presentes factos tiveram lugar alegadamente com recurso a uma arma, esta situação suscita suspeitas, por parte da escola, de que as duas situações poderão estar relacionadas.
De acordo com referências do técnico da EATL, esta família vem sendo alvo de intervenção há vários anos, tendo o jovem já sido sinalizado para consultas psicologia, num serviço de saúde da SCML, que interrompeu por sua iniciativa e vontade.
De igual modo, foi tentada uma intervenção junto desta família, por parte do mesmo serviço, ao nível das competências parentais, à qual também não houve adesão.
Há cerca de um ano o processo foi reaberto, sem que se tenham verificado alterações quer ao nível do comportamento do jovem, quer ao nível das práticas educativas. Neste momento aquele serviço considera que existem fracas perspetivas de mudança em meio natural de vida.
BB não desenvolve atividades de tempos livres estruturadas, nem verbaliza interesse nesse sentido, privilegiando o convívio informal e atividades aleatórias com pares do mesmo meio de residência, alguns deles associados a comportamentos desviantes".
E em conclusão é dito que; "BB revela acentuada dificuldade em manter atenção concentrada e em investir em atividades estruturadas. Denota diminuído respeito pelas figuras de autoridade e sentimentos de culpa inadequados, desvalorizando a gravidade dos seus comportamentos e projetando as responsabilidades, no exterior, nomeadamente alegando intenção desfavorável relativamente a si, por parte dos agentes educativos. O jovem apresenta um funcionamento autocentrado, demonstrando reduzida empatia face aos sentimentos alheios, assim como fraca autocensura face aos seus comportamentos menos normativos, recorrendo à minimização da gravidade dos mesmos, ou à distorção da realidade como forma de furtar-se às responsabilidades. Tende a reagir de forma impulsiva, revelando défices ao nível do autocontrolo, o que associado aos sentimentos de impunidade que apresenta, se constitui como um fator de risco ao nível de comportamentos de idêntica natureza.
Não obstante ser alvo de acompanhamento pela SCML, no âmbito da promoção e proteção há alguns anos, e terem sido delineadas várias estratégias de intervenção, não se verificaram alterações ao nível da sua problemática individual e familiar, nomeadamente por falta de adesão á intervenção. De igual modo, identifica-se por parte do jovem uma persistência ao nível das práticas desviantes e consolidação de vínculos a pares conotados com a delinquência.
Tendo em conta a situação atrás descrita, a provar-se a prática dos factos, consideramos que o jovem revela necessidades de educação para o direito compatíveis com a aplicação de uma medida tutelar de internamento em centro educativo, que assegure a transmissão de regras e valores normativos, num contexto estruturado e consistente, que lhe permita dar continuidade à escolaridade e ao acompanhamento psicológico".
14- Relativamente ao jovem BB correram os processos tutelar educativos 553/14.6TMLSB-B; 553/14.6TMLSB e 108/21.9Y6LSB. Foi-lhe aplicada medida de acompanhamento educativo, que incumpriu.
15- A 21/3/2023, na escola MM, o jovem BB lançou um petardo, que atingiu uma colega, a qual provocou danos. Confrontado com a sua atuação, ofendeu a sub-directora. Chamada a escola segura, revistada a sua mochila pela PSP, foram-lhe apreendidos cigarros e uma faca com 20 cm.
16- Desde o início do presente ano lectivo, apresentou faltas, umas justificadas, outras injustificadas e em janeiro de 2023 recusava-se a ir às aulas. Transitou de ano, para 07 ano de escolaridade, sendo que apesar de trabalhar muito pouco tem capacidade de aprendizagem. O comportamento na sala é em geral adequado e fora dela, incluindo com assistentes operacionais, desajustado, Registou duas suspensões.
17- Desde 2018 que está em curso intervenção de promoção e proteção relativamente a BB. A 6/9/2022 voltou a ser-lhe aplicada medida de promoção e proteção de apoio junto da mãe, a qual é genericamente incumprida.
18- A família, concretamente a progenitora, não se mostra disponível nem colaborante com os técnicos. O progenitor encontra-se em parte incerto no Reino Unido.
19- A EATTL, em relatório para revisão de medida, apresentado no PPP, salienta que não existe medida adequada que lhe possa ser aplicada no âmbito da promoção e proteção, secundando o entendimento da DGRSP de que lhe deverá ser aplicada medida de internamento em CE.
20- Do Relatório relativo a CC consta o seguinte:
"CC é o segundo mais velho de três irmãos, proveniente de uma família de origem cabo Verdiana, de condição socioeconómica e cultural desfavorável.
À data do seu internamento para cumprir a medida cautelar de guarda, integrava o agregado familiar composto pela mãe (35 anos) e irmãos (PP, 17 anos e QQ, 2 anos). Os pais separam-se quando tinha dois anos de idade e daí não se lembrar de ter habitado com ambos quando criança ( )
Desde fevereiro de 2022, o jovem frequentou um novo estabelecimento de ensino, o Agrupamento de Escolar MM, em Lisboa, frequentando pela 3.ª vez 06.º ano.
Foi por proposta da mãe a transferência de Escola, com a finalidade do filho mudar de ambiente e por outro lado, como a mãe trabalha em Lisboa, optou-se por esta solução. Nesta escola o jovem é referido como sendo pouco pontual, apesar de assíduo, com um aproveitamento de quatro níveis inferiores a três.
Manteve bom relacionamento com os colegas e funcionários e comportamento adequado, não apresentando registos disciplinares. Porém, nos seus tempos livres continuava a não frequentar nenhuma atividade organizada e mantinha o seu grupo de pares. Segundo as informações de que dispomos, apesar do jovem ter adotado um comportamento mais ajustado, continuava a revelar impulsividade e fraca resistência à frustração, denotando dificuldades de autocontrolo perante situações que que perceciona como injustas ou adversas, revelando fragilidades ao nível da descentração e resolução de problemas e consequente dificuldade em antecipar as consequências dos seus comportamentos. Aliás o próprio refere ter dificuldade no controlo da raiva e consequente agressividade para com os outros.
A mãe refere que, apesar do filho não ter problemas na atual escola, continua a acompanhar grupos de jovens marginais, saindo do espaço escolar durante os intervalos e após o termo das aulas, não sendo possível controlar o seu estilo de vida, apesar dos seus esforços em conciliar o seu horário de trabalho com o horário escolar, sendo que apenas algumas vezes é possível utilizarem ambos o mesmo transporte público. Esta concorda com a necessidade de internamento em centro educativo, devido aos comportamentos disruptivos e ao grupo de pares que, alegadamente, influenciam o comportamento do filho, afastando-o assim de tais companhias.
Mais referiu que comunicou a situação de internamento ao progenitor do filho, no entanto, este desvalorizou, não demonstrando qualquer interesse sobre a situação atual do filho
E em conclusão é dito: "Trata-se de um jovem adolescente cujo desenvolvimento decorreu numa família de baixa situação socioeconómica, monoparental e pela incapacidade da mãe em assegurar as suas funções parentais em termos de orientação e supervisão do filho que impediram a interiorização de regras e limites. Apesar de possuir recursos cognitivos, as suas características da personalidade não lhe permitem lidar de um modo socialmente adequado com a realidade. O padrão de funcionamento evidencia dificuldades de autocrítica, impulsividade sem ponderação, desresponsabilização e ausência de competências pessoais e sociais. Também o percurso de vida tem sido marcado por uma autonomia precoce relativamente ao agregado familiar, à falta de comprometimento escolar e consequente socialização de "rua", tornando-se vulnerável a situações de risco. Atendendo a estes fatores de vulnerabilidade, à falta de capacidade de supervisão parental, ao desinvestimento escolar e à identificação e integração em grupo de pares com comportamentos desviantes, são notórias as necessidades de educação para o direito que recomendam uma intervenção em ambiente estruturado e contentor.
Pelo exposto, somos de opinião que a medida tutelar de internamento em Centro Educativo, será a medida mais adequada, caso sejam provados os factos que lhe são imputados".
18- CC foi acompanhado em consultas de pedopsiquiatria, na Casa de Saúde do Telhal, entre abril de 2022 e novembro de 2022, por encaminhamento da DGRSP. Em síntese, os motivos que levaram a esta intervenção foram: défice de competências pessoais e sociais, agressividade para com pares, impulsividade, dificuldade de gestão da culpa e da frustração.
19- Por seu turno, a Casa de Saúde do Telhal, recomendou apoio psicológico, com consultas na Casa de Saúde de Idanha (Belas).
20- Encontra-se em curso na CPCP processo de promoção e proteção a seu favor, ainda em fase diagnóstica.
21- Quanto ao jovem CC está ainda em curso o inquérito tutelar educativos nº 17507/12.OT2SNT-A (anterior 7164/21.8T9SNT), no qual lhe foi aplicada, em audiência prévia realizada a 2/11/2022, a medida tutelar educativa de acompanhamento educativo, por 18 meses.
22- A CC foi aplicada medida cautelar de guarda em centro educativo, em regime fechado, por 3 meses. Deu entrada em CE a 22/12/2022 e saiu a 22/3/2023.
23- No CE frequentou curso de cozinha com motivação.
24- CC gosta de praticar futebol, bem como denota apreço por cinema e música.
25- No CE manteve contacto frequente com a mãe e irmãs.
26- Do relatório social com avaliação psicológica, elaborado pelo CE dos Olivais, com data de 27/2/2023, é salientado quanto ao trajeto de vida de CC, o afastamento do pai, o insucesso da mãe na orientação e supervisão do filho (apesar de esforçada), a vivência de rua precoce de CC, os traços de personalidade que acentuam a vulnerabilidade a situações de risco, a postura do jovem de negação dos factos e desresponsabilização. Em sentido positivo destaca-se que tem recursos cognitivos que lhe permitem vir a infletir a trajetória de vida. Na escala de risco, a avaliação conclui por risco alto de reincidência, destacando a necessidade de intervir nos campos: educação/emprego, relação com pares, tempos livres, personalidade/ comportamento. E pugna pela aplicação de medida de internamento em CE.
27- Da informação prestada pelo CE quanto ao período decorrido aquele relatório ao final da medida (27/2 a 22/3/2023), é referido que se esforçou por ter comportamento adequado, não tendo registos disciplinares e manteve o acompanhamento e medicação anterior, com vista a estabilização emocional e comportamental.
28- CC transitou para 07º ano e visa integrar curso CEF.
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Não há factos não provados.
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III- Fundamentação da aquisição probatória:
O Tribunal a quo justificou a aquisição probatória nos seguintes termos:
«A convicção do tribunal baseou-se:
A) declarações dos jovens
CC admitiu genericamente a prática dos factos, ainda que com a "desculpa" airosa de que só pretendiam inicialmente assaltar para obter dinheiro e iriam devolver os restantes objetos. Revelou consciência crítica do desvalor da conduta e arrependimento,
- BB afirmou que não combinaram previamente fazer os roubos, que "foi do nada", o que não se coaduna sequer com os restantes factos que descreve, como o estar com passa montanhas colocado e o CC ter uma arma que aparentava ser real (sendo que BB admitiu que sabia que CC a levava consigo), nem tem qualquer verosimilhança face às regras da experiência comum e atuação conhecida na zona destes grupos de jovens delinquentes. Admitiu que retirou o telemóvel a um dos ofendidos, O jovem começou por adotar uma postura desrespeitosa, que de acabou por alterar após conselho da sua ilustre defensora.
B) depoimentos testemunhais
- os ofendidos EE e FF descreveram com objetividade e pormenor os factos. FF sabe que era CC que tinha a arma, pois abriu o casaco a ostentá-la, enquanto era proferida a frase ameaçadora, não tendo dificuldade em identifica-lo por ser o único do grupo que não estava compassa montanhas. Ambos se sentiram ameaçados, pelo número de jovens, por os terem cercado e ameaçado de "forma agressiva" que lhe dariam 2 tiros. Na altura acharam que a arma era verdadeira e só na PSP foram informados que era réplica. Confirmaram os objectos que foram roubados, bem como por quem, como por exemplo o telemóvel roubado, que descrevem como o rapaz branco, mais baixo, com cara tapada, que condiz com a descrição de BB e que este admite ter tirado. Não recuperaram a bolsa, o dinheiro e o boné.
- HH e GG seguiam com os ofendidos, mas mais atrás, tiveram tempo de se aperceber que era um assalto, pelo grupo de rapazes de caras tapadas, só um com cara destapada e que abriu o casaco, tendo ouvido frases como "bora, bora, vamos" e "passa para cá", Tendo os amigos ficado rodeados e receando igualmente ser assaltados por estarem com sacos de compras natalícias, tiveram receio e foram procurar ajuda dentro do Centro Comercial. Não chegaram a perceber que tipo de arma estava no casaco, SS pensou que pudesse ser faca.
C) Auto de notícia; termo de entrega; autos de apreensão de; autos de avaliação e entrega;
D) Certificados de medidas tutelares educativas;
E) DVD de imagens de videovigilância;
F) Relatório social com avaliação psicológica do menor BB; - relatório social com avaliação psicológica do menor CC;
G) Informações prestadas pelo Centro Educativo;
H) Informações escolares prestadas pelo estabelecimento de ensino;
l) Relatório social recolhido junto do processo de promoção e proteção relativo a BB.»
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IV- Recurso:
O arguido CC recorreu, concluindo as alegações nos termos que se transcrevem:
«1.- No primeiro interrogatório judicial do Recorrente visando a aplicação da medida cautelar foi decidido que o mesmo fosse sujeito a internamento em centro educativo em regime fechado por um período de três meses.
2.- Durante o período de internamento o Recorrente no centro educativo “CC fez um esforço no sentido de se adequar ao contexto normativo e contentor. Manteve um relacionamento adequado com pares e adultos e não registou nenhuma intervenção disciplinar neste período.”
3.- O Recorrente percebeu e reconheceu os erros que cometeu e que o levaram a ser internado, e como esses comportamentos nocivos afectaram o bem estar físico e mental das vítimas e de suas famílias, bem como a si e à sua família.
4.- Assim, o voltar ao seu ambiente familiar, escolar e de amizades não fez o Recorrente reincidir nos mesmos paradigmas comportamentais de risco.
5.- Entre o fim (22 de Março de 2023) da medida cautelar de internamento em centro educativo em regime fechado até hoje, o Recorrente revelou-se um cidadão cumpridor da lei e dos direitos dos outros, tendo passado de ano e encontrando-se a frequentar, com aproveitamento, no Centro de Formação Profissional da Santa Casa de Misericórdia, o curso profissional de Construção Civil (T2 – 1º ano – B).
6.- A compreensão do quanto os seus actos o afectam a si e a todos o que o rodeiam e com quem contacta, fez o Recorrente arrepender-se e compreender que tinha de crescer e assumir a culpa pelos seus actos, o que fez na audiência de discussão e julgamento ao confessar integralmente e sem reservas os factos de que era acusado, assumindo a sua participação nos mesmos, bem como identificando os co-autores dos crimes de roubo e a participação que tiveram nos mesmos.
7.- Para estabelecer a medida tutelar a aplicar o tribunal a quo tem que ter em consideração a culpa e as exigências de prevenção geral e de prevenção especial de socialização e integração, que no caso de menores tem por maior relevância por serem futuros adultos em formação, mais que punir é necessário reabilitar.
8.- A aplicação ao Recorrente da medida tutelar de internamento em centro educativo por um período de 6 meses, ainda que em regime aberto constitui uma retroacção no seu desenvolvimento pessoal porquanto o punem mais severamente quando ele tem cumprido escrupulosamente e com êxito o que lhe foi exigido.
9.- É também um real e efectivo retrocesso educativo, porquê não só o impede de continuar a frequentar o curso de formação em que está inscrito e, no que está motivado e investido, tendo aproveitamento escolar, como o vai obrigar a começar do zero um novo ano escolar ou curso profissional, com já quase 2 meses de aulas perdidas.
10.- Como defende Júlio Barbosa e Silva (em “Lei tutelar educativa comentada: no âmbito das principais orientações internacionais, da jurisprudência nacional e do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem”) o menor deve preferencialmente “(…) reestruturar-se, reaprender e reorganizar-se no seu meio, assim se confrontando com a sua realidade”.
11.- A própria lei determina que “A medida tutelar deve ser proporcionada à gravidade do facto e à necessidade de educação do menor para o direito manifestada na prática do facto e subsistente no momento da decisão.” (Lei n.º 166/99, de 14 de Setembro, art.º 7, n.º 1)
12.- O internamento do Recorrente em centro educativo em regime aberto por um período de 6 meses, embora seja proporcionado quanto à gravidade do facto, não é proporcionado na necessidade de educação do menor para o direito uma vez que cria no Recorrente a certeza que a lei e as instituições jurídicas não o protegem, enquanto criança, e apenas o punem cegamente.
13.- A medida tutelar aplicada apenas será proporcionada quanto à gravidade do facto e à necessidade de educação do Recorrente para o direito se for uma medida tutelar não institucional, que lhe permita perceber a seriedade dos seus actos e incentive a sua vivência no direito e em sociedade.
Termos em que e nos demais de direito, deve ser dado Provimento ao recurso, e em consequência ser o recorrente sujeito a medida tutelar não Institucional».
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Contra-alegou o Ministério Público, concluindo as respectivas alegações nos seguintes termos:
«1. Conforme sentença proferida em 27-09-2023, a CC foi aplicada uma medida tutelar educativa de internamento em centro educativo em regime aberto pelo período de 6 meses nos termos do artigo 4.º n.º 1 alínea i) e n.º 3 alínea b) e 17.º da Lei Tutelar Educativa pela prática de 2 crimes de roubo.
2. Não se conformando com a escolha da medida tutelar educativa aplicada de caráter institucional o jovem CC veio apresentar recurso em que pugna pela imposição de medida de caráter não institucional.
3. O artigo 7.º n.º 1 da Lei Tutelar Educativa estabelece que “a medida tutelar deve ser proporcionada à gravidade do facto e à necessidade de educação do menor para o direito manifestada na prática do facto e subsistente no momento da decisão”.
4. Ora, há a destacar que a favor do menor CC está neste momento em vigor uma medida de acompanhamento educativo aplicada no processo tutelar educativo 17507/12.0T2SNT-A em que já foi apresentado projeto educativo pessoal e cujo cumprimento irá ter lugar até Agosto de 2024.
5. A favor do menor CC milita o facto de ter transitado de ano letivo e estar neste momento a frequentar curso que o habilitará no futuro a desempenhar profissão.
6. Concorda-se que a necessidade de educação para o direito surge neste momento mitigada e ainda que seja verdade que tanto a duração do internamento (de 6 meses) como o seu regime aberto já consideram estas atenuantes, a verdade é que neste momento a necessidade de educação para o direito já não impõe necessariamente a aplicação de medida de internamento em centro educativo, sob pena de se prejudicar inexoravelmente o percurso escolar do menor do corrente ano.
7. Conclui-se assim que ainda que se considere que a medida é proporcional à gravidade do fato e à necessidade de educação de educação do menor para o direito, a sua imposição já não é necessária no presente momento em que está em curso uma medida de acompanhamento educativo e o percurso escolar do menor está a ter sucesso.
8. De resto qualquer espécie de reincidência ou reiteração de prática de ilícitos teria como imediata consequência a imposição ao menor de uma medida de internamento educativo pelo período restante da medida (cfr. artigo 138.º da Lei Tutelar Educativa).
9. Deverá, pois, o recurso ser considerado procedente, modificando-se a decisão recorrida com a imposição de medida de caráter não institucional, designadamente de acompanhamento educativo pelo período de 18 meses.
10. A sentença recorrida violou assim o artigo 7.º n.º 1 da Lei Tutelar Educativa e o disposto no artigo 19.1 das Regras de Beijing.
Pelo exposto, deverá o recurso ser considerado procedente, modificando-se a decisão recorrida com a imposição de medida de caráter não institucional, designadamente de acompanhamento educativo pelo período de 18 meses (..)».
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Nesta instância, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto aderiu à contra-motivação.
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V- Questões a decidir:
Do artigo 412º/1, do CPP resulta que são as conclusões da motivação que delimitam o objecto do recurso e consequentemente, definem as questões a decidir em cada caso, exceptuando aquelas questões que sejam de conhecimento oficioso.
A questão colocada pelo recorrente é a desadequação da medida de internamento em centro educativo, em face da alteração de condutas, no seguimento da medida cautelar de guarda em centro educativo, por um período de 3 meses, em regime fechado, que cumpriu entre 22/12/2022 e 22/3/2023.
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VI- Fundamentos de direito:
A questão que o recorrente coloca é a actual desadequação do cumprimento da medida de internamento, porque na sequência da medida cautelar que cumpriu alterou a sua postura perante a vida e os outros, tendo evoluído escolarmente e estando a frequentar um curso de formação profissional, que ficaria comprometido pelo internamento que o período de adaptação envolve, na hipótese, que se desconhece, de o internamento ser feito em local que lhe permita manter o percurso escolar.
O Ministério Público, promotor da fase jurisdicional, veio concordar com o conteúdo do recurso, nos termos supra referidos, por entender que em face da alteração de postura pessoal e social do menor e do sucesso da medida de acompanhamento educativo que lhe foi aplicada noutro processo que tem pendente, será adequada a aplicação de idêntica medida pelo período de 18 meses para fazer face às necessidades educativas reveladas.
Vista a fundamentação da sentença recorrida encontramos os seguintes pontos de relevo para a apreciação da questão:
«No presente caso, para além dos factos cometidos pelos menores, há a considerar a sua personalidade, as suas circunstâncias de vida, e antecedentes no domínio tutelar educativo.
Há clara necessidade de reeducação dos jovens para o direito que demanda a aplicação de medida tutelar educativa, salientando-se o teor dos factos elencados no relatório social com avaliação psicológica. Da avaliação psicológica destes jovens é destacado o elevado risco de reincidência.
Mas estes dois jovens, que têm a mesma idade (15 anos), o mesmo grau de escolaridade (vão frequentar 07º de escolaridade), têm particulares que reclamam uma clara distinção quanto à medida concreta a aplicar.
Lamentavelmente cada um destes jovens não tem uma família que impeça a prática de ilícitos. Em ambos os casos, por motivos porventura diversos, o progenitor é um elemento ausente. (…)
Quanto ao jovem CC a situação é diferente, apesar de a mãe não conseguir orientar e supervisionar o filho devidamente, o certo é que o tenta e mostra-se colaborante com os técnicos envolvidos. A progenitora mudou o jovem para escola em Lisboa, para estar mais perto do serviço da mesma, responde às solicitações da escola, da DGRSP, dos técnicos de saúde envolvidos no acompanhamento ao jovem e dos técnicos do CE em que o jovem cumpriu medida cautelar.
A favor do jovem CC o PPP está ainda em fase inicial e diagnóstica, enquanto o PPP a favor de BB já concluiu pela inviabilidade da intervenção.
(…) A progenitora de CC, apensar de receber apenas o salário mínimo, comprou habitação própria, cujo compromisso honra.
(…) A progenitora de CC trabalha.
Vivem em zonas empobrecidas e socialmente problemáticas.
Os jovens têm outros processos tutelar educativos. Porém, em relação a CC é conhecido mais um processo, (…). A CC foi aplicada uma medida de acompanhamento educativo, que estava em cumprimento à data em que lhe aplicaram medida cautelar de guarda. (…) enquanto CC não há conhecimento que tenha praticado.
O comportamento escolar de ambos é diverso. CC apresenta um comportamento a nível escolar genericamente adequado, o que não se verifica quanto a BB. Ambos já podiam frequentar 010º ano e ainda irão para 07º ano de escolaridade. CC esteve a frequentar curso de cozinha no CE, de que gostou.
Foi notória a diferente postura de cada um deles em tribunal, (…)
O jovem CC esteve em cumprimento de medida cautelar de guarda, por 3 meses, tendo sido afirmado pelo CE que se esforçou por ter comportamento adequado.
CC beneficiou de acompanhamentos a nível pedopsiquiátrico e psicológico, que deverá retomar.
A medida tutelar educativa proposta pelo Ministério Público foi a de internamento em centro educativo, em regime fechado, por 14 meses.
Em suma, sem dúvida que a medida de internamento em centro educativo é a única adequada quanto e estes menores, por ora. É de admitir que caso venha a ser concluída na avaliação diagnóstica do PPP de CC a viabilidade de lhe aplicar medida de promoção e proteção em meio natural de vida (de apoio junto da mãe), que a intervenção tutelar educativa seja reajustada, revendo-se para medida não institucional.
Quanto ao regime a aplicar, a margem de autonomia que o regime aberto ainda propiciaria, permitindo a CC frequentar a escola no exterior, sendo certo que a escola retomará em setembro, poderá ser o regime mais adequado. Conjuntamente com a intervenção protetiva, haverá que definir os concretos apoios a ter, bem como uma ocupação estruturada de tempos livres, que o afaste do problemático grupo de pares em que se insere. (…)
Ambos beneficiarão com a aplicação de uma medida de internamento em centro educativo, de modo a promover um afastamento do grupo de pares, com comportamentos desviantes, uma reorientação das suas rotinas, com vista à frequência escolar/formativa, assim como, de modo a promover o acompanhamento psicológico e a participação em sessões de desenvolvimento de competências pessoais e sociais. Se aproveitarem os apoios e ensinamentos ministrados ao longo da medida, poderão vir a ser autónomos, a construir um futuro para si, pautado pelo respeito pelas regras sociais e que lhes permitam ter uma vida feliz.
No que tange à gravidade dos factos, o teor dos factos provados fala por si. Estamos perante 2 crimes de roubo. A reduzida escolaridade que têm e a acentuada necessidade de reeducação para o direito, recomendam que a duração da medida se prolongue pelo tempo proposto. Porém, atendendo ás diferentes circunstâncias destes jovens, já descritas e ao tempo que CC já esteve em CE e resultados alcançados, há que distinguir também a nível da duração entre ambos os casos.
Quanto a BB, a duração proposta para a medida, de 14 meses, mostra-se adequada (…).
Quanto a CC, considera-se suficiente aplicar-lhe uma medida de internamento de 6 meses. Há a ter em conta que terá, após o cumprimento desta medida, de finalizar a medida de acompanhamento educativo (autos de PTE J5), que na prática redundará num acompanhamento pela DGRSP até à maioridade».
Este acórdão foi produzido em 26/9/2023 e já nessa altura se dava nota, com especial enfase, das diferenças de vivência, atitude, passado criminal, apoio familiar e clínico entre os dois menores, manifestando a posição mais propícia a reeducação por parte do CC.
CC, cometeu os factos em apreço com 14 anos.
Neste momento tem 16 anos.
Cumpriu 3 meses em regime cautelar fechado, com bom comportamento, regime esse que terminou há pouco mais de um ano.
Beneficia do apoio possível da mãe, que tudo faz ao seu alcance para conseguir inflectir a postura desordeira e criminosa pela qual enveredou, tendo mudado o filho de escola, no sentido de o fazer evitar as companhias com que andava e a fomentar o seu investimento formativo e educativo. Foi bem sucedida, na medida em que o menor conseguiu transitar de ano escolar (não obstante a medida de internamento só ter terminado no fim de Fevereiro) e está inscrito no ensino profissional, que lhe é gratificante.
CC beneficiou de acompanhamento a nível pedopsiquiátrico e psicológico, que são uma indiscutível ajuda, não só clínica, mas de apoio educacional, que deverá continuar.
A medida recorrida, ainda que aplicada em instituição próxima do estabelecimento de ensino que frequenta, porque pressupõe sempre um período de adaptação em regime fechado, implicaria ausências à escola, pondo em perigo o sucesso do ano escolar mas pior do que isso, o gosto pela frequência do curso.
A institucionalização é sempre uma moeda de duas faces: uma positiva, de reintegração e outra extremamente negativa, de contacto com jovens com comportamentos mais desajustados, alguns portadores de distúrbios de personalidade, normalmente associados a grande capacidade de manipulação pelo simples gosto de exercer poder sobre terceiros, fazendo com que se corra o risco de piorar a influência de terceiros em lugar de a melhorar.
Como refere o Ministério Público na resposta ao recurso: «Ora, há a destacar que a favor do menor CC está neste momento em vigor uma medida de acompanhamento educativo aplicada no processo tutelar educativo 17507/12.0T2SNT-A em que já foi apresentado projeto educativo pessoal e cujo cumprimento irá ter lugar até Agosto de 2024.
A favor do menor CC milita o facto de ter transitado de ano letivo e estar neste momento a frequentar curso que o habilitará no futuro a desempenhar profissão.
Concorda-se que a necessidade de educação para o direito surge neste momento mitigada e ainda que seja verdade que tanto a duração do internamento (de 6 meses) como o seu regime aberto já consideram estas atenuantes, a verdade é que neste momento a necessidade de educação para o direito já não impõe necessariamente a aplicação de medida de internamento em centro educativo, sob pena de se prejudicar inexoravelmente o percurso escolar do menor no corrente ano.
Conclui-se assim que ainda que se considere que a medida é proporcional à gravidade do fato e à necessidade de educação de educação do menor para o direito, a sua imposição já não é necessária no presente momento em que está em curso uma medida de acompanhamento educativo.
De resto qualquer espécie de reincidência ou reiteração de prática de ilícitos teria como imediata consequência a imposição ao menor de uma medida de internamento educativo pelo período restante da medida (cfr. artigo 138.º da Lei Tutelar Educativa).
É esta interpretação a que melhor se adequa ao disposto no artigo 19.1 das REGRAS MÍNIMAS DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A ADMINISTRAÇÃO DA JUSTIÇA DE JOVENS mais conhecidas pelas REGRAS DE BEIJING adotadas pela Assembleia Geral das Nações Unidas na sua resolução 40/33, de 29 de novembro de 1985 o qual estabelece que “a colocação de um jovem numa instituição será sempre uma medida de último recurso e terá a duração mais breve possível”.
Como se lê no comentário a tal princípio, constante de tais regras “A criminologia mais avançada recomenda o tratamento em meio aberto de preferência à colocação em instituição. Em termos de sucesso, pouca ou nenhuma diferença foi encontrada entre estes dois métodos.
As numerosas influências negativas que se exercem sobre o indivíduo e que parecem inevitáveis em meio institucional não podem, evidentemente, ser contrabalançadas por reforços no domínio do tratamento. Isto aplica-se especialmente aos jovens delinquentes, cuja vulnerabilidade é maior. Para mais, as influências negativas resultantes não só da falta de liberdade, mas também da separação do meio social habitual, são certamente mais graves nos menores, dada a sua falta de maturidade.
A regra 19. visa restringir a colocação em instituição em dois aspectos: frequência ("medida de último recurso") e duração ("tão breve quanto possível"). Retoma um dos princípios fundamentais da Resolução 4 do Sexto Congresso das Nações Unidas: um jovem delinquente não deve ser preso num estabelecimento penitenciário, a menos que não exista outro meio apropriado. A regra apela, pois, para que, em caso de necessidade de detenção de um jovem delinquente, a privação de liberdade seja o mais limitada possível, que sejam previstas condições especiais na instituição para a sua detenção e que se tenham em consideração os diversos tipos de Delinquentes, de infrações e de instituições. De fato, seria necessário dar prioridade às instituições "abertas" sobre as instituições”.
Pelo exposto, deverá o recurso ser considerado procedente, modificando-se a decisão recorrida com a imposição de medida de caráter não institucional, designadamente de acompanhamento educativo pelo período de 18 meses»
Nos termos da Lei Tutelar Educativa:
«Na escolha da medida tutelar aplicável o tribunal dá preferência, de entre as que se mostrem adequadas e suficientes, à medida que represente menor intervenção na autonomia de decisão e de condução de vida do menor e que seja suscetível de obter a sua maior adesão e a adesão de seus pais, representante legal ou pessoa que tenha a sua guarda de facto.
2 - O disposto no número anterior é correspondentemente aplicável à fixação da modalidade ou do regime de execução de medida tutelar.
3 - A escolha da medida tutelar aplicável é orientada pelo interesse do menor.» (artigo 6º) e
«1 - A medida tutelar deve ser proporcionada à gravidade do facto e à necessidade de educação do menor para o direito manifestada na prática do facto e subsistente no momento da decisão» (artigo 7º).
No regime tutelar educativo vigora o princípio da necessidade, com obrigação de dar preferência à medida que realize da melhor forma (adequada e suficiente) a finalidade a socialização do menor.
Não se vê em que aspecto a imposição de uma medida de internamento possa colher melhores frutos do que o acompanhamento educativo prolongado, sendo que, invertendo o menor o seu percurso evolutivo, a medida pode ser alterada a qualquer momento.
Tendo o menor alterado os seus comportamentos, com adesão ao projecto escolar e profissionalizante, na sequência de internamento cautelar, que correu sem incidentes e estando sujeito a uma medida de acompanhamento educativo, à qual aderiu, não se encontra fundamento para um internamento fora do meio de origem, de um jovem de 16 anos.
Cremos que no caso, uma medida de acompanhamento educativo, com objectivos e regras bem definidos, permitirá reforçar no menor o respeito pelos valores ético-jurídicos fundamentais da comunidade e continuar a adquirir recursos que lhe permitam concretizar uma forma vida de modo socialmente responsável.
Em face das características de personalidade reveladas, das concretas necessidades educativas, da necessidade de permitir ao menor que encontre um ocupação profissionalizante que lhe permita uma integração social adequada, continuando o caminho já percorrido, entende-se adequada aplicar-lhe a medida tutelar de acompanhamento educativo pelo período de 18 meses, para o que deverão os serviços de reinserção social elaborar projecto educativo pessoal, com ocupação de tempos livres de molde a evitar o contacto com os grupos de delinquência com que acompanhava e a complementar o processo educativo materno que inclua acompanhamento a nível pedopsiquiátrico e psicológico adequados.
Escolhida a medida adequada, impõe-se perceber que a conduta do menor foi grave, influenciada pelos nefastos valores dos grupos em que estava inserido pelo que se impõe uma duração suficientemente reeducadora de formas de convivência social, o que leva tempo.
De acordo com critérios de proporcionalidade e necessidade de correcção da personalidade do menor, entendemos que a mesma não pode ser inferior a dezoito meses.
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Sumariando:
- A institucionalização de um menor é sempre uma moeda de duas faces: uma positiva, de reintegração e outra extremamente negativa, de eventualidade de contacto com jovens com comportamentos mais desajustados, alguns portadores de distúrbios de personalidade normalmente associados a grande capacidade de manipulação pelo simples gosto de exercer poder sobre terceiros, fazendo com que se corra o risco de piorar a influência de terceiros junto do jovem, em lugar de a melhorar.
- Em face das características de personalidade reveladas, das concretas necessidades educativas, da necessidade de permitir ao menor que encontre um ocupação profissionalizante que lhe permita uma integração social adequada, continuando o caminho já percorrido, é adequada a medida tutelar de acompanhamento educativo, para cumprimento da qual deverão os serviços de reinserção social elaborar projecto educativo pessoal, com ocupação de tempos livres de molde a evitar o contacto com os grupos de delinquência com que acompanhava e a complementar o processo educativo materno que inclua acompanhamento a nível pedopsiquiátrico e psicológico adequados.
- Considerando a gravidade dos factos e a sua origem no convício estruturado com grupos desviante, considera-se proporcional e adequada a fixação da medida pelo período de 18 meses.
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VII- Decisão:
Acorda-se, pois, concedendo provimento ao recurso, em alterar a decisão recorrida fixando ao menor a medida tutelar de acompanhamento educativo pelo período de dezoito meses, para o que deverão os serviços de reinserção social elaborar projecto educativo pessoal, com ocupação de tempos livres de molde a evitar o contacto com os grupos de delinquência com que acompanha e a complementar o processo educativo materno, que inclua acompanhamento a nível pedopsiquiátrico e psicológico adequados.
Sem custas.

Lisboa, 20/03/2024
Maria da Graça dos Santos Silva
Francisco Henriques
Ana Paula Grandvaux