Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2021/20.8T8CSC.L1-6
Relator: ANTÓNIO SANTOS
Descritores: CONVENÇÃO DE HAIA
RAPTO INTERNACIONAL DE MENOR
SUPERIOR INTERESSE DO MENOR
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/22/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCENTE
Sumário: 4.1.– Sendo na Alemanha o local de residência habitual do menor, em resultado de acordo de ambos os seus progenitores , e aos quais de resto cabia o exercício em conjunto - após a separação de ambos - das responsabilidades parentais, a progenitora incorre na sua retenção ilícita em Portugal se , após um curto e passageiro período de permanência no nosso país, não mais pretende regressar à Alemanha com o menor, assim decidindo unilateralmente e contra a vontade e o acordo do outro progenitor ;

4.2. Sendo a conduta da progenitora do menor ilícita à luz do artº. 3 da Convenção sobre os Aspectos Civis do Rapto Internacional de Crianças, concluída em Haia em 25.10.80, e artº 2, nº 11, do Regulamento nº 2201/2003 do Conselho (CE), de 27.11.03, a decisão de ordenar o regresso imediato do menor à Alemanha apenas não deve ser proferida pelo tribunal se tal se justificar/impuser em razão da salvaguarda do interesse superior da criança, maxime e v.g. de forma a obstar a que a sua separação do progenitor/guardião lhe possa causar um dano psíquico intolerável ;

4.3. Com fundamento no artº 13º da Convenção referida em 4.2., justifica-se também a prolação de recusa de ordem de regresso imediato do menor à Alemanha se este último, já com 12 anos de idade, a tal regresso se opõe, antes pretende permanecer aos cuidados/guarda do progenitor/raptor e, para todos os efeitos, nada permite considerar que o respeito pela sua vontade não salvaguarda os seus superiores interesses, antes os viola.

Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes na 6ª Secção CÍVEL do Tribunal da Relação de Lisboa

*
*
*

1. Relatório:


O Ministério Público veio em 29/7/2020 [ ao abrigo do disposto nos artigos 1º, al. b) e n.º 2, al, a), 2.° n.º 11, als. a) e b), 7.°, 8°, 11° e 12°, do Regulamento(CE) n.º 2201/2003, de 27 de Novembro ex vi da Convenção de Haia Sobre os Aspectos Civis do Rapto Internacional de Crianças, de 25 de Outubro de 1980 ], transmitir o pedido de regresso formulado pelas Autoridades Alemãs, em benefício e no interesse do menor, A, nascido em 30/3/2008, e contra a respectiva progenitora B [ ....Maria... ], impetrando que seja diligenciado o imediato regresso do referido menor à Alemanha, para junto do seu progenitor C [ ...Lopes ....] .

Para tanto, alegou o MP, em síntese, que :
- O menor, A, nasceu em Portugal a 30 de Março de 2008, na freguesia de São Sebastião da Pedreira, município de Lisboa, tem nacionalidade portuguesa e é filho de C e de B ;
- Tendo os Pais vivido em união de facto durante 15 anos, certo é que desde 2012 que ambos e o menor passaram a residir na Alemanha, primeiro na cidade de Dusseldorf e, posteriormente, na cidade de Berlin, onde residem desde 2018;
- Sucede que, em 2018 os pais separaram-se e, por acordo, passaram a exercer as responsabilidades parentais de forma partilhada, tendo o menor residência alternada, ou seja, tem residência em Eschenallee .., Berlin, casa da progenitora, e em Ortelsburger Allee ...., 14055 Berlin, casa do progenitor, ambas na Alemanha ;
- Já mais recentemente, por causa da situação da pandemia de Covid-19, acordaram ambos os Pais que, durante o encerramento da escola do menor, a mãe poderia vir para Portugal com o menor para aqui permanecer algum tempo com os seus familiares, devendo regressar mais tarde a Berlin, Alemanha, aquando da reabertura da escola do menor, tendo a progenitora viajado para Portugal com o menor em Março de 2020;
- Não obstante o acordado, certo é que em Abril de 2020 a progenitora manifestou ao pai do menor que não deseja mais regressar à Alemanha nem deseja que o seu filho também regresse à Alemanha, encontrando-se, actualmente, juntamente com a mãe, a residir na Rua C... V..., ...., 2...-3... Parede;
- Ora, porque o menor tem residência na Alemanha, Berlin, o exercício das responsabilidades parentais pertence a ambos os pais, pelo que a retenção da criança fora do território da Alemanha é ilícita, violando o direito de guarda conferido por acordo em vigor por força da legislação do Estado-Membro onde a criança tinha a sua residência habitual e porque no momento da decisão de retenção pela mãe, o direito de guarda estava a ser efectivamente exercido conjuntamente entre pai e mão do menor.

1.2.-Designado dia para audição do menor e respectivos progenitores , teve a mesma lugar a 13/8/2020, e , aberta vista ao MP, veio o Exmº Procurador da República a proferir parecer no sentido de dever o “ Tribunal proferir decisão no sentido de recusar o regresso do menor à Alemanha e determinar a sua retenção em Portugal, nos termos do disposto no art. 13.º da Convenção de Haia Sobre os Aspectos Civis do Rapto Internacional de Crianças e no art. 11.º, n.º 6 do do Regulamento (CE) n.º 2201/2003, de 27 de Novembro, dado o menor A ter verbalizado vontade de se opor ao referido regresso, o que fez de forma livre e voluntária, estando dotado de suficiente maturidade para que essa vontade seja tida em consideração e seja fundamento de recusa da entrega “.

1.3.Conclusos os autos a 21/8/2021, foi de imediato proferida Sentença/decisão, sendo o respectivo excerto decisório do seguinte TEOR :
“(…)
DECISÃO:
Assim sendo e em face do exposto, julgo improcedente o pedido do Ministério Público e, em consequência, não ordeno o regresso do menor A à Alemanha.
Sem custas (art. 26 da Convenção).
Notifique o Ministério Público e os pais, na pessoa dos seus Ilustres Mandatários.
Registe.
Comunique à DGRSP.
Cascais, ds.”

1.4.– Discordando da decisão/sentença referida em 1.3., veio de imediato e em tempo o requerente C da mesma apelar, aduzindo, em sede de conclusões da instância recursória, as seguintes considerações:
A.- O Tribunal “a quo” considerou dispensáveis outras diligências de instrução, além da prova documental constante dos autos e das declarações proferidas pelo menor e pelos progenitores, acabando por incluir entre a factualidade assente factos controvertidos, cuja relevância é determinante para a decisão proferida a final, sem qualquer sustentação ou evidência.
B.- A douta Sentença recorrida omite que o progenitor se opôs à permanência do menor em Portugal, após o recomeço das aulas presenciais na Alemanha, facto que resultou demonstrado e constitui, aliás, pressuposto da presente acção.
C.-A douta Sentença recorrida dá como assente que a progenitora e o menor residem na Rua C... V..., nº ..., na Parede, apesar de tal ter sido expressamente impugnado pelo progenitor e sem que exista para tal outra evidência nos autos que não sejam as declarações prestadas pela progenitora.
D.-A fixação da residência do menor como facto assente apela a uma qualificação e concretização de conceitos jurídicos que o Tribunal a quo não realizou, devendo, nos termos da Convenção da Haia sobre os Aspectos Civis do Rapto Internacional de Crianças (doravante “a Convenção”), abster-se de retirar consequências jurídicas da permanência em Portugal do menor, em coabitação com a progenitora.
E.-A resistência da progenitora na resposta às perguntas sobre a sua situação profissional em Portugal e sobre a inscrição do menor em estabelecimento de ensino em Portugal colocou em fundada dúvida as declarações por ela proferidas a esse respeito, pelo que deveria o Tribunal a quo ter ordenado a produção de prova adicional, exigindo à progenitora a comprovação da sua situação profissional e das iniciativas por ela tomadas unilateralmente quanto ao percurso escolar do menor.
F.-A matrícula do menor A na St. Dominic’s School, em São Domingos de Rana, concelho de Cascais, é nula, nulidade que expressamente se invoca para todos os efeitos.
G.-A douta Sentença recorrida omite que o menor se encontra matriculado em estabelecimento de ensino em Berlim, na Alemanha, facto que resultou das declarações do progenitor, reconhecidas pela progenitora. A inclusão de tal facto na matéria assente implicaria uma decisão final diversa, de modo a não comprometer o superior interesse do menor, indissociável do prosseguimento dos seus estudos e da sua evolução educativa.
H.-O menor não manifestou qualquer oposição ao regresso à Alemanha. A factualidade assente quanto à vontade por ele manifestada e quanto à maturidade dessa manifestação não preenchem os requisitos exigidos pelo artigo 13.º da Convenção.
I.- O artigo 13.º da Convenção da Haia sobre os Aspectos Civis do Rapto Internacional de Crianças (doravante “a Convenção”) deve ser interpretado – e tem sido interpretado de forma consistente pelos Tribunais – de modo a desincentivar o rapto e não o contrário.
J.-A Convenção prossegue a presunção de que a situação que melhor atende ao superior interesse da criança é aquela que se verificava antes da abdução.
Qualquer outra interpretação desvirtua os objectivos da Convenção e incentiva o rapto de crianças.
K.-O Tribunal não pode deixar de avaliar a autonomia do menor na formação e expressão da sua vontade, condicionada, neste caso, inevitavelmente, pela coabitação ininterrupta com a progenitora desde Março de 2020, sem qualquer interferência do progenitor.
L.-A vontade manifestada pelo menor A foi condicionada pela progenitora.
M.-A progenitora assistiu a todas as conversas mantidas telefonicamente ou por videochamada, entre o menor e o progenitor.
N.-Desde que se encontra em Portugal, apenas com a progenitora, o menor A não esteve sujeito a rotinas, nomeadamente escolares. Passou os dias em casa, jogou computador, conversou com os amigos da Alemanha por videoconferência. Em suma, esteve sempre de férias.
O.-O menor A não manifestou qualquer oposição ao regresso à Alemanha. Apenas disse querer ficar em Portugal.
P.-A manifestação, pelo menor, de oposição ao regresso ao país de onde foi ilegalmente subtraído apenas pode relevar quando seja de prever que tal regresso o colocaria na situação de menor em risco.
Q.-A douta Sentença recorrida encontra-se desprovida da fundamentação de facto indispensável à decisão da retenção do menor A em Portugal, porquanto não foi dado como assente que este manifestou oposição ao seu regresso à Alemanha e que tal oposição tenha sido manifestada de forma madura, atendendo à idade do menor.
R.-A decisão de retenção contida na Sentença recorrida viola o direito internacional privado, designadamente o artigo 13.º da Convenção da Haia sobre os Aspectos Civis do Rapto Internacional de Crianças, porquanto atribui relevo à vontade manifestada pelo menor sobre o país onde deseja viver, ao que o indicado preceito não atribui qualquer valoração.
S.-A douta Sentença recorrida não pode subsistir porquanto, contrariando os princípios que subjazem à Convenção da Haia sobre os Aspectos Civis do Rapto Internacional de Crianças, acaba por incentivar, em vez de impedir, o rapto internacional de crianças.
T.-Deve ser ordenada a imediata repatriação do menor A de modo a preservar o significado e a finalidade da Convenção da Haia sobre os Aspectos Civis do Rapto Internacional de Crianças.
Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente por provado e em consequência ser revogada a douta Sentença proferida, ordenando-se o imediato regresso à Alemanha do menor A e a entrega deste ao progenitor C, tal como ordenado pelo Tribunal competente da Alemanha, como é de Direito e de JUSTIÇA.

1.5. Tendo o MP contra-alegado, veio impetrar que à apelação interposta seja negado provimento, impondo-se assim a confirmação da decisão recorrida.
Em rigor, vem o MP aduzir que a decisão sob recurso não merece qualquer censura, antes, pelo contrário, resulta dos autos que se trata de uma decisão que foi proferida por se revelar a mais adequada à defesa dos interesses do menor, e, por isso, tal decisão ser mantida nos seus precisos termos.
1.6.–A requerida progenitora não contra-alegou, estando pendente instância recursória que tem por objecto decisão proferida pelo tribunal a quo que indeferiu a arguição de nulidade ( por requerimento da progenitora e de 8/10 /2020 ) do despacho de admissão da apelação interposta por C e a concessão à progenitora B de prazo para apresentar a sua contra alegação.
*

Thema decidendum
1.7.– Colhidos os vistos, cumpre decidir, sendo que , estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões [ daí que as questões de mérito julgadas que não sejam levadas às conclusões da alegação da instância recursória, delas não constando, têm de se considerar decididas e arrumadas, não podendo delas conhecer o tribunal de recurso] das alegações dos recorrentes ( cfr. artºs. 635º, nº 3 e 639º, nº 1, ambos do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho ), e sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, a questão a apreciar e a decidir resumem-se às seguintes :
I- Aferir se importa introduzir alterações na decisão de facto proferida pelo tribunal a quo ;
II- Aferir se a sentença apelada se impõe ser revogada, maxime porque :
a)-Estão in casu reunidos/preenchidos os pressupostos em que a Convenção faz assentar a entrega da criança ;
b)-Não existe fundamento legal que obste à procedência da acção, máxime não se mostra provada factualidade que justifique/imponha a retenção do menor A em Portugal;
*

2.– Motivação de Facto.
O tribunal a quo, em sede de fundamentos de facto da decisão apelada, fixou a seguinte FACTUALIDADE ;

A)– PROVADA
2.1.-O menor A nasceu em Portugal a 30.03.2008, é português e é filho de B e de C ;
2.2.- Os pais viveram em união de facto um com o outro durante 15 anos;
2.3.-Em 2012, o menor e os seus pais passaram a residir na Alemanha, primeiro na cidade de Dusseldorf e, a partir de 2018, em Berlim;
2.4.-Em 2018, os pais do A separaram-se um do outro e, por acordo, decidiram que as responsabilidades parentais relativas ao filho seriam exercidas em comum e que o menor residiria, alternadamente, com cada um dos pais, sendo que ambos os pais residiam em Berlim;
2.5.-O menor, no ano lectivo 2019/2020, frequentou a escola internacional Berlin British School, onde o ensino é leccionado em Inglês, idioma que o menor domina e fala fluentemente, estando, o menor inscrito nessa mesma escola para o ano lectivo 2020/2021;
2.6.-Por força da pandemia Covid-19, os pais acordaram que, estando a escola do menor encerrada, a mãe poderia vir para Portugal com o A, para junto de familiares, devendo regressar mais tarde para Berlim, quando a escola reabrisse;
2.7. -A mãe viajou para Portugal com o A em Março de 2020 ;
2.8.-Em Abril de 2020, a mãe manifestou ao pai do A que não pretendia regressar à Alemanha e que queria aqui ficar a residir, sendo que o A também ficaria em Portugal;
2.9.-Residem, assim, mãe e filho, desde então, na Rua C... V..., nº ...., na Parede;
2.10.- A mãe do A já está a trabalhar em Portugal;
2.11.-O A está inscrito, para o ano lectivo 2020/2021, numa escola internacional sita na zona de Cascais, onde o ensino é leccionado em inglês;
2.12.-O A tem uma forte ligação afectiva com o pai e com a mãe, mas quer ficar a viver em Portugal, onde tem tios, primos e demais família alargada, materna e paterna, vontade que manifesta de forma madura, espontânea e estruturada;
2.13.-O A está habituado a mudanças, seja de casa, seja de escola e até de país ou de cidade, o que não o assusta, uma vez que sabe ser capaz de se adaptar com facilidade e de fazer novos amigos para onde quer que vá;
2.14.- Os pais conhecem a vontade do filho e o pai pondera, caso o filho fique a viver em Portugal, alterar a sua residência e a sua vida para estar junto do filho.
***

3– Se in casu se impõe a alteração da decisão do tribunal a quo relativa à matéria de facto.
Analisadas as alegações e conclusões do apelante C , e no que à decisão relativa à matéria de facto proferida pelo tribunal a quo diz respeito, inquestionável é que discorda o recorrente de algumas respostas/julgamentos da primeira instância no tocante a vários/concretos pontos de facto da referida decisão, considerando para tanto terem sido todos eles incorrectamente julgados, e , bem assim, considera que da referida decisão deveriam também fazer parte outros pontos de facto.
Por outra banda, tendo presente o conteúdo das apontadas peças recursórias, impõe-se reconhecer, observou e cumpriu minimamente o apelante as regras/ónus processuais a que alude o artº 640º, do CPC, quer indicando os concretos pontos de facto que considera como tendo sido incorrectamente julgados, quer precisando quais os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo de gravação nele realizada, que impunham uma decisão diversa da recorrida, quer, finalmente, indicando implicitamente quais as diferentes respostas que deveria o tribunal a quo ter proferido.
Destarte, na sequência do exposto, nada obsta, prima facie , a que proceda este Tribunal da Relação à análise do “mérito” da solicitada/impetrada alteração das respostas aos pontos de facto impugnados .

3.1. Dos itens de facto com os nºs 2.9. e 2.10.
Discorda o apelante da factualidade inserta nos itens de facto nºs 2.9 e 2.10, para tanto aduzindo não se amparar a mesma em prova produzida pertinente, sobretudo documental, podendo quando muito resultar tão só das declarações prestadas pela própria progenitora.
Neste conspecto, recorda-se que em sede de justificação da convicção subjacente ao julgamento de facto considerou o tribunal a quo que “Os factos dados como provados tiveram por base os documentos juntos aos autos, certidão de nascimento do menor, as declarações prestadas pelos pais e as declarações prestadas pelo menor, que se revelou expressivo, espontâneo, esclarecido e lúcido relativamente à sua vontade e ao contexto em que se integra “.
Adiantando desde já o nosso veredicto, não vislumbramos existir razão relevante e atendível que obrigue a considerar não provada a factualidade ora em crise.
Desde logo, porque podendo a respectiva veracidade basear-se nas declarações – que não apenas em prova documental - prestadas pela própria, certo é que resulta dos autos que veio a progenitora B a ser notificada através das autoridades policiais competentes precisamente na morada indicada no ponto de facto nº 2.9, o que [ nos termos do artº 349º, do CPC ] no mínimo justifica presumir que efectivamente reside a mesma na morada no referido ponto de facto indicada.
Depois, porque pela nossa parte, e tal como assim o entende PIRES de SOUSA (1), não vemos que exista fundamento legal pertinente que obrigue à partida a desvalorizar o valor probatório das declarações de parte [ sem prejuízo de se dever considerar que os presentes autos não consubstanciarem em rigor um processo de partes que tem por desiderato solucionar ou compor um conflito de interesses disponíveis - cfr. art.º 1249.º do CC ], antes importa que sejam elas e tal como os demais meios de prova também sujeitas à livre apreciação do tribunal ( cfrº Arts. 389º, 391º e 396º do Código Civil ), sem que se questione que o juiz possa considerar um facto provado só com base numa dessas provas singulares, no limite, só com base num depoimento. (2)
Ao invés, e tal como assim o entende também PIRES de SOUSA “ Num sistema processual civil cuja bússola é a procura da verdade material dos enunciados fáticos trazidos a juízo, a aferição de uma prova sujeita a livre apreciação não pode estar condicionada a máximas abstractas pré-assumidas quanto à sua (pouca ou muita) credibilidade mesmo que se trate das declarações de parte. Se alguma pré-assunção há a fazer é a de que as declarações de parte estão, ab initio, no mesmo nível que os demais meios de prova livremente valoráveis. A aferição da credibilidade final de cada meio de prova é única, irrepetível, e deve ser construída pelo juiz segundo as particularidades de cada caso segundo critérios de racionalidade”.
Em suma, sufraga-se nesta matéria [ porque o que melhor se adequa perante o jure condito/constituto ] o entendimento de Miguel TEIXEIRA DE SOUSA (3), no sentido de que :
“(…)não se pode acompanhar a orientação segundo a qual a prova por declarações de parte deve ser entendida como um meio de prova complementar ou com uma função de clarificação de outras provas. Não se ignora, como é evidente, que a prova por declarações de parte merece uma especial ponderação pelo tribunal, dado que é a própria parte que depõe em juízo sobre factos que, em princípio, lhe são favoráveis. Isto é, no entanto, coisa completamente diferente de se entender que, à partida e independentemente de qualquer valoração específica em função das circunstâncias do caso concreto, a prova por declarações de parte não pode ter um valor probatório próprio.
(…)
Pela perspectiva do direito português, há que referir que a não atribuição de um valor probatório próprio à prova por declarações de parte é contraditória com a faculdade, resultante da conjugação do disposto no art. 466.º, n.º 2, CPC com o estabelecido no art. 452.º, n.º 1, CPC, de o juiz ordenar oficiosamente essa prova. Se o tribunal tem o poder de ouvir as partes sobre, por exemplo, um aspecto das negociações de um contrato, isso só pode querer significar que o tribunal tem o poder de avaliar, para efeitos probatórios, as declarações que as partes venham a produzir (ou mesmo, como é claro, a declaração que só uma delas venha a produzir, pela recusa de depoimento ou por um depoimento evasivo da outra). Qualquer outra interpretação diminuiria a relevância ou retiraria mesmo qualquer justificação para os poderes oficiosos atribuídos ao tribunal pelos referidos preceitos.
(…)
Se é certo que se impõe apreciar a prova por declarações de parte sem ilusões ingénuas, também é verdade que não há que, à partida, desqualificar o valor probatório dessa prova. Em suma: a prova por declarações de parte tem, sem quaisquer apriorismos, o valor probatório que lhe deva ser reconhecido pela prudente convicção do juiz; nem mais, nem menos, pode ainda precisar-se”.
Por último, sendo verdade que no âmbito de impugnação de decisão de facto, exige-se que o Tribunal da Relação se debruce sobre a razoabilidade da convicção em que assentou o “julgamento” do tribunal a quo, impondo-se inclusive ao tribunal de recurso formar a sua própria convicção (4), o que deve fazer outrossim no gozo pleno do princípio da livre apreciação da prova ( cfr. artº 607º,nº5, do CPC ), o certo é que outrossim pacífico é que não cabe todavia ao tribunal de segunda instância realizar um segundo ou um novo julgamento, sendo antes a sua competência residual (5) , ou seja, a impugnação deduzida pelo recorrente “não pode transformar o tribunal de segunda instância em tribunal de substituição total e pleno, anulando, de forma plena e absoluta, o julgamento que foi realizado por um tribunal a quem cabe, em primeira e decisiva linha, fazer uma aproximação, imediata e próxima, das provas que lhe são presentes.
Ou seja, cabendo tão só à segunda instância proceder ao julgamento da decisão de facto por forma a corrigir erros de julgamento patentes nos tribunais de 1.ª instância, mas dentro de limites que não podem exacerbar ou expandir-se para além do que a lei comina” (6), então e porque de resto [em razão do princípio da imediação] muito do apreendido pelo Julgador da primeira instância nunca chega - porque não é gravado ou registado - ao ad quem [sempre existindo inúmeros factores difíceis de concretizar ou verbalizar e que são importantes e decisivos em sede de formação da convicção], em coerência exige-se que a Relação evite introduzir alterações quando não seja possível concluir, com a necessária segurança, pela existência de um erro de apreciação da prova relativamente aos concretos pontos de facto impugnados. (7)
Tudo visto e ponderado, não vemos assim justificação para retirar do elenco dos factos provados os que referentes aos itens nºs 2.9. e 2.10.

3.2.Do item de facto com os nºs 2.11.
Insurge-se também o apelante relativamente ao conteúdo do ponto de facto nº 2.11, porque amparado apenas nas decorações pela progenitora prestadas, e , concomitantemente, já em sede de conclusões, refere que “ A matrícula do menor A na St. Dominic’s School, em São Domingos de Rana, concelho de Cascais, é nula, nulidade que expressamente se invoca para todos os efeitos”.
Ora, começando pela invocada nulidade, porque não se vislumbra qual o respectivo fundamento legal, quer substantivo ou adjectivo ( processual ou de sentença ), podendo quando muito o facto a se relevar ou não para a decisão de mérito, importa de imediato desconsiderar o aludido vício.
Já no tocante ao julgamento de facto em si, e lançando mão dos considerandos já por nós aduzidos em 3.1. a propósito dos itens de facto com os nºs 2.9. e 2.10., e que aqui se aplicam também, nada justifica em suma que seja retirado do elenco dos factos provados o referente ao item nº 2.11.

3.3.Da almejada recondução ao elenco dos factos provados de dois novos.
Discorda o apelante da circunstância de o elenco dos factos provados não contemplar – como se impõe - um ponto de facto que aluda à oposição logo manifestada pelo progenitor à progenitora aquando da factualidade a que se refere o ponto de fato nº 2.8. [ “ Em Abril de 2020, a mãe manifestou ao pai do A que não pretendia regressar à Alemanha e que queria aqui ficar a residir, sendo que o A também ficaria em Portugal” ].
Outrossim considera o apelante que a Sentença recorrida omite que o menor se encontra matriculado em estabelecimento de ensino em Berlim, na Alemanha, facto que resultou das declarações do progenitor, reconhecidas pela progenitora.
É que, no entender do apelante, a inclusão deste último facto na matéria assente implica uma decisão final diversa, de modo a não comprometer o superior interesse do menor, indissociável do prosseguimento dos seus estudos e da sua evolução educativa.
Em rigor, portanto, a decisão de facto – no entender do apelante – mostra-se deficiente ( artº 662º, nº 2,alínea c), do CPC ), porque omissa de julgamento de pontos de facto relevantes para a decisão da causa.
Ora, admitindo-se – segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito – que a factualidade ora em análise é susceptível de contribuir para a boa decisão da causa, certo é que, porque constam dos autos todos os elementos que possibilitam a alteração da decisão de facto , forçosa não se mostra assim a anulação desta última – cfr. artº 662º, nº 2,alínea c), do CPC.
Destarte, tendo presente o teor do documento junto aos autos [ denominado de ATESTADO ESCOLAR, de 8/6/2020 ], e emitido pela BERLIN BRITISH SCHOOL, procedendo nesta parte a impugnação do apelante C, determina-se que do elenco dos factos provados passe a fazer parte um novo, com a seguinte redacção :
“ O menor A encontra-se matriculado em estabelecimento de ensino em Berlim, na Alemanha, para o ano lectivo 2020/2021 ( turma 7 ), frequentando tal estabelecimento desde o dia 8/1/2018 “.
Igualmente importa reconduzir ao elenco dos factos provados um outro que, em termos peremptórios, clarifique que o progenitor/apelante se opôs à pretensão que lhe manifestou a apelada em Abril de 2020, e no sentido de que não mais pretendia regressar à Alemanha, antes queria ficar a residir em Portugal, sendo que o A também ficaria em Portugal ].
Este último facto, de resto, decorre desde logo do expediente que foi remetido ao nosso país pela Autoridade Requerente da Alemanha, e , ademais, mostra-se implícito no próprio despoletar do processo do qual brota a presente instância recursória .
Destarte, ao elenco dos factos provados determina-se que passe a fazer parte um novo, com a seguinte redacção :
“ Quando confrontado da vontade da progenitora do menor - em Abril de 2020 – de não mais pretender regressar à Alemanha e que queria ficar a residir em Portugal juntamente com o menor A, o progenitor C manifestou-lhe a sua oposição”.
***

4.– Motivação de Direito
4.1.- Se a sentença apelada incorre em error in judicando, ao Não determinar/ordenar o imediato regresso do menor A à Alemanha.
A decisão apelada foi pelo tribunal a quo proferida ao abrigo da Convenção de Haia sobre os Aspectos Civis do Rapto Internacional de Crianças de 25.10.1980 [ doravante designada apenas por Convenção (8) ] , e na sequência da presença no nosso País - junto da respectiva progenitora, de nacionalidade Portuguesa - de menor cujo regresso à Alemanha é exigido pelo respectivo progenitor, também de nacionalidade portuguesa.
O tribunal a quo, recorda-se, veio a desatender ( julgando improcedente o pedido do Ministério Público ) a pretensão do progenitor/apelante, não ordenando portanto o regresso do menor A à Alemanha, sendo que, a fundamentar tal decisão, baseou-se essencialmente nos seguintes pressupostos ;
Em Primeiro lugar: Considerou o tribunal a quo que no caso em análise tinha o menor A, nascido em 30/3/2008, a sua residência habitual na Alemanha e, à data , estava ele confiado à guarda e cuidados da mãe e do pai, em exercício conjunto das responsabilidades parentais e em residência alternada;
Em Segundo lugar : Reconheceu também o tribunal a quo que resultava da factualidade provada que a mãe decidiu, sem o acordo do pai do A, que o A não mais regressaria para a Alemanha, como era vontade do pai e como ambos de resto haviam previamente acordado, permanecendo desde Março com o A em Portugal, logo, impunha-se concluir que o A tem permanecido retido ilicitamente em Portugal desde, pelo menos, Abril de 2020;
Em Terceiro lugar : E no seguimento dos dois considerandos anteriores, logo admitiu o tribunal a quo que a deslocação/retenção do menor em Portugal e contra a vontade do progenitor importava qualificar-se como sendo ilícita, o que obrigava prima facie à prolação de decisão que determinasse a entrega imediata do menor A;
Em Quarto lugar : E não obstante o referido no tocante à ilicitude da retenção do menor, e , ao abrigo do disposto no artº 13º, da Convenção da Haia sobre os Aspectos Civis do Rapto Internacional de Crianças , considerou todavia o tribunal a quo que in casu se justificava enveredar pela prolação de uma decisão de recusa do regresso do menor à Alemanha e com fundamento, quer na sua própria opinião/vontade/desejo, quer em razão do conjunto da factualidade provada, máxime da seguinte ;
a) Ser o A português e falar português;
b) Ter o A 12 anos de idade e quer ficar a residir e a estudar em Portugal, não sendo vontade do menor regressar para a Alemanha, vontade que evidencia de forma lúcida, genuína e estruturada;
c) Ter o A, em Portugal, muitos familiares com quem convive e está entusiasmado com a ideia de fazer novos amigos;
d) Dominar o A a língua inglesa (idioma em que tem estudado) e estar inscrito, para o ano lectivo 2020/2021, numa escola internacional em Portugal onde o ensino é leccionado em inglês, dando, assim, continuidade ao percurso escolar que tem percorrido.
Em conclusão, para o tribunal a quo, ainda que seja pacífico que a mãe reteve, de forma ilícita, o filho em Portugal, a verdade é que o superior interesse do A e o respeito pela sua vontade[ fundamentada , estruturada, madura - atenta a idade do A e a maturidade por ele evidenciada - e genuína, de querer ficar em Portugal ] , justificava/obrigava a que o Tribunal se decidisse pela recusa do pedido de regresso do menor à Alemanha apresentado pelo Ministério Público.
Dissentindo o apelante/progenitor da DECISÃO do tribunal a quo, vejamos de seguida se tal como é entendimento do recorrente, importa revogar aquela – decisão - , porque contrariando os princípios que subjazem à Convenção da Haia sobre os Aspectos Civis do Rapto Internacional de Crianças, acaba por incentivar, em vez de impedir, o rapto internacional de crianças.
Ora bem.
A Convenção sobre Aspectos Civis do Rapto Internacional de crianças [ a qual de resto mostra-se subjacente ao despoletar dos presentes autos ], e no pressuposto [ tal como expressis verbis resulta do respectivo preâmbulo ] de que os interesses da criança são de primordial importância em todas as questões relativas à sua custódia, tem precisamente por desiderato proteger a criança, no plano internacional, dos efeitos prejudiciais resultantes de uma mudança de domicílio ou de uma retenção ilícitas e estabelecer as formas que garantam o regresso imediato da criança ao Estado da sua residência habitual, bem como assegurar a protecção do direito de visita”.
Para o referido efeito, e de acordo com a alínea a), do seu artº 1º, tem a Convenção por objecto assegurar o regresso imediato das crianças ilicitamente transferidas para qualquer Estado Contratante ou nele retidas indevidamente.

Ora, para que a Convenção seja aplicável, exigível é que se esteja perante uma situação de uma criança sujeita a uma deslocação ou a uma retenção ilícita, o que pode ocorrer quando [ cfr. artº 3º da Convenção , e também artº 2º, nº 11, do Regulamento (CE) n.° 2201/2003 , do Conselho, de 27 de Novembro de 2003 (9) ] :
a)-Tendo sido efectivada em violação de um direito de custódia atribuído a uma pessoa ou a uma instituição ou a qualquer outro organismo, individual ou conjuntamente, pela lei do Estado onde a criança tem a sua residência habitual imediatamente antes da sua transferência ou da sua retenção; e
b)-Este direito estiver a ser exercido de maneira efectiva , individual ou em conjunto, no momento da transferência ou da retenção, ou o devesse estar se tais acontecimentos não tivessem ocorrido.

Por sua vez, em conformidade com o último parágrafo do referido art. 3º, o direito de custódia a que alude a al. a) aludida, pode designadamente resultar quer de uma atribuição de pleno direito, quer de uma decisão judicial ou administrativa, quer de um acordo vigente segundo o direito deste Estado.

Isto dito, tudo aponta pois para que a Convenção de Haia deva ser chamada à colação quando uma criança é deslocada - para o estrangeiro - do local da sua residência habitual, quer pelo progenitor que não detém a sua guarda, quer também pelo progenitor que, sendo é certo co-titular da sua guarda, a afasta todavia do local do seu domicilio habitual, mudando-o contra a vontade do outro co-titular da guarda do menor, e privando-o doravante de poder continuar a deter a guarda efectiva - ainda que em conjunto - da criança como sempre o fizera até então.

Ou seja, a subtracção de um menor por um dos Pais ocorre quando existe, em termos de facto, quer o exercício conjunto de responsabilidades parentais ( maxime quando qualquer dos progenitores estão em posições muito próximas, e bastando v.g. que um dos progenitores venha mantendo algum contacto com a criança antes da sua transferência ou da sua retenção ) , quer quando os direitos de guarda se encontram atribuídos ( v.g. por decisão judicial ) a um dos progenitores.

Com pertinência para a questão decidenda, importa também atentar que, o Regulamento (CE) n.° 2201/2003 do Conselho, de 27 de Novembro de 2003, relativo à competência, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria matrimonial e em matéria de responsabilidade parental e que revoga o Regulamento (CE) n.° 1347/2000, é peremptório em consagrar/estabelecer nos respectivos considerandos 17 e 18,que :
“ (17) Em caso de deslocação ou de retenção ilícitas de uma criança, deve ser obtido sem demora o seu regresso ; para o efeito, deverá continuar a aplicar-se a Convenção de Haia de 25 de Outubro de 1980, completada pelas disposições do presente regulamento, nomeadamente o artigo 11.º
Os tribunais do Estado-Membro para o qual a criança tenha sido deslocada ou no qual tenha sido retida ilicitamente devem poder opor-se ao seu regresso em casos específicos devidamente justificados.
Todavia, tal decisão deve poder ser substituída por uma decisão posterior do tribunal do Estado-Membro da residência habitual da criança antes da deslocação ou da retenção ilícitas.
Se esta última decisão implicar o regresso da criança, este deverá ser efectuado sem necessidade de qualquer procedimento específico para o reconhecimento e a execução da referida decisão no Estado-Membro onde se encontra a criança raptada.
(18) Em caso de decisão de recusa de regresso, proferida ao abrigo do artigo 13.º da Convenção de Haia de 1980, o tribunal deve informar o tribunal competente ou a autoridade central do Estado-Membro no qual a criança tinha a sua residência habitual antes da deslocação ou da retenção ilícitas. Este tribunal, se a questão ainda não lhe tiver sido submetida, ou a autoridade central deve notificar as partes. Este dever não deve impedir a autoridade central de notificar também as autoridades públicas competentes, de acordo com o direito interno. “.
Na sequência do acabado de expor , e descendo de seguida ao rol dos factos provados, inquestionável e pacífico é que o menor A, tendo nascido em Portugal a 30.03.2008, certo é que a partir de 2012 passou a residir na Alemanha , passando doravante a ser neste país que se fixou o seu domicílio habitual, mantendo-se próximo de ambos os progenitores , ou seja , até o momento em que a progenitora B o “transfere” para Portugal, e decide unilateralmente alterar o seu domicílio, fixando-se com carácter de permanência no nosso País, é a Alemanha o País de residência habitual do menor A, e , ademais, e em termos de facto, existe o exercício conjunto por ambos os progenitores das atinentes responsabilidades parentais.
Ora, ao interferir com o exercício do direito de custódia conjunto , e , ao reter o menor A em País que não é – à data - para todos os efeitos o da sua residência habitual, ao arrepio e contra a vontade do outro progenitor, interferindo assim e efectivamente com o relacionamento existente entre o referido progenitor e o filho - limitando inevitavelmente a relação afectiva entre ambos - , tudo aponta portanto para que se encontre verificada a situação da alínea b), do artº 3º, da Convenção, impondo-se em consequência concluir que a progenitora B está a reter ilicitamente no nosso País o menor A.
Acresce que, ainda não esteja prima facie ainda regulado o exercício do poder paternal do menor A, em face da separação de ambos os seus progenitores, certo é que, quer à luz do nosso Código Civil ( artºs 1901º e 1906º ), quer também do Código Civil Alemão [ BGB, artº 1626 a), e tendo presente a factualidade inserta no item de facto nº 2.4 ], é incontornável que as questões de particular importância para a vida do filho ( como o é manifestamente o do local da respectiva residência ) são e devem sempre ser decididas em comum por ambos os progenitores , que não por apenas um dos pais. (10)
Perante a referida e inevitável conclusão [ o da retenção ilícita , no nosso País , do menor A] , forçosa é assim a aplicação do comando do artº 12º da Convenção , o qual determina/obriga [ em consonância de resto com o objectivo principal da Convenção - cfr. artº 1º - , que é o de repor o status quo inicial das crianças ] que , quando uma criança tenha sido ilicitamente retida e tiver decorrido um período de menos de 1 ano entre a data da retenção indevida e a data do início do processo, a autoridade respectiva deverá ordenar o regresso imediato da criança.
E, mesmo que se mostre decorrido o período de um ano entre a data da deslocação e a data do início do processo , deve também a autoridade respectiva ordenar o regresso imediato da criança, salvo se for provado que a criança já se encontra integrada no seu novo ambiente. ( artº 12º )
Porque in casu nada permite concluir que decorreu o período de um ano entre a data da deslocação e a data do início do processo ( em 29/7/2020), tudo aponta portanto para que prima facie a decisão do tribunal a quo teria forçosamente que ter sido diversa da que tomou, a saber, a de ordenar/determinar o regresso imediato do menor A.
Não tendo todavia o tribunal a quo enveredado pela prolação da decisão “regra”, resta de seguida aferir se, ainda assim, importa considerar que decidiu bem, porque justificada/provada uma situação de excepção, a saber, uma qualquer fattispecie subsumível no artº 13º, da Convenção.

Vejamos.

Diz-nos o Artigo 13.º da Convenção sobre Aspectos Civis do Rapto Internacional de crianças, que :
“ Sem prejuízo das disposições contidas no artigo anterior, a autoridade judicial ou administrativa do Estado requerido não é obrigada a ordenar o regresso da criança se a pessoa, instituição ou organismo que se opuser ao seu regresso provar:
a)- Que a pessoa, instituição ou organismo que tinha a seu cuidado a pessoa da criança não exercia efectivamente o direito de custódia na época da transferência ou da retenção, ou que havia consentido ou concordado posteriormente com esta transferência ou retenção; ou
b)- Que existe um risco grave de a criança, no seu regresso, ficar sujeita a perigos de ordem física ou psíquica, ou, de qualquer outro modo, a ficar numa situação intolerável.

A autoridade judicial ou administrativa pode também recusar-se a ordenar o regresso da criança se verificar que esta se opõe a ele e que a criança atingiu já uma idade e um grau de maturidade tais que levem a tomar em consideração as suas opiniões sobre o assunto.
Ao apreciar as circunstâncias referidas neste artigo, as autoridades judiciais ou administrativas deverão ter em consideração as informações respeitantes à situação social da criança fornecidas pela autoridade central ou por qualquer outra autoridade competente do Estado da residência habitual da criança.”
Conhecidas as situações fácticas que possibilitam que o tribunal enverede pela prolação de uma decisão de recusa , importa precisa que, aquando da aferição da verificação dos respectivos pressupostos, exigível é não olvidar que em sede de aplicação da Convenção, o papel essencial do Tribunal do Estado requerido é o de restaurar o status quo ante, e , bem assim, que segundo as regras da experiência, é inquestionável que toda a decisão judicial que ordena o regresso de uma criança ao Estado onde tinha a sua residência habitual [ afastando-a do convívio do progenitor guardião/raptor que, na grande maioria dos casos, é porém e precisamente a pessoa de maior referência do menor, e com quem mantém ela laços de afectividade mais próximos/acentuados ], provoca sempre inevitáveis danos psicológicos para a criança, razão porque, compreensível é que vg a excepção da alínea b), do artº 13º, prima facie apenas seja actuada em situações de prova da existência de um quadro de manifesto e grave perigo para o bem estar da criança.
Do mesmo modo, e em contraponto ao referido, importante é também atentar que o interesse da criança aconselha a que deva privilegiar-se a continuidade das suas relações afectivas com a pessoa que sempre esteve mais próxima de si, desempenhando as tarefas básicas em sede de cuidados de alimentação, saúde, e educação, o que tudo aconselha - no interesse na criança - a que o regresso da criança para junto do progenitor não guardião acarreta sempre um potencial risco para a mesma.
Por último, e nesta sede, pertinente é também não descurar a preocupação que as instituições e os tribunais devem ter no sentido de enveredarem por decisões que desincentivem as práticas de transferências e retenções “ilícitas”, não devendo estas últimas acabarem no final por se imporem - como factos consumados, e por regra em benefício do progenitor infractor - ao progenitor prejudicado.
Tudo visto e ponderado, todas as preocupações acima indicadas são , é verdade, todas elas sensíveis e devem merecer a nossa atenção, mas, ainda assim, o que deve em última instância prevalecer é , e sempre, a decisão que melhor responde/satisfaz o interesse da criança, e isto apesar de, para tanto, houver que desatender a pretensão do progenitor “prejudicado/lesado”.
Dir-se-á que, se a Convenção tem, “também”, por desiderato proteger a criança , pois que, a respectiva ratio parte do pressuposto e firme convicção de que os interesses da criança são de primordial importância em todas as questões relativas à sua custódia, então, caso tudo indique que o regresso da criança, ao abrigo e por força da Convenção, não vá de encontro ao seu interesse, bem pelo contrário, então não deve ele ser decretado.
O referido entendimento, compreensivelmente, é aquele que vem sendo sufragado por algumas decisões de Tribunais de 2ª Instância, sendo para tanto de destacar v.g.o Ac. do TR de Coimbra de 22-02-2005. (11)
Postas estas breves considerações, e incidindo a nossa análise sobre a factualidade provada, importa de imediato afastar a possibilidade e/ou pertinência de existir fundamento fáctico susceptível de integrar a previsão das alíneas a) e b), do artº 13º da Convenção.

Porém, já a previsão da 3ª situação a que se refere o artº 13º da Convenção, e tendo presente a factualidade provada em 2.12 [ “ O A tem uma forte ligação afectiva com o pai e com a mãe, mas quer ficar a viver em Portugal, onde tem tios, primos e demais família alargada, materna e paterna, vontade que manifesta de forma madura, espontânea e estruturada “ ], é conclusão que faz todo o sentido considerar-se verificada, ainda que do ponto de facto em causa devam forçosamente ser excluídos os juízos/adjectivos "qualificativos" que dele constam, a saber, de "madura", "espontânea" e "estruturada" .
Para tanto, importa atentar que o menor A nasceu em Portugal a 30.03.2008, logo , quando a 13/8/2020 é ouvido pela Juiz titular do processo tem já 12 anos de idade.
Neste conspecto, recorda-se que é precisamente a idade de 12 anos aquela que é, pelo nosso Legislador, e em diversas disposições legais, considerada como sendo a “relevante em sede de atendibilidade e/ou valoração da “vontade do menor.
É assim que, vg em matéria de adopção, e no Código Civil [ art.º 1981º, n.º 1 al. a) e 1984º al. a) ], é com a idade de 12 anos que se mostra necessário o consentimento do adoptando e dos filhos do adoptante , respectivamente.
É assim também que, na LEI DE PROTECÇÃO DE CRIANÇAS E JOVENS EM PERIGO [Lei n.º 147/99, de 01 de Setembro], A intervenção das entidades referidas nos artigos 7.º e 8.º depende da não oposição da criança ou do jovem com idade igual ou superior a 12 anos.
E é ainda assim que, no artº 35º do REGIME GERAL DO PROCESSO TUTELAR CÍVEL [ Lei n.º 141/2015, de 08 de Setembro ], e em sede de realização da conferência de Pais, dispõe o respectivo nº 3 que “ A criança com idade superior a 12 anos ou com idade inferior, com capacidade para compreender os assuntos em discussão, tendo em atenção a sua idade e maturidade, é ouvida pelo tribunal, nos termos previstos na alínea c) do artigo 4.º e no artigo 5.º, salvo se a defesa do seu superior interesse o desaconselha”.
Por último, ainda no Código Civil, e no seu artº 1878, diz-nos o respectivo nº 2 que “ os filhos devem obediência aos pais ; estes, porém, de acordo com a maturidade dos filhos, devem ter em conta a sua opinião nos assuntos familiares importantes e reconhecer-lhes autonomia na organização da própria vida”.
Já em sede criminal, não é também por mera coincidência que o artº 249º, do Cód. Penal vem estipular que nos casos previstos na alínea c) do seu n.º 1 [ o qual comina com pena de prisão de prisão até dois anos ou com pena de multa até 240 dias quem “ De um modo repetido e injustificado, não cumprir o regime estabelecido para a convivência do menor na regulação do exercício das responsabilidades parentais, ao recusar, atrasar ou dificultar significativamente a sua entrega ou acolhimento“ ], a pena é especialmente atenuada quando a conduta do agente tiver sido condicionada pelo respeito pela vontade do menor com idade superior a 12 anos.
Em suma, se é verdade que a valoração da vontade de um menor depende essencialmente do grau do seu discernimento e da sua maturidade, importando ponderar/atentar caso a caso do estado do respectivo desenvolvimento e amadurecimento, pacifico é também que a lei não raro aponta/fixa a idade de 12 anos como sendo aquela a partir da qual a opinião do jovem é relevante.
Dir-se-á que como que pressupõe o legislador [ qual presunção legal – cfr. artº 350º, do CC ] que a criança/menor com idade superior a 12 anos dispõe já da capacidade exigível para compreender os assuntos em discussão e relativos à sua pessoa ( designadamente em sede de guarda e de regime de visitas ), porque já suficientemente [ com 12 anos de idade atravessa já o menor uma fase decisiva da formação da sua personalidade e do seu desenvolvimento físico, apresentando por regra um discernimento suficiente ] ponderada, madura e consciente.
Ora, em face do acabado de expor, e , não permitindo de todo a factualidade provada “suspeitar” que a vontade manifestada pelo menor no âmbito da audiência realizada nestes autos se mostra “ter sido condicionada pela progenitora” [ cfr. conclusão recursória do apelante ] , forçoso é então concluir que a decisão apelada mostra-se JUSTA, em suma, importa manter-se porque suportada pelo próprio artigo 13.º da Convenção sobre Aspectos Civis do Rapto Internacional de crianças, mais precisamente na parte em que nele se dispõe que “A autoridade judicial ou administrativa pode também recusar-se a ordenar o regresso da criança se verificar que esta se opõe a ele e que a criança atingiu já uma idade e um grau de maturidade tais que levem a tomar em consideração as suas opiniões sobre o assunto.”.
Neste conspecto importa precisar que à “oposição” a que se refere o referido artº 13º da convenção, se manifestada/declarada por criança com uma idade e um grau de maturidade atendíveis, como que é conferida “verdadeira” preponderância decisória sobre onde pretende estar, isto é, consubstancia decisivamente o desejo da Criança um factor determinante também para a aferição de qual em concreto o seu superior interesse , dispondo ele de uma relevância significativa enquanto fundamento de recusa da autoridade judiciária em ordenar o seu regresso. (12)
Ademais, não se olvidando que, em face do disposto no artº 3.º , nº1, da Convenção sobre os Direitos da Criança de 1989 (13) “Todas as decisões relativas a crianças, adoptadas por instituições públicas ou privadas de protecção social, por tribunais, autoridades administrativas ou órgãos legislativos, terão primacialmente em conta o interesse superior da criança”, certo é que também in casu não nos fornecem os autos quaisquer elementos concretos decisivos e relevantes que legitimem considerar que, perante os mesmos, se justificava – com fundamento na defesa do interesse superior do A - , não valorar/relevar a vontade do menor, e , consequentemente, determinar sem mais o deferimento do pedido de restituição/regresso imediato do menor à Alemanha.
Ao invés, se atentarmos também à factualidade provada nos itens de facto nºs 2.9. a 2.12, maxime à circunstância de o Aestar inscrito, para o ano lectivo 2020/2021, numa escola internacional sita na zona de Cascais, onde o ensino é leccionado em inglês , e , bem assim, ter ele em Portugal a sua família alargada, materna e paterna, então outrossim o critério sempre essencial da salvaguarda do interesse superior da criança” pende para o acerto da decisão do primeiro Grau de recusa em ordenar o seu regresso à Alemanha.
Em suma, em face de tudo o supra exposto, deve assim a apelação interposta improceder, merecendo a decisão recorrida ser confirmada
*

4–Sumariando ( cfr. artº 663º,nº7, do Cód. de Proc. Civil ) (acima transcrito ).

5– Decisão.
Em face de tudo o supra exposto,
acordam os Juízes na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa, em , não concedendo provimento à apelação interposta por C :
5.1.-Confirmar a sentença apelada .
Custas pelo recorrente.
***


(1) Em AS MALQUISTAS DECLARAÇÕES DE PARTE "Não acredito na parte porque é parte" , Julho de 2015, JULGAR on line.
(2) Neste sentido, vide v.g. MARIANA FIDALGO, em A Prova por Declarações de Parte, FDUL, 2015, pág. 80.
(3) Em BLOG do IPPC, de 25/5/2018, Para que serve afinal a prova por declarações de parte?, in https://blogippc.blogspot.com/2018/05/para-que-serve-afinal-prova-por.html.
(4) Cfr. de entre muitos outros os Acs. do STJ de 2/12/2013, Proc. Nº 1420/06.2TVLSB.L1.S1, e de 24/1/2012, Proc. nº 1156/2002.L1.S1, ambos in www.dgsi.pt.
(5) Cfr. António Santos Abrantes Geraldes, in Recursos em Processo Civil, Novo Regime, 2010, 3ª Edição, pág. 309, e Ac. do STJ de 3/11/2020, Proc. Nº 2168/17.8T8PNF.P1.S1, sendo Relatora MARIA JOÃO VAZ TOMÉ em www.dgsi.pt.
(6) Cfr. Ac. do STJ de 1/7/2014, Proc. nº 1825/09.7TBSTS.P1.S1, in www.dgsi.pt.
(7) Cfr. António Santos Abrantes Geraldes, ibidem, pág. 318.
(8) Concluída na Haia em 25.10.1980, e aprovada pelo Decreto do Governo nº 33/83, de 11 de Maio, e que entrou em vigor em Portugal no dia 1/12/1983, cfr. Aviso publicado no D.R. nº 126/84, Série I, de 31/5/84.
(9) O qual, vigora tanto em Portugal como na Alemanha, desde 1 de Agosto de 2004, com excepção de algumas disposições imediatamente aplicáveis, constituindo fonte derivada do Direito da UE, com aplicação directa e que também prevalece sobre o direito interno, nos termos do artigo 8.º, n.º 4, da Constituição, como bem salienta o Ac. do TR de Lisboa, de 1-10-2013, in Procº nº 2273/07.9TMLSB-7, sendo Relator TOMÉ GOMES, e in www.dgsi.pt.
(10) Vide o Ac. do TR de Lisboa, de 24-03-2009, in Procº nº 2273/07.9TMLSB-7, sendo Relatora CONCEIÇÃO SAAVEDRA, e in www.dgsi.pt.
(11) Em Processo nº 2544/04, sendo Relator SOUSA PINTO, e in www.dgsi.pt .
(12) Cfr. RICARDO JOÃO MOTA GONÇALVES, “Princípio da Audição da Criança”, em Dissertação com vista à obtenção do grau de mestre em Direito na especialidade de Forense e Arbitragem, Setembro 2017, Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa, e acessível em https://run.unl.pt/bitstream/10362/42981/1/MotaGon%C3%A7alves_2018.pdf
(13) Adoptada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 20 de Novembro de 1989, assinada em Nova Iorque a 26 de Janeiro de 1990 (entrando em vigor em 2 de Setembro de 1990 ) e ratificada por Portugal em 21 de Setembro de 1990 - através da Resolução da Assembleia da República n.º 20/90, de 12 de Setembro.
***


LISBOA, 22/4/2021


António Manuel Fernandes dos Santos(O Relator)
Ana de Azeredo Coelho (1ª Adjunta)
Eduardo Petersen Silva (2º Adjunto)