Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1918/22.5T8CSC.L1-6
Relator: ANTÓNIO SANTOS
Descritores: ACÇÃO DE REIVINDICAÇÃO
CADUCIDADE
ARRENDAMENTO NÃO HABITACIONAL
COMUNICABILIDADE
CÔNJUGE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/18/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: 1 - Tendo sido outorgado – um contrato de arrendamento não habitacional - em 28 de Maio de 1981 e apenas por um dos cônjuges, pacífico é que à data (o que decorria do art.º 44º da Lei nº 2030, de 22.06.48, do nº 1 do art.º 1110º do Código Civil e do art.º 83.º do RAU) o direito do arrendatário não se comunicava ao cônjuge não outorgante.
2. – Após 2006, com a Lei n.º 6/2006, de 27/2 [NRAU], tal situação modificou-se que, pois, que, foi reposto o art.º 1068º, do CC, rezando ele que “O direito do arrendatário comunica-se ao seu cônjuge, nos termos gerais e de acordo com o regime de bens vigente”.
3.Dispondo o art.º 58º, nº 1, da Lei n.º 6/2006, de 27/2, que “O NRAU aplica-se aos contratos celebrados após a sua entrada em vigor, bem como às relações contratuais constituídas que subsistam nessa data, sem prejuízo do previsto nas normas transitórias”, o contrato de arrendamento identificado em 4.1. comunicou-se ao Cônjuge não outorgante.
4. – Em face do referido em 4.3., com o falecimento do Cônjuge outorgante e em 6 de Novembro de 2019, o contrato de arrendamento não cessou por caducidade.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa

1.- Relatório. 
A, B, C, e  D, intentaram acção declarativa de condenação contra E e F, impetrando que, uma vez julgada a acção procedente por provada, seja/m:
a) Declarado que os Autores A e C são os donos e legítimos proprietários do imóvel sito na Rua …, n.º .., R/C Loja 24, Oeiras, fracção autónoma designada pela letra A, inscrita na matriz predial sob o artigo …, e descrita sob o número …, Livro 12, Bloco E, 74/19790206-A, da União das Freguesias de Oeiras e São Julião da Barra, Concelho de Oeiras, com o valor patrimonial de €81.308,38;
b) Reconhecida, nos termos do artigo 1051.º, alínea d), do Código Civil, a caducidade do Contrato de Arrendamento para Fins Não Habitacionais mencionado no artigo 3.º da Petição inicial;
c) Reconhecida a inexistência legal para transmissão do referido Contrato de Arrendamento para Fins Não Habitacionais aos herdeiros do arrendatário, mormente a inexistência legal para a transmissão deste às Rés.
d) Considerado como impugnados os depósitos a título de rendas efectuados pelas Rés junto da Caixa Geral de Depósitos;
e) As Rés condenadas a reconhecer o referido direito de propriedade dos Autores, e a restituir-lhes, no prazo de 15 dias, o referido imóvel devoluto de pessoas e bens.
f) As Rés condenadas no montante de mensal de €350,00 (trezentos e cinquenta euros), a pagar aos Autores, desde 6 de Maio de 2020 até 9 de Março de 2022, data que foram interpeladas para a entrega do imóvel, o que perfaz, nesta data, o montante de €7.700,00 (sete mil e setecentos euros), a título de indemnização pela ocupação indevida.
g) As Rés condenadas no montante de mensal de €1.000,00 (mil euros), a pagar aos Autores, desde 9 de Março de 2022, data que foram interpeladas para a entrega do imóvel, até efectiva entrega do imóvel, a título de indemnização pela ocupação indevida.
1.1- Para tanto alegaram os AA, em síntese, que;
- Os Autores A e C são os donos e legítimos proprietários do imóvel sito na Rua …, n.º ..., R/C Loja 24, em Oeiras, sendo que a aludida propriedade foi-lhes transmitida em 21/11/1988 através de partilha, após dissolução e liquidação da sociedade comercial denominada “Sociedade Nova Oeiras, Limitada”;
- O referido imóvel, porém, foi em 28/5/1981, e por Escritura Pública, dada de arrendamento pela referida sociedade comercial a ASC, através de Contrato de Arrendamento para Fins Não Habitacionais, tendo doravante o locado sido utilizado pelo arrendatário como loja, e no exercício da sua actividade empresarial, nomeadamente negócio de artes gráficas.;
- Ocorre que o arrendatário - ASC – veio a  falecer em 6/11/2019, facto que aos autores não foi comunicado pelas RR [esposa e filha do falecido], mas, logo que do falecimento tiveram conhecimento, comunicaram às ora Rés [a E e F - a primeira na qualidade de cabeça de casal e herdeira e a segunda na qualidade de herdeira] e por carta de 9 de Março de 2022 que o Contrato de Arrendamento havia caducado em 6/11/2019, pelo que deviam de proceder à entrega do imóvel livre de pessoas e bens no prazo de 15 dias;
- Contudo, as Rés não procederam à entrega do imóvel [antes foram notificados, pelas Rés, do depósito bancário do valor da renda junto da Caixa Geral de Depósitos como se existisse um contrato de arrendamento válido], e isto apesar de não existir já um qualquer contrato de arrendamento válido [porque o que existia caducou pelo falecimento do arrendatário];
- Ao não entregarem aos AA o imóvel que lhes pertence, não está o mesmo a ser explorado para os fins que pode ser explorado, apresentando ele de resto já elevadas deteriorações de não uso, sendo que neste momento, no mercado de arrendamento, facilmente os Autores conseguiriam arrendar o mesmo por valores compreendidos entre os €800,00 e os €1.500,00 mensais.
1.2- Citadas ambas as RR, apenas a Ré E veio apresentar contestação, deduzindo no essencial defesa por impugnação motivada [aduzindo v.g. que os Autores não ignoravam o falecimento de ASC e, ademais, sendo a 1ª Ré casada no regime de comunhão geral de bens com o falecido, então o arrendamento constituía bem comum do casal, sendo que ambas as RR mantiveram a actividade por aquele desenvolvida no locado], e pugnando no sentido de ser declarado que o arrendamento dos autos não se extinguiu com a morte de ASC [em razão do regime patrimonial de casamento celebrado (comunhão geral) entre ele e a Ré E], mantendo-se plenamente em vigor, logo, impondo-se a improcedência da acção.
1.3. – Após resposta à contestação [admitida em parte], considerou-se disporem os autos dos elementos necessários para se conhecer do mérito da causa, sem necessidade da audiência de julgamento, tendo as partes [notificadas para o efeito] vindo informar que renunciavam à arguição de nulidade por falta da realização da diligência de Audiência Prévia, a que alude o n.º 1, do artigo 591.º, do Código de Processo Civil e, vindo igualmente ambas as partes a apresentarem as suas Alegações sobre o mérito da causa.
1.4. – Por fim, e conclusos os autos para o efeito, veio então (a 10/11/2023) a ser proferido o competente saneador/sentença, sendo o respectivo excerto decisório do seguinte teor:
“(...)
DECISÃO
Pelo exposto:
 julgo a acção parcialmente procedente por provada e, em consequência, declaro que os Autores B e C são donos e legítimos proprietários do imóvel sito na Rua …, n.º …, R/C Loja 24, Oeiras, fracção autónoma designada pela letra A, inscrita na matriz predial sob o artigo …, e descrita sob o número …, Livro 12, Bloco E, 74/19790206-A, da União das Freguesias de Oeiras e São Julião da Barra, Concelho de Oeiras, com o valor patrimonial de € 81.308,38;
 julgo procedente por provada a excepção peremptória impeditiva aduzida pela Ré E e, consequentemente, absolvo as Rés E e F dos pedidos contra elas formulados pelos Autores A, B, C e D, nas alíneas b) e c) e na segunda parte da alínea e) do petitório.
absolvo as Rés E e F, dos demais pedidos contra elas formulados pelos Autores A, B, C e D.
Custas pelos Autores e pelas Rés, na proporção de 5/6 para os primeiros e de 1/6 para as segundas, sem prejuízo do apoio judiciário de que estas beneficiam.
Cascais,”
1.5. - Notificados da sentença identificada em 1.4, e da mesma discordando, vieram então os AA A, B, C e D, interpor a competente APELAÇÃO, terminando as respectivas alegações com as seguintes conclusões:
1. O douto Despacho Saneador/Sentença julgou procedente por provada a excepção peremptória impeditiva aduzida pela Ré E e, consequentemente, absolveu as Rés dos pedidos contra elas formulados pelos Autores, ora Recorrentes, nas alíneas b) e c) e na segunda parte da alínea e) da Petição Inicial.
2. Mais absolveu as Rés dos demais pedidos contra elas formulados pelos Autores, ora Recorrentes.
3. Douta Decisão, com a qual os Autores, ora Recorrentes, com o devido respeito, não podem concordar.
4. Pois, tal douta Decisão fundamenta-se, essencialmente, em que Ré E, em virtude do regime de bens vigente à data do seu casamento é titular do direito ao arrendamento nos termos do artigo 1068.º, do Código Civil, prevendo que “ o direito do arrendatário se comunica ao seu cônjuge, nos termos gerais e de acordo com o regime de bens vigente”.
5. Contudo, não basta esta disposição legal para se aplicar à Ré, mormente o regime de casamento à data da celebração do contrato de arrendamento.
6. Sendo que o douto Tribunal a quo deveria ter observado o disposto no artigo 58.º, do NRAU.
7. Pois, quando o contrato de arrendamento com fim não habitacional foi celebrado, regia-se pelas regras anteriores ao Decreto-Lei 257/95, de 30 Setembro, sendo hoje estes contratos atendidos às regras previstas pela Lei 6/2006, de 27 de Fevereiro (NRAU).
8. Levando aplicar aos contratos não habitacionais celebrados antes do RAU quer depois.
9. Sucede que o óbito do primitivo arrendatário, marido da primeira Ré e pai da segunda Ré, ocorreu durante a vigência do Novo Regime do Arrendamento Urbano, devendo ser aplicado o regime previsto nas normas transitórias, em observação dos artigos 26.º, 27.º e 58.º, da Lei 6/2006, de 27 de Fevereiro.
10. Não sendo, ainda, despiciendo, de observar, o douto Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 5 de Junho de 2012, in www.dgsi.pt (Proc. 1607/09.6TVPRT.P2) que infere: “I - Quando em contrato de arrendamento para fins não habitacionais o arrendatário morrer após a entrada em vigor do NRAU a regra passa a ser, nestes casos, a caducidade do contrato. II – De acordo com a parte final do n° l do art.º 58° do NRAU, a transmissão do arrendamento constitui uma excepção - que se verifica apenas quando ao arrendatário sobreviva sucessor que, no período correspondente aos três últimos anos de vida daquele, explorou, em comum com o arrendatário, o estabelecimento instalado no local.”
11. Pelo que, nessa senda, é bem patente, que de acordo com o disposto do n.º 1, do artigo 58.º, do NRAU (Lei 6/2006, de 27 de Fevereiro) “ o arrendamento para fins não habitacionais termina com a morte do primitivo arrendatário, salvo existindo sucessor que há mais de três exerça profissão liberal ou explore estabelecimento comercial, no local, em comum com o arrendatário primitivo.”
12. Ora, conforme resulta dos autos, não foi produzida qualquer prova que, qualquer das Rés, e principalmente a Ré E exercessem qualquer profissão liberal ou explorassem o estabelecimento comercial, no local, em comum com o arrendatário primitivo.
13. Pelo que, entre outros, e no que concerne à matéria de facto, o douto Tribunal a quo deveria ter dado como provado que as Rés não exerciam qualquer profissão liberal ou explorassem o estabelecimento comercial, no local, em comum com o arrendatário primitivo.
14. Ou em alternativa, ter o douto Tribunal a quo acrescentado na fundamentação de facto matéria dada como não provada e feito constar que: “1 – Não resultou provado que as Rés exercessem qualquer profissão liberal ou explorassem o estabelecimento comercial, no local, em comum com o arrendatário primitivo. 2 – Não resultou provado que as Rés tivessem qualquer rendimento para o seu sustento ou alguma outra vantagem económica no locado.”
15. Sendo de referir que na esteira do elencado em sede de Petição Inicial, que o imóvel em questão há mais de 10 anos se encontra encerrado sem vestígios de qualquer actividade comercial ou outra qualquer actividade.
16. Factualidade que é constatada pela vizinhança.
17. Ora, como está amplamente observado e provado, estamos no caso em crise perante um contrato de arrendamento para fins não habitacionais e nessa senda não será de aplicar o artigo 1068.º, do Código Civil.
18. O que leva os Recorrentes, salvo melhor opinião, a concluir que a Ré E tem vindo aproveitar-se do seu regime de casamento para ter proveito do direito ao arrendamento que seu falecido marido tivera pelo exercício da sua actividade comercial naquele local, resultando claramente um manifesto abuso de direito.
19. E nesse sentido a exceder os limites impostos pela boa-fé e pelo próprio fim social e económico desse direito, a que alude o artigo 334.º, do Código Civil.
20. É claro que a Ré não exerce a actividade comercial indicada no contrato de arrendamento e o regime de casamento não é suficiente para que esta tenha o direito ao arrendamento conforme indica a norma do artigo 1068.º, do Código Civil.
21. E em harmonia com o artigo 58.º, do NRAU, é certo que no caso em apreço a manutenção do contrato de arrendamento deixou de fazer sentido, a partir do momento que o arrendatário primitivo faleceu e consequentemente se deu a caducidade do contrato de arrendamento.
22. Pois, a norma prevista no artigo 1068.º, do Código Civil no caso concreto não pode ser aplicada em primazia por violação ao princípio da especialidade – artigo 58.º, do NRAU – enquanto princípio geral do direito, ou seja, de acordo com disposto do n.º 3, do artigo 7.º, do Código Civil.
23. Como, mais se verificou, as Rés não fizeram prova da exploração do estabelecimento comercial e nunca comunicaram aos Autores, ora Recorrentes, a morte do arrendatário primitivo nos termos da lei.
24. Nem a transmissão da vontade de continuar a explorar conforme indica o n.º 2 do artigo 58.º, do NRAU, não preenchendo o requisito exigível para que se opere a transmissão do arrendamento.
25. Podemos alvitrar que o legislador, aqui, quis garantir a subsistência de quem explorou em comum a actividade comercial com, pelo menos, três anos com o arrendatário primitivo.
26. Contudo, seria necessário que as Rés exercessem de facto e em comum a actividade com habitualidade durante esse período.
27. O que, uma vez mais, se refere que não ocorreu.
28. Pois, a verdade é que não exercem, nem nunca exerceram, nem exploram, nem nunca exploraram, em comum, actividade comercial com o arrendatário primitivo.
29. Sendo, ainda, não foi sequer produzida qualquer prova que as Rés possuem conhecimentos na área da actividade do primitivo arrendatário, na esteira e ao encontro da opinião da Professora Maria Olinda Garcia.
30. Ainda, nesta linha, será de observar o douto Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 30 de Novembro de 2022, in www.dgsi.pt que infere: “(…) 4. Nos termos do art.º 58º, nº 1 da Lei nº 6/2006, de 27.02 (que aprovou o NRAU), para que ocorra a transmissão do arrendamento por morte do primitivo inquilino nos contratos de arrendamento para exercício de profissão liberal, é necessário que o herdeiro transmissário exerça a mesma atividade no locado, em comum com o inquilino. 5. Não ocorrendo tal situação, o contrato de arrendamento caduca em virtude da morte do arrendatário. 6. Nos termos do art.º 1053º do CCivil, em caso de caducidade por morte do inquilino, a restituição só pode ser exigida decorridos que sejam 6 meses após a verificação do facto que determinou a caducidade, devendo a renda ser paga durante esse período de tempo. 7. Após o decurso daqueles 6 meses, a ocupação passa a constituir um ato ilícito suscetível de fundamentar um pedido de indemnização nos termos do art.º 483º do CCivil.” - [Negrito e Sublinhado Nosso]
31. Sendo ainda, de observar, o estudo efectuado pelos Srs. Drs. Manteigas Martins, A. Raposo Subtil e Luís Filipe Carvalho, acerca do NRAU, mais concretamente no Manual “O Novo Regime do Arrendamento Urbano”, Vida Económica, 2006, que, em sumula concluem que a aludida expressão seja interpretada no sentido de abranger os familiares do arrendatário que, com ou sem remuneração, trabalhavam no estabelecimento e dele retiravam o seu sustento.
32. Ora, face no locado não ser há mais de 10 anos exercida qualquer actividade, logo nem às Rés, nem ninguém, podem retirar qualquer sustento para si ou para terceiros.
33. Nesse sentido, o Tribunal a quo, com o devido respeito, não poderia ter desconsiderado a aplicação da norma prevista do artigo 58.º, do NRAU para lançar mão da norma do artigo 1068.º, do Código Civil sem primeiro ter avaliado o caso concreto de acordo com a prova produzida e não produzida.
34. Como está bem demonstrado e foi dado como provado não se trata de um contrato de arrendamento habitacional em que o que se protege é a casa demorada de família em que aplicação e análise do mesmo deve ter outros cuidados como se pode verificar na maioria da jurisprudência e doutrina relativa ao artigo 1068.º, do Código Civil, mas sim de um contrato de arrendamento para fins não habitacionais.
35. Pelo que, nessa senda, está bem patente, salvo melhor opinião, que não se aplicam aos contratos de arrendamento para fins não habitacionais as regras previstas para os contratos de arrendamento para fins habitacionais.
36. Devendo, atendendo ao caso concreto e factual, fazer-se uma melhor interpretação das normas previstas do artigo 58.º, do NRAU, e dos artigos 334.º, 1051.º, 1068.º e 1079.º, do Código Civil.
37. Pelo que, nessa esteira, deve a douta Decisão de que se recorre, mormente o douto Despacho Saneador ser revogado e substituído por outro que declare a caducidade do direito ao arrendamento e ordene a restituição do prédio, assim repondo o necessário equilíbrio e norteador do Direito e da Justiça!
38. E ainda que condene as Rés, para além do mais, ao pagamento da indemnização peticionada pelos Autores, ora Recorrentes.
39. Ora, sem prescindir, é ainda de atentar na admissão, pelo douto Tribunal a quo, da Contestação apresentada pela Rés, mormente por podermos estar perante uma apresentação extemporânea da mesma.
Pois, ora vejamos:
40. O prazo para apresentação da sua Contestação terminaria em 9 de Janeiro de 2023, contudo vem a Ré E apresentar pedido de apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo e nomeação de patrono.
41. Contudo, vêm as Rés, em 26 de Junho de 2023, a constituírem Ilustre Mandatário.
42. E nessa mesma data apresentam Contestação subscrita pelo Ilustre Mandatário constituído.
43. Sucede, que a Ré E tinha requerido apoio judiciário na modalidade também de nomeação de Patrono pela Ordem dos Advogados, oque levou, nesses termos, à suspensão do prazo para Contestação que estava a decorrer.
44. Por sua vez, sucede que quando um Requerente de apoio judiciário fazendo descaso da nomeação de Patrono, devidamente requerida, vem a constituir Mandatário voluntário, sendo este que apresenta a Contestação, deve a mesma considerar-se extemporânea, devendo ser mandada desentranhar.
45. Mormente, no sentido do que infere o douto Acórdão do Tribunal de Relação de Coimbra, de 1 de Outubro de 2013, in www.dgsi.pt (Proc. 4550/11.5T2AGD.C1): “I – A interrupção do prazo para contestar decorrente da apresentação de requerimento de apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono, prevista no artigo 24º, nº 3 da Lei nº 34/2004, de 29 de Julho, só se torna efectiva como interrupção desse prazo, no caso de ao requerente ser nomeado mandatário, pela apresentação da contestação por esse mandatário. II – Assim, se os requerentes dessa nomeação, dela fazendo descaso, constituem paralelamente um mandatário voluntário, sendo este quem apresenta a contestação no prazo que caberia, em função da interrupção, ao patrono oficioso, considera-se essa contestação extemporânea, devendo ser mandada desentranhar.” - [Negrito e Sublinhado Nosso]
46. Sendo que, podemos ainda observar o que nos diz o douto Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 25 de Junho de 2019, in www.dgsi.pt(Proc. 156/18.6T8NZR-A.C1): “(…) III - O referido regime de interrupção de prazo processual apenas colhe efeitos dentro do referido regime de apoio judiciário, como um todo, não se podendo entender, assim se nos afigura, que tal regime possa ser desvirtuado ou usado de forma a dele apenas se colher o benefício da referida interrupção de prazo processual, para, dessa forma, o beneficiário do apoio poder contestar ou articular fora dos prazos processuais convencionais aplicáveis, mediante representante forense que não é o que lhe foi nomeado pela Ordem dos Advogados. IV - Se o requerente dessa nomeação, dela fazendo descaso, constitui paralelamente um mandatário voluntário, sendo este quem apresenta a contestação no prazo que caberia, em função da interrupção, ao patrono oficioso, considera-se essa contestação extemporânea, devendo ser mandada desentranhar.” - [Negrito e Sublinhado Nosso]
47. E ainda, veio o douto Tribunal da Relação de Lisboa, se pronunciar no douto Acórdão de 17 de Dezembro de 2008 in www.dgsi.pt (Proc. 9829/2008-6) que para além do mais infere: “(…) 5ª – Admitir a interrupção do prazo a favor do requerente do apoio judiciário, mesmo depois de vir a constituir mandatário judicial, constituiria uma ostensiva violação do princípio da igualdade, consagrado constitucionalmente, bem como na lei processual, porquanto estar-se-ia a admitir que qualquer cidadão que, no decurso de uma acção requeresse apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono e, a posteriori, constituísse mandatário judicial nos autos, teria um prazo acrescido de exercício do seu direito em relação aos demais cidadãos que, desde o início da acção, constituíssem mandatário judicial.”
48. Nessa senda, e salvo melhor opinião, não devia a Contestação apresentada pela Rés ter sido admitida ou ter sido tida em consideração, pelo douto Tribunal a quo, na prolação do douto Despacho Saneador que versa o presente Recurso.
49. E nesse sentido, todos os factos alegados pelos Autores, ora Recorrentes terem sido dado como provados, nos termos do n.º 1, do artigo 567.º, do Código de Processo Civil.
Pelo exposto e nos mais de Direito que Vossas Excelências Venerandos Desembargadores suprirão deve a decisão que consta do douto Despacho Saneador ser revogada e substituída por outra, na parte recorrida:
a) Que reconheça, nos termos do artigo 1051.º, alínea d), do Código Civil, a caducidade do Contrato de Arrendamento para Fins Não Habitacionais e ainda artigo 58.º, do NRAU (Lei 6/2006, de 27 de Fevereiro).
b) Que reconheça a inexistência legal para transmissão do referido Contrato de Arrendamento para Fins Não Habitacionais aos herdeiros do primitivo arrendatário, mormente a inexistência legal para a transmissão deste às Rés.
c) Que sejam considerados impugnados os depósitos a título de rendas efectuados pelas Rés junto da Caixa Geral de Depósitos.
d) Que sejam as Rés condenadas restituir aos Autores, no prazo de 15 dias, o referido imóvel devoluto de pessoas e bens.
e) Que as Rés sejam condenadas, a pagar aos Autores, o montante de mensal de €350,00 (trezentos e cinquenta euros), desde 6 de Maio de 2020 até 9 de Março de 2022, data que foram interpeladas para a entrega do imóvel, o que perfaz o montante de €7.700,00 (sete mil e setecentos euros), a título de indemnização pela ocupação indevida.
f) Que as Rés sejam condenadas, a pagar aos Autores, o montante de mensal de €1.000,00 (mil euros), desde 9 de Março de 2022, data que foram interpeladas para a entrega do imóvel, até efectiva entrega do imóvel, a título de indemnização pela ocupação indevida.
Sendo que, para o efeito, e para além do mais, carece de ser alterada a matéria de facto em que deve ser aditado os factos dados como não provados seguintes:
1 – Não resultou provado que as Rés exercessem qualquer profissão liberal ou explorassem o estabelecimento comercial, no local, em comum com o arrendatário primitivo.
2 – Não resultou provado que as Rés tivessem qualquer rendimento para o seu sustento ou alguma outra vantagem económica no locado.
Reclamando-se assim a acostumada JUSTIÇA.
1.6. – Com referência à apelação identificada em 1.5., vieram as RR/apeladas apresentar contra-alegações, impetrando a confirmação da sentença recorrida, para tando deduzindo as seguintes conclusões:
1. Sendo as conclusões uma cópia fiel das Alegações, deve o presente recurso ser rejeitado, liminarmente, com as legais consequências.
2. Os AA demandaram as RR, pedindo, além do mais, se declarasse a caducidade do Contrato de Arrendamento para Fins Não Habitacionais celebrado, por banda do arrendatário, pelo falecido marido da Ré E, com quem ela foi casada na comunhão geral (facto constante de registo de acesso público à distância de um computador ligado à internet, que os AA não podiam, nem deviam ter ignorado).
3. A simples alegação do facto (regime de casamento de comunhão geral entre o falecido arrendatário e a sua mulher, Ré nesta acção), enquanto motivo de não caducidade do arrendamento não habitacional, bastaria para que os AA abrissem os olhos (e as pestanas), desistindo desta parte do seu pedido.
4. A Sentença recorrida não merece, pois, reparo nem censura, devendo ser confirmada, por ter aplicado, com a máxima justiça, o direito aos factos.
5. Ao terem deduzir uma pretensão recursiva sem qualquer fundamento legal (pelo menos, à luz do direito vigente), os AA ligam de má-fé, devendo ser exemplarmente condenados em multa e em indemnização, que inclua honorários de advogados em montante nunca inferior a Euro 5000 (+IVA).
Pedido:
Termos em que improcedendo a Apelação dos AA, pugna-se, aqui, pela prolacção de Acordão que, confirmando integralmente a Sentença recorrida, condene os AA, como litigantes de má fé, em multa e em indemnização à parte contrária, que inclua honorários de advogados em montante nunca inferior a Euro 5000 (+IVA).
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Thema decidenduum
2. - Colhidos os vistos, cumpre decidir, sendo que, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões [daí que as questões de mérito julgadas que não sejam levadas às conclusões da alegação da instância recursória, delas não constando, têm de se considerar decididas e arrumadas, não podendo delas conhecer o tribunal de recurso] das alegações dos recorrentes (cfr. artºs. 635º, nº 3 e 639º, nº 1, ambos do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho), e sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, as questões a apreciar e a decidir são as seguintes:
A) Aferir se em sede de sentença proferida pelo tribunal a quo obrigado estava o Exmº Julgador em considerar como extemporânea a contestação pelas RR apresentada [maxime pela Ré E], e nesse sentido, deverem todos os factos alegados pelos Autores, ora Recorrentes, serem dados como provados, nos termos do n.º 1, do artigo 567.º, do Código de Processo Civil.
B) Aferir se a decisão de facto proferida pelo tribunal a quo se impõe ser alterada, sendo designadamente julgado como:
i)PROVADO” que: “as Rés não exerciam qualquer profissão liberal ou exploravam o estabelecimento comercial, no local, em comum com o arrendatário primitivo”;
ii)NÃO PROVADO que: 1 - “as Rés exerciam uma profissão liberal e/ou exploravam o estabelecimento comercial, no local, em comum com o arrendatário primitivo”; 2 - “as Rés retiravam rendimentos para o seu sustento e/ou vantagens económicas do locado.”
C) Aferir se, em razão da factualidade assente, forçosa é a revogação da sentença apelada, sendo a mesma substituída por outra que reconheça que não se operou a transferência para as recorridas da posição de arrendatário que dispunha o falecido ASC;
D)  Aferir se, no seguimento do referido em C, deve a apelação proceder no tocante ao reclamado reconhecimento da caducidade do contrato de arrendamento que fora celebrado pelo falecido ASC;
E) Aferir se, no seguimento do referido em D, deve a apelação proceder igualmente no tocante à reclamada restituição do prédio, e, bem assim, à condenação das Rés no pagamento às AA das seguintes quantias:
i) o montante de mensal de €350,00, desde 6 de Maio de 2020 até 9 de Março de 2022, data que foram interpeladas para a entrega do imóvel, o que perfaz o montante total de €7.700,00, a título de indemnização pela ocupação indevida.
ii) o montante de mensal de €1.000,00, desde 9 de Março de 2022, data que foram interpeladas para a entrega do imóvel, até efectiva entrega do imóvel, a título de indemnização pela ocupação indevida.
F) Decidir se – e porque em rigor deduzem os AA uma pretensão recursiva sem qualquer fundamento legal - os AA ligam de má-fé, devendo ser exemplarmente condenados em multa e em indemnização, que inclua honorários de advogados em montante nunca inferior a Euro 5000 (+IVA).
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2. - Motivação de Facto.
O tribunal a quo, no âmbito do SANEADOR/SENTENÇA apelado, fixou a seguinte FACTUALIDADE:
A) PROVADA
2.1. - ASC e a Ré E casaram um com o outro em 23 de Fevereiro de 1957.
2.2.- A Ré F é filha de ASC e da Ré E.
2.3. - Em escritura pública lavrada a 28 de Maio de 1981, B e FDP « (…) ambos em representação da sociedade civil por quotas de responsabilidade limitada denominada “NOVA OEIRAS LIMITADA” (…) » e ASC, declararam, respectivamente, « (…) Que, pela presente escritura e nas qualidades em que outorgam, em nome da sua representada, “N… Limitada”, dão de arrendamento ao segundo outorgante (…) a LOJA número vinte e quatro, que faz parte do prédio designado por BLOCO E, com os números … de polícia, situado no Bairro Residencial Nova Oeiras, Centro Comercial, freguesia e concelho de Oeiras, inscrito na matriz sob o artigo número ….
Que o arrendamento é feito nos termos e sob as cláusulas constantes dos artigos seguintes:
ARTIGO SEGUNDO: - A loja destina-se ao exercício da indústria de artes gráficas.
ARTIGO TERCEIRO: - A renda mensal é de NOVE CONTOS (…)» e que «(…) aceita o presente contrato de arrendamento nos termos exarados (…)».
2.4. - Pela ap. n.º 5 de 21 de Novembro de 1988 da ficha n.º 74/19790206 – A da 1.ª Conservatória do Registo Predial de Oeiras, a loja referida na escritura pública parcialmente reproduzida no ponto n.º 2.2 está registada a favor dos Autores por partilha após dissolução e liquidação da sociedade ali mencionada.
2.5. - ASC faleceu a 6 de Novembro de 2019, no estado de casado com a Ré E.
2.6. - Os Autores recusam receber as retribuições referidas na escritura pública parcialmente reproduzida no ponto n.º 2.2.
2.7. - As Rés têm procedido ao depósito da retribuição referida na escritura pública parcialmente reproduzida no ponto n.º 2 junto da “Caixa Geral de Depósitos”.
2.8. - As Rés, apesar de interpeladas para o efeito, não procederam à entrega da loja referida na escritura pública parcialmente reproduzida no ponto n.º 2.2..
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3.- MOTIVAÇÃO DE DIREITO.
3.1. - Se em sede de sentença proferida pelo tribunal a quoobrigado” estava o Exmº Julgador em considerar como extemporânea a contestação apresentada pela Ré E, e, consequentemente, em “julgarcomo provados todos os factos alegados pelos Autores, ora Recorrentes, nos termos do n.º 1, do artigo 567.º, do Código de Processo Civil.
Vêm os autores, nas conclusões recursórias nºs 39º a 49º, invocar que não devia a Contestação apresentada pela Rés ter sido admitida ou ter sido tida em consideração, pelo douto Tribunal a quo, na prolação do douto Despacho Saneador que versa o presente Recurso, impondo-se assim considerar como provados todos os factos alegados pelos Autores, ora Recorrentes, nos termos do n.º 1, do artigo 567.º, do Código de Processo Civil.
Para tanto, alegam os recorrente que, sendo certo que a Ré E deduziu pedido de apoio judiciário – designadamente na modalidade de nomeação de patrono - após a sua citação para contestar, o que implicou a interrupção do prazo para o referido efeito em curso, a verdade é que veio a fazer descaso da nomeação de Patrono, devidamente requerida, constituindo Mandatário voluntário, e sendo este último que veio a apresentar a Contestação, logo, devia a mesma ter sido considerada extemporânea, devendo ser mandada desentranhar.
A amparar o entendimento acabado de explanar e vertido nas conclusões recursórias, invocam os apelantes diversas Decisões da 2ª instância, designadamente um Acórdão do Tribunal de Relação de Coimbra, de 1 de Outubro de 2013, nele se tendo concluído que: “I – A interrupção do prazo para contestar decorrente da apresentação de requerimento de apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono, prevista no artigo 24º, nº 3 da Lei nº 34/2004, de 29 de Julho, só se torna efectiva como interrupção desse prazo, no caso de ao requerente ser nomeado mandatário, pela apresentação da contestação por esse mandatário. II – Assim, se os requerentes dessa nomeação, dela fazendo descaso, constituem paralelamente um mandatário voluntário, sendo este quem apresenta a contestação no prazo que caberia, em função da interrupção, ao patrono oficioso, considera-se essa contestação extemporânea, devendo ser mandada desentranhar.”
Quid júris?
Adiantando desde já o nosso veredicto, é de alguma forma manifesto que a questão que os recorrentes suscitam quod primo na apelação [o que nunca o fizeram no âmbito da legal tramitação dos autos], não pode de todo ser apreciada e atendida no âmbito da presente instância recursória.
Desde logo porque ao fazê-lo apenas agora,  estão os apelantes em rigor a suscitar perante o tribunal de recurso uma questão nova, a qual, prima facie [apesar de, e de acordo com doutrina reputada (1), pelo tribunal a quo poder e dever ser apreciada oficiosamente, e desde que para tanto disponha de todos os elementos para decidir pelo desentranhamento da contestação em razão da respectiva extemporaneidade] não pode por este tribunal ser conhecida/apreciada - com base designadamente no princípio da estabilidade da instância – pois que vedado nos está conhecer e decidir o que, anteriormente, o não foi [pelo tribunal a quo], designadamente por falta de atempada invocação . (2)
É que, neste conspecto importa não olvidar que no nosso direito adjectivo a função do recurso ordinário tem como desiderato a reapreciação de uma decisão recorrida, sendo o respectivo modelo adoptado o da reponderação, que  não o de reexame (3), o que equivale a dizer que como efectivo meio impugnatório de decisões judiciais, a interposição do recurso apenas vai desencadear a reapreciação do decidido [o tribunal de recurso vai reponderar a decisão tal como foi proferida], não comportando ele o ius novarum, ou seja, a criação de decisão sobre matéria que não tenha sido submetida (no momento e lugar adequado) à apreciação do tribunal  a quo (nova, portanto).
Depois, e ainda que se entenda que de questão recursória se trata que pode e deve por este tribunal ser apreciada, estamos em crer que do processado nos autos decorre ter existido um julgamento implícito [nos termos do artigo 608º, nº. 2 do Código de Processo Civil] em relação à tempestividade da contestação apresentada por E], justificando-se considerar ter-se formado caso julgado formal em relação a tal matéria – Cfr. art.º 620º, do CPC.
Para tanto, recorda-se que é admitido o chamado “caso julgado implícito”, quando a afirmação que faz caso julgado impõe, como consequência necessária, outra a que o caso julgado se alarga../../../../../Documents and Settings/acapricho/Ambiente de trabalho/1. Final Rev. 120.13.1.docx - _ftn8 (4), sendo que por decisão implícita há-de considerar-se aquela que está subentendida numa decisão expressa, o que acontece quando a solução da questão que sobre ela recaiu pressupõe a prévia resolução de uma outra questão que, todavia, não foi expressamente abordada/assumida (5).
Ora, neste conspecto, recorda-se que nos autos, em 12/9/2023, foi proferido DESPACHO [refª nº 146176880] que, além do mais, decidiu e determinou o seguinte:
“1. Ref.ª 23117188: Posto que o pedido de concessão de apoio judiciário formulado pela E deu efectivamente entrada nos competentes serviços do Instituto de Segurança Social, I.P. no decurso do prazo para contestar, declaro interrompido esse prazo (n.º 4 do artigo 24.º da Lei n.º 34/2004 de 29 de Julho).
2. Ref.ª 23591197: Declaro cessada a interrupção do prazo para contestar (alínea b) do n.º 5 do artigo 24.º da Lei n.º 34/2004 de 29 de Julho).
(…)
5. Cumpra, oportunamente, o determinado no n.º 1 do artigo 575.º do Código de Processo Civil.”
Isto posto, e porque a contestação da Ré foi apresentada nos autos a 26/6/2023 [Refª 45964635], temos para nós que do referido despacho de 12/9/2023 decorre o julgamento implícito direcionada para a tempestividade da contestação, a que acresce que, não apenas as AA [na resposta à contestação] vêm implicitamente aceitar a tempestividade da contestação [aduzindo que apenas se encontra em falta o pagamento da  taxa de justiça devida pela apresentação da contestação], como em novo despacho do tribunal a quo e datado de 19/10/2023 [Refª 146968097], volta o Primeiro Grau a julgar implicitamente como válida e operante nos autos a contestação apresentada nos autos a 26/6/2023 [quer ao expressis verbis concluir pela intempestividade, apenas, da contestação apresentada pela Ré F, quer porque de seguida aprecia e decide da eventual “nulidade” do acto de “resposta” dos Autores em relação à contestação apresentada pela Ré E, considerando-se v.g. ser de admitir tal resposta na parte em que impugnam os AA o alegado pela Ré E na contestação apresentada e susceptível de integrar defesa por excepção] .
Last but Not Least, sempre se adianta que é nosso entendimento que em principio nada obsta a que A interrupção do prazo para deduzir oposição à acção de que beneficia o réu que formulou pedido de apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono, mantém-se, por norma, mesmo que o réu constitua mandatário nesse período”(6), sendo que, in casu,  a constituição de mandatário apenas tem lugar [em 26/6/2023] apos a prolação de decisão [que é de 7/6/2023] do ISS de indeferimento do pedido de apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono [situação que não permite considerar que o pedido de apoio judiciário foi deduzido apenas com o intuito – com o manifesto desiderato de defraudar a lei – de beneficiar indevidamente do alargamento/interrupção do prazo para contestar].
Sem necessidade de mais, eis porque improcedem as conclusões recursórias das AA e acabadas de apreciar.
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3.2. - Se a decisão de facto proferida pelo tribunal a quo se impõe ser alterada.
É entendimento das apelantes [conforme o teor das conclusões recursórias nºs 13 e 14], que podia e devia o tribunal a quo ter julgado como estando “PROVADO” que “as Rés não exerciam qualquer profissão liberal ou exploravam o estabelecimento comercial, no local, em comum com o arrendatário primitivo ”, ou, então, como  “NÃO PROVADO que: 1 - “as Rés exerciam uma profissão liberal e/ou exploravam o estabelecimento comercial, no local, em comum com o arrendatário primitivo”; 2 - “as Rés retiravam rendimentos para o seu sustento e/ou vantagens económicas do locado.”.
Não tendo in casu tido lugar qualquer acto de instrução [maxime no âmbito de audiência de julgamento], a pretensão das apelantes e ora em análise apenas poderá ser atendida, e compreensivelmente apenas na vertente positiva [como facto “provado”, pois que cessando a instância por saneador/sentença, sem produção de prova, não faz sentido que a decisão de facto integre factualidade “não provada”, maxime para efeitos do disposto no art.º 342º, nºs 1 e 2, do CC], desde que tenha o tribunal a quo incorrido em violação de uma qualquer regra vinculativa decorrente do direito probatório, v.g. se foi desatendida uma qualquer declaração confessória constante de documento ou resultante do processo (art.º 358º, do CPC e artºs 567º e 463º, ambos do CPC), ou um acordo estabelecido entre as partes nos articulados (cfr. artºs 573º e 574º, ambos do CPC).
 Ora, compulsados os autos, maxime o conteúdo dos articulados atravessados nos autos, constata-se que, se na petição inicial alegaram os AA que:
 26.º
Já durante o presente mês de maio de 2022, chegou ao conhecimento dos Autores que o arrendatário, muito antes de falecer, já tinha encerrado a actividade profissional que exercia no imóvel em crise.
27.º
Mais se concluindo, através da vizinhança e dos transeuntes, que o encerramento do estabelecimento e a consequentemente inexistência de qualquer actividade relacionada com artes gráficas ou outra, ocorreu, seguramente, há mais de 10 anos (pelo menos desde 2012),
certo é que a referida factualidade foi pela Ré E impugnada motivadamente na contestação apresentada, de resto alegando [qual matéria de excepção dirigida para causa de pedir dos AA alicerçada em alegada caducidade do arrendamento por morte no arrendamento para fins não habitacionais e subsequente transmissão do vínculo nos termos do art.º 58º, nº 1, do NOVO REGIME DO ARRENDAMENTO URBANO (NRAU), aprovado pela Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro] nos art.ºs 9 a 17 que entre 1981 e o ano de 2019, as tarefas de artes gráficas foram realizadas no locado ininterruptamente, por ASC, pela mulher E e pela filha de ambos, F e, desde 06.11.2019, e até hoje, as mesmas tarefas de artes gráficas, vêm, sendo realizadas, ininterruptamente, no interior do local arrendado, por ambas as RR.
Ora, perante tudo o acabado de explanar, é óbvio e manifesto que a decisão de facto não pode de todo ser objecto de qualquer alteração, designadamente nos termos reclamados pelas apelantes, sendo a pretensão deduzida destituída de pertinente fundamento legal.
Ou seja, não faz qualquer sentido julgar-se como provada ou não provada a factualidade pelos AA e Ré nos respectivos articulados, quer porque não admitida por acordo, quer porque permanecendo controvertida, não foi a mesma objecto de instrução.
Improcedem, assim, as conclusões recursória acabadas de analisar.
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3.3. - Aferir se, em razão da factualidade assente, forçosa é a revogação da sentença apelada, sendo a mesma substituída por outra que reconheça que não se operou a transferência para a Ré recorrida da posição de arrendatário que dispunha o falecido ASC.
A justificar a inevitável improcedência da acção e consequente absolvição das RR quanto aos pedidos pelos AA deduzidos sob as alíneas  b), c) e e), segunda parte, da pretensão formulada [o reconhecimento,nos termos do artigo 1051.º,alínea d), do Código Civil, da caducidade do Contrato de Arrendamento para Fins Não Habitacionais mencionado no artigo 3.º da Petição inicial ; o reconhecimento da inexistência de fundamento legal para transmissão do referido Contrato de Arrendamento para Fins Não Habitacionais aos herdeiros do arrendatário e a condenação das RR a restituir aos  AA o imóvel devoluto de pessoas e bens], aduziu o Primeiro Grau, no essencial, as seguintes considerações:
“(…)
A existência de um contrato de arrendamento (cfr. artigos 1022.º e 1023.º ambos do Código Civil) que seja oponível ao reivindicante pode legitimar a ocupação do imóvel reivindicado.
Aventa a Ré E que, em virtude do regime de bens vigente à data do seu casamento, é também titular do direito ao arrendamento.
O artigo 44.º da Lei n.º 2030 de 22 de Janeiro de 1948, o n.º 1 do artigo 1110.º do Código Civil (na redacção originária) e o artigo 83.º do Regime do Arrendamento Urbano dispunham, em síntese, que a posição de arrendatário habitacional era incomunicável ao cônjuge, fosse qual fosse o regime de bens que entre eles vigorasse.
Essas disposições assentavam na índole pessoal inerente à constituição da relação de arrendamento habitacional e na difícil adaptação do direito ao arrendamento à contitularidade entre cônjuges direito arrendatário
O artigo 1068.º do Código Civil na redacção actualmente em vigor dispõe em sentido diametralmente oposto, prevendo que o «(…) direito do arrendatário comunica-se ao seu cônjuge, nos termos gerais e de acordo com o regime de bens vigente (…)».
“ (…)
…. da análise dos factos provados (cfr. ponto n.º 3) resulta que “N…, Lda.” - na invocada qualidade de proprietária, à data, do imóvel reivindicado -, celebrou com ASC - como inquilino - um contrato mediante o qual foi, em suma, cedido a este o uso dessa loja para o exercício de uma indústria.
O escrito parcialmente reproduzido no ponto n.º 3 corporiza todos os elementos típicos de um contrato de arrendamento (cfr. artigos 1022.º e 1023.º, n.º 1 do artigo 1064.º e n.º 1 do artigo 1067.º, todos do Código Civil) para fim não habitacional, pelo que se o qualifica como tal.
ASC veio a falecer em 6 de Novembro de 2019, no estado de casado com a primeira Ré (ponto n.º 5 do elenco factual), com quem contraíra matrimónio em 23 de Fevereiro de 1957 (ponto n.º 1 do mesmo elenco).
Como se sabe, a morte do locatário (ou a sua extinção, na hipótese de ser pessoa colectiva) ocasionam a cessação da relação locatícia (alínea d) do n.º 1 do artigo 1051.º do Código Civil), sem prejuízo de poder ser convencionada a sua transmissão “mortis causa” (n.º 1 do artigo 1059.º do mesmo diploma).
No arrendamento urbano (que constitui uma modalidade do contrato de locação), a regra é, igualmente, a extinção da relação arrendatícia por morte do arrendatário.
Neste contexto, avaliemos se a Ré contestante era, como advoga, co-titular do direito ao arrendamento.
Ao contrário do que perpassa das alegações dos Autores, a excepção peremptória em apreço não se prende com a transmissão da posição arrendatícia para as Rés, contexto em que, tendo em atenção a data em que foi celebrado o contrato de arrendamento, haveria que convocar o preceituado no artigo 58.º da Lei n.º 6/2006 de 27 de Fevereiro e, eventualmente, relevar a alegada falta de comunicação do decesso de ASC enquanto facto constitutivo do direito aí concedido aos sucessores do falecido arrendatário.
A questão colocada por essa arguição deve, antes, ser dirimida à luz do artigo 1068.º do Código Civil, que regula todo e qualquer arrendamento, seja qual for o seu fim.
Tem sido predominantemente entendido que, por efeito do disposto no n.º 1 do artigo 59.º deste diploma e em harmonia com a previsão da segunda parte do n.º 2 do artigo 12.º do Código Civil, a citada disposição cobra aplicação aos contratos de arrendamentos subsistentes à data da sua entrada em vigor
Ora, posto que, à data em que entrou em vigor da Lei n.º 6/2006 de 27 de Fevereiro (i.e. em 27 de Junho de 2006), o arrendamento a que vimos aludindo ainda subsistia (como se crê ser pacífico, mesmo para os Autores), não restam dúvidas acerca da aplicação de tal preceito ao caso vertente.
O regime de bens supletivamente vigente (nada foi alegado no sentido de que era outro o regime convencionado) à data da celebração do matrimónio entre ASC e a Ré era o do “Casamento segundo o costume do reino” (cfr. artigo 1098.º do Código Civil de 1867, que vigorava à data da contracção do matrimónio), o qual consistia na «(…) comunhão, entre os cônjuges, de todos os seus bens presentes e futuros não exceptuados por lei (…)» (transcreve-se o artigo 1108.º do mesmo diploma).
Assim, por força do aludido regime de bens e em virtude da aplicação do artigo 1068.º do Código Civil, o direito ao arrendamento integrava o acervo patrimonial desse casal até ao decesso de ASC, revestindo assim uma índole plural.
Após esse evento e com a inerente dissolução da relação marital (artigo 1788.º do Código Civil), a titularidade da relação arrendatícia concentrou-se na pessoa da Ré contestante. Consequentemente, deve-se considerar que o contrato de arrendamento não cessou por caducidade em virtude do falecimento de ASC.
E, à luz do que viemos de expor, a existência de um direito pessoal de gozo oponível aos Autores legitima a não restituição do imóvel reivindicado por parte de ambas as Rés (cfr. n.º 2 do artigo 1311.º do Código Civil).
Ora, porque nos revemos e subscrevemos a fundamentação acabada de transcrever, porque a adequada e a correcta em termos de facto e de direito, forçosa é a improcedência da apelação e a confirmação do julgado, tudo apontando para que, não obstante os termos precisos e distinguíveis dos exactos fundamentos que conduzem à improcedência da acção, persistem os AA/apelantes em não destrinçar os institutos da comunicabilidade [qual modo de constituição da contitularidade do direito ao arrendamento entre cônjuges, como que adquirindo ipso jure o cônjuge do arrendatário outorgante a qualidade de coarrendatário] e da transmissão [v.g. a transmissão de um contrato de arrendamento para o nome de outrem e por morte do arrendatário] do arrendamento. (7)
É assim que, não obstante o Primeiro Grau ter aplicado ao caso dos autos, e bem, o disposto no art.º 1068º, do CC [o qual, sob a epígrafe de “ Comunicabilidade ”, reza que “O direito do arrendatário comunica-se ao seu cônjuge, nos termos gerais e de acordo com o regime de bens vigente.”], persistem os apelantes em invocar razões de facto e de direito [v.g. o art.º 58º, nº 1, do NRAU] que apenas “servem” para afastar a aplicação in casudo instituto da transmissão do contrato de arrendamento dos autos, apenas outorgado pelo cônjuge [o falecido ASC] da Ré E .
Neste conspecto, de resto, e sendo verdade que em sede de subjacente factualidade, vêm as RR alegar matéria de facto susceptível de integrar a previsão [como excepções peremptórias, nos termos do art.º 342º, nº 2, do CC] em simultâneo de ambos os institutos, o certo é que, em rigor, ao aduzirem no final do respectivo articulado que “Termos em que se pugna pela prolação de Sentença que declare que: O arrendamento dos autos não se extinguiu com a morte de ASC, em razão do regime patrimonial de casamento celebrado (comunhão geral) entre ele e a Ré E”, tudo aponta para que se tenha limitado a Ré a invocar o instituto da comunicabilidade do vínculo locatício para obstar à procedência da ação.
Já no que concerne à aplicação pelo tribunal a quo ao caso sub judice do disposto no art.º 1068º, do CC [o qual reza, como sabemos já, que “ O direito do arrendatário comunica-se ao seu cônjuge, nos termos gerais e de acordo com o regime de bens vigente”, sendo que de normativo se trata que apenas foi introduzido no CC com a Lei nº 6/2006, de 27 de Fevereiro, a qual aprovou o NOVO REGIME DO ARRENDAMENTO URBANO (NRAU)], e isto apesar de o contrato dos autos ter sido outorgado em 23 de Fevereiro de 1957, data em que não consagrava o iure condito a comunicação do direito ao arrendamento ao outro cônjuge [antes correspondia à data a tradição jurídica portuguesa para o “entendimento” de que o direito ao arrendamento se não comunicava ao cônjuge do arrendatário e caducava por morte deste (8)], limitou-se o Primeiro Grau a aplicar e a subscrever o entendimento consensual do STJ sobre a matéria.
É assim que, em Acórdão de 13/4/2021 (9), vem o STJ a concluir que:
“(…)
III - Com a Lei n.º 6/2006, que aditou ao CC o art.º 1068.º, instituiu-se a regra da comunicabilidade ao cônjuge, de acordo com o regime de bens vigente, do direito do arrendatário habitacional.
IV - Tal comunicabilidade opera relativamente a contratos estabelecidos anteriormente à entrada em vigor do RAU, que subsistam, e não apenas relativamente aos constituídos após a entrada em vigor da Lei n.º 6/2006.”.
E é assim também que, em recente Acórdão de 11/5/2023 (10), vem o STJ a concluir que:
“I - Com a publicação da Lei nº 6/2006, que aditou ao Código Civil o art.º 1068º, instituiu-se a regra da comunicabilidade para todos os arrendamentos de prédios urbanos para fins habitacionais ou não habitacionais e do art.º 59 do NRAU resulta a aplicação do art.º 1068 a contratos anteriores, que subsistam, e não apenas aos constituídos após a sua entrada em vigor.
II - O art.º 579 do CPC estabelecendo que “o tribunal conhece oficiosamente das exceções perentórias cuja invocação a lei não torne dependente da vontade do interessado,” impõe que a comunicabilidade do arrendamento ao cônjuge sobrevivo prevista no art.º 1068 do CCivil como exceção perentória é de conhecimento oficioso porque a lei não indica que o seu conhecimento esteja dependente da vontade do interessado o que ocorreria se o art.º 1068 incluísse essa advertência.
III - Se em reconvenção for pedida a transmissibilidade do arrendamento ao cônjuge sobrevivo com outro fundamento que não o previsto no art.º 1068 do CCivil, tendo tal pedido como significado útil constituir uma oposição à pretensão da autora de obter a entrega do imóvel arrendado, totalmente livre e devoluto de pessoas e bens pode ainda, nos termos do princípio da flexibilidade do pedido, conhecer-se e decidir-se a transmissibilidade prevista no art.º 1068 do CCivil
IV - Se os elementos de facto que se devem exigir (a prova do casamento e do regime de bens, a data do arrendamento e do óbito do arrendatário) se encontram provados nos autos nada obsta a que o tribunal se pronuncie e decrete esse direito ”.
Ou seja, no essencial aplicou o Primeiro Grau ao caso dos autos o disposto no art.º 1068º do CC, quer em razão da factualidade assente em 2.1. e 2.5., quer no seguimento do entendimento jurisprudencial consensual do STJ quanto ao sentido e alcance do nº 1 do art.º 59 da Lei n.º 6/2006 [ao estabelecer que o NRAU se aplica aos “ contratos celebrados após a sua entrada em vigor, bem como às relações contratuais constituídas que subsistam nessa data, sem prejuízo do previsto nas normas transitórias”], obrigando o mesmo a integrar a relação contratual de arrendamento identificada em 2.3. sob a alçada do aludido art.º 1068º, do CC, porque subsistente à data da entrada em vigor (27 de junho de 2006) do NRAU, e tendo o arrendatário outorgante falecido depois, a que acresce que não existe uma qualquer norma transitória inscrita nos artºs 27º e 28º, do NRAU [aplicáveis aos contratos de arrendamento para fins não habitacionais celebrados antes do Decreto-Lei n.º 257/95, de 30 de setembro] que obste à respectiva aplicação.
Dir-se-á que, e na linha das expressões utilizadas no citado Ac. do STJ e de 13/4/2021, tendo é verdade o arrendamento dos autos vinculado inicialmente apenas o outorgante cônjuge ASC, ocorre que por força da nova lei, a partir de 27 de junho de 2006, o estatuto jurídico de tal arrendamento alterou-se quanto às pessoas, passando a ser reconhecido à Ré E, que era casada com o arrendatário sob o regime da comunhão geral de bens [regime supletivo à data vidente], a mesma qualidade de arrendatário que o marido detinha, pois que este é o efeito da comunicação do direito ao arrendamento ao cônjuge.
E tal arrendamento de natureza plural, com o falecimento do marido/outorgante ASC, vem a concentrar-se [não a transmitir-se ou transferir-se, nos termos do art.º 58º, do NRAU, com a epígrafe de “Transmissão por morte no arrendamento para fins não habitacionais”] na pessoa da Ré E, não se extinguindo/caducando.
Perante o exposto, detendo a Ré E a qualidade de arrendatária do locado, não existe assim fundamento legal para reclamarem os AA a sua entrega/devolução, pois que dispõe a primeira de título que a autoriza a do mesmo se servir/gozar.
E, improcedendo a acção/apelação quanto à exigida restituição do locado - no prazo de 15 dias, livre e devoluto de pessoas e bens - improcedem forçosamente todos os demais “pedidos recursórios” dos apelantes, maxime os formulados a título de indemnização, em suma, a apelação improcede in totum.
Em conclusão,
a apelação improcede in totum
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3.4.- Decidir se – e porque em rigor deduzem os AA uma pretensão recursiva sem qualquer fundamento legal - os AA ligam de má-fé, devendo ser exemplarmente condenados em multa e em indemnização, que inclua honorários de advogados em montante nunca inferior a Euro 5000 (+IVA).
Nas respectivas contra-alegações, vieram as RR E e F, recorridas/apeladas, impetrar a condenação dos recorrentes/AA, como litigantes de má fé, nos termos do disposto no artigo 542º, nºs 1 e 2, alínea b), do CPC.
Para tanto, alegam que os AA deduzem uma pretensão recursiva sem qualquer fundamento legal (pelo menos, à luz do direito vigente), estando assim a ligar de má-fé, razão porque devem ser exemplarmente condenados em multa e em indemnização, que inclua honorários de advogados em montante nunca inferior a Euro 5000 (+IVA).
Como é consabido, a condenação como litigante de má fé não está sujeita ao princípio do pedido, podendo ser decretada oficiosamente pelas instâncias [in casu por este tribunal da Relação] e outrossim pelo Supremo Tribunal de Justiça, apenas sendo de exigir, sob pena de se proferir uma decisão-surpresa, que a parte sancionanda seja previamente ouvida sobre a matéria, para que se possa defender.
Ora bem.
Importando no essencial aferir se, perante o que resulta da instância recursória da apelação pelos AA despoletada e ora em apreciação, existe fundamento para a sua condenação como litigantes de má fé [reclamada pelas apeladas/RR], pertinente é começar por salientar que o direito de recorrer aos Tribunais para aceder à Justiça constitui um direito fundamental – cfr. art.º 20º da Constituição da República Portuguesa –, razão porque apenas na presença inequívoca de um mau uso desse direito faz sentido qualificá-lo como uma conduta abusiva, susceptível portanto de ser sancionada nos termos do art.º 542º, nº2, do CPC, maxime porque susceptível de consubstanciar o uso reprovável de meio adjectivo com o propósito exclusivo de protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.
É que, estando as partes obrigadas a agir com boa-fé processual (cfr. art.º 8º, do CPC), sobretudo de modo a não enveredar pelo uso de meios impertinentes e meramente dilatórios que apenas têm por desiderato obstar à justa composição do litígio em prazo razoável, é óbvio que o abuso do direito de recorrer consubstancia igualmente um acto censurável - porque põe em causa o objectivo de realização de uma justiça pronta - que merece ser sancionado.
Na verdade, como afirma MICHELE TARUFFO (11), “também os remédios ou instrumentos processuais em concreto, não existem desligados de uma finalidade, e o seu uso não se autojustifica”.
Seja como for, sabido que muitas das situações subjectivas processuais gozam de protecção constitucional (cfr. art.º 20º CRP), exigível é que a responsabilização de uma parte como litigante de má fé, maxime com base em comportamentos susceptíveis de preencher a previsão das alíneas a) e d), do nº 1, do art.º 541º, do CPC, apenas aconteça perante situações de facto clarividentes, que não em face de casos de dúvida e/ou de fronteira entre o mero uso processual de concreto instituto e o seu abuso.
Isto dito, e para além de in casu não ter sido, em sede de instância recursória, garantido aos apelantes o efectivo contraditório no tocante à eventualidade do seu sancionamento como litigante de má-fé, certo é que não é de todo o processado nos autos suficientemente esclarecedor e inequívoco no sentido de apenas visarem os apelantes, ao lançar mão do expediente recursório, tão só protelar, sem qualquer fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.
É que, para todos os efeitos, não permite o processado nos autos concluir, com toda a segurança, que os apelantes, e em sede de instância recursória, vêm manifestar e deduzir oposição ao julgado com base em raciocínio e entendimento cuja manifesta falta de fundamento era de todo já conhecido ou, pelo menos, só com negligência grave da mesma não lograram de imediato alcançar.
Acresce que, porque no essencial a pretensão capital que deduziram  na primeira instância não lhes foi reconhecida (a caducidade do contrato), o que afasta por si só qualquer interesse no protelamento do trânsito em julgado da decisão,  como, ademais, quando em causa [como é o caso dos autos] esteja uma mera questão de interpretação e aplicação da lei aos factos, prima facie não será igualmente de considerar existir litigância de má fé processual, maxime quando nada permite concluir [como é o caso dos autos], com elevada segurança, que têm as partes recorrentes a perfeita noção e convicção de que não lhes assiste qualquer razão, e isto à luz das mais variadas, plausíveis e verossímeis soluções de direito.
Sem necessidade de mais considerações, eis porque não se justifica, fundadamente, que devam os apelantes ser sancionados como litigantes de má-fé.
Destarte, já as apeladas, porque partes vencidas no que se reporta ao incidente de litigância de má fé, que despoletaram em sede de instância recursória, devem forçosamente pagar custas pelo mesmo [cfr. art.º 527º, do CPC e artigo 7.º/4, do Regulamento de Custas Processuais/RCP, aprovado pelo Decreto-Lei nº 34/2008, de 26 de Fevereiro, com alterações posteriores, e pela Tabela II (incidentes e procedimentos anómalos - 1 a 3 UC]. (12)
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4.- Sumariando (cfr. art.º 663º, nº 7, do CPC).
4.1 - Tendo sido outorgado – um contrato de arrendamento não habitacional - em 28 de Maio de 1981 e apenas por um dos cônjuges, pacífico é que à data (o que decorria do art.º 44º da Lei nº 2030, de 22.06.48, do nº 1 do art.º 1110º do Código Civil e do art.º 83.º do RAU) o direito do arrendatário não se comunicava ao cônjuge não outorgante.
4.2. – Após 2006, com a Lei n.º 6/2006, de 27/2 [NRAU], tal situação modificou-se que, pois, que, foi reposto o art.º 1068º, do CC, rezando ele que “O direito do arrendatário comunica-se ao seu cônjuge, nos termos gerais e de acordo com o regime de bens vigente”.
4.3.Dispondo o art.º 58º, nº 1, da Lei n.º 6/2006, de 27/2, que “O NRAU aplica-se aos contratos celebrados após a sua entrada em vigor, bem como às relações contratuais constituídas que subsistam nessa data, sem prejuízo do previsto nas normas transitórias”, o contrato de arrendamento identificado em 4.1. comunicou-se ao Cônjuge não outorgante.
4.4. – Em face do referido em 4.3., com o falecimento do Cônjuge outorgante e em 6 de Novembro de 2019, o contrato de arrendamento não cessou por caducidade.
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5. - Decisão.
Em face de tudo o supra exposto, acordam os Juízes na 6ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa, em, não concedendo provimento à apelação de A, B, C e D;
5.1. – Manter e confirmar a sentença apelada;
5.2. - Condenar a apeladas nas custas do incidente de litigância de má fé que despoletaram em sede de instância recursória, e em taxa de justiça de 1,5 Ucs [sem prejuízo, porém, do apoio judiciário, se concedido].
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Custas na APELAÇÃO pelos recorrentes.
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(1) V.G. cf. ANSELMO de CASTRO, em Direito Processual Civil Declaratório, Vol. III, Almedina, Coimbra, 1982, págs. 115 a 119.
(2) Cfr. Acórdão do STJ de 2.6.2015, proferido no Proc. nº 505/07.2TVLSB.L1.S1, sendo Relator HELDER ROQUE, e in www.dgsi.pt.
(3) Cfr. ARMINDO RIBEIRO MENDES, in Recursos em Processo Civil, Reforma de 2007, Coimbra Editora, 2009, pág. 81.
(4) Cfr. Vaz Serra, em RLJ 103/432, e Cardona Ferreira, em Guia dos Recursos em Processo Civil, 5.ª Edição, pág. 90.
(5) Cfr. Ac. do STJ de 12-09-2007, proferido no Processo nº 07S923, sendo Relator SOUSA PEIXOTO, e in www.dgsi.pt.
(6) Vide, por todos, v.g. o Ac. deste Tribunal da Relação de Lisboa, de 21/12/2022, proferido no Proc. nº 2018/21.0T8FNC-A.L1-6, e in www.dgsi.pt.
(7) Como bem se assinala e douto Ac. do Tribunal da Relação do Porto, de 23/2/2023, e proferido no Processo nº 10982/16.5T8PRT.P1, e in www.dgsi.pt., “A comunicação da posição do arrendatário (art.º 1068º do Código Civil) é figura distinta da transmissão do direito ao arrendamento por morte do arrendatário (art.º 1106º do Código Civil)”.
No mesmo sentido, vide o Ac. do Tribunal da Relação de Lisboa, de 30/11/2022, proferido no Processo nº 1309/20.2T8OER.L1-6, e in www.dgsi.pt.
(8) O que decorria do art.º 44º da Lei nº 2030, de 22.06.48, do nº 1 do art.º 1110º do CCivil e do art.º 83.º do RAU, e como assim se considerou em Acórdão do STJ, de 1/3/2018, proferido no Processo nº 4685/14.2T8FNC.L1.S1, sendo Relatora ROSA RIBEIRO COELHO e em in www.dgsi.pt.
(9) Proferido no Processo nº 5958/18.0T8FNC.L1.S1, sendo Relator JOSÉ RAINHO, e em in www.dgsi.pt
(10) Proferido no Processo nº 1309/20.2T8OER.L1.S1, sendo Relator MANUEL CAPELO e em in www.dgsi.pt.
(11) In Elementos para una definición de «Abuso del Processo», in «Páginas sobre Justicia Civil», Marcial Pons, 2009, pág. 301.
(12) Vide António Santos Abrantes Geraldes, Temas Judiciários, I Vol. 1998, págs. 337 e 338.
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Lisboa, 18/4/2024
António Manuel Fernandes dos Santos
João Manuel C. Brasão
Anabela Calafate