Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
287/22.8PGPDL.L1-5
Relator: PAULO BARRETO
Descritores: VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
EXIGÊNCIAS PREVENTIVAS
DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA
REFORMATIO IN PEJUS POR VIA INDIRECTA
PROCESSO LEAL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/19/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO
Sumário: (da responsabilidade do relator)
I - O arguido agrediu a vítima de forma bruta e humilhante (agarrou-a à força pelos seus dois braços e puxou-a, depois passou a agarrá-la pelos cabelos e a arrastá-la pela rua, sempre a puxar pelos cabelos), apenas porque a ofendida lhe comunicou que pretendia terminar a relação existente entre ambos há cerca de 7 anos. E não restam dúvidas que o arguido assim agiu apenas para demovê-la da sua intenção, pois, ao mesmo tempo que a agredia, dizia: “anda para casa, anda para casa” (…) “vens é para casa.!”.
II - É manifesto que o arguido agiu tão só com o propósito de, por via da força, exercer poder e dominar a vítima, querendo causar-lhe, como causou, medo, humilhação, vergonha e sofrimento físico e psíquico, e impedir, como impediu, a sua liberdade de seguir a sua vida e o livre desenvolvimento da sua personalidade.
III - Analisando a factualidade apurada, está assente que o arguido agrediu a ofendida apenas para afrontar a sua dignidade enquanto pessoa humana. O objectivo foi exclusivamente o de causar medo para evitar que ela levasse avante a intenção de terminar o relacionamento. E mais. Humilhou-a. Arrastou-a pelo cabelo, na via pública, como se fosse coisa sua, de modo a que fizesse o que ele queria.
IV - No crime de violência doméstica há especiais exigências preventivas que afastam uma eventual menor necessidade de pena em virtude da posterior reconciliação entre o recorrente e a vítima. A dignidade humana das vítimas de violência doméstica não é negociável, nem pode estar dependente dos desenvolvimentos da relação da vítima com o agressor.
V - Tendo em conta estes três factores – caso julgado parcial, violação da reformatio in pejus por via indirecta, expectativa legítima e confiança num processo leal (frustradas por decisões surpresa) – entende esta Relação que não pode ultrapassar o limite proposto pelo Ministério Público, e que constitui, afinal, o âmbito do recurso.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Criminal (5ª) do Tribunal da Relação de Lisboa:

I - Relatório
No Juiz 2 do Juízo Central Cível e Criminal de Ponta Delgada, Tribunal Judicial da Comarca dos Açores, foi proferido acórdão com o seguinte dispositivo:
A) Absolver o arguido AA do crime violência doméstica, p. e p. pelos artº.152º, nºs.1 al. a), 2, al. a), 4, 5 e 6 do CP que lhe vinha imputado por reporte à ofendida BB;
B) No que toca aos factos que temos no ponto 3., que comprometeriam o arguido AA como autor do crime de ofensa à integridade física simples do artº.143º, nº.1 do CP, declarar a ilegitimidade do MºPº para ação penal por reporte a eles e extinguir o respetivo procedimento criminal;
C) Tendo em conta o que está em A) e B), não condenar o arguido AA à reparação à ofendida BB como vinha pedido;
D) Condenar o arguido AA:
 pela prática, como autor material e na forma consumada, de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, p. p. pelos artºs.3º, nºs.1 e 2 do Decreto-Lei nº 2/98, de 3 de janeiro, por referência aos artºs.121º, nº.1, 122º, nº.1 e 123º, nº.1, todos do Código da Estrada, na pena de 2 (dois) anos de prisão;
 pela prática, como autor material e na forma consumada, de um crime de resistência e coação sobre funcionário, p. e p. pelos artºs.13º, 14º, nº.1, 26º, 1ª parte e 347º, nº.2 do CP, por referência ao artº.386º do CP, o qual estará em concurso aparente (consunção) com um crime de ofensa à integridade física qualificada na forma tentada, p. e p. pelos artºs.13º, 14º, nº.1, 26º, 1ª parte, 143º, nº.1, 145º, nº.1, al.a) e nº.2, por referência ao artº.132º, nº.2, al.l), todos do CP, na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão;
 em cumulo jurídico fixar a pena única em 3 (três) anos e 8 (oito) meses de prisão efetiva;
E) Não aplicar ao arguido AA o benefício a que se reporta a lei 38-A/2023, de 2.8.;
*
Inconformado, o Ministério Público interpôs recurso, concluindo do seguinte modo:
“ 1. A nossa discordância reporta-se apenas quanto à absolvição do arguido pela prática de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152.º, nºs.1, al. a), 2, al. a), 4, 5 e 6, todos do Código Penal, consequentemente quanto à medida da pena, pois entendemos que existem elementos de prova que nos permitam concluir que o arguido praticou o referido crime e não o crime de ofensa à integridade física simples, violou assim o Tribunal recorrido o artigo 152.º n.º1 al. a), 4, 5 e 6 do Código Penal.
2. Atendendo à matéria concreta que resultou como assente no ponto 3, consideramos ser patente a atitude de supremacia do arguido, “pondo e dispondo da ofendida”, a seu bel-prazer, transmite uma imagem global do facto em que é manifesta a relação de domínio do arguido e o desprezo pela dignidade da ofendida, sua companheira, humilhada na presença de terceiros que circulavam na via pública e, por isso, alvo de uma intolerável degradação dos seus direitos à integridade física e principalmente pessoal e ao livre desenvolvimento da sua personalidade.
3. Pois este tipo de crime visa proteger muito mais do que a soma dos diversos ilícitos típicos que o podem preencher, como ofensas à integridade física, injúrias ou ameaças.
4. Está em causa a dignidade humana da vítima, a sua saúde física e psíquica, a sua liberdade de determinação, que são brutalmente ofendidas, não apenas através de ofensas, ameaças ou injúrias, mas essencialmente através de um clima de medo, angústia, intranquilidade, insegurança, infelicidade, fragilidade e humilhação, como foi o caso dos autos quando o arguido arrasta pelos cabelos a ofendida na via pública.
5. Apesar de estarmos perante um ato isolado, é nosso entendimento que o circunstancialismo em que ocorreu – no via pública, logo após o anúncio por parte da ofendida do rompimento da relação amorosa com ao arguido e na presença de terceiros – transmite uma imagem global do facto em que é manifesta a relação de domínio do arguido e o desprezo pela dignidade da ofendida, sua companheira com quem vive há 7 anos, humilhada na presença de terceiros na via pública e, por isso, alvo de uma intolerável degradação dos seus direitos à integridade pessoal e ao livre desenvolvimento da sua personalidade. Não andaremos longe da realidade se dissermos que o arrastar pelos cabelos na via pública, não causaram lesões tão intensas no corpo da ofendida, como no seu amor-próprio, na sua autoestima.
6. E daí que consideremos que os factos apurados, relativos à ofendida BB, integrem a prática, pelo arguido, do crime de violência doméstica e não de ofensa à integridade física simples.
7. Consequentemente deve ser alterada a pena única determinada, assim considerando o grau de ilicitude dos factos, pelas consequências no estado anímico da ofendida, pela gravidade, humilhação causada à ofendida, que é elevado.
8. No caso dos autos, as necessidades de prevenção geral são assaz elevadas, consistindo em o crime de violência doméstica um notório campo de atual preocupação da comunidade, assim gerando um forte sentimento de necessidade de eficaz resposta dos Tribunais, ressaltando a força e a dignidade da validade da norma violada.
9. Assim, tudo visto e ponderado, entende-se adequada em função da culpa do agente a pena única referente às penas parcelares:
. a pena de 2 anos e 10 meses para violência doméstica;
. a pena de 2 anos de prisão para a condução sem habilitação legal; e
. a pena de 2 anos e 6 meses de prisão para a resistência e coação sobre funcionário.
10. Fixar, em cúmulo jurídico e socorrendo-nos dos critérios já acima apontados para o efeito e numa moldura abstrata de vai dos 2 anos e 10 meses de prisão aos 7 anos e 4 meses de prisão, a pena única em 5 anos e 4 meses de prisão como adequada e justa.
11. Tendo decidido como decidiu, o douto acórdão incumpriu o artigo 152.º n.° 1 e 2 do Código Penal, pelo que deverá concedido provimento ao recurso e ser proferido douto Acórdão que condene o arguido pela prática de um crime de violência doméstica, consequentemente altere a pena única, para 5 anos 4 meses de prisão efetiva.”
O arguido não apresentou resposta ao recurso.
*
O recurso foi admitido, com subida imediata, nos próprios autos e efeito suspensivo.
Uma vez remetidos a este Tribunal, o Exm.º Senhor Procurador-Geral Adjunto deu parecer no sentido da procedência do recurso.
Foi cumprido o disposto no art.º 417.º, n.º 2, do CPP.
Proferido despacho liminar e colhidos os “vistos”, teve lugar a conferência.
*
II - A) Factos Provados
i. Da acusação nestes autos 287/22.8PGPDL:
1.
Pelas 18h10 do dia 7 de maio de 2022, o arguido AA tripulou o seu veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula ..-..-OH, na Canada do pinheiro, ..., sem para tal estar legalmente habilitado;
O arguido sabia que não se encontrava legalmente habilitado para conduzir e que a condução de veículos a motor na via pública só é permitida a quem se encontra legalmente habilitado para o efeito;
Não obstante, o arguido conduziu o veículo, nas circunstâncias de tempo e lugar descritas;
2.
Ainda nas referidas circunstâncias, o agente da PSP CC, que ali se encontrava com a agente DD a fiscalizar outra viatura, posicionou-se no centro da via pública deu ordem de paragem ao arguido;
No entanto, o arguido aumentou a velocidade da sua viatura, desobedecendo àquela ordem, tripulando o veículo na direção de CC, que apenas não foi por aquele atingido porque rapidamente se desviou da trajetória do veículo, e abandonou o local;
Arguido agiu com o propósito de desobedecer à ordem de paragem de CC para, dessa forma, se opor a que o mesmo praticasse um ato inerente às suas funções de agente da PSP, designadamente, proceder à sua fiscalização e à da viatura que tripulava;
Agiu sempre de forma livre, voluntária, deliberada e consciente, sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei penal.
ii. Da acusação nos autos 287/22.8PGPDL-A, outrora 508/20.1PGPDL:
3.
O arguido e BB (= BB) mantinham relação análoga à dos cônjuges há cerca de 7 anos, coabitando no ..., ...;
No dia 13.10.2020, durante a tarde, BB comunicou ao arguido que pretendia terminar a relação, tendo-se ausentado de casa;
Todavia, o arguido que não se conformou, e ordenou-lhe: «tu daqui não sais, anda para aqui» e foi no encalço de BB;
Pelas 17h10, junto ao ... e em plena via publica, o arguido alcançou a sua ex-companheira, agarrou-a à força pelos seus dois braços e puxou-a, enquanto afirmava: «anda para casa, anda para casa», ao que esta resistia, fazendo força para não se mover;
Após, ao arguido passou a agarrar BB pelos cabelos e a arrastá-la pela rua puxando-a pelos cabelos ao mesmo tempo que dizia: “...vens é para casa.!”
O arguido somente cessou com a sua conduta quando foi abordado por EE, que passava no local e, impressionada com os factos, foi em defesa de BB e deu um safanão no braço do arguido para que largasse a sua ex-companheira;
Como consequência direta e necessária da descrita conduta do arguido resultaram para BB, as seguintes lesões: no membro superior direito, equimose circular com diâmetro inferior a 0,5 cm na face interna do braço, no seu terço médio; no membro superior esquerdo, quatro equimoses anelares dispostas em linha e na diagonal à face interna do braço no terço médio;
Tais lesões, em condições normais, são determinantes de 5 dias de doença, sem afetação da capacidade ara o trabalho, geral ou especial;
Entretanto o arguido e BB reconciliaram-se;
O arguido agiu livre, voluntaria e conscientemente com o propósito alcançado de atingir BB no respetivo corpo, causando-lhe dor e as lesões que estão descritas;
Sabia que toda a sua descrita conduta era proibida e punida por lei;
iii. Resulta do relatório social do arguido e do seu CRC:
4.
a)
AA, de 41 anos de idade, encontra-se em cumprimento de pena desde 27.12.2022 no Estabelecimento Prisional de Ponta Delgada. O arguido nasceu no seio de agregado familiar de modesta condição socioeconómica e social, sendo o segundo elemento na ordem de nascimento de uma fratria de três, sendo que o pai exercia a profissão de operário, e a mãe doméstica. A separação dos progenitores do arguido ocorreu quando este contava cerca de treze anos de idade, e embora inicialmente ficasse a residir com a mãe e os avós maternos, por volta dos quinze anos ficou ao cuidado do progenitor e dos avós paternos, reconhecendo nos avós paternos sentimentos fraternais, sendo estes os elementos que identifica de proteção, cuidado e atenção. O arguido terá mantido contactos regulares com a progenitora, que lhe foi prestando sempre ao longo do seu crescimento e desenvolvimento afeto e apoio económico. O seu processo de desenvolvimento foi influenciado pela conduta do pai no seio familiar, com consumos nefastos de álcool, comportamento agressivo para com a progenitora do arguido, assim como atitude punitiva e rígida na forma de disciplinar os filhos. AA está habilitado com o 4º ano de escolaridade, manifestando desde tenra idade dificuldades ao nível da aquisição de conhecimento (muito reduzidos conhecimentos de leitura e nenhuns de escrita), tendo permanecido no Sistema Educativo até aos 16 anos, ainda que o seu percurso escolar fosse pautado por absentismo, ausentando-se da escola para estar com o seu grupo de pares. Entre 2004, e 2006, já adulto, em contexto prisional, terá concluído o 6º ano de escolaridade, não reconhecendo interesses na aprendizagem, preferindo o contexto de prática profissional. O arguido nunca efetivou um percurso laboral regular e estruturado, tendo, no entanto, executado várias tarefas na área de ..., …, …e …, esta última na empresa “...”, no ano de 2022, tendo abandonado esta atividade por ter recaído no consumo de substâncias sintéticas. Antes da atual reclusão, residia com a tia paterna FF, …, com o seu progenitor, GG, também …, e com a companheira BB. A relação familiar e conjugal dos tios passou por momentos de instabilidade, relacionada com as fases de consumo de estupefacientes e de bebidas alcoólicas por parte do arguido, com comportamentos impulsivos e instáveis. Da relação com a presumível vítima, o arguido desvaloriza os factos, não se revendo como agressor conjugal, minimizando a presumível conduta. Também no que respeita aos factos de condução sem habilitação legal e resistência e coação sobre funcionário, não se revê nas acusações. AA é um individuo com antecedentes criminais, registando diversos crimes de condução sem habilitação legal, com um perfil multi criminal, tendo já cumprido penas privativas de liberdade, quer no estabelecimento prisional, quer em regime de permanência na habitação com vigilância eletrónica, que decorreu na habitação da tia paterna, FF. O arguido iniciou o consumo de estupefacientes aos dezasseis anos de idade, em contexto de grupo de pares, prática que se foi intensificando com o avançar da adolescência, e inicio da idade adulto, passando ao consumo de heroína. Integrou programa de tratamento de opiáceos com Cloridrato de Metadona, até 10.6.2013, altura em que desistiu do tratamento. AA conseguiu manter abstinência a produtos estupefacientes, por alguns anos, mas nessa época intensificou o de bebidas alcoólicas. A partir de fevereiro de 2022, voltou a recair no consumo de substâncias estupefacientes, nomeadamente, drogas sintéticas, tendo sido orientado para a consulta de plantão na .... Atualmente em meio prisional não se encontra integrado em programa terapêutico, não tendo sido submetido a testes toxicológicos. Encontra-se com ocupação laboral no Estabelecimento Prisional com funções de ..., e tem recebido visitas regulares do seu pai, e pontuais da sua tia. Nos últimos três anos, está referenciado em inúmeras ocorrências, por diversas tipologias de crime. Quando confrontado com os factos, quer referentes à presumível vítima, quer aos crimes estradais, desculpabiliza alguns dos comportamentos pelo facto de estar com consumos de substancias sintéticas. Aparenta dificuldade na gestão de impulsos, e em ajustar o seu comportamento às normas e regras sociais, apresentando fragilidades pessoais e sociais, voltando a cometer de forma sistemática o mesmo tipo de ilícitos, apesar de ter já no passado, em 2020, beneficiado de Sessão Formativa – Condução Habilitada e Comportamento Rodoviário Responsável, integrado na ... AA de 41 anos de idade, é oriundo de agregado de modesta condição socioeconómica e cultural, revelando ao longo do seu processo de desenvolvimento dificuldades em conseguir estruturar um projeto de vida ajustado e autónomo, com múltiplas ligações ao Sistema Judicial, registando diversas condenações pela mesma prática de crime (condução sem habilitação legal), não tendo havido contenção na sua conduta a esse nível. O arguido apresenta um percurso profissional pouco estável, revelando dificuldades em manter uma atividade profissional regular, apresentando problemática aditiva desde a adolescência, com défices relativamente à motivação para uma mudança comportamental. Face à avaliação efetuada, e perante o impacto pouco duradouro das penas que têm vindo a ser aplicadas ao arguido, assim como a sua atual situação penal, nomeadamente, o cumprimento de pena efetiva de prisão, constituem-se áreas essenciais de intervenção, uma aposta continuada no âmbito da ocupação laboral/formativa, bem como no desenvolvimento das competências pessoais, sociais e da atitude pró-criminal;
b)
O arguido já foi condenado:
. Por sentença de 9.5.2000, relativamente a factos consubstanciadores do crime de condução sem habilitação legal praticados em 26.9.1999, na pena de multa;
. Por sentença de 5.12.2000, relativamente a factos consubstanciadores do crime de condução sem habilitação legal praticados em 24.11.200, na pena de prisão suspensa;
. Por sentença de26.2.2002, relativamente a factos consubstanciadores do crime de condução sem habilitação legal praticados em 10.2.2002, na pena de multa;
. Por sentença de 16.8.2002, relativamente a factos consubstanciadores do crime de condução sem habilitação legal praticados em 6.6.2002, na pena de prisão suspensa;
. Por sentença de 21.10.2002, relativamente a factos consubstanciadores do crime de condução sem habilitação legal praticados em 27.9.2002, na pena de prisão suspensa;
. Por sentença de 18.6.2003, relativamente a factos consubstanciadores do crime de condução sem habilitação legal praticados em 20.5.2003, na pena de prisão suspensa;
. Por sentença de 13.2.2004, relativamente a factos consubstanciadores do crime de condução sem habilitação legal praticados em 31.1.2004, na pena de prisão substituída por trabalho;
. Por sentença de 12.10.2005, relativamente a factos consubstanciadores do crime de condução sem habilitação legal praticados em 26.9.2005, na pena de prisão;
. Por sentença de 1.9.2009, relativamente a factos consubstanciadores do crime de falsas declarações praticados em 16.4.2007, na pena de multa;
. Por sentença de 24.9.2009, relativamente a factos consubstanciadores do crime de recetação praticados em 21.2.2009, na pena de multa;
. Por sentença de 7.6.1010, relativamente a factos consubstanciadores do crime de furto simples praticados em 17.2.2009, na pena de multa;
. Por sentença de 9.7.2010, relativamente a factos consubstanciadores do crime de condução sem habilitação legal praticados em 2.6.2010, na pena de prisão suspensa;
. Por sentença de 18.1.2011, relativamente a factos consubstanciadores do crime de furto tentado praticados em 6.6.2008, na pena de multa;
. Por sentença de 11.1.2011, relativamente a factos consubstanciadores do crime de furto simples praticados em agosto de 2009, na pena de prisão suspensa;
. Por sentença de 18.3.2011, relativamente a factos consubstanciadores do crime de furto simples praticados em 2.1.2010, na pena de prisão suspensa;
. Por sentença de 14.4.2011, relativamente a factos consubstanciadores dos crimes de furto simples e desobediência qualificada praticados em 26.12.2007 e 27.10.2009, na pena de prisão suspensa;
. Por sentença de 29.6.2011, relativamente a factos consubstanciadores do crime de condução sem habilitação legal praticados em 11.10.2010, na pena de prisão;
. Por sentença de 16.3.2012, relativamente a factos consubstanciadores do crime de condução sem habilitação legal praticados em 21.7.2010, na pena de prisão;
. Por sentença de24.9.2012, relativamente a factos consubstanciadores dos crimes de condução sem habilitação legal e furto simples praticados em 8.11.2010 e 10.6.2009, na pena de prisão suspensa;
. Por sentença de 9.11.2021, relativamente a factos consubstanciadores do crime de condução sem habilitação legal praticados em 10.2.2011, na pena de prisão;
. Por sentença de 25.2.2014, relativamente a factos consubstanciadores dos crimes de falsidade de boletins, atas e documento, de condução sem habilitação legal e furto simples praticados em 21.8.2011, na pena de prisão;
. Por sentença de 8.11.2019, relativamente a factos consubstanciadores do crime de condução sem habilitação legal praticados em 3.10.2019, na pena de prisão a cumprir na habitação;
. Por sentença de 28.10.2022, relativamente a factos consubstanciadores do crime de condução sem habilitação legal praticados em 25.9.2022, na pena de prisão;
. Por sentença de 27.3.2023, relativamente a factos consubstanciadores dos crimes de ofensa à integridade física simples e condução sem habilitação legal praticados em 7.10.2021, na pena de prisão;
. Por sentença de 3.5.2023, relativamente a factos consubstanciadores do crime de condução sem habilitação legal praticados em 26.4.2022, na pena de prisão;
*
II - B) Factos não provados
v. Da acusação nos autos 287/22.8PGPDL-A, outrora 508/20.1PGPDL:
6.
O arguido e BB mantinham relação análoga à dos cônjuges há cerca de 2 anos;
No dia 13.10.2020, durante a tarde, BB saiu de casa para evitar confrontos ou mesmo agressões pelo arguido;
Pelas 17h10, junto ao nº.49 da ... e em plena via publica BB respondia ao arguido: "- Deixa-me, eu vou embora eu não aguento mais.";
No dia 03 de Janeiro de 2020, pelas 2h30, o arguido atingiu a sua então companheira com três socos na cabeça do lado esquerdo, bem como lhe apertou os braços com força;
O arguido agiu livre, voluntaria e conscientemente com o propósito alcançado de exercer poder sobre e de dominar BB, querendo causar-lhe, como causou, medo, humilhação, vergonha e sofrimento físico e psíquico, e impedir, como impediu, a sua liberdade e o livre desenvolvimento da sua personalidade.
*
III – Objecto do recurso
De acordo com a jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário das Secções do STJ de 19.10.1995 (in D.R., série I-A, de 28.12.1995), o âmbito do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, sem prejuízo, contudo, das questões de conhecimento oficioso, designadamente a verificação da existência dos vícios indicados no nº 2 do art. 410º do Cód. Proc. Penal.
O recurso tem os seguintes fundamentos: (i) Os factos apurados, relativos à ofendida BB, integram a prática, pelo arguido, do crime de violência doméstica e não de ofensa à integridade física simples; (ii) medida da pena do crime de violência doméstica.
*
IV – Fundamentação
(Do vício da alínea b), do n.º 2, do artigo 410.º, do Código de Processo Penal, por contradição insanável entre o facto provado 15) e o facto não provado h))
Como refere HH (Recurso da matéria de facto, Revista “Julgar”, nº 10, 2010, pag. 28: Parece claro que há contradição na motivação (fundamentação, nas palavras da lei) quando para a decisão de um determinado ponto de facto são invocados meios probatórios totalmente incompatíveis entre si; como também parece haver clara contradição quando a motivação num raciocínio lógico conduz precisamente ao contrário do que se decidiu; como resulta da norma, para que o vício se verifique, a contradição tem que ser contradição, perdoe-se a redundância e tem de ser insanável, isto é, não ser ultrapassável pelo tribunal de recurso com eventual recurso às regras da experiência ou elementos dos autos; ou seja, o facto de se verificar uma contradição no texto da decisão não quer dizer que se esteja necessariamente logo em presença do vício previsto no artº 410º, nº 2, al. b).
O mesmo autor (HH, agora também na pag. 27 do mesmo artigo), deixa bem claro o seguinte: quando o recorrente alega este vício deve especificar no texto da decisão – é aqui que incide a análise, insiste-se – a matéria da contradição, aquilo que está em contradição; importa alertar o recorrente para a necessidade de produzir uma alegação precisa (e ainda mais precisa nas conclusões) que visa a matéria que realmente está em causa e não perder-se em críticas genéricas contra a decisão, naturalmente votadas ao fracasso; cometerá erro, quiçá irremediável, o recorrente que se consuma em fórmulas genéricas, inconformadas, que nada fundamentam; o recorrente está onerado a identificar clara e precisamente a factualidade em que se materializa a contradição que invoca.
Oficiosamente passamos a conhecer este vício.
O facto provado 3 é o seguinte:
O arguido e BB (= BB) mantinham relação análoga à dos cônjuges há cerca de 7 anos, coabitando no ..,….;
No dia 13.10.2020, durante a tarde, BB comunicou ao arguido que pretendia terminar a relação, tendo-se ausentado de casa;
Todavia, o arguido que não se conformou, e ordenou-lhe: «tu daqui não sais, anda para aqui» e foi no encalço de BB;
Pelas 17h10, junto ao... e em plena via publica, o arguido alcançou a sua ex-companheira, agarrou-a à força pelos seus dois braços e puxou-a, enquanto afirmava: «anda para casa, anda para casa», ao que esta resistia, fazendo força para não se mover;
Após, ao arguido passou a agarrar BB pelos cabelos e a arrastá-la pela rua puxando-a pelos cabelos ao mesmo tempo que dizia: “...vens é para casa.!”
O arguido somente cessou com a sua conduta quando foi abordado por EE, que passava no local e, impressionada com os factos, foi em defesa de BB e deu um safanão no braço do arguido para que largasse a sua ex-companheira;
Como consequência direta e necessária da descrita conduta do arguido resultaram para BB, as seguintes lesões: no membro superior direito, equimose circular com diâmetro inferior a 0,5 cm na face interna do braço, no seu terço médio; no membro superior esquerdo, quatro equimoses anelares dispostas em linha e na diagonal à face interna do braço no terço médio;
Tais lesões, em condições normais, são determinantes de 5 dias de doença, sem afetação da capacidade ara o trabalho, geral ou especial;
Entretanto o arguido e BB reconciliaram-se;
O arguido agiu livre, voluntaria e conscientemente com o propósito alcançado de atingir BB no respetivo corpo, causando-lhe dor e as lesões que estão descritas;
Sabia que toda a sua descrita conduta era proibida e punida por lei.”
E dá-se como não provado que o arguido agiu livre, voluntaria e conscientemente com o propósito alcançado de exercer poder sobre e de dominar BB, querendo causar-lhe, como causou, medo, humilhação, vergonha e sofrimento físico e psíquico, e impedir, como impediu, a sua liberdade e o livre desenvolvimento da sua personalidade.
O tribunal a quo motivou do seguinte modo a decisão quanto aos assinalados factos provados e não provados: “ o que está provado em 3. e não provado em 6., vem da compaginação do depoimento em parte confessório do arguido que tem corroboração nos depoimentos das testemunhas II e EE. O que não se provou corresponde a matéria que, não tendo sido confessada pelo arguido, apenas poderia, à falta de qualquer outro apoio, ser avançadas pela vítima que e recusou a depor. As lesões deixadas pelo arguido no corpo da ofendida estão anotadas e declaradas no exame de fls.21 e ss.”
Face ao exposto, não há dúvidas que existe total contradição entre a matéria considerada provada no facto 3 e a supra transcrita considerada não apurada. Não se pode provar um facto e o seu contrário.
O arguido agrediu a vítima de forma bruta e humilhante (agarrou-a à força pelos seus dois braços e puxou-a, depois passou a agarrá-la pelos cabelos e a arrastá-la pela rua, sempre a puxar pelos cabelos), apenas porque a ofendida lhe comunicou que pretendia terminar a relação existente entre ambos há cerca de 7 anos. E não restam dúvidas que o arguido assim agiu apenas para demovê-la da sua intenção, pois, ao mesmo tempo que a agredia, dizia: “anda para casa, anda para casa” (…) “vens é para casa.!”.
É manifesto que o arguido agiu tão só com o propósito de, por via da força, exercer poder e dominar a vítima, querendo causar-lhe, como causou, medo, humilhação, vergonha e sofrimento físico e psíquico, e impedir, como impediu, a sua liberdade de seguir a sua vida e o livre desenvolvimento da sua personalidade.
Tudo visto, resta suprir o apontado vício e considerar igualmente provado que o arguido agiu livre, voluntaria e conscientemente com o propósito alcançado de exercer poder sobre e de dominar BB, querendo causar-lhe, como causou, medo, humilhação, vergonha e sofrimento físico e psíquico, e impedir, como impediu, a sua liberdade e o livre desenvolvimento da sua personalidade.
*
(Da condenação do arguido pela prática do crime de violência doméstica)
O tipo de crime de violência doméstica visa punir criminalmente os casos mais chocantes de maus tratos em cônjuges ou em pessoa em situação análoga. Pune-se um tratamento cruel, excessivo, sem respeito pela dignidade da vítima, tudo com aproveitamento de uma autoridade do agressor que lhe advém do uso e abuso da sua força física.
Analisando a factualidade apurada, está assente que o arguido agrediu a ofendida apenas para afrontar a sua dignidade enquanto pessoa humana. O objectivo foi exclusivamente o de causar medo para evitar que ela levasse avante a intenção de terminar o relacionamento. E mais. Humilhou-a. Arrastou-a pelo cabelo, na via pública, como se fosse coisa sua, de modo a que fizesse o que ele queria.
Não importa, para a situação concreta, se houve dois ou três estalos ou empurrões, um ou dois pontapés, quatro ou cinco ameaças ou injúrias, ou se tudo ocorreu apenas num dia. Já há muito temos o entendimento (cfr. acórdãos de 07.12.2010, processo n.º 224/05.4GCTVD.L1-5, e de 27.10.2020, processo n.º 188/19.7PLSNT.L1-5, por nós relatado) que o crime de violência doméstica visa proteger muito mais do que os diversos ilícitos típicos que o podem preencher. Está em causa a dignidade humana da vítima, a sua saúde física e psíquica, a sua liberdade de determinação, que são brutalmente atingidas, não apenas através de ofensas, ameaças ou injúrias, mas essencialmente através de um clima de medo, angústia, intranquilidade, insegurança, infelicidade, fragilidade, humilhação, tudo provocado pelo agente. Situação que claramente resulta dos factos considerados provados.
Tudo isto provocando receio e inquietação à ofendida, que, pelo menos a partir daquelas agressões, se sentiu atingida na sua honra e consideração, receando pela sua segurança, fortemente violentada no seu amor-próprio e na sua dignidade. Tudo intencionalmente feito pelo arguido.
Do exposto resulta que os factos são claros e demonstram que o recorrente infligiu agressões físicas e psíquicas à aqui ofendida.
Está igualmente provado o dolo (directo), pois o arguido sabia que a ofendida era a sua companheira, e quis ofender (e ofendeu) a sua integridade física e psíquica. E, bem assim, a ilicitude (o desvalor jurídico-penal da sua conduta e do resultado).
Procede nesta parte o recurso, considerando-se, como o recorrente, que o arguido só pode ser condenado pelo crime de violência doméstica.
*
(Da medida da pena do crime de violência doméstica)
Vejamos, então, na perspectiva desta Relação qual a justa pena para o arguido.
A medida da pena, sem ponto de partida pré-determinado pela jurisprudência, tem como limiar mínimo a expectativa comunitária na validade (e reforço) das normas penais violadas. É a protecção dos bens jurídicos, a prevenção geral positiva. Não obstante, a culpa, assente num juízo de censura sobre a conduta do arguido reflectida no facto criminoso praticado, tem que estar sempre presente, seja como limite máximo, seja como fundamento (para além de não haver pena sem culpa, as normas constitucionais penais, como é o caso do art.º 18.º, n.º 2, da CRP, exigem que a medida concreta não possa, em caso algum, ultrapassar a culpa). E, finalmente, o pendor da pena, mais acima ou mais abaixo, está na denominada prevenção especial positiva, na reintegração do agente (que não tem tanto a ver com as suas relações sociais, se tem família ou amigos, mas sobretudo se é expectável que seja um cidadão fiel ao direito). Se são mínimas as exigências de prevenção especial, a medida da pena baixa; sobe quando são maiores tais exigências.
AA, de 41 anos de idade, encontra-se em cumprimento de pena desde 27.12.2022 no Estabelecimento Prisional de Ponta Delgada. O arguido nasceu no seio de agregado familiar de modesta condição socioeconómica e social, sendo o segundo elemento na ordem de nascimento de uma fratria de três, sendo que o pai exercia a profissão de operário, e a mãe doméstica. A separação dos progenitores do arguido ocorreu quando este contava cerca de treze anos de idade, e embora inicialmente ficasse a residir com a mãe e os avós maternos, por volta dos quinze anos ficou ao cuidado do progenitor e dos avós paternos, reconhecendo nos avós paternos sentimentos fraternais, sendo estes os elementos que identifica de proteção, cuidado e atenção. O arguido terá mantido contactos regulares com a progenitora, que lhe foi prestando sempre ao longo do seu crescimento e desenvolvimento afeto e apoio económico. O seu processo de desenvolvimento foi influenciado pela conduta do pai no seio familiar, com consumos nefastos de álcool, comportamento agressivo para com a progenitora do arguido, assim como atitude punitiva e rígida na forma de disciplinar os filhos. AA está habilitado com o 4º ano de escolaridade, manifestando desde tenra idade dificuldades ao nível da aquisição de conhecimento (muito reduzidos conhecimentos de leitura e nenhuns de escrita), tendo permanecido no Sistema Educativo até aos 16 anos, ainda que o seu percurso escolar fosse pautado por absentismo, ausentando-se da escola para estar com o seu grupo de pares. Entre 2004, e 2006, já adulto, em contexto prisional, terá concluído o 6º ano de escolaridade, não reconhecendo interesses na aprendizagem, preferindo o contexto de prática profissional. O arguido nunca efetivou um percurso laboral regular e estruturado, tendo, no entanto, executado várias tarefas na área de ..., …, … e …, esta última na empresa “...”, no ano de 2022, tendo abandonado esta atividade por ter recaído no consumo de substâncias sintéticas. Antes da atual reclusão, residia com a tia paterna FF, …, com o seu progenitor, GG, também …, e com a companheira BB. A relação familiar e conjugal dos tios passou por momentos de instabilidade, relacionada com as fases de consumo de estupefacientes e de bebidas alcoólicas por parte do arguido, com comportamentos impulsivos e instáveis. Da relação com a presumível vítima, o arguido desvaloriza os factos, não se revendo como agressor conjugal, minimizando a presumível conduta. Também no que respeita aos factos de condução sem habilitação legal e resistência e coação sobre funcionário, não se revê nas acusações. AA é um individuo com antecedentes criminais, registando diversos crimes de condução sem habilitação legal, com um perfil multi criminal, tendo já cumprido penas privativas de liberdade, quer no estabelecimento prisional, quer em regime de permanência na habitação com vigilância eletrónica, que decorreu na habitação da tia paterna, FF. O arguido iniciou o consumo de estupefacientes aos dezasseis anos de idade, em contexto de grupo de pares, prática que se foi intensificando com o avançar da adolescência, e inicio da idade adulto, passando ao consumo de heroína. Integrou programa de tratamento de opiáceos com Cloridrato de Metadona, até 10.6.2013, altura em que desistiu do tratamento. AA conseguiu manter abstinência a produtos estupefacientes, por alguns anos, mas nessa época intensificou o de bebidas alcoólicas. A partir de fevereiro de 2022, voltou a recair no consumo de substâncias estupefacientes, nomeadamente, drogas sintéticas, tendo sido orientado para a consulta de plantão na .... Atualmente em meio prisional não se encontra integrado em programa terapêutico, não tendo sido submetido a testes toxicológicos. Encontra-se com ocupação laboral no Estabelecimento Prisional com funções de ..., e tem recebido visitas regulares do seu pai, e pontuais da sua tia. Nos últimos três anos, está referenciado em inúmeras ocorrências, por diversas tipologias de crime. Quando confrontado com os factos, quer referentes à presumível vítima, quer aos crimes estradais, desculpabiliza alguns dos comportamentos pelo facto de estar com consumos de substancias sintéticas. Aparenta dificuldade na gestão de impulsos, e em ajustar o seu comportamento às normas e regras sociais, apresentando fragilidades pessoais e sociais, voltando a cometer de forma sistemática o mesmo tipo de ilícitos, apesar de ter já no passado, em 2020, beneficiado de Sessão Formativa – Condução Habilitada e Comportamento Rodoviário Responsável, integrado na ... AA de 41 anos de idade, é oriundo de agregado de modesta condição socioeconómica e cultural, revelando ao longo do seu processo de desenvolvimento dificuldades em conseguir estruturar um projeto de vida ajustado e autónomo, com múltiplas ligações ao Sistema Judicial, registando diversas condenações pela mesma prática de crime (condução sem habilitação legal), não tendo havido contenção na sua conduta a esse nível. O arguido apresenta um percurso profissional pouco estável, revelando dificuldades em manter uma atividade profissional regular, apresentando problemática aditiva desde a adolescência, com défices relativamente à motivação para uma mudança comportamental. Face à avaliação efetuada, e perante o impacto pouco duradouro das penas que têm vindo a ser aplicadas ao arguido, assim como a sua atual situação penal, nomeadamente, o cumprimento de pena efetiva de prisão, constituem-se áreas essenciais de intervenção, uma aposta continuada no âmbito da ocupação laboral/formativa, bem como no desenvolvimento das competências pessoais, sociais e da atitude pró-criminal.
O arguido já foi condenado:
. Por sentença de 9.5.2000, relativamente a factos consubstanciadores do crime de condução sem habilitação legal praticados em 26.9.1999, na pena de multa;
. Por sentença de 5.12.2000, relativamente a factos consubstanciadores do crime de condução sem habilitação legal praticados em 24.11.200, na pena de prisão suspensa;
. Por sentença de26.2.2002, relativamente a factos consubstanciadores do crime de condução sem habilitação legal praticados em 10.2.2002, na pena de multa;
. Por sentença de 16.8.2002, relativamente a factos consubstanciadores do crime de condução sem habilitação legal praticados em 6.6.2002, na pena de prisão suspensa;
. Por sentença de 21.10.2002, relativamente a factos consubstanciadores do crime de condução sem habilitação legal praticados em 27.9.2002, na pena de prisão suspensa;
. Por sentença de 18.6.2003, relativamente a factos consubstanciadores do crime de condução sem habilitação legal praticados em 20.5.2003, na pena de prisão suspensa;
. Por sentença de 13.2.2004, relativamente a factos consubstanciadores do crime de condução sem habilitação legal praticados em 31.1.2004, na pena de prisão substituída por trabalho;
. Por sentença de 12.10.2005, relativamente a factos consubstanciadores do crime de condução sem habilitação legal praticados em 26.9.2005, na pena de prisão;
. Por sentença de 1.9.2009, relativamente a factos consubstanciadores do crime de falsas declarações praticados em 16.4.2007, na pena de multa;
. Por sentença de 24.9.2009, relativamente a factos consubstanciadores do crime de recetação praticados em 21.2.2009, na pena de multa;
. Por sentença de 7.6.1010, relativamente a factos consubstanciadores do crime de furto simples praticados em 17.2.2009, na pena de multa;
. Por sentença de 9.7.2010, relativamente a factos consubstanciadores do crime de condução sem habilitação legal praticados em 2.6.2010, na pena de prisão suspensa;
. Por sentença de 18.1.2011, relativamente a factos consubstanciadores do crime de furto tentado praticados em 6.6.2008, na pena de multa;
. Por sentença de 11.1.2011, relativamente a factos consubstanciadores do crime de furto simples praticados em agosto de 2009, na pena de prisão suspensa;
. Por sentença de 18.3.2011, relativamente a factos consubstanciadores do crime de furto simples praticados em 2.1.2010, na pena de prisão suspensa;
. Por sentença de 14.4.2011, relativamente a factos consubstanciadores dos crimes de furto simples e desobediência qualificada praticados em 26.12.2007 e 27.10.2009, na pena de prisão suspensa;
. Por sentença de 29.6.2011, relativamente a factos consubstanciadores do crime de condução sem habilitação legal praticados em 11.10.2010, na pena de prisão;
. Por sentença de 16.3.2012, relativamente a factos consubstanciadores do crime de condução sem habilitação legal praticados em 21.7.2010, na pena de prisão;
. Por sentença de24.9.2012, relativamente a factos consubstanciadores dos crimes de condução sem habilitação legal e furto simples praticados em 8.11.2010 e 10.6.2009, na pena de prisão suspensa;
. Por sentença de 9.11.2021, relativamente a factos consubstanciadores do crime de condução sem habilitação legal praticados em 10.2.2011, na pena de prisão;
. Por sentença de 25.2.2014, relativamente a factos consubstanciadores dos crimes de falsidade de boletins, atas e documento, de condução sem habilitação legal e furto simples praticados em 21.8.2011, na pena de prisão;
. Por sentença de 8.11.2019, relativamente a factos consubstanciadores do crime de condução sem habilitação legal praticados em 3.10.2019, na pena de prisão a cumprir na habitação;
. Por sentença de 28.10.2022, relativamente a factos consubstanciadores do crime de condução sem habilitação legal praticados em 25.9.2022, na pena de prisão;
. Por sentença de 27.3.2023, relativamente a factos consubstanciadores dos crimes de ofensa à integridade física simples e condução sem habilitação legal praticados em 7.10.2021, na pena de prisão;
. Por sentença de 3.5.2023, relativamente a factos consubstanciadores do crime de condução sem habilitação legal praticados em 26.4.2022, na pena de prisão;
Acresce que em julgamento o arguido não revelou qualquer arrependimento. Nem sequer interiorizou a sua conduta, pois “da relação com a presumível vítima, o arguido desvaloriza os factos, não se revendo como agressor conjugal, minimizando a presumível conduta”. Como refere Simas Santos (Ac STJ de 21-06-2007, proc.° 07P2042, dgsi.pt): " Há arrependimento relevante quando o arguido mostre ter feito reflexão positiva sobre os factos ilícitos cometidos e propósito firme de, no futuro, inflectir na sua conduta anti-social, de modo a poder concluir-se pela probabilidade séria de não recair no crime. O arrependimento é um acto interior revelador de uma personalidade que rejeita o mal praticado e que permite um juízo de confiança no comportamento futuro do agente por forma a que, se vierem a deparar-se-lhe situações idênticas, não voltará a delinquir."
O arguido vem acusado pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo art. 152.º, n.º 1, al. a) e n.ºs 2, al. a), 4, 5 e 6, do Código Penal.
Está demonstrado que, ao tempo dos factos, a ofendida era companheira do arguido, existindo entre ambos uma relação análoga à dos cônjuges.
Estes factos integram o tipo de crime de violência doméstica previsto e punido pelo artigo 152.º, nºs 1, al. b), do CP, com pena de prisão de 1 a 5 anos.
A prevenção geral positiva, centrada nas expectativas da comunidade na validade e reforço das normas violadas, num crime muito praticado no nosso País, só se pode considerar acima da média. Acresce, em sede de prevenção geral negativa, que importa alertar os potenciais delinquentes para as penas e, deste modo, tentar evitar que outros homens (maridos, companheiros e namorados) repitam este exemplo.
O juízo de censura (a culpa) devido à actuação dolosa do arguido é igualmente elevado. O arguido, de modo livre, tendo alternativa para agir de outro modo e, não obstante cumprir e já ter cumprido penas privativas da liberdade, continua a delinquir.
Quanto à prevenção especial, é óbvio, pelo que fica dito, que as exigências são elevadíssimas, na medida em que o percurso criminoso do recorrente revela que não está minimamente interessado em ser fiel ao direito.
Dizer ainda que no crime de violência doméstica há especiais exigências preventivas que afastam uma eventual menor necessidade de pena em virtude da posterior reconciliação entre o recorrente e a vítima. A dignidade humana das vítimas de violência doméstica não é negociável, nem pode estar dependente dos desenvolvimentos da relação da vítima com o agressor.
Todavia, aqui chegados, cumpre verificar que o recorrente – Ministério Público – sustenta como ajustada a pena de prisão de 2 anos e 10 meses.
O âmbito do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, sendo certo que, no caso, não se verificam questões de conhecimento oficioso. Entende o recorrente que a pena de prisão não deve ser superior a dois anos e 10 meses. O arguido nem respondeu ao recurso, podendo daí concluir-se que, no limite, aceita a sanção proposta pelo Ministério Público. Se a instância de recurso condenar o arguido em pena de prisão superior, estaria a ultrapassar as balizas do recurso fixadas pelos intervenientes processuais. É que, em rigor, arguido e Ministério Público aceitaram que não havia lugar a condenação superior à pedida pelo recorrente, podendo assim entender-se que, nesta matéria, há caso julgado parcial.
Como refere Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, ponto 18 da anotação ao art.º 402.º, p. 1020, “no caso de recurso interposto pelo MP no interesse da acusação ou pelo assistente, a parte não impugnada da sentença transita definitivamente, formando caso julgado parcial e, por isso, da procedência do referido recurso não podem ser retiradas consequências relativamente à parte não impugnada da decisão”.
Acresce, e como se diz no acórdão desta Relação de 22.05.2007, processo nº 2977-2007-5, dgsi.pt, “ um processo equitativo, garantido pelo art.º 20.º, da C.R.P. (assim como pelo artigo 6.º, n.º 1, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, pelo art.º14.º, do Pacto Internacional sobre os Direito Civis e Políticos e reconhecido pela jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem), entendido como um processo equilibrado, justo e leal, em que os intervenientes processuais possam confiar, não é compatível com a possibilidade de reformatio in pejus por via indirecta”.
Importa ainda aqui deixar a jurisprudência do Tribunal Constitucional (acórdãos n.ºs 499/97 e 236/2007): “ Mas a conformação da proibição da reformatio in pejus, numa perspectiva jurídica que pondere globalmente todos os fins do sistema, não deve, na realidade, considerar apenas uma perspectiva de interesse do arguido, devendo, por isso, o âmbito da proibição ser delimitado na conexão entre as garantias de defesa e a realização da justiça. Não decorre, obviamente, da Constituição uma proibição absoluta da reformatio in pejus, pois isso seria conflituante com o direito ao recurso da acusação e com a realização da justiça. Mas tem de ser garantida, num certo grau, a estabilidade das sentenças judiciais. A sua revogabilidade não pode ser referida a um plano de justiça absoluta, mas apenas ao plano do recurso e da recorribilidade (cf. Bettiol, ob. cit., p. 307). O próprio direito ao recurso pressupõe a verificação de requisitos determinados, os quais justificam uma reapreciação dos factos provados ou do direito aplicado dentro da matéria recorrida, sendo o recurso a emanação de um poder não ilimitado de controlo pelos tribunais superiores das decisões proferidas em 1.ª instância. Ora, a proibição da reformatio in pejus é reclamada pela plenitude das garantias de defesa, quer porque a reformatio in pejus poderia surgir inesperadamente ou de modo insusceptível a ser contraditada pela defesa, quer porque restringiria gravemente as condições de exercício do direito ao recurso. São, assim, princípios constitucionais, na sua concretização no sistema jurídico, que exigem a configuração de uma certa medida de proibição de reformatio in pejus (...).”
O arguido tem, assim, a expectativa legítima de que a sua pena por violência doméstica não seja superior a 2 anos e 10 meses de prisão. Expectativa que advém de um julgamento em primeira instância e de um recurso limitado do MP, e que não pode ser defraudada ou frustrada por uma agravação da pena, por via de recurso, que o surpreenderia com um resultado que ele não contava a partir do momento em que a entidade que representa a acusação recorreu limitadamente da decisão proferida em 1ª instância.
Por conseguinte, e tendo em conta estes três factores – caso julgado parcial, violação da reformatio in pejus por via indirecta, expectativa legítima e confiança num processo leal (frustradas por decisões surpresa) – entende esta Relação que não pode ultrapassar o limite proposto pelo Ministério Público, e que constitui, afinal, o âmbito do recurso.
Aqui chegados, e embora a ponderação efectuada sobre a medida da pena justificasse uma pena acima da sustentada pelo Ministério Público, este tribunal superior não a pode ultrapassar, pelo que o arguido vai condenado na pena de 2 anos e 10 meses de prisão.
Termos em que, dando razão ao MP, revoga-se a decisão do tribunal a quo, e condena-se o arguido, como autor material de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo art. 152.º, n.º 1, al. a), do Código Penal, na pena de prisão de 2 (dois) anos e 10 (dez) meses de prisão.
*
(Do cúmulo jurídico)
O arguido foi condenado no acórdão recorrido:
- pela prática, como autor material e na forma consumada, de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, p. p. pelos artºs.3º, nºs.1 e 2 do Decreto-Lei nº 2/98, de 3 de janeiro, por referência aos artºs.121º, nº.1, 122º, nº.1 e 123º, nº.1, todos do Código da Estrada, na pena de 2 (dois) anos de prisão;
- pela prática, como autor material e na forma consumada, de um crime de resistência e coação sobre funcionário, p. e p. pelos artºs.13º, 14º, nº.1, 26º, 1ª parte e 347º, nº.2 do CP, por referência ao artº.386º do CP, o qual estará em concurso aparente (consunção) com um crime de ofensa à integridade física qualificada na forma tentada, p. e p. pelos artºs.13º, 14º, nº.1, 26º, 1ª parte, 143º, nº.1, 145º, nº.1, al.a) e nº.2, por referência ao artº.132º, nº.2, al. l), todos do CP, na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão.
Agora temos mais esta pena de prisão de dois anos e dez meses pelo crime de violência doméstica.
A moldura para este cúmulo jurídico fica entre os 2 anos e 10 meses e os 7 anos e 4 meses.
Como refere Figueiredo Dias, a pena conjunta do concurso será encontrada em função das exigências gerais de culpa e de prevenção, fornecendo a lei, para além dos critérios gerais de medida da pena contidos no art. 71.º, n.º1, um critério especial: o do artigo 77º, nº 1, 2ª parte.
Diz-se no Ac. do STJ de 14.09.2016, processo n.º 71/13.0JACBR.C1.S1, dgsi.pt: “Na indicação dos factos relevantes para a determinação da pena conjunta não relevam os que concretamente fundamentaram as penas parcelares, mas sim os que resultam de uma visão panóptica sobre aquele «pedaço» de vida do arguido, sinalizando as circunstâncias que consubstanciam os denominadores comuns da sua actividade criminosa o que, ao fim e ao cabo, não é mais do que traçar um quadro de interconexão entre os diversos ilícitos e esboçar a sua compreensão à face da respectiva personalidade, destarte se o mesmo tem propensão para o crime, ou se na realidade, estamos perante um conjunto de eventos criminosos episódicos, sem relação com a sua concreta personalidade. É esta avaliação global resultante desta interconexão geral, que permite apurar legitimamente o ilícito e culpa global, e perante tais conclusões, aferir in concreto a necessidade de prevenção especial e geral, à luz da amplitude que a apreciação total da actividade criminosa do agente permite”.
De novo citando Figueiredo Dias, na escolha da medida da pena “tudo deve passar-se (…) como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique. Na avaliação da personalidade – unitária – do agente relevará, sobretudo a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma «carreira») criminosa, ou tão-só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta. De grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização)” – Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, pg. 291.
E, finalmente, o STJ, em acórdão de 27/01/2016, processo n.º 178/12.0PAPBL.S2, dgsi.pt: “fundamental na formação da pena conjunta é a visão de conjunto, a eventual conexão dos factos entre si e a relação «desse bocado de vida criminosa com a personalidade (…). A pena conjunta deve formar-se mediante uma valoração completa da pessoa do autor e das diversas penas parcelares. Para a determinação da dimensão da pena conjunta o decisivo é que, antes do mais, se obtenha uma visão conjunta dos factos pois que a relação dos diversos factos entre si em especial o seu contexto; a maior ou menor autonomia a frequência da comissão dos delitos; a diversidade ou igualdade dos bens jurídicos protegidos violados e a forma de comissão bem como o peso conjunto das circunstâncias de facto sujeitas a julgamento mas também a recetividade à pena pelo agente deve ser objeto de nova discussão perante o concurso ou seja a sua culpa com referência ao acontecer conjunto da mesma forma que circunstâncias pessoais, como por exemplo uma eventual possível tendência criminosa.”
Aqui chegados, estamos a falar de um longo pedaço de vida do arguido, pois o início da prática criminosa recua a 1999. Num total de 25 condenações, com diversas penas privativas de liberdade. O arguido está desde 27.12.2022 a cumprir mais uma pena privativa da liberdade.
Acresce que o relatório social não é favorável ao arguido, pois:
“Nos últimos três anos, está referenciado em inúmeras ocorrências, por diversas tipologias de crime. Quando confrontado com os factos, quer referentes à presumível vítima, quer aos crimes estradais, desculpabiliza alguns dos comportamentos pelo facto de estar com consumos de substancias sintéticas. Aparenta dificuldade na gestão de impulsos, e em ajustar o seu comportamento às normas e regras sociais, apresentando fragilidades pessoais e sociais, voltando a cometer de forma sistemática o mesmo tipo de ilícitos; (…) O arguido apresenta um percurso profissional pouco estável, revelando dificuldades em manter uma atividade profissional regular, apresentando problemática aditiva desde a adolescência, com défices relativamente à motivação para uma mudança comportamental. Face à avaliação efetuada, e perante o impacto pouco duradouro das penas que têm vindo a ser aplicadas ao arguido, assim como a sua atual situação penal, nomeadamente, o cumprimento de pena efetiva de prisão, constituem-se áreas essenciais de intervenção, uma aposta continuada no âmbito da ocupação laboral/formativa, bem como no desenvolvimento das competências pessoais, sociais e da atitude pró-criminal).
Há uma ausência de competências para se ter a certeza que não voltará a delinquir.
Face ao exposto, e tendo em conta os princípios consignados no art° 77º, do Código Penal, nomeadamente a apreciação conjunta dos factos e a personalidade do agente, entendemos como adequada a pena única proposta pelo Ministério Público – 5 (cinco) anos e 4 (quatro) meses de prisão -, medida da pena que esperemos possa incentivar o arguido para a almejada ressocialização sem defraudar os limiares mínimos das expectativas comunitárias nas normas legais violadas.
*
(do pedido cível – artigos 21.º, da Lei n.º 112/2009, de 16.09, e 82.º-A, do CPP)
O Ministério Público veio deduzir o seguinte:
“ Nos termos do disposto pelo artigo pelos artigos 21.º da Lei 112/2009 de 16 de Setembro; 82.º A e 394.º n.º 2 al. b) e 82.º A n.º 1 do Código de Processo Penal, por danos pelo sofrimento e humilhação causados na sequencia dos factos descritos, deve ser fixado o seguinte montante indemnizatório a pagar à vítima pelo arguido: 1500€.”
Atenta a condenação do arguido pelo crime de violência doméstica, à vítima BB é reconhecido, no âmbito do processo penal, o direito a obter uma decisão de indemnização por parte do agente do crime, dentro de um prazo razoável, sendo que há sempre lugar à aplicação do disposto no artigo 82.º-A do Código de Processo Penal, exceto nos casos em que a vítima a tal expressamente se opuser. (cfr. art.º 21.º, n.º 1 e 2, da Lei n.º 112/2009, de 16.09.
Sucede que, na sessão de julgamento do dia 18.10.2023, a vítima BB veio expressamente dizer que não pretendia qualquer reparação/ indemnização, declaração que ficou gravada.
Pelo que não se condena o arguido na peticionada reparação/indemnização.
*
V – Decisão
Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em conceder provimento ao recurso do Ministério Público, e, em consequência:
- Condena-se o arguido AA, como autor material de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo art. 152.º, n.º 1, al. b), do Código Penal, na pena de prisão de 2 (dois) anos e 10 (dez) meses;
- Em cúmulo jurídico, englobando as penas de prisão de prisão em que foi condenado no acórdão recorrido e a agora fixada de violência doméstica, vai o arguido AA condenado na pena única de 5 (cinco) anos e 4 (quatro) meses de prisão;
- Atenta a oposição da vítima, não se condena o arguido a pagar a indemnização a que se refere os artigos 21.º, n.ºs 1 e 2, da Lei n.º 112/2009, de 16.09, e 82.º-A, do CPP.
Sem custas.

Lisboa, 19 de Março de 2024
Paulo Barreto
Manuel Advínculo Sequeira (vota a decisão)
Rui Coelho