Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1435/22.3T9LRS.L1-9
Relator: FERNANDA SINTRA AMARAL
Descritores: RECUSA DE RECONHECIMENTO PESSOAL
CONSELHO DA ADVOGADA
ERRO SOBRE AS CIRCUNSTÂNCIAS DO FACTO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/21/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NÃO PROVIDO
Sumário: (da responsabilidade da relatora)
I. No direito penal português actual existem duas espécies de erro jurídico-penalmente relevante, com duas formas de relevância e diferentes efeitos sobre a responsabilidade do agente: uma exclui o dolo, ficando ressalvada a negligência nos termos gerais (artigo 16.º, do Código Penal); a outra, exclui a culpa, se for não censurável, constituindo causa de exclusão da culpa, mantendo-se a punição a título de dolo, se for censurável, embora com pena especialmente atenuada (artigo 17.º, do Código Penal).
II. Ou seja, segundo o nosso Código Penal, há três situações em que o erro pode excluir o dolo: quando verse sobre elementos de facto ou de direito, de um tipo de crime; quando verse sobre os pressupostos de uma causa de justificação ou de exclusão da culpa; ou quando verse sobre proibições cujo conhecimento seria razoavelmente indispensável para que o agente possa tomar consciência do ilícito.
III. Assim, tendo-se o arguido recusado a fazer a diligência de reconhecimento pessoal porque a sua mandatária não estava presente e o tinha aconselhado previamente a não fazer nada sem a sua presença, é forçoso concluir que estamos perante um erro sobre as circunstâncias do facto, nos termos do art.º 16º do C. Penal.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na 9ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa:
I-RELATÓRIO
I.1 No âmbito do Processo Comum Singular nº 1435/22.3T9LRS, que corre termos pelo Juízo Local Criminal de Lisboa - Juiz 13, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, em que é arguido AA, com os demais sinais nos autos, foi proferida sentença, na qual se decidiu nos termos seguintes (transcrição):
“(…)
IV. Dispositivo
Termos em que se julga totalmente improcedente, por não provada, a acusação pública e em conformidade se decide absolver o arguido AA da prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de desobediência, p. e p. pelo artigo 348.º, n.º 1, al. b) do Código Penal.
Sem custas.
(…)”
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I.2 Recurso da decisão final
Inconformado com tal decisão, dela interpôs recurso o Ministério Público para este Tribunal da Relação, com os fundamentos expressos na respectiva motivação, da qual extraiu as seguintes conclusões (transcrição):
“(…)
4. CONCLUSÕES.
I. Na douta sentença ora em recurso foi decidido, além do mais, absolver o arguido AA da prática, como autor material, de um crime de desobediência previsto e punido pelo artigo 348º, nº 1, al. b) do Código Penal, porquanto entendeu não estar preenchido o elemento subjectivo de tal crime, por interferência do erro a que alude o art.º 16º, nº 1 do C.Penal.
II. O presente recurso funda-se na discordância com tal absolvição.
III. Considera-se que existe o erro previsto no art.º 410º, nº 2, al. a) do CPPenal, uma vez que a Mmª Juiz a quo apenas se pronunciou quanto ao dolo directo, não se tendo pronunciado quanto ás outras modalidades de dolo que este crime também admite.
IV. Também se considera existir erro notório na apreciação da prova (art.º 410º, nº2, al. c) do CPPenal), já que atendendo ao caso concreto, a partir da objectividade dos factos dados facilmente se infere o elemento subjectivo do tipo do ilícito.
V. Entrando na prova produzida, concretamente atentando nas declarações do arguido e nos depoimentos das duas testemunhas ouvidas, com todo o respeito que o Tribunal nos merece, não se pode escamotear o erro de julgamento (artigo 412º, nºs 3 e 4 do Código de Processo Penal) quanto a todos os pontos da matéria de facto não provada.
VI. Com efeito, tendo presente as declarações do arguido (cujas passagens mais relevantes encontram-se acima transcritas), o mesmo disse saber que lhe iria ser instaurado um processo crime pelo crime de desobediência, sabendo o arguido igualmente o que tal significa.
VII. Os depoimentos dos inspectores da P.J. também não deixaram dúvidas quanto ás explicações que deram ao arguido a propósito da diligência que tinha que ser feita, à cominação com o crime de desobediência caso se recusasse (e mantivesse a recusa) e ás diversas tentativas que fizeram no sentido de levar o arguido a realizar a diligência, sempre sem sucesso, apesar de estar o arguido devidamente informado (e este as ter percebido) das consequências legais da sua recusa.
VIII. Cremos que existe igualmente erro quanto ao direito aplicado, uma vez que o Tribunal a quo entendeu operar o art.º 16º, nº1 do C.Penal, dizendo que o arguido desconhecia que, ao recusar-se a fazer a diligência ordenada, por aconselhamento da sua advogada, estava a cometer um crime de desobediência, com as respetivas consequências legais.
X. O art.º 16º “apenas se deve e pode referenciar aos crimes cuja punibilidade não se pode presumir conhecida de todos os cidadãos, nem se tem de exigir que o seja,(...). Relativamente aos crimes cuja punibilidade se pode presumir conhecida e se tem de exigir que seja conhecida, de todos os cidadãos normalmente socializados, crimes naturais, crimes em si ou mala in se, seja os previstos, desde logo, no C.Penal, ou mesmo em legislação avulsa, mas sedimentados pelo decurso do tempo, é inaplicável aquele normativo” – neste sentido Ac. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 25.02.2015.
XI. Considerando o crime em causa – desobediência – está o mesmo perfeitamente sedimentado na consciência ético-social da comunidade, não sendo tão pouco uma questão que se revele discutível ou controvertida.
XII. Com efeito, o comum dos cidadãos em Portugal sabe que deve obediência ás ordens das autoridades judiciárias e policiais, nomeadamente quando lhes são devidamente comunicadas e explicadas, no âmbito de um processo penal, no qual além do mais, assume um papel de especial relevo – o de arguido – com direitos, mas também com deveres aos quais está adstrito, sendo o de sujeitar-se a diligências de prova especificadas na lei e ordenadas e efectuadas por entidade competente, um deles (art.º 61º, nº6, al. d) do CPPenal).
XIII. Entendemos por isso que ao decidir como decidiu, o Tribunal a quo violou o disposto no art.º 348º, nº1, al. b) e bem assim o art.º 16º, nº 1, ambos do C.Penal, devendo ao invés o arguido ser condenado pela prática de um crime de desobediência desobediência previsto e punido pelo artigo 348º, nº1, al. b) do Código Penal.
Nestes termos e nos demais de direito aplicável, que Vossas Excelências doutamente suprirão, deve a sentença ora recorrida ser substituída por outra que julgue a acusação provada por procedente e, por via dela, condene o AA como autor material e na forma consumada, pela prática, de um crime de desobediência previsto e punido pelo artigo 348º, nº1, al. b) do Código Penal fazendo-se, assim, a habitual, JUSTIÇA.
(…)”
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O recurso foi admitido, nos termos do despacho proferido a 05 de Dezembro de 2023, a subir de imediato, nos próprios autos e com efeito suspensivo.
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I.3 Resposta ao recurso
Efectuada a legal notificação, o arguido não respondeu ao recurso interposto pelo Ministério Público.
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I.4 Parecer do Ministério Público
Remetidos os autos a este Tribunal da Relação, nesta instância o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, nos termos do qual, aderindo à posição do Digno Magistrado do Ministério Público na primeira instância, pronunciou-se no sentido da procedência do recurso.
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I.5 Resposta
Tendo sido dado cumprimento ao disposto no artigo 417º, n.º 2, do Código de Processo Penal, foi apresentada resposta ao sobredito parecer, pelo arguido, que, em síntese, respondeu nos seguintes moldes (transcrição):
“(…)
I - O Parecer do MINISTERIO PÚBLICO incide sobre o recurso, presentado pelo mesmo, da sentença que absolveu o arguido da prática do crime de desobediência de que vinha acusado, previsto e punido pelo artigo 348º, nº1, al. b) do Código Penal.
II – O Ministério Público interpôs recurso por considerar que a sentença padece dos erros previstos no art.º 412º,nº 2, al.a) e c) do CPP, para além de erro de julgamento quanto a todos os pontos da matéria de facto não provada, que invoca ao abrigo do disposto no artigo412º, nºs 3 e 4 do Código de Processo Penal.
III - A motivação de recurso analisa a questão da produção de prova de forma incorreta. Analisados os fundamentos do recurso, com o devido respeito, afigura-se que a situação de erro de julgamento quanto a todos os pontos da matéria de facto não provada apenas se coloca na pessoa do recurrente. A matéria de facto não provada em julgamento está em plena sintonia com a prova produzida em julgamento interpretada à luz das regras de experiência comum. O princípio in dubio pro reo estabelece que, perante a persistência de uma dúvida razoável, após a produção da prova, o tribunal terá de decidir a favor do arguido.
Neste caso em concreto, o Tribunal a quo decidiu e bem a favor do arguido.
O recurso da matéria de facto não se destina a postergar o princípio da livre apreciação da prova, que tem consagração expressa no art.º 127 do CPP. A decisão do Tribunal há-de ser sempre uma “convicção pessoal – até porque nela desempenham um papel de relevo não só a actividade puramente cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis (v.g. a credibilidade que se concede a um certo meio de prova) e mesmo puramente emocionais” – Prof. Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, vol. I, ed. 1974, pag. 204.
IV – Pelo exposto, somos de parecer que o recurso não merece provimento. Caso assim não se entenda nestes termos e nos demais de direito aplicável, que Vossas Excelências doutamente suprirão, segundo o nosso parecer, deve a sentença ora recorrida ser “substituída” por outra que julgue a acusação não provada mencionando a efeito o Dolo Eventual, por via dela, absolva o arguido AA.
Em suma, o Tribunal a quo fez uma correcta e perfeita análise da prova produzida pelo que a decisão do Tribunal a quo não merece qualquer censura antes, pelo contrário, integral confirmação.
Por todo o exposto, e uma vez que nada encontramos que mereça qualquer censura
ou reparo na sentença recorrida, esta parte emite parecer pela sua confirmação integral.
V. Exas. Senhores Desembargadores, porém, encontrarão a decisão que for justa.
(…)”
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I.6 Concluído o exame preliminar, prosseguiram os autos, após os vistos, para julgamento do recurso em conferência, nos termos do artigo 419.º do Código de Processo Penal.
Cumpre, agora, apreciar e decidir.
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II- FUNDAMENTAÇÃO
II.1- Poderes de cognição do tribunal ad quem e delimitação do objeto do recurso:
Conforme decorre do disposto no n.º 1 do art.º 412.º do Código de Processo Penal (doravante também CPP), bem como da jurisprudência pacífica e constante (designadamente, do STJ1), e da doutrina2, são as conclusões apresentadas pelo recorrente que definem e delimitam o âmbito do recurso e, consequentemente, os poderes de cognição do Tribunal ad quem, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso a que alude o artigo 410º, nº 2, do CPP 3, relativas a vícios que devem resultar directamente do texto da decisão recorrida, por si só ou em conjugação com as regras da experiência comum, a nulidades não sanadas (n.º 3 do mesmo preceito), ou quanto a nulidades da sentença (artigo 379.º, n.º 2, do CPP).
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II.2- Apreciação do recurso
Assim, face às conclusões extraídas pelo recorrente da motivação do recurso interposto nestes autos, as questões a apreciar e decidir são as seguintes:
- se a sentença recorrida padece do vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada (art.º 410º, nº 2, al. a) do CPP;
- se a sentença recorrida padece de erro notório na apreciação da prova (art.º 410º, nº 2, al. c), do CPP);
- se a sentença recorrida padece de erro de julgamento (art.º 412.º, nºs 3 e 4, do CPP), no que tange a todos os pontos da matéria de facto não provada;
- se a sentença recorrida padece igualmente de erro quanto ao direito aplicado, não devendo ter feito operar o art.º 16º, nº1 do Código Penal (doravante também CP);
- se, ao decidir como decidiu, o Tribunal a quo violou o disposto no art.º 348º, nº1, al. b) e bem assim o art.º 16º, nº 1, ambos do CP, devendo ao invés o arguido ser condenado pela prática de um crime de desobediência p. e p. pelo art.º 348º, nº 1, al. b) do Código Penal.
Vejamos.
Da decisão recorrida (transcrição dos segmentos relevantes para apreciar as questões objecto de recurso):
“ (…)
II. Dos factos
i. Factos provados
Com relevância para a decisão da causa, encontram-se provados os seguintes factos:
1) Para o dia 12 de julho de 2022, na sequência de determinação do Ministério Público, foi agendada, no âmbito de inquérito crime com o NUIPC 2305/21.8T9LRS, a diligência processual de reconhecimento pessoal dos arguidos pela testemunha BB;
2) No referido dia, quando se encontrava nas instalações da Polícia Judiciária, em Lisboa, o arguido AA foi confrontado com a necessidade de participar no referido reconhecimento pessoal, referindo que iria recusar-se a participar naquela diligência;
3) O arguido foi advertido, na presença da Dra. CC, defensora oficiosa nomeada para representar outro arguido presente, que, nos termos do artigo 61.º, n.º 6, al. d) do Código de Processo Penal, era obrigado a participar nas diligências de prova ordenadas e efetuadas por entidade competente, incorrendo, caso persistisse na sua recusa, em crime de desobediência;
4) Não obstante ter sido advertido de que tinha a obrigação de se sujeitar à aludida diligência de recolha de prova, nos termos do disposto no artigo 61.º, n.º 6, al. d) do Código de Processo Penal e de que caso não a realizasse incorria na prática de um crime de desobediência, nos termos do disposto no artigo 348.º, n.º 1, al. b) do Código Penal, o arguido recusou-se a efetuar a mesma.
Mais se provou que:
5) O arguido recusou-se a fazer o reconhecimento porque a sua mandatária não estava presente e o tinha aconselhado previamente a não fazer nada sem a sua presença;
6) O arguido foi condenado:
a. No proc. n.º 20/02.0PALRS, por sentença transitada em julgado a 24-09-2003, pela prática, a 01-03-2002, de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21.º, n.º 1 e 25.º al. a) do DL n.º 15/93, de 22 de janeiro, na pena de 18 meses de prisão, suspensa por três anos, pena que foi extinta a 10-07-2003;
b. No proc. n.º 356/020JELSB, por sentença transitada em julgado a 09-11-2004, pela prática, a 02-11-2002, de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21.º, n.º 1 e 24.º al. h) do DL n.º 15/93, de 22 de janeiro, na pena de 5 anos de prisão efetiva;
c. No proc. n.º 436/01OSVLSB, por sentença transitada em julgado a 18-01-2005, pela prática, a 27-02-2001, de um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo artigo 143.º do Código Penal, na pena de 300 dias de multa à taxa diária de 4,00€;
d. No proc. n.º 4967/08.2TCLRS, por sentença transitada em julgado a 27-10-2008, pela prática, a 27-02-2001, de um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo artigo 143.º do Código Penal, na pena de 300 dias de multa, à taxa diária de 4,00€, convertida em 113 dias de prisão subsidiária, extinta a 09-01-2016;
e. No proc. n. 432/13.4GBMFR, por sentença transitada em julgado a 29-12-2014, pela prática, a 08-2013, de três crimes de roubo qualificado, p. e p. pelo artigo 210.º, n.ºs 1 e 2, al. b), por referência à al. f) do n.º 2 do artigo 204.º, todos do Código Penal e um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo artigo 86.º, n.º 1, al. d) da Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro, alterada pela lei n.º 12/2011, de 24 de abril, na pena de 7 anos e 9 meses de prisão efetiva, extinta a 17-01-2022.
7) O arguido encontra-se preso à ordem de outro processo no estabelecimento prisional de Alcoentre;
8) Antes de ser preso trabalhava como …, encontrando-se atualmente sem qualquer rendimento;
9) Tem uma filha de 10 anos;
10) Na prisão costuma ter as visitas da sua esposa e de uma amiga.
ii. Factos não provados
a) O arguido agiu de forma livre, deliberada e consciente, com intenção concretizada de não participar na diligência processual de reconhecimento pessoal para o qual foi convocado, ciente que atuava em desrespeito de comando que lhe foi devidamente comunicado, em processo de inquérito criminal em que era arguido e que, como tal, tinha o dever de participar nas diligências processuais para as quais fosse convocado, dever ao qual quis e concretizou desobedecer;
b) Agiu, assim, com o propósito concretizado de não acatar o dever legítimo a que estava adstrito, bem sabendo que, ao recusá-lo, incorria em responsabilidade criminal, a qual lhe foi cominada e devidamente comunicada e da qual ficou ciente;
c) O arguido agiu, pois, de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei penal.
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iii. Motivação de facto
A convicção do Tribunal assentou na análise crítica da prova produzida em audiência de julgamento, nomeadamente nas declarações do arguido e nos depoimentos dos agentes da polícia presentes na altura dos factos e, ainda, da certidão constante dos autos em fls. 2 a 20, prova esta analisada segundo o princípio da livre apreciação, nos precisos termos do artigo 127.º do Código de Processo Penal, isto é, segundo as regras de experiência e a livre convicção do julgador.
Concretamente, em primeira análise, importa referir que, em sede de audiência de julgamento, o arguido declarou pretender prestar declarações de modo a apresentar a sua versão dos factos, tendo admitido que recusou, efetivamente, fazer o reconhecimento na Polícia Judiciária, uma vez que a sua advogada o tinha aconselhado a não fazer nada sem a sua presença.
Ora, estas declarações conjugadas com os depoimentos dos agentes DD e EE, que foram objetivos, claros e precisos, e, ainda, com a certidão junta aos autos de fls. 2 a 20, serviram para o Tribunal formar a sua convicção quanto aos factos provados n.ºs 1 a 4.
No que respeita em específico ao facto de o arguido estar na presença de uma defensora oficiosa nomeada para representar outro arguido presente (facto provado n.º 3), o Tribunal baseou-se, especialmente, no depoimento do agente EE que, imparcialmente, afirmou que não chegaram a nomear uma defensora oficiosa para representar especificamente o arguido, uma vez que, tendo este recusado logo de início fazer a diligência, não se justificava nomear uma defensora, estando, no entanto, presente, a defensora do outro arguido que iria participar no reconhecimento.
Quanto ao facto provado n.º 5, o Tribunal considerou as declarações do arguido, que explicitou que ligou para a advogada na véspera da diligência e que esta lhe disse que não podia estar presente no dia marcado, mas que tinha enviado um e-mail ao inspetor EE a pedir alteração da data e, por isso, para ele “não fazer nada sem a sua presença”. Deu-se credibilidade a estas declarações, em conjugação com a certidão constante dos autos em fls. 2 a 20, onde se encontra o e-mail enviado pela mandatária do arguido.
Quanto aos antecedentes criminais do arguido (facto provado n.º 6), o Tribunal considerou o certificado de registo criminal junto aos autos, de fls. 61 a 73.
Por último, os factos respeitantes às condições socioeconómicas do arguido (factos provados n.ºs 7 a 10), resultaram das suas declarações em audiência de julgamento.
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Por outro lado, no que respeita aos elementos subjetivos, da culpa e da consciência da ilicitude (factos não provados a) a c)), o Tribunal ficou com dúvidas acerca da consciência ou não, por parte do arguido, de que estava a cometer um crime de desobediência e das suas consequências legais. Assim se considerou tendo em conta os motivos que levaram o arguido a tal recusa, isto é, o facto da sua advogada o ter aconselhado a “não fazer nada” sem a sua presença.
Ora, o papel de um advogado em representação de um cliente, especialmente quando se trata de um processo-crime, é um papel de confiança por parte do arguido, que se encontra numa posição vulnerável e acredita que o advogado, conhecedor da lei, o vai auxiliar, defendendo os seus melhores interesses, em todo o processo. Por esse motivo, entende-se ser possível que, ao ouvir o conselho da sua advogada de “não fazer nada sem a sua presença”, o arguido tenha confiado que, ainda que tal, abstratamente, pudesse consubstanciar a prática de um crime – tal como foi advertido pelos agentes policiais –, naquele caso concreto em que este seguia um conselho jurídico da sua advogada, o cometimento desse crime não estivesse, efetivamente, em causa.
Foi precisamente nesse sentido que foram as declarações do arguido, que, pese embora tenham sido, por vezes, confusas e reveladoras de alguma contradição, foram no sentido de este ter consciência que a sua conduta podia “dar um processo” por desobediência, mas que este não sabia ao certo o que isso significava, nem que ia ser novamente submetido a um julgamento, tendo o mesmo afirmado que, se soubesse as consequências, tinha feito a diligência.
Por outro lado, uma ressalva para o facto de o arguido não se encontrar representado por uma defensora oficiosa naquele momento, tendo afirmado em sede de audiência de julgamento, que a defensora presente na altura – que representava outro arguido – não se dirigiu a ele com qualquer conselho, pelo que o último conselho jurídico que este detinha na sua posse naquele momento era o de não fazer nada sem a presença da sua mandatária constituída.
Pelo exposto, tendo o Tribunal ficado com dúvidas acerca da representação por parte do arguido de que tinha de participar na diligência processual sob pena de estar a praticar um crime, nada mais restou do que decidir a favor do arguido, chamando à colação o princípio do in dúbio pro reo.
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III. Do direito
1. Enquadramento jurídico-penal dos factos
Sendo este o quadro factual que resultou provado importa, agora, subsumi-lo às respetivas normas do Direito Penal, procurando determinar se o arguido deverá ser responsabilizado criminalmente.
Ao arguido é imputada a prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de desobediência, p. e p. pelo artigo 348.º, n.º 1, alínea b) do Código Penal.
Prevê este normativo penal que comete o crime de desobediência quem “faltar à obediência devida a ordem ou a mandado legítimos, regularmente comunicados e emanados de autoridade ou funcionário competente”.
O bem jurídico tutelado por este normativo é “a não colocação de entraves à atividade administrativa por parte dos destinatários dos seus atos” – cfr. Líbano Monteiro, Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo III, Coimbra Editora, pág. 350.
No que respeita ao grau de lesão do bem jurídico, está em causa um crime de dano. Já quanto à forma de execução do facto, trata-se de um crime de mera atividade.
Nos termos do citado preceito legal, são elementos objetivos do tipo em análise a (i) ordem ou mandado; (ii) a sua legalidade substancial e forma; (iii) a competência da autoridade ou funcionário para a sua emissão; (iv) a regularidade da sua transmissão ao destinatário; (v) a cominação de que o incumprimento acarreta a prática do crime em análise; e (vi) a sua violação pelo agente.
A ordem e o mandado são atos de comando que impõem uma concreta conduta positiva ou negativa a um ou mais sujeitos determinados. Estes devem ser legítimos, ou seja, não podem estar feridos de usurpação de poder ou incompetência (ilegalidade orgânica), vício de forma (ilegalidade formal) ou de desvio de poder/violação da lei (ilegalidade material); emanados por autoridade ou funcionário competente, ou seja, por quem com o poder legal para proferi-los, e regularmente comunicados ao seu destinatário, ou seja, devem-no ser pelos meios legalmente previstos – cfr. Miguez Garcia e Castela Rio, Código Penal – Parte geral e especial com notas e comentários, Almedina, 3.ª Edição atualizada, 2018, pág. 1350 e 1352.
Já ao nível do tipo subjetivo, o mesmo pode ser preenchido a título doloso (seja dolo direto, necessário ou eventual, de acordo com o artigo 14.º do Código Penal) não podendo ser praticado negligentemente (artigo 13.º do Código Penal).
Como resulta dos vários números do artigo 14.º, do Código Penal, o elemento volitivo do dolo comporta três modalidades: (i) direto, quando o agente, representando um facto que preenche um tipo de crime, atuar com intenção de o realizar (n.º 1); (ii) necessário, no caso do agente representar a realização de um facto que preenche um tipo de crime como consequência necessária da sua conduta (n.º 2); e, (iii) eventual, se a realização de um facto que preenche um tipo de crime for representada como consequência possível da conduta e o agente se conformar com a sua realização (n.º 3).
Assim, é necessário para o seu preenchimento que o agente, pelo menos, represente como possível estar a desobedecer a uma ordem ou mandado legítimos, regularmente comunicados e emanados de autoridade ou funcionário competente, e com isso se conforme.
In casu, resultou provado que o arguido foi confrontado com a necessidade de participar na diligência processual de reconhecimento pessoal por uma testemunha, no âmbito do inquérito crime com o NUIPC 2305/21.8T9LRS, tendo-se recusado a participar. Ademais, resultou também provado que o arguido foi advertido da obrigação de participar nas diligências de prova ordenadas, incorrendo, caso persistisse na sua recusa, em crime de desobediência.
Desta forma, encontram-se preenchidos os elementos objetivos do tipo.
No entanto, não resultou provado que o arguido tivesse agido de forma livre, deliberada e consciente, com intenção concretizada de não participar na diligência processual, ciente de que atuava em desrespeito de comando que lhe foi devidamente comunicado, agindo com o propósito de não acatar o dever legítimo a que estava adstrito, nem que o arguido sabia e ficou ciente que, ao recusá-lo, incorria em responsabilidade criminal, a qual lhe foi cominada e devidamente comunicada.
Ora, tal circunstância convoca a análise do regime do erro, estipulado no nosso ordenamento jurídico-penal.
Decorre do artigo 16.º, n.º 1 do Código Penal, sob a epígrafe “erro sobre as circunstâncias de facto”, que “o erro sobre elementos de facto ou de direito de um tipo de crime (...) exclui o dolo.”. Este é um erro sobre a factualidade típica, isto é, um erro intelectual e um erro-representação, verificando-se quando o agente não representa ou representa erroneamente um ou mais elementos objetivos do tipo.
Quando tal erro resulta da falta de atuação com a diligência que lhe é devida, o agente é punido a título de negligência nos termos dos artigos 16.º, n.º 3 e 15.º do Código Penal.
Tendo ficado demonstrado que o arguido desconhecia que, ao recusar-se a fazer a diligência ordenada, pelos motivos supra referidos de aconselhamento da sua advogada, estava a cometer um crime de desobediência, com as respetivas consequências legais, entende-se não estarem verificados os pressupostos do dolo.
Uma vez que a negligência só é punível nos casos especialmente previstos na lei, e não havendo previsão expressa nesse sentido relativamente ao crime de desobediência, fica afastada, igualmente, a punição do agente a este título.
Pelo exposto, pese embora se encontrem preenchidos os elementos objetivos do tipo, verifica-se que o arguido atuou em erro sobre a factualidade típica, nos termos do artigo 16.º, n.º 1, do Código Penal, o que afasta a punição pela prática do crime de desobediência, p. e p. pelo artigo 348.º, n.º 1, al. b) do Código Penal, a título de dolo, devendo, consequentemente, ser absolvido da prática do referido crime de que vinha acusado.
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(…)”
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Apreciando o caso concreto:
Veio o Ministério Público recorrer da matéria de facto e da matéria de direito.
Por razão de ordem lógica começaremos pela abordagem das questões de facto e de seguida passaremos para as questões de direito.
Nos termos do disposto no art.º 428.º do Código de Processo Penal, o Tribunal de Relação conhece de facto e de direito, podendo modificar a decisão de facto quando a decisão tiver sido impugnada nos termos do art.º 412.º, n.º 3 do mesmo diploma legal. Cabe desde já ter presente que essa dimensão do recurso não constituiu um novo julgamento do objecto do processo, como se a decisão da 1.ª instância não existisse, mas sim, e apenas, remédio jurídico que se destina a despistar e corrigir erros in judicando ou in procedendo, expressamente indicados pelo recorrente 4.
Porque tal releva para o presente dissídio, importa desde já deixar claro o seguinte:
É consabido que a chamada revista alargada configura uma impugnação restrita da matéria de facto, mas não é a verdadeira impugnação da matéria de facto conforme o disposto no art.º 412.º, n.º 3 do Código de Processo Penal.
Os recorrentes não podem confundir a invocação dos vícios previstos nas alíneas do n.º 2 do art.º 410.º do Código de Processo Penal com os requisitos da impugnação da matéria de facto a que se reporta o n.º 3 e respectivas alíneas e o n.º 4 do art.º 412.º do referido diploma legal: trata-se de institutos distintos com natureza e consequências distintas.
Na verdade, os vícios previstos no referido art.º 410.º devem resultar do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência e aí se ficam; enquanto a impugnação ampla da decisão da matéria de facto lavra fundo na apreciação da prova.
Ora, se é verdade que a existência de um dos vícios do referido art.º 410.º nos espelha algo de errado da decisão da matéria de facto, o facto de se não verificar nenhum daqueles vícios, não garante que a matéria de facto haja sido bem julgada.
Com efeito, pode não existir nenhum dos vícios previstos no n.º 2 do art.º 410.º do CPP e no entanto a prova ter sido mal apreciada, ocorrendo um verdadeiro erro de julgamento. Daí que nas motivações recursórias não possa existir confusão nem amálgama entre invocação dos referidos vícios e a impugnação da decisão da matéria de facto, nos termos do art.º 412.º, nºs 3 e 4 do Código de Processo Penal.
Podem coexistir a invocação dos vícios do n.º 2 do art.º 410.º e a impugnação ampla de acordo com o referido 412.º, n.º 3, tal como pode existir uma sem a outra.
In casu, o Ministério Público recorrente invoca, desde logo, a existência do vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, vício previsto no artigo 410.º, n.º 2, al. a), do Código de Processo Penal, uma vez que a Mmª Juiz a quo apenas se pronunciou quanto ao dolo directo, não se tendo pronunciado quanto às outras modalidades de dolo que este crime também admite.
Vejamos.
Este vício ocorre quando a matéria de facto provada seja insuficiente para fundamentar a decisão de direito e quando o Tribunal não investigou toda a matéria de facto com interesse para a decisão – diga-se, contudo, que este vício reporta-se à insuficiência da matéria de facto provada para a decisão de direito e não com a falta de prova para a decisão da matéria de facto provada.
Na primeira critica-se o Tribunal por não ter indagado e conhecido os factos que podia e devia, tendo em vista a decisão justa a proferir de harmonia com o objecto do processo; na segunda censura-se a errada apreciação da prova levada a cabo pelo Tribunal: teriam sido dados como provados factos sem prova para tal.
Esta segunda opção tem a ver com a impugnação da matéria de facto nos termos do art.º 412.º n.º 3 do Código de Processo Penal, com reapreciação da prova e não com a verificação dos vícios do art.º 410.º, n.º 2 do Código de Processo Penal que terão que ser visíveis no texto da decisão, sem recurso a quaisquer provas documentadas.
Quando os recorrentes alegam este vício, do artigo 410.º, n.º 2, al. a), do Código de Processo Penal, partindo necessariamente da análise do texto da decisão, devem especificar os factos que em seu entender eram necessários para a decisão justa que devia ser proferida, que o Tribunal a quo devia ter indagado e conhecido e não indagou e consequentemente não conheceu, podendo e devendo fazê-lo. Assim, os recorrentes devem procurar convencer o Tribunal de recurso que faltam factos, os quais devem identificar, necessários (fundamentando esta necessidade invocando normas jurídicas pertinentes) para a decisão e que não foi levada a cabo indagação a respeito deles (fundamentando).
Trata-se de uma insuficiência da matéria de facto para a decisão de direito, de um “vício de confecção da matéria de facto”, (…) impeditivo de bem se decidir , tanto no plano objectivo como subjectivo, o julgador quedou-se por uma investigação lacunar, deixou de indagar factos essenciais à decisão de direito, figurando na acusação, defesa ou resultantes da decisão da causa, impedindo de bem decidir no plano do direito, comprometendo a conclusão final do silogismo judiciário5.
Diga-se também, a título de mero acrescento, que nada tem a ver com o vício da insuficiência o caso em que os recorrentes enumeram uma série de factos que foram dados como provados e que na sua óptica deviam ser dados como não provados. O que verdadeiramente os recorrentes não aceitam é a apreciação da prova levada a efeito pelo Tribunal. Claramente, também esta questão nada tem a ver com o vício do art.º 410.º, mas com a impugnação da matéria de facto nos termos do art.º 412.º, n.º 3 do Código de Processo Penal.
Em face do resumidamente exposto, quando os recorrentes alegam este vício de insuficiência para decisão da matéria de facto provada não podem almejar um outro julgamento de um outro processo, não pode subverter-se o princípio da vinculação temática do Tribunal.
Invoca, também, o Ministério Público recorrente o vício do erro notório na apreciação da prova, previsto no artigo 410º, n.º 2, al. c), do Código de Processo Penal. Este vício verifica-se quando um homem médio, perante o teor da decisão recorrida, por si só ou conjugada com o senso comum, facilmente percebe que o tribunal violou as regras da experiência ou de que efectuou uma apreciação manifestamente incorreta, desadequada, baseada em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios. O erro notório também se verifica quando se violam as regras sobre prova vinculada ou das legis artis.
Trata-se de um erro de raciocínio na apreciação das provas que se evidencia aos olhos do homem médio pela simples leitura da decisão, e que consiste basicamente, em decidir-se contra o que se provou ou não provou ou dar-se como provado o que não pode ter acontecido 6.
Com a invocação do vício de erro notório questiona-se, não o conteúdo da prova em si, nomeadamente do que foi dito no depoimento ou nas declarações prestadas, cujo teor se aceita, mas a utilização que foi dada à referida prova, no sentido de a mesma suportar a demonstração de um determinado facto, na medida em que o tribunal valorizou a prova contra as regras da experiência comum ou contra critérios legalmente fixados ou então quando da decisão se extrai de modo óbvio que optou por decidir, na dúvida, contra o arguido7 .
Resumindo, “o erro notório traduz-se, basicamente, em se dar como provado algo que notoriamente está errado, que não pode ter acontecido, ou quando determinado facto é incompatível ou contraditório com outro facto positivo ou negativo8.
Assim, tal erro já não se verifica se a discordância resulta da forma como o tribunal teria apreciado a prova produzida – o simples facto de a versão do recorrente sobre a matéria de facto não coincidir com a versão acolhida pelo tribunal não conduz ao referido vício 9.
Os erros da decisão, para poderem ser apreciados ou mesmo conhecidos oficiosamente, devem detectar-se, sem esforço de análise, a partir do teor da própria sentença, sem recurso a elementos externos como seja o cotejo das provas disponíveis nos autos e/ou produzidas em audiência de julgamento.
Se os recorrentes alegam a existência de erro notório na apreciação da prova devem especificar no texto da decisão, sem recurso a prova documentada, os factos dados como provados ou não provados em que se consubstancia tal erro.
Cabe, portanto, ter presente que a apreciação errada da prova não é logo caso de erro notório na apreciação da prova de que cuida a lei, pela singela razão de que aquela errada apreciação pode não se evidenciar no texto da decisão.
Em suma, o erro notório é o erro que salta aos olhos e que, por isso, se vê logo da análise do texto da decisão por si só ou conjugada com as regras de experiência. O eventual erro na apreciação da prova, por regra, nunca emerge como erro notório na apreciação da prova. Assim, quando os recorrentes entendem que a prova foi mal apreciada devem proceder à impugnação da decisão sobre a matéria de facto conforme o art.º 412.º, n.º 3 do Código de Processo Penal e não agarrar-se ao vício do erro notório.
Aqui chegados:
Analisado o texto da decisão recorrida, não se constata, desde logo, a existência do invocado vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, previsto no artigo 410.º, n.º 2, al. a), do Código de Processo Penal, pois, não só não se descortina a ausência de qualquer facto relevante, na matéria de facto provada, para além dos que o Tribunal a quo considerou como não provados (tendo sido carreados ao manancial fáctico apurado todos os factos relativos aos elementos objectivos do tipo legal de crime imputado ao arguido), mas também porque não decorre do acórdão recorrido que o Tribunal a quo tenha deixado de investigar toda a matéria de facto com interesse para a decisão.
Argumenta o Ministério Público recorrente que a sentença recorrida enferma do erro previsto no art.º 410º, nº 2, al. a) do CPP, uma vez que a Mmª Juiz a quo apenas se pronunciou quanto ao dolo directo, não se tendo pronunciado quanto às outras modalidades de dolo que este crime também admite.
Não lhe assiste razão.
Na verdade, na acusação pública imputa-se ao arguido a prática dos factos, do ponto de vista subjectivo, da seguinte forma (transcrição):
“(…)
5. O Arguido agiu de forma, livre, deliberada e consciente, com intenção concretizada de não participar na diligência processual de reconhecimento pessoal para o qual foi convocado, ciente que actuava em desrespeito de comando que lhe foi devidamente comunicado, em processo de inquérito criminal em que era arguido e que, como tal, tinha o dever de participar nas diligências processuais para as quais fosse convocado, dever ao qual quis e concretizou desobedecer.
6. Agiu, assim, com o propósito concretizado de não acatar o dever legítimo a que estava adstrito, bem sabendo que, ao recusá-lo, incorria em responsabilidade criminal, a qual lhe foi cominada e devidamente comunicada e da qual ficou ciente.
7. O Arguido agiu, pois, de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei penal.”
O que é por dizer que o crime imputado ao arguido, no âmbito da acusação pública – que fixa o objecto do processo – apenas o foi na modalidade de dolo directo.
Por outro lado, da produção da prova, também não resultou que a actuação do arguido pudesse integrar qualquer uma das outras modalidades do dolo (eventual ou necessário).
Não se impunha, por isso, ao Tribunal a quo, que, em sede de fundamentação de facto, tivesse de se pronunciar quanto às outras modalidades de dolo.
Improcede, pois, neste segmento, o recurso.
»
Também não se verifica a existência do invocado vício de erro notório na apreciação da prova, previsto no artigo 410.º, n.º 2, al. c), do Código de Processo Penal, pois do texto da decisão recorrida não resulta que o Tribunal a quo tenha violado as regras da experiência ou que tenha efectuado uma apreciação manifestamente incorreta, desadequada, baseada em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios, e, muito menos, que tenha violado qualquer regra sobre prova vinculada ou da legis artis.
Aduz o Ministério Público recorrente que a decisão recorrida padece de erro notório na apreciação da prova (art.º 410º, nº 2, al. c) do CPP, já que atendendo ao caso concreto, a partir da objectividade dos factos dados como provados, facilmente se infere o elemento subjectivo do tipo do ilícito.
Ocorre que o Tribunal recorrido entendeu dar como provado, no seu ponto 5, que o arguido recusou-se a fazer o reconhecimento porque a sua mandatária não estava presente e o tinha aconselhado previamente a não fazer nada sem a sua presença, dando como não provada a matéria factual atinente ao elemento subjectivo, afastando, assim, essa inferência e, depois, em sede de fundamentação de facto, explicou o processo mental que levou a tal tomada de decisão; e, em sede de fundamentação de direito, tratou tal questão no patamar do erro, nos termos do art.º 16º do C.P..
Assim, a impugnação da matéria de facto efectuada pelo recorrente, nos termos supra descritos, não se integra no vício ora em apreciação, nem em qualquer outro dos vícios do artigo 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, uma vez que a discordância sobre a factualidade dada como provada, em rigor, não se limita, como exigem estes vícios, “ao texto da decisão recorrida, por si só ou em conjugação com as regras da experiência comum”.
Efectivamente, o que o recorrente, em rigor, pretende pôr em crise é a valoração que o Tribunal recorrido fez da prova produzida em audiência de julgamento. Ora, tal questão enquadra-se no erro de julgamento previsto no art.º 412º do CPP e não nos vícios do art.º 410º do mesmo diploma legal.
Em suma, o que está verdadeira e unicamente em causa no recurso em apreço é que o recorrente não se conforma com a forma como o Tribunal a quo apreciou a prova, com a leitura que fez da mesma, aí fazendo o recorrente radicar os aludidos vícios que apontou à decisão recorrida e que expressamente apodou, erradamente, de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada e de erro notório na apreciação da prova.
Como aludimos supra, o eventual erro na apreciação da prova, por regra, nunca emerge como erro notório na apreciação da prova. Assim, quando os recorrentes entendem que a prova foi mal apreciada devem proceder à impugnação da decisão sobre a matéria de facto conforme o art.º 412.º, n.º 3 do Código de Processo Penal e não agarrar-se ao vício do erro notório.
Não existe, portanto, qualquer um dos vícios a que alude o artigo 410.º do Código de Processo Penal, designadamente os invocados pelo recorrente.
Improcede, pois, também neste segmento, o recurso.
»
Como vimos, veio o Ministério Público recorrente invocar também o erro de julgamento, nos termos do disposto no artigo 412º, nºs 3 e 4 do CPP, alegando que, entrando na prova produzida, concretamente atentando nas declarações do arguido e nos depoimentos das duas testemunhas ouvidas em audiência, incorreu o Tribunal recorrido em erro de julgamento quanto a todos os pontos da matéria de facto não provada.
Entramos, assim, no domínio da impugnação ampla da matéria de facto, onde se visa uma reapreciação autónoma sobre a razoabilidade da convicção formada pelo Tribunal a quo relativamente aos concretos «pontos de facto» que o recorrente considera incorretamente julgados, através da avaliação (ou reavaliação) das provas que, em seu entender, imponham decisão diversa da recorrida 10 .
Não se poderá, no entanto, olvidar, como já acima aflorámos, que o recurso da matéria de facto não visa a realização de um segundo julgamento sobre aquela matéria, agora com base na audição das gravações, antes constituindo um mero remédio jurídico com vista a colmatar erros do julgamento na forma como apreciou a prova, na perspectiva dos concretos pontos de facto identificados pelo recorrente, sendo, portanto, manifestamente errado pensar que basta ao recorrente formular discordância quanto ao julgamento da matéria de facto para o Tribunal de recurso fazer «um segundo julgamento», com base na gravação da prova.
Tem sido este o sentido defendido quer pela doutrina, quer pela jurisprudência, designadamente:
Assim refere Germano Marques da Silva 11 que “o poder de cognição do Tribunal da Relação, em matéria de facto, não assume uma amplitude tal que implique um novo julgamento e faça tábua rasa da livre apreciação da prova, da oralidade e da imediação, apenas constitui remédio para os vícios do julgamento em 1ª instância”.
No mesmo sentido se pronuncia Damião Cunha 12 , ao afirmar que os recursos são entendidos como juízos de censura crítica e não como «novos julgamentos».
O recurso de facto para a Relação não é um novo julgamento em que a 2ª instância aprecia toda a prova produzida e documentada em 1ª instância, como se o julgamento ali realizado não existisse; antes se deve afirmar que os recursos, mesmo em matéria de facto, são remédios jurídicos destinados a colmatar erros de julgamento, que devem ser indicados precisamente com menção das provas que demonstram esses erros 13 .
Assim, quando os recorrentes impugnam a decisão proferida sobre matéria de facto, no corpo motivador e depois nas conclusões, devem especificar, isto é indicar devidamente, os concretos pontos de facto que consideram incorretamente julgados (cf. n.º 3 do art.º 413.º do Código de Processo Penal). Isto facilmente se compreende pela singela razão de que o Tribunal de recurso não vai rever a causa, mas apenas pronunciar-se sobre os concretos pontos de facto que os recorrentes consideram incorretamente julgados.
Na verdade, necessário se torna que os recorrentes identifiquem correctamente o ponto de facto que foi dado como provado ou não provado, se é o caso, e não devia tê-lo sido, na sua óptica.
Em segundo lugar, os recorrentes devem especificar as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida.
Os recorrentes, tratando-se de prova testemunhal devem identificar as testemunhas cujos depoimentos, a seu ver, quanto ao concreto ponto de facto em questão, impõem decisão diversa (apontando as concretas passagens dos depoimentos dessas testemunhas em que se funda a impugnação (cf. art.º 412.º n.º 4 do Código de Processo Penal).
In casu, o recorrente começa por identificar os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, indicando as alíneas a), b) e c) dos factos não provados (ou seja, a integralidade da matéria fáctica não provada).
Revisitando a sentença recorrida, são estes os pontos de facto que o Tribunal a quo considerou não provados:

a) O arguido agiu de forma livre, deliberada e consciente, com intenção concretizada de não participar na diligência processual de reconhecimento pessoal para o qual foi convocado, ciente que atuava em desrespeito de comando que lhe foi devidamente comunicado, em processo de inquérito criminal em que era arguido e que, como tal, tinha o dever de participar nas diligências processuais para as quais fosse convocado, dever ao qual quis e concretizou desobedecer;
b) Agiu, assim, com o propósito concretizado de não acatar o dever legítimo a que estava adstrito, bem sabendo que, ao recusá-lo, incorria em responsabilidade criminal, a qual lhe foi cominada e devidamente comunicada e da qual ficou ciente;
c) O arguido agiu, pois, de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei penal.

O recorrente especifica, por outro lado, as concretas provas que, no seu entendimento, impõem decisão diversa da recorrida, invocando as declarações do arguido e os depoimentos testemunhais das duas únicas testemunhas ouvidas em audiência, não olvidando de apontar as concretas passagens de tais declarações e depoimentos, em que funda a impugnação (cf. art.º 412.º n.º 4 do Código de Processo Penal).
Está, pois, cumprido, desde logo, o ónus de impugnação especificada decorrente do disposto nos nºs. 3 e 4 do art.º 412º do CPP.
Resta, pois, apreciar da justeza do peticionado, neste segmento de recurso.
Argumenta o recorrente que, tendo presente as declarações do arguido, o mesmo disse saber que lhe iria ser instaurado um processo crime pelo crime de desobediência, sabendo o arguido igualmente o que tal significava; e, por outro lado, os depoimentos dos inspectores da P.J. também não deixaram dúvidas quanto às explicações que deram ao arguido a propósito da diligência que tinha que ser feita, à cominação com o crime de desobediência caso se recusasse (e mantivesse a recusa) e às diversas tentativas que fizeram no sentido de levar o arguido a realizar a diligência, sempre sem sucesso, apesar de estar o arguido devidamente informado (e este as ter percebido) das consequências legais da sua recusa.
Não nos parece, porém, que assista razão ao recorrente.
Na verdade, esta foi a valoração feita pelo recorrente Ministério Público, relativamente à prova produzida, mas não foi, de todo, antes colidindo, com a leitura da prova feita pela Mmª Juiz a quo e que, neste Tribunal de recurso, acompanhamos, como explanaremos de seguida.
É que, analisada, por este Tribunal ad quem, a prova produzida em audiência, consubstanciada nas declarações do arguido e nos depoimentos dos inspectores da P.J. e a avaliação que da mesma fez o Tribunal recorrido, espelhada na fundamentação do julgamento de facto, verificamos que foi realizada uma avaliação devidamente ponderada da prova.
É sabido que o meio probatório por excelência a que se recorre na prática para determinar a ocorrência de processos psíquicos sobre os quais assenta o dolo não são as ciências empíricas, nem tão-pouco a confissão auto inculpatória do sujeito activo. As enormes dúvidas que suscita a primeira e a escassa incidência prática da segunda, levam a que a maioria das situações acabe por se resolver através de um terceiro meio de prova: a chamada prova indiciária, ou circunstancial, plasmada nos juízos de inferência. A conclusão é então imposta pela aplicação das regras da experiência – premissa maior – aos factos previamente provados e que constituem a premissa menor 14
Quer isto dizer que, na ausência de confissão, em que o arguido reconhece ter sabido e querido os factos que realizam um tipo objectivo de crime e ter consciência do seu carácter ilícito, a prova terá de fazer-se por ilações, a partir de indícios, através de uma leitura do comportamento exterior e visível do agente.
Ora, in casu, da gravação da prova em audiência, entendemos excessivo concluir, sem mais, que o arguido se recusou “tout court” a fazer o reconhecimento, mas tão-só que o arguido recusou-se a fazer o reconhecimento porque a sua mandatária não estava presente e o tinha aconselhado previamente a não fazer nada sem a sua presença.
O que ressalta não é que o arguido quis desobedecer à ordem que lhe fora emanada, mas, antes, que o arguido não o faria sem a presença da sua advogada constituída, o que é bem diferente.
É certo que o arguido sabia da obrigatoriedade da diligência e das consequências do não acatamento da ordem, tendo sido disso informado pelos inspectores da P.J., porém, o arguido pretendia fazê-lo na presença da sua mandatária, sendo que esta o tinha previamente aconselhado a não fazer nada sem a sua presença.
A Mmª Juiz a quo, em sede de fundamentação de facto, relativamente a esta factualidade (vertida sob o ponto 5), considerou as declarações do arguido, que explicitou que ligou para a advogada na véspera da diligência e que esta lhe disse que não podia estar presente no dia marcado, mas que tinha enviado um e-mail ao inspetor EE a pedir alteração da data e, por isso, para ele “não fazer nada sem a sua presença”.
Ora, efectivamente, analisada a certidão constante dos autos a fls. 2 a 20, ali se encontra o referido e-mail de reclamação, enviado pela mandatária do arguido, com o teor que se transcreve:
“1- Ontem dia 11 de Julho de 2022, recebeu uma mensagem no seu telemóvel ... do telemóvel do n.º ..., às 17h35m, com o seguinte teor "Boa tarde Dra, no seguimento de e-mail enviado, gostaria de saber se irá estar presente na diligência na PJ, amanhã pelas 14:30, na qualidade de advogada do AA. Cumprimentos Inspector, EE."
2 — Resposta, "Peço desculpa, quando enviou o email? Infelizmente, se enviou não vi... sorry, mas amanhã a essa hora estarei em alegações na expo, pode ser de manhã ou junto à hora do almoço?
3 — Lamento, mas não consigo alterar a hora e por ordem do Magistrado do MP a diligência tem de ser feita impreterivelmente amanhã"
4 — Ora o referido email foi enviado ontem às 12h33m, dia com julgamentos todo dia, por sorte, houve contacto por mensagem no final do dia mas mesmo assim em cima do acontecimento, diligência já marcada sem sequer ter em consideração a agenda da mandatária do arguido... marca-se de um dia para o outro com a mandatária, e pronto, o direito do arguido e da mandatária não interessa nada... nomeia-se um defensor para o acto e está feito!
5 — Desde o momento, em que uma pessoa adquirir a qualidade de arguido é-lhe assegurado o exercício de direitos e deveres processuais (art.º 60º do C.P.P.), e um deles é o Direito do arguido ser assistido por advogado que escolher é um DIREITO e resulta do art.º 61º, al. e) do C.P.P., assim como o seu defensor nos termos do art.º 63º, do C.P.P.
6- Mesmo após propor horas alternativas no mesmo dia e datas e horas nos dias seguintes não houve colaboração por parte da PJ e ao que fundamenta por imposição do MP, violando os direitos fundamentais do arguido e até da sua defensora.
Aguarda-se contacto e agenciamento em breve e que se dê sem efeito a diligência designada para o dia de hoje como se requer.”
Ora, claramente, não se procedeu, ao nível do agendamento da diligência, com o cuidado e cooperação necessários (decorrentes dos arts. 7º, 8º e 9º do CPC, aplicáveis por força do art.º 4º do CPP), tendo o arguido mandatária constituída.
Com efeito, a mandatária do arguido foi apenas informada, no dia anterior (dia 11/7/22), do agendamento – dia 12, às 14h30 - da diligência de prova em que aquele teria que intervir, logo tendo dado conta de que, à hora em questão, estaria num outro serviço judicial (alegações na expo), mas disponibilizando-se, de imediato, para a parte da manhã, ou junto da hora de almoço, do dia agendado, o que não veio a ser aceite, conforme despacho do Ministério Público, datado de 12/07 – vd. certidão datada de 19/07/2022, com a refª Citius nº 12597263, com base na urgência dos autos, o que não se compreende, já que a ilustre mandatária se disponibilizou a estar presente para o dia agendado e até mais cedo do que a hora que estava marcada.
Neste circunstancialismo, temos, pois, como muito duvidoso todo este procedimento, que parece olvidar as obrigações decorrentes do art.º 61º, nº 1), al. f) do CPP.
De todo o modo, certo é que o arguido, dispondo de mandatária constituída, que o aconselhou a nada fazer sem a sua presença e sabendo do seu direito a ser assistido por defensor (veja-se o auto de constituição de arguido, junto na certidão a que supra fizemos referência, de onde consta a leitura ao arguido dos direitos e deveres decorrentes do art.º 61º do C.P.) e aqui leia-se, necessariamente, defensor que ele já havia escolhido/constituído, em todos os actos processuais em que participasse, então, surge como perfeitamente plausível, dentro das regras da experiência comum e da lógica, a decisão da Mmª Juiz a quo, de considerar que o arguido não se recusou culposamente a participar na diligência, antes se recusou apenas a participar sem a presença da sua advogada, dando, assim, em decorrência desta valoração probatória, como não provados os factos atinentes ao elemento subjectivo do tipo de crime imputado ao arguido (als. a) a c) dos factos não provados), enquadrando tal situação, depois, em sede de fundamentação de direito, no instituto do erro, ao abrigo do disposto no art.º 16º do C.P..
Recordemos o que diz a decisão recorrida, em sede de fundamentação de facto, com interesse para a questão ora em análise:
“ (…)
Por outro lado, no que respeita aos elementos subjetivos, da culpa e da consciência da ilicitude (factos não provados a) a c)), o Tribunal ficou com dúvidas acerca da consciência ou não, por parte do arguido, de que estava a cometer um crime de desobediência e das suas consequências legais. Assim se considerou tendo em conta os motivos que levaram o arguido a tal recusa, isto é, o facto da sua advogada o ter aconselhado a “não fazer nada” sem a sua presença.
Ora, o papel de um advogado em representação de um cliente, especialmente quando se trata de um processo-crime, é um papel de confiança por parte do arguido, que se encontra numa posição vulnerável e acredita que o advogado, conhecedor da lei, o vai auxiliar, defendendo os seus melhores interesses, em todo o processo. Por esse motivo, entende-se ser possível que, ao ouvir o conselho da sua advogada de “não fazer nada sem a sua presença”, o arguido tenha confiado que, ainda que tal, abstratamente, pudesse consubstanciar a prática de um crime – tal como foi advertido pelos agentes policiais –, naquele caso concreto em que este seguia um conselho jurídico da sua advogada, o cometimento desse crime não estivesse, efetivamente, em causa.
Foi precisamente nesse sentido que foram as declarações do arguido, que, pese embora tenham sido, por vezes, confusas e reveladoras de alguma contradição, foram no sentido de este ter consciência que a sua conduta podia “dar um processo” por desobediência, mas que este não sabia ao certo o que isso significava, nem que ia ser novamente submetido a um julgamento, tendo o mesmo afirmado que, se soubesse as consequências, tinha feito a diligência. (bold e sublinhado nosso)
Por outro lado, uma ressalva para o facto de o arguido não se encontrar representado por uma defensora oficiosa naquele momento, tendo afirmado em sede de audiência de julgamento, que a defensora presente na altura – que representava outro arguido – não se dirigiu a ele com qualquer conselho, pelo que o último conselho jurídico que este detinha na sua posse naquele momento era o de não fazer nada sem a presença da sua mandatária constituída.
Pelo exposto, tendo o Tribunal ficado com dúvidas acerca da representação por parte do arguido de que tinha de participar na diligência processual sob pena de estar a praticar um crime, nada mais restou do que decidir a favor do arguido, chamando à colação o princípio do in dúbio pro reo.
(…)”
Ante a prova assim produzida em audiência e face à valoração que a mesma lhe mereceu e que ficou explicitada no exame crítico da prova, nenhum reparo se poderá fazer ao Tribunal recorrido ao convocar, naquele cenário probatório, o princípio “in dúbio pro reo”.
Percebem-se as dúvidas percorridas pela Mmª Juiz a quo que levaram a dar como não provados os elementos subjectivos atinentes à culpa e à consciência da ilicitude (factos não provados vertidos sob as alíneas a) a c)).
Resulta clarividente, na fundamentação de facto, que o Tribunal recorrido ficou com dúvidas, que acompanhamos, acerca da consciência, por parte do arguido, de que estava a cometer um crime de desobediência e das suas consequências legais, tendo em conta os motivos que o levaram a tal recusa, isto é, o facto de a sua advogada o ter aconselhado a “não fazer nada” sem a sua presença. E ressalvou, ainda, o Tribunal a quo o facto de o arguido não se encontrar representado por uma defensora oficiosa naquele momento.
Em consequência do exposto, tem este Tribunal ad quem, necessariamente, que acompanhar o juízo probatório firmado pelo julgador, no sentido de considerar que existe dúvida razoável justificadora da aplicação do princípio in dubio pro reo.
A prova produzida em audiência, analisada de forma crítica, objectiva e com a racionalidade imposta pelas regras de experiência comum, leva a concluir-se pela ausência de um juízo de certeza judicial, consubstanciando uma incontornável dúvida razoável, que impõe a aplicação do princípio in dubio pro reo.
Face a todo o exposto, entende este Tribunal ad quem, que, não tendo ocorrido o invocado erro de julgamento, nos termos sobreditos, deverá ficar intacta a matéria de facto provada e não provada.
Improcede, pois, neste segmento, o recurso.
»
Vejamos, ora, quanto às questões recursivas de direito.
Veio o Ministério Público recorrente alegar, ainda, que a sentença recorrida padece também de erro quanto ao direito aplicado, não devendo ter feito operar o art.º 16º, nº 1 do Código Penal, concluindo que o Tribunal a quo violou o disposto no art.º 348º, nº1, al. b) e bem assim o art.º 16º, nº 1, ambos do CP, devendo ao invés o arguido ser condenado pela prática de um crime de desobediência p. e p. pelo art.º 348º, nº 1, al. b) do Código Penal.
Vejamos.
Relembremos o que diz, a propósito, o Tribunal recorrido, em sede de fundamentação de direito:
“(…)
Sendo este o quadro factual que resultou provado importa, agora, subsumi-lo às respetivas normas do Direito Penal, procurando determinar se o arguido deverá ser responsabilizado criminalmente.
Ao arguido é imputada a prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de desobediência, p. e p. pelo artigo 348.º, n.º 1, alínea b) do Código Penal.
Prevê este normativo penal que comete o crime de desobediência quem “faltar à obediência devida a ordem ou a mandado legítimos, regularmente comunicados e emanados de autoridade ou funcionário competente”.
O bem jurídico tutelado por este normativo é “a não colocação de entraves à atividade administrativa por parte dos destinatários dos seus atos” – cfr. Líbano Monteiro, Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo III, Coimbra Editora, pág. 350.
No que respeita ao grau de lesão do bem jurídico, está em causa um crime de dano. Já quanto à forma de execução do facto, trata-se de um crime de mera atividade.
Nos termos do citado preceito legal, são elementos objetivos do tipo em análise a (i) ordem ou mandado; (ii) a sua legalidade substancial e forma; (iii) a competência da autoridade ou funcionário para a sua emissão; (iv) a regularidade da sua transmissão ao destinatário; (v) a cominação de que o incumprimento acarreta a prática do crime em análise; e (vi) a sua violação pelo agente.
A ordem e o mandado são atos de comando que impõem uma concreta conduta positiva ou negativa a um ou mais sujeitos determinados. Estes devem ser legítimos, ou seja, não podem estar feridos de usurpação de poder ou incompetência (ilegalidade orgânica), vício de forma (ilegalidade formal) ou de desvio de poder/violação da lei (ilegalidade material); emanados por autoridade ou funcionário competente, ou seja, por quem com o poder legal para proferi-los, e regularmente comunicados ao seu destinatário, ou seja, devem-no ser pelos meios legalmente previstos – cfr. Miguez Garcia e Castela Rio, Código Penal – Parte geral e especial com notas e comentários, Almedina, 3.ª Edição atualizada, 2018, pág. 1350 e 1352.
Já ao nível do tipo subjetivo, o mesmo pode ser preenchido a título doloso (seja dolo direto, necessário ou eventual, de acordo com o artigo 14.º do Código Penal) não podendo ser praticado negligentemente (artigo 13.º do Código Penal).
Como resulta dos vários números do artigo 14.º, do Código Penal, o elemento volitivo do dolo comporta três modalidades: (i) direto, quando o agente, representando um facto que preenche um tipo de crime, atuar com intenção de o realizar (n.º 1); (ii) necessário, no caso do agente representar a realização de um facto que preenche um tipo de crime como consequência necessária da sua conduta (n.º 2); e, (iii) eventual, se a realização de um facto que preenche um tipo de crime for representada como consequência possível da conduta e o agente se conformar com a sua realização (n.º 3).
Assim, é necessário para o seu preenchimento que o agente, pelo menos, represente como possível estar a desobedecer a uma ordem ou mandado legítimos, regularmente comunicados e emanados de autoridade ou funcionário competente, e com isso se conforme.
In casu, resultou provado que o arguido foi confrontado com a necessidade de participar na diligência processual de reconhecimento pessoal por uma testemunha, no âmbito do inquérito crime com o NUIPC 2305/21.8T9LRS, tendo-se recusado a participar. Ademais, resultou também provado que o arguido foi advertido da obrigação de participar nas diligências de prova ordenadas, incorrendo, caso persistisse na sua recusa, em crime de desobediência.
Desta forma, encontram-se preenchidos os elementos objetivos do tipo.
No entanto, não resultou provado que o arguido tivesse agido de forma livre, deliberada e consciente, com intenção concretizada de não participar na diligência processual, ciente de que atuava em desrespeito de comando que lhe foi devidamente comunicado, agindo com o propósito de não acatar o dever legítimo a que estava adstrito, nem que o arguido sabia e ficou ciente que, ao recusá-lo, incorria em responsabilidade criminal, a qual lhe foi cominada e devidamente comunicada.
Ora, tal circunstância convoca a análise do regime do erro, estipulado no nosso ordenamento jurídico-penal.
Decorre do artigo 16.º, n.º 1 do Código Penal, sob a epígrafe “erro sobre as circunstâncias de facto”, que “o erro sobre elementos de facto ou de direito de um tipo de crime (...) exclui o dolo.”. Este é um erro sobre a factualidade típica, isto é, um erro intelectual e um erro-representação, verificando-se quando o agente não representa ou representa erroneamente um ou mais elementos objetivos do tipo.
Quando tal erro resulta da falta de atuação com a diligência que lhe é devida, o agente é punido a título de negligência nos termos dos artigos 16.º, n.º 3 e 15.º do Código Penal.
Tendo ficado demonstrado que o arguido desconhecia que, ao recusar-se a fazer a diligência ordenada, pelos motivos supra referidos de aconselhamento da sua advogada, estava a cometer um crime de desobediência, com as respetivas consequências legais, entende-se não estarem verificados os pressupostos do dolo.
Uma vez que a negligência só é punível nos casos especialmente previstos na lei, e não havendo previsão expressa nesse sentido relativamente ao crime de desobediência, fica afastada, igualmente, a punição do agente a este título.
Pelo exposto, pese embora se encontrem preenchidos os elementos objetivos do tipo, verifica-se que o arguido atuou em erro sobre a factualidade típica, nos termos do artigo 16.º, n.º 1, do Código Penal, o que afasta a punição pela prática do crime de desobediência, p. e p. pelo artigo 348.º, n.º 1, al. b) do Código Penal, a título de dolo, devendo, consequentemente, ser absolvido da prática do referido crime de que vinha acusado.
(…)”
Portanto, como vimos, o Tribunal a quo, ante os factos provados e não provados, decorrentes da prova produzida em audiência de julgamento, entendeu convocar, e bem, como analisaremos infra, o regime do erro sobre as circunstâncias do facto, previsto no art.º 16º do C.P..
Com efeito, sendo certo que foram dados como provados os elementos objectivos do tipo, certo é também que não resultou provado que o arguido tivesse agido de forma livre, deliberada e consciente, com intenção concretizada de não participar na diligência processual, ciente de que actuava em desrespeito de comando que lhe foi devidamente comunicado, agindo com o propósito de não acatar o dever legítimo a que estava adstricto, nem que o arguido sabia e ficou ciente que, ao recusá-lo, incorria em responsabilidade criminal, a qual lhe foi cominada e devidamente comunicada.
Decorre do artigo 16.º, n.º 1 do Código Penal, sob a epígrafe “Erro sobre as circunstâncias de facto”, que “O erro sobre elementos de facto ou de direito de um tipo de crime (...) exclui o dolo.”. Este é um erro sobre a factualidade típica, isto é, um erro intelectual e um erro-representação, verificando-se quando o agente não representa ou representa erroneamente um ou mais elementos objectivos do tipo.
Quando tal erro resulta da falta de actuação com a diligência que lhe é devida, o agente é punido a título de negligência nos termos dos artigos 16.º, n.º 3 e 15.º do Código Penal.
No direito penal português actual existem duas espécies de erro jurídico-penalmente relevante, com duas formas de relevância e diferentes efeitos sobre a responsabilidade do agente: uma exclui o dolo, ficando ressalvada a negligência nos termos gerais (artigo 16.º, do Código Penal); a outra, exclui a culpa, se for não censurável, constituindo causa de exclusão da culpa, mantendo-se a punição a título de dolo se for censurável, embora com pena especialmente atenuada (artigo 17.º, do Código Penal).
Ou seja, segundo o nosso Código Penal, há três situações em que o erro pode excluir o dolo: quando verse sobre elementos de facto ou de direito, de um tipo de crime; quando verse sobre os pressupostos de uma causa de justificação ou de exclusão da culpa; ou quando verse sobre proibições cujo conhecimento seria razoavelmente indispensável para que o agente possa tomar consciência do ilícito.
Segundo Figueiredo Dias (in “Direito Penal - Parte Geral” Tomo I, pág. 503): ”O erro excluirá o dolo (a nível do tipo) sempre que determine uma falta do conhecimento necessário a uma correcta orientação da consciência ética do agente para o desvalor do ilícito; diversamente, o erro fundamentará o dolo (da culpa) sempre que, detendo embora o agente todo o conhecimento razoavelmente indispensável àquela orientação, actua todavia em estado de erro sobre o carácter ilícito do facto.
Neste último caso o erro não radica ao nível da consciência psicológica (ou consciência-intencional), mas ao nível da própria consciência ética (ou consciência dos valores), revelando a falta de sintonia com a ordem dos valores ou dos bens jurídicos que ao direito penal cumpre proteger.
Por outras palavras: no primeiro caso estamos perante uma deficiência da consciência psicológica, imputável a uma falta de informação ou de esclarecimento e que por isso, quando censurável, revela uma atitude interna de específico da culpa negligente.
Diferentemente, no segundo caso estamos perante uma deficiência da própria consciência ética do agente, que lhe não permite apreender correctamente os valores jurídico-penais e que por isso, quando censurável, revela uma atitude de contrariedade ou indiferença perante o dever-ser jurídico-penal e conforma paradigmaticamente o tipo específico da culpa dolosa.
É esta a concepção básica sobre o dolo do tipo, a consciência do ilícito e a culpa dolosa que está mesmo na base do regime constante dos artigos 16.º e 17.º”.
Há, pois, que compatibilizar o que dispõe o art.º 16º, n.º 1 do C. Penal com o que vem estatuído no art.º 17º, n.º 2 do mesmo diploma”. É que enquanto o n.º 1 do art.º 16º refere que o “erro sobre (…) proibições cujo conhecimento seja razoavelmente indispensável para que o agente possa tomar consciência da ilicitude do facto exclui o dolo”, já o n.º 2 do art.º 17º diz que se o erro sobre a ilicitude for censurável ao agente, “este será punido com a pena aplicável ao crime doloso respectivo, a qual pode ser especialmente atenuada”.
E, de novo na esteira de Figueiredo Dias (in Pressupostos da Punição, pág. 73): “No primeiro deles estamos ainda – tal como no caso de erro sobre elementos do tipo – perante uma falta de conhecimento que deve ser imputada a uma falta de informação ou de esclarecimento e que por isso, quando censurável, conforma o específico tipo de censura da negligência. Pelo contrário, no segundo caso, estamos perante uma deficiência da própria consciência ético-jurídica do agente, que não permite apreender correctamente os valores jurídico-penais, e que por isso, quando censurável, conforma específico tipo de censura do dolo”.
Entendemos que o âmbito de aplicação do artigo 16º, 1 do C.Penal se refere a proibições equiparadas a elementos do tipo.
De facto, a lei refere-se a “proibições cujo conhecimento seja razoavelmente indispensável para que o agente possa tomar consciência da ilicitude…”.
Como refere TAIPA DE CARVALHO, in Direito Penal, Parte Geral, II, pág. 330, “Das duas, uma: ou a conduta em causa é suficientemente grave, de modo que, para a consciência da sua ilicitude, é irrelevante o conhecimento da proibição legal, ou não é, e então o conhecimento da proibição legal é relevante para que o agente tome consciência da ilicitude do facto que pratica”. Em linguagem mais simples, existem proibições que todos devem conhecer: não matarás, não roubarás, não ferirás, enfim, a generalidade das infracções. O conhecimento destas proibições configura a “consciência da ilicitude”, cujo erro vem regulado no art.º 17º do C. Penal. E existem, a seu lado, outras proibições, cujo conhecimento é razoavelmente indispensável para haver consciência da ilicitude e que exigem, como refere Figueiredo Dias, uma especial falta de informação ou esclarecimento, sem o qual a consciência jurídica comum não as terá como proibições penais. Daí a sua equiparação ao regime dos demais elementos do tipo, relativamente aos quais o erro, ainda que censurável, afasta o dolo.
O conhecimento destas proibições configura a “consciência da ilicitude”, cujo erro vem regulado no art.º 16º, 1 do C. Penal.
O erro previsto no art.º 16º, 1 e no art.º 17º do C. Penal releva assim de modo completamente diferente,
- nos casos previstos no art.º 16º, 1 (erro sobre a proibição cujo conhecimento for razoavelmente indispensável para que o agente possa tomar consciência da ilicitude), o erro afasta o dolo, mesmo que censurável;
- nos casos previstos no art.º 17º, o erro não censurável afasta a culpa, tendo o efeito de uma causa de exclusão da culpa (TAIPA DE CARVALHO, ob. cit. pág. 329); se o erro for censurável, há culpa (culpa dolosa) e o agente é punido com a pena aplicável ao crime doloso (TAIPA DE CARVALHO, ob. cit. pág. 329).
Subsumindo agora o caso sub judice ao que temos vindo a discorrer, tendo-se o arguido recusado a fazer o reconhecimento porque a sua mandatária não estava presente e o tinha aconselhado previamente a não fazer nada sem a sua presença, é forçoso concluir, tal como decidido pela 1ª instância, que estamos perante um erro sobre as circunstâncias do facto, nos termos do art.º 16º do C. Penal.
Resultando conjugadamente, dos factos provados e não provados, que o arguido desconhecia que, ao recusar-se a fazer a diligência ordenada, pelos motivos supra referidos de aconselhamento da sua advogada, estava a cometer um crime de desobediência, com as respectivas consequências legais, não podem ter-se por verificados os pressupostos do dolo.
E uma vez que a negligência só é punível nos casos especialmente previstos na lei, e não havendo previsão expressa nesse sentido relativamente ao crime de desobediência, fica afastada, igualmente, a punição do agente a este título.
Acolhemos, assim, a conclusão do Tribunal recorrido no sentido de considerar que o arguido actuou em erro sobre a factualidade típica, nos termos do artigo 16.º, n.º 1, do Código Penal, o que afasta a punição pela prática do crime de desobediência, p. e p. pelo artigo 348.º, n.º 1, al. b) do Código Penal, a título de dolo (e sendo certo que não é punível a título de negligência), mantendo-se, assim, a decisão recorrida, no sentido da absolvição do arguido da prática do crime de que vinha acusado.
Ademais, como é sabido, entre outros, é elemento objectivo do tipo de desobediência, p. e p. pelo art.º 348º, n.º 1, al. b) do C.P., a legalidade substancial da ordem ou mandado. Ora, nas concretas circunstâncias em que foi emitida a ordem, a que já atrás se aludiu abundantemente, dificilmente se conceberia, no caso, a conformidade da criminalização da conduta com o princípio da intervenção mínima do direito penal, consagrado no art.º 18º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa.
Na verdade, para efeitos do preenchimento do tipo legal de desobediência em causa (al. b) do n.º 1 do art.º 348º do C.P.) é necessário que a conduta que está na sua base legitime e sustente a criminalização, por reporte ao princípio de intervenção mínima do direito penal, da necessidade da pena e da proporcionalidade entre a danosidade social da conduta e a reacção 15
Improcede, pois, também este segmento de recurso.
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III- DISPOSITIVO
Pelo exposto, acordam os juízes da 9.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa em negar provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público, mantendo-se, em consequência, a sentença recorrida.
Sem custas – artigo 513º a 515º, ambos do Código de Processo Penal.
Notifique nos termos legais.
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Lisboa, 21 de Março de 2024
(O presente acórdão foi processado em computador pela relatora, sua primeira signatária, e integralmente revisto por si e pelos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos – art.º 94.º, n.º 2 do Código de Processo Penal - encontrando-se escrito de acordo com a antiga ortografia)
Os Juízes Desembargadores,
Fernanda Sintra Amaral
Jorge Manuel da Silva Rosas de Castro
Ana Marisa Arnêdo
_______________________________________
1. Indicam-se, a título de exemplo, os Acórdãos do STJ, de 15/04/2010 e 19/05/2010, in http://www.dgsi.pt.
2. Germano Marques da Silva, Direito Processual Penal Português, vol. 3, Universidade Católica Editora, 2015, pág.335; Simas Santos e Leal-Henriques, Recursos Penais, 8.ª ed., Rei dos Livros, 2011, pág.113.
3. Conhecimento oficioso que resulta da jurisprudência fixada pelo Acórdão de fixação de jurisprudência n.º 7/95 de 19/10/1995, publicado no DR/I 28/12/1995.
4. Neste sentido, que é jurisprudência uniforme, entre outros, decidiram os Acs. do S.T.J. de 17MAI2007 (Santos Carvalho), Proc. n.º 071397, de 23MAI2007 (Henriques Gaspar), Proc. n.º 07P1498, de 14MAR2007 (Santos Cabral), Proc. 07P21, e de 15MAR2007 (Pereira Madeira), Proc. n.º 07P610).
5. Acórdão do STJ de 08-01-2014, Processo n.º 7/10.0TELSB.L1.S1, in www.dgsi.pt.
6. Simas Santos e Leal Henriques, in Recursos em Processo Penal, 6ª ed., pág. 74. 7. Acórdão do TRC de 24-04-2018, P. n.º 1086/17.4T9FIG.C1, in www.dgsi.pt
8. Acórdão do STJ, de 98-07-09, Proc. 1509/97, citado por Simas Santos e Leal-Henriques, in Recursos em Processo Penal, Rei dos Livros, 77.
9. A propósito deste vício, veja-se, entre outros, os Acórdãos do TRP de 15.11.2018, do TRC de 24-04-2018 e do STJ de 18.05.2011, todos acessíveis in www.dgsi.pt.
10. Cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 31.05.2007, disponível para consulta no sítio da internet http://www.dgsi.pt.
11. In Forum Iustitiae, Ano I, Maio de 1999.
12. In “O caso Julgado Parcial”, 2002, pág. 37.
13. Cfr, neste sentido, Acórdão do STJ de 15-12-2005, Proc. nº 05P2951 e Ac. do STJ de 9-03-2006, Proc. nº 06P461, acessíveis em www.dgsi.pt
14. (Ramon Ragués i Vallès, El Dolo e su Prueba en Processo Penal, 1999, pág. 237.
15. Neste sentido, o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 29/1/2013, processo n.º 393/09.4TALGS.E1, in www.dgsi.pt.