Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1094/23.6T8LSB-D.L1-2
Relator: INÊS MOURA
Descritores: PRÁTICA DE ACTO PESSOAL
PRÁTICA DE ACTO PROCESSUAL FORA DE PRAZO
MULTA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/07/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECLAMAÇÃO – ART. 652.º, N.º 3, CPC
Decisão: MANTER O DESPACHO RECLAMADO
Sumário: (art.º 663 n.º 7 do CPC)
1. A parte que se apresenta a praticar no 2.º dia útil para além do prazo legal, deve proceder ao pagamento da multa fixada pelo legislador na al. b) do n.º 5 do art.º 139.º do CPC, ficando a sua validade dependente de tal pagamento, sendo uma situação diferente e independente do pagamento da taxa de justiça devida pelo impulso processual.
2. O regime do art.º 28.º do RCJ, designadamente o seu n.º 3 que prevê que “não sendo paga a multa após o prazo fixado, a respetiva quantia transita, com um acréscimo de 50 %, para a conta de custas, devendo ser paga a final, aplica-se apenas às multas ou penalidades que sejam fixadas por despacho do juiz, como resulta do art.º 27.º do RCJ que faz expressa menção à condenação em multa e do n.º 1 do art.º 28.º que alude ao trânsito em julgado da decisão que a tiver fixado.
3. A autoliquidação da multa pela parte corresponde a um ónus que lhe é imposto pelo legislador para o caso de querer fazer valer-se de um ato praticado fora do prazo legal, tratando-se de uma multa diretamente estabelecida na lei e não de uma qualquer penalidade imposta ou fixada pelo juiz.
4. Não tendo sido paga pela Recorrente a multa devida pela interposição do recurso no 2.º dia útil para além do prazo, nem quando se apresentou a praticar o ato, nem tão pouco quando foi notificada pela secretaria para o efeito, nos termos do n.º 6 do art.º 139.º do CPC, não pode considerar-se tal ato como validamente praticado.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na 2ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

I. Relatório
Por apenso à execução que contra si é intentada pelo Banco Comercial Português, S.A. veio a Executada Domusfesta- Investimentos Imobiliários, Turísticos, Ld.ª deduzir oposição mediante embargos por requerimento apresentado a 14.03.2023.
A 29.05.2023 foi proferido o seguinte despacho:
“A embargante não pagou a taxa de justiça devida pelos embargos e notificada nos termos do n.º3 do art.570.º do CPC não demonstrou o pagamento da taxa de justiça e da multa.
Assim, nos termos do n.º5 do art.570.º do CPC, convida-se a embargante a proceder, em 10 dias, ao pagamento da taxa de justiça acrescida de multa de valor igual ao da taxa de justiça inicial com o limite mínimo de 5 UC, sob pena de aplicação do disposto no n.º6 do artigo em referência (desentranhamento da petição).
Notifique.”
A 09.06.2023 foi enviada notificação à embargante, em cumprimento do despacho proferido, para proceder ao pagamento da taxa de justiça e multa, nos termos do art.º 570.º n.º 5 e 6.º do CPC.
A 30.06.2023 foi proferido o seguinte despacho que se reproduz:
“A embargante Domusfesta Investimentos Imobiliários Turísticos Lda., veio deduzir os embargos sem comprovar o pagamento da taxa de justiça devida.
Foi cumprido o art.570.º n.º3 do CPC e a embargante não comprovou o pagamento de taxa da justiça nem da multa, o que determinou o cumprimento do art.570.º 5 do CPC.
Nessa sequência continuou a embargante sem demonstrar o pagamento da taxa de justiça, pagando apenas a multa.
Assim, ao abrigo do art.570.º n.º6 do CPC, determino o desentranhamento da petição de embargos e declaro extinta a instância por impossibilidade superveniente da lide, nos termos do art.277.º e) do CPC.
Notifique.”
Desta decisão foi enviada notificação à Embargante a 03.07.2023.
Por não se conformar com a mesma veio a Embargante dela interpor recurso para este Tribunal da Relação de Lisboa, por requerimento apresentado a 25.09.2023.
A 29.09.2023 foi a Embargante notificada pela secretaria nos seguintes termos:
“Assunto: Pagamento de multa – art.º 139.º n.º 6 do CPC - Recurso -( 2º dia de multa)
Com referência ao processo acima identificado, fica notificado, na qualidade de Mandatário do Executado Domusfesta Investimentos Imobiliários Turísticos Lda. para no prazo de 10 dias, efetuar o pagamento da multa prevista no n.º 5 do art.º 139.º do Código de Processo Civil, acrescida de uma penalização de 25%, nos termos do n.º 6 do mesmo artigo, sob pena de não se considerar válido o acto processual extemporaneamente praticado.
Pagamento
A data limite do pagamento, bem como o valor a pagar, os locais e os modos de pagamento constam da guia anexa.”
A 19.10.2023 consta dos autos a indicação de que não foi paga a multa de € 255,00 liquidada nos termos do art.º 139.º n.º 5 al. b) e n.º 6 do CPC (2º dia).
A 31.10.2023 foi proferido despacho que não admitiu o recurso interposto pelo Embargante, com o seguinte teor:
“A embargante interpôs recurso do despacho de 30.6.2023 no 2.º dia útil após termo do prazo para recorrer, sem pagar a multa prevista no art.139.º do CPC. E após notificação pela secretaria também não pagou a multa devida.
Assim, por extemporâneo não admito o recurso.
Notifique.”
É deste despacho que não admitiu o recurso por si interposto que o Embargante vem reclamar nos termos do art.º 643.º do CPC, requerendo a sua revogação e que se determine a emissão de guia para efeito de liquidação de taxa de justiça devida com a dedução dos embargos, com a ulterior tramitação processual, apresentando a final as seguintes conclusões que se reproduzem:
1. Veio a ser proferida decisão, com a qual não pode a recorrente colher entendimento.
2. Isto porquanto, a taxa de justiça correspondente ao recurso encontra-se integralmente liquidada.
3. Ao contrário de vir determinar o indeferimento do recurso interposto,
4. Que assim obstaculiza e limita o acesso da recorrente à justiça, deveria o douto Tribunal a quo ter imputado, em conformidade com o disposto no artigo 28.º RCP, a penalidade processual na conta de custas final com os devidos acréscimos legais e ter determinado a ulterior tramitação processual.
5. Na verdade, a decisão proferida e ora em crise, não só representa um obstáculo ao acesso à justiça, como representa uma verdadeira decisão surpresa.
6. Na verdade, e por assim ter determinado o douto Tribunal a quo, não podemos deixar de referir que estarmos perante uma situação de prolacção de decisão surpresa.
7. “Com efeito na densificação do referido princípio da actividade administrativa relevam sobretudo dois subprincípios concretizadores da boa-fé: o princípio da primazia da materialidade subjacente e o princípio da tutela da confiança” (vide, neste sentido, Marcelo Rebelo de Sousa e André Salgado de Matos, Direito Administrativo Geral, Tomo I, 3ª edição, pag. 221).
8. Visa o mesmo salvaguardar os sujeitos jurídicos contra actuações injustificadamente imprevisíveis daqueles com quem se relacionem. (4. Sublinhado nosso.) É a isto que o artº 6° A, 2 a) do CPA se refere quando afirma que se deve ponderar «a confiança suscitada na contraparte pela actuação em causa» – ob. citada, fls. 222.
9. “V - Na estruturação de um processo justo o tribunal deve prevenir e, na medida do possível, obviar a que os pleiteantes sejam surpreendidos com decisões para as quais as suas exposições, factuais e jurídicas, não foram tomadas em consideração.” in Ac. TR de Coimbra, disponível em http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/c3fb530030ea1c61802568d9005cd5bb/e7f82f9be7f375f080257ac600439451?OpenDocument.
10. Este é um direito basilar do processo, que hoje ultrapassou a concepção clássica, que estava associada ao exercício do direito de resposta, assumindo-se hoje como uma garantia de participação efectiva das partes no desenvolvimento de todo o processo, conferindo às partes a possibilidade de influírem em todos os elementos que se liguem ao objecto da causa.
11. Assim evitando a promoção de decisões surpresa que censuravelmente é o que aconteceu nos presentes autos, com a denegação do acesso à justiça da recorrente.
12. De referir ainda que a prolação da decisão recorrida vem perpetrar na ordem jurídica a denegação de justiça por uma questão meramente formal,
13. Isto porquanto a taxa de justiça se encontra devidamente e integralmente liquidada,
14. Tudo conforme supra melhor alegado e fundamentado supra, facto que, salvo melhor entendimento, deverá determinar a procedência por provado do presente recurso, o que desde já respeitosamente se requer, para todos os devidos efeitos legais.
A 17.01.2024 foi proferido o seguinte despacho:
“A executada vem pelo requerimento de 16.11, recorrer do despacho proferido em 31.10.2023 que não admitiu o recuso antes pela mesma interposto.
O art.643.º n.º1 do CPC diz que do despacho que não admita o recurso pode o recorrente reclamar para o tribunal que seria competente para dele conhecer no prazo de 10 dias contados da notificação da decisão. Ademais, o art.641.º n.º 6 determina que a decisão que não admita o recurso ou retenha a sua subida apenas pode ser impugnada através da reclamação prevista no art.643.º.
Desta feita dos despachos que não admitem os recursos cabe reclamação e não novo recurso.
Nos termos do art.193º nº 3 do C.P.C., o erro na qualificação do meio processual utilizado pela parte é corrigido oficiosamente pelo juiz, determinando que se sigam os termos processuais adequados, pelo que, se impõe que o recurso interposto seja convolado para reclamação do despacho que não admitiu o recurso, o que se decide.
Assim, cumpra-se o disposto no art.643.º n.º3 do CPC.
Notifique.”
Remetidos os autos a este tribunal foi proferida decisão sobre a reclamação apresentada que confirmou o despacho reclamado que não havia admitido o recurso.
Notificada da decisão singular que manteve o despacho do tribunal a quo que não admitiu o recurso apresentado por não ter sido paga a multa devida nos termos do art.º 139.º n.º 5 e 6 do CPC, veio a Reclamante, por não se conformar com aquela, requerer que seja proferida decisão colegial.
Reitera no essencial os argumentos que constam da sua reclamação, defendendo o entendimento de que a falta de pagamento da multa não pode constituir um obstáculo à prática do ato, podendo vir a integrar a conta a final, por tal ser admitido pela lei no art.º 28.º do RCJ, e pela jurisprudência, invocando uma decisão do Tribunal Tributário que identifica que conclui nesse sentido, devendo sobrepor-se o mérito sobre a forma em defesa do princípio da tutela da confiança, garantindo a intervenção das partes no processo.
II. Apreciação
Importa avaliar em coletivo se é admissível o recurso interposto pela Embargante, não obstante não tenha sido por ela paga a multa a que alude o art.º 139.º n.º 5 e 6 do CPC, que a mesma entende que poderá integrar a conta de custas final, não podendo constituir um obstáculo à prática do ato.
A presente decisão não visa qualquer pronuncia sobre o mérito ou demérito do recurso na sua substância, destinando-se apenas a avaliar se o recurso interposto pelo Reclamante é admissível no âmbito meramente processual.
O recurso não foi admitido pelo tribunal de 1ª instância com o fundamento no facto de ter sido interposto no 2.º dia útil após termo do prazo para recorrer, sem que a Recorrente tenha procedido ao pagamento da multa prevista no art.º 139.º do CPC, o que continuou a omitir, mesmo após ter sido notificada pela secretaria para o efeito.
Não está em causa o que o despacho proferido afirma e não é contestado pela Reclamante, de que o recurso foi interposto no 2.º dia útil depois do prazo e de que não foi pela Recorrente realizado o pagamento da multa a que alude o art.º 139.º n.º 5 e 6 do CPC.
Impõe-se avaliar se, como defende a Reclamante, a falta de pagamento da multa prevista no art.º 139.º do CPC não pode constituir um obstáculo à admissão do recurso, pelo facto da taxa de justiça se encontrar paga e atento o disposto no art.º 28.º do RCJ que prevê que a penalidade pode integrar a conta de custas a final.
O art.º 139.º do CPC rege sobre as modalidades do prazo processual nos seguintes termos:
“1 - O prazo é dilatório ou perentório.
2 - O prazo dilatório difere para certo momento a possibilidade de realização de um ato ou o início da contagem de um outro prazo.
3 - O decurso do prazo perentório extingue o direito de praticar o ato.
4 - O ato pode, porém, ser praticado fora do prazo em caso de justo impedimento, nos termos regulados no artigo seguinte.
5 - Independentemente de justo impedimento, pode o ato ser praticado dentro dos três primeiros dias úteis subsequentes ao termo do prazo, ficando a sua validade dependente do pagamento imediato de uma multa, fixada nos seguintes termos:
a) Se o ato for praticado no 1.º dia, a multa é fixada em 10 % da taxa de justiça correspondente ao processo ou ato, com o limite máximo de 1/2 UC;
b) Se o ato for praticado no 2.º dia, a multa é fixada em 25 % da taxa de justiça correspondente ao processo ou ato, com o limite máximo de 3 UC;
c) Se o ato for praticado no 3.º dia, a multa é fixada em 40 % da taxa de justiça correspondente ao processo ou ato, com o limite máximo de 7 UC.
6 - Praticado o ato em qualquer dos três dias úteis seguintes sem ter sido paga imediatamente a multa devida, logo que a falta seja verificada, a secretaria, independentemente de despacho, notifica o interessado para pagar a multa, acrescida de uma penalização de 25 % do valor da multa, desde que se trate de ato praticado por mandatário.
7 - Se o ato for praticado diretamente pela parte, em ação que não importe a constituição de mandatário, o pagamento da multa só é devido após notificação efetuada pela secretaria, na qual se prevê um prazo de 10 dias para o referido pagamento.
8 - O juiz pode excecionalmente determinar a redução ou dispensa da multa nos casos de manifesta carência económica ou quando o respetivo montante se revele manifestamente desproporcionado, designadamente nas ações que não importem a constituição de mandatário e o ato tenha sido praticado diretamente pela parte.”
O decurso do prazo perentório, como regra, extingue o direito de praticar o ato, como prevê expressamente o n.º 3 deste artigo.
As exceções são as previstas nos n.º 4 e 5, admitindo ainda o legislador a prática do ato fora de prazo, em caso de justo impedimento e nos três dias úteis subsequentes ao seu termo.
Neste último caso, não se verificando uma situação de justo impedimento, permite-se às partes a prática de ato processual fora de prazo, desde que nos três primeiros dias úteis subsequentes ao termo do prazo, ficando porém a sua validade dependente do pagamento da multa prevista no n.º 5 do art.º 139.º do CPC.
Compete assim à parte que se apresente a praticar o ato fora de prazo, proceder ao pagamento da multa que é definida pelo legislador nas várias alíneas do n.º 5 daquele artigo, sendo o seu valor tanto mais alto quanto maior for o atraso, sendo uma situação diferente e independente do pagamento da taxa de justiça devida pela parte pelo impulso processual.
A autoliquidação da multa pela parte corresponde a um ónus que lhe é imposto pelo legislador para o caso de querer fazer valer-se de um ato praticado fora do prazo legal, tratando-se de uma multa diretamente estabelecida na lei e não de uma qualquer penalidade imposta ou fixada pelo juiz.
Ainda assim, prevê o n.º 6 deste artigo que se a parte não proceder ao pagamento da multa devida, a secretaria, independentemente de despacho notifica o interessado para pagar a multa acrescida de uma penalização de 25% do seu valor, se o ato for praticado por mandatário, sendo desta forma conferida à parte uma nova oportunidade para se fazer valer do ato que apresentou fora de prazo, mas ainda dentro do três dias úteis subsequentes ao termo do prazo.
O n.º 8 do art.º 139.º do CPC vem ainda contemplar a possibilidade do juiz, excecionalmente determinar a redução ou dispensa da multa, nos casos de manifesta carência económica ou quando o respetivo montante se revele manifestamente desproporcionado, designadamente em ações que não importem a constituição de mandatário e o ato tenha sido praticado diretamente pela parte. No dizer de Lopes do Rego, in Comentário ao Código de Processo Civil, vol. I, pág. 153, esta disposição, “constitui afloramento dos princípios da proporcionalidade e da igualdade de armas, visando facultar ao juiz em situações excepcionais – e a requerimento fundamentado da parte – a concreta adequação da sanção processual cominada nos nºs 5 e 6 deste preceito, quer à gravidade da falta cometida e à sua repercussão no bom andamento da causa, quer à situação económica do responsável.
Contesta a Reclamante a decisão de não admissão do recurso, defendo que a penalidade pode sempre integrar a conta de custas a final, nos termos previstos no art.º 28.º do RCJ, devendo os autos prosseguir pelo facto de estar paga a taxa de justiça.
Não tem, porém, qualquer razão.
O art.º 28.º do RCJ de que o Reclamante se socorre para fundamentar o erro da decisão, está integrado no Título II, Capítulo V do Regulamento das Custas Judiciais, capítulo que se refere às multas e que integra apenas os art.º 27.º e 28.º, que regem esta matéria.
O art.º 27.º sob a epígrafe “disposições gerais”, estabelece:
“1- Sempre que na lei processual for prevista a condenação em multa ou penalidade de algumas das partes ou outros intervenientes sem que se indique o respectivo montante, este pode ser fixado numa quantia entre 0,5 UC e 5 UC.
2 - Nos casos excepcionalmente graves, salvo se for outra a disposição legal, a multa ou penalidade pode ascender a uma quantia máxima de 10 UC.
3 - Nos casos de condenação por litigância de má fé a multa é fixada entre 2 UC e 100 UC.
4 - O montante da multa ou penalidade é sempre fixado pelo juiz, tendo em consideração os reflexos da violação da lei na regular tramitação do processo e na correcta decisão da causa, a situação económica do agente e a repercussão da condenação no património deste.
5 - A parte não pode ser simultaneamente condenada, pelo mesmo acto processual, em multa e em taxa sancionatória excepcional.
6 - Da condenação em multa, penalidade ou taxa sancionatória excepcional fora dos casos legalmente admissíveis cabe sempre recurso, o qual, quando deduzido autonomamente, é apresentado nos 15 dias após a notificação do despacho que condenou a parte em multa, penalidade ou taxa.”
O art.º 28.º do RCJ reportando-se ao “pagamento” estipula:
“1-Salvo disposição em contrário, as multas são pagas no prazo de 10 dias após o trânsito em julgado da decisão que as tiver fixado.
2 - Quando a multa deva ser paga por parte que não tenha constituído mandatário judicial ou mero interveniente no processo, o pagamento só é devido após notificação por escrito de onde constem o prazo de pagamento e as cominações devidas pela falta do mesmo.”
3 - Não sendo paga a multa após o prazo fixado, a respectiva quantia transita, com um acréscimo de 50 %, para a conta de custas, devendo ser paga a final.
4 - Independentemente dos benefícios concedidos pela isenção de custas ou pelo apoio judiciário ou do vencimento na causa, as multas são sempre pagas pela parte que as motivou.”.
Este regime aplica-se apenas às multas ou penalidades que sejam fixadas pelo juiz, por despacho que condene em multa a parte ou o interveniente processual, como resulta do art.º 27.º que faz expressa menção à condenação em multa e do 28.º n.º 1 que alude ao trânsito em julgado da decisão que as tiver fixado.
Como ensina Salvador da Costa, in Regulamento das Custas Processuais Anotado, pág. 335: “Porque este normativo se refere às multas derivadas de condenação, não abrange as multas que sejam condição da prática de atos processuais.”
As multas previstas no art.º 139.º do CPC têm a natureza de uma sanção processual, que visa responsabilizar a parte pelo seu atraso na prática do ato, em inobservância do prazo legal, quando não se verifica uma situação de justo impedimento, mas antes um comportamento processual negligente, e decorrem diretamente da lei que as estabelece e fixa o seu valor e não de um despacho do juiz que condena a parte no seu pagamento.
Invoca a Reclamante uma decisão do Tribunal Tributário de Lisboa de que junta cópia, que admitiu a prática do ato processual pela parte por ter sido paga a taxa de justiça, remetendo a multa para a conta de custas.
É evidente que tal decisão não vincula de nenhuma forma este tribunal, o que na verdade a Reclamante também não afirma, registando-se ainda que a mesma se reporta a uma multa fixada pelo juiz, nos termos do art.º 570.º n.º 3 do CPC, e não a qualquer situação idêntica à dos autos que se integre no art.º 139.º do CPC.
Tem vindo a ser entendido de forma pacífica pela jurisprudência, que o pagamento da multa a que alude esta norma é condição de validade do ato praticado – veja-se a título de exemplo o Acórdão do TRE de 9 de fevereiro de 2011 no proc. 2963/08.9TBEVR.E1 ainda que por referência ao art.º 145.º do anterior Código Processual Civil, cujo teor se manteve no atual art.º 139.º do CPC, in www.dgsi.pt que nos diz: “(…) a falta de pagamento da multa fixada nos termos do artº 145º, nº 6, do CPC tem como consequência processual a mesma estabelecida no precedente nº 5, de que depende (e constitui alternativa): invalidade do acto – ou, numa fórmula inversa, «considerar[-se] perdido o direito de praticar o acto» (como se continha na versão do nº 6 anterior ao Decreto-Lei nº 324/2003, e que continua implícita na subsequente versão, apenas eliminada por desnecessidade). No mesmo sentido, aliás, se posiciona jurisprudência recorrente, de que se destacam, por todos, os Acs. RP de 19/12/2007 (Proc. 0725463, in www.dgsi.pt) e RG de 28/7/2008 (Proc. 1650/08-2, idem). E, contrariamente ao sugerido pelos apelantes, a tese por estes sustentada não merece o acolhimento de LEBRE DE FREITAS et alii (cfr. Código de Processo Civil Anotado, vol. 2º, 2ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, 2008, pp. 267-272), nem tem qualquer suporte doutrinário relevante (cfr. LOPES DO REGO, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. I, 2ª ed., Almedina, Coimbra, 2004, pp. 152-154).”
A parte tem de submeter-se às regras processuais, nomeadamente quanto à observância de prazos, só podendo praticar o ato fora de prazo em caso de justo impedimento ou com multa, sem que tal possa considerar-se um obstáculo ao acesso à justiça.
Não se contesta que o processo deve ser orientado para a justa composição do litígio, mas tal não significa que todas as regras processuais ou formais possam ser afastadas com a justificação da prevalência do mérito, como parece pretender a Reclamante.
O princípio da tutela da confiança que a Reclamante invoca é também concretizado na observância das regras processuais, que as partes antecipadamente conhecem e com as quais sabem que podem contar, sendo que, com referência ao caso, não podem deixar de saber que os prazos processuais perentórios extinguem o direito à prática do ato, como previsto no art.º 139.º n.º 3 do CPC, embora o legislador com a sua extensão contemplada no n.º 5 lhes dê ainda uma nova oportunidade para que possam fazê-lo, condicionando porém a sua validade ao pagamento de uma multa processual que fixa.
O despacho que não admitiu o recurso interposto pela Embargante nunca podia constituir uma surpresa para si. Pelo contrário, tal situação teria de ser para si totalmente expectável, atento o disposto no art.º 139.º n.º 3 e 5 do CPC, bem como a expressa advertência nesse sentido que lhe foi feita pela secretaria, quando notificada nos termos previstos no n.º 6 do art.º 139.º do CPC.
Na situação em presença a Embargante veio interpor o recurso no 2.º dia útil depois do prazo legal, sem que tenha procedido ao pagamento da multa a que alude o art.º 139.º n.º 5 al. b) do CPC, razão pela qual foi notificada pela secretaria nos termos previstos no n.º 6 de tal artigo, sendo advertida que a validade do ato estava dependente do pagamento da multa, nos termos da norma mencionada.
Não tendo sido paga pela Recorrente a multa devida pela interposição do recurso no 2.º dia útil para além do prazo, nem quando se apresentou a praticar o ato, nem tão pouco quando foi notificada pela secretaria para o efeito, não pode considerar-se tal ato como validamente praticado.
Sem necessidade de outras considerações, confirma-se o despacho que não admitiu o recurso interposto pela Embargante, que não merece censura, improcedendo a presente reclamação por ela apresentada.

III. Decisão:
Pelo exposto, em conferência, acordam os juízes deste tribunal em manter o despacho reclamado que não admitiu o recurso da Embargante, por ter sido interposto no 2º dia útil para lá do prazo legal, sem que tenha sido por ela efetuado o pagamento da multa legalmente prevista.
Custas pela Reclamante.
Notifique.
*
Lisboa, 7 de março de 2024
Inês Moura
Rute Sobral
Laurinda Gemas