Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
706/22.3PBLSB.L1-5
Relator: MAFALDA SEQUINHO DOS SANTOS
Descritores: DEPOIMENTO ORAL
PREVENÇÃO GERAL
ESTABELECIMENTO DE DIVERSÃO NOTURNA
PENA DE SUBSTITUIÇÃO
PERDÃO DA LEI Nº 38-A/2023 DE 2 DE AGOSTO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/19/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PARCIALMENTE PROVIDO
Sumário: (da responsabilidade da relatora)
I – Inexiste qualquer regra que imponha que depoimentos orais que evidenciam discrepâncias tenham de ser descartados na sua globalidade, cabendo, antes, ao Tribunal, no exercício da livre apreciação da prova, apurar em que medida o discurso pode ser valorado na formação da sua convicção e justificar porquê.
II - Ainda que se concorde serem prementes as necessidades de prevenção geral em agressões perpetradas em estabelecimentos de diversão noturna e por elementos da respetiva segurança, os propósitos preventivos de estabilização contra fáctica das expectativas comunitárias na validade da norma violada, reclamando uma intervenção forte do direito penal sancionatório, não impedem, por si só, a aplicação de uma pena de substituição.
III – A opção pela pena de substituição determina a revogação do perdão previsto na Lei n.º 38-A/2023, de 2 de agosto, em face do que dispõe o art. 3.º n.º 2, al. d) que havia sido aplicado.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam em conferência na 5ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:
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– Relatório
Nos presentes autos foi submetido a julgamento, em processo comum com intervenção de Tribunal Coletivo, o arguido:
AA, nascido a ...-...-1991, com Título de Residência n.º ... emitido a ...-...-2021, solteiro, natural de ..., filho de BB e de CC, residente na ...°, 2605-763 Casal de Cambra;
Sendo-lhe imputada a prática, em autoria material e concurso efetivo, de:
- Um crime de roubo, p.p. pelo artigo 210.°, n.º 1, e
- Um crime de ofensas à integridade física qualificada, p.p. pelos artigos 145.°, n.°1, al. a) e n.°2, por referência ao artigo 132.°, n.°2, als. e), f) e g) (NUIPC 706/22.3PBLSB9;
- Dois crimes de ofensas à integridade física qualificada, p.p. pelos artigos 145.°, n.°1, al. a) e n.°2, por referência ao artigo 132.°, n.°2, al. e) e f) e,
- Um crime de dano com violência, p.p. pelo artigo 212.°, n.º 1 e 214.°, n.º 1, al. a) (NUIPC 489/22.7PCLSB);
- Dois crimes de roubo agravado, p.p. pelo artigo 210.°, n.º 1 e 2, um deles por referência ao artigo 204.°, n.°1, al. f) - DD - e outro por referência ao artigo 204.°, n.°1, al.a) - EE;
- dois crimes de ofensas à integridade física qualificada, p.p. pelos artigos 145.°, n.°1, al. a) e n.°2, por referência ao artigo 132.°, n.°2, al. e), f), g) e h) (NUIPC 825/22.6PFLSB);
- Um crime de ofensas à integridade física qualificada, p.p. pelos artigos 145.°, n.°1, al. a) e n.°2, por referência ao artigo 132.°, n.°2, al. e), e g), todos do Código Penal (NUIPC 747/22.0PCLSB).
Por acórdão de 29/11/2023, e após comunicação da alteração não substancial dos factos, foi decidido, nomeadamente:
1) Absolver o arguido AA da prática de um crime de roubo, p. e p. pelo art. 210.º, n.º 1 do Código Penal (NUIPC 706/22.3PBLSB):
2) Absolver o arguido AA da prática de um crime de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. pelos arts. 145.°, n.°1, alínea a) e n.°2, por referência ao artigo 132.°, n.°2, alíneas e), f) e g) do Código Penal (NUIPC 706/22.3PBLSB):
3) Absolver o arguido AA da prática de dois crimes de roubo agravado, p. e p. pelos arts. 210°, ns. 1 e 2, um deles por referência ao artigo 204.°, n.°1, alínea f) - FF - e outro por referência ao artigo 204.°, n.°1, alínea a) - EE, todos do Código Penal (NUIPC 825/22.6PFLSB);
4) Absolver o arguido AA da prática de dois crimes de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. pelos arts. 145.°, n.°1, alínea a) e n.°2, por referência ao artigo 132.°, n.°2, alíneas e), f), g) e h) do Código Penal (NUIPC 825 /22.6PFLSB);
5) Absolver o arguido AA da prática de um crime de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. pelos arts. 145.°, n.°1, alínea a) e n.°2, por referência ao artigo 132.°, n.°2, alíneas e) e g) do Código Penal (NUIPC 747/22.0PCLSB);
6) Absolver o arguido AA da prática, de um crime de ofensa à integridade física qualificada, quanto ao ofendido GG, p. e p. pelos arts. 145.°, n.°1, alínea a) e n.°2, por referência ao artigo 132.°, n.°2, alíneas e) e f) (NUIPC 489/22.7PCLSB);
7) Condenar o arguido AA pela prática, de um crime de ofensa à integridade física qualificada, quanto ao ofendido HH, p. e p. pelos arts. 145.°, n.°1, alínea a) e n.°2, por referência ao artigo 132.°, n.°2 do Código Penal na pena de 3 (três) anos de prisão;
8) Condenar o arguido AA pela prática, de um crime de dano com violência, p. e p. pelos arts. 212.°, n.º 1 e 214.°, n.º 1, alínea a) do Código Penal na pena de 3 (três) anos de prisão;
9) Operando o cúmulo jurídico das penas parcelares, nos termos do disposto no art. 77.°, ns. 1, 2 e 3 do Código Penal, condenar o arguido AA na pena única de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão;
10) Declarar perdoado 1 (um) ano de prisão da pena única de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão aplicada ao arguido, com sujeição à condição resolutiva prevista na lei, no art. 8.°, isto é, o beneficiário não praticar infração dolosa no ano subsequente à sua entrada em vigor, caso em que à pena aplicada à infração superveniente acresce o cumprimento da pena ou parte da pena perdoada;
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O arguido foi sujeito à medida de coação de prisão preventiva em 12/07/2022. Por despacho proferido em 17/8/2023 foi substituída tal medida de coação pela medida de coação de obrigação de permanência na habitação com vigilância eletrónica, que se mantém.
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1.2 RECURSO Interposto pelo MINISTÉRIO Público:
Discordando da decisão proferida, na parte em que o Coletivo não suspendeu a execução da pena de prisão e aplicou o perdão de pena previsto na Lei 38-A/2023, de 2 de agosto, interpôs recurso o MINISTÉRIO PÚBLICO, extraindo da respetiva motivação, as seguintes conclusões:
«I.
O arguido AA foi condenado na pena única de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão pela prática de um crime de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. pelos arts. 145.°, n.°1, alínea a) e n.°2, por referência ao artigo 132.°, n.°2 do Código Penal, e um crime de dano com violência, p. e p. pelos arts. 212.°, n.º 1 e 214.°, n.º 1, alínea a) do Código Penal.
II.
Uma vez decidindo aplicar a pena única, o tribunal decidiu não suspender a execução da pena de prisão e declarou perdoado 1 (um) ano de prisão, nos termos da Lei 38-A/2023, de 2 de agosto.
III.
O Ministério Público, concordando com a dosimetria da pena única aplicada, considera que:
c) A pena de prisão deverá ser suspensa na sua execução, sujeita a regime de prova;
d) Caso assim não se entenda, não deverá ser declarado perdoado um ano de prisão uma vez que, à data dos factos, o arguido já tinha completado os 30 anos de idade.
IV.
Nos termos do artigo 50.º, 1, do Código Penal, " O tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”. 
V.
No caso, tendo aplicado uma pena única de quatro anos e seis meses de prisão, o tribunal entendeu não suspender a sua execução pelos seguintes motivos:
a) O arguido revelou uma não conformidade com o Direito, no cometimento dos ilícitos em causa nos autos;
b) Confrontando a atuação do arguido em relação aos ofendidos HH e GG e em relação a II, neste último caso, o arguido teve uma atuação adequada que permitiu ao tribunal concluir pela legítima defesa, contudo, em relação ao HH e ao GG foi o inverso, uma vez que pretendeu oferecer justificações descabidas de que tinha sido agredido pelos mesmos, apenas admitindo, como já se referiu, aquilo que consta de imagens e que se mostra chocante pelo desrespeito a que votou a vítima, HH arrastando-o pela gola da camisa como se de um mero objecto se tratasse. E não contente com isso, ainda agrediu o ofendido GG para lhe retirar e depois danificar o telemóvel do HH, pois sabia que aí constavam filmagens da sua atuação e queria eliminar as respetivas provas e quanto a tal nem sequer admitiu o que fez.
c) Apesar do que pretendeu fazer crer ao Tribunal não interiorizou o desvalor das suas condutas na plenitude. E tanto assim é que o relatório social conclui que se denota no arguido alguma dificuldade em identificar ou aceitar as fragilidades pessoais que motivaram a sua atual situação jurídico penal, e que o mesmo beneficiaria com um apoio psicológico que contribuísse para o esclarecimento dessas questões e concomitantemente, para a redução dos riscos de uma eventual reincidência, em meio livre.
d) o arguido como segurança, como já se referiu, em vez de ser, como o próprio nome indica um fator de segurança, se revelou, no caso dos ofendidos HH e GG, um factor de insegurança e causador de violência
e) Além disso, estes comportamentos violentos no âmbito da diversão noturna têm de ser severamente punidos, pela sua ocorrência cada vez mais frequente.
VI.
Entendemos que o tribunal, centrando-se essencialmente na natureza ilícita e gravidade dos factos praticados, omitiu a situação concreta do condenado no momento em que a sentença é proferida, fazendo uma avaliação errónea dos pressupostos da suspensão, violando assim o disposto no artigo 50° do CP. 
VII.
A gravidade dos factos, que justificaram a aplicação de uma pena de prisão acima dos limites mínimos, não contraria os seguintes elementos que permitem concluir que "a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição":
a) A inexistência de antecedentes criminais;
b) O impacto da vivência de uma situação de reclusão nos presentes autos, no âmbito das medidas de coação que lhe foram aplicadas;
c) O enquadramento social e familiar do arguido e a sua intenção declarada de mudar de profissão.
VIII.
AA não tem qualquer antecedente criminal - cfr. CRC junto aos autos a 15/11/2023 - pelo que não podemos alicerçar o juízo de prognose negativo sobre a eficácia da suspensão da pena de prisão na ineficácia para as finalidades da punição de condenações anteriores.
IX.
O arguido foi sujeito à medida de coação de prisão preventiva a 12/07/2022, numa altura em que se indicava a prática de três crimes de roubo, 6 crimes de ofensa à integridade física qualificada, 1 crime de dano com violência e um crime de violação, suspeitas essas que não se confirmaram no desenrolar do processo, algumas logo em sede de inquérito, outras em sede de julgamento (cfr. auto de interrogatório de 12/07/2022).
X.
A 17/08/2023 - ou seja, cerca de um ano depois de estar sujeito a prisão preventiva -, a medida de coação foi substituída pela medida de obrigação de permanência na habitação com sujeição a vigilância eletrónica, por o tribunal entender, conforma consta do despacho, que:
a) O arguido AA encontrava-se pela primeira vez em situação de reclusão (prisão preventiva), tendo apenas como antecedente criminal o registo de uma medida de suspensão provisória do processo de 2012, por um crime de furto, que atribuiu à sua juventude na época;
b) Apresenta um discurso auto-critico relativamente a alguns aspetos da sua conduta, revelando dispor de capacidades avaliativas e reflexivas.
c) Reconhece a necessidade de cumprir as normas e regras socialmente impostas e revela disponibilidade para cumprir as obrigações que lhe forem impostas, caso lhe seja concedida a medida de OPHVE
d) No EPL, onde se encontra em prisão preventiva desde julho de 2022, tem mantido uma conduta ajustada aos normativos institucionais, ocupando-se com atividades desportivas e leitura;
e) De acordo com as informações colhidas pela DGRSP, não se antecipam reações negativas à sua presença no contexto socio comunitário onde se poderá vir a inserir.
XI.
Desde essa data, até hoje, permanece sujeito à medida de coação de OPHVE, sem qualquer incidente.
XII.
Sabendo que as medidas de coação têm objetivos próprios de natureza cautelar e não de punição - são aplicadas sem qualquer condenação -, necessariamente têm efeitos em duas vertentes:
c) Na consciência por parte do agente sobre a gravidade da sua conduta, levando, como decorre do despacho acima referido, a uma reflexão pessoal sobre a necessidade de alterar comportamentos;
d) Na prevenção geral, pois a comunidade sabe que o agente que praticou estes factos foi, mesmo que a título cautelar, de imediato privado de liberdade, assegurando assim a segurança dos cidadãos, desincentivando comportamentos similares pela comunidade e promovendo a confiança na vigência da norma, precisamente o que visa atingir pelas finalidades preventivas negativas e positivas. 
Esta situação pessoal que levou o tribunal a alterar a medida de coação - uma evidente alteração da consciência da gravidade da sua conduta - não só não se alterou como se reforçou posteriormente, conforme resulta do relatório social elaborado para fundamentar a pena a aplicar, onde se refere:
a) Quando foi preso pelo presente processo (o arguido) encontrava-se assim, profissionalmente ativo, e sem problemas financeiros, bem integrado no grupo de amigos e com a perspetiva de trazer a progenitora para Portugal, por motivo de saúde desta;
b) Em liberdade, e em parte devido a este processo (…), AA perspetiva mudar de profissão e abrir uma empresa de transporte de passageiros (tipo Uber) onde possa trabalhar e empregar outras pessoas. Até ter condições para este projeto aceita trabalhar em qualquer sector de atividade.
c) Para AA esta constitui-se a primeira vez que se encontra em situação de reclusão, tendo apenas como antecedente criminal o registo de uma medida de suspensão provisória do processo de 2012, por um crime de furto, não constando como suspeito /arguido noutros processos posteriores - o que evidencia dispor de capacidade para ter condutas socialmente ajustadas.
d) Relativamente ao crime de que está acusado revela consciência critica sobre a gravidade da acusação e dolo que lhe está associado, bem como sentido auto critico sobre a sua conduta no campo profissional.
e) Trata-se de um arguido que dispõe de capacidades reflexivas e analíticas que lhe permitem compreender a gravidade dos crimes de que está acusado, pelo que os seus projetos atuais perspetivam o afastamento do trabalho como segurança e dos meios de risco que lhe estão associados, e o investimento noutras áreas profissionais sem estes riscos associados.
XIV.
Para além do impacto pessoal que a reclusão teve, o arguido tem um quadro de envolvimento social e familiar positivo, conforme também consta do relatório social:
a) Refere, contudo, sentimentos de desenquadramento relativamente ao meio prisional e algum isolamento social neste contexto. Beneficia, todavia, do apoio consistente de vários amigos que o visitam e procuram ajudar quer em meio prisional como futuramente em liberdade.
b) Conta para o efeito com algum suporte familiar e o apoio de vários amigos que se tem mostrado disponíveis ao longo da sua reclusão. 
XV.
Todos estes elementos permitem concluir que, conforme determina o artigo 50º do CP, "a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição" incluindo a prevenção geral sobre a censura a comportamentos violentos em sede de segurança noturna.
XVI.
A suspensão da pena deverá ter um período de cinco anos e ser acompanhada de regime de prova, nos termos previstos no n.º 2 do artigo 50° do CP, que deverá incluir necessariamente uma avaliação psicológica para atestar a necessidade de acompanhamento nas vertentes de controlo das emoções e, uma vez confirmada essa necessidade, o devido acompanhamento.
XVII.
Caso seja decidido suspender a pena de prisão, nos termos acima defendidos, não será aplicável o perdão previsto na Lei 38-A/2023 de 2 de agosto, uma vez que, nos termos do artigo 3°, n.º 2, al. d), da lei, não é abrangida pelo perdão a pena de prisão suspensa na sua execução desde que acompanhada de regime de prova.
XVIII.
Mas caso assim não se entenda, ao contrário do decidido pelo tribunal, não deverá ser aplicado o perdão previsto na citada lei por não se verificar o pressuposto de idade constante no seu artigo 2°, n.º 1.
XIX.
Nos termos do artigo 2°, 1, da lei 38-A/2023 de 2 de agosto, "Estão abrangidas pela presente lei as sanções penais relativas aos ilícitos praticados até às 00:00 horas de 19 de junho de 2023, por pessoas que tenham entre 16 e 30 anos de idade à data da prática do facto, nos termos definidos nos artigos 3.° e 4.°”
XX. 
A expressão "entre" abrange as idades que, no que se refere ao limite máximo, se situam "aquém" dos 30 anos de idade, o que ocorre logo no dia em que se atinge 30 anos, a partir do qual a pessoa passa a ter "mais" do que trinta anos de idade.
XXI.
Lugar paralelo consta do DL n.º 401/82, de 23 de Setembro, que depois de no sumário no Diário da República referir que "Institui o regime aplicável em matéria penal aos jovens com idade compreendida entre os 16 e os 21 anos", especifica no n.s 2 do artigo 1º que "É considerado jovem para efeitos deste diploma o agente que, à data da prática do crime, tiver completado 16 anos sem ter ainda atingido os 21 anos". Ou seja, atingindo 21 anos já não está abrangido por este regime legal.
XXII.
Uma vez que o arguido, quando praticou os factos - 4 de abril de 2022 - já tinha atingido os 30 anos de idade - completou 30 anos no dia 3/08/2021 - não beneficia do perdão, devendo assim, caso a pena de prisão não seja suspensa com regime de prova, ser alterada a decisão, revogando a aplicação do perdão de 1 ano de prisão.»
1.3 recurso interposto pelo arguido
De igual forma interpôs recurso o arguido, visando a respetiva absolvição ou, subsidiariamente, a suspensão da pena de prisão que lhe foi aplicada, extraindo da respetiva motivação as seguintes conclusões:
«A. O Recorrente considera que se encontram incorretamente julgados os factos dados com provados nos pontos 4. a 7., 10. a 11. e 13. a 14. da matéria de facto dada como provada que, por economia processual, aqui se dão por inteiramente reproduzidos.
B. Entende o recorrente, com o devido respeito, que, da conjugação prova produzida em audiência de julgamento e sua ponderação - maxime o Declarações do Arguido e Depoimento das Testemunhas HH e GG - impõe-se decisão diversa da recorrida.
C. Salvo melhor opinião, e com o devido respeito, que é muito, mal andou o Tribunal a quo ao dar como provados factos, que em momento algum foram provados em sede de audiência de discussão e julgamento.
D. E, não só não foram provados que as Declarações do Arguido e Depoimentos das Testemunhas vão precisamente em sentido contrário daquilo que o tribunal a quo deu como provado para condenar o ora Recorrente.
E. Decidindo como decidiu, o Tribunal a quo não fez uma correcta interpretação dos factos nem, tão pouco, uma adequada subsunção dos mesmos às normas jurídicas que se impunham aplicar e não às que foram aplicadas.
F. Nem extraiu, de acordo com as regras da experiência comum e de acordo com o Homem Médio e Senso Comum, o que urgia extrair.
G. Fê-lo, ainda assim, formando a sua convicção em pressupostos erróneos de interpretação dos factos, ao arrepio dos princípios orientadores do processo penal, nomeadamente violando os princípios para a aquisição dos dados objetivos, das regras da experiência e da lógica (por inerência ao artigo 127.° do C.P.P.) e o princípio "in dubio pro reo",
H. Tem o ora Recorrente que discordar veementemente deste Acórdão!
I. Desta forma, o recorrente impugna os factos dados como provados aludidos supra, considerando que os mesmos foram incorretamente julgados,
J. Por Acórdão decidiu o Tribunal a quo dar como provado que, no dia 04 de Abril de 2022, entre as 02:00H e as 02:30H, "os ofendidos deslocaram-se à casa de banho permanecendo ambos no mesmo cubículo para urinarem”,
K. E que "Ao aperceber-se que os Ofendidos se deslocaram juntos à casa de banho, o arguido AA foi atrás dos mesmos".
L. Mais entende o Tribunal a quo que, de imediato, "o arguido filmou os ofendidos lan e GG a terem contactos de natureza sexual no cubículo", começando "de imediato a desferir murros na cara do Ofendido lan Saunders” — cfr. pontos 4 a 7 da matéria de facto dada como provada.
M. Para tanto, a apreciação da prova foi operada de acordo com as regras da experiência e a livre convicção do julgador, mediante uma apreciação conjunta e crítica das declarações do Arguido, isto é, na admissão parcial dos factos, e o Depoimento das Testemunhas, nomeadamente HH e GG.
N. Mencionando que "A comprovar a credibilidade dos Ofendidos e que os mesmo não foram um mero repositório do que constava na acusação está a circunstância de ao invés do que constava na peça acusatória, não terem relatado agressões ao ofendido GG na casa de banho",
O. Referindo, ademais, que, ambos os ofendidos estavam alcoolizados, mas que o ofendido GG foi convincente quando referiu recordar-se das agressões e a violência exercida pelo Arguido pelo trauma que isso lhe causou.
P. Na verdade, o que se extrai da prova produzida em Julgamento é que quer os Ofendidos se recordem ou não recordem dos factos, conveniente ou inconvenientemente, o Tribunal dota os seus depoimentos de total credibilidade.
Q. Curioso é também o facto de ambos os Ofendidos possuírem uma memória bastante selectiva, digamos;
R. Das supostas agressões e extrema violência do Arguido recordam-se ambos perfeitamente, pese embora o estado de embriaguez, que aqui não é utilizado sob desculpa;
S. Já quanto aos contactos de natureza sexual, documentados nos autos, não se recordam "porque estavam alcoolizados" - aliás, o Ofendido lan refere, inclusive, tratar-se de um vídeo "fabricado, simulado".
T. Isto posto, é no mínimo inconcebível como o Il. Tribunal assenta tais depoimentos como credíveis e sérios.
U. Por seu turno, e pese embora a confissão do Arguido, ainda que parcial, e demais elementos probatórios da Defesa, o Tribunal a quo faz tábua rasa das suas declarações e da credibilidade que as mesmas merecem,
Desconsiderando a contextualização factual oferecida pelo Arguido que, por seu turno, é perfeitamente atendível e condizível com a realidade factual presumível;
W. Alegando, tão só, que, "o arguido apenas admitiu os factos que estão documentados pelas filmagens que o ofendido GG fez e que estão a fls. 42 a 47 referentes a ter arrastado o Ofendido GG pela gola da camisa"
X. Ora, seguiu o Tribunal a quo pelo caminho da descredibilização e desconsideração das declarações prestadas não só pelo Recorrente, como também pelos elementos probatórios por este apresentado e que, aos olhos do Homem Médio, se enquadram perfeitamente da sua versão dos factos.
Y. O Tribunal credibiliza, ao invés, a versão dos Ofendidos - omissa e incoerente aos olhos da Experiência Comum, adulterada e reajustada conforme lhes é conveniente, em função do alegado estado de embriaguez (que apenas é mencionado para determinados factos - os convenientes).
Z. Parece-nos realmente clara a tendência do Tribunal a quo em seguir, aderir e concretizar aquela que é a acusação do Ministério Público.
AA. A verdade é que, foi claro ora Recorrente ao relatar o sucedido no pretérito dia 04 de Abril de 2022.
BB. Mais se atente que, em momento algum ficou provado que os Ofendidos se tivessem deslocado à casa de banho juntos com o propósito de urinarem.
CC. Na verdade, e conforme se extrai dos elementos probatórios constantes dos autos, antes ficou provado que os alegados Ofendidos se deslocaram com o propósito de manter contactos sexuais,
DD. Impedindo os outros clientes do bar de utilizar a casa de banho durante alguns minutos - o que motivou a chamada do Arguido, Segurança, por parte de outros clientes.
EE. Ademais, não ficou provado, nem podia ficar, que o ora Recorrente se tenha apercebido que os Ofendidos se deslocaram juntos à casa de banho, tendo-os seguido de imediato, tampouco sabia que se encontravam ambos no cubículo, no interior da casa de banho.
FF. Aliás, pelas fotografias do Bar, juntas aos autos, comprova-se facilmente que era impossível ao Arguido vislumbrar sequer quem se dirigia à casa de banho, a partir da porta, estado o bar lotado.
GG. Neste seguimento, não corresponde à verdade, tampouco se provou, que o Arguido uma vez na casa de banho, de imediato filmou os Ofendidos em actos de cariz sexual.
HH. A verdade, conforme se extrai das declarações do Arguido, é que o Arguido, de facto, filmou os ofendidos, mas não foi com o propósito de capturar imagens dos contactos de natureza sexual.
II. Tão somente pretendia perceber o que se estaria a passar no interior do cubículo, uma vez que foi ignorado das várias vezes que bateu à porta e solicitou a abertura da mesma.
JJ. Na verdade, tendo por base o depoimento dos Ofendidos, aqueles não se recordam de tais factos, tampouco do que estariam a fazer na casa de banho, alegando a dita e sobredita embriaguez.
KK. Caricato, e não menos ardiloso, é o facto de os alegados Ofendidos recordarem de tudo após o arguido, a muito custo, ter conseguido abrir a porta do cubículo.
MM. E a verdade é que, assim que os ofendidos perceberam que se encontrava lá a mão do arguido, começaram a bater, com a porta, contra a mão do arguido (exercendo força contra a porta para o lado de fora).
NN. Aliás, causando-lhe as lesões evidenciadas nos fotogramas constantes de fls. 799 a 801.
OO. Posteriormente, aí sim, na sequência destas condutas dos Ofendidos despoletaram-se agressões de parte a parte - as quais não foram, em momento, algum negadas pelo ofendido.
PP. É-nos inconcebível que o Tribunal a quo, escandalosamente, não reconheça um nexo de causalidade entre as lesões evidenciadas e o evento descrito "mão entalada na porta",
QQ. Pois que, a prova, essa, é por demais evidente e está documentada de forma clara e objectiva – por fotogramas.
RR. Ainda mais inconcebível é que o Tribunal se deixe levar pela memória tão selectiva e ardilosa dos Ofendidos.
SS. Nenhum deles consegue concretizar quanto tempo estivaram trancados no cubículo e o que despoletou a ida do Segurança, aqui Recorrente, à casa de banho.
TT. Todavia, aparente e curiosamente, têm memória de tudo o resto: recordam-se de terem ido urinar (na verdade, o registo vídeo exibido em julgamento demonstra tudo menos dois homens a urinar), recordam-se de não terem agredido o Arguido, recordam-se de não terem empurrado a porta e entalado a mão do aqui Recorrente, recordam-se apenas do Arguido ter sido agressivo.
UU. Veja-se que, num curto hiato de tempo - frações de segundo, os Ofendidos deixam de não terem memória para se recordarem perfeitamente de tudo o que aconteceu.
VV. A este propósito veja-se as declarações prestadas pelo Arguido, na sessão de 15 de Novembro de 2023:
Declarações do Arguido - Ata de 15/11/2023,-Ficheiro Áudio Diligencia_706-22.3PBLSB_2023-11- 15_10-32-24:
"Arguido: 28:24: Nesse dia, fui lá (casa de banho), não me responderam. Eu tirei o meu telefone e filmei. (...) Por baixo, consegui ver que havia mais de dois pés lá dentro, então meti o telefone lá, vi que os senhores estavam no ato de praticar atos sexuais.
Então, bati na porta com mais força, e pedi aos senhores para saírem porque havia muitas pessoas para usarem a casa de banho e que não se podia fazer o que estavam a fazer. (...)
Bati na porta, eles recusavam-se a abir a porta e nem sequer respondiam. Então, eu empurrei a porta até abrir e, quando abriu, eu consegui meter a minha mão esquerda.
(...)
Arguido: 31:00: Abri. Eles empurraram e fecharam. Voltei a empurrar, outra vez, abri e consegui meter a minha mão esquerda na porta e empurrar.
Só que, ali, o GG (...) ele mete a mão na parede e o rabo na porta e começa a empurrar a porta, contra a minha mão. Eu fiquei com a minha mão presa entre a porta e a parede (...) comecei a gritar.
(...)
Arguido: 31:50: Assim que eu abro a porta, começaram a me bater e eu lhes bati de volta. Agora, mata-leão eu nunca fiz. Nuca fiz mata-leão a ninguém na minha vida. (...) Até porque eles estavam os dois a me bater. Se eu fizesse o mata-leão a um, o outro batia-me a mim.
(...)
Arguido: 33:05: O HH dá-me um soco. Dá-me um soco, acertou-me aqui na parte do ombro. Assim que ele me dá um soco, eu dou um soco também e puxu-o para fora do cubículo, e ali saí o GG também e começam-me a dar socos. (...)"
WW. Do depoimento prestado pela testemunha HH, na sessão de 27 de Setembro, com início a '09:41 e fim a '10:15, retiram-se as conclusões de que:
a) Contrariamente ao que havia dito, na sessão de 5 de Julho de 2023- referindo ter tomado poucas bebidas, e não se encontrar embriagado - admite que se encontrava bastante embriagado;
b) Que também a testemunha GG se encontrava bastante embriagada;
c) Não se recorda de detalhes relativamente ao que terá sucedido no interior do cubículo da casa de banho, nem tão pouco relativamente ao que terá sucedido após o arguido ter batido à porta.
XX. Resulta, assim, do depoimento da referida testemunha, dessa sessão, no que importa relativamente à presente matéria:
Depoimento da Testemunha IAN - Ata de 27/09/2023, entre as 09h42 e as 10h15-Ficheiro Áudio Diligencia_706-22.3PBLSB_2023-09-27_09-41-55:
A instâncias do Digníssimo Magistrado do Ministério Público, responde a testemunha (TRADUÇÃO DO INTÉRPRETE):
"Procurador: 00:02:40: o motivo pelo qual o Tribunal pretendia alguns esclarecimentos é que na, na sua inquirição na outra sessão referiu que não havia- uma expressão que eu registei aqui- que não havia nem drogas nem sexo envolvidos na questão de eles estarem com o Sr. GG na casa de banho. Procurador: 00:03:12: Isso é verdade? Foi isso que foi dito na na...
HH (Tradução): 00:03:18: Isso é verdade. Nem sexo nem drogas.
HH (Tradução): Acho que o segurança estava a mentir para ter uma espécie de alibi.
(...)
HH (Tradução): 00:04:15: Creio que terá sido uma versão inventada pelo segurança. Ele viu-nos a ir para a casa de banho e imaginou que poderia inventar uma espécie de história para seu benefício. Procurador: 00:05:17: O que sucede é que, essa mesmo versão, foi apresentada também aqui em Tribunal pelo acusado e juntou e existem documentos, juntou uma visualização de umas imagens que ele captou na altura, precisamente para perceber o que se estava a passar e poder agir, em que evidenciam-se, pelas imagens, atos sexuais deles dentro da casa de banho, contrariando assim o depoimento que ele está a fazer. Ele a testemunha.
Procurador: 00:06:00: Porque ele para saber o que se estava a passar, e foi nessa circunstância que o fez, colocou um telemóvel para perceber se o que é que se estava a passar dentro da casa de banho e identificou essas imagens de atos sexuais.
Procurador: 00:06:23: Portanto contraria o depoimento dele (testemunha) estando obrigado a dizer a verdade.
HH (Tradução): 00:07:35: O senhor está a dizer: não me lembro de nada de natureza sexual, eu estava bastante embriagado. Tinha estado a beijar o rapaz na pista de dança, mas, e lembro-me que, assim que fomos para o cubículo, ele começou a bater à porta, é o máximo que me lembro... Não me consigo lembrar de pormenores, estou a falar de memória o melhor que consigo. Não sei o que é que está nas imagens, não me lembro de muito. Lembro-me de ter urinando enquanto estava lá.
Procurador: 00:08:07: Ahmm.. isto é importante uma vez que de facto há a obrigação dele de dizer a verdade e nós temos de esclarecer a verdade. A natureza dos atos sexuais que ele pudesse estar a praticar, o Tribunal não tem nenhuma censura sobre essa matéria... mas é importante para perceber a motivação do comportamento do arguido. E por isso pergunto então, agora perante esta este depoimento, se ele pode afirmar que não havia droga ou sexo envolvido, ou afinal não se recorda e admite que possa ter tido esses atos.
Tradução Depoimento: 00:09:07: De certeza, absoluta, sem nada de drogas.
Continuação: 00:09:32: Eu gostei muito daquele rapaz, estava muito agradado com ele. Não me lembro de ter tido relações sexuais com ele, lembro-me de nos termos tocado, mas não me lembro de ter relações sexuais no cubículo.
Continuação: 00:10:41: O senhor está a esclarecer que ele naquele dia, depois de ter saído, ficou com um traumatismo craniano, que produziu efeitos vários dias. Admite que isso possa interferir na lembrança, na memória que tem daquele momento. Diz que ao longo do último ano também foi diagnosticado como neuro diverso, na sequência de um trauma." (...)
A testemunha foi confrontada com as imagens, a pedido da defesa.
A instância do Ilustre Tribunal:
"Tradução (a ser confrontado com as imagens exibidas): 00:13:00: Não sou eu. Quem é este?
Juiz Presidente: 00:13:04: Diga ao senhor que vamos agora mostrar o... isto é, portanto, um frame de um vídeo, vamos, portanto, mostrar o vídeo completo.
Tradução: 00:13:22: As mãos nem sequer parecem do GG.
Juiz Presidente: 00:13:40: É um vídeo extraído do telemóvel do Sr. Arguido.
Tradução Depoimento: 00:14:53: Está alguém a ter relações sexuais, creio que é fabricado, que é simulado, não serei eu...
Continuação: 00:15:30: Estava tão bêbado...
Juiz Presidente: 00:15:32: Vai ver outro, são dois.
Tradução Depoimento: 00:16:06: Se é tudo?...
Juiz Presidente: 00:16:08: De vídeo é o que nós temos.
Juiz Presidente: 00:16:12: Depois temos imagens da mão do Sr. Arguido.
Tradução Depoimento: 00:16:23: Compreende que isto seja visto como um ato de natureza sexual, mas isto para mim não é ter relações sexuais.
Continuação Tradução: 00:16:51: Sinto vergonha destas imagens, mas, para mim, isto não são relações sexuais.
Juiz Presidente: 00:16:57: Pergunte se viu as imagens da mão do Sr. Arguido."
(...)
A testemunha é confrontada novamente com a fotografia da mão do arguido.
A instâncias do Mandatário do Arguido:
"Tradução Depoimento: 00:17:33: Vejo, mas não vejo grande coisa.
Advogado Defesa: 00:17:50: Pergunto se se recorda, se o Sr. lan se recorda da Sr.ª Dr.ª Juíza lhe ter perguntado se tinha tido algum ato de natureza sexual e explicou concretamente, de lhe ter dito concretamente que atos de natureza sexual são todos os atos de intimidade que envolvam, e ele disse concretamente que não e especificamente que não.
Tradução Depoimento: 00:19:56: O senhor está a indicar que está muito triste por não conseguir oferecer... lembrar-se suficientemente do que se passou naquela noite. Recorda que naquela noite foi brutalmente atacado. Estava muito embriagado. Que tentou contactar com estas pessoas durante meses. Que é perturbador ver este vídeo, que pede desculpa a todos por não se lembrar, por não se ter conseguido lembrar de algo que se esforçou por se lembrar. Consegue perceber agora porque é que estes atos são vistos como sendo de natureza sexual. Tentou seguir com a sua vida para a frente. Ver este vídeo foi muito difícil para ele. Só pode pedir desculpa, mas esta pessoa atacou-me indevidamente, a mim e ao meu amigo, quando estávamos embriagados.
Advogado Defesa: 00:20:45: Recorda-se, na última sessão, de ter dito expressamente, quando perguntado, julgo até que mais que uma vez, se estava bêbado ou não, se se recorda de ter dito se estava ou se não estava bêbado.
Tradução Depoimento: 00:21:06: Lembro-me.
Advogado Defesa: 00:21:07: Lembra-se do que respondeu?
Tradução Depoimento: 00:21:18: Que tinha bebido qualquer coisa, que tinha bebido algumas bebidas. Continuação tradução depoimento: 00:21:33: Percebe o que está a dizer e sente muita vergonha do que aconteceu naquela noite.
Continuação tradução depoimento:00:21:52: Imaginei que o arguido tentaria aproveitar-se do meu estado de embriaguez, de eu não me lembrar das coisas.
Advogado Defesa: 00:22:02: Pergunto só se, na anterior sessão, se disse ou não que estava bêbado. (...) Se na última sessão disse que sim ou não que estava bêbado ou que não estava bêbado.
Tradução Depoimento: 00:22:31: Creio que disse qualquer coisa como... consumi umas bebidas, mas não me recordo.
Continuação tradução depoimento: 00:22:54: Lembro-me de o arguido me ter perguntado se eu estava capaz de conduzir e de ter respondido que ninguém devia conduzir depois de beber.
Advogado Defesa: 00:23:01: Não. Na última sessão aqui em Tribunal, ele foi perguntado se estava bêbado. Se se recorda do que é que disse.
Tradução depoimento: 00:23:33: O que lhe disse é o que me lembro, por isso provavelmente não. Advogado Defesa: 00:23:39: Se se recorda, agora, que... se se recorda de ter empurrado a porta contra o senhor segurança para que ele não entrasse.
Tradução depoimento: 00:24:00: Não. Não me lembro disso.
Continuação tradução depoimento: 00:24:19: Eu não retaliei... (...) eu não retaliei... (...) eu não retaliei, ele é que me atacou de forma violenta. Ele é uma pessoa muito maior do que eu, sei que é uma pessoa que tem condenações prévias. (...) Ele é profissional disto, eu sou contabilista. Esta pessoa está a tentar fazer-me transparecer uma pessoa bêbada e violenta, e eu não sou nada violento, sou uma pessoa bastante pacífica.
Advogado Defesa: 00:25:15: Como é que ele sabe se, que tem condenações anteriores, porque é que está a dizer isso?
Tradução depoimento: 00:26:30: O senhor esclareceu que quando falou em condenações prévias não sabia se o arguido tinha, isso foi falha minha - do tradutor. peço desculpa, estava a dizer que ele nunca teve problemas com a justiça, nem sofreu qualquer condenação, que é uma pessoa bastante pacífica que nunca teve problemas, e que o arguido é muito maior do que ele. Lembra-se de ter sido agredido, considera que perdeu a consciência imediatamente a seguir e lembra-se de se sentir a ser puxado, arrastado. "
XX. Do depoimento prestado pela testemunha GG, na sessão de 27 de Setembro, retiram-se as conclusões de que:
a) Que também se encontrava embriagado, muito;
b) Não se recorda de detalhes relativamente ao que terá sucedido no interior do cubículo da casa de banho nem de um conjunto de situações ocorridas naquele estabelecimento de diversão;
c) Que apenas se recorda das agressões.
YY. Resulta, assim, do depoimento da referida testemunha, dessa sessão, no que importa relativamente à presente matéria:
Depoimento da Testemunha GG - Ata de 15/11/2023,-Ficheiro Áudio Diligencia_706- 22.3PBLSB 2023-11-15 10-32-24:
A instâncias do Mandatário do Arguido e uma vez confrontado com o registo videográfico responde a Testemunha:
Advogado Defesa: 04:27: Não se recorda so que aconteceu ali? Disse que teria demorado, pelo menos, uns 40 minutos a fazer isso. A minha pergunta é, se não se recorda, mais uma vez, se o sr. AA os tirou de lá porque estavam a ocupar a casa de banho que era preciso ser ocupada por outras pessoas? Testemunha: o vídeo não tem mais de dez segundos.
Advogado de Defesa: 40 minutos foi o Sr. que disse. Não fui eu.
(...)
Mm.° Juiz Presidente: 05:42: Sr. GG, o Sr. recorda-se ou não se recorda do tempo que lá esteve? Testemunha: eu sei que não estive lá mais de 5 minutos.
(...)
Advogado Defesa: 06.03: o Sr. não se recorda se fez ou se não fez sexo, mas recorda-se que demorou menos de 5 ou 6 minutos...
Testemunha: Sim. Porque o meu amigo ele falou.
(...)
Testemunha: 08:24: O sr. me questionou do que é que eu não me recordo. Eu só me recordo da agressão.
(...)
Advogado Defesa: 09:40: Pergunto ainda se o Sr. se Recorda, quando o Sr. AA tentou entrar na casa de banho, se a mão dele foi entalada ou não, se ele pôs a mão ou não e se vocês reagiram à força que ele fez para abrir a porta da casa de banho?
Testemunha: Jamais reagiria. Não tem como reagir. Não tem como ficar preso.
Advogado Defesa: Não tem como ficar preso como, se ele meteu a mão dentro da porta? Testemunha: Existe um grande espaço. Não tem como a mão ficar presa ali.
(...)
Testemunha: 10:25: Não, não empurrámos (a porta).
Advogado Defesa: não empurraram ou o sr. não se recorda?
Testemunha: Não empurrámos.
Advogado Defesa: Como é que o Sr. sabe que não o fez, uma vez que não se recorda de um conjunto de situações que ocorreram aqui?
(...)
Testemunha: Sr., concordamos em discordar.
(...)
Advogado Defesa: 12:28: Pergunto-lhe ainda, estavam outros presos na casa de banho? No outro cubículo ?
Testemunha: Não me recordo".
ZZ. De tudo quanto supra vertido, nomeadamente dos Depoimentos das Testemunhas, da lógica e experiência comum depreende-se que os factos dados como provados e que ora se retratam resultam de uma mera dedução daquilo que poderia ter sucedido naquela madrugada, sem qualquer suporte probatório.
AAA. E assim dúvidas não existem relativamente à evidência de um erro de julgamento.
BBB. Havendo sido violado, de modo gravoso, o princípio in dubio pro reo (alicerçado na presunção de inocência do arguido), com assento constitucional no Artigo 32.° da Constituição da República Portuguesa.
CCC. Pois que ao arguido não seria sequer exigível o ónus de provar a sua inocência, mas antes à Acusação provar a sua culpa, - o que não se logrou efetuar, na falta de elementos probatórios.
DDD. Princípio que deve, também ele, ser articulado com as regras de apreciação de prova, prescritas pelo Artigo 127.° do CPP.
EEE. Considerando-se que, os referidos factos foram incorretamente julgados como provados, e que deverá, como tal, ser alterada a matéria de facto dada como provada, sendo o arguido absolvido pela prática do crime de que vem acusado.
FFF. Ademais, decidiu o Tribunal a quo dar como provado que:
a) "O arguido AA ao aperceber-se que estava a ser filmado/fotografado pelo ofendido GG, exigiu-lhe o telefone do ofendido HH e perante a recusa de GG, o arguido desferiu-lhe murros na face e retirou-lhe o telemóvel Apple Iphone 12, com o valor comercial entre os €500,00 e os €700,00." - Ponto 10 da Matéria de Facto dada como Provada.
b) "Na posse do telemóvel, AA destruiu o mesmo, com a intenção de tornar o conteúdo (fotos/vídeos das agressões ao ofendido HH) inacessíveis." — Ponto 11 da Matéria de Facto dada como Provada.
GGG. O douto Tribunal alicerçou a sua convicção relativamente a estes factos no depoimento testemunhal do ofendido HH, que, de acordo com o que é plasmado na fundamentação:
(...) “explicou que estava no bar "...", com o GG, estavam a beijar-se na pista de dança, foram à casa de banho, ouviu um bater forte na porta, abriu a porta do compartimento, um segurança agarra-o e começa a dar-lhe murros, várias vezes na cabeça, no peito, agarrou no pescoço, e arrastou-o para trás, perdeu a consciência, não resistiu nem retaliou, o seu corpo estava mole, foi arrastado e deixado no meio da rua. Acrescentou que começou a sentir as dores, inchaço e parte dos dentes partiu-se e estava em choque, que a sua cara estava com altos, a boca inchada e dorida, o sobrolho e parte da cabeça, que tinha nódoas negras nos braços, que sentiu o dente partido e que foi ao hospital no dia seguinte." (...).
HHH. Do depoimento prestado pela testemunha na sessão de 27 de Setembro, com início a '09:41 e fim a '10:15, retiram-se as conclusões de que:
a) Contrariamente ao que havia dito, na sessão de 5 de Julho de 2023- referindo ter tomado poucas bebidas, e não se encontrar embriagado - admite que se encontrava bastante embriagado;
b) Que também a testemunha GG se encontrava bastante embriagada;
c) Não se recorda de detalhes relativamente ao que terá sucedido no interior do cubículo da casa de banho, nem tão pouco relativamente ao que terá sucedido após o arguido ter batido à porta.
III. Assim resultando do depoimento da testemunha, dessa sessão, no que importa relativamente à presente matéria:
Depoimento da Testemunha - Ata de 27/09/2023, entre as 09h42 e as 10h15-Ficheiro Áudio Diligencia_706-22.3PBLSB_2023-09-27_09-41-55:
A instâncias do Digníssimo Magistrado do Ministério Público, responde a testemunha (TRADUÇÃO DO INTÉRPRETE):
00’07’35: "O senhor está a dizer: não me lembro de nada de natureza sexual, eu estava bastante embriagado. Tinha estado a beijar o rapaz na pista de dança, mas, e lembro-me que, assim que fomos para o cubículo, ele começou a bater à porta, é o máximo que me lembro... Não me consigo lembrar de pormenores, estou a falar de memória o melhor que consigo. Não sei o que é que está nas imagens, não me lembro de muito. Lembro-me de ter urinando enquanto estava lá.";
A Instâncias do Ilustre Mandatário do Arguido, responde a testemunha (TRADUÇÃO DO INTÉRPRETE): 00'19'56: "O senhor está a indicar que está muito triste por não conseguir oferecer... lembrar-se suficientemente do que se passou naquela noite. Recorda que naquela noite foi brutalmente atacado. Estava muito embriagado. Que tentou contactar com estas pessoas durante meses. Que é perturbador ver este vídeo, que pede desculpa a todos por não se lembrar, por não se ter conseguido lembrar de algo que se esforçou por se lembrar. Consegue perceber agora porque é que estes atos são vistos como sendo de natureza sexual. Tentou seguir com a sua vida para a frente. Ver este vídeo foi muito difícil para ele. Só pode pedir desculpa, mas esta pessoa atacou-me indevidamente, a mim e ao meu amigo, quando estávamos embriagados."
00’21'52: "Imaginei que o arguido tentaria aproveitar-se do meu estado de embriaguez, de eu não me lembrar das coisas."
E, aliás, quando diretamente questionado acerca do seu estado, a instâncias do Ilustre Mandatário do Arguido, nos seguintes termos:
ADVOGADO DO ARGUIDO: 00'23'0l: "Não. Na última sessão aqui em Tribunal, ele foi perguntado se estava bêbado. Se se recorda do que é que disse."
A resposta da testemunha foi no sentido de que (TRADUÇÃO DO INTÉRPRETE):
00'23'33: "0 que lhe disse é o que me lembro, por isso provavelmente não."
JJJ. Em primeiro lugar, como se constata do teor das declarações do ofendido, este não se recorda dos factos que terão tido lugar a partir do momento em que se encontrava no cubículo da casa de banho com o ofendido GG, pois que, de outro modo, lembrar-se-ia que dos atos praticados no interior.
KKK. A sua falta de memória poderá certamente resultar do seu estado de embriaguez.
LLL. E, segundo o seu depoimento, também o ofendido GG se encontrava no mesmo estado.
MMM. Não se compreende como poderá ser conferido um grau de credibilidade às suas declarações relativamente ao que sucedeu após o recorrente ter batido à porta, - pois que se não se recorda, não poderá, por meio de suposição, afirmar que o arguido terá iniciado as agressões assim que saíram da casa de banho, nem tão pouco presumir o que terá acontecido ao seu telemóvel.
NNN. Por, aliás, existir prova fotográfica do hematoma causado na mão do arguido, quando ambos os ofendidos empurraram, com força, a porta contra aquela, almejando impedir-lhe o acesso ao cubículo, e afastá-lo.
OOO. E não se depreende, também, por outro lado, como não é essa credibilidade afetada quando as declarações prestadas na sessão de 27 de Setembro, se encontram em plena contradição com aquelas outras prestadas, pela mesma Testemunha, na sessão de 5 de Julho de 2023.
PPP. Do mero facto de que a Testemunha perdeu o telemóvel, de algum modo de que não se recorda, não se deduz uma conduta agressiva perpetrada pelo arguido para o efeito.
RRR. Consta da fundamentação do douto Acórdão (Convicção do Tribunal e Exame Crítico das Provas), a este propósito que:
(...) "Também se baseou tal convicção no depoimento testemunhal do ofendido GG, que explicou que no ..., foi à casa de banho uma primeira vez, mas não conseguiu pois estava uma grande fila, que depois foi outra vez e entrou com o HH e foram os dois urinar e que não se recorda de ter feito mais nada, porque estava muito alcoolizado.
Acrescentou que bateram à porta, encostaram-na às suas costas, bateu nas suas costas, sentiu a porta e o HH levou um soco na cabeça.
Esclareceu ainda que foi o arguido que começou a dar socos ao HH, a enforcá-lo, disse que não havia necessidade disso que ele estava sem respirar, que o arguido fez um golpe de mata leão e o HH desmaiou e o arguido AA continuou a enforcá-lo, que dizia que ele estava assim e o arguido arrasta o HH pela gola da camisa pelo chão como um objecto, chegou à porta do bar e atirou o HH ao chão.
Acrescentou que o telemóvel do lan caiu ao chão e pegou no telemóvel e começou a filmar e depois guardou-o, que tirou o seu telemóvel e também filmou e guardou.
Referiu ainda que o arguido lhe pediu o telemóvel e ele puxava com uma mão o telemóvel e com outra dava-lhe socos na cara, e cedeu, abriu a sua mão e ele ficou com o telemóvel do lan." (...).
SSS. Salvo o devido respeito, não se extrai sequer da fundamentação daquela que foi a súmula das declarações do ofendido GG, plasmada pelo Tribunal, qualquer facto suscetível de configurar a prática dos factos dados como provados nos Pontos 10. e 11 (da matéria de facto dada como provada).
TTT. Aliás, esta mesma súmula foi produzida pelo Tribunal na sessão de 15 de Novembro de 2023, da Audiência de Discussão e Julgamento, tendo sido dito o seguinte no que releva para a matéria a apreço:
Leitura de Súmula do Depoimento da Testemunha GG (Artigo 332.°, n.° 7 do CPP) - Ata de 15/11/2023, entre as 10h50 e as 10h55- Diligencia 706-22.3PBLSB 2023-11-15 10-32-24:
JUIZ PRESIDENTE: 00’19'39: "O telemóvel do lan caiu ao chão e este senhor apanhou-o e começou a filmar... Também o senhor GG diz que filmou com o seu telemóvel e que depois guardou-o. Diz que o senhor chega à porta do bar e atira o lan ao chão, que foram buscar ajuda e... pediu para ligarem para a Polícia, diz que o senhor pediu-lhe o telemóvel, puxava com uma mão o telemóvel e com outra dava lhe socos na cara. Lembra-se de três socos. Cedeu, abriu a sua mão, e ficou com o telemóvel do lan."
UUU. Ora, é entendimento do recorrente que, conforme decorre das regras de experiência comum, é inverosímil que o arguido, depois de agarrar o ofendido lan e de tê-lo deixado no chão, exigisse com uma mão o telemóvel, da mão do ofendido GG, enquanto simultaneamente lhe desferia socos.
VVV. Se efetivamente tivesse sido pretensão do arguido apossar-se do telemóvel não faria sentido que se conformasse, de seguida, com o facto de aquele ter caído no chão e retomado à posse do ofendido GG.
WWW. Por outro lado, será razoável e mais plausível supor, de acordo com as regras de experiência comum, que o telemóvel terá caído ao chão durante as agressões, tendo-se partido, e sendo, a final, recuperado pela Testemunha GG.
XXX. Pois que se existisse a alegada intenção de destruição do telemóvel por uma também hipotética constatação de que o arguido estava a ser filmado, não o teria certamente deixado no chão.
YYY. Pelo que se depreende que este facto resultou de mera dedução daquilo que poderia ter sucedido naquela madrugada, relativamente ao telemóvel, sem qualquer suporte probatório.
Temos assim que, foi violado, de modo gravoso, o princípio in dubio pro reo (alicerçado na presunção de inocência do arguido), com assento constitucional no Artigo 32.° da Constituição da República Portuguesa.
AAAA. Pois que ao arguido não seria sequer exigível o ónus de provar a sua inocência, mas antes à Acusação provar a sua culpa, - o que não se logrou efetuar, na falta de elementos probatórios.
BBBB. Princípio que deve, também ele, ser articulado com as regras de apreciação de prova, prescritas pelo Artigo 127.° do CPP.
CCCC. Neste sentido, impõem-se a aplicação do princípio do in dubio pro reo que constitui uma imposição dirigida ao julgador no sentido de se pronunciar de forma favorável ao arguido, quando não tiver certeza sobre os factos decisivos para a decisão da causa - artigo 32.°, n. °2 da CRP.
DDDD. A sua preterição exige que o julgador tenha ficado na dúvida sobre factos relevantes e, nesse estado de dúvida, tenha decidido contra o arguido, o que, efetivamente se verificou face aos fundamentos da matéria de facto provada que o douto tribunal a quo o condena por força da exclusão de outras hipóteses.
EEEE. Defende o TRP no Acórdão n.92020/10.8PBMTS.P1, de 23 de outubro de 2013 que "I - Para a condenação em processo penal exige-se um juízo de certeza para além de toda a dúvida razoável e não de mera probabilidade
FFFF. Considerando-se que, os referidos factos foram incorretamente julgados como provados, e que deverá, como tal, ser alterada a matéria de facto dada como provada, sendo o arguido absolvido pela prática do crime de que vem acusado.
GGGG. Mais, do Acórdão resulta que:
"13) Ao desferir murros no ofendido lan quando este se encontrava na casa de banho, pretendeu o arguido molestá-lo fisicamente, sem qualquer motivo.
14) Ao destruir o telemóvel do ofendido HH o arguido pretendeu evitar que as agressões ao ofendido HH fossem filmadas, e atuou com essa intenção, não se inibindo de utilizar novamente a violência para concretizar os seus intentos.".
HHHH. Ora, conforme ficou já supra exposto, o Tribunal alicerça a sua convicção relativamente à ocorrência destes factos nos depoimentos das Testemunhas HH, e GG.
IIII. Além de se extrair do depoimento prestado pelo ofendido HH, nos termos melhor supra plasmados, que efetivamente se encontrava bastante embriagado, é o próprio que afirma que de nada se recorda a partir do momento em que entrou no cubículo da casa de banho.
JJJJ. Assim resulta das declarações prestadas na sessão da Audiência, de 27 de Setembro:
Depoimento da Testemunha - Ata de 27/09/2023, entre as 09h42 e as 10h15- Ficheiro Áudio Diligencia_706-22.3PBLSB_2023-09-27_09-41-55:
A instâncias do Digníssimo Magistrado do Ministério Público, responde a testemunha (TRADUÇÃO DO INTÉRPRETE):
00'07'35: "O senhor está a dizer: não me lembro de nada de natureza sexual, eu estava bastante embriagado. Tinha estado a beijar o rapaz na pista de dança, mas, e lembro-me que, assim que fomos para o cubículo, ele começou a bater à porta, é o máximo que me lembro... Não me consigo lembrar de pormenores, estou a falar de memória o melhor que consigo. Não sei o que é que está nas imagens, não me lembro de muito. Lembro-me de ter urinando enquanto estava lá.";
KKKK. Com efeito, e não afastando o facto de terem existido agressões, aliás, confessadas pelo arguido recorrente, no interior do bar, mas já fora da casa de banho, não existem elementos probatórios no Processo capazes de corroborar o facto de ter sido o arguido a iniciar as agressões, nem tão pouco no interior da casa de banho.
LLLL. Do depoimento das Testemunhas HH e GG, conjugado com as Declarações prestadas pelo arguido, pode extrair-se que efetivamente este bateu à porta do cubículo da casa de banho, onde se encontravam os ofendidos.
MMMM. Face à demora na utilização da casa de banho, - que aliás apenas foi percecionada, a inicio, pelo recorrente pelas queixas persistentes dos clientes do bar, - o recorrente efetivamente começou a bater à porta.
NNNN. Não se afigura verosímil pensar que assim que os ofendidos saíssem do cubículo o arguido começasse, sem motivo, a desferir socos a um deles.
OOOO. Resulta do depoimento da testemunha GG, que se deslocou à casa de banho para urinar, acompanhado do Sr. HH, e que não se recorda de ter tido contactos sexuais, por alegadamente se encontrar alcoolizado.
PPPP. Mais referiu o ofendido GG, na sessão da Audiência do dia 15 de Novembro, que a porta do cubículo não se encontrava trancada, pelo que, após se ter apercebido que bateram à porta, abriram-na, batendo contra as suas costas.
QQQQ. É neste momento que a Testemunha explica que o ofendido HH, que se encontrava, ate lá, e segundo as regras da lógica, no interior do cubículo, do lado da sanita, sofre um soco desferido pelo arguido, na zona da cabeça.
RRRR. Assim e do que decorre, aliás, da súmula do Depoimento do ofendido GG patente na motivação do Tribunal a quo.
SSSS. E conforme foi reproduzida pelo douto Tribunal no decurso da sessão de 15 de Novembro:
Leitura de Súmula do Depoimento da Testemunha GG (Artigo 332.°, n.° 7 do CPP) - Ata de 15/11/2023, entre as 10h50 e as 10h55- Diligencia_706-22.3PBLSB_2023-U-15_10-32-24:
JUIZ PRESIDENTE: 00'18'26: "Diz que o senhor estava à entrada e o amigo do HH foi-se embora porque não gostou do ambiente. Que foi a casa de banho 1 primeira vez, mas não conseguiu porque estava uma grande fila, o Sr. GG. Depois foi outra vez, entrou com o HH, foram os dois urinar, não se recorda de ter feito mais nada porque estava muito alcoolizado. A porta não estava trancada. E bateram e encostaram a porta às suas costas, abriu e bateu nas suas costas. Sentiu a porta e HH levou um soco na cabeça. HH estava do lado da porta que abria."
TTTT. O primeiro detalhe que faz sentido assinalar, reside precisamente no facto de que, do vídeo junto ao Processo, gravado com o telemóvel do arguido, dos contactos sexuais das Testemunhas no interior do cubículo, resulta que é HH que se encontra do lado da parede/sanita, e GG, de costas para a porta.
UUUU. Contudo, a Testemunha GG acaba por assinalar, no decurso do seu depoimento, que afinal é HH quem se encontra do lado da porta.
VVVV. Motivo pelo qual, mais uma vez, não se pode ter o depoimento da testemunha GG por credível, porque também ele contraditório.
WWWW. Por outro lado, não estando a porta trancada, mais sentido faz que o arguido tenha colocado a sua mão pela porta, com vista a evitar que aquela fechasse, o que lhe provocou as lesões evidenciadas nas imagens examinadas em sede de Audiência.
XXXX. As lesões do arguido são constatáveis na prova fotográfica que juntou ao processo, e não existe prova no sentido de que tenha sido o recorrente a iniciar as agressões.
YYYY. Não existe qualquer elemento probatório que corrobore o facto de que o arguido destruiu o telemóvel do ofendido HH.
ZZZZ. Sendo que a hipotéticos atos, só corresponderão hipotéticas intenções ou motivações.
AAAAA. Cumprindo acrescentar, a final, que, além da contrariedade do depoimento de ambas as Testemunhas, - já por si próprio- , o depoimento da Testemunha GG nunca poderia ter servido à formação da convicção do Tribunal como serviu, uma vez que se depreendeu que existiu contacto entre os ofendidos antes de este último ter vindo a depor.
BBBBB. Senão veja-se que, na sessão de 27 de Setembro, é a própria Testemunha HH, a afirmar que encetará contacto com GG, para que venha a prestar o seu depoimento em sede de Audiência:
Depoimento da Testemunha - Ata de 27/09/2023, entre as 09h42 e as 10h15- Ficheiro Áudio Diligencia_706-22.3PBLSB_2023-09-27_09-41-55:
A Instâncias do Juiz Presidente, no sentido de que se obtivesse algum contacto da testemunha GG, responde a testemunha HH (TRADUÇÃO DO INTÉRPRETE):
CCCCC. 00'27'32: "Tenho o instagram."
00'27'42: "Perguntei-lhe se ele estava disponível para falar em Tribunal, que sei que o Ministério Público queria."
O ofendido lan acaba por disponibilizar o contacto da Testemunha GG.
DDDDD. Tendo-lhe certamente sido comunicado o andamento da Audiência.
EEEEE. Entende o recorrente que, da conjugação prova produzida em audiência de julgamento e sua ponderação - maxime o Declarações do Arguido e Depoimento das Testemunhas HH e GG impõe-se decisão diversa da recorrida.
FFFFF. Salvo melhor opinião, mal andou o Tribunal a quo ao dar como provados factos, que em momento algum foram provados em sede de audiência de discussão e julgamento.
GGGGG. E, não só não foram provados que as Declarações do Arguido e Depoimentos das Testemunhas vão precisamente em sentido contrário daquilo que o tribunal a quo deu como provado para condenar o ora Recorrente.
HHHHH. Fê-lo, ainda assim, formando a sua convicção em pressupostos erróneos de interpretação dos factos, ao arrepio dos princípios orientadores do processo penal, nomeadamente violando os princípios para a aquisição dos dados objetivos, das regras da experiência e da lógica (por inerência ao artigo 127.° do C.P.P.) e o princípio "in dubio pro reo",
IIIII. Ancorado a sua convicção em Depoimentos dos Ofendidos/testemunhas contraditórios e amplamente comprometidos.
JJJJJ. O tribunal a quo fez "tábua rasa" da prova produzida e exposta supra, que impõe decisão diversa, sem qualquer justificação, indício ou regras do senso comum para afirmar e dar como provados os factos que deu.
KKKKK. Ao dar como provados tais factos, nas versões que constam da fundamentação do Acórdão, violou, entre outros, o princípio da Livre apreciação da Prova, consagrado no art. 127.° do CPPenal.
LLLLL. Conforme saliente FIGUEIREDO DIAS in "Direito Processual...", pág. 139, este princípio está associado ao "...dever de perseguir a chamada «verdade material» -, de tal sorte que a apreciação há-de ser, em concreto, reconduzível a critérios objectivos e, portanto, em geral suscetível de motivação e controlo".
MMMMM. No entanto, e como bem enaltece HENRIQUE EIRAS in "Processo Penal Elementar". Quid lurys, 2003, 4.- Edição, p. 102. refere que este princípio "...não significa que o tribunal possa utilizar essa liberdade à sua vontade, de modo discricionário e arbitrário, decidindo como entender, sem fundamentação. O Juiz tem de orientar a produção de prova para a busca da verdade material e, ao decidir, há-se fundamentar as suas decisões...".
NNNNN. Refere também FERNANDO GAMA LOBO, in Código de Processo Penal Anotado, Almedina, 2019, 3.- Edição, pág. 223, que "As regras de experiência têm de corresponder à experiência comum, inerente à sociedade em que vive e a livre convicção têm de corresponder a substratos racionais apreensíveis pela generalidade das pessoas".
OOOOO. Isto é o que se presume e o que efetivamente deveria suceder,
PPPPP. Não o que in casu sucedeu!
QQQQQ. Ao decidir como decidiu, o Tribunal a quo não observou as mais elementares regras da experiência comum, apreensíveis pela generalidade das pessoas, e em vez de aplicar o princípio sério de livre apreciação da prova, foi no sentido de somente considerar a prova - in casu, a falta de prova - da acusação num seguidismo cego da sua tese.
RRRRR. Veja-se, assim, o mencionado no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, no âmbito do Processo n.° 3/07.4GAVGS.C2, de01/10/2009: "a Livre convicção não pode confundir-se com a íntima convicção do julgador, impondo-lhe a lei que extraia das provas um convencionamento lógico e motivado, avaliadas as provas com sentido de responsabilidade bom senso, e valoradas segundo parâmetros da lógica do homem médio e as regras da experiência".
SSSSS. Considera-se, pois, que para efeitos do art. 412°, n.° 3, al. a) do CPP os referidos factos foram incorretamente julgados como provados.
TTTTT. Assim, deverá a matéria de facto dada como provada ser alterada, a fim de o arguido e aqui Recorrente ser absolvido pelos crimes de que vem condenado.
UUUUU. Acresce ainda que o douto Acórdão padece de Nulidade, pois que, se se constata do teor do Ponto 43. que o arguido terá consciência da gravidade e dolo associados aos atos pelos quais vem acusado, bem como acerca da sua conduta profissional, e do Ponto 44., que o arguido dispõe de capacidades analíticas que lhe permitem compreender a gravidade dos crimes pelos quais vem acusado, não se depreende como se poderá concluir, no Ponto 45., que afinal existe dificuldade, da parte do arguido, em identificar as fragilidades que motivaram a sua situação jurídico-penal.
VVVVV. A este propósito, decorre do douto Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães (ANTÓNIO CONDESSO), Proc. n.° 3805/12.6IDPRT.G1, de 11/05/2015, que:
"O vício a que alude o art° 410°, n.° 2, b) do CPP, apenas se verificará quando, analisada a matéria de facto, se chegue a conclusões antagónicas entre si e que não podem ser ultrapassadas, ou seja, quando se dá por provado e como não provado o mesmo facto, quando se afirma e se nega a mesma coisa, ao mesmo tempo, ou quando simultaneamente se dão como provados factos contraditórios ou quando a contradição se estabelece entre a fundamentação probatória da matéria de facto, sendo ainda de considerar a existência de contradição entre a fundamentação e a decisão." (...).
WWWWW. A consideração acerca da capacidade de compreensão do arguido relativamente à gravidade da acusação e do alegado dolo usado, bem como a capacidade de avaliação das suas ações, revelam-se imprescindíveis elementos a considerar para efeitos da avaliação da capacidade de reintegração do arguido.
XXXXX. Intrínseca às finalidades especiais positivas da pena.
YYYYY. Neste sentido, e conforme é plasmado no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra (FERNANDO VENTURA), Processo n.° 480/07.3GAMLD.C1, de 16/07/2008, cujo teor é infra parcialmente transcrito: (...) "No modelo que enforma o regime penal vigente, norteado, como decorre do art° 40° do CP, pelo binómio prevenção-culpa, cumpre encontrar primeiro uma moldura de prevenção geral positiva, determinada em função da necessidade de tutela das expectativas comunitárias na manutenção e reforço da validade da norma violada. Fixada esta, correspondendo nos seus limites inferior e superior à proteção ótima e proteção mínima do bem jurídico afetado, deve o julgador encontrar a medida concreta da pena em conjugação com as exigências de prevenção especial de socialização do agente, sem ultrapassar a culpa revelada na conduta antiiurídica." (...).
ZZZZZ. Não se depreende como se poderá concluir, no Ponto 45., que afinal existe dificuldade, da parte do arguido, em identificar as fragilidades que motivaram a sua situação jurídico-penal.
AAAAAA. Resulta, assim, do corpo da Decisão um Erro-Vício, previsto no art. 410.°, n.°2, al. b) do CPPenal, que se traduz na Contradição insanável entre a Fundamentação e a Decisão.
BBBBBB. Este é um vício endógeno do Acórdão, que resulta do mesmo e do que nele se encontra corporizado, traduzindo-se numa contradição clara e inegável entre a Fundamentação e a Decisão.
CCCCCC. É, sem margem para qualquer dúvida, o que se verifica no Acórdão ora Recorrido.
DDDDDD. Verifica-se, in casu, um Vício de Contradição Insanável entre a fundamentação e a decisão, pois que, perante a análise global efectuada e de acordo com o raciocínio vertido pelo Tribunal a quo, seria de concluir, justificadamente, pela fundamentação em análise, uma decisão de diferente da tomada, nomeadamente quanto às necessidades de prevenção especial e, consequentemente, quanto à medida de pena aplicada.
EEEEEE. Verifica-se o vício de contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão, como se salienta no Ac. do STJ de 29/10/2015, Proc. no 230/10.7JAAVR.P1.S1, disponível em www.dgsi.pt, quando se dá como provado e não provado determinado facto, quando ao mesmo tempo se afirma ou nega a mesma coisa, quando simultaneamente se dão como assentes factos contraditórios e ainda quando se estabelece confronto insuperável e contraditório entre a fundamentação probatória da matéria de facto ou contradição entre a fundamentação e a decisão, quando a fundamentação justifica decisão oposta ou não justifica a decisão.
FFFFFF. Ou seja, resulta da oposição entre factos provados entre si incompatíveis; entre a matéria de facto provada e a não provada; quando se dá como provado um determinado facto e da motivação da convicção resulta, face à valoração probatória e ao raciocínio dedutivo explanado, que seria outra a decisão de facto correcta; ou, quando a fundamentação de facto e de direito conduzem a uma determinada decisão final e no dispositivo da sentença consta decisão de sentido inverso.
GGGGGG. A verdade é que à Motivação e Fundamentação segue-se a Decisão. Decisão essa que há de ser coerente com a Fundamentação, não podendo entre a Fundamentação e a Decisão existir outro tipo de relacionamento que não seja aquele que existe entre as premissas e a conclusão, isto é dizer, um Silogismo Lógico.
HHHHHH. Na senda do vertido, e cabalmente aplicável no caso vertente, aponta o Acórdão do STJ, datado de 2610-2006, disponível em www.pgdlisboa.pt:
"I - "A contradição insanável da fundamentação respeita antes de mais à fundamentação da matéria de facto, mas pode respeitar também à contradição na própria matéria de facto (fundamento da decisão de direito). Assim, tanto constitui fundamento de recurso, ao abrigo da alínea b) do n.º 2 do art. 410.º a contradição entre matéria de facto dada como provada, ou como provada e não provada, pois pode existir contradição insanável não só entre os factos dados como provados, mas também entre os dados como provados e os não provados, como entre a fundamentação probatória da matéria de facto. A contradição pode existir também entre a fundamentação e a decisão, pois a fundamentação pode apontar para uma dada decisão e a decisão recorrida nada ter com a fundamentação apresentada" - Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, pág. 340.".
IIIIII. Sem prejuízo de tudo quanto supra referido, entende o Recorrente que o Acórdão Recorrido padece de ERRO NA APLICAÇÃO DO ARTIGO 4Q.º, 50.º 70.° E 71.° TODOS DO CÓDIGO PENAL.
JJJJJJ. Nos termos do artigo 50.°, 1, do Código Penal, " O tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição".
KKKKKK. Entende o recorrente que o tribunal, centrando-se, quase totalmente, na natureza ilícita e gravidade dos factos praticados, omitiu e/ou desconsiderou por completo a situação concreta do condenado quando a sentença é proferida.
LLLLLL. Fez, assim, uma avaliação errónea e contrária aos elementos dos autos no que se refere ao juízo de prognose favorável sobre se a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, violando assim o disposto no artigo 50.° do CP.
MMMMMM. Como bem refere o Acórdão do TRLisboa supra citado, na formulação do prognóstico, o tribunal reporta-se ao momento da decisão, não ao momento da prática do facto, e como refere Figueiredo Dias, para a formulação desse juízo de prognose favorável, o tribunal deverá atender especialmente às condições de vida do agente e à sua conduta anterior e posterior ao facto (in Direito Penal Português, As consequências Jurídicas do Crime, 1993, § 518).
NNNNNN. Na verdade, o Tribunal deveria ter considerado e mesurado outros elementos que se verificam quando o juízo de suspensão é efetuado, pelos quais, em nosso entender, se deverá concluir que "a simples censura do facto e a ameaça da primo realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição".
OOOOOO. A favor do Arguido e Recorrente milita a ausência de antecedentes criminais, ausência da prática de qualquer outro ilícito criminal, ausência de processos pendentes, e ainda, o facto de este se encontrar inserido socialmente e possuir uma vida familiar estável e próspera.
PPPPPP. No caso vertente, não podemos alicerçar o juízo de prognose negativo sobre a eficácia da suspensão da pena de prisão.
QQQQQQ. A personalidade do agente encontra-se devidamente enquadrada nos quadros valorativos do sistema penal.
RRRRRR. Consideramos também que o agente, ora Recorrente, reconhece validade ao quadro institucionalizado dos bens jurídico-penais da comunidade jurídica, podendo reconduzir a sua conduta a um comportamento pluriocasional, impulsionado por fatores estranhos à sua psique e não a uma tendência criminal.
SSSSSS. Denota-se no presente caso, que a medida da pena não se coaduna com as exigências de prevenção especial.
TTTTTT. Pelo contrário, face às circunstâncias concretas e à personalidade do agente, a pena, porque desproporcional, terá um efeito totalmente dessocializante.
UUUUUU. Face às necessidades de prevenção especial, atendendo à personalidade do agente e ao facto de serem as suas únicas condenações, a pena aplicada parece-nos claramente excessiva.
VVVVVV. Cremos que a pena aplicada, face ao princípio da proporcionalidade lato sensu, nas suas três decorrências - adequação, necessidade e proporcionalidade strito sensu - encontra-se totalmente em desarmonia com a culpa do agente.
WWWWWW. Todos estes elementos permitem concluir que, conforme determina o artigo 50.º do CP, "o simples censura do facto e o ameaça da prisão realizam de formo adequada e suficiente os finalidades do punição" incluindo a prevenção geral sobre a censura a comportamentos violentos em sede de segurança noturna.
XXXXXX. Perante a situação familiar e social do agente, idade e condição económica, bem como face a todos os circunstancialismos que veicularam o agente à prática dos factos criminosos, é adequada à culpa do agente e suficiente para realizar a tutela dos bens jurídicos protegidos, a revogação do acórdão e a aplicação ao Recorrente de uma suspensão da pena por um período de período de cinco anos e ser acompanhada de regime de prova, nos termos previstos no n.° 2 do artigo 50.9 do CP, que deverá incluir necessariamente uma avaliação psicológica para atestar a necessidade de acompanhamento nas vertentes de controlo das emoções e, uma vez confirmada essa necessidade, o devido acompanhamento.»
*
Os recursos foram admitidos, por tempestivos e legais, a subir de imediato, nos próprios autos e com efeito suspensivo.
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1.4 O MINISTÉRIO PÚBLICO respondeu ao recurso do arguido, sustentando que o mesmo deverá ser julgado improcedente no que se refere à nulidade da decisão e à impugnação da matéria de facto, sendo procedente quanto à suspensão da execução da pena de prisão aplicada, nos termos constantes do recurso autónomo interposto.
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1.5 Neste Tribunal, o Exmº Procurador-geral Adjunto emitiu parecer, subscrevendo a posição assumida pelo MINISTÉRIO PÚBLICO na 1ª instância.
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Notificado do parecer, não foi apresentada resposta.
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Teve lugar a Conferência.
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2. QUESTÕES A DECIDIR NO RECURSO
O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões que o recorrente extraiu da motivação apresentada para fundamentar a sua impugnação da decisão da primeira instância, sem prejuízo das questões que forem de conhecimento oficioso (artigos 403.º, 410.º e 412.º, n.º 1 do Cód. Processo Penal e AUJ n.º 7/95, de 19/10/95, in D.R. 28/12/1995).
As conclusões apresentadas pelo arguido são prolixas, repetitivas, obedecendo a uma estrutura desordenada, que em nada facilita a tarefa de apreciação por parte do Tribunal Superior (que apenas não optou pela determinação do respetivo aperfeiçoamento atendendo à circunstância de o recorrente estar sujeito a medida de coação privativa da liberdade).
Com este óbice, não se vislumbrando outras questões de conhecimento oficioso a impor a apreciação do Tribunal, atendendo às conclusões apresentadas, cumpre apreciar e decidir:
- Vícios da decisão quanto à matéria de facto – contradição insanável da fundamentação, erro de julgamento, violação do princípio in dubio pro reo;
- Da aplicação de pena de substituição;
- Da aplicação do perdão previsto na lei 38-A/2023, de 2 de agosto.
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3. FUNDAMENTAÇÃO
3.1 Decisão Recorrida
Transcreve-se a decisão recorrida na parte atinente à apreciação da matéria de facto:
«Da instrução e discussão da causa, com relevância para a decisão, resultou provado o seguinte:
1. (NUIPC 489/22.7 PCLSB)
No dia 4 de abril de 2022, entre as 02h00 e as 02h30, os ofendidos GG e HH encontravam-se no interior do estabelecimento de diversão noturna denominado “...”, sito na ....
2) O arguido AA exercia as funções de vigilante nesse estabelecimento.
3) A determinada altura da noite os ofendidos quando se encontravam na pista beijaram-se.
4) Mais tarde, os ofendidos deslocaram-se juntos à casa de banho permanecendo ambos no mesmo cubículo para urinarem.
5) Ao aperceber-se que os ofendidos se deslocaram juntos à casa de banho, o arguido AA foi atrás dos mesmos.
6) Assim que entrou na casa de banho, o arguido filmou os ofendidos HH e GG a terem contactos de natureza sexual no cubículo.
7) O arguido começou de imediato a desferir murros na cara do ofendido HH.
8) De seguida agarrou HH pelo pescoço, puxou-o para trás, levando-o a perder momentaneamente os sentidos.
9) Ainda sem sentidos, foi arrastado para fora do estabelecimento pelo arguido AA, ato que foi filmado pelo ofendido GG que se encontrava em pânico com o que se estava a passar.
10) O arguido AA ao aperceber-se que estava a ser filmado/fotografado pelo ofendido GG, exigiu-lhe o telefone do ofendido HH e perante a recusa de GG, o arguido desferiu-lhe murros na face e retirou-lhe o telemóvel Apple Iphone 12, com o valor comercial entre os €500,00 e os €700,00.
11) Na posse do telemóvel, AA destruiu o mesmo, com a intenção de tornar o conteúdo (fotos/vídeos das agressões ao ofendido HH) inacessíveis.
12) O ofendido regressou ao país de origem, ..., deslocou-se a um hospital já naquele território para receber tratamentos médicos das agressões, onde foi verificado que apresentava concussões ao nível do tronco e parte superior dos braços, um dente partido e algumas escoriações.
13) Ao desferir murros no ofendido HH quando este se encontrava na casa de banho, pretendeu o arguido molestá-lo fisicamente, sem qualquer motivo.
14) Ao destruir o telemóvel do ofendido HH o arguido pretendeu evitar que as agressões ao ofendido HH fossem filmadas, e atuou com essa intenção, não se inibindo de utilizar novamente a violência para concretizar os seus intentos.
15) NUIPC 747/22.0... PCLSB
No dia ..., cerca das 04H00, a ofendida II encontrava-se no estabelecimento denominado “...”, sito na ..., na companhia de dois amigos homossexuais.
16) Já interior do estabelecimento foi importunada com conversas de cariz sexual por parte de três suspeitos não identificados, solicitando aos mesmos que cessassem aquele comportamento, o que os mesmos fizeram.
17) Quando saía do estabelecimento, reparou que os três suspeitos se encontravam a conversar com o arguido AA, que era segurança daquele estabelecimento.
18) Naquele momento, a ofendida JJ afastou-se um pouco, para deitar uns copos no caixote do lixo e ao regressar viu um dos seus amigos prostrado no solo, a ser agredido por um dos suspeitos, que se encontrava em cima do mesmo e a desferir-lhe vários murros e pontapés.
19) Em ato continuo, quando a ofendida se tentou aproximar, com uma garrafa partida na mão para lhe dar com ela, o arguido AA, para se defender, com um pé no ar, atingiu-a com um pontapé na zona da coxa esquerda, empurrando-a.
20) De seguida, II largou a garrafa partida.
21) Da atuação do arguido AA, resultaram dois hematomas na coxa esquerda da ofendida II.
22) No dia ... de ... de 2022 pelas 23H45, no estabelecimento denominado ..., local onde o arguido presta serviço de segurança-..., sita na ...°121, em Lisboa, foi localizado e apreendido:
• 1 Bastão extensível (apreendido ao vigilante do estabelecimento, KK, conforme Auto Detenção NUIPC 65/22.4SHLSB), que se encontrava na esfera de posse do vigilante/...;
• 1 Taco de (Basebol) em madeira, (apreendido ao gerente do estabelecimento LL), que se encontrava num compartimento anexo no interior do balcão;
• 1 Taco em madeira, (apreendido ao gerente do estabelecimento LL), que se encontrava num compartimento anexo no interior do balcão;
• 1 Casaco da empresa P5 - ... (propriedade de AA), casaco utilizado pelo arguido e que trajava aquando a agressão referente ao NUIPC 489/22.7 PCLSB.
23) No dia 11 de julho de 2022, pelas 10h50, o arguido detinha na sua posse, em concreto no interior da sua viatura AO-..-IZ, na porta do lado esquerdo, ou seja, do lado do condutor, uma navalha de marca KWB e umas luvas com punho reforçado, comummente utilizadas como forma de potenciar as agressões ao desferirem murros.
23) Em todas as suas condutas, o arguido AA atuou de forma livre, deliberada e conscientemente.
24) O arguido AA ao desferir o pontapé do modo descrito na ofendida JJ pretendeu defender-se.
25) O arguido não tem antecedentes criminais.
26) Admitiu parcialmente os factos.
27) O arguido AA, natural de ..., é o segundo filho de uma fratria de 3 irmãos e o seu desenvolvimento decorreu no seio de uma família estruturada de acordo com os valores e o modo de vida tradicionais no seu país. Os pais, ambos agricultores, dedicavam-se à pecuária e cultivo dos terrenos de que eram proprietários e exploravam para consumo familiar. O pai trabalhava paralelamente na construção civil, o que segundo o arguido possibilitava à família ter uma vida equilibrada e sem dificuldades económicas relevantes. Iniciou escolaridade em idade regular, aos 6 anos, tendo manifestado interesse e motivação pelos estudos e completado o 12° ano em ..., sem reprovações.
28) Requereu uma bolsa de estudos para prosseguir os mesmo em Portugal, pretendendo na época seguir formação universitária em ... e teologia. Emigrou assim para Portugal em 2009 com esse objectivo, dependendo, contudo, da ajuda económica da família e de um trabalho a tempo parcial que arranjou, para garantir a sua subsistência no país. Depois de viver temporariamente com uma tia, arrendou uma casa com 2 conhecidos de ... em 2010, com os quais passou a dividir despesas. Mudou também para o curso de ... aplicada com a duração de 3 anos estabeleceu como objectivo também tirar a licença de condução de veículos automóveis.
29) Todavia esses projectos revelaram-se difíceis de concretizar, e os primeiros anos de vida em Portugal, considerados pelo arguido um período de vida difícil e exigente, devido às tarefas formativas e laborais que lhe ocupavam maioritariamente o tempo, e impossibilitavam o estabelecimento de relações mais vinculativas com outras jovens ou a participação em atividades recreativas com amigos.
30) Atribuiu essencialmente a esta sobrecarga de trabalho e a necessidade de investir no trabalho por motivos económicos, o abandono do projecto de tirar a licença de condução e progressiva desvinculação do curso de formação universitária que se encontrava a tirar.
31) Entre 2013 e 2015 trabalhou na restauração e como empregado de balcão e passou por um período de desemprego, garantindo a sua sustentabilidade através do apoio de uma namorada com a qual vivia em união de facto na época.
32) Em 2015 abandonou definitivamente os estudos, para se dedicar integralmente ao trabalho e pagar algumas dívidas que tinha nesse período. Terá trabalhado cerca de 2 anos na restauração e posteriormente numa oficina de automóveis, cerca de 4 anos. Passou a viver com um amigo numa casa arrendada tendo terminado a relação com a namorada.
33) Em 2019 aceitou uma proposta dos correios e ingressou num curso de Segurança, começando a laborar nestas 2 áreas profissionais, mantendo-se a trabalhar de forma estável nesses sectores profissionais.
34) Aquando dos factos, o arguido AA encontrava-se a viver em união de facto com uma companheira, relação iniciada num período recente, e que se afigurava gratificante e estável. Residia em casa arrendada e mantinha uma relação de proximidade com os pais da companheira, com os quais colaborava também a nível laboral.
35) Exercia funções de segurança em bares de Lisboa, em regime nocturno. Auferia uma média mensal de 2000 a 2500 euros — situação que lhe permitia obter a estabilidade financeira desejada. Com essa verba ajudava a família em ... e despendia algum dinheiro com os amigos e em gastos pessoais.
36) Apesar das condições e dos meios que frequentava por motivos laborais, refere nunca ter consumido drogas — facto comprovado pelos amigos ou colegas de trabalho. Assume contudo consumos de álcool, não excessivos, em contexto de convivialidade com amigos, embora, segundo as fontes, sem registo de alterações de conduta para com terceiros.
37) Perante o grupo de amigos, AA tem uma excelente imagem, associada á de uma pessoa sociável, disponível e solidária com as pessoas, e com capacidade para estabelecer boas relações com os outros e conta com uma vasta rede de conhecidos e amigos. Não lhe foram apontados eventuais episódios de agressividade ou descontrole emocional, ainda que fosse referido um período de maior fragilidade emocional após o falecimento do pai, em 2022. O próprio considera-se uma pessoa impulsiva, sobretudo no que concerne aos amigos, por aderir facilmente aos projetos propostos pelos mesmos.
38) Quando foi preso pelo presente processo tinha a perspetiva de trazer a progenitora para Portugal, por motivo de saúde desta. A mesma encontra-se atualmente a residir em casa do arguido com uma sobrinha e este agregado tem sido apoiado pelos restantes familiares de ..., uma vez que a relação do arguido com a companheira terminou pouco após a sua reclusão.
39) Com este apoio, o arguido tem conseguido manter a habitação, continuando assim a contar com uma morada de acolhimento futuro.
40) Em liberdade, e em parte devido a este processo, AA perspetiva mudar de profissão e abrir uma empresa de transporte de passageiros (tipo Uber) onde possa trabalhar e empregar outras pessoas. Até ter condições para este projecto aceita trabalhar em qualquer sector de atividade.
41) Pretende igualmente investir em ... onde o irmão, com curso na área de engenharia, irá iniciar uma empresa nesse sector de atividade.
42) No estabelecimento prisional manteve uma conduta ajustada aos normativos institucionais, ocupando-se com atividades desportivas e leitura. Refere, contudo, sentimentos de desenquadramento relativamente ao meio prisional e algum isolamento social neste contexto. Beneficia, todavia, do apoio consistente de vários amigos que o visitam e procuram ajudar quer em meio prisional como futuramente em liberdade.
43) Relativamente ao crime de que está acusado revela consciência critica sobre a gravidade da acusação e dolo que lhe está associado, bem como sentido auto critico sobre a sua conduta no campo profissional.
44) Trata-se de um arguido que dispõe de capacidades reflexivas e analíticas que lhe permitem compreender a gravidade dos crimes de que está acusado, pelo que os seus projetos atuais perspetivam o afastamento do trabalho como segurança e dos meios de risco que lhe estão associados, e o investimento noutras áreas profissionais sem estes riscos associados. Conta para o afeito com algum suporte familiar e o apoio de vários amigos que se tem mostrado disponíveis ao longo da sua reclusão, nesse sentido.
45) Destaca-se, não obstante, da parte do arguido, alguma dificuldade em identificar ou aceitar as fragilidades pessoais que motivaram a sua atual situação jurídico penal, pelo que o mesmo beneficiaria com um apoio psicológico que contribuísse para o esclarecimento dessas questões e concomitantemente, para a redução dos riscos de uma eventual reincidência, em meio livre.
46) O ... prestou a DD, no exercício da sua actividade, a seguinte assistência hospitalar: episódio de urgência, tac do Crânio e tac maxilo-facial no dia 11/5/2022, no valor de € 246,67 (duzentos e quarenta e seis euros e sessenta e sete cêntimos), conforme factura n° 22125023, emitida em 18/1/2023.
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1.2. - FACTOS NÃO PROVADOS:
Não se provou que:
1) O descrito no ponto 3) dos factos provados tenha sido visualizado pelo arguido.
2) Nas circunstâncias descritas no ponto 7) dos factos provados, o arguido tenha desferido murros na cara do ofendido GG e ao desferir murros nesse ofendido quando este se encontrava na casa de banho, pretendeu o arguido molestar fisicamente o GG.
3) Nas circunstâncias descritas no ponto 10) e 14) se tratasse do telemóvel do ofendido GG.
4) O arguido tenha agido pelo prazer de causar sofrimento a outros e determinado pela orientação sexual dos ofendidos porque os avistou a beijarem-se na pista.
5) NUIPC 706/22.3PBLSB
No dia 3 de maio de 2022, cerca das 02h00, o ofendido MM, natural da ..., encontrava-se juntamente com outro individuo natural do seu país, na denominada ..., sita na ..., em Lisboa.
6) Quando filmava o movimento da rua e o seu amigo, foi abordado pelo arguido AA, que exercia as funções de segurança do ....
7) Em ato contínuo, por motivos desconhecidos, com um movimento brusco o arguido retirou- lhe o telemóvel da mão, ficou na posse do mesmo, e posteriormente atirou-o para longe.
8) Após, o arguido desferiu-lhe uma pancada nas pernas, o que provocou a queda ao solo do ofendido.
9) Com o ofendido caído no chão, o arguido AA, desferiu pontapés na zona da cabeça, que lhe atingiu a face, provocando hematomas na face, feridas e dores.
10) O ofendido não recebeu tratamento hospitalar, ingeriu medicamentos para alívio das dores e sua esposa tratou-lhe dos ferimentos.
11) Não logrou recuperar o telemóvel que lhe foi retirado, da marca OPPO, modelo A15, no valor de €170,00 (cento e setenta euros).
12) Apesar da incapacidade provocada por estas agressões, por ser o único ... no restaurante onde trabalha, continuou a ir trabalhar.
13) Ao atuar da forma descrita, o arguido atuou com a intenção de retirar o telemóvel ao ofendido e ficar na posse do mesmo para posteriormente lhe dar destino desconhecido, utilizando violência para lograr os seus intentos.
14) Ao desferir as pancadas nas pernas que provocaram a queda do ofendido, e no chão desferir-lhe pontapés na zona da cabeça, pretendeu o arguido molestar fisicamente o ofendido, sem qualquer motivo, pelo prazer de causar sofrimento a outros e apenas porque o ofendido caminhava e estava na companhia de um amigo, e de forma a tentar que o ofendido não apresentasse queixa pelo crime anteriormente cometido.
15) NUIPC 825/22.6 PFLSB
No dia 11 de maio de 2022, os ofendidos NN e DD deslocaram-se à zona dos bares do ..., em Lisboa.
16) Pelas 02h45, tentaram aceder ao interior do bar “...” na rua cor de rosa, sita no cruzamento da ... com a ..., mas a entrada foi-lhes barrada pelo arguido AA.
17) O ofendido EE insistiu com o arguido para que esclarecesse o motivo de não os deixar entrar.
18) Após alguma insistência, o ofendido EE disse que iria chamar a Polícia momento em que o arguido lhe desferiu um soco na face, no lado esquerdo e junto ao olho, ficando o ofendido meio atordoado.
19) De imediato o arguido, juntamente com outros cinco seguranças que saíram do interior do bar, desferiram-lhe vários pontapés e socos em todo corpo, pelo que fugiu em direção à ....
20) Nesta Travessa, o arguido acabou por cair, sendo alcançado pelo arguido e pelos outros seguranças, momento em que lhe continuaram a desferir socos e pontapés na cabeça e várias partes do corpo.
21) Quando se encontrava no chão, o arguido e os outros suspeitos remexeram-lhe nos bolsos e no corpo à procura de objetos de valor para deles se apropriarem.
22) Os arguidos retiraram ao ofendido o telemóvel Iphone 11 Pro Max, no valor de €1400,00 (mil e quatrocentos euros), um relógio Dolce & Gabana no valor de €500,00 (quinhentos euros) e cerca de €400,00 (quatrocentos euros) em numerário, bem como alguns cartões bancários.
23) Enquanto agrediam o ofendido, nos termos descritos, os arguidos falaram entre si, dizendo aos gritos uns para os outros «é até matar».
24) Com receio que os arguidos concretizassem o que estavam a dizer, o ofendido EE simulou ter perdido os sentidos, permanecendo imóvel por alguns momentos.
25) Após lhe atirarem com água, um dos suspeitos afirmou «afinal está vivo», retirando-lhe nessa altura um fio de ouro que trazia ao pescoço, puxando-o, no valor de €4.000,00 (quatro mil euros), ao mesmo tempo que continuavam a dar pontapés no corpo todo.
26) Em consequência das agressões perpetradas pelos denunciados, o ofendido sofreu dores no corpo, não necessitando, contudo, de receber tratamentos médicos.
27) Ao aperceber-se que o seu amigo EE se encontrava a ser agredido por AA e outros seguranças, o ofendido DD, deslocou-se junto de onde estavam a ocorrer as agressões.
28) Assim que chegou ao local, o arguido desferiu-lhe de imediato um murro na zona da boca, que o fez cair no chão.
29) De seguida, e enquanto estava no chão, os demais indivíduos aproximaram-se e desferiram- lhe socos e pontapés que o fizeram perder os sentidos.
30) Durante as agressões, os indivíduos retiram ao ofendido DD, um relógio no valor de €300,00 (trezentos euros), uma pulseira no valor de €15,00 (quinze euros) e uns óculos de sol.
31) O ofendido apenas recuperou os sentidos quando estava a receber tratamento por parte de uma tripulação de uma ambulância do INEM e a PSP já se encontrava no local.
32) Fosse na sequência das agressões perpetradas pelo arguido e demais suspeitos, que o ofendido DD recebeu tratamento no ....
33) O ofendido sofreu uma ferida incisa no lábio superior com cerca de 2 cm, com necessidade de sutura e um edema malar direito.
34) O arguido AA ao desferir murros no ofendido EE quando o mesmo disse que iria chamar a Polícia, pretendeu o arguido molestar fisicamente o ofendido, sem qualquer motivo, pelo prazer de causar sofrimento a outros e apenas porque o ofendido se encontrava acompanhado de um amigo, e de forma a tentar que o ofendido não chamasse a Policia como tinha ameaçado.
35) O arguido AA ao desferir murros no ofendido DD quando o mesmo se aproximou do amigo para o ajudar, pretendeu o arguido molestar fisicamente o ofendido, sem qualquer motivo, pelo prazer de causar sofrimento a outros e apenas porque o ofendido se encontrava acompanhado de um amigo, e de forma a tentar que o ofendido não chamasse a Policia e os denunciados pudessem prosseguir com a apropriação dos bens que nesse momento já estavam a cometer no ofendido EE.
36) Ao atuar da forma descrita, após o ofendido EE fugir do local das primeiras agressões e o ofendido DD se encontrava caído no chão, o arguido atuou com a intenção de, juntamente com os demais denunciados, se apropriarem dos objetos de valor que os ofendidos tinham consigo, respetivamente ao ofendido EE apropriando-se de objetos no valor total de 6.300 euros (telemóvel, relógio, dinheiro e fio em ouro), e o ofendido DD, aproveitando-se do mesmo estar sem sentidos, retiraram-lhe objetos de cerca de 427 euros, não se inibindo de utilizar a violência até os ofendidos perderem os sentidos, para lograr os seus intentos.
37) Nas circunstâncias descritas nos pontos 15) a 18) dos factos provados, ao tentar auxiliar o seu amigo e travar as agressões, II foi impedida pelo arguido AA, que se encontrava na porta do estabelecimento.
38) Nas circunstâncias descritas no ponto 19) dos factos provados, tenha sido de forma violenta, e provocado a queda imediata de II no chão.
39) Logo de seguida, ainda em queda, o arguido AA dirigiu-se à ofendida desferiu- lhe um murro na direção da cara, o qual passou junto ao seu queixo e só não a atingiu porque estava em queda.
40) O arguido dirigiu-se a ofendida “olha que tu levas mais”, encarando a ofendida com um olhar de raiva e demonstrando ter vontade de prosseguir as agressões contra a mesma.
41) Alguns segundos depois, o arguido afastou-se da ofendida e disse ao outro suspeito que tinha agredido o seu amigo, para ele parar e fugir dali momento em que os três suspeitos abandonaram o local.
42) O arguido AA ao desferir o pontapé do modo descrito na ofendida JJ quando a mesma se aproximou do amigo para o ajudar, pretendeu molestar fisicamente a ofendida, sem qualquer motivo, e de forma a tentar que a ofendida não auxiliasse os amigos, e impedisse ou travasse a prática do crime e os denunciados pudessem prosseguir as agressões que estavam a cometer contra o seu amigo.
43) Nas circunstâncias descritas no ponto 23) dos factos provados, o arguido detivesse bem assim um canivete.
44) A assistência hospitalar mencionada no ponto 46) dos factos provados tenha sido consequência directa e necessária da conduta do arguido/demandado AA.
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1.3. - CONVICÇÃO DO TRIBUNAL E EXAME CRITICO DAS PROVAS:
O Tribunal fundou a sua convicção numa análise global da prova produzida, ponderada criticamente, desde logo, no auto de apreensão de telemóvel do arguido AA, de fls. 95 a 96, no auto de busca e apreensão ao ..., de fls. 99 a 101, no auto de exame e avaliação, de fls. 102, na cópia do auto de noticia por detenção, de fls. 106 e 107, na reportagem fotográfica ao ..., de fls. 109 a 115, 126 a 132, no auto de busca e apreensão ao ... e exame a arma, de fls. 117 a 118, no auto de exame e avaliação, de fls. 119, 120 a 122, na reportagem fotográfica ao ..., de fls. 126 a 132, no auto de busca e apreensão à viatura do arguido de fls. 155 a 156, no auto de exame e avaliação, de fls. 157, 158, na reportagem fotográfica ao veículo do arguido, de fls. 159 a 163, na impressão do email do ofendido HH de fls. 16 a 20, nas fotografias das lesões do ofendido HH e do seu telemóvel, de fls. 21 a 27, na folha de suporte do tratamento médico hospitalar, de fls. 30, no auto de Visionamento e Folha de Suporte com CD, de fls. 31 a 34, nas imagens a cores, fls. 42 a 47, na tradução do documento do hospital em que o ofendido foi assistido, de fls. 54, nos fotogramas das lesões de GG, de fls. 58 a 61, no email com informação do ofendido HH, de fls. 73 a 82 e no aditamento com “pen drive” de imagens remetidas pelo ofendido HH, de fls. 84 a 85.
Concretizando, no que respeita ao NUIPC 489/22.7PCLSB, o Tribunal baseou a sua convicção na admissão parcial dos factos efectuada pelo arguido.
Ainda assentou tal convicção no depoimento testemunhal do ofendido HH, que explicou que estava no bar “...”, com o GG, estavam a beijar-se na pista de dança, foram à casa de banho, ouviu um bater forte na porta, abriu a porta do compartimento, um segurança agarra-o e começa a dar-lhe murros, várias vezes na cabeça, no peito, agarrou no pescoço, e arrastou-o para trás, perdeu a consciência, não resistiu nem retaliou, o seu corpo estava mole, foi arrastado e deixado no meio da rua.
Acrescentou que começou a sentir as dores, inchaço e parte dos dentes partiu-se e estava em choque, que a sua cara estava com altos, a boca inchada e dorida, o sobrolho e parte da cabeça, que tinha nódoas negras nos braços, que sentiu o dente partido e que foi ao hospital no dia seguinte.
Também se baseou tal convicção no depoimento testemunhal do ofendido GG, que explicou que no ..., foi à casa de banho uma primeira vez, mas não conseguiu pois estava uma grande fila, que depois foi outra vez e entrou com o HH e foram os dois urinar e que não se recorda de ter feito mais nada, porque estava muito alcoolizado.
Acrescentou que bateram à porta, encostaram-na às suas costas, bateu nas suas costas, sentiu a porta e o HH levou um soco na cabeça.
Esclareceu ainda que foi o arguido que começou a dar socos ao HH, a enforcá-lo, disse que não havia necessidade disso que ele estava sem respirar, que o arguido fez um golpe de mata leão e o HH desmaiou e o arguido AA continuou a enforcá-lo, que dizia que ele estava assim e o arguido arrasta o HH pela gola da camisa pelo chão como um objecto, chegou à porta do bar e atirou o HH ao chão.
Acrescentou que o telemóvel do HH caiu ao chão e pegou no telemóvel e começou a filmar e depois guardou-o, que tirou o seu telemóvel e também filmou e guardou.
Referiu ainda que o arguido lhe pediu o telemóvel e ele puxava com uma mão o telemóvel e com outra dava-lhe socos na cara, e cedeu, abriu a sua mão e ele ficou com o telemóvel do HH.
Por seu turno, o arguido referiu que veio alguém queixar-se que não conseguia ir à casa de banho, que estavam lá duas pessoas, deixou passar à primeira, veio a segunda e a terceira e aí é que foi ver e como a porta era alta viu lá dois pés e não conseguiu ver o que se passava, tirou o telefone e filmou de dentro da porta e viu que estavam a praticar actos sexuais dentro do cubículo.
Acrescentou que bateu à porta e disse que não podiam estar e quando deu um empurrão na porta, a porta abriu, só que a casa de banho é tão pequenina que meteu a mão na quina da porta para eles não fecharem a porta e o mais alto meteu a mão na parede e com o rabo começou a empurrar e prendeu a sua mão na porta da casa de banho.
Disse ainda que começou a escaramuça, uma daqui e outra dali, conseguiu tirá-los da casa de banho e que um deles ficou inconsciente, deve ter-lhe acertado com um soco.
Acrescentou que conseguiu por a mão esquerda e o GG com o rabo empurra a porta contra a sua mão e ficou com a mão presa entre a porta e a parede, conseguiu empurrar a porta e eles começam a bater-lhe e teve de lhes bater de volta, que o HH pergunta em inglês o que queria e dá-lhe um soco no ombro, e puxa-o para fora do cubículo e um dos socos foi com mais força e ele desmaiou e o GG quando o viu desmaiado cessou o ataque dele, que também lhe estava a dar socos.
Referiu ainda que não sabia como o socorrer e agarrou o HH pela camisa e arrastou-o para fora do bar, que não viu nenhum telemóvel e que o telemóvel do HH deve ter-se partido na luta.
Ora, cotejada a prova, se olharmos para as fotos da mão do arguido de fls. 799 a 801, não se consegue perceber se a mesma tem lesões que possam decorrer de ter sido entalada na porta por um ou pelos dois ofendidos.
Depois, mesmo que confrontados com o vídeo constante do CD/DVD de fls. 803 retirado do telemóvel do arguido em que se pode visualizar os ofendidos em contactos de natureza sexual, lambendo um deles o ânus do outro, os ofendidos não se terem lembrado de tal, tendo o HH se reconhecido, tal não retira credibilidade aos seus depoimentos.
Com efeito, ambos os ofendidos explicaram que estavam alcoolizados, mas também explicaram que não bateram no arguido, tendo o ofendido GG sido convincente quando referiu que se recorda das agressões e da violência exercida pelo arguido pelo trauma que isso lhe acarretou.
De resto, o arguido apenas admitiu os factos que estão documentados pelas filmagens que o ofendido GG fez e que estão a fls. 42 a 47 referentes a ter arrastado o ofendido GG pela gola da camisa.
A comprovar a credibilidade dos ofendidos e que os mesmos não foram um mero repositório do que constava na acusação está a circunstância de ao invés do que constava na peça acusatória, não terem relatado agressões ao ofendido GG na casa de banho.
Acresce que quanto ao dano com violência, não nos impressionou a negação do arguido.
Com efeito, o ofendido GG foi esclarecedor no modo como descreveu os socos que o arguido lhe desferiu para se apossar do telemóvel do HH, como também filmou com o seu próprio telemóvel e como foi isso que levou à recuperação do telemóvel do HH, que veio danificado, como este também referiu.
O ofendido GG também foi esclarecedor quando referiu que guardou o telemóvel do HH e que esta não estava danificado e que só apareceu assim depois do arguido lho ter retirado.
Ora, se o telemóvel apenas apareceu danificado após o arguido se ter dele apossado, como ensinam as regras da experiência comum, o arguido esteve envolvido na sua danificação.
E a conformar tal conclusão, está a circunstância de o ofendido GG ter explicado que o arguido se queria apoderar do telemóvel do HH por se apercebido das filmagens que tinham sido feitas com tal aparelho, pelo que o objectivo do arguido foi o de danificar o aparelho para que as imagens não pudessem ser recuperadas.
Por outro lado, não se provou que o arguido tenha agido para causar sofrimento e determinado contra a orientação sexual dos ofendidos, uma vez que o arguido foi esclarecedor quanto a esta matéria, explicando que trabalha num bar onde a maioria dos clientes são gays, incluindo o dono.
Quanto ao NUIPC 706/22.3PBLSB, a factualidade resultou como não provada uma vez que não foi possível proceder à inquirição de MM e quanto ao NUIPC 825/22.6 PFLSB, os factos também resultaram como não provados por não ter sido possível inquirir NN e DD.
Com efeito, os depoimentos testemunhais dos agentes policiais OO, PP e QQ não lograram suprir tais insuficiências.
No que respeita ao NUIPC 747/22.0... PCLSB, o Tribunal baseou a sua convicção no depoimento da testemunha JJ, que explicou que foi com a sua amiga e um amigo gay ao ..., onde 3 pessoas começaram a importuná-la a fazer comentários sexuais, que quando saiu do bar, foi ao lixo e o seu amigo estava a levar pancada e um deles agarrava a sua amiga.
Acrescentou que foi com uma garrafa partida na mão e quando o segurança viu, deu-lhe um pontapé ao pé da anca, vai contra a parede, esclarecendo que tentou dar-lhe com a garrafa.
Por seu turno, o arguido referiu que foi chamado porque estavam 3 pessoas a bater noutra, a 6 ou 7 metros da porta do bar, estava um senhor no chão e disse para pararem e para terem cuidado e veio a JJ com uma garrafa partida para lhe dar com ela e desfere um pontapé, empurrando-a contra a parede e ela larga de seguida a garrafa.
Da conjugação destes elementos probatórios resulta que a ofendida veio com uma garrafa partida, objecto particularmente perigoso e o arguido exerceu uma acção defensiva, desferindo um pontapé que a empurra contra a parede e faz cessar a agressão que se preparava para cometer.
Assentou ainda a convicção do Tribunal no teor do certificado de registo criminal do arguido com a referência citius 30374546 e no seu relatório social com a referência citius 36430697.
Quanto à assistência hospitalar prestada a DD, resulta da factura junta aos autos a fls. 599.
Contudo, como já se referiu, não resultou provada qualquer actuação do arguido AA em relação ao DD e daí o que se verteu quanto ao pedido de indemnização civil nos factos não provados.
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3.2 Vícios da decisão quanto à matéria de facto
A) Contradição entre a matéria de facto provada
Invoca o recorrente, quanto à decisão da matéria de facto, o vício previsto no art. 410.º, n.º 2 do Cód. Processo Penal, apelando simultaneamente ao erro de julgamento a que alude o art. 412.º, ns. 3, 4 e 6 do mesmo diploma.
De acordo com o art. 410.º, n.º 2 do Cód. Processo Penal, mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada (al. a), a contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão (al. b) e o erro notório na apreciação da prova (al. c).
Estes vícios formais podem ser arguidos pela parte, delimitando o recurso, mas “É oficioso, pelo tribunal de recurso, o conhecimento dos vícios indicados no art. 410.º, n.º 2 do Código Processo Penal, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito” – AUJ n.º 7/95, de 19/10/95, in D.R. 28/12/1995.
Na chamada revista alargada, a indagação da existência de vícios tem que resultar da decisão recorrida, em si ou conjugada com as regras da experiência comum, não sendo admissível o recurso a elementos àquela estranhos, para a fundamentar, nomeadamente excertos de prova testemunhal produzida em julgamento.
Tais vícios terão de resultar da mera leitura do texto decisório, à luz das regras de experiência comum, evidentes para o denominado homem médio. «Por isso, fica excluída da previsão do preceito toda a tarefa de apreciação e ou valoração da prova produzida, em audiência ou fora dela, nomeadamente a valoração de depoimentos mesmo que objeto de gravação, documentos ou outro tipo de provas, tarefa reservada para o conhecimento da matéria de facto. Porque se trata aqui de uma tarefa de direito, os tribunais superiores, procedem oficiosamente à detecção dos vícios aqui enunciados, atendo-se imperativamente apenas e só ao teor do texto da decisão recorrida e, se necessário, também às regras da experiência comum».1
Estão em causa vícios endógenos, que permitem atacar a decisão na sua regularidade formal (e que não se confundem com o erro de julgamento em matéria de facto, a que se reporta o art. 412.º do mesmo diploma).
Apreciando o requerido, o recorrente não invoca e o Tribunal não deteta a existência de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada ou de erro notório na apreciação da prova.
Mas vem o recorrente arguir a nulidade da decisão prevista na al. b) do n.º 2 do art. 410.º do Cód. Processo Penal - contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão.
Aqui estamos perante dois vícios intrínsecos da sentença, um da própria fundamentação e outro decorrente da relação desta com a decisão. Ocorre o primeiro quando, de acordo com uma análise lógica, se tenha de concluir que a decisão não fica suficientemente esclarecida, dada a contradição entre os factos provados, entre estes e os não provados ou em sede de fundamentação da matéria de facto e o segundo quando essa fundamentação determina uma decisão precisamente oposta à prolatada.
Teremos de estar perante contradições e inconciliabilidades reportadas aos factos e entre si ou enquanto fundamentos, mas que não se limitem a uma qualquer disfunção ou distonia que se situe unicamente no plano da argumentação ou da compreensão adjuvante ou adjacente dos factos2.
Não ocorre o vício da contradição insanável entre a fundamentação e a decisão quando o resultado a que o juiz chegou na sentença decorre, não de qualquer oposição entre os fundamentos e a decisão, mas da subsunção legal que entendeu corresponder aos factos provados, podendo verificar-se aqui, sim, um eventual erro de subsunção dos factos ao direito (questão de direito).
O recorrente funda a arguição deste vício em contradição, entre si, na factualidade enumerada nos pontos 43, 44 e 45. Concretamente, refere «se se constata do teor do Ponto 43. que o arguido terá consciência da gravidade e dolo associados aos atos pelos quais vem acusado, bem como acerca da sua conduta profissional, e do Ponto 44., que o arguido dispõe de capacidades analíticas que lhe permitem compreender a gravidade dos crimes pelos quais vem acusado, não se depreende como se poderá concluir, no Ponto 45., que afinal existe dificuldade, da parte do arguido, em identificar as fragilidades que motivaram a sua situação jurídico-penal».
Mas nenhuma contradição existe entre esta concreta factualidade provada. A circunstância de o recorrente ter consciência da gravidade dos atos e dispor de capacidades analíticas que lhe permitem compreender a gravidade dos crimes pelos quais vem acusado não determina que, em concreto, consiga identificar e colmatar as fragilidades pessoais que o motivaram à prática dos mesmos.
Mais alega o recorrente a contradição insanável entre a fundamentação e a decisão «pois que, perante a análise global efectuada e de acordo com o raciocínio vertido pelo Tribunal a quo, seria de concluir, justificadamente, pela fundamentação em análise, uma decisão diferente da tomada, nomeadamente quanto às necessidades de prevenção especial e, consequentemente, quanto à medida de pena aplicada.».
Mas também aqui sem razão, não se acomodando o alegado ao vício em causa. O Tribunal a quo tomou em consideração, na determinação da pena, os factos provados e não outros.
A questão de o Tribunal, na determinação da medida da pena, ter ponderado a factualidade em sentido distinto do pretendido pelo recorrente tem reflexo, apenas, no recurso da matéria de direito, não traduzindo qualquer nulidade.
E do texto da decisão não ressaltam posições antagónicas ou inconciliáveis, que se excluam mutuamente ou não possam ser compreendidas simultaneamente dentro da perspetiva da lógica interna da decisão. Pelo texto da decisão consegue-se perceber o motivo pelo qual se chega à factualidade provada e à não provada, não existindo contradições entre estes segmentos e entre os mesmos e a fundamentação, sendo a factualidade consentânea entre si e com a respetiva decisão.
Resta, assim, concluir que a decisão recorrida não padece de qualquer dos vícios do citado art. 410.º, n.º 2 do Cód. Processo Penal.
B) Erro de julgamento
Sustenta o recorrente que a matéria de facto dada como provada nos pontos 4 a 7, 10, 11, 12, 13 e 14 deverá ser dada como não provada, impondo-o as declarações do arguido, bem como as declarações das testemunhas HH e GG.
Convêm relembrar alguns conceitos a respeito do recurso sobre a matéria de facto, pertinentes para justificar a falência dos argumentos aduzidos pelo recorrente, o que desde já adiantamos.
O erro de julgamento da matéria de facto ocorre quando o tribunal considera como provado determinado facto, sem que o mesmo tenha sido objeto de comprovação na audiência de julgamento ou dá por não provado facto que, perante a prova produzida, deveria ter sido considerado como provado. Trata-se de erro no processo de valoração da prova por parte do Tribunal e tem que ver com a apreciação da prova produzida em audiência em conexão com o princípio da livre apreciação constante do art. 127.º do Cód. Processo Penal.
De acordo com o art. 428.º do Cód. Processo Penal, o Tribunal da Relação conhece de facto e de direito, mas os seus poderes de cognição são limitados. O recurso, permitindo a verificação e fiscalização, por parte de um tribunal superior, de eventuais erros na decisão da matéria de facto, não equivale a um novo julgamento do objeto do processo.
Por isso se considera que a reapreciação, com vista a detetar erros de julgamento de facto, é limitada aos pontos de facto concretos que o recorrente considera julgados de forma incorreta e às razões concretas invocadas para sustentar essa discordância.
O mecanismo de impugnação da matéria de facto aqui previsto visa corrigir erros manifestos, ostensivos de julgamento, por apelo à prova produzida e que se extraíam do registo da mesma, não legitimando a repetição do julgamento pelo tribunal ad quem.
Por isso, o tribunal de recurso, ao apreciar os fundamentos da impugnação da matéria de facto, deve verificar se o tribunal de 1ª instância apreciou os meios de prova de acordo com as regras de experiência comum, não retirando deles conclusões ilógicas, irrazoáveis, sem sentido ou contrárias à lei. E, fora destes casos, deve respeitar a livre convicção do tribunal recorrido, em obediência ao princípio expresso no art. 127.º do Cód. Processo Penal, não se encontrando em posição privilegiada para sindicar a credibilidade atribuída a depoimentos orais. Tal ocorre na medida em que o princípio da imediação não tem no Tribunal de recurso a sua expressão ideal. Aqui, apenas se mostra possível a audição dos registos e não a visualização de todo o depoimento, perdendo-se a fisionomia (o que logo condiciona a apreciação de questões como as colocadas pelo recorrente nas conclusões TTTT e UUUU), os gestos, as expressões, os trejeitos e até a confrontação com os documentos na sua plenitude.
Mas tal não significa que a livre apreciação da prova corresponda a livre arbítrio.
O art. 127.º do Cód. Processo Penal, complementado com o art. 374.º, n.º 2 do mesmo diploma, impõe limites à discricionariedade, uma vez que a livre convicção não se confunde com a íntima convicção do julgador: o ato de julgar está delimitado pelas regras da experiência comum e pela lógica do homem médio suposto pela ordem jurídica, impondo que se extraía das provas um convencimento lógico e motivado.
Porque o art. 374.º, n.º 2 do Cód. de Processo Penal exige o “exame crítico das provas” é que o tribunal deve fundamentar a decisão em operações intelectuais que permitam explicar a razão das opções e da convicção do julgador, a sua lógica e raciocínio e deve observar as normas processuais relativas à prova, segundo o aludido princípio geral da livre apreciação, mas respeitando as proibições de prova (arts. 125.º e 126.º do Cód. Processo Penal), as nulidades de prova, as regras de valoração de alguns tipos de prova como a testemunhal (arts 129.º e 130.º do Cód. Processo Penal) pericial (art. 163.º do Cód. Processo Penal) e a documental (167.º a 169.º do Cód. Processo Penal).
Em suma, no recurso cumpre verificar a prova e o respetivo processo de aquisição probatória, nomeadamente a observância dos princípios da igualdade, oralidade, imediação e contraditório, mas privilegiando-se a valoração da prova efetuada pela 1.ª instância.
Na génese do art. 412.º, n.º3, al. b), do Cód. Processo Penal, não basta que se apure a possibilidade de ocorrência de uma versão distinta. A imposição de decisão diversa, em que a norma se sustenta, implica que a decisão de facto recorrida está errada, que se mostra impossível ou é destituída de toda e qualquer lógica ou razoabilidade (de acordo com as regras de experiência comum), que o tribunal recorrido fez uso de meios de prova não idóneos ou que existem contradições nas provas produzidas, que levaram à formação de uma convicção inaceitável e que, por isso, não se poderá manter.
O conhecimento dos factos por parte do Tribunal Superior é, como referimos, limitado, apenas podendo introduzir alterações quando exista erro manifesto ou a audição dos registos de prova permita, com toda a segurança, afirmar que foram violadas as regras da experiência comum, não se encontrando em posição privilegiada para sindicar as convicções do tribunal recorrido no que respeita à prova oral produzida.
E a diferente valoração do recorrente quanto à prova produzida também não sustenta a existência de erro de julgamento.
Por tudo isto, quando impugne a decisão sobre a matéria de facto, o recorrente deve especificar os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida e as provas que devem ser renovadas (art. 412.º, n.º 3 do Cód. Processo Penal).
Quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do n.º 3 do art. 412.º do Cód. Processo Penal fazem-se por referência ao consignado na ata, nos termos do disposto no art. 364.º, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação .
Necessário se mostra que o recorrente discuta os elementos probatórios de suporte ao pretenso erro de julgamento face aos restantes e demonstre que o raciocínio lógico do tribunal recorrido não tem suporte na análise global da prova, impondo-se decisão diversa.
O que se espera do recorrente que invoca a existência de erro de julgamento é que aponte na decisão os segmentos que impugna e que os coloque em relação com as provas, concretizando as partes da prova gravada que pretende que sejam ouvidas (se tal for o caso), quais os documentos ou outros elementos probatórios que pretende que sejam reexaminados, assim evidenciando a verificação do erro judiciário a que alude.
Voltando à presente situação, vemos que o recorrente cumpriu de forma precária as exigências da impugnação ampla, pois que indicando quais os factos que considera incorretamente jugados, não aponta qualquer efetivo erro na apreciação da prova levada a cabo pelo Tribunal a quo.
Pese embora refira que as declarações das testemunhas vão em sentido precisamente contrário ao que se deu por provado, não é isso que resulta desde logo das transcrições. O que ressalta das alegações e das inúmeras transcrições apresentadas em bloco é a divergência quanto à credibilidade que o Tribunal recorrido atribuiu ao depoimento do ofendido HH e da testemunha GG.
Mas esta divergência não traduz um efetivo exercício do direito ao recurso em sede de matéria de facto.
O Tribunal recorrido fundou a respetiva convicção quanto à factualidade impugnada do seguinte modo:
«Concretizando, no que respeita ao NUIPC 489/22.7PCLSB, o Tribunal baseou a sua convicção na admissão parcial dos factos efectuada pelo arguido.
Ainda assentou tal convicção no depoimento testemunhal do ofendido HH, que explicou que estava no bar “...”, com o GG, estavam a beijar-se na pista de dança, foram à casa de banho, ouviu um bater forte na porta, abriu a porta do compartimento, um segurança agarra-o e começa a dar-lhe murros, várias vezes na cabeça, no peito, agarrou no pescoço, e arrastou-o para trás, perdeu a consciência, não resistiu nem retaliou, o seu corpo estava mole, foi arrastado e deixado no meio da rua.
Acrescentou que começou a sentir as dores, inchaço e parte dos dentes partiu-se e estava em choque, que a sua cara estava com altos, a boca inchada e dorida, o sobrolho e parte da cabeça, que tinha nódoas negras nos braços, que sentiu o dente partido e que foi ao hospital no dia seguinte.
Também se baseou tal convicção no depoimento testemunhal do ofendido GG, que explicou que no ..., foi à casa de banho uma primeira vez, mas não conseguiu pois estava uma grande fila, que depois foi outra vez e entrou com o HH e foram os dois urinar e que não se recorda de ter feito mais nada, porque estava muito alcoolizado.
Acrescentou que bateram à porta, encostaram-na às suas costas, bateu nas suas costas, sentiu a porta e o HH levou um soco na cabeça.
Esclareceu ainda que foi o arguido que começou a dar socos ao HH, a enforcá-lo, disse que não havia necessidade disso que ele estava sem respirar, que o arguido fez um golpe de mata leão e o HH desmaiou e o arguido AA continuou a enforcá-lo, que dizia que ele estava assim e o arguido arrasta o HH pela gola da camisa pelo chão como um objecto, chegou à porta do bar e atirou o HH ao chão.
Acrescentou que o telemóvel do HH caiu ao chão e pegou no telemóvel e começou a filmar e depois guardou-o, que tirou o seu telemóvel e também filmou e guardou.
Referiu ainda que o arguido lhe pediu o telemóvel e ele puxava com uma mão o telemóvel e com outra dava-lhe socos na cara, e cedeu, abriu a sua mão e ele ficou com o telemóvel do HH.
Por seu turno, o arguido referiu que veio alguém queixar-se que não conseguia ir à casa de banho, que estavam lá duas pessoas, deixou passar à primeira, veio a segunda e a terceira e aí é que foi ver e como a porta era alta viu lá dois pés e não conseguiu ver o que se passava, tirou o telefone e filmou de dentro da porta e viu que estavam a praticar actos sexuais dentro do cubículo.
Acrescentou que bateu à porta e disse que não podiam estar e quando deu um empurrão na porta, a porta abriu, só que a casa de banho é tão pequenina que meteu a mão na quina da porta para eles não fecharem a porta e o mais alto meteu a mão na parede e com o rabo começou a empurrar e prendeu a sua mão na porta da casa de banho.
Disse ainda que começou a escaramuça, uma daqui e outra dali, conseguiu tirá-los da casa de banho e que um deles ficou inconsciente, deve ter-lhe acertado com um soco.
Acrescentou que conseguiu por a mão esquerda e o GG com o rabo empurra a porta contra a sua mão e ficou com a mão presa entre a porta e a parede, conseguiu empurrar a porta e eles começam a bater-lhe e teve de lhes bater de volta, que o HH pergunta em inglês o que queria e dá-lhe um soco no ombro, e puxa-o para fora do cubículo e um dos socos foi com mais força e ele desmaiou e o GG quando o viu desmaiado cessou o ataque dele, que também lhe estava a dar socos.
Referiu ainda que não sabia como o socorrer e agarrou o HH pela camisa e arrastou-o para fora do bar, que não viu nenhum telemóvel e que o telemóvel do HH deve ter-se partido na luta.
Ora, cotejada a prova, se olharmos para as fotos da mão do arguido de fls. 799 a 801, não se consegue perceber se a mesma tem lesões que possam decorrer de ter sido entalada na porta por um ou pelos dois ofendidos.
Depois, mesmo que confrontados com o vídeo constante do CD/DVD de fls. 803 retirado do telemóvel do arguido em que se pode visualizar os ofendidos em contactos de natureza sexual, lambendo um deles o ânus do outro, os ofendidos não se terem lembrado de tal, tendo o HH se reconhecido, tal não retira credibilidade aos seus depoimentos.
Com efeito, ambos os ofendidos explicaram que estavam alcoolizados, mas também explicaram que não bateram no arguido, tendo o ofendido GG sido convincente quando referiu que se recorda das agressões e da violência exercida pelo arguido pelo trauma que isso lhe acarretou.
De resto, o arguido apenas admitiu os factos que estão documentados pelas filmagens que o ofendido GG fez e que estão a fls. 42 a 47 referentes a ter arrastado o ofendido GG pela gola da camisa.
A comprovar a credibilidade dos ofendidos e que os mesmos não foram um mero repositório do que constava na acusação está a circunstância de ao invés do que constava na peça acusatória, não terem relatado agressões ao ofendido GG na casa de banho.
Acresce que quanto ao dano com violência, não nos impressionou a negação do arguido.
Com efeito, o ofendido GG foi esclarecedor no modo como descreveu os socos que o arguido lhe desferiu para se apossar do telemóvel do HH, como também filmou com o seu próprio telemóvel e como foi isso que levou à recuperação do telemóvel do HH, que veio danificado, como este também referiu.
O ofendido GG também foi esclarecedor quando referiu que guardou o telemóvel do HH e que esta não estava danificado e que só apareceu assim depois do arguido lho ter retirado.
Ora, se o telemóvel apenas apareceu danificado após o arguido se ter dele apossado, como ensinam as regras da experiência comum, o arguido esteve envolvido na sua danificação.
E a conformar tal conclusão, está a circunstância de o ofendido GG ter explicado que o arguido se queria apoderar do telemóvel do HH por se apercebido das filmagens que tinham sido feitas com tal aparelho, pelo que o objectivo do arguido foi o de danificar o aparelho para que as imagens não pudessem ser recuperadas.
Por outro lado, não se provou que o arguido tenha agido para causar sofrimento e determinado contra a orientação sexual dos ofendidos, uma vez que o arguido foi esclarecedor quanto a esta matéria, explicando que trabalha num bar onde a maioria dos clientes são gays, incluindo o dono.»
Sustenta o recorrente que as divergências detetadas nos depoimentos destas testemunhas (nomeadamente na parte em que não admitiram a prática de atos de natureza sexual bem como o estado de embriaguez), deveriam ter determinado o Tribunal a quo à desvalorização dos respetivos depoimentos.
Mas inexiste qualquer regra que determine que os depoimentos orais só possam ser valorados se todos forem concordantes e se não incorrerem em contradições com declarações anteriormente prestadas. As testemunhas, por humanas, raramente são perfeitas, tal como, aliás, os arguidos, e as condicionantes da memória, os receios, os constrangimentos pelos factos praticados, as tentativas de antecipar as expetativas do demais sujeitos processuais, levam a que nem sempre o relato seja o mais fiel à realidade dos factos, mesmo quando estamos perante sujeitos processuais obrigados ao dever de verdade.
Mas tal não significa que estes depoimentos tenham de ser descartados na sua globalidade, cabendo, antes, ao Tribunal, no exercício da livre apreciação da prova, apurar em que medida o discurso pode ser valorado na formação da sua convicção e justificar porquê.
E, como vimos, o Tribunal a quo valorou, no apuramento dos factos impugnados, a admissão parcial dos factos por parte do arguido, em conjugação com o depoimento das testemunhas HH e GG.
E, ouvida a prova, nenhum reparo nos merece o juízo alcançado pelo Tribunal.
Nenhum intuito específico de prejudicar o arguido decorreu da postura processual das testemunhas, sendo que o GG nem sequer veio a confirmar ter sido agredido no primeiro momento, logo após a saída do cubículo da casa de banho, mas apenas em momento posterior, e com o único intuito de lhe ser retirado o telemóvel do HH, por ter filmado a agressão com este aparelho.
E nenhum motivo se deteta para, como alegado, se considerar que os depoimentos foram fabricados, coordenados, adulterados e reajustados (no que sempre teriam feito um “mau trabalho”), não tendo esse efeito o depoimento do ofendido HH quando refere ter entrado em contacto com vista a que GG prestasse depoimento no processo, fornecendo ao Tribunal os contactos essenciais para efeitos de convocatória.
A valer a tese do recorrente, testemunhas que se conheçam ou que tenham entre si laços familiares e de amizade não poderiam prestar depoimento no mesmo processo, quando a lei não estabelece essa limitação.
Note-se que a divergência a que o recorrente dá especial enfase – as testemunhas referirem não se recordar de estarem a praticar atos de natureza sexual no cubículo, assume aqui escassa relevância, pois tal factualidade foi dada por assente (ponto 6), quer com base nas declarações do arguido, quer com base na prova documental (filmagem). E neste ponto, ao contrário do que se alega, em momento algum se dá como provado que o intuito da filmagem tenha sido o “propósito de capturar imagens dos contactos de natureza sexual”. O recorrente, na verdade, contesta o ponto 6, com argumentos que o confirmam!
E o motivo que terá despoletado a deslocação do arguido à casa de banho não resultou concretamente provado (apenas se referindo que foi atrás das testemunhas) sendo em irrelevante que o tenha feito por ter assistido aos mesmos a beijarem-se na pista de dança (o que resultou não provado, arredando que o recorrente tenha sido determinado pela orientação sexual das testemunhas) ou na sequência de reclamações de outros clientes que não conseguiam usar as instalações sanitárias (o que, não vindo alegado nos autos, também não se comprovou, apenas o arguido o referindo).
E o Tribunal não desconsiderou as declarações do recorrente, mas estas, ao contrário do pretendido, nem sequer poderiam levar à não comprovação dos factos. Note-se que o arguido admitiu ter desferido socos no ofendido HH e que o deixou inconsciente, assim o arrastando para fora do estabelecimento, não tendo alegado em sede de contestação, na audiência de julgamento ou sequer em sede de recurso, circunstâncias aptas a configurar qualquer situação de legítima defesa, discussão que sempre nos levaria para o excesso nos respetivos meios (arts. 32.º e 33.º do Cód. Penal). Limita-se o recurso a sustentar que não iniciou as agressões e foi inicialmente alvo de agressões por parte das testemunhas.
Mas nenhum reparo nos merece o juízo do Tribunal que considerou não comprovado o nexo de causalidade entre as alegadas lesões na mão do recorrente e a atuação dos ofendidos, pois que as marcas documentadas podem ter origem diversa (até resultado das agressões que empreendeu) e os ofendidos foram perentórios em atribuir ao recorrente o inícios das agressões (admitindo não terem saído do cubículo logo após a solicitação do recorrente). E, para além da apontada marca, nenhuma outra refere o arguido ter sofrido na sequência das agressões de que diz ter sido vítima por parte das testemunhas.
E também a propósito da factualidade vertida nos pontos 10 e 11, nenhum erro se deteta na apreciação que foi feita do depoimento da testemunha GG, pois que não percecionamos que seja impossível (como o recorrente pretende) o arguido agarrar o aparelho com uma mão e desferir socos na testemunha com a outra. A dinâmica é perfeitamente concebível, atentas as regras da experiência comum.
É verdade que o ofendido HH e a testemunha GG revelaram inconsistências nos respetivos depoimentos (muito salientadas em recurso), com clara memória das agressões e esbatida memória dos demais detalhes que rodearam a prática dos factos – como o dia concreto do mês de abril, a natureza dos atos que levaram a cabo no cubículo, o lapso temporal em que aí permaneceram, a posição dos mesmos no momento em que é aberta a porta pelo arguido e o respetivo grau de embriaguez.
Mas existem razões efetivas para justificar a diferente qualidade da memória. É natural que perante um evento violento se guarde a memória (muitas vezes traumática) da essência do mesmo e se possam perder os detalhes, para mais se tal situação surge aliada ao consumo excessivo de bebidas alcoólicas. Por outro lado, o ofendido HH sofreu traumatismo craniano, com perda de consciência. Qualquer uma destas situações pode efetivamente condicionar a memória e a consequente reprodução dos factos.
A testemunha GG revelou receio do arguido, por o mesmo a ter ameaçado (referindo-se ao teor das mensagens documentadas nos autos 62 e 63 do respetivo apenso).
E a violência da agressão é percetível das imagens documentadas nos autos, em nada se adequando à pretensão do arguido de que apenas teria reagido a uma agressão. Note-se que, mesmo na versão do arguido, da refrega para si apenas resultariam as marcas na mão (nada mais sofrendo na sequência do inúmeros socos de que diz ter sido vítima), ao passo que a testemunha HH sofreu traumatismo craniano, concussões ao nível do tronco e parte superior dos braços, um dente partido e escoriações.
E a motivação do recorrente a que se reportam os pontos 13 e 14 retira-se, por ilação, da factualidade objetiva comprovada nos pontos anteriores, avaliada de acordo com as regras da experiência comum, sendo que, na ausência de confissão, a prova do elemento subjetivo é, por regra, indireta. Aliás, a atuação de forma livre, deliberada e consciente do recorrente encontra-se comprovada no ponto 23 e não foi impugnada.
Resta, por isso concluir que nenhum dos elementos de prova aportados impõe distinta decisão, afigurando-se-nos que não resulta erro de julgamento que justifique a intervenção do Tribunal de recurso.
Na verdade, como já referimos, o que realmente resulta, desde logo, das conclusões do recurso, é a divergência entre a convicção pessoal do recorrente sobre a prova produzida em audiência e aquela que o Tribunal alcançou sobre os factos, o que se prende com a apreciação da prova em conexão com o princípio da livre apreciação da mesma consagrado no artigo 127.º do Cód. de Processo Penal.
Mas o tribunal de recurso só poderá censurar a decisão do julgador, fundamentada na sua livre convicção e assente na imediação e na oralidade, se se evidenciar que a solução por que optou, de entre as várias possíveis, é ilógica e inadmissível face às regras da experiência comum.
Ao tribunal superior cumpre verificar a existência da prova e controlar a legalidade da respetiva produção, nomeadamente, no que respeita à observância dos princípios da igualdade, oralidade, imediação, contraditório e publicidade, verificando, outrossim, a adequação lógica da decisão relativamente às provas existentes. E só em caso de inexistência de provas para se decidir num determinado sentido, ou de violação das normas de direito probatório (nelas se incluindo as regras da experiência e/ou da lógica) cometida na respetiva valoração feita na decisão da primeira instância, esta pode ser modificada, nos termos do artigo 431.º do Código de Processo Penal.
Como podemos ver da transcrição do acórdão, resultam as razões que determinaram o juízo probatório do Tribunal a quo, nomeadamente as razões pelas quais atribuiu relevância ao depoimento das testemunhas HH e GG em detrimento da versão do arguido, em particular no que concerne ao início das agressões.
O recorrente não concorda e tem outra leitura. Critica a valoração da prova feita pelo Tribunal recorrido, pretendendo fazer valer uma perspetiva diferente da mesma, a sua versão dos factos, o que não se reconduz a uma real impugnação da matéria de facto.
E a convicção do recorrente, não se sobrepõe à do julgador.
Observada a decisão recorrida e ouvida a prova, verificamos que o Tribunal a quo, de forma que não nos merece qualquer reparo, demonstrou o processo do seu convencimento, indicando os meios probatórios e os motivos por que foram esses meios determinantes para a sua convicção, fazendo-o em conformidade com as boas regras de apreciação da prova.
Temos, pois, que a conjugação de todos os elementos probatórios recolhidos e devidamente explicitados na decisão do Tribunal a quo permite inferências suficientemente seguras no sentido do juízo sobre a matéria de facto, não se vislumbrando qualquer razão de sentido divergente que justifique, e muito menos que imponha, solução diferente daquela a que chegou o Tribunal recorrido.
Pretende o recorrente que vingue a sua visão pessoal sobre a prova produzida, quando a convicção prevalecente, se alcançada com isenção e imparcialidade na avaliação do conjunto da prova que perante ele é produzida, é a do Tribunal.
E assim é pois o Tribunal recorrido, que está numa posição de imparcialidade, teve contacto imediato com o arguido e as testemunhas, de onde extraiu um sem número de impressões, que transpôs para a motivação da respetiva convicção.
Não se vislumbra qualquer falha de lógica na convicção do tribunal a quo nem violação das regras da experiência: os factos provados e não provados não conflituam entre si, nem com a motivação e com a decisão e são bastantes para fundamentar a qualificação jurídica dos factos e a decisão e a motivação aparece na sequência lógica da factualidade provada e não provada, clarificando e esclarecendo a convicção do Tribunal de acordo com as regras da experiência.
A sentença proferida pelo Tribunal a quo assenta em operações intelectuais válidas e justificadas e com respeito pelas normas processuais atinentes à prova.
Em conclusão, analisada a prova produzida em audiência, os juízos dados como assentes apresentam-se plenamente legítimos, face ao conteúdo do princípio da livre apreciação da prova, sendo a versão dada como provada plenamente plausível, face às provas em análise, não revelando ter havido qualquer arbítrio, ou discricionariedade na sua apreciação, nem atentado contra a lógica, ou as regras da experiência comum.
C) Violação do princípio in dubio pro reo
Por último, invoca, ainda, o recorrente, no que respeita à apreciação da matéria de facto, a violação do princípio in dubio pro reo.
Como vimos, o Tribunal alcançou a sua convicção pela conjugação de distintos elementos de prova, em juízo que respeita a lógica e o senso comum, não ficando na dúvida quanto à autoria dos factos dados como assentes.
Note-se que o recorrente veio a ser absolvido da prática de um crime de roubo, p. e p. pelo art. 210.º, n.° 1 do Código Penal (NUIPC 706/22.3PBLSB), da prática de um crime de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. pelos arts. 145.°, n.°1, alínea a) e n.°2, por referência ao artigo 132.°, n.°2, alíneas e), f) e g) do Código Penal (NUIPC 706/22.3PBLSB), da prática de dois crimes de roubo agravado, p. e p. pelos arts. 210°, n°s 1 e 2, um deles por referência ao artigo 204.°, n.°1, alínea f) - FF - e outro por referência ao artigo 204.°, n.°1, alínea a) - EE, todos do Código Penal (NUIPC 825/22.6PFLSB), da prática de dois crimes de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. pelos arts. 145.°, n.°1, alínea a) e n.°2, por referência ao artigo 132.°, n.°2, alíneas e), f), g) e h) do Código Penal (NUIPC 825 /22.6PFLSB), da prática de um crime de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. pelos arts. 145.°, n.°1, alínea a) e n.°2, por referência ao artigo 132.°, n.°2, alíneas e) e g) do Código Penal (NUIPC 747/22.0PCLSB) e da prática de um crime de ofensa à integridade física qualificada, quanto ao ofendido GG, p. e p. pelos arts. 145.°, n.°1, alínea a) e n.°2, por referência ao artigo 132.°, n.°2, alíneas e) e f) (NUIPC 489/22.7PCLSB), imperando aí a dúvida que o favoreceu, como não podia deixar de ser, levando à não comprovação dos factos.
Mas, no demais, na prova dos factos dados como assentes o Tribunal a quo é claro ao referir que não existiu qualquer dúvida quanto à positividade dos mesmos.
E a versão acolhida no acórdão não é apenas uma das versões que resultam da prova produzida: é a única versão plausível que se retira da prova, analisada esta à luz das regras da experiência.
Por isso, nesta parte, o Tribunal não se socorreu do princípio in dubio pro reo (que apenas significa que perante factos incertos, a dúvida favorece o arguido) porque não teve quaisquer dúvidas da valoração da prova e ficou seguro do juízo quanto à autoria dos factos.
Tal princípio só teria sido violado se da prova produzida e documentada resultasse que, ao condenar o arguido com base naquela, o julgador tivesse contrariado as regras da experiência comum ou atropelasse a lógica intrínseca dos fenómenos da vida, caso em que, ao contrário do decidido, deveria ter chegado a um estado de dúvida insanável e, por isso, deveria ter decidido a favor do arguido.
Como já referimos, não é o caso.
O princípio in dubio pro reo, não deve ser convocada perante qualquer contradição ou dúvida, pois parte desta e pressupõe-na, na medida em que o princípio da presunção de inocência deve orientar a apreciação dos elementos probatórios.
No labor de apreciação probatória, na ponderação e conjugação de todos os elementos, apenas deve ser reclamado perante uma dúvida positiva, racional, que impeça a formação da convicção do Tribunal que, manifestamente, não é o caso.
Se a fundamentação não viola o princípio da legalidade das provas e da livre apreciação da prova, alicerçando-se em provas legalmente válidas e valorando-as de forma racional, lógica, objetiva e em consonância com a experiência comum, não pode concluir-se que a mesma prova gera factos incertos, que implique dúvida razoável que afaste a valoração efetuada pelo Tribunal e que imponha a alteração da decisão de facto recorrida, sendo por conseguinte, lícita e válida a decisão do Tribunal a quo.
No caso dos autos a livre apreciação da prova não conduziu à subsistência de qualquer dúvida razoável sobre a existência dos factos dados por assentes e do seu autor, nem a mesma se impunha. Por isso, não há lugar a invocar aqui o princípio in dubio pro reo.
Não se deteta, assim, como possam ter sido violados os direitos do recorrente consagrados no art. 32.º, n.º 1 da CRP.
*
Não tendo sido suscitada nenhuma questão quanto à operação de subsunção jurídica dos factos, nem tendo este Tribunal qualquer razão para intervir na mesma, cumpre apreciar as questões referentes à pena aplicada.
3.3 Da pena de substituiçÃO
Quer o M.º P.º, quer o arguido recorrem do acórdão condenatório no segmento em que entendeu não suspender a execução da pena de prisão aplicada.
Referem, em síntese, ter o Tribunal a quo desconsiderado a situação pessoal do arguido no momento da aplicação da sanção, violando o disposto no art. 50.º do Cód. Penal.
Em face da inexistência de antecedentes criminais, do impacto da vivência de uma situação de reclusão nos presentes autos no âmbito das medidas de coação que lhe foram aplicadas e considerando o enquadramento social e familiar do arguido e a sua intenção declarada de mudar de profissão, entendem ser fundado o juízo de que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada as finalidades da punição, incluindo a prevenção geral sobre a censura a comportamentos violentos em sede de segurança noturna.
Pugnam pela suspensão da pena por um período de cinco anos, acompanhada de regime de prova, que deverá incluir necessariamente uma avaliação psicológica que apure a necessidade de acompanhamento nas vertentes de controlo das emoções, determinando-o sendo caso.
O arguido foi condenado:
- na pena de 3 (três) anos de prisão, pela prática, de um crime de ofensa à integridade física qualificada, quanto ao ofendido HH, p. e p. pelos arts. 145.°, n.°1, alínea a) e n.°2, por referência ao artigo 132.°, n.°2 do Código Penal;
- na pena de 3 (três) anos de prisão, pela prática, de um crime de dano com violência, p. e p. pelos arts. 212.°, n.° 1 e 214.°, n.° 1, alínea a) do Código Penal.
Operando o cúmulo jurídico das penas parcelares, nos termos do disposto no art. 77.°, n°s 1, 2 e 3 do Código Penal, foi o arguido condenado na pena única de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão.
Os recorrentes não contestam as penas parcelares aplicadas, nem a pena única a que chegou o Tribunal recorrido, nem este Tribunal vê qualquer razão para alterar as mesmas, que foram fixadas tomando em consideração a culpa do agente, as exigências de prevenção e as concretas circunstâncias comprovadas nos autos, em obediência, em suma, ao determinado nos arts. 40.º e 71.º do Código Penal.
Já quanto à não opção pela pena de substituição, justificou o Tribunal recorrido a opção do seguinte modo:
«(…)No que respeita ao arguido, quanto à personalidade do agente, pode dizer-se, atentos os elementos constantes dos autos, que revelou uma não conformidade com o Direito, no cometimento dos ilícitos em causa nos autos.
No que concerne à sua conduta ant et post crimen, não existe notícia que tenha cometido mais crimes.
Relativamente ao circunstancialismo que envolveu a prática das infracções, o mesmo foi o que acima ficou descrito.
Pareceria, à primeira vista, que fortes razões desaconselhariam a suspensão da execução da pena de prisão.
Se dúvidas existem sobre a capacidade do arguido para corresponder à oportunidade de ressocialização que lhe é oferecida, a prognose deve ser negativa.
Nos presentes autos, cumpre, desde logo confrontar a atuação do arguido em relação aos ofendidos HH e GG e em relação a II.
Assim, como se viu, neste último caso, o arguido teve uma actuação adequada que permitiu ao tribunal concluir pela legítima defesa.
Contudo, em relação ao HH e ao GG foi o inverso, uma vez que pretendeu oferecer justificações descabidas de que tinha sido agredido pelos mesmos, apenas admitindo, como já se referiu, aquilo que consta de imagens e que se mostra chocante pelo desrespeito a que votou a vítima, HH arrastando-o pela gola da camisa como se de um mero objecto se tratasse.
E não contente com isso, ainda agrediu o ofendido GG para lhe retirar e depois danificar o telemóvel do HH, pois sabia que aí constavam filmagens da sua actuação e queria eliminar as respectivas provas e quanto a tal nem sequer admitiu o que fez.
Revela que, apesar do que pretendeu fazer crer ao Tribunal não interiorizou o desvalor das suas condutas na plenitude.
E tanto assim é que o relatório social conclui que se denota no arguido alguma dificuldade em identificar ou aceitar as fragilidades pessoais que motivaram a sua atual situação jurídico penal, e que o mesmo beneficiaria com um apoio psicológico que contribuísse para o esclarecimento dessas questões e concomitantemente, para a redução dos riscos de uma eventual reincidência, em meio livre.
Tudo isto nos faz concluir por uma elevada reincidência do arguido em meio livre, que apenas a reclusão pode obstar.
Acresce que o arguido como segurança, como já se referiu, em vez de ser, como o próprio nome indica um factor de segurança, se revelou, no caso dos ofendidos HH e GG, um factor de insegurança e causador de violência.
Além disso, estes comportamentos violentos no âmbito da diversão nocturna têm de ser severamente punidos, pela sua ocorrência cada vez mais frequente.
Deste modo, nada indica que a simples ameaça da aplicação de pena que a suspensão da execução da pena de prisão implica, possa afastar o arguido da criminalidade.
Assim, entendemos que a pena de prisão aplicada ao arguido não é susceptível de ser suspensa na sua execução.
Por tudo o que ficou exposto, o Tribunal entende que se impõe o cumprimento efectivo da pena de 4 anos e 6 meses de prisão aplicada ao arguido.»
Vejamos.
De entre as penas de substituição em sentido próprio ou não detentivas, encontra-se a suspensão da execução da pena de prisão3.
Estabelece o n.º 1 do artigo 50.º do Código Penal que o tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. E, de acordo com o disposto no n.º 2 do mesmo artigo 50.º, o tribunal, se o julgar conveniente e adequado à realização das finalidades da punição, subordina a suspensão da execução da pena de prisão ao cumprimento de deveres ou à observância de regras de conduta, ou determina que a suspensão seja acompanhada de regime de prova.
A suspensão da execução da pena de prisão não obedece a um modelo de discricionariedade, mas, antes, ao exercício de um poder-dever vinculado, devendo ser decretada, na modalidade que for considerada mais conveniente, sempre que se verifiquem os respetivos pressupostos legais.
É pressuposto formal da suspensão da execução da pena de prisão a condenação em pena de prisão até 5 (cinco) anos. Quanto aos pressupostos materiais, reconduzem-se à adequação da mera censura do facto e da ameaça da prisão para realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
Na formulação deste juízo, quanto à verificação dos pressupostos materiais da suspensão da execução da pena de prisão, deverá atender-se à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste.
Por outro lado, a suspensão da execução da pena de prisão não pode deixar de ser entendida como uma medida pedagógica e reeducativa4, com vista à realização, de forma adequada, das finalidades da punição, isto é, da proteção dos bens jurídicos e da reintegração do agente na sociedade (art.º 40.º, n.º 1, do Cód. Penal), devendo ser decretada se se mostrar adequada para afastar o agente da prática da criminalidade.
Não são considerações de culpa que interferem na decisão sobre a execução da pena, mas apenas razões ligadas às finalidades preventivas da punição, sejam as de prevenção geral positiva ou de integração, sejam as de prevenção especial de socialização, ligadas à necessidade de correspondência às expectativas da comunidade na manutenção da validade das normas violadas.
A opção pela suspensão da pena de prisão requer a formulação de um juízo de prognose favorável, uma expetativa fundada, relativamente ao comportamento futuro do arguido no sentido de se entender que a condenação em causa constitui para si uma séria advertência e um forte alerta para que não volte a delinquir, acreditando-se que, nas concretas condições em que se encontra, a sua ressocialização se poderá ainda fazer em liberdade.
Como referem Leal-Henriques e Simas Santos5 «o Tribunal deverá correr um risco prudente, uma vez que esperança não é seguramente certeza, mas se tem sérias dúvidas sobre a capacidade do réu para compreender a oportunidade de ressocialização que lhe é oferecida, a prognose deve ser negativa».
Na verdade, não podendo nunca se assegurar que um arguido, a quem foi suspensa a execução de uma pena de prisão, não venha a cometer novo crime, haverá sempre que correr algum risco, calculado, fundado em elementos factuais capazes de suportarem o juízo de prognose com alguma robustez.
O juízo de prognose a realizar pelo Tribunal partirá, assim, da análise conjugada das circunstâncias do caso concreto, das condições de vida do arguido, da conduta anterior e posterior ao crime adotada pelo mesmo e da sua revelada personalidade, análise que permitirá concluir, ou não, pela viabilidade da sua ressocialização se fazer em liberdade.
O Tribunal a quo apreciou a possibilidade de suspender a pena de prisão aplicada ao recorrente, formulando a esse propósito um juízo negativo. Refere, em concreto, que avultam as prementes necessidades de prevenção geral e que o recorrente ainda não interiorizou o desvalor da respetiva conduta.
Mas, reunido que está o pressuposto formal – aplicação de pena de prisão que não excede os cinco anos -, tendo em conta toda a factualidade e circunstâncias provadas, entendemos que se evidencia a possibilidade séria de fazer um juízo de prognose favorável relativamente à inserção do recorrente na sociedade, sem que volte a cometer ilícitos criminais.
Ainda que se concorde que o recorrente não evidenciou ter interiorizado o desvalor das suas condutas na sua plenitude e que impressiona a violência da sua atuação, ainda assim existem, em nosso entender, fatores que, devidamente ponderados, levam a concluir pela assunção de um juízo positivo de prognose quanto ao risco de reincidência.
Assim é pois o recorrente não tem antecedentes criminais.
Antes da sua detenção revelava um percurso laboral empenhado.
Dispõe de apoio familiar, residindo com a sua mãe e sobrinha.
Dispõe de apoio de amigos, que o visitaram em reclusão, sendo bem aceite junto dos pares e no meio social envolvente.
Em cumprimento da medida de coação de prisão preventiva manteve uma conduta ajustada, ocupando-se com atividades desportivas e de leitura.
Revela consciência critica sobre a gravidade dos factos, bem como sentido autocrítico sobre a sua conduta no campo profissional.
Dispõe de capacidades reflexivas e analíticas que lhe permitem compreender a gravidade dos crimes pelos quais foi condenado, pelo que os seus projetos atuais perspetivam o afastamento do trabalho como segurança e dos meios de risco que lhe estão associados, e o investimento noutras áreas profissionais sem estes riscos associados.
Conta para o afeito com algum suporte familiar e o apoio de vários amigos que se mostraram disponíveis ao longo da sua reclusão.
Em face do que, ainda que se concorde serem prementes as necessidades de prevenção geral em agressões perpetradas em estabelecimentos de diversão noturna e por elementos da respetiva segurança, os propósitos preventivos de estabilização contra fáctica das expectativas comunitárias na validade da norma violada, reclamando uma intervenção forte do direito penal sancionatório, não impedem, por si só, a aplicação de uma pena de substituição.
E as concretas exigências de prevenção especial não são de molde a determinar, em nosso entender, o cumprimento efetivo da pena aplicada.
O comportamento do arguido, quer o anterior aos factos em causa, quer o que rodeou o cometimento do crime ora em apreço, quer o posterior aos factos delituosos, não permite que se considere improvável que a simples censura do facto e a ameaça da prisão sejam suficientes para o afastar da prática da criminalidade.
Os traços de personalidade revelados pelo arguido permitem, mau grado a interiorização apenas parcial da gravidade da sua conduta – que não admitiu em toda a sua extensão - que se estabeleça um juízo de prognose favorável relativamente ao comportamento futuro do mesmo. Sendo certo que não se pretende assentar tal juízo numa “certeza”, os contornos do caso sustentam a expetativa que o arguido será sensível à advertência de uma condenação que não envolva o cumprimento efetivo da pena de prisão, ainda que esta tenha que ser fixada no respetivo limite máximo – 5 (cinco) anos.
Não escamoteando as fragilidades pessoais detetadas, impõem as exigências de prevenção especial a sujeição da suspensão da pena de prisão aplicada a regime de prova, nos termos previstos nos arts. 50.º, 54.º do Código Penal, com prévia e específica avaliação psicológica que apure a necessidade de acompanhamento na vertente de controlo das emoções.
O recurso é, por isso, nesta parte procedente, o que determina a revogação da aplicação do perdão previsto na Lei n.º 38-A/2023, de 2 de agosto, em face do que dispõe o art. 3.º n.º 2, al. d), ficando, assim, prejudicado o conhecimento da aplicação dessa Lei a quem tem 30 anos de idade e ainda não completou 31.
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4. Decisão
Pelo exposto acordam as Juízas deste Tribunal da Relação em julgar parcialmente procedente o recurso interposto pelo arguido AA e, em consequência:
a. Suspender a pena única de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão que lhe foi aplicada pelo período de 5 (cinco) anos, sujeita a regime de prova nos termos previstos nos arts. 50.º e 54.º do Código Penal, com avaliação psicológica que apure a necessidade de acompanhamento na vertente de controlo das emoções, prevendo-o, sendo caso;
b. Revogar o perdão de 1 (um) ano da pena única de prisão;
c. Declarar cessada a medida de coação de obrigação de permanência na habitação aplicada ao recorrente.
d. No mais, manter o acórdão recorrido.
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Oficie, de imediato, a DGRSP com vista à retirada dos mecanismos de fiscalização da medida de coação aplicada, assim como para efeitos de elaboração do plano previsto no art. 494.º, do Cód. Processo Penal, a remeter para o Tribunal de primeira instância.
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Sem custas (art. 513.º do Cód. Processo Penal).
Notifique.
Comunique, de imediato e com cópia, à primeira instância.
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Lisboa, 19 de março de 2024
Mafalda Sequinho dos Santos
Maria José Machado
Alda Tomé Casimiro
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1. PEREIRA MADEIRA, Art. 410.º Código Processo Penal Comentado, p. 1327, 4.ª ed. Revista, Almedina.↩︎
2. Acórdão do STJ 2008/11/19, Proc. n.º 3453/08-3, SIMAS SANTOS e LEAL-HENRIQUES, obr. cit. p. 80.↩︎
3. «As penas de substituição em sentido próprio respondem a um duplo requisito: têm, por um lado, carácter não institucional ou não detentivo, sendo cumpridas em liberdade; e pressupõem, por outro lado, a determinação prévia da medida concreta da pena de prisão, sendo aplicadas (e executadas) em vez desta.» Maria João Antunes, Penas e Medidas de Segurança, Almedina. 2.ª ed., p. 38.↩︎
4. «Como reação de conteúdo pedagógico e reeducativo (particularmente quando acompanhada do regime de prova), só deve ser decretada quando o Tribunal concluir, em face da personalidade do agente, das condições da sua vida e outras circunstâncias indicadas no n.º 1 ser essa medida adequada a afastar o delinquente da criminalidade.» Leal-Henriques e Simas Santos, Código Penal Anotado, 1.º vol. pág. 443.↩︎
5. in Código Penal Anotado, 1.º vol. pág. 444.↩︎