Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
4771/22.5T8LRS.L1-7
Relator: CRISTINA COELHO
Descritores: CONTRATO PROMESSA DE COMPRA E VENDA
TERRENO PARA CONSTRUÇÃO
OBRA EM EDIFICAÇÃO
DEFEITOS NA EDIFICAÇÃO
OBRIGAÇÃO DE REPARAÇÃO DO PROMITENTE VENDEDOR
INCUMPRIMENTO DO CPCV IMPUTÁVEL A AMBOS OS PROMITENTES
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/05/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: 1. Se o objeto de um contrato promessa de compra e venda é um “terreno” para construção, mas, também, uma “obra” que aí estava a ser edificada e que o promitente vendedor se comprometeu a terminar, tendo sido acordado um preço único, e que a escritura se realizaria após a obra estar concluída, registada na CRP e emitido o Alvará de Licença de Utilização, tem de entender-se que, na economia do contrato promessa celebrado entre as partes, a conclusão da obra era obrigação fundamental, de que estava dependente a realização do contrato definitivo de compra e venda.
2. A obrigação de conclusão da obra tem ínsita a obrigação de executá-la em conformidade com o que foi convencionado, sem vícios que excluam ou reduzam o valor dela, ou a sua aptidão para o uso ordinário, não estando o promitente comprador obrigado a celebrar o contrato definitivo sem que a obra esteja devidamente concluída.
3. Padecendo o imóvel de anomalias, o promitente vendedor/construtor está obrigado a repará-las, depois de lhe serem denunciadas pelo promitente comprador.
4. O decurso do(s) prazo(s) estabelecido(s) para terminar a obra, que não tenha natureza perentória, não faz o promitente vendedor incorrer em incumprimento definitivo do cpcv, mas em simples mora.
5. Se o promitente vendedor pretende proceder à reparação das anomalias detetadas, e o promitente comprador, que se encontra no uso exclusivo do imóvel, não permite mais o seu acesso à obra para o efeito, o promitente comprador entra em mora.
6. E se persistir em não permitir o acesso ao promitente vendedor para efetuar as reparações, depois de notificado, extingue-se a responsabilidade deste.  
7. Se o promitente comprador obstou a que o promitente vendedor procedesse à reparação das anomalias detetadas, mesmo depois de este o ter notificado para o efeito, não pode validamente invocar a perda de interesse na prestação, tanto mais que resultou provado que as anomalias detetadas são reparáveis, e efetuadas as devidas reparações, não desvalorizam o imóvel, nem retiram dele quaisquer das suas utilidades em perfeitas condições.
8. Nos casos em que o incumprimento do cpcv resulta de atuações de ambos os promitentes, a fixação do montante devido a título indemnizatório deverá ser ponderada à luz do disposto no art.º 570º do CC, por forma a obter uma solução que se mostre mais razoável perante as circunstâncias do caso.
9. Se face à factualidade provada, não se puder concluir que a atuação (culposa) de um promitente contribuiu relevantemente para o incumprimento definitivo do cpcv por parte do outro, não há lugar à aplicação do disposto no art.º 570º do CC.
10. O art.º 829º-A do CC apenas se aplica às prestações da facto infungível.
11. Com a resolução do cpcv decretado na ação, e a condenação de entrega do imóvel ao promitente vendedor, o promitente comprador deixa de ter título válido para a ocupação do imóvel, e está obrigado a ressarcir aquele dos danos sofridos com a ocupação ilegal do mesmo.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 7ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

RELATÓRIO
Em 4.5.2022, A  e mulher, B, intentaram a presente ação declarativa de condenação, sob a forma comum, contra C, pedindo que se 1 - Declare, por culpa exclusiva do R., a resolução do contrato promessa de compra e venda celebrado com os AA. em 15.8.2020 e completado pela adenda celebrada em 3.3.2021; 2 - Condene o R. no pagamento da quantia de €370.000,0 (trezentos e setenta mil euros), correspondente à restituição em dobro das quantias entregues pelos AA. ao R., a título de sinal; 3 - Condene o R. ao pagamento da quantia de €3.013,50 (três mil e treze euros e cinquenta cêntimos), por danos patrimoniais; 4 - Condene o R. ao pagamento de €5.000,00 (cinco mil euros), por danos não patrimoniais; 5 - Condene o R. ao pagamento da quantia de €28.640,22 (vinte e oito mil seiscentos e quarenta euros e vinte e dois cêntimos), por efeito de enriquecimento sem causa.
A fundamentar o peticionado, alegaram, em síntese:
Em 15.8.2020, foi celebrado entre os AA. e o R. o contrato promessa de compra e venda (cpcv) referente a um "Terreno" para construção sito no Bairro M, lote …, freguesia de Santa Iria da Azóia, concelho de Loures, no qual se encontrava ainda em construção uma obra de edificação de uma moradia, pelo preço de €550.000,00.
Nos termos do cpcv, o R. obrigou-se a concluir a referida edificação até ao dia 31.12.2020, o que não aconteceu, causando grave transtorno aos AA., uma vez que, entretanto, haviam diligenciado a venda da sua habitação sita em Lisboa, o que efetivamente veio a ocorrer em 29.10.2020.
Perante o inusitado da situação e na iminência de se verem compelidos a ficar sem um local para habitação, os AA. acordaram com o R., em 3.3.2021, que este lhes entregaria as chaves do edificado, permitindo-lhes, assim, entrar na respetiva posse, estipulando, para além do mais, a entrega de €110.000,00 para reforço do sinal já entregue, até a data no montante de €75.000,00.
Em 25.3.2021 foi realizada uma vistoria à moradia, e em 26.3.2021 foi elaborado um escrito com a indicação da verificação e concordância de um conjunto de reparações/modificações a efetuar pelo R.
Porém, ainda não havia decorrido uma semana após o início de uso da moradia pelos AA., e esta, para além de evidenciar várias deficiências, também apresentava graves defeitos de construção que impediam a sua normal e natural utilização, levando os AA. a solicitar uma peritagem ao edificado a uma empresa da especialidade, que concluiu, para além de outros, por erros de execução técnica.
O R. realizou alguns trabalhos, mas os problemas continuaram a verificar-se, abandonando-os em 13.9.2021, sem dar qualquer justificação.
Os AA. solicitaram um orçamento para correção das patologias verificadas e reparação das anomalias, de acordo com o qual os AA. teriam de despender cerca de €89.000, para que a moradia ficasse em condições normais de uso.
O R., invocando o cpcv, pretende celebrar a escritura de compra e venda, com fundamento em emissão da licença de utilização em 8.8.2021, mas atento o descrito, assiste aos AA. o direito de resolver o cpcv, e exigir ao R. a devolução do sinal em dobro.
Despenderam €3.013,50 com as peritagens, e €28.640,22 na aquisição de equipamentos, montagem respetiva e trabalhos de construção civil, a que se obrigaram pelo cpcv.
Sofreram graves perturbações de natureza psicológica com os problemas inesperados com a utilização da moradia.
Citado, o R. contestou, por impugnação, deduziu reconvenção, e alegou litigarem os AA. de má fé, e terminou pugnando pela improcedência da ação, e pela procedência da reconvenção, e, consequentemente: - Ser declarado definitivamente incumprido e, em consequência, resolvido, por culpa exclusiva dos AA./Reconvindos, o contrato promessa de compra e venda celebrado entre estes e o R./Reconvinte em 15.8.2020, incluindo a respetiva adenda datada de 03.3.2021, mas outorgada em 26.3.2021; - Condenar os AA./Reconvindos na perda do sinal prestado, no valor total de €185.000,00 a favor do R./Reconvinte e na entrega do imóvel ao seu proprietário; - Condenar os AA./Reconvindos a pagar ao R./Reconvinte, o montante de €3.000,00 mensais, contabilizados desde a data da notificação deste articulado, a título de compensação pelo uso ilícito do imóvel; - Condenar os AA./Reconvindos no pagamento de uma indemnização em valor não inferior a €150.000,00 a favor do R./Reconvinte, a título de prejuízo deste por perdas e danos resultantes da atuação ilícita dos AA./Reconvindos; - Condenar os AA./Reconvindos no pagamento de uma indemnização no valor de €10.000,00 a favor do R./Reconvinte, a título de danos não patrimoniais; - Condenar os AA./Reconvindos, como litigantes de má-fé, em multa e indemnização a arbitrar pelo Douto Tribunal a favor do R./Reconvindo.
A fundamentar o pedido reconvencional, alegou o R., em síntese:
O Alvará de Autorização de Utilização do imóvel em apreço foi emitido em 04.8.2021, pela Câmara Municipal de Loures, tendo o R., por carta registada com aviso de receção, datada de 03.09.2021, notificado os AA./Reconvindos para procederem ao agendamento da escritura pública de compra e venda do imóvel, o que estes se recusam a fazer, uma vez que entendem que a obra  não se encontra devidamente concluída.
Contudo, desde meados de setembro de 2021, os AA./Reconvindos deixaram de permitir o acesso do R./Reconvinte ao imóvel, de forma a poder corrigir os defeitos existentes da sua responsabilidade, tendo este, em dezembro do mesmo ano e março de 2022, notificado os AA./Reconvindos para permitirem o seu acesso ao imóvel, a fim de poder concluir a obra, não tendo os AA./Reconvindos respondido às notificações e não permitem que conclua os trabalhos de reparação das anomalias existentes.
Na notificação judicial avulsa efetuada aos Autores/Reconvindos em 04.03.2022, o R./Reconvinte, para além de solicitar o acesso ao imóvel no prazo de 15 (quinze) dias para proceder às reparações necessárias, interpelou-os, nos termos do disposto no art.º 808.º do CC, para agendarem a escritura pública de compra e venda no prazo de 2 (dois) meses, sob pena de se considerar o referido contrato promessa de compra e venda definitivamente incumprido, o que não fizeram.
Deve, assim, o cpcv ser declarado definitivamente incumprido pelos AA./Reconvindos, reconhecido o direito à resolução do mesmo pelo R./Reconvinte, e fazer seu o sinal entregue, no montante de €185.000,00 e aqueles condenados na devolução do imóvel ao seu proprietário.
A moradia em apreço, caso fosse colocada no mercado de arrendamento, podia conferir ao R./Reconvinte uma rentabilidade na ordem dos €3.000,00 mensais, estando os AA./Reconvindos, com o seu comportamento, a inviabilizar aquele de poder auferir tal montante mensal.
O R./Reconvinte é um jovem empresário, cujos recursos financeiros são escassos, bem sabendo os AA./Reconvindos que aquele necessitava de concluir o presente negócio, a fim de poder pagar o empréstimo bancário contraído para a construção da moradia em causa.
A construção e venda da moradia no terreno adquirido em 29.10.2020, permitiria um lucro ao R./Reconvinte nunca inferior a €150.000,00.
Por não ter recebido a restante parte do preço do negócio jurídico celebrado com os AA./Reconvindos, foi forçado a alterar radicalmente a sua vida profissional, social e familiar, causando-lhe a presente situação um enorme desgaste emocional.
Os AA. replicaram, impugnando a factualidade alegada na reconvenção, e pugnaram, a final, pela improcedência dos pedidos reconvencionais deduzidos, e pela absolvição do pedido de litigância de má-fé formulado contra si.
Realizou-se audiência prévia, na qual se proferiu despacho saneador, admitiu-se a reconvenção, fixou-se o objeto do litígio [1] e enunciaram-se os temas da prova [2].
Realizou-se julgamento, e em 9.5.2023, foi proferida sentença que:
- julgou a ação improcedente, por não provada, e em consequência absolveu o R. C dos pedidos contra si formulados pelos AA. A e B; e
- julgou o pedido reconvencional parcialmente procedente, por parcialmente provado, e em consequência:
a) Declarou resolvido, por culpa exclusiva dos Autores/Reconvindos A e B, o contrato promessa de compra e venda celebrado entre estes e o Réu/A. Reconvinte C em 15 de agosto de 2020, incluindo a respetiva adenda datada de 03 de março de 2021;
b) Condenou os Autores/R. Reconvindos na perda do sinal prestado, no valor total de €185.000,00 (cento e oitenta e cinco mil euros) a favor do Réu/A. Reconvinte C e na entrega do imóvel ao seu proprietário;
c) Condenou os AA. A e B a pagar ao R./A. reconvinte C uma indemnização por cada mês de uso ilegítimo do imóvel, no valor de €3.000,00 (três mil euros) por mês, desde a data do trânsito em julgado da decisão e até efetiva entrega do imóvel.
d) No mais, absolveu os AA. dos pedidos contra si formulados, incluindo o pedido de condenação como litigantes de má-fé.
Inconformados com a decisão, apelaram os AA., apresentando, no final das alegações, as seguintes conclusões, que se reproduzem:
1. Vem o presente recurso interposto da Sentença proferida pelo Tribunal da Comarca de Lisboa Norte (Juízo Central Cível de Loures – Juiz 5) que julgou improcedente a presente ação, julgando parcialmente procedente, por seu turno, o pedido reconvencional formulado pelo Réu, nessa medida condenando os Autores à restituição da moradia objeto do contrato promessa, à perda do sinal por si outrora prestado e ao pagamento de indemnização mensal no valor de 3.000,00 € (três mil euros) a título de uso ilegítimo do imóvel.
2. A Sentença recorrida constitui uma decisão profundamente incorreta e injusta, em clara oposição com a realidade dos factos e a sua subsunção ao direito.
3. Os Recorrentes não se conformam que a prova produzida não tenha sido valorada no seu todo por parte do Tribunal a quo, tendo o Tribunal recorrido utilizado para a formação da sua convicção uma técnica pouco curial caracterizada pela seletividade dos meios de prova produzidos.
4. O Facto Provado 10) indica o seguinte: “10) O R. em Maio de 2021 efetuou um teste não invasivo ao terraço, procedendo ao seu enchimento com água, para aferir o comportamento estrutural daquela cobertura (parte do art.º 13.º da petição inicial e art.º 37.º da contestação)”.
5. Não obstante o Recorrente, por lapso, ter indicado no artigo 13.º da sua Petição Inicial que esse teste terá sido feito em maio de 2021, existe prova documental junta aos autos, mormente emails juntos pelo Réu na sua contestação e o que é alegado por este nos artigos 37.º a 39.º da mesma, que demonstram que esse teste somente foi feito mais tarde, mormente em julho de 2021.
6. Sendo facilmente retirável dos emails de 25/05/2021 (Doc. 3 junto com a Contestação), 8/06/2021 (Doc. 4 junto com a Contestação) e emails de 2/07/2021, 5/07/2021 e 6/07/2021 (Doc. 6 junto com a Contestação) que esse teste de carga foi realizado em julho de 2021.
7. Assim, o facto provado n.º 10 deverá ser alterado nos seguintes termos: “10) O R. em julho de 2021 efetuou um teste não invasivo ao terraço, procedendo ao seu enchimento com água, para aferir o comportamento estrutural daquela cobertura”.
8. O Facto Provado 16) indica o seguinte: “16) Foi enviado pelos AA. ao R., em 17 de agosto de 2021, via email, o “Relatório de Peritagem de Deteção e Análise de Patologias e Anomalias Técnicas” elaborado pela empresa 2REALM (art.º 21.º da petição inicial)”.
9. Não obstante se ter dado como provada a elaboração, e respetivo envio, do Relatório de Peritagem de Deteção e Análise de Patologias e Anomalias Técnicas, não foi, em momento algum na douta Sentença de que aqui se recorre, reproduzido o seu conteúdo, não tendo o mesmo, por isso, sido dado o mesmo como provado e o facto de o Réu ter aceitado 129 das 177 das incidências ali registadas.
10. De acordo com tal Relatório, após a peritagem foi possível identificar “anomalias construtivas” e “danos em revestimentos”, os quais devem ser levados à matéria de facto provada.
11. Assim, deve o Facto Provado 16) ser alterado e passar a ter a seguinte redação:
16) Foi enviado pelos AA. ao R., em 17 de agosto de 2021, via email, o “Relatório de Peritagem de Deteção e Análise de Patologias e Anomalias Técnicas” elaborado pela empresa 2REALM (art.º 21.º da petição inicial), nele constando as várias deficiências construtivas encontradas na moradia (nele constando as várias deficiências construtivas encontradas na moradia (dando-se por reproduzido o conteúdo do Documento 7 junto com a Petição Inicial).
12. O Facto Provado 28) consigna o seguinte: “28) Toda esta situação provocou nos AA. ansiedade (parte do art.º 49.º da petição inicial)”.
13. Resulta dos artigos 48.º e 49.º da Contestação e do artigo 14.º da Réplica, bem como da própria decisão recorrida ao reproduzir a prova produzida, que os Autores não só sentiram ansiedade como também ficaram perturbados e descontentamento com os inúmeros defeitos e anomalias de que se foram apercebendo no imóvel.
14. Assim, e por ser relevante para a boa decisão da causa, ao facto 16) deverá ser aditada essa menção, devendo o mesmo passar a ter a seguinte redação: Toda esta situação provocou nos AA. ansiedade, perturbação e descontentamento (parte do art.º 48.º e 49.º da petição inicial e 17.º da Réplica).
15. O Facto Provado 42) indica o seguinte: “42) O Réu, por carta registada com aviso de receção datada de 03/12/2021 e por estes rececionada em 09/12/2021, notificou os Autores para, entre o mais, informar que pretendia aceder ao imóvel para proceder às correções necessárias e que não prescindia do seu direito/dever em concluir os trabalhos no imóvel, sem prejuízo de um acordo que pudesse vir a ser alcançado (art.º 52.º da contestação).”
16. Dessa carta, junta como Doc. 7 junto com a Contestação, retira-se que nessa altura o Réu expressamente indica que naquele momento o assunto estava a ser tratado entre advogados.
17. Assim, e por ser relevante para a boa decisão da causa, ao facto 42) deverá ser aditada essa menção, devendo o mesmo passar a ter a seguinte redação: 42) O Réu, por carta registada com aviso de receção datada de 03/12/2021 e por estes rececionada em 09/12/2021, notificou os Autores para, entre o mais, informar que pretendia aceder ao imóvel para proceder às correções necessárias e que, apesar de o assunto estar a ser tratado entre advogados, não prescindia do seu direito/dever em concluir os trabalhos no imóvel, sem prejuízo de um acordo que pudesse vir a ser alcançado (art.º 52.º da contestação).
18. O Facto Provado 47) indica o seguinte: “47) A referida carta foi rececionada pelos Autores em 08 de junho do corrente ano e, até à presente data, não foi dada qualquer resposta ao Réu (art.º 59.º da contestação).”
19. Essa carta surge no seguimento da citação do Réu nos presentes autos (a qual terá ocorrido em data anterior a 6 de junho de 2022) onde foi peticionada a declaração de resolução do contrato promessa dos autos por culpa exclusiva daquele.
20. Assim, não poderia ser dado como provado que os Autores não responderam ao Réu uma vez que a presente ação configura essa mesma resposta antecipada.
21. Por esse motivo, o Facto Provado 47) deve ter a seguinte redação: 47) A referida carta foi rececionada pelos Autores em 08 de junho do corrente ano.
22. O Facto Provado 49) refere o seguinte: “49) Por carta, datada de 21.09.2021, remetida pelo Ilustre Advogado, Sr. Dr. AGB, em representação dos Autores/Reconvindos, foi o Réu/Reconvinte notificado da resposta à interpelação para o agendamento da referida escritura (art.º 75.º da contestação).”
23. Cronologicamente, essa comunicação surge no seguimento de uma carta do Réu datada de 03/09/2021, através da qual interpelou os ora Recorrentes para que procedam ao agendamento da escritura de compra e venda – v. Facto Provado 22).
24. Contrariamente ao que foi dado como provado pelo Tribunal a quo, os Autores não se limitaram simplesmente a responder (tal como transparece da redação do Facto Provado 49), sendo que o conteúdo daquela comunicação contém factos essenciais para a boa decisão da causa, nomeadamente que: (i) A obra não estava concluída, condição essa necessária para a realização da escritura de compra e venda; (ii) O edificado apresenta graves e grosseiras deficiências de construção que inviabilizam a aceitação da obra; e (iii) Interpelaram o Réu para indicar em que prazo poderiam terminar os trabalhos de correção daquelas deficiências, sob pena de incumprimento daqueles.
25. Assim, e por uma questão de coerência e certeza factual, o Facto Provado 49) deve ser alterado nos seguintes termos: “49) Por carta datada de 21.09.2021, recebida pelo Réu, o Mandatário dos AA. respondeu indicando que “obra” não se encontra devidamente concluída como prevê expressamente aquela cláusula contratual, que o imóvel apresentava graves e grosseiras deficiências de construção que inviabilizam a aceitação da obra, situação que já havia sido transmitida ao Réu pelos AA., que o Réu deveria indicar com a maior brevidade o prazo para a conclusão das obras, sob pena de existir um incumprimento das suas obrigações, o que poderia levar a que fossem intentadas as competentes ações para defesa dos interesses dos AA..”
26. Em concreto, foi dado como Não Provado o facto de “4) Porém, as infiltrações persistiram, ocasionando o aparecimento de humidades no interior da moradia (remanescente do art.º 18.º da petição inicial)”.
27. Na origem das infiltrações estão diversas e distintas anomalias identificadas na moradia em causa e de que são exemplo a falta de estanquicidade em diferentes zonas, o deficiente e em alguns casos ausente sistema de impermeabilização, existência de aberturas, fissurações e selagens incorretamente efetuadas ou não efetuadas de todo e a ausência de sistema de bombagem de águas ou escoamento.
28. Resulta claro dos depoimentos de IO, IB, RL e MG, assim como do Relatório de Peritagem de Deteção e Análise de Patologias e Anomalias (junto aos Autos como doc. n.º 7 da petição inicial), o facto de que as infiltrações não surgiram uma única vez, tendo, ao longo do tempo e inclusive após a reparação da cobertura, surgido novas infiltrações e humidades.
29. Em rigor, de acordo com os mais elementares ditames da lógica e da experiência, os problemas que não sejam objeto de resolução permanecem e aqueles que são incorretamente solucionados dificilmente deixam de existir.
30. Consequentemente, deve o facto não provado 4) ser dado como provado nos seguintes termos, “Porém, as infiltrações persistiram, ocasionando o aparecimento de humidades no interior da moradia”.
31. Para a decisão da causa, não foi tido em conta o Facto Não Provado 7), com o seguinte teor: 7) Face às posições assumidas pelo R., que levaram à quebra de confiança na execução de quaisquer trabalhos por ele executados ou mandados executar, decidiram os AA. (…) (demais do art.º 27.º da petição inicial).
32. A motivação levada a cabo pela sentença recorrida é contraditória ou, no mínimo, incongruente com a decisão de não dar como provado esse facto, sendo ainda contraditória com os Factos Provados 20), 21) e 23) e o alegado no artigo 27.º da PI.
33. Assim, deverá ser dado como Provado que “Face às posições assumidas pelo R., que levaram à quebra de confiança na execução de quaisquer trabalhos por ele executados ou mandados executar, decidiram os AA. (…) (demais do art.º 27.º da petição inicial).”
34. Para a decisão da causa, não foi tido em conta o Facto Não Provado 8), com o seguinte teor: “8) De acordo com o anúncio publicitado pela mediadora imobiliária, a moradia teria entre outros atributos os de arquitetura contemporânea e de acabamentos de excelente qualidade, o que levou os AA. a determinarem a sua opção de aquisição, vendo agora frustrados os seus intentos (art.º 31.º da petição inicial).”
35. A motivação levada a cabo pela sentença recorrida é contraditória ou, no mínimo, incongruente com a decisão de não dar como provado esse facto, sendo ainda contraditória com os Factos Provados 19), 20), 21) e 23) e, bem assim, com a motivação referentes aos Factos Provados 23) e 28).
36. É ainda contraditório com o depoimento da testemunha RJ que foi claro em esclarecer, entre outros, que a execução técnica da obra está muito abaixo do esperado, existindo erros estruturais. Esclareceu ainda que que os materiais eram de boa qualidade, mas a execução não foi correta, conforme alegado no artigo 27.º da PI.
37. Da conjugação de todos os elementos de prova supra, resulta demonstrado que o Facto Não Provado n.º 8 deveria ter sido dado como provado.
38. Por ser de relevo para a correta decisão dos autos, deve ser aditado como Facto Provado o teor da Cláusula 3.ª do contrato promessa dos autos, ou seja, que “1. A escritura de compra e venda será outorgada até 30 dias após a emissão da licença de utilização devendo na data estar a “obra” devidamente concluída, e devidamente emitido o Alvará de Licença de Utilização (demais do teor da referida Cláusula).
39. Essa é a base da recusa por parte dos Autores em pedir a resolução do contrato promessa por incumprimento definitivo do Réu (artigo 38.º da PI), tendo resultado provado que a obra não está acabada (v. Factos Provados 6), 19), 20), 21) e 23)).
40. Assim, deverá ser aditado um novo Facto Provado nos seguintes termos: “Ficou convencionado pelas AA. e Réus que “A escritura de compra e venda será outorgada até 30 dias após a emissão da licença de utilização devendo na data estar a “obra” devidamente concluída, e devidamente emitido o Alvará de Licença de Utilização, e devidamente registada na conservatória do Registo Predial, sendo o ato notarial marcado pelos Segundos Contratantes em cartório notarial e hora a indicar ao Primeiro Contratante, por carta registada, com aviso de receção, ou por email, com uma antecedência de 10 (dez) dias em relação à data marcada, para os endereços convencionados entre as partes (Cláusula Terceira do Contrato Promessa de Compra e Venda e artigo 38.º da PI (parte).
41. Por ser de relevo para a correta decisão dos autos, deve ser aditado como Facto Provado que a Petição Inicial deu entrada em 4/05/2022.
42. Na sentença recorrida foi dado como provado que os Autores não responderam à Notificação Judicial Avulsa apresentada pelo Réu que lhes concedeu um prazo de dois meses para a outorga da escritura (Factos Provados 44) e 45).
43. A data de entrada da Petição Inicial é uma facto essencial à boa decisão da causa uma vez que, conforme referido no artigo 8.º da sua Réplica, “os Autores com o seu silêncio manifestaram desde logo a não aceitação dos termos e condições expressas na citada notificação judicial avulsa e daí terem intentado a presente ação judicial para fazer valer os seus direitos”, deverá ser dado como provado o seguinte facto: “Em 4/05/2022, os Réus deram entrada da ação declarativa de condenação dos autos onde, entre outros, pediram que fossem declarada, por culpa exclusiva do Réu, a resolução do contrato promessa de compra e venda celebrado com os Autores em 15 de agosto de 2020 e completado pela adenda celebrada em 3 de março de 2021.”
44. Por também ser de relevo para a correta decisão dos autos, deve ser aditado como Facto Provado o Prazo de conclusão da obra previsto na Adenda.
45. Conforme alegado no artigo 9.º da sua Petição Inicial e resulta da Cláusula Segunda da Adenda junta como Documento 2 com a PI, o prazo de conclusão da obra seria no dia 20 de março de 2021.
46. Sendo este um segundo prazo para a conclusão da obra, diferente daquele que consta no Facto Provado 1) da Sentença e que nenhuma menção é feita a esse facto, deverá ser aditado um novo Facto Provado com a seguinte redação: “A adenda ao contrato promessa determinou que o novo prazo de conclusão da obra seria no dia 20 de março de 2021.”
47. Por fim, por também ser de relevo para a correta decisão dos autos, deve ser aditado como Facto Provado que, apesar de o Réu não ter entrado em obra a partir de 13 de setembro de 2021, Partes continuaram a negociar no sentido de se chegar a um acordo.
48. Tal Facto resulta do artigo 50.º da Contestação, bem como da carta de 3/09/2021 (Facto Provado 42) e Doc. 13 junto com a Contestação), contrariamente ao que é dado a entender pela sentença recorrida de que os Autores sempre se escusaram a responder às comunicações do Réu (v. Factos 43), 45), 47)), antes se remetendo ao silêncio, certo é que é o próprio Réu quem confessa na sua contestação e carta de 3 de dezembro de 2021 que as partes continuavam a negociar por intermédio dos seus advogados.
49. Assim, deve ser aditado um novo facto com o seguinte teor: “Após a reunião mantida entre o Réu e o Eng. RJ, as partes continuaram a negociar no sentido de chegar a um entendimento.”
50. A Sentença recorrida não confere ao caso que lhe subjaz a justiça material de que este carece que lhe é devida, impondo-se a sua revogação e consequente substituição por Acórdão que acautele efetivamente aqueles que são os direitos e legítimos interesses dos Recorrentes.
51. Do contrato promessa celebrado entre os aqui Recorrentes e Recorrido, a 15.08.2020, decorre que o prazo de conclusão da obra seria o dia 31.12.2020.
52. Tal prazo não foi respeitado pelo Réu promitente vendedor, tendo sido necessária a formalização de uma adenda ao contrato promessa, nos termos da qual se protelou o prazo de conclusão da obra para o dia 20.03.2021.
53. Por via da adenda formalizada, o promitente vendedor entregou aos promitentes compradores a chave do imóvel, tendo estes, mediante reforço de 110.000,00€ ao sinal que anteriormente tinham já prestado no valor de 75.000,00€, iniciado a sua residência no imóvel, que fizeram sua habitação a 26.03.2021.
54. Também aí o promitente vendedor incumpriu com a sua obrigação de entregar aos promitentes vendedores a moradia objeto do contrato promessa devidamente concluída e empossada de todas as condições contratualizadas.
55. Somente uma semana após iniciarem a sua estadia no imóvel em causa, os Recorrentes identificaram variadas anomalias no mesmo, anomalias essas que não se traduzem em simples defeitos, mas em verdadeiros problemas técnicos, funcionais e estruturais.
56. Sentiram os promitentes compradores a necessidade de recorrer aos serviços de uma empresa da especialidade, assim solicitando à empresa 2REALM a realização de uma inspeção à moradia.
57. A empresa 2REALM forneceu uma Análise Primária, a qual foi posteriormente complementada com a elaboração do Relatório de Peritagem de Deteção e Análise de Patologias e Anomalias Técnicas, recebido pelos Recorrentes a 01.08.2021 e enviado ao Recorrido a 17.08.2021.
58. Pela prestação dos serviços por parte da empesa 2REALM despenderam os Recorrentes o valor de 3.013,50€.
59. Resultam elencados no Relatório de Peritagem diversas anomalias construtivas e danos em revestimentos identificados na moradia relevante, nomeadamente: diversas infiltrações ativas, falta de estanquicidade em diferentes zonas, anomalias nas caixas de visita, corrosão de diversos elementos metálicos no interior e exterior da moradia, patologias nos revestimentos interiores e exteriores, ausência de sifão na maioria dos lavatórios e bidés, precária instalação de torneiras, existência de conduta de ventilação junto a equipamentos de AC na cobertura, vários presentes nos diversos vãos riscados, ausência de apoios antivibráticos em alguns aparelhos de AC na cobertura, existência de um buraco no jardim, ausência de diversos capeamentos nas guardas metálicas dos muros exteriores do lote, vários elementos desalinhados, ligações elétricas e de telecomunicações precariamente executadas.
60. De acordo com o orçamento requerido pelos Recorrentes a empresa também da especialidade, a reparação de todos os problemas identificados no Relatório de Peritagem ascendia à quantia de 71.589,80€, à qual acresceria, ainda, o valor do Imposto sobre o Valor Acrescentado.
61. Ao longo dos mais de quatro meses que medeiam o dia em que os Recorrentes começaram a habitar a casa, dia 26.03.2021, e o dia em que o Recorrido respondeu ao Relatório de Peritagem, dia 08.10.2021, mais não se verificou do que a manifesta incapacidade do Réu promitente vendedor para a resolução dos vários problemas levantados.
62. Somente a 02.07.2021 foi comunicada aos promitentes compradores a necessidade de levar a cabo um teste de carga para aferir do ponto de situação atual da cobertura.
63. A 21.07.2021, porém, ainda não tinha sequer sido iniciado o processo de reparação da cobertura.
64. Mesmo na data em que o Recorrido responde ao Relatório de Peritagem, 08.10.2021, vários defeitos careciam de reparação, encontrando-se 91 dos defeitos verificados registados em tal resposta com o Estado de “pendente” ou em “em execução”.
65. Desconsiderando por completo o repetido incumprimento das suas obrigações contratuais, por carta datada de 03.09.2021, o Recorrido interpelou os Recorrentes para que procedam ao agendamento da escritura de compra e venda, a ser outorgada no prazo de 30 trinta dias, uma vez que tinha sido já emitida a licença de utilização referente à moradia objeto do contrato promessa.
66. A tal carta respondeu o Il. Mandatário dos Recorrentes, por carta datada de 21.09.2021, referindo, em suma, não estarem reunidas as condições necessárias à elaboração da escritura de compra e venda porquanto a obra não se encontrava devidamente concluída, existindo inúmeros problemas ainda por reparar, não podendo os promitentes compradores aceitar a aquisição de um bem defeituoso.
67. Nessa mesma carta, requereu o então Mandatário dos Recorrentes que o promitente vendedor indicasse em que prazo procederia à conclusão dos trabalhos, não se tendo, porém, logrado qualquer resposta por parte do Recorrido.
68. A moradia em causa não se encontrava concluída na data em que os Recorrentes aí iniciaram a sua estadia, dia 26.03.2021, nem tão pouco se encontra hoje.
69. A ausência de condições da moradia prometida comprar é passível de ser confirmada pela correta análise do Relatório de Peritagem, como é possível de ser atestada através dos depoimentos conferidos em sede de audiência de julgamento por parte de distintas testemunhas.
70. São exemplos, os depoimentos supra transcritos: IO e IB, que referem, em súmula, que a moradia não se encontra nas suas devidas condições e, ainda, os depoimentos de RL e MG, que, por seu turno, evidenciam que, além da ausência de reparação quanto a certos defeitos, anomalias existem, tais como as existentes na cobertura, que foram incorretamente reparadas.
71. Apresenta igualmente relevância para a correta decisão da causa o depoimento de RJ, engenheiro civil e um dos responsáveis pela elaboração do Relatório de Peritagem que refere de forma perentória que a obra padece de erros técnicos, funcionais e estruturais, estando em causa, no âmbito da questão das infiltrações, partes estruturais.
72. Não surpreende a falta de capacidade do promitente vendedor para a resolução dos problemas, e até mesmo o surgimento destes, porquanto este não se encontra sequer devidamente habilitado com Alvará de industrial da construção civil.
73. Decorre que, na realidade, o promitente vendedor, C, não era apenas o promotor da obra, se não também, e de acordo com o depoimento prestado por CP, que na obra laborou por conta deste quem coordenava os trabalhos e contratava que os realizava, sendo um empreiteiro geral da obra.
74. Vários foram os meses em que Recorrentes se mantiveram a habitar numa casa que não reunia nem reúne as condições por si esperadas e, na verdade, por si passíveis de ser exigidas.
75. Ao longo de todo este tempo, não obstante a atitude colaborativa por parte dos Recorrentes, tornou-se evidente a falta de capacidade do promitente vendedor para solucionar todos os problemas que surgiram.
76. Nada mais restou e resta aos Recorrentes se não o seu desespero e frustração por terem investido um valor total de 185.000,00€, numa moradia que, afinal, não lhes permite sequer uma vida condigna.
77. Este processo, que provocou nos Recorrentes enorme ansiedade, não poderia ter outro resultado se não o da natural perda de confiança no promitente vendedor e até na ideia de alguma vez a moradia apresentar todas as condições que motivaram os Recorrentes a celebrar com C o contrato promessa.
78. O imóvel em causa, pelos inúmeros defeitos que apresenta, impossibilita não apenas uma estadia confortável, mas também uma habitação condigna, sendo um bem defeituoso.
79. Não deixa a moradia de se considerar como um bem defeituoso pelo facto de os Recorrentes aí residirem desde 26.03.2021, porquanto, na verdade, a utilidade e o fim de um bem seja conceitos subjetivos.
80. A entrega de uma moradia defeituosa e a ausência de reparação dos respetivos defeitos traduz-se em incumprimento contratual por parte do promitente vendedor, tendo este, por esta via, incumprido a mais elementar das obrigações acessórias a que estava adstrito: a entrega aos promitentes compradores da moradia objeto do contrato promessa devidamente concluída e sem defeitos.
81. Surge a notificação judicial avulsa por parte do Recorrido no dia 23.02.2022 praticamente um ano após terem os Recorrentes identificado e dado a conhecer as inúmeras anomalias da moradia sem que o Recorrido tivesse tido a capacidade de resolver as mesmas, não obstante as inúmeras oportunidades e tempo que teve para o fazer.
82. A notificação judicial avulsa surge após um longo período de frustração e desespero por parte dos Recorrentes, que investiram um total de 185.000,00€ num imóvel que não mantém as condições por si esperadas e passíveis de ser exigidas, tendo passado os Recorrentes por um processo verdadeiramente desgastante, frustrante e dispendioso: além do valor de 3.013,50€ gasto com a prestação dos serviços por parte da empresa 2REALM, os Recorrentes despenderam a quantia de 28.640,22€ com a aquisição de meios e respetiva execução dos trabalhos por cuja elaboração assumiram responsabilidade no âmbito da adenda efetuada ao contrato promessa.
83. Não podiam os Recorrentes ficar obrigados à realização da escritura de compra e venda porquanto tal implicaria obrigar os promitentes compradores a adquirir um imóvel defeituoso.
84. Em causa está, rigorosamente, o incumprimento definitivo e culposo do contrato promessa por parte do promitente vendedor.
85. Nos termos do n.º 1 do art.º 432.º do Código Civil a resolução de um contrato é admitida quando se funde na lei ou em convenção.
86. Dispõe o n.º 1 da Cláusula quinta do contrato promessa celebrado entre os Recorrentes e o Recorrido que, diante do incumprimento definitivo e culposo por parte do promitente vendedor das obrigações que lhe incumbem, assiste aos promitentes compradores o direito a resolver o contrato e, em consequência, lhes ser devolvido o sinal por si outrora prestado em dobro, devolução esta legalmente prevista no n.º 2 do art.º 442.º do já referido diploma.
87. Tendo a sentença recorrida violado tais normas, deve a mesma ser revogada e substituída por Acórdão que julgue procedente a ação por estes intentada, procedendo à condenação do Recorrido no pedido de devolução do sinal em dobro contra a entrega da moradia.
88. Mesmo que alguma culpa houvesse a atribuir aos Recorrentes, o que se vislumbra por sobejamente injusto e, nessa medida, apenas por mera cautela de patrocínio se pondera, não poderia o Tribunal a quo ter determinado a resolução do contrato promessa por seu incumprimento definitivo, assim condenando os promitentes compradores na restituição da moradia e na perda do sinal por si prestado.
89. Não se pode desconsiderar o facto de o Recorrido promitente vendedor ter incumprido a obrigação contratual de entregar aos Recorrentes o imóvel que estes prometeram adquirir devidamente concluído e sem defeitos, pelo que, a imputar-se qualquer culpa aos Recorrentes, deveria a situação ser solucionada ao abrigo do artigo 570.º do Código Civil (uma vez que esta situação não está abrangida pelo disposto no artigo 442.º do Código Civil).
90. Caso seja de se verificar a existência de concorrência de culpas, que se presumirão iguais no caso de não ser possível averiguar diferentes graus de culpabilidade no âmbito da não outorga do contrato definitivo, deverá proceder-se à anulação do contrato promessa e, em consequência, repor-se a situação existente à data da celebração do contrato-promessa.
91. Devendo, em consequência e de forma subsidiária, ser revogado a douta sentença recorrida e, em consequência, ser proferido Acórdão por este douto Tribunal que determine a devolução do sinal em singelo por parte do Recorrido aos Recorrentes em contrapartida pela entrega do imóvel dos autos.
92. E, nesse caso, ser o Recorrido condenado a pagar aos Recorrentes o montante de 3.013,50€ (três mil e treze euros e cinquenta cêntimos), por danos patrimoniais (relatório de peritagem – v. Facto Provado 25)) e o montante de 5.000,00€ a título de danos não patrimoniais (v. Facto Provado 28).
93. Todavia, e mesmo que provimento devesse ser dado a esse pedido, o que se pondera em moldes puramente hipotéticos, sempre teria a indemnização de 3.000,00€ por mês em que os Recorrentes foram condenados a título de uso ilegítimo do imóvel ser estabelecida em valor consideravelmente inferior.
94. Porquanto se traduz na condenação do devedor da prestação no pagamento de uma quantia pecuniária por cada mês de atraso no cumprimento da obrigação, neste caso, de entrega do imóvel, a indemnização em causa apresenta a natureza de sanção pecuniária compulsória.
95. Assim, a fixação do montante indemnizatório sempre envolvia a observância do disposto no n.º 2 do artigo 829.º A do Código Civil, nos termos do qual tal montante deve ser fixado de acordo com critérios de razoabilidade.
96. A Sentença recorrida não se encontra devidamente fundamentada no que a esta indemnização concerne.
97. Julgamos, contudo, que a Mma Juiz a quo relacionou o montante indemnizatório com alegado valor de mercado de arrendamento da moradia em causa, pois que esse valor ascende, alegadamente, a 3.000,00€.
98. Tal relacionamento é, não obstante, inviável porquanto a sanção pecuniária compulsória não tem por objetivo indemnizar o credor da obrigação pelos danos que a mora em relação ao seu cumprimento comporte, mas tão somente o de compelir o devedor na realização pontual da prestação que lhe incumbe.
99. De todo o modo, e atenta a necessária observância de critérios de razoabilidade na fixação do valor indemnizatório, sempre se deverá concluir tratar-se o valor de 3.000,00€ manifestamente excessivo e desprovido de qualquer sentido de proporcionalidade e equidade, pelo que, a manter-se tal condenação, o que também apenas por cautela de patrocínio se pondera, o respetivo montante deverá ser consideravelmente reduzido.
Terminam pedindo que seja revogada a sentença recorrida e substituída por acórdão que faça verdadeira e sã JUSTIÇA!
Não se mostram juntas contra-alegações.
QUESTÕES A DECIDIR
Sendo o objeto do recurso balizado pelas conclusões dos recorrentes (arts. 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do CPC), as questões a decidir são:
a) impugnação da decisão sobre a matéria de facto;
b) do incumprimento culposo do cpcv pelo R. – consequências e valores indemnizatórios peticionados;
c) assim não se entendendo, da concorrência de culpas no incumprimento do cpcv;
d) subsidiariamente, do valor mensal fixado na sentença a pagar pelos AA. – natureza da condenação e valor.
Cumpre decidir, corridos que se mostram os vistos.
FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
O tribunal recorrido deu como provados os seguintes factos:
1) Em 15 de agosto de 2020, foi celebrado entre os acima indicados Autores e o ora Réu o contrato promessa de compra e venda referente a um "Terreno" para construção sito no Bairro M, lote …, freguesia de Santa Iria da Azóia, concelho de Loures, no qual se encontrava ainda em construção uma obra de edificação de uma moradia, pelo preço de €550.000,00 (quinhentos e cinquenta mil euros) (art.º 1.º da petição inicial).
2) No mencionado contrato consta na cláusula n.º 1, ponto 2 o seguinte “O primeiro contraente obriga-se a concluir a obra até ao dia 31 de dezembro de 2020, exceto no caso de acontecimentos não imputáveis ao mesmo, como por exemplo, os referentes a alteração de condições resultantes da pandemia Covid” (art.º 2.º da petição inicial).
3) Os AA acordaram com o R. que este lhes entregaria as chaves do edificado, permitindo-lhes, assim, entrar na respetiva posse, estipulando, entre outros aspetos, a entrega de €110.000,00 (cento e dez mil euros), para reforço do sinal entregue aquando da celebração do aludido contrato promessa de compra e venda, no montante de €75.000,00 (setenta e cinco mil euros) (parte do art.º 4.º da petição inicial).
4) O mencionado acordo foi formalizado em 03 de março de 2021, entre AA. e R. por "adenda" ao contrato promessa de compra e venda (art.º 5.º da petição inicial).
5) Teve lugar em 25 de março de 2021 uma vistoria da moradia, tendo em resultado da mesma sido subscrito pelos AA. e R. em 26 de março de 2021 um escrito com a indicação da verificação e concordância de um conjunto de reparações/modificações (art.º 7.º da petição inicial e art.º 34.º da contestação).
6) Consta do mencionado documento que:
“- falta rodapé com silicone na cabine de duche do poliban;
- porta da entrada tem falta de batente na escada;
- falta 1 peça no poliban;
- falta retocar o teto com silicone na despensa;
- dois azulejos com defeito e gaveta do móvel do lavatório para arranjar na suite;
- falta de afinação no poliban e inexistência de batente no closet da suite 2;
- falta silicone entre azulejos da casa de banho na suite 3;
- faltam retoques de pintura numa parede e num pilar da garagem." (art.º 8.º da petição inicial e art.º 34.º da contestação).
7) Os AA. solicitaram a uma empresa a realização de uma peritagem (parte do art.º 10.º da petição inicial).
8) Na sequência de uma inspeção realizada em 15 de abril de 2021 pela empresa 2 REALM, a solicitação dos AA., foi apresentado em 18 de maio de 2021, uma "Análise Primária" (art.º 11.º da petição inicial).
9) Refere este relatório que “foram encontradas várias falhas no âmbito do conforto visual e estético", bem como "erros na execução técnica" tais como acabamentos e patologias na cobertura do terraço com manifestação de humidades nos pisos inferiores.” (art.º 12.º da petição inicial).
10) O R. em Maio de 2021 efetuou um teste não invasivo ao terraço, procedendo ao seu enchimento com água, para aferir o comportamento estrutural daquela cobertura (parte do art.º 13.º da petição inicial e art.º 37.º da contestação).
11) Confirmando-se a existência de infiltrações com origem na cobertura (parte do art.º 14.º da petição inicial e art.º 38.º da contestação).
12) No dia 13.07.2021, a mediadora imobiliária IO, interveniente na celebração do contrato de promessa de compra e venda remeteu um email à representante da empresa Century 21, bem como aos AA. e ao R. com o seguinte teor: “Bom dia MA, tendo sido efetuado um teste de carga no terraço, verificaram-se várias infiltrações nos pisos 0 e 1, inclusive num foco de luz. Tinha sido referido na nossa última reunião na moradia a necessidade de efetuar um teste térmico para identificar os problemas de humidade, sabes para quando? Decorreram 4 meses desde que a família se mudou e todas as situações que se têm vindo a reportar a deficiências encontradas, provocam enorme desgaste, que em nada são benéficas, não sendo toleradas por muito mais tempo. (…)” (art.º 15.º e 16.º da petição inicial).
13) Perante esta comunicação o R. respondeu também por e-mail de 13 de julho de 2021, dirigido entre outros aos ora AA., em que manifesta a "confirmação de algumas fugas de água" e informa pretender "fazer um isolamento a 100% do terraço". (art.º 17.º da petição inicial).
14) Efetivamente foi executada uma intervenção no terraço com a indicação de se tratar do respetivo isolamento (parte do art.º 18.º da petição inicial).
15) O R. promoveu a realização de alguns trabalhos com vista à eliminação de defeitos de acabamentos que constavam não só da supracitada vistoria, bem como na aludida "Análise Primária", tendo-lhe para o efeito os AA. dado acesso ao interior da habitação, mediante a entrega da chave da porta de entrada. (art.º 19.º da petição inicial e art.º 39.º da contestação).
16) Foi enviado pelos AA. ao R., em 17 de agosto de 2021, via email, o "Relatório de Peritagem de Deteção e Análise de Patologias e Anomalias Técnicas" elaborado pela empresa 2REALM (art.º 21.º da petição inicial).
17) Na sequência do envio do supracitado relatório, foi realizada em finais de agosto de 2021, uma reunião em que estiveram presentes os AA., o R. e o Eng.º RJ, um dos responsáveis pela elaboração daquele documento, a fim de procederem ao planeamento e programação dos trabalhos a executar, tendo em conta a natureza e volume dos mesmos e ainda à circunstância do local se encontrar habitado (art.º 22.º da petição inicial).
18) O R. em 8 de outubro de 2021 veio responder ao supracitado relatório (art.º 24.º da petição inicial).
19) O R. "das 177 incidências contabilizadas" do Relatório supra mencionado, aceita 129, referindo que daquelas se encontram por validar 19 e 29 não serem da sua responsabilidade (art.º 25.º da petição inicial).
20) Decidiram os AA. com base no aludido relatório de peritagem solicitar a uma empresa de construção civil a apresentação de um orçamento para a correção das patologias e reparação das anomalias identificadas naquele documento (parte do art.º 27.º da petição inicial).
21) Em 18 de março de 2022, veio a empresa denominada "Planeta …, Lda.", apresentar o orçamento para a execução dos trabalhos, de acordo com o qual as reparações, retificações, substituições e intervenções nele melhor descritas, têm um custo total de €71.589.80 (setenta e um mil, quinhentos e oitenta e nove mil euros e oitenta cêntimos), a que acrescerá o Imposto sobre o Valor Acrescentado à taxa legal em vigor. (art.º 28.º e 29.º da petição inicial).
22) Pretende o R. concretizar ao abrigo do estabelecido no nº. 1 da cláusula terceira do contrato promessa de compra e venda, a celebração da escritura de compra e venda do imóvel, com fundamento na emissão em 8 de agosto de 2021, do Alvará de Licença de Utilização, conforme comunicação por carta de 03 de setembro de 2021 (art.º 35.º da petição inicial, art.º. 73.º e art.º 74.º da contestação).
23) Os AA. encontram-se desiludidos e desagradados com o resultado final da construção da moradia, face à quantidade de intervenções necessárias para que a mesma possa corresponder ao esperado (art.º 36.º da petição inicial).
24) Os AA. tiveram que recorrer à intervenção de uma empresa especialidade, a 2REALM, Lda., que após análise de patologias elaborou os relatórios (art.º 40.º da petição inicial).
25) Pela prestação de serviços referida no articulado anterior, pagaram os AA. a importância de €3.013,50 (três mil e treze euros e cinquenta cêntimos) (art.º 41.º da petição inicial).
26) Na cláusula quinta da adenda ao contrato promessa de compra e venda, os AA. assumiram inteira responsabilidade pela execução dos trabalhos ali referidos, a saber:
- Pinturas interiores
- Sistema de Videovigilância
- Sistema de Intrusão
- Porta de acesso a garagem (piso 0)
- Lavatório duplo wc master suite
- uma cabine de duche numa das suites
- uma cozinha na cave (Pintura e Carpintaria)
- exaustor na cozinha do piso 0
- abertura da porta acesso à cozinha na cave
- painel de cerâmica rústica na sala zona de TV até ao WC." (art.º 43.º da petição inicial).
27) Os AA. procederam à aquisição de equipamentos bem como diligenciaram a sua montagem e ainda promoveram a execução de trabalhos de construção civil inerentes à responsabilidade por eles assumida (art.º 45.º da petição inicial).
28) Toda esta situação provocou nos AA. ansiedade (parte do art.º 49.º da petição inicial).
29) Os Autores foram intervenientes ativos no andamento da construção, deslocando-se com regularidade à mesma, opinando quanto à forma como estava a decorrer e solicitando inúmeras vezes alterações ao projeto que estava aprovado ou a colocação de materiais específicos (art.º 10.º da contestação).
30) A pandemia do Covid 19 criou constrangimentos ao nível da obtenção dos meios humanos e materiais, ao que o R. não foi alheio (art.º 14.º da contestação).
31) Os Autores apenas venderam a sua habitação anterior em 7 de maio de 2021 (art.º 24.º da contestação).
32) A obra ainda não estava finalizada e foi, pela insistência dos Autores, que o Réu aceitou que os mesmos passassem a habitar a moradia em 26 de março de 2021 (art.º º32.º da contestação).
33) Assim e para que a moradia fosse entregue aos Autores, o Réu teve de realizar os trabalhos de acabamento possíveis e limpezas sumárias nos dias 25 e 26 de março (art.º 33.º da contestação).
34) Os Autores passaram a residir na moradia em apreço nos presentes autos em 26 de março de 2021 (art.º 35.º da contestação).
35) Durante os trabalhos que o Réu estava a realizar na reparação de infiltrações na cobertura, os Autores aproveitaram para efetuar trabalhos de canalização no referido local, através de canalizador contratado pelos mesmos, a fim de ali ser colocado um jacuzzi (art.º 40.º da contestação).
36) O R. procedeu à aplicação de emulsão diluicoso betuminoso em todo o perímetro de colagem, como forma de garantir aderência de telas asfálticas (roços, platibandas, caleiras, etc.), impermeabilização de toda a zona usando duas telas, a primeira aplicação em tela betuminosa 4K/m2 poliéster e segunda camada ou acabamento em tela betuminosa com acabamento em betume asfáltico poliéster da mesma densidade 4K/m2 ou mineral poly plas 4Km2 e colocação das lajetas escolhidas pelos Autores (parte do art.º 42.º da contestação).
37) Os AA. não mais permitiram ao Réu entrar em obra, a partir de 13 de setembro de 2021, ficando, inclusive, com alguns materiais e ferramentas no interior da moradia (art.º 43.º e art.º 47.º da contestação).
38) Os materiais e ferramentas do Réu que ficaram no interior da moradia, estavam devidamente arrumados e acondicionados na casa das máquinas da mesma (art.º 44.º da contestação).
39) Enquanto o Réu ia fazendo os trabalhos de reparação na cobertura, foi também corrigindo outras deficiências existentes da sua responsabilidade, as quais, em grande parte, apenas foi possível verificar após a realização de limpezas profundas no imóvel, não sendo, assim, possíveis de identificar aquando da entrega da moradia aos Autores (art.º 45.º da contestação).
40) No dia 23 de Setembro de 2020 [3], o R. reuniu com o Eng.º RJ, na qual também estiveram presentes os Srs. RL e MO, empreiteiro e amigo do Réu, respetivamente, este informou o Sr. Eng. RJ sobre qual era a sua posição quanto à responsabilidade nas anomalias constantes no relatório, assumindo algumas, declinando outras (uma vez que resultavam de trabalhos não efetuados pelo Réu ou que foram os Réus quem lhes deu causa) e informando que parte delas já se encontravam reparadas (parte do art.º 23.º da PI e art.º 47 e 48.º da contestação).
41) O Sr. Eng. RJ solicitou ao Réu que respondesse por escrito ao aludido relatório, o que foi feito em 8 de Outubro de 2021 (art.º 49.º da contestação).
42) O Réu, por carta registada com aviso de receção datada de 03/12/2021 e por estes rececionada em 09/12/2021, notificou os Autores para, entre o mais, informar que pretendia aceder ao imóvel para proceder às correções necessárias e que não prescindia do seu direito/dever em concluir os trabalhos no imóvel, sem prejuízo de um acordo que pudesse vir a ser alcançado (art.º 52.º da contestação).
43) Os AA. não responderam à carta (art.º 53.º da contestação).
44) O Réu, em 23/02/2022, através de notificação judicial avulsa, notificou os Autores para “que facultassem o acesso à obra no prazo de 15 dias, a fim de poder proceder aos trabalhos de correção necessários efetuar na mesma”, bem como, interpelou-os para, “no prazo de 2 (dois) meses, procederem ao agendamento da escritura pública de compra e venda do imóvel em apreço, sob pena de se considerar definitivamente incumprido o contrato promessa outorgado em 15 de Agosto de 2020 e respetiva adenda, por recusa de cumprimento, nos termos do disposto no art.º 808.º, n.º 1, com as consequências previstas no art.º 442.º, ambos do Código Civil.” (art.º 54.º e 55.º da contestação).
45) A referida notificação judicial avulsa foi rececionada pelos Autores em 04/03/2022 e, uma vez mais, mantiveram-se sem resposta (art.º 56.º da contestação).
46) O R. remeteu uma carta aos AA. em 03 de junho de 2022, nos termos da qual solicitou que lhe permitissem o acesso à moradia, a fim de ser efetuada uma vistoria com o propósito de se verificar o atual estado da mesma (art.º 58.º da contestação).
47) A referida carta foi rececionada pelos Autores em 08 de junho do corrente ano e, até à presente data, não foi dada qualquer resposta ao Réu (art.º 59.º da contestação).
48) As anomalias constantes no relatório e, são reparáveis, e efetuadas as devidas reparações, não desvalorizam o imóvel, nem retiram dele quaisquer das suas utilidades em perfeitas condições (art.º 61.º da contestação).
49) Por carta, datada de 21.09.2021, remetida pelo Ilustre Advogado, Sr. Dr. AGB, em representação dos Autores/Reconvindos, foi o Réu/Reconvinte notificado da resposta à interpelação para o agendamento da referida escritura (art.º 75.º da contestação).
50) Apesar da interpelação efetuada pelo Réu/Reconvinte aos Autores/Reconvindos para, num prazo razoável de 2 (dois) meses, procederem ao agendamento da escritura de compra e venda, estes não o fizeram (art.º 82.º da contestação).
51) Os Autores habitam a moradia em apreço nos presentes autos, fazendo dela uso exclusivo (art.º 86.º da contestação).
52) O valor de mercado de arrendamento da moradia em causa nos autos situa-se nos €3000,00 (art.º 89.º da contestação).
53) O Réu necessitava de concluir o presente negócio, a fim de poder pagar o empréstimo bancário contraído para a construção da moradia em apreço nos presentes autos (art.º 91.º da contestação).
54) Em 29 de Outubro de 2020, o Réu adquiriu um lote de terreno para construção, onde pretendia construir uma moradia (art.º 92.º e parte do art.º 93 da contestação).
55) O que não logrou conseguir porque não foi finalizado o negócio em causa nos autos (art.º 94.º e 95.º da contestação).
56) O R. viu-se forçado a alterar a sua vida profissional para fazer face aos seus compromissos tendo ido trabalhar para a restauração (art.º 100.º da contestação).
57) A presente situação tem causado no Réu/Reconvinte um enorme desgaste emocional (parte do art.º 101.º da contestação).
58) O reforço do sinal, no montante acordado de €110.000,00, apenas veio a ser pago pelos Autores ao Réu em 07 de maio de 2021 (art.º 28.º da contestação).
*
E deu como não provado:
1) Porém, tal assim não aconteceu, o que veio a causar grave transtorno para os AA., uma vez que, entretanto, haviam diligenciado a venda da sua habitação sita na fração autónoma correspondente ao 1.º andar do prédio n.º … na Rua …, em Lisboa, o que efetivamente veio a ocorrer em 29 de outubro de 2020 (art.º 3.º da petição inicial).
2) Os AA. perante o inusitado da situação e na iminência de se verem compelidos a ficar sem um local para habitação (parte do art.º 4.º da petição inicial).
3) Apesar de na cláusula quarta da referida adenda se encontrar estabelecido que a entrega das chaves pelo promitente vendedor, o ora R., aos promitentes compradores, os. AA., seria precedida de uma vistoria da qual seria lavrado um auto de conformidade do "perfeito estado de conservação", entenda-se da obra edificada, o certo é que tal não aconteceu (art.º 6.º da petição inicial).
4) Porém, as infiltrações persistiram, ocasionando o aparecimento de humidades no interior da moradia (remanescente do art.º 18.º da petição inicial).
5) Das intervenções realizadas pelo R. resultaram novas deficiências e anomalias nos elementos de construção tais como pedras dos degraus partidas, paredes e tetos danificados, bem como deterioração de aduelas das portas, soalhos e focos de luz e ainda manchas nas paredes, levando a que os AA. tenham reclamado de imediato junto do R. a sua existência. (art.º 20.º da petição inicial).
6) O R., em 13 de setembro de 2021, abandonou os trabalhos, sem ter dado qualquer justificação para o facto, deixando os seus pertences - ferramentas, bem como embalagens contendo produtos altamente corrosivos e tóxicos espalhados pela moradia (art.º 26.º da petição inicial).
7) Face às posições assumidas pelo R., que levaram à quebra de confiança na execução de quaisquer trabalhos por ele executados ou mandados executar, decidiram os AA. (…) (demais do art.º 27.º da petição inicial).
8) De acordo com o anúncio publicitado pela mediadora imobiliária, a moradia teria entre outros atributos os de arquitetura contemporânea e de acabamentos de excelente qualidade, o que levou os AA. a determinarem a sua opção de aquisição, vendo agora frustrados os seus intentos (art.º 31.º da petição inicial).
9) Não obstante a aludida adenda ao contrato promessa de compra e venda ter sido outorgada em 3 de março de 2021, o certo é que tais obrigações já haviam sido assumidas pelos AA. em data anterior (art.º 44.º da petição inicial).
10) Com as aquisições dos equipamentos, respetivas montagens e trabalhos de construção civil despenderam os AA. a importância de €28.640,22 (vinte e oito mil seiscentos e quarenta euros e vinte e dois cêntimos) (art.º 46.º da petição inicial).
11) Os AA. sentiram dificuldade de concentração com repercussão no exercício das suas funções enquanto médicos hospitalares (demais do art.º 49.º da petição inicial).
12) A “Adenda” ao contrato promessa apenas foi assinada pelo Réu em 26 de março de 2021 (parte do art.º 30.º da contestação).
13) Este trabalho de canalização para montagem do jacuzzi, quando o Réu já tinha iniciado os trabalhos de impermeabilização da cobertura, implicou uma paragem da obra em cerca de 2 semanas, pois os referidos trabalhos não podiam ser efetuados sem a canalização estar devidamente concluída (art.º 41.º da contestação).
14) Quando o trabalho já estava praticamente concluído (mais de 95%), deixaram de permitir a entrada do Autor em obra (demais do art.º 42.º da contestação).
15) Com exceção de um escadote que ficou na cobertura e de um saco de massa que ficou junto ao portão da entrada do imóvel, uma vez que no dia seguinte iam continuar os trabalhos na zona exterior (demais do art.º 44.º da contestação).
16) O Réu informou os Autores e o Sr. Eng. RJ que necessitava de algum tempo para poder avaliar convenientemente as conclusões que resultavam do referido documento (art.º 46.º da contestação).
17) Desde então, nunca mais o Réu foi contactado pelos Autores ou pelo Sr. Eng. RJ para poder retomar os trabalhos (art.º 50.º da contestação).
18) O Réu já tinha iniciado os procedimentos necessários, solicitando a elaboração de um projeto arquitetónico e de engenharia (demais do art.º 93.º da contestação).
19) A construção e venda da moradia no terreno adquirido em 29 de outubro de 2020, permitiria um lucro ao Réu/Reconvinte nunca inferior a €150.000,00 (art.º 96.º da contestação).
20) O R. deixou de ter capacidade financeira para suportar, por exemplo, as despesas de saúde necessárias para tratamento da doença de que o seu filho padece, nomeadamente, Perturbação de Hiperatividade com Défice de Atenção associada a Perturbação da Comunicação Social e a Perturbação Específica de Aprendizagem, mais concretamente, com as consultas médicas e medicamentos, as quais têm sido integralmente pagas pela mãe do seu filho (demais do art.º 101.º da contestação).
FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
1. Os apelantes impugnam a decisão sobre a matéria de facto, mais concretamente no que respeita aos factos provados 10), 16), 28), 42), 47) e 49), aos factos não provados 4), 7) e 8), pretendendo, ainda, que sejam aditados 4 novos factos aos factos provados.
Tendo dado cumprimento ao disposto no art.º 640º do CPC, cumpre apreciar e decidir, depois de ouvidos os depoimentos prestados e analisados os documentos juntos aos autos.
1.1. Impugnação dos factos provados.
1.1.1. O tribunal recorrido deu como provado que “10) O R. em Maio de 2021 efetuou um teste não invasivo ao terraço, procedendo ao seu enchimento com água, para aferir o comportamento estrutural daquela cobertura (parte do art.º 13.º da petição inicial e art.º 37.º da contestação)”, motivando a sua decisão, nos seguintes termos: “Quanto aos factos provados n.º 10 e n.º 11 analisou o tribunal o teor dos documentos n.ºs 5 e 6 juntos com a petição inicial, bem como a troca de emails juntos com a contestação e que nos dão conta desta realidade”.
Insurgem-se os apelantes contra o decidido, pretendendo que o facto impugnado seja alterado por forma a constar que “O R. em julho de 2021 efetuou um teste não invasivo ao terraço, procedendo ao seu enchimento com água, para aferir o comportamento estrutural daquela cobertura”, sustentando a sua pretensão no alegado pelo R. nos arts. 37º a 39º da contestação, e nos Docs. 3, 4, e 6 (troca de emails) juntos com a contestação.
Atente-se que foram os AA. que no art.º 13º da PI alegaram que o referido teste tinha sido feito em maio de 2021 - “13.º Por os AA: considerarem de extrema gravidade a situação das humidades existentes nos pisos 0, 1 e 2, causadas pelas infiltrações de água originadas no terraço da moradia, levou a que o R., em maio de 2021, com base num alegado parecer técnico, mesmo antes de outras intervenções, efetuasse um teste não invasivo ao terraço, procedendo ao seu enchimento com água, para aferir o comportamento estrutural daquela cobertura.”
Nos mencionados artigos da contestação, o R. alegou: “37.º Por terem sido identificadas algumas anomalias no âmbito da referida vistoria, cuja responsabilidade estava a ser imputada ao Réu, este, de imediato, iniciou diligências no sentido de as verificar e perceber as suas causas e formas de resolução, tendo, para tal, contactado os Autores, no sentido de lhe ser facultado acesso ao imóvel. Cfr. Docs. 2 a 9. 38.º Com efeito e desde logo, foi reconhecida pelo Réu e pelos seus técnicos a existência da infiltração de água nos pisos inferiores, cuja origem deveria estar na cobertura do edifício. 39.º Assim, identificado o problema na cobertura e de acordo com a disponibilidade do Réu e dos Autores, estes foram, durante os meses de julho, agosto e setembro de 2021, agendando a realização dos trabalhos de impermeabilização total da cobertura e de reparação de outras anomalias verificadas. Cfr. Docs. 2 a 10”.
Ao contrário do que os apelantes sustentam, desta alegação não se retira que o mencionado teste (de carga) tenha sido feito entre julho e setembro, tanto mais que os AA alegaram que o mesmo tinha sido efetuado “mesmo antes de outras intervenções”.
Analisados, porém, os documentos referidos pelo tribunal recorrido e pelos apelantes (respetivamente, 5 e 6 juntos com a PI, e 3, 4 e 6, juntos com a contestação), resulta que o mencionado teste de carga foi feito em julho de 2021, e não em maio conforme alegado pelos AA. e feito constar no facto impugnado.
Em conformidade, altera-se o ponto de facto impugnado que passa a ter a seguinte redação: “O R. em julho de 2021 efetuou um teste não invasivo ao terraço, procedendo ao seu enchimento com água, para aferir o comportamento estrutural daquela cobertura.”.
1.1.2. O tribunal recorrido deu como provado que “16) Foi enviado pelos AA. ao R., em 17 de agosto de 2021, via email, o "Relatório de Peritagem de Deteção e Análise de Patologias e Anomalias Técnicas" elaborado pela empresa 2REALM (art.º 21.º da petição inicial)”, motivando a sua decisão nos seguintes termos: “Os factos provados n.º 16, n.º 17, n.º 18 e n.º 19 resultam admitidos por acordo em face da posição assumida em sede de articulados. …”.
Insurgem-se os apelantes contra o decidido, pretendendo que seja dado como provado que “Foi enviado pelos AA. ao R., em 17 de agosto de 2021, via email, o “Relatório de Peritagem de Deteção e Análise de Patologias e Anomalias Técnicas” elaborado pela empresa 2REALM (art.º 21.º da petição inicial), nele constando as várias deficiências construtivas encontradas na moradia (dando-se por reproduzido o conteúdo do Documento 7 junto com a Petição Inicial)”, porquanto o teor do referido relatório não foi dado como provado, e é importante para o correto julgamento da causa.
O facto impugnado reporta-se ao alegado no art.º 21º da PI, e neste alega-se que “Apesar das intervenções promovidas pelo R. face às primeiras deficiências construtivas evidenciadas no aludida "Análise Primária" - Doc. 4, foi-lhe enviado pelos AA. em 17 de agosto de 2021, via email, o "Relatório de Peritagem de Deteção e Análise de Patologias e Anomalias Técnicas" elaborado pela empresa 2REALM, que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais e se junta como o Doc. 7”.
No facto impugnado relevou-se, apenas, o envio do mencionado Relatório ao R., o que não foi por este impugnado.
É certo que o R. impugnou o conteúdo do mencionado Relatório, mas apenas na medida em que faz “constar alguns defeitos já reparados e outros que não são da responsabilidade do Réu” (art.º 8º da contestação), ou seja, não impugna o seu teor, mas põe em causa que o mesmo corresponda integralmente à verdade.
Nesta conformidade, altera-se o facto impugnado, que passa a ter a seguinte redação: “16) Foi enviado pelos AA. ao R., em 17 de agosto de 2021, via email, o "Relatório de Peritagem de Deteção e Análise de Patologias e Anomalias Técnicas" elaborado pela empresa 2REALM, junto a fls. 74 e ss., cujo teor se tem por reproduzido”.
1.1.3. O tribunal recorrido deu como provado que “28) Toda esta situação provocou nos AA. ansiedade (parte do art.º 49.º da petição inicial)”, e motivou a sua decisão nos seguintes termos: “Quanto ao facto provado n.º 23 e n.º 28 o tribunal atentou no depoimento da testemunha IO, mediadora imobiliária que acompanhou o negócio, e que nos referiu que “as coisas começaram a correr menos bem”, quando se começam a detetar determinadas anomalias e que isso era “motivo de descontentamento” por parte dos AA.; no depoimento da testemunha IB, irmão do 1.º A e cunhado da 2.ª A., que nos descreveu os AA. como estando nervosos com a situação, ansiosos e perturbados; e no depoimento da testemunha FP, colega profissional dos AA., e que nos declarou que os AA. estão muito perturbados e tristes com a situação da casa, cujos contornos ao certo desconhece”.
Os apelantes pretendem que o facto impugnado seja alterado, passando a constar que “28) Toda esta situação provocou nos AA. ansiedade, perturbação e descontentamento”, não invocando qualquer meio de prova, mas o que resulta da própria motivação do tribunal recorrido, e o por si alegado nos arts. 48º, 49º da PI e 14º da réplica.
Certo é, porém, que o que os AA. alegaram no art.º 49º da PI foi “as incertezas criadas pelo R. quer quanto ao cumprimento dos prazos quer no que concerne aos defeitos constatados na moradia, provocaram nos AA. uma ansiedade permanente …”.
A ansiedade é um distúrbio perfeitamente identificável.
Já o alegado no art.º 48º da PI (“sofreram os AA. graves perturbações de natureza psicológica”) e 14º da réplica (“autênticos pesadelos”) não é concretizável.
Em conclusão, não nos merece censura a decisão recorrida.
1.1.4. O tribunal recorrido deu como provado que “42) O Réu, por carta registada com aviso de receção datada de 03/12/2021 e por estes rececionada em 09/12/2021, notificou os Autores para, entre o mais, informar que pretendia aceder ao imóvel para proceder às correções necessárias e que não prescindia do seu direito/dever em concluir os trabalhos no imóvel, sem prejuízo de um acordo que pudesse vir a ser alcançado (art.º 52.º da contestação)”, e motivou a sua decisão nos seguintes termos: “O facto n.º 42 provou-se com base nos documentos n.º 13 e 14 juntos com a contestação”.
Insurgem-se os apelantes contra o decidido, pretendendo que seja dado como provado que “O Réu, por carta registada com aviso de receção datada de 03/12/2021 e por estes rececionada em 09/12/2021, notificou os Autores para, entre o mais, informar que pretendia aceder ao imóvel para proceder às correções necessárias e que, apesar de o assunto estar a ser tratado entre advogados, não prescindia do seu direito/dever em concluir os trabalhos no imóvel, sem prejuízo de um acordo que pudesse vir a ser alcançado”, atento o teor da mencionada carta (Doc. 7 junto com a contestação).
O documento em causa é, efetivamente o Doc. 13 junto com a contestação e não o Doc. 7, como por lapso é referido pelos apelantes.
O facto impugnado não reproduz o teor do documento, mas a frase em questão consta do mesmo e deve ser aditada.
Assim, altera-se o ponto impugnado que passa a ter a seguinte redação: “O Réu, por carta registada com aviso de receção datada de 03/12/2021 e por estes rececionada em 09/12/2021, notificou os Autores para, entre o mais, informar que pretendia aceder ao imóvel para proceder às correções necessárias e que, apesar de o assunto estar a ser tratado entre advogados, não prescindia do seu direito/dever em concluir os trabalhos no imóvel, sem prejuízo de um acordo que pudesse vir a ser alcançado”.
1.1.5. O tribunal recorrido deu como provado que “47) A referida carta [4] foi rececionada pelos Autores em 08 de junho do corrente ano [5] e, até à presente data, não foi dada qualquer resposta ao Réu (art.º 59.º da contestação)”, motivando a sua decisão na análise dos Docs. 18, 19 e 20 juntos com a contestação.
Os apelantes insurgem-se contra o decidido pretendendo que seja eliminada a parte final do facto provado, tendo em conta que o R. foi citado para a presente ação em 3.6.2022, configurando a presente ação uma resposta antecipada àquela carta.
Os apelantes não põem em causa que não responderam à mencionada carta.
Saber da relevância da propositura da ação no referido encadeamento de factos, é questão a apreciar em sede de decisão de mérito.
Mantém-se inalterado o facto impugnado.
1.1.6. O tribunal recorrido deu como provado que “49) Por carta, datada de 21.09.2021, remetida pelo Ilustre Advogado, Sr. Dr. AGB, em representação dos Autores/Reconvindos, foi o Réu/Reconvinte notificado da resposta à interpelação para o agendamento da referida escritura (art.º 75.º da contestação).”, motivando a sua decisão na análise do documento n.º 22 junto com a contestação.
Insurgem-se os apelantes contra o decidido, pretendendo que o facto impugnado seja alterado passando a constar: “49) Por carta datada de 21.09.2021, recebida pelo Réu, o Mandatário dos AA. respondeu à interpelação indicando que “obra” não se encontra devidamente concluída como prevê expressamente aquela cláusula contratual, que o imóvel apresentava graves e grosseiras deficiências de construção que inviabilizam a aceitação da obra, situação que já havia sido transmitida ao Réu pelos AA., que o Réu deveria indicar com a maior brevidade o prazo para a conclusão das obras, sob pena de existir um incumprimento das suas obrigações, o que poderia levar a que fossem intentadas as competentes ações para defesa dos interesses dos AA..”, com base no teor do referido documento.
Afigura-se-nos que assiste razão aos apelantes, porquanto no próprio art.º 75º da contestação, o R. remete para o teor dessa comunicação, tecendo nos artigos seguintes considerações sobre o que aí se fez constar.
Assim, com base no referido documento, altera-se o ponto de facto impugnado, que passa a ter a seguinte redação: “49) Por carta, datada de 21.09.2021, o Ilustre Advogado, Sr. Dr. AGB, em representação dos Autores/Reconvindos, respondeu à carta a que se alude em 22), nos seguintes termos: “Não obstante V. Exa. ter comunicado na referida carta que foi obtido em 04/08/2021, o alvará de autorização de utilização do prédio sito na Rua …, n.º … – Bairro M, admitindo-se que se trata do designado Lote …, e daí pretender retirar os efeitos previstos na cláusula terceira do contrato de promessa de compra e venda celebrado com os M/Constituintes, em 15/08/2020, o certo é que a “obra” não se encontra devidamente concluída como prevê expressamente aquela cláusula contratual. Com efeito, o edificado apresenta graves e grosseiras deficiências de construção que inviabilizam a aceitação da obra, situação que aliás já foi transmitida a V. Exa. pelos M/Constituintes, tendo dado origem a que, embora de forma inconclusiva, fossem iniciados alguns trabalhos de correção, transformando o interior da habitação em estaleiro permanente, o que se mantém, sem que daí tenha resultado alteração significativa na eliminação dos defeitos construtivos já constatados Deste modo, não sendo do interesse dos M/Constituintes adquirirem um bem com defeitos evidentes, que colocam em causa o seu uso normal, informa-se V. Exa. Que enquanto não estiverem eliminadas satisfatoriamente e em definitivo as deficiências de construção oportunamente verificadas e comunicadas, os M/Constituintes não podem aceitar que por negócio jurídico – escritura de compra e venda, validem a aquisição de um bem defeituoso, cuja responsabilidade imputam única e exclusivamente ao promitente vendedor. Nestas circunstâncias, apela-se ao bom senso de V. Exa. para indicar, com a maior brevidade, em que prazo procederá à conclusão dos trabalhos de correção das deficiências, sem o que se considerará incumprimento das suas obrigações contratuais, levando a que sejam intentadas as competentes ações judiciais, para defesa dos direitos dos M/Constituintes, com todas as consequências que daí possam advir””.
1.2. Impugnação dos factos não provados.
1.2.1. O tribunal recorrido deu como não provado que “4) Porém, as infiltrações persistiram, ocasionando o aparecimento de humidades no interior da moradia (remanescente do art.º 18.º da petição inicial)”, motivando a sua decisão nos seguintes termos: “Facto n.º 4 – da prova produzida não resulta que mesmo após a impermeabilização da cobertura tenham ocorrido novas infiltrações. Nenhuma testemunha depôs nesse sentido, sendo que a única testemunha que frequenta a casa, IB, também não conseguiu concretizar se aos dias de hoje existem novas infiltrações, ou se se tratam de infiltrações anteriores à reparação da cobertura.”.
Os apelantes pretendem que se dê o referido facto como provado, tendo em conta os Relatórios de peritagem (Docs. 4 e 7), e os depoimentos das testemunhas IO, IB, RL e MG.
Atenta a motivação do tribunal recorrido afigurou-se-nos necessário ouvir toda a prova produzida em julgamento, e conjugada esta com a documentação junta aos autos, afigura-se-nos que não foi feita prova concludente da factualidade impugnada.
O Relatório primário (Doc. 7 da PI) foi elaborado com base numa vistoria ao imóvel efetuada em 15.4.2021, e o Relatório final (Doc. 8 da PI) com base numa vistoria efetuada em 25.6.2021.
No Relatório primário indicam-se “Patologias manifestas na cobertura do terraço (Manifestação de humidades nos pisos inferiores)”, e no Relatório final identificaram-se diversas infiltrações ativas (pág. 97 do mesmo, fls. 123 dos autos), correlacionadas entre si, e nas “propostas de intervenção” refere-se a necessidade de ensaios de carga na “superfície horizontal da cobertura” para averiguar da sua estanquicidade (pág. 103 do Relatório, fls. 126 dos autos), e a “Reabilitação dos revestimentos das frações afetadas – Resolvida a infiltração e após um período mínimo de um mês para secagem dos revestimentos, procede-se à sua reabilitação” (pág. 107 do Relatório, fls. 128 dos autos).
Após estes relatórios, foi feito um teste de carga e uma intervenção na cobertura como resulta dos pontos 10), 14), 36) e 39) dados como provados.
É um facto que as testemunhas IO (mediadora imobiliária) e IB. (irmão do A. e cunhado da A.) disseram que ainda continuam a ocorrer infiltrações.
Mas a testemunha RL (que trabalha na construção civil há 25 anos e é gerente de uma empresa de construção civil) declarou que, quando se deslocou ao imóvel com o R. e a testemunha MO para se juntarem ao eng. RJ para analisar ponto por ponto o Relatório por este feito, viu que a cobertura já estava reparada, e que esse problema já estava estabilizado, tendo a testemunha MG (pedreiro que trabalhou para o R. naquela obra) referido que foram homens especializados nessa área que fizeram a impermeabilização da cobertura, não se podendo retirar da descrição que fez do trabalho realizado o que os apelantes pretendem.
Por outro lado, se analisarmos o Doc. 9 junto com a PI, que é o orçamento a que alude o ponto 21) dado como provado, efetuado em 22.3.2022 (cerca de um mês e meio antes de ser intentada a ação), verifica-se que no item referente à cobertura apenas se prevê “reforço de fixação de guardas em vidro”, “tratamento de juntas com mástique de poliuretano excluindo caixilharia de vidro”, e “substituição de vidros riscados prevendo a remoção de caixilharia sequencialmente e substituição sequencial da caixilharia”, prevendo-se, ainda, a reparação de algumas paredes e subsequente pintura.
Ora, se se mantivessem as infiltrações alegadas, seguramente estaria prevista uma intervenção na cobertura para pôr fim, de forma eficaz, às mesmas, não fazendo sentido reparar e pintar as paredes sem que a origem do problema estivesse resolvida.
Ponderada toda a prova produzida, fica, de facto, a dúvida, se as infiltrações ainda persistem, pelo que não nos merece censura a decisão do tribunal recorrido, uma vez que não foi feita prova concludente da factualidade impugnada.
1.2.2. O tribunal recorrido deu como não provado que “7) Face às posições assumidas pelo R., que levaram à quebra de confiança na execução de quaisquer trabalhos por ele executados ou mandados executar, decidiram os AA. (…) (demais do art.º 27.º da petição inicial)”, motivando a sua decisão nos seguintes termos: “Facto n.º 6 e n.º 7 – da fundamentação supra expendida quanto ao facto provado n.º 37 [6], provando-se que os AA. impediram a entrada do R. em obra, necessariamente se terá de dar como provado o inverso, ou seja, de que o R. não abandonou inopinadamente a obra, e que esta conduta tenha contribuído para a desacreditação do R. perante os AA.”.
Começam os apelantes por invocar que a fundamentação é contraditória com a decisão (conclusão 32º), o que gera a nulidade parcial da sentença nesta parte, nos termos do art.º 615º, nº 1, c), do CPC, conforme alegam no corpo da motivação.
Salvo o devido respeito, o que resulta da motivação, nomeadamente do trecho final da mesma, é que existe manifesto lapso de escrita, pretendendo o tribunal recorrido escrever “necessariamente se terá de dar como não provado o inverso”, pelo que não padece a sentença da nulidade invocada.
Pretendem os apelantes que se dê o referido facto como provado, não indicando qualquer meio de prova a fundamentar a sua pretensão, limitando-se a tirar conclusões (“atento o historial de acontecimentos até à data de obtenção do referido orçamento, o que inclusive culminou com propositura, por parte dos Autores, da presente ação, e, nomeadamente, os Factos Provados n.º 20), 21) e 23)”), pelo que inexiste fundamento para a alteração peticionada.
Sempre se dirá, porém, que os AA. assentavam a alegação referida, também, no facto de o R. ter abandonado a obra.
Ora, como refere o tribunal recorrido, não resultando provado esse facto, mas, ao invés, que foram os AA. que impediram o R. de entrar na obra, não se pode, logicamente, concluir que essa conduta do R. tenha contribuído para a desacreditação deste perante os AA.
1.2.3. O tribunal recorrido deu como não provado que “8) De acordo com o anúncio publicitado pela mediadora imobiliária, a moradia teria entre outros atributos os de arquitetura contemporânea e de acabamentos de excelente qualidade, o que levou os AA. a determinarem a sua opção de aquisição, vendo agora frustrados os seus intentos (art.º 31.º da petição inicial)”, motivando a sua decisão nos seguintes termos: “Facto n.º 8 – não se apurou que a residência dos AA. não corresponda ao anunciado, sendo que se provou que as reparações depois de efetuadas não desvalorizam o imóvel - cf. Depoimento da testemunha BF”.
Mais uma vez, os apelantes invocam que a fundamentação é contraditória com a decisão (conclusão 35º), o que gera a nulidade parcial da sentença nesta parte, nos termos do art.º 615º, nº 1, c), do CPC, conforme alegam no corpo da motivação, tendo em conta a factualidade provada sob os pontos 19), 20), 21) e 23).
Não está em causa a nulidade invocada, mas eventual erro de julgamento na apreciação da prova.
Pretendem os apelantes que o referido facto seja dado como provado, tendo em conta a referida factualidade provada, o depoimento da testemunha RJ, e a motivação do tribunal recorrido aos factos 23) e 28), sendo certo que esta última não é meio de prova.
O que releva no impugnado ponto de facto é saber se as anunciadas caraterísticas de arquitetura contemporânea e de acabamentos de excelente qualidade, determinaram os AA. na sua opção de aquisição, e se, agora, veem frustrados os seus intentos.
Do depoimento da referida testemunha RJ resulta que a moradia tem materiais de ótima qualidade, mas a execução técnica é muito abaixo do esperado, há erros técnicos, funcionais e estruturais, o que é corroborado pelo Relatório elaborado pela testemunha, onde consta que se encontraram “erros na execução técnica (Acabamentos)”, e no Relatório final também são referidos esses erros.
Resulta, porém, do depoimento da testemunha BF, engenheiro civil, que, a pedido do R., fez a análise técnica do Relatório final e concluiu que tudo o que era referido eram situações corrigíveis, com silicone, betume, pinturas ou substituições de material, limpezas, que não afetam a salubridade do imóvel, nem o desvalorizam, e que é normal aparecerem, não existindo evidências de danos estruturais, sendo o único ponto digno de nota o relativo às infiltrações na cobertura, que geralmente aparecem no fim da obra, e que tem de ser abordado e corrigido, aplicado de novo, potenciando a reparação um benefício, sendo certo que os apelantes não impugnaram o ponto 48) da fundamentação de facto, donde resulta isso mesmo.
Ponderando toda a prova produzida, nenhuma censura nos merece, pois, a decisão recorrida, não procedendo a pretensão dos apelantes.
1.3. Pretendem os apelantes que aos factos provados sejam aditados os seguintes factos:
a) O teor da cláusula 3ª do cpcv, que não foi alterada pela Adenda de 3.3.2021 (“Ficou convencionado pelas AA. e Réus que “A escritura de compra e venda será outorgada até 30 dias após a emissão da licença de utilização devendo na data estar a “obra” devidamente concluída, e devidamente emitido o Alvará de Licença de Utilização, e devidamente registada na conservatória do Registo Predial, sendo o ato notarial marcado pelos Segundos Contratantes em cartório notarial e hora a indicar ao Primeiro Contratante, por carta registada, com aviso de receção, ou por email, com uma antecedência de 10 (dez) dias em relação à data marcada, para os endereços convencionados entre as partes (Cláusula Terceira do Contrato Promessa de Compra e Venda e artigo 38.º da PI (parte).”);
b) Que a PI deu entrada em juízo em 4.5.2022, e o pedido de resolução, por culpa exclusiva do R., que formularam (“Em 4/05/2022, os Réus deram entrada da ação declarativa de condenação dos autos onde, entre outros, pediram que fossem declarada, por culpa exclusiva do Réu, a resolução do contrato promessa de compra e venda celebrado com os Autores em 15 de agosto de 2020 e completado pela adenda celebrada em 3 de março de 2021.”);
c) O prazo de conclusão da obra prevista na Adenda (“A adenda ao contrato promessa determinou que o novo prazo de conclusão da obra seria no dia 20 de março de 2021.”);
d) “Após a reunião mantida entre o Réu e o Eng. RJ, as partes continuaram a negociar no sentido de chegar a um entendimento.”, com base na carta de 3.12.2021, Doc. 13 junto com a contestação.
Apreciemos.
Atenta a forma como a factualidade provada foi estruturada, afigura-se-nos que à mesma devem ser aditadas as referidas cláusulas do cpcv e da Adenda ao mesmo (alegadas na PI, nos arts. 9º e 38º), embora a sua omissão não obste a que todo o conteúdo do cpcv e da respetiva Adenda sejam tidos em atenção na apreciação de mérito.
Assim:
- adita-se o facto 2a), com o seguinte teor:
“No contrato a que se alude em 1) consta da Cláusula Terceira: “1. A escritura de compra e venda será outorgada até 30 dia após a emissão de licença de utilização devendo na data estar a “obra” devidamente concluída, e devidamente emitido o Alvará de Licença de Utilização, e devidamente registada na Conservatória do Registo Predial, sendo o ato notarial marcado pelos Segundos Contraentes em cartório notarial e hora a indicar ao Primeiro Contraente, por carta registada, com aviso de receção, ou por email, com uma antecedência de 10 (dez) dias em relação à data marcada, para os endereços convencionados entre as partes na Cláusula Décima Primeira infra.”.
- altera-se o facto 4), que passa a ter o seguinte teor:
“O mencionado acordo foi formalizado em 03 de março de 2021, entre AA. e R. por “adenda” ao contrato promessa de compra e venda, na qual se estabeleceu que “O prazo de conclusão da obra está finalizado no dia 20 de março de 2021” (Cláusula Segunda, nº 1)”.
Relativamente à restante factualidade que se pretende ver aditada, não existe fundamento para o efeito.
Quanto à data da propositura da ação e pedido formulado, o mesmo é dado adquirido no processo, não carecendo de constar da factualidade provada.
Quanto à continuação das negociações, após a reunião mantida entre o R. e o Eng. RJ, tal facto não foi alegado, nem os apelantes indicam os meios de prova em que fundam a sua pretensão, à exceção do Doc. 13 junto com a contestação, que se mostra já reproduzido no ponto 42) alterado.
*
Em conclusão, foram alterados os seguintes factos provados:
4) O mencionado acordo foi formalizado em 03 de março de 2021, entre AA. e R. por “adenda” ao contrato promessa de compra e venda, na qual se estabeleceu que “O prazo de conclusão da obra está finalizado no dia 20 de março de 2021” (Cláusula Segunda, nº 1)”.
10) O R. em julho de 2021 efetuou um teste não invasivo ao terraço, procedendo ao seu enchimento com água, para aferir o comportamento estrutural daquela cobertura.
16) Foi enviado pelos AA. ao R., em 17 de agosto de 2021, via email, o "Relatório de Peritagem de Deteção e Análise de Patologias e Anomalias Técnicas" elaborado pela empresa 2REALM, junto a fls. 74 e ss., cujo teor se tem por reproduzido.
42) O Réu, por carta registada com aviso de receção datada de 03/12/2021 e por estes rececionada em 09/12/2021, notificou os Autores para, entre o mais, informar que pretendia aceder ao imóvel para proceder às correções necessárias e que, apesar de o assunto estar a ser tratado entre advogados, não prescindia do seu direito/dever em concluir os trabalhos no imóvel, sem prejuízo de um acordo que pudesse vir a ser alcançado.
49) Por carta, datada de 21.09.2021, o Ilustre Advogado, Sr. Dr. AGB, em representação dos Autores/Reconvindos, respondeu à carta a que se alude em 22), nos seguintes termos: “Não obstante V. Exa. ter comunicado na referida carta que foi obtido em 04/08/2021, o alvará de autorização de utilização do prédio sito na Rua …, n.º …. – Bairro M, admitindo-se que se trata do designado Lote 10, e daí pretender retirar os efeitos previstos na cláusula terceira do contrato de promessa de compra e venda celebrado com os M/Constituintes, em 15/08/2020, o certo é que a “obra” não se encontra devidamente concluída como prevê expressamente aquela cláusula contratual. Com efeito, o edificado apresenta graves e grosseiras deficiências de construção que inviabilizam a aceitação da obra, situação que aliás já foi transmitida a V. Exa. pelos M/Constituintes, tendo dado origem a que, embora de forma inconclusiva, fossem iniciados alguns trabalhos de correção, transformando o interior da habitação em estaleiro permanente, o que se mantém, sem que daí tenha resultado alteração significativa na eliminação dos defeitos construtivos já constatados Deste modo, não sendo do interesse dos M/Constituintes adquirirem um bem com defeitos evidentes, que colocam em causa o seu uso normal, informa-se V. Exa. Que enquanto não estiverem eliminadas satisfatoriamente e em definitivo as deficiências de construção oportunamente verificadas e comunicadas, os M/Constituintes não podem aceitar que por negócio jurídico – escritura de compra e venda, validem a aquisição de um bem defeituoso, cuja responsabilidade imputam única e exclusivamente ao promitente vendedor. Nestas circunstâncias, apela-se ao bom senso de V. Exa. para indicar, com a maior brevidade, em que prazo procederá à conclusão dos trabalhos de correção das deficiências, sem o que se considerará incumprimento das suas obrigações contratuais, levando a que sejam intentadas as competentes ações judiciais, para defesa dos direitos dos M/Constituintes, com todas as consequências que daí possam advir”.
E foi aditado o seguinte facto:
2a) No contrato a que se alude em 1) consta da Cláusula Terceira: “1. A escritura de compra e venda será outorgada até 30 dia após a emissão de licença de utilização devendo na data estar a “obra” devidamente concluída, e devidamente emitido o Alvará de Licença de Utilização, e devidamente registada na Conservatória do Registo Predial, sendo o ato notarial marcado pelos Segundos Contraentes em cartório notarial e hora a indicar ao Primeiro Contraente, por carta registada, com aviso de receção, ou por email, com uma antecedência de 10 (dez) dias em relação à data marcada, para os endereços convencionados entre as partes na Cláusula Décima Primeira infra.
*
2. Fixada a factualidade provada, entremos no mérito do recurso, sendo que são 3 as questões a apreciar: o incumprimento definitivo do cpcv pelo R.; eventual concorrência de culpas; a indemnização por uso ilegítimo do imóvel.
Apreciemos pela referida ordem.
2.1. Relativamente ao peticionado pelos AA., o tribunal recorrido concluiu nos seguintes termos:
- Resulta provado que a moradia/imóvel padece de anomalias, algumas já reparadas, outras por reparar, mas cuja reparação não retira qualquer valor ao imóvel, nem compromete a sua utilidade e utilização, verificando-se, aliás, que os AA. nele têm habitado desde 26.03.2021, pelo que o imóvel tem servido para o fim a que se destina;
- Conforme jurisprudência do STJ, se o imóvel prometido vender enferma de defeitos é lícito ao promitente comprador recusar a outorga da escritura de compra e venda enquanto o promitente vendedor não proceder à reparação ou eliminação dos defeitos, desde que não se encontre também ele em incumprimento, que o vício invocado não seja de escassa ou reduzida importância, sendo insuscetível de afetar seriamente o escopo contratual, e que tal recusa não se configure como desproporcionada;
- Num cpcv de um imóvel em que o promitente vendedor é também o seu construtor/promotor da construção, é aplicável o regime da responsabilidade contratual pelos defeitos da obra no contrato de empreitada;
- Verificando-se a existência de defeitos no imóvel prometido vender pelo seu construtor, pode o promitente-comprador, antes da outorga do contrato de compra e venda, denunciá-los e solicitar a sua eliminação, ou a realização de nova obra, sendo legítima a sua recusa em outorgar a escritura até que essas deficiências sejam reparadas;
- No caso em apreço, o promitente-vendedor/construtor/promotor pretende proceder à eliminação dos defeitos, mas o promitente-comprador não o permite, vedando-lhe o acesso ao imóvel, não podendo tal conduta ser entendida como um exercício válido da exceção de não cumprimento;
- Não permitindo os AA. ao R. eliminar os defeitos da moradia, não podem vir invocar que a moradia padece de defeitos e que por isso já não têm interesse na conclusão do negócio;
- O R. não se encontra em mora perante os AA. porquanto estes não permitem o acesso à moradia para que a termine e elimine as anomalias verificadas, nem lhe foi fixado qualquer prazo para cumprimento da obrigação de eliminar os defeitos, pelo que é ilegítima a recusa de celebração do contrato definitivo, não existindo mora, nem incumprimento definitivo causado pelo R. que possa fundamentar a resolução por banda dos AA. e, consequentemente, a sua pretensão indemnizatória.
E relativamente ao peticionado pelo R. na reconvenção concluiu:
- Ao pretenderem os AA. resolver, ainda que ilegitimamente, o contrato-promessa, manifestaram uma clara e inequívoca vontade de não cumprir, constituindo-se numa situação de incumprimento definitivo;
- O R. interpelou validamente os AA. com vista à celebração do contrato definitivo, sendo que, nos termos acordados competia aos AA. o agendamento da escritura, pelo que, perante o incumprimento dos AA., assiste ao R. o direito de ver resolvido o cpcv e fazer seu o sinal recebido.
Os apelantes insurgem-se contra o decidido, alegando:
- Nos termos do cpcv o R. estava obrigado a concluir a obra até 31.12.2020, o que não sucedeu, tendo-se acordado, através da Adenda, protelar tal prazo para 20.3.2021, tendo sido entregue as chaves aos AA., que fizeram um reforço do sinal;
- Em 20.3.2021 a moradia ainda não estava concluída, nem está aos dias de hoje, não estando reunidas, por culpa exclusiva do R., as condições de que depende a outorga da escritura de compra e venda, mormente, a de que a obra esteja concluída;
- Não surpreende a incapacidade do R. na resolução dos problemas, uma vez que não está habilitado com alvará industrial de construção civil, e não obstante a atitude colaborativa dos AA.;
- Todo o processo, que provocou enorme ansiedade, nervosismo e perturbação nos AA., não podia ter outro resultado se não a natural perda de confiança no R.;
- A moradia, pelos inúmeros defeitos que detém impossibilitam uma estadia confortável e uma habitação condigna, não sendo exigível que os AA. aceitem a transmissão de um bem eivado de vícios que comprometem o fim a que se destina;
- O R. não cumpriu a obrigação contratual de entregar o imóvel concluído no prazo em que se obrigou a fazê-lo.
Vejamos.
Na apreciação de mérito o tribunal faz a integração jurídica dos factos que resultaram provados, não sendo já caso de atender aos meios de prova constantes dos autos, como fazem os apelantes.
Assim, afigura-se-nos importante começar por elencar os factos provados com relevância para a apreciação da questão em causa, por ordem cronológica.
A saber:
- Em 15.8.2020, foi celebrado entre os AA. e o R. o cpcv junto aos autos, referente a um "Terreno" para construção sito no Bairro M, lote ….., freguesia de Santa Iria da Azóia, concelho de Loures, no qual se encontrava ainda em construção uma obra de edificação de uma moradia, pelo preço de €550.000,00, constando do mesmo que o R. se obrigava a concluir a obra até ao dia 31.12.2020, exceto no caso de acontecimentos não imputáveis ao mesmo, como por exemplo, os referentes a alteração de condições resultantes da pandemia Covid” (cláusula 1ª, ponto 2), e que “a escritura de compra e venda seria outorgada até 30 dia após a emissão de licença de utilização devendo na data estar a “obra” devidamente concluída, e devidamente emitido o Alvará de Licença de Utilização, e devidamente registada na Conservatória do Registo Predial”, incumbindo aos AA. marcar o ato notarial e avisar o R. com uma antecedência de 10 dias em relação à data marcada, (cláusula terceira) (pontos 1, 2 e 2a).
- Por acordo formalizado por “adenda” ao cpcv em 3.3.2021, AA. e R. acordaram que este lhes entregaria as chaves do edificado, permitindo-lhes, assim, entrar na respetiva posse, estipulando, entre outros aspetos: a) a entrega de €110.000,00, para reforço do sinal entregue aquando da celebração do aludido contrato promessa de compra e venda no montante de €75.000,00; b) que o prazo de conclusão da obra seria finalizado no dia 20.3.2021; c) que os AA. assumiam inteira responsabilidade pela execução dos trabalhos ali referidos, a saber: pinturas interiores, sistema de Videovigilância, sistema de Intrusão, porta de acesso a garagem (piso 0), lavatório duplo wc master suite, uma cabine de duche numa das suites, uma cozinha na cave (Pintura e Carpintaria), exaustor na cozinha do piso 0, abertura da porta acesso à cozinha na cave, e painel de cerâmica rústica na sala zona de TV até ao WC (tendo os AA. procedido à aquisição destes equipamentos bem como diligenciaram pela  sua montagem e promoveram a execução de trabalhos de construção civil inerentes) (pontos 3) 4), 26) e 27).
- A obra ainda não estava finalizada e foi pela insistência dos AA. que o R. aceitou que os mesmos passassem a habitar a moradia em 26.3.2021, tendo aqueles passado a residir nela desde essa data, fazendo dela uso exclusivo (pontos 32), 34) e 51).
- Para que a moradia fosse entregue aos AA., o R. teve de realizar os trabalhos de acabamento possíveis e limpezas sumárias nos dias 25 e 26 de março (ponto 33).
- Em 25.3.2021 teve lugar uma vistoria da moradia, tendo em resultado da mesma sido subscrito pelos AA. e R. em 26.3.2021 um escrito com a indicação da verificação e concordância de um conjunto de reparações/modificações, daí constando: “- falta rodapé com silicone na cabine de duche do poliban; - porta da entrada tem falta de batente na escada; - falta 1 peça no poliban; - falta retocar o teto com silicone na despensa; - dois azulejos com defeito e gaveta do móvel do lavatório para arranjar na suite; - falta de afinação no poliban e inexistência de batente no closet da suite 2; - falta silicone entre azulejos da casa de banho na suite 3; - faltam retoques de pintura numa parede e num pilar da garagem." (pontos 5 e 6).
-  Os AA. solicitaram à empresa 2 REALM a realização de uma peritagem, e na sequência de uma inspeção realizada em 15.4.2021 pela referida empresa, foi apresentado em 18.5.2021, uma "Análise Primária", daí constando que “foram encontradas várias falhas no âmbito do conforto visual e estético", bem como "erros na execução técnica" tais como acabamentos e patologias na cobertura do terraço com manifestação de humidades nos pisos inferiores.” (pontos 7), 8) e 9).
- O R. promoveu a realização de alguns trabalhos com vista à eliminação de defeitos de acabamentos que constavam não só da vistoria realizada pelos AA. e R., bem como na aludida "Análise Primária", tendo-lhe os AA. dado acesso ao interior da habitação para o efeito, mediante a entrega da chave da porta de entrada (ponto 15).
- Em julho de 2021, o R. efetuou um teste não invasivo ao terraço, procedendo ao seu enchimento com água, para aferir o comportamento estrutural daquela cobertura, confirmando-se a existência de infiltrações com origem na cobertura (pontos 10) e 11).
- No dia 13.07.2021, a mediadora imobiliária IO, remeteu um email à representante da empresa Century 21, bem como aos AA. e ao R. com o seguinte teor: “Bom dia MA, tendo sido efetuado um teste de carga no terraço, verificaram-se várias infiltrações nos pisos 0 e 1, inclusive num foco de luz. Tinha sido referido na nossa última reunião na moradia a necessidade de efetuar um teste térmico para identificar os problemas de humidade, sabes para quando? Decorreram 4 meses desde que a família se mudou e todas as situações que se têm vindo a reportar a deficiências encontradas, provocam enorme desgaste, que em nada são benéficas, não sendo toleradas por muito mais tempo. (…)”, tendo o R. respondido, no mesmo dia, confirmando a existência de algumas fugas de água, e informando pretender “fazer um isolamento a 100% do terraço” (pontos 12) e13).
- Em 17.8.2021, os AA. enviaram, via email, ao R. o “Relatório de Peritagem de Deteção e Análise de Patologias e Anomalias Técnicas” elaborado pela empresa 2REALM (ponto 16).
- Na sequência desse envio, foi realizada, em finais de agosto de 2021, uma reunião em que estiveram presentes os AA., o R. e o Eng.º RJ, um dos responsáveis pela elaboração daquele documento, a fim de procederem ao planeamento e programação dos trabalhos a executar, tendo em conta a natureza e volume dos mesmos e ainda à circunstância do local se encontrar habitado (ponto 17).
- Foi executada uma intervenção no terraço com a indicação de se tratar do respetivo isolamento, tendo o R. procedido à aplicação de emulsão diluicoso betuminoso em todo o perímetro de colagem, como forma de garantir aderência de telas asfálticas (roços, platibandas, caleiras, etc.), impermeabilização de toda a zona usando duas telas, a primeira aplicação em tela betuminosa 4K/m2 poliéster e segunda camada ou acabamento em tela betuminosa com acabamento em betume asfáltico poliéster da mesma densidade 4K/m2 ou mineral poly plas 4Km2 e colocação das lajetas escolhidas pelos Autores (pontos 14) e 36).
- Durante os trabalhos que o R. estava a realizar na reparação de infiltrações na cobertura, os AA. aproveitaram para efetuar trabalhos de canalização no referido local, através de canalizador contratado pelos mesmos, a fim de ali ser colocado um jacuzzi (ponto 35).
- Enquanto o R. ia fazendo os trabalhos de reparação na cobertura, foi também corrigindo outras deficiências existentes da sua responsabilidade, as quais, em grande parte, apenas foi possível verificar após a realização de limpezas profundas no imóvel, não sendo, assim, possíveis de identificar aquando da entrega da moradia aos AA. (ponto 39).
- Por carta de 3.9.2021, enviada aos AA., o R. pretendeu concretizar a celebração da escritura de compra e venda do imóvel, com fundamento na emissão em 8.8.2021, do Alvará de Licença de Utilização, ao abrigo do estabelecido no nº 1 da cláusula terceira do cpcv (ponto 22).
- A partir de 13.9.2021, os AA. não mais permitiram ao R. entrar em obra, ficando, inclusive, com alguns materiais e ferramentas no interior da moradia, os quais estavam devidamente arrumados e acondicionados na casa das máquinas (pontos 37) e 38).
- Por carta, datada de 21.09.2021, o Ilustre Advogado, Sr. Dr. AGB, em representação dos Autores/Reconvindos, respondeu à carta do R. de 3.9.2021, sublinhando que a “obra” não se encontra devidamente concluída como prevê a cláusula contratual invocada pelo R., e que “o edificado apresenta graves e grosseiras deficiências de construção que inviabilizam a aceitação da obra, situação que aliás já foi transmitida a V. Exa. pelos M/Constituintes, tendo dado origem a que, embora de forma inconclusiva, fossem iniciados alguns trabalhos de correção, transformando o interior da habitação em estaleiro permanente, o que se mantém, sem que daí tenha resultado alteração significativa na eliminação dos defeitos construtivos já constatados Deste modo, não sendo do interesse dos M/Constituintes adquirirem um bem com defeitos evidentes, que colocam em causa o seu uso normal, informa-se V. Exa. Que enquanto não estiverem eliminadas satisfatoriamente e em definitivo as deficiências de construção oportunamente verificadas e comunicadas, os M/Constituintes não podem aceitar que por negócio jurídico – escritura de compra e venda, validem a aquisição de um bem defeituoso, cuja responsabilidade imputam única e exclusivamente ao promitente vendedor. Nestas circunstâncias, apela-se ao bom senso de V. Exa. para indicar, com a maior brevidade, em que prazo procederá à conclusão dos trabalhos de correção das deficiências, sem o que se considerará incumprimento das suas obrigações contratuais, levando a que sejam intentadas as competentes ações judiciais, para defesa dos direitos dos M/Constituintes, com todas as consequências que daí possam advir(ponto 49).
- No dia 23.9.2021, o R. reuniu com o Eng.º RJ, e com um empreiteiro e um amigo do R., e informou o Sr. Eng. RJ sobre qual era a sua posição quanto à responsabilidade nas anomalias constantes no relatório, assumindo algumas, declinando outras (uma vez que resultavam de trabalhos não efetuados pelo R. ou que foram os AA. quem lhes deu causa) e informando que parte delas já se encontravam reparadas, tendo aquele Eng. solicitado ao Réu que respondesse por escrito ao aludido relatório, o que foi feito em 8.10.2021, tendo o R. “das 177 incidências contabilizadas” do Relatório supra mencionado, aceite 129, referindo estarem por validar 19, e não serem da sua responsabilidade 29 (pontos 18), 19) 40) e 41).
- Por carta registada com a/r datada de 3.12.2021 e rececionada pelos AA. em 9.12.2021, o R. notificou-os para, entre o mais, informar que pretendia aceder ao imóvel para proceder às correções necessárias e que, apesar de o assunto estar a ser tratado entre advogados, não prescindia do seu direito/dever em concluir os trabalhos no imóvel, sem prejuízo de um acordo que pudesse vir a ser alcançado, não tendo os AA. respondido a esta carta (pontos 42) e 43).
- O R., em 23.2.2022, notificou os AA., através de notificação judicial avulsa,  para “que facultassem o acesso à obra no prazo de 15 dias, a fim de poder proceder aos trabalhos de correção necessários efetuar na mesma”, bem como, interpelou-os para, “no prazo de 2 (dois) meses, procederem ao agendamento da escritura pública de compra e venda do imóvel em apreço, sob pena de se considerar definitivamente incumprido o contrato promessa outorgado em 15 de Agosto de 2020 e respetiva adenda, por recusa de cumprimento, nos termos do disposto no art.º 808.º, n.º 1, com as consequências previstas no art.º 442.º, ambos do Código Civil.” (ponto 44).
- A referida notificação judicial avulsa foi rececionada pelos AA. em 4.03.2022, não tendo estes respondido, nem marcado a escritura (pontos 45) e 50).
- Decidiram os AA. com base no aludido relatório de peritagem solicitar à empresa de construção civil “Planeta …., Lda.”, a apresentação de um orçamento para a correção das patologias e reparação das anomalias identificadas naquele documento, tendo esta, em 18.3.2022, apresentado o orçamento para a execução dos trabalhos, de acordo com o qual as reparações, retificações, substituições e intervenções nele melhor descritas, têm um custo total de €71.589.80, a que acrescerá IVA à taxa legal em vigor (pontos 20) e 21).
- Em 4.5.2022, os AA. intentam a presente ação, tendo o R. sido citado em maio de 2022.
- Em 3.6.2022, o R. remeteu aos AA. uma carta, nos termos da qual solicitou que lhe permitissem o acesso à moradia, a fim de ser efetuada uma vistoria com o propósito de se verificar o atual estado da mesma, a qual foi rececionada pelos AA. em 8.6.2022, não tendo sido dada qualquer resposta (pontos 46) e 47).
Releva, ainda, a seguinte factualidade:
- As anomalias constantes no relatório são reparáveis, e efetuadas as devidas reparações, não desvalorizam o imóvel, nem retiram dele quaisquer das suas utilidades em perfeitas condições (ponto 48).
- Os AA. foram intervenientes ativos no andamento da construção, deslocando-se com regularidade à mesma, opinando quanto à forma como estava a decorrer e solicitando inúmeras vezes alterações ao projeto que estava aprovado ou a colocação de materiais específicos (ponto 29).
- A pandemia do Covid 19 criou constrangimentos ao nível da obtenção dos meios humanos e materiais, ao que o R. não foi alheio (ponto 30º).
- Os AA. encontram-se desiludidos e desagradados com o resultado final da construção da moradia, face à quantidade de intervenções necessárias para que a mesma possa corresponder ao esperado, tendo-lhes toda esta situação provocado ansiedade (pontos 23) e 28).
- Os AA. apenas venderam a sua habitação anterior em 7.5.2021 (ponto 31).
Analisada a factualidade dada como provada, afigura-se-nos ter o tribunal recorrido feito uma correta interpretação e integração jurídica dos factos.
Resulta da factualidade provada que entre AA. e R. foi celebrado um contrato promessa de compra e venda, nos termos do qual os AA. prometeram comprar, pelo preço global de €550.000, um terreno para construção, com a obra aí em edificação totalmente construída, finalizada e legalizada, e o R. prometeu vender esse terreno, obrigando-se a finalizar a mencionada obra até ao dia 31.12.2020.
O contrato promessa de compra e venda de um imóvel é o contrato pelo qual as partes se obrigam a celebrar o contrato de compra e venda desse imóvel (art.º 410º do CC), ou seja, a obrigação consiste numa prestação de facto positivo que é a concretização do contrato prometido.
No caso, o cpcv teve por objeto um “terreno” para construção, mas, também, uma “obra” que aí estava a ser edificada e que o R. se comprometeu a terminar, tendo sido acordado um preço único, sendo certo que a escritura de compra e venda deveria ser outorgada até 30 dias após a emissão de licença de utilização, devendo, nessa data, a obra estar devidamente concluída e registada na CRP.
Assim sendo, pode entender-se que o cpcv celebrado entre AA. e R. teve por objeto um terreno para construção e um bem futuro, ou seja, o R. prometeu vender (e os AA. prometeram comprar) um terreno para construção e um edifício nele em construção, devidamente finalizado.
No Ac. do STJ de 17.12.2020, P. 3815/16.4T8AVR.P1.S1 (Maria João Vaz Tomé), em www.dgsi.pt, em circunstâncias em parte semelhantes, concluiu-se que a situação configurava a celebração de um contrato misto de promessa de compra e venda e empreitada [7].
Ana Prata, em O contrato promessa e seu regime civil, 2006, págs. 656/657, entende que, nestas situações, em que as partes convencionam uma multiplicidade de efeitos obrigacionais do contrato promessa, de tal forma que um (ou cada um dos outorgantes) esteja vinculado a várias prestações, com maior ou menor autonomia, o que está em causa são obrigações secundárias ou acessórias, cujo incumprimento relevará ou não no (in)cumprimento do contrato promessa conforme “a autonomia ou instrumentalidade dessa obrigação relativamente à obrigação de contratar que constitui o cerne da eficácia do contrato promessa”.
Independentemente da posição que se adote (que no caso não leva a resultados diferentes), na situação sub judice tem de entender-se que, na economia do contrato promessa celebrado entre as partes, a conclusão da obra era obrigação fundamental, de que estava dependente a realização do contrato definitivo de compra e venda.
E a obrigação de conclusão da obra tem ínsita a obrigação de executá-la em conformidade com o que foi convencionado, sem vícios que excluam ou reduzam o valor dela, ou a sua aptidão para o uso ordinário (art.º 1208º do CC).
Sufragamos, pois, o entendimento do tribunal recorrido, de que os AA. não estavam obrigados a celebrar o contrato definitivo sem que a obra estivesse devidamente concluída.
Alegam os apelantes que a obra não está concluída, por incapacidade do R., nem o foi no prazo estabelecido.
O prazo estabelecido no cpcv, não é um prazo perentório (absoluto ou improrrogável), na medida em que nada ficou estabelecido para o caso de não ser cumprido, tendo até sido alvo de prorrogação na respetiva Adenda.
Aliás, na cláusula 1ª, ponto 2, desde logo se previu que a conclusão da obra poderia não ocorrer até à data indicada “no caso de acontecimentos não imputáveis” ao R., nomeadamente “os referentes a alteração de condições resultantes da pandemia Covid” [8], sendo certo que resultou provado que a referida pandemia criou constrangimentos ao nível da obtenção dos meios humanos e materiais, ao que o R. não foi alheio.
Por outro lado, resultou ainda provado que os AA. foram intervenientes ativos no andamento da construção, deslocando-se com regularidade à mesma, não tendo sido alegado, nem resultou provado, que tenham apresentado qualquer reclamação pelo atraso na conclusão da obra, de que, naturalmente, se terão apercebido.
Também na Adenda ao cpcv nada se estabeleceu para o caso de incumprimento do novo prazo estabelecido, sendo certo que naquela foi acordada a entrega das chaves do edificado aos AA. para entrarem na respetiva posse, o que efetivamente fizeram a partir de 26.3.2021, sendo que, à data, a obra ainda não estava finalizada e foi pela insistência dos AA. que o R. aceitou que passassem a habitar a moradia (ponto 32) da fundamentação de facto), sem que, mais uma vez, se mostre alegada e demonstrada qualquer reclamação pelo atraso na conclusão da obra.
Nesta conformidade, o simples decurso do(s) prazo(s) estabelecido(s) não fez o R. incorrer em incumprimento definitivo do cpcv, mas em simples mora, uma vez que, por causa que lhe é imputável, a prestação, ainda possível, não foi cumprida no tempo devido (art.º 804º, n.º 2 do CC).
Tal como o tribunal recorrido concluiu, resulta da factualidade provada que o imóvel padece de anomalias, algumas por reparar, o que o R. estava obrigado a fazer, na medida em que as mesmas lhe foram denunciadas pelos AA.
Conforme resulta da factualidade provada, o R. procedeu à reparação de algumas dessas anomalias, mesmo das que apenas foi possível verificar após a realização de limpezas profundas ao imóvel e que antes não tinha sido possível identificar (pontos 14), 15), 36), 39) e 19) da fundamentação de facto).
E não obstante os apelantes aleguem que o R. revelou incapacidade para resolver esses problemas por não ter alvará de construção, e que as reparações efetuadas foram meras tentativas infrutíferas, o que é um facto é que não resultou provada essa alegada incapacidade - ver pontos 4) e 5) dados como não provados.
Mantendo-se anomalias por reparar, os AA., a partir de 13.9.2021, não mais permitiram ao R. entrar em obra para proceder às necessárias reparações, não obstante as várias notificações que lhes fez para o efeito (pontos 42) a 44) da fundamentação de facto).
É certo que o R. pretendeu que fosse marcada a escritura de compra e venda sem que tivesse, ainda, terminado a reparação das anomalias detetadas, sem que a obra estivesse concluída nas condições devidas, conforme acordado.
Mas após ser impedido pelos AA. de entrar na obra para proceder às reparações, e de receber a missiva do mandatário daqueles em resposta à sua carta de pretensão de marcação da escritura, a invocar, precisamente, não estarem ainda reunidas as condições para a sua outorga (ponto 49) da fundamentação de facto), o R., notificou os AA. a informá-los que pretendia aceder ao imóvel para proceder às reparações necessárias, sem que estes lhe respondessem (em atuação contrária ao constante da referida missiva, onde se instava o R. “para indicar, com a maior brevidade, em que prazo procederá à conclusão dos trabalhos de correção das deficiências”), e, posteriormente, procedeu à sua notificação judicial avulsa, para que lhe facultassem o acesso à obra no prazo de 15 dias a fim de proceder aos trabalhos de correção necessários efetuar na mesma, não tendo os AA. respondido a essa notificação [9].
O R. pretendeu concluir a obra eliminando as anomalias/defeitos identificados e por si reconhecidos, o que só podia fazer se lhe fosse dado acesso à casa que os AA. usavam em exclusivo.
E só com a notificação judicial avulsa notificou, também, os AA. para procederem à marcação da escritura, num prazo que permitia o solicitado acesso à obra pelo R. para proceder às correções necessárias.
Conforme resulta da factualidade provada, o R. pretendeu proceder à reparação das anomalias detetadas, e os AA. não permitiram mais o seu acesso à obra para o efeito, nunca lhe tendo estabelecido qualquer prazo perentório para que concluísse as reparações.
Conforme escreve Pedro Romano Martinez, em Cumprimento defeituoso em especial na compra e venda e na empreitada, págs. 343/344, “O dever de eliminação do defeito, não raras vezes, só pode ser efetivado mediante a colaboração da contraparte, nomeadamente facultando o acesso ao bem. Esta cooperação necessária não constitui um verdadeiro dever jurídico, mas antes uma das chamadas obrigações do credor, cuja violação faz incorrer o inadimplente em mora accipiendi (art.º 813º ss). Assim, aquele que está obrigado a eliminar o defeito não pode exigir a colaboração da contraparte; mas, não sendo esta prestada espontaneamente, é-lhe lícito exigir uma indemnização por maiores despesas (art.º 816º). Se a situação perdurar, o vendedor ou o empreiteiro pode notificar a contraparte, estabelecendo um prazo razoável para esta prestar a cooperação necessária. Persistindo o comprador ou o dono da obra na recusa ao dever de colaborar, decorrido o prazo mencionado no período anterior, extingue-se a responsabilidade daquele que cumpriu de forma defeituosa”.   
Ao contrário do que pretendem os apelantes, não se pode, pois, concluir que o incumprimento do cpcv se ficou a dever a culpa do R.
E tendo os AA. obstado a que o R. procedesse à reparação das anomalias detetadas, mesmo depois do R. os ter notificado para o efeito, não podem validamente invocar a perda de interesse na prestação, tanto mais que, ao contrário do que defendem, resultou provado que as anomalias constantes no relatório [10] são reparáveis, e efetuadas as devidas reparações, não desvalorizam o imóvel, nem retiram dele quaisquer das suas utilidades em perfeitas condições (ponto 48) da fundamentação de facto) [11].
O art.º 808º, nº 1, do CC, equipara a mora ao não cumprimento definitivo, ao estabelecer que “Se o credor, em consequência da mora, perder o interesse que tinha na prestação, ou esta não for realizada dentro do prazo que razoavelmente for fixado pelo credor, considera-se para todos os efeitos não cumprida a obrigação.”.
Independentemente da perda de interesse na prestação por parte do credor, este, de acordo com o mencionado artigo, tem, também, à sua disposição o mecanismo da interpelação admonitória, para converter a mora em incumprimento definitivo.
Estão em causa duas realidades alternativas - a perda do interesse que o credor tinha na prestação ou não ser esta realizada no prazo admonitório/cominatório fixado.
Como escrevem Maria da Graça Trigo e Mariana Nunes Martins, no Comentário ao Código Civil, Direito das obrigações, Das obrigações em geral, UCE, pág. 1141, “…, tendo a obrigação por fonte um contrato bilateral, o credor adimplente pode prevalecer-se das consequências elencadas no artigo 801º, por via da conversão da mora em incumprimento definitivo (art.º 808º, nº 1), quando: i) perder, em consequência do incumprimento intempestivo, o interesse que tinha na prestação; ou ii) o devedor não cumprir a obrigação dentro do prazo suplementar razoavelmente fixado pelo credor.”.
A perda do interesse é apreciada objetivamente, nos termos do nº 2 do referido artigo, e, muitas vezes, resulta da própria natureza da obrigação assumida, podendo advir de um termo essencial.
Almeida Costa, em Direito das obrigações, 12ª ed. rev. e atualiz., pág. 1054, esclarece que “Quanto à perda do interesse do credor na prestação, é a mesma “apreciada objetivamente” (art.º 808º, nº 2). Este critério significa que a importância de tal interesse, embora aferida em função da utilidade concreta que a prestação teria para o credor, não se determina de acordo com o seu juízo arbitrário, mas considerando elementos suscetíveis de valoração pelo comum das pessoas ((1) A lei impõe, em síntese, uma perda subjetiva do interesse com justificação objetiva). Além disso exige-se a efetiva perda do interesse do credor e não uma simples diminuição. O caso mais frequente consistirá no desaparecimento da necessidade que a prestação se destinava a satisfazer.”.
A perda de interesse na prestação do devedor deve ser objetiva e concretamente demonstrada pelo credor (art.º 342º, nº 1 do CC), não se bastando com a mera alegação nesse sentido, tendo de ser justificada segundo um critério da razoabilidade.
A perda de interesse deve aferir-se em função da “utilidade que a prestação teria para o credor, atendendo a elementos suscetíveis de serem valorados pelo comum das pessoas (e necessariamente à especificidade dos interesses em causa no concreto negócio jurídico onde tal apreciação se suscite), devendo mostrar-se justificada segundo o critério da razoabilidade própria do comum das pessoas” (Ac. do STJ de 07.02.08, P. 07A4437 (Sebastião Póvoas), in www.dgsi.pt).
Numa ponderação global do caso, para aferição da perda de interesse, haverá que entrar em linha de conta com a duração da mora, o comportamento do devedor e o propósito subjetivo do credor, tendo o julgador, necessariamente, de atender ao comportamento deste na relação contratual, só podendo concluir pela perda de interesse se a sua conduta se pautou pelos ditames da boa fé (art.º 762º, nº 2, do CC [12]).
Como escrevem Pires de Lima e Antunes Varela, in CC Anotado, Vol. II, pág. 2, “À ideia de boa fé estão ligados os deveres de fidelidade, lealdade e honestidade e o direito de confiança na realização e fiel cumprimento dos negócios jurídicos. Já no art.º 227º, com o mesmo objetivo, se exige que quem negoceia com outrem para conclusão de um contrato proceda segundo as regras da boa fé. ... O princípio da boa fé desdobra-se numa série inesgotável de deveres, especialmente de deveres acessórios de conduta ...”.
No caso sub judice, embora não se possa falar em inadimplemento dos AA., tem de ponderar-se a sua atuação impeditiva que o R. cumpra a obrigação a que está vinculado, sendo certo que aqueles nunca lhe fixaram prazo para o fazer, não tendo resultado demonstrada a factualidade alegada a fundamentar tal perda de interesse na prestação (a reparação defeituosa dos defeitos a determinar o aparecimento de outros, a existência de erros estruturais da obra e o abandono desta pelo R. [13]).
Em conclusão, não resultou demonstrado o alegado incumprimento definitivo do cpcv pelo R., como pretendem os apelantes.
Improcede, pois, a apelação nesta parte.
2.2. Sustentam, ainda, os apelantes que, mesmo que alguma culpa lhes seja atribuída, esta deveria ser considerada como concorrente face à culpa do promitente vendedor, devendo ser-lhes atribuído um grau de culpa inferior, ou, quando muito, igual ao do apelado, resolvendo-se a situação ao abrigo do disposto no art.º 570º do CC.
Os apelantes sustentam esta pretensão no incumprimento pelo R. da obrigação (principal) de entregar a moradia sem quaisquer defeitos e de acordo com as condições contratualizadas.
Face ao que se acaba de concluir, afigura-se-nos não se poder concluir como pretendido.
Em caso de incumprimento do contrato promessa, o sinal constituído representará a sanção contra o promitente faltoso, estipulando o art.º 442º do CC, a sua perda, se quem incumpriu foi quem constituiu o sinal, ou a sua restituição em dobro, se quem incumpriu foi quem o recebeu.
As soluções previstas têm em linha de conta um incumprimento definitivo unilateral, não prevenindo situações em que o incumprimento pode resultar de atuações de ambos os promitentes, vindo a doutrina e a jurisprudência a entender que, nestes casos, a fixação do montante devido a título indemnizatório deverá ser ponderada à luz do disposto no art.º 570º do CC, por forma a obter uma solução que se mostre mais razoável perante as circunstâncias do caso.
Para que haja aplicação do disposto no art.º 570º do CC [14], é necessário, pois, que ambos os promitentes se revelem corresponsáveis pela não realização do contrato prometido (entre outros, os Acs. do STJ de 27.11.2018, P. 4724/10.6TBSTB.E1.S1 (Graça Amaral), e de 16.2.2023, P. 233/19.6T8VRS.L1.S1 (Vieira e Cunha), ambos em www.dsgi.pt), ou que o comportamento contratual de ambas as partes tenha “contribuído para uma situação de impasse ou de inércia na atuação (positiva) com vista ao cumprimento da sua parte no computo da relação contratual estabelecida” (Acs. do STJ de 15.3.2012, P. 9818/09.8TBVNG.P1.S1 (Gabriel Catarino), e de 11.9.2012, P. (Fonseca Ramos) [15], em www.dgsi.pt).
Calvão da Silva, em Sinal e Contrato Promessa, 12ª ed., rev. e aumentada, págs. 146/147, escreve que “… o caso de não cumprimento bilateralmente imputável do contrato deve ser resolvido, tendo por base as normas gerais, pela compensação de culpas concorrentes, verificados os respetivos pressupostos (art.º 570º). Assim, a indemnização poderá ser totalmente concedida, reduzida ou mesmo excluída, consoante a gravidade das culpas de ambas as partes e as consequências que delas resultaram. Se as culpas dos dois contraentes forem iguais, a indemnização deve ser excluída, devendo o accipiens, porém, restituir o sinal em singelo, pois não se vê a que título possa retê-lo legitimamente.” (sublinhado nosso).
Conforme supra referido, o R. não incumpriu definitivamente o cpcv, encontrando-se, apenas, em mora.
Resulta da factualidade provada que o R. não concluiu a obra nos prazos estipulados no cpcv e respetiva Adenda, como se havia obrigado, vindo a acordar com os AA. a entrega do imóvel ainda por concluir, tendo-lhe estes denunciado várias patologias de que o imóvel padecia.
O R. procedeu à reparação de algumas dessas patologias (e de outras entretanto verificadas), mas o que é certo é que à data em que pretendeu que fosse marcada a escritura de compra e venda (por se mostrar já emitido o Alvará de Licença de Utilização) a obra ainda não se mostrava concluída na medida em que as referidas patologias não se mostravam todas corrigidas, tendo os AA. direito a recusar-se à outorga da mesma naquela situação.
Sucede, porém, que os AA. vieram a impedir o R. de entrar em obra, impossibilitando-o, assim, de corrigir as patologias verificadas e concluí-la, mesmo depois de notificados para o efeito.
O R., em mora, pretendeu concluir a obra, e foram os AA. que obstaram que o fizesse, tornando-se o seu incumprimento justificado, ou como escreve Pedro Romano Martinez, extinguiu-se a sua responsabilidade pelo cumprimento de forma defeituosa.
Assim sendo, não se pode afirmar que foi a não conclusão da obra pelo R. que determinou os AA. a não marcarem a escritura, quando o seu comportamento foi causa da omissão de atuação do R.
Dito de outra forma, face à factualidade provada, não se pode concluir que a atuação (culposa) do R. contribuiu relevantemente para o incumprimento definitivo do cpcv por parte dos AA., não sendo caso de aplicar o disposto no art.º 570º do CC.
Improcede a apelação, também, nesta parte.
2.3. Por último, e à cautela, insurgem-se os apelantes contra a indemnização fixada por uso ilegítimo do imóvel, sustentando que a mesma devia ter sido fixada em valor consideravelmente inferior, atenta a sua natureza de sanção pecuniária compulsória, devendo observar-se o disposto no nº 2 do art.º 829º-A, não tendo o tribunal recorrido fundamentado o valor fixado, que não tem por objetivo indemnizar o credor da obrigação pelos danos que a mora comporta, mas compelir o devedor a realizar a prestação.
De qualquer forma, atenta a necessária observância de critérios de razoabilidade na fixação do valor indemnizatório, o valor fixado é manifestamente excessivo.
Vejamos.
Na contestação, o R. deduziu reconvenção em que pediu a declaração de resolução do cpcv, por culpa exclusiva dos AA./reconvindos, com perda do sinal a seu favor, e entrega do imóvel, bem como a condenação daqueles a pagarem-lhe “o montante de €3.000,00 mensais, contabilizados desde a data da notificação deste articulado, a título de compensação pelo uso ilícito do imóvel”.
Alegou em abono da sua pretensão: “86.º Ora, os Autores/Reconvindos habitam a moradia em apreço nos presentes autos, fazendo dela uso exclusivo. 87.º O Réu/Reconvinte, na qualidade de único proprietário do imóvel, não pode dispor do mesmo, nem sequer retirar dele qualquer utilidade. Protesta juntar certidão predial do imóvel 88.º O direito de propriedade do Réu/Reconvinte está a ser ofendido pelos Autores/Reconvindos. 89.º A moradia em apreço nos presentes autos, caso fosse colocada no mercado de arrendamento, podia conferir ao Réu/Reconvinte uma rentabilidade na ordem dos €3.000,00 mensais, estando os Autores/Reconvindos, com o seu comportamento, a inviabilizar aquele de poder auferir tal montante mensal. 90.º Nesta conformidade, deverão os Autores/Reconvindos ser condenados no pagamento ao Réu/Reconvinte do valor mensal de €3.000,00, contabilizados desde a notificação da presente reconvenção, a título de uso ilícito do imóvel.”.
Na réplica, os AA. pronunciaram-se sobre esse pedido, alegando que “18º No que concerne à exigência do pagamento da importância mensal de €3.000,00, a título de uso ilícito do imóvel, é por demais evidente que os Autores não ocupam ilicitamente o prédio, tanto mais que as respetivas chaves lhes foram entregues pelo Réu conforme Adenda ao Contrato de Promessa de Compra e Venda, celebrado a 03/3/2021, conforme Doc. 2 da Petição Inicial. 19º Sem conceder, sempre se dirá que o valor reclamado é manifestamente exagerado, porquanto a haver lugar ao pagamento de alguma importância, nunca a mesma poderia atingir aquele montante, sendo do conhecimento comum, que o valor de renda mensal de um prédio com as caraterísticas daquele que é objeto do presente pleito, não ultrapassará no mercado habitacional da respetiva zona, um valor superior a €1.500,00.”.
Na sentença recorrida, fundamentou-se a decisão de condenar os AA. a pagarem ao R. uma indemnização por cada mês de uso ilegítimo do imóvel, o valor de €3.000 por mês, desde a data do trânsito em julgado da decisão e até efetiva entrega do imóvel, nos seguintes termos: “…, pede o R./A. Reconvinte o pagamento de uma indemnização pelo uso do imóvel “contabilizados desde a data da notificação deste articulado, a título de compensação pelo uso ilícito do imóvel”. Cessando o título pelo qual os AA. habitavam no imóvel por efeito da resolução do contrato de promessa de compra e venda operada, será devida uma indemnização pelo uso do imóvel, desde a data do trânsito em jugado da presente decisão (data em que se efetiva a cessação do contrato) e até efetiva entrega do imóvel ao R.”.
Conforme resulta da contestação/reconvenção, o R. pediu a condenação dos AA. a pagarem-lhe uma indeminização pelo “uso ilícito do imóvel”, contabilizada desde a notificação daquela, uma vez que fazem uso exclusivo do mesmo, impedindo o R., seu proprietário, de retirar dele as suas utilidades, nomeadamente, arrendando-o.
Ou seja, o R. peticionou a condenação dos AA. a ressarci-lo dos danos patrimoniais que alegadamente sofre com a ocupação ilícita do imóvel (art.º 560º do CC).
Não pediu a condenação dos AA. no pagamento de uma quantia pecuniária por cada dia de atraso no cumprimento da obrigação de entrega do imóvel (art.º 829º-A, nº 1, do CC).
Em todo o caso, tal artigo não teria aplicação ao caso em apreço.
Dispõe o nº 1 do art.º 829º-A do CC que “Nas obrigações de prestação de facto infungível, positivo ou negativo, salvo nas que exigem especiais qualidades científicas ou artísticas do obrigado, o tribunal deve, a requerimento do credor, condenar o devedor ao pagamento de uma quantia pecuniária por cada dia de atraso no cumprimento ou por cada infração, conforme for mais conveniente às circunstâncias do caso”.
Como resulta claro da disposição legal, o instituto apenas se aplica às prestações da facto infungível, ou seja, àquelas em que só o devedor pode cumprir, ou, como explica Antunes Varela, em Das obrigações em geral, Vol. I, 3ª ed., pág. 85, “no caso de o devedor não poder ser substituído no cumprimento por terceiro (realizar uma intervenção cirúrgica; pintar um quadro a óleo; fazer o projeto de uma grande obra)”.
O instituto não se aplica a todas as prestações de facto, limitando-o o legislador às prestações de facto infungíveis, e desde que não exijam especiais qualidades científicas ou artísticas do obrigado.
Não há lugar, pois, à aplicação do disposto no nº 2 do art.º 829ºA do CC, como defendem os apelantes.
A indemnização a fixar tem de atender ao disposto no art.º 562º e ss. do CC, concretamente o disposto no nº 1 do art.º 564º, que estipula que a indemnização compreende o prejuízo causado.
O tribunal recorrido fundamentou porque era devida indemnização (“Cessando o título pelo qual os AA. habitavam no imóvel por efeito da resolução do contrato de promessa de compra e venda operada, será devida uma indemnização pelo uso do imóvel, desde a data do trânsito em jugado da presente decisão (data em que se efetiva a cessação do contrato) e até efetiva entrega do imóvel ao R.”), sendo certo que não fundamentou o montante fixado.
Com a Adenda ao cpcv, os promitentes vendedores e o promitente comprador acordaram que aqueles passavam a ter a posse do imóvel, usando-o em exclusivo.
Título para a posse do imóvel pelos AA. é, pois, o acordo celebrado entre as partes vertido na mencionada Adenda, com fundamento no cpcv celebrado e tendo em vista a futura celebração do contrato prometido.
Com a resolução do cpcv decretado na presente ação, e a condenação de entrega do imóvel ao R., os AA. deixam de ter título válido para tal ocupação, que impede o R., seu legítimo proprietário, de o usufruir, nomeadamente, arrendando-o, e tendo-se provado que o valor de mercado de arrendamento da moradia em causa se situa nos €3.000 mensais, não merece censura o valor indemnizatório fixado pelo tribunal recorrido.
Em conclusão, improcede a apelação na totalidade, devendo manter-se a decisão recorrida.
As custas da apelação, na modalidade de custas de parte, ficam a cargo dos apelantes, por terem ficado vencidos – art.º 527º, nºs 1 e 2, do CPC.
DECISÃO
Pelo exposto, acorda-se em julgar improcedente a apelação, mantendo-se a decisão recorrida.
Custas pelos apelantes, nos termos referidos.

Lisboa, 2024.03.05
Cristina Coelho
Micaela Sousa
Ana Mónica Mendonça Pavão

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[1] “Objetiva-se a presente ação em apurar se: a) Deve ser resolvido o contrato de promessa de compra e venda celebrado entre os AA. e o R, imputando-se a culpa exclusiva ao R; b) O R. deve ser condenado a pagar €370.000,00 aos AA. referente ao sinal em dobro; c) O R. deve ser condenado no pagamento da indemnização peticionada; d) Deve ser resolvido o contrato de promessa de compra e venda celebrado entre os AA. e o R. por culpa exclusiva dos AA. e) Devem os AA. ser condenados no pagamento do sinal em singelo; f) Devem os AA. ser condenados na  indemnização peticionada.”.
[2] A saber: “a) Apurar quais as anomalias da moradia e a quem compete a sua reparação; b) Se o R. abandonou sem motivo a obra, sem mais voltar; c) Quais os danos causados aos AA. pela conduta do R. d) Se os AA. impediram ao R. o acesso à moradia e a efetuar as reparações necessárias. e) Se os AA. recusaram a realização do contrato definitivo.
f) Quais os danos causados pela conduta dos AA. ao R.”.
[3] Existe manifesto lapso de escrita, pretendendo o tribunal recorrido escrever “23 de setembro de 2021”, conforme resulta dos artigos da PI e da contestação para os quais remete.
[4] A referida no ponto anterior.
[5] Ou seja, 2022.
[6] Ou seja, “No que se refere ao facto provado n.º 37, o tribunal conjugou a prova testemunhal produzida em audiência de julgamento com a prova documental junta aos autos, e que nos permitiu concluir desta forma. Com efeito, referiu a testemunha IO que os contactos entre AA. e R. com vista à realização das reparações era feito diretamente, mas que a partir de “agosto ou setembro de 2021 as coisas começaram a correr menos bem”, que “não se resolveram questões pendentes” e que isso foi “motivo de descontentamento” por parte dos AA. Mais disse que até setembro o R. “tinha abertura para tentar resolver os problemas”, mas que a partir daí deixaram de se falar. Por fim, referindo-se a este período até setembro de 2021, afirmou que “não foi negada a entrada no imóvel”. A testemunha IB a esta matéria referiu que não sabia se o irmão impediu o R. de entrar, apesar de ter conhecimento que este o havia notificado para dar acesso à obra. A testemunha MG foi perentória ao afirmar que não abandonaram a obra, tendo sido impedidos de entrar, tanto que até deixaram materiais no local, os quais nunca foram devolvidos (cf. Facto provado n.º 38 e facto não provado n.º 15).”.
[7] Aí se escreveu: “2. A matéria contratada por AA. e BB. subsume-se a mais de um tipo contratual legal (contrato-promessa e empreitada). Em virtude da existência de unidade contratual, e não de pluralidade de contratos, pode dizer-se que as partes celebraram um contrato misto de promessa de compra e venda, de um lado e, de outro, de empreitada. Trata-se de um único contrato, em que as partes reuniram regras de dois negócios, total ou parcialmente regulados na lei (art.º 405º, nº 2, do CC). 3. Não se afigura possível, no caso em apreço, separar, na matéria contratada, um contrato estruturalmente completo por cada tipo. Repare-se que AA. se vincula ao pagamento de um único preço, e não ao pagamento de um preço pela compra do imóvel e de outro pela obra a realizar no mesmo prédio. 4. Independentemente de uma certa flutuação terminológica, da congregação desses elementos típicos resulta um contrato misto suscetível de ser subsumido a uma das categorias elaboradas pela doutrina. 5. Nos contratos combinados, uma das partes vincula-se a várias prestações principais correspondentes a tipos contratuais diferentes e a outra vincula-se a uma prestação unitária. No caso em apreço, enquanto BB. se obriga a vender e a realizar determinadas obras, AA. obriga-se a comprar por um único preço, que inclui aquele da realização da obra e, por isso, mutatis mutandis, a uma prestação unitária. … 9. Poderia, nestes moldes, falar-se de um contrato combinado, na medida em que BB. se vinculou a várias prestações principais correspondentes a tipos contratuais diferentes (prometeu vender e realizar certa obra) e AA. se vinculou, fundamentalmente, a uma prestação unitária (prometeu comprar, considerando que o preço da compra e venda abrange aquele da realização da obra).10. A doutrina propende para a aplicação da teoria da combinação aos contratos mistos combinados, lançando diretamente mão das normas correspondentes aos diferentes tipos contratuais. Com efeito, nem sempre é possível determinar o elemento principal do contrato e não se justifica, de qualquer modo, a extensão indiscriminada do regime que corresponde a esse elemento preponderante a outras partes da relação obrigacional. Tem-se em vista harmonizar ou combinar, na regulamentação do contrato, as normas aplicáveis a cada um dos elementos típicos que o integram.”.
[8] Recorde-se que o cpcv foi outorgado em agosto de 2020, numa altura em que ainda se sabia pouco sobre o modo como iria evoluir a situação pandémica e as consequências que daí derivariam.
[9] O direito do R. reparar as deficiências invocadas não é condicionado por quaisquer conversações que estivessem a correr entre as partes através dos mandatários, como disso deu nota na carta de 3.12.2021.
[10] Algumas posteriormente reparadas, conforme resulta provado.
[11] Não tendo resultado provado que o imóvel padece de “graves anomalias estruturais”, ao contrário do que os apelantes defendem.
[12] O qual dispõe que “No cumprimento da obrigação, assim como no exercício do direito correspondente, devem as partes proceder de boa fé”.
[13] Reveladores de uma atuação demonstrativa de manifesta desconsideração pela confiança e pelos interesses legítimos dos AA.
[14] Afigurando-se-nos que o preceito em causa é aplicável para todo o tipo de responsabilidade civil, nomeadamente a contratual.
[15] Este último citado pelos apelantes.